chupa manga zine
número 12 ● março 2019
nesta edição: greve geral paralisa o país nossa lista dos melhores canais sobre música no youtube chupa manga zine vira tese acadêmica retrospectiva do ano que passou as lendas da viola caipira aprenda a tocar chapa mamba e muito mais!
chupa manga zine
número 12 ● março 2019
expediente
cbna
editor-chefe, redator, revisor, diagramador, estagiário, jurídico, publicidade, vendas e assinaturas
Stêvz é o nosso fantástico editor, e apesar de preferir não empregar superlativos, referir-se a si mesmo na primeira pessoa do plural ou na terceira do singular, é exatamente isso que está fazendo agora. Assina todos os textos deste zine, exceto onde indicado.
Stêvz
fale conosco chupamangarecords@gmail.com chupamanga.tumblr.com
Impresso, dobrado e grampeado em casa no fim do verão de 2019
Chupa Manga Records São Paulo • Pós-Brazil
na capa: carrinho de bebê com rádio acoplado, invenção de 1921
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Atingir a marca de uma dúzia de edições não é para qualquer publicação, meus caros e minhas caras. Não que isso demonstre qualquer coisa além da minha teimosia em preparar um novo número a cada dois ou três meses, imprimir um punhado de cópias e deixar registrado o que se passou com o selo durante esse período, além de experimentar um ou outro texto mais longo e roubar descaradamente trechos de livros velhos e embolorados encontrados em sebos por aí. A feitura do zine é, sobretudo, um exercício — por vezes totalmente egocêntrico, é verdade —, de memória, com um tanto de curiosidades e informações ultrapassadas ou completamente irrelevantes no meio. Não muito diferente de uma publicação no Facebook, um story do Instagram, ou uma thread de tweets do tipo "vem comigo que eu te explico", mas pelo menos os interessados (caso existam) têm de se dar ao trabalho de comprar o exemplar, abri-lo e manuseá-lo fisicamente para poder ler estas baboseiras. E isso muda tudo. Existimos, no mundo real, por mais que metade dos assuntos ainda se refira a materiais disponíveis quase que exclusivamente no domínio digital. Não deixa de ser irônico, mas pelo menos a tarefa cumpre a função de amansar um pouco o nosso desejo constante de satisfação e feedback instantâneos: há tempo de sobra para se arrepender e, na pior das hipóteses, é só pôr fogo em cada um dos exemplares, antes que algum engraçadinho tenha tido a chance de fazer prints constrangedores para esfregar qualquer eventual ato-falho na nossa cara depois. Mas não se preocupe, pode entrar, a casa é sua, fique à vontade e qualquer coisa é só escrever reclamando para o nosso SAC. Estamos dando o nosso melhor.
SESSร O MARMELADA
retrospectiva 2018
Reunimos todos os singles lanรงados por Stvz em 2018, nesta playlist de quase meia hora:
soundcloud.com/ chupamanga/sets/ stvz-singles-2018
Na página ao lado, capas de singles. Abaixo, um texto com várias palavras.
Embora no nosso catálogo só constem oficialmente 4 lançamentos (Irmão Victor "Cronópio?", Chapa Mamba "Le Lab de Lux Sessions vol. 2", Stvz "Impostor" e Bagdá Mirim "Bangue-Bangue" — o último, com direito a duas apresentações no DF), 2018 foi um ano movimentado. Nos mudamos de Porto Alegre para São Paulo, e desde então temos lançado um punhado de singles soltos sem numeração, confortavelmente reunidos a posteriori em uma única playlist para a comodidade auditiva dos nossos leitores e leitoras. Para este ano, já estão em gestação novos discos dos Rabanadas e da Chapa Mamba, além de algumas adições ao nosso karaokê, e outras colaborações e projetos secretos em fase inicial. Também vamos, como você deve ter percebido, continuar editando o nosso zine, que já vai na 12ª edição (esta que você tem em mãos), e em 2018 teve reunidos do número 3 ao 10 em uma coletânea bonitona, além de virar tema de tese acadêmica. O plano para 2019 é tocar mais ao vivo, em formações diversas, e sair pouco a pouco do isolamento. procura-se instrumentistas! O Chapa Mamba mesmo voltou a apresentar-se nos palcos — em um show despretensioso em fevereiro para meia dúzia de fãs fervorosos no 74club, em Santo André (SP), junto com a dupla Color for Shane —, e bem que podia usar mais uma guitarrinha na sua formação, ou quem sabe alguém para segurar os vocais com mais propriedade, just saying. Metade do repertório da banda já não pode ser reproduzido com fidelidade ao vivo, infelizmente. Também seria lindo arrumar uma banda para tocar as músicas do "Impostor" ao vivo. No mais, temos uma porrada de demos e faixas inacabadas desde 2015 que deverão sair, todas de uma vez, em uma coletânea de 4 volumes muito em breve. São "canções que eu gostaria de terminar um dia", mas é hora de seguir em frente.
ESPECIAL
chupa manga chega à academia Antes mesmo de decretada a morte desta publicação, já começam a dissecar o seu cadáver nos salões da academia. O jornalista Rodrigo dos Santos Oliveira, da banda gaúcha Os Croquetes, analisou minuciosamente o nosso zine — certamente para entediar até à exaustão os ilustres componenetes da banca examinadora — no seu TCC sobre a "subversão das práticas das redações" na PUC-RS. À surpresa de ter algum leitor, soma-se a de ter ludibriado tão facilmente uma instituição renomada como essa. Mas já seria o bastante figurar entre as siglas da lista de abreviações que abre o trabalho, dignas de um tratado sobre a contracultura dos anos 1960: AC – Análise de Conteúdo AI-5 – Ato Institucional Número 5 CIA – Central Intelligence Agency CMZ – Chupa Manga Zine DIY – Do it yourself EUA – Estados Unidos da América IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LED – Light Emitting Diode LSD – Lysergsäurediethylamid UnB – Universidade de Brasília
Selecionamos, obviamente, os trechos mais lisonjeiros do estudo para provar, de uma vez por todas, que quem procura acha:
Chupa Manga Zine está longe de ser uma publicação indispensável. O músico garante que a publicação "tem um lado bem informal". Entretanto, notase uma clara preocupação, sobretudo, nas matérias que não incluem informes do selo musical, com a boa execução da apuração, assim como com a elucidação de temáticas para o público leigo.
tremenda autoestima do Barão de Itararé, personagem criado por um dos mais famosos jornalistas e escritores brasileiros do século passado, Apparicio Torelly49 (1895-1971).
Circunscrito pela experimentação narrativa, CMZ propõe diálogos nada convencionais. Através da sensibilidade do interlocutor, temáticas e entrevistados convidados têm suas características Stêvz é mais um zineiro que desafia os amplificadas. Além de enaltecer os êxitos esquemas das grandes da gravadora, sem medo editoras para provar ser de soar egocêntrico, Vieira Chupa Manga Zine propõe uma rede, de carápossível empregar técnão espelha um nicas tão eficazes quanter interativo, de alternaticomprometimento to insubordinadas para vas à indústria fonográfica, puramente estétia editoração de publiatualmente enfraquecida, co, mas, acima de cações independentes. mas ainda relevante. tudo, político. Como um verdadeiro praticante do faça-você-mesFalar sobre si, para revemo, ele grava seus discos, administra um lar o outro, é uma constante em CMZ. selo e comunica os próprios lançamenO texto opinativo de reflexão, seja ele tos. Seu fanzine não é diferente. Reflete impessoal ou não, costuma partir de um as crônicas de um observador participansentimento individual, que resulta no te em vias de constante despejo criativo compartilhamento de ideias, direcionadas (PERKINS, 1992). a novas formas de organização social. Linguagem verbal: um tom irreverente e pitoresco, gritante desde a edição inaugural, distingue os textos da publicação. Vieira admite copiar o estilo malandro e a
Com a intenção de responder se o conteúdo de Chupa Manga Zine, desenvolvido quase inteiramente pelo designer e músico Estêvão Vieira é, de fato, jornalístico,
empreendeu-se uma análise de conteúdo apoiada na metodologia de Laurence Bardin (2009), uma das principais fontes para o desenvolvimento deste estudo. O corpus da pesquisa, formado por duas edições do fanzine, publicadas entre 2015 e 2018, tiveram os seus conteúdos restritos às áreas da música, da cultura e de variedades. No entanto, compuseram um intercâmbio de informações, com destaque para a argumentação opinativa. (...) embora tenha seu conteúdo dividido em editorias tradicionais, o onipresente ineditismo de temáticas em CMZ ou, pelo menos, a inegável infrequência destes em revistas pertencentes às grandes editoras, torna a publicação memorável. Nota-se um claro comprometimento com o inusitado, refletido em reincidentes provas de amor à cultura independente, inscritas em cada página. (...) além de operar como testemunho das atividades do selo, CMZ constitui um espaço mais plural do que se pensara inicialmente. No fanzine, circulam informações e opiniões que tangenciam aquelas disseminadas por veículos tradicionais – mesmo especializados – e que indispõem da subserviência para com o interesse
público. Em contraste, reverenciam, principalmente, o interesse do público. Isto é, aquele que se limita a uma camada específica da sociedade e aos conteúdos, por ela consumidos, por vontade própria. Chupa Manga Zine também não demonstra qualquer excesso com a forma. Não empreende extravagâncias ao misturar recursos gráficos, tais como tipos, retículas e frisos. Ou seja, jamais impõe a sobrevaloração do enriquecimento visual em detrimento da compreensão da mensagem. CMZ é um fanzine clássico – direto ao ponto – arranjado conforme o seu conteúdo. A partir da leitura analítica, também é possível estabelecer os motivos pelos quais CMZ pode ser compreendido como uma publicação transgressora. Em linhas gerais, por abraçar, como propósito, tornar visível tudo aquilo que não tem vez na mídia massiva. Isto é, a música independente, deslocada e, por vezes, atonal, que escolhe não vestir a roupagem sonora do que é socialmente aceitável ou comercialmente apelativo. E é por este motivo que Chupa Manga Zine não espelha um comprometimento puramente estético, mas, acima de tudo, político.
Enquanto o debate sobre uma cena indefirmando a irredutível importância do pendente pode mantê-la viva, estudar estar-junto e a intervenção do coletivo nas o fazer jornalístico no mesmo contexto relações interpessoais. também o legitima. Assim como os conjuntos musicais autônomos exigem espaAssumia-se tacitamente agora que o mundo consistia em vários bilhões de seres humaços culturais (abertos ou fechados) para nos definidos pela busca do desejo indivinão sucumbirem ao esquecimento, o jordual, incluindo desejos até então proibidos nalismo zineiro precisa ser discutido para ou malvistos, mas agora permitidos – não ser compreendido e, então, aperfeiçoado. porque se houvessem tornaAmbas as partes precido moralmente aceitáveis, mas sam do incentivo finanAfinal, zine é porque tantos egos os tinham ceiro, acadêmico e de compromisso! (HOBSBAWN, 1995, p. 327). público para que não É instrumentasejam condenados ao lizar os poderes exílio de um espaço Tal característica demarca da palavra, assim que poderia ser deles. um momento chave para como da imagem, Tampouco descartados, entendermos a contraculpara iluminar tal qual um produto tura e as suas decorrências. os caminhos que excede o prazo de Afinal, zine é compromisso!74 cerrados do validade, registrado de É instrumentalizar os podeunderground. antemão. res da palavra, assim como da imagem, para iluminar Quando se retoma a compreensão da os caminhos cerrados do underground. contracultura como fenômeno histórico, É enfrentar sucessivas e vertiginosas o qual sugere a mudança estrutural da transformações para consolidar nichos sociedade de massa em dimensões que de mercado e propor alternativas às forincluem a subjetividade individual (SILVA, malidades dos meios de produção jorna2015, p. 12)73, identifica-se uma relação lísticos. Também, é resistir aos numerosos estudos que sugerem estar-se diante dos dialética entre o zineiro e o seu público. últimos anos da mídia impressa. Hoje, Um tipo de emergência em nome da fazer zine, é, também, resistir. identificação com sujeitos semelhantes,
CONTO
greve geral
Músicos cruzam os braços em todo o país, calam-se as óperas e discotecas
Tudo começou com a banda do programa de auditório. Cansados das interrupções da claquete e movidos por altos ideais polifônicos, os músicos decidiram boicotar a vinheta de abertura daquela noite. O protesto talvez passasse até batido, não fosse o silêncio constrangedor — graças ao apoio imediato do técnico de som — bem na hora do jingle dos patrocinadores. Um atônito apresentador ainda fez piada para as câmeras, desculpouse culpando problemas técnicos, mas, após o intervalo e ao longo do segundo quadro, já havia ficado claro que nem mais uma notazinha sequer sairia dos instrumentos no palco.
As ruas estavam calmas. A súbita ausência do muzak nas salas de espera, no caminhão do gás e nas lojas de departamentos demorou a ser notada, até que fosse tarde demais. Outras categorias tinham se juntado ao grupo, reivindicando melhores condições de trabalho e uma gama cada vez mais ampla de exigências como regulamentação de refrões óbvios, subsídio de pentagramas e diapasões, acesso irrestrito a cotonetes e palhetas e paridade salarial entre músicos de apoio, ídolos sertanejos, repentistas regionais e instrumentistas de orquestra sinfônica. Aos poucos, começaram a ficar violentos, fiscalizando quem furasse a greve. As festas de casamento não encontravam um mísero DJ disponível para animar os convidados na recepção ou para tocar a marcha nupcial na entrada dos noivos. Nos cultos das igrejas já não se entoavam hinos e cânticos religiosos, e até mesmo nas festinhas de aniversário das crianças, bastava alguém puxar o coro do parabéns para ser prontamente reprimido por hordas de compositores insatisfeitos. Duas meninas que brincavam de roda chegaram a ser repreendidas pela ala mais radical, e o assunto foi notícia em to-
dos os jornais matutinos. Passou-se a apreender cavacos, tamborins e caixas de fósforo nos churrascos de fundo de quintal. Em pouco tempo, a situação tornou-se insustentável. O ECAD declara a greve ilegal, mas até a banda militar se recusa a executar o hino nacional durante a troca da bandeira. Tem início uma verdadeira revolução. As comunidades imploram por um baile, um pancadão, um pagodinho. Os lounges dos hotéis, as vernissages e coquetéis já não podem disfarçar a conversa pegajosa dos seus frequentadores sem um pianinho bossa-nova no fundo, cobrindo o tilintar das taças. Multiplicam-se os mal-entendidos. Na praia de Copacabana, a estátua de Caymmi é vandalizada com palavras de ordem contra o tonalismo. Surgem as primeiras teorias sobre uma possível conspiração microtonal pós-serialista que tentaria tomar o poder. É o fim dos karaokês, dos comerciais de tevê, dos vídeos motivacionais. Em assembleia extraordinária, alguns dos presentes chegam a pôr em pauta a criação de meios tecnológicos inéditos para inspecionar quem cantarolasse mentalmente qualquer melodia, mesmo em domínio público — o que seria ins-
tantaneamente faturado na conta do seu autor ou dos herdeiros, a título de royalties mentais, para aumentar a pressão. Da sacada da janela, na Urca, o rei Roberto Carlos adere à causa, cancela o especial de fim de ano e retira todo o seu catálogo de circulação. É o que faltava para deflagrar a maior crise fonográfica da história do país. A opinião pública permanece confusa. Latino, o novo ministro da cultura, intervém: clama aos grevistas para que ao menos liberem a execução pública do axé-funk durante o carnaval de Salvador. Surge o bloco silencioso dos Dodecafônicos Cafonas (vulgos “doidecafonas”), em protesto, por parte da sociedade civil. Passadas algumas semanas, parecemos depender dos amadores em geral, cantores de chuveiro e desafinados atonais de toda espécie, mas fica logo evidente a dificuldade de manutenção de uma malha melódica metropolitana nesse ritmo. É estabelecido um mercado clandestino onde são disputados sósias de Renato Russo e bandas cover de Guns 'n' Roses a preço de ouro. Os mais saudosistas chegam mesmo a formar filas quilométricas nos orelhões,
apenas para ouvir a musiquinha da chamada à cobrar, que ainda não havia, milagrosamente, saído do ar. Tudo vai de mal à pior, até que o governo propõe um acordo. Cada cidadão passará a ter o direito de emitir apenas uma das doze notas da escala ocidental, de acordo com o seu CPF. O novo rodízio cromático é aprovado em caráter de urgência no congresso. O contrabando de métodos de iniciação harmônica aquece uma nova cultura de grupos vocais, que ressalta o aspecto positivo da congregação social necessária para a formação de acordes e intervalos variados. Sem poder contrariar a nova legislação, somado ao recente interesse do público médio pelos trítonos, o movimento começa a perder força. O “tom oficial” de cada pessoa passa a vir discriminado na sua cédula de identidade, junto com o tipo sanguíneo, e chega a ser visto como desígnio divino — associado aos doze signos do zodíaco pelos mais esotéricos. Com o desenrolar dos anos, toda a população desenvolve ouvidos absolutos. É, enfim, o triunfo da música.
ENTREGANDO O OURO
especial youtube Leia esta matéria com hyperlinks no nosso site: chupamanga.tumblr.com
É notório que a televisão, como a conhecemos, vive um declínio sem volta. Desde que o streaming tornou-se uma realidade, serviços como Netflix e Youtube passaram a ditar o consumo (ou seria o contrário?) do público também nessa área. O "youtuber" é, hoje, uma profissão. Mas longe do estereótipo da modelo sensualizada que vende produtos e lifestyle, do influencer infantilizado de cabelo colorido que abre embalagens de brinquedos ou dos idiotas politicamente incorretos que se acham humoristas, também há um número cada vez maior de produtores sérios de conteúdo de extrema qualidade que, na sua maioria, ainda dependem do apoio direto dos assinantes em serviços fora da plataforma (como o Patreon ou o nacional Apoia.se) para sobreviver. A seguir, citamos alguns deles no campo da música.
Adam Neely Um dos canais de teoria musical mais interessantes do Youtube, na nossa opinião, por abranger desde temas práticos (vide a série "How Not to Suck at Music", em que o cara opina e dá sugestões sobre os vídeos dos assinantes) a pirações filosóficas sobre a natureza profunda da música e seus desdobramentos (em vídeos como "Musical Fractals", por exemplo, tema que ele também explora em uma interessante palestra no Ableton Loop de 2017). Adam Neely é um contrabaixista de jazz formado na Berklee School of Music, em Nova York, e consegue captar a atenção do espectador com vídeos simples mas extremamente dinâmicos e bem editados.
entrevistas, como a ótima "Couch Wisdom", a oficinas mais técnicas e curiosidades dentro do estúdio, como a série "Channel-by-Channel" — bem no estilo "Classic Albums", destrinchando mixes conhecidas —, que ganhou também uma versão brasileira.
12tone O que começou como um canal de análises harmônicas de canções populares, agora também envereda por teorizações mais malucas, no estilo do canal anterior, sobre "o que é música", "fórmulas de compasso negativas", escalas raras e sistemas de afinação alternativos, pra ficar em alguns exemplos; além de um pouco de história. Apesar de meio acelerado demais — em um estilo semelhante ao da matemática Vi Hart, outra ótima youtuber que vale mencionar, onde vemos apenas as mãos da narradora escrevendo e desenhando em um caderno pautado —, vale conferir.
Vox Earworm Seguindo o alto padrão de qualidade infográfica da Vox, em vídeos super bem produzidos, a série "Earworm" consegue sair do óbvio e explicar didaticamente, mesmo para completos leigos, alguns temas inusitados no contexto da música pop, como a inesperada ligação de Igor Stravinsky com os primeiros sintetizadores (um acorde da sequência final do "Firebird" vinha sampleado no Fairlight CMI, e o patch "OrchestraHit" foi usado em diversas produções da época); a descoberta por acidente do efeito de gated reverb na caixa da bateria (que seria exaustivamente usado em praticamente todas as músicas dos anos 1980); uma análise do uso de fade-outs no fim de canções radiofônicas e muito mais.
Ableton O canal oficial de um dos melhores programas para se fazer música na atualidade (me patrocinem, porra!), além dos obrigatórios tutoriais traz uma penca de vídeos sobre processo criativo e palestras da conferência anual Loop, produzida por eles. Destas, fica o destaque para a conversa com Susan Rogers — engenheira de som do Prince por anos, doutora em psicologia e atualmente professora adjunta em Berklee — na edição de 2017. Aliás, qualquer entrevista dela é sempre fenomenal! RedBull Music Academy A famosa marca de energéticos investe pesado no mercado musical mundial, com cursos, escolas e estúdios de gravação, e você pode conferir um pouco de tudo isso no canal deles no Youtube. Os vídeos vão desde o registro de palestras e
Polyphonic Mais voltado para o jornalismo pop do que para a teoria musical, os vídeos apresentam obras fundamentais e um retrospecto da carreira de artistas famosos da segunda metade do século vinte pra cá — infelizmente narrados com uma voz terrivelmente irritante. É divertido, mas um tanto superficial.
Orchestration Online Um canal voltado exclusivamente para técnicas de orquestração em música escrita, analisando e trazendo o contexto histórico de obras clássicas. É mais divertido do que pode parecer. David Bruce Em uma versão mais "user friendly" do canal anterior, o compositor britânico David Bruce fala de temas gerais, também de um ponto de vista da música de concerto e orquestra mas mais voltado para a produção contemporânea. Rick Beato Não se deixe enganar pelo estilo vlogger amador de alguns dos vídeos, o que falta de conhecimento de edição audio-
visual sobra em conteúdo no canal do experiente produtor Rick Beato, em aulas que vão desde audições e comparações de timbres de instrumentos à dissecação do estilo sonoro de diversos engenheiros de som, passando por análise de solos e canções clássicas, e aulas sobre compressores. Só falta aprender a cortar os vídeos, paciência. Nahre Sol A pianista e compositora de ascendência coreana Nahre Sol usa o seu treinamento clássico para esmiuçar outros estilos e tentar incorporar as características deles à sua própria música, sempre levando o seu tecladinho de três oitavas por aí e gravando os exercícios ao ar livre. Jeff Schneider Basicamente um canal de aulas e análises de harmonia com o multiinstrumentista Schneider, com destaque para o repertório escolhido por ele, que vai de D'Angelo a Rick Astley. Muitas dicas para incrementar as suas progressões de acordes. Tantacrul Um designer de softwares e compositor amargurado analisa a interface de programas de gravação e fala sobre música, tudo com MUITA ironia e mau humor. Conhecemos a ótima banda "Cardiacs" graças a ele, o que já seria o suficiente. Anti O canal punk seminal de "Jimmy" (mencionado na segunda edição deste zine) é um verdadeiro descobridor de bandas fora até do radar mais atento, e agora mudou seu nome para "Anti", mas o conteúdo continua o mesmo, ainda bem. Bill Wurtz Um demente que cria músicas tão grudentas quanto complexas (ou seria o contrário?), e vídeos idem. São dele os clássicos "History of Japan" e "History of the Entire World, I Guess", por exemplo — duas espécies de musicais alucinados com aula de história, cheios de onomatopéias e pequenas assinaturas musicais (numa onda meio "Billy The Mountain" ou "The Adventures of Greggery Peccary", para os fãs de Frank Zappa).
Publio Delgado O forte do guitarrista espanhol (?) são as reharmonizações jazzísticas de canções pop conhecidas, trechos de entrevistas, propagandas e outras esquisitices, bem no estilo do "som da aura" do Hermeto, o que rende boas risadas. Além disso, ele faz outros experimentos notáveis, como um vídeo em que reconstrói o "Préludio em Dó Maior" de Bach, cantando uma nota por dia durante um ano e meio, em diferentes lugares do mundo, e que certamente poderia fazer parte de uma bienal de arte contemporânea. Total Shreds Mais um alívio cômico para a lista, o canal cria versões capengas dos sucessos do momento, na onda dos "musicless videos", reconstruindo o áudio sonoplasticamente com foley e dublagens. Joe Martone Diversas performances ao vivo, do ponto de vista do percussionista. Descobrimos com as seleções de "West Side Story", em que ele se desdobra para executar, sozinho, as partes escritas originalmente para quatro instrumentistas. Um Café Lá em Casa Para não ficar só nos estrangeiros (na próxima faremos uma lista só com conteúdo nacional), não poderíamos deixar de mencionar o fundamental "Um Café Lá em Casa", em que o guitarrista Nelson Faria recebe semanalmente os instrumentistas e compositores mais fodões da música brasileira para um papo e diversos improvisos na cozinha da sua casa. Para além das performances memoráveis, trata-se de um registro importantíssimo de figuras que se confundem com a própria história da nossa música, preenchendo um pouco dessa lacuna ignorada pela mídia de massa. Já passaram por lá Hermeto Pascoal, Itiberê Zwarg, Nelson Sargento, Helio Delmiro, Hamilton de Holanda e muitos outros. #ChupaMangaRecs Siga o nosso canal! Por enquanto ele se resume a singles, teasers, versões de karaokê e álbuns inteiros do catálogo, mas, se houver interesse, pode se transformar em algo mais ambicioso. Que tal?
dicas netflix: documentários Quincy (2018) Um documentário essencial sobre a vida e a carreira do onipresente produtor Quincy Jones. O cara já era foda com vinte e poucos anos, fazendo arranjos para Lionel Hampton, Dinah Washington e Frank Sinatra; conheceu Ray Charles na adolescência e estudou na França com ninguém menos que Nadia Boulanger; tudo isso antes de sequer ouvir falar em Michael Jackson. O resto você já sabe. Ou, se não sabe, deveria assistir. Nat King Cole: Afraid of the Dark (2014) A história do maravilhoso crooner, que além de ter uma das mais belas vozes do showbusiness era uma pianista e improvisador de mão cheia, e foi o primeiro homem negro a apresentar um programa de televisão em rede nacional (precedido por uma mulher, Hazel Scott, ambos nos anos 1950). Isso obviamente lhe rendeu problemas, como falta de patrocinadores e a cena lamentável em que a equipe o obrigou a maquiar-se para parecer mais branco na tela. What Happened Miss Simone? (2015) Em uma triste trajetória como a de tantas outras mulheres negras, Nina Simone sofreu preconceitos raciais e de gênero, agressões físicas e verbais, e além de tudo foi diagnosticada tardiamente com transtorno bipolar. Nada disso, felizmente, conseguiu ofuscar o seu brilhante talento e árduo trabalho como cantora, compositora e pianista reconhecida mundialmente. Chasing Trane (2016) Um filme sobre a vida de John Coltrane, precisa dizer mais que isso?
A Um Passo do Estrelato (20 Feet from Stardom: Shining the Spotlight On Backup Singers, 2013) Vencedor do Oscar de melhor documentário em 2014, esse ótimo doc coloca um rosto nas vozes onipresentes das cantoras de apoio dos EUA em praticamente todos os discos da música pop dos anos 60 e 70. Lembra o já citado (na nossa sétima edição) "The Wrecking Crew", mas mais bem produzido, e com a diferença de que as mulheres retratadas — na sua maioria, negras e sem treinamento formal — tiveram muito mais dificuldades para manter uma carreira após o seu auge. A cena em que uma delas ouve sua música no rádio, enquanto fazia faxina em uma casa de ricos para sobreviver, é de partir o coração. N.d.E.: Infelizmente, na data de fechamento desta edição o filme já não se encontrava mais no catálogo da Netflix no Brasil. Procure o torrent mais próximo. All Things Must Pass: The Rise and Fall of Tower Records (2015) Um pouco diferente dos outros nessa lista, o filme narra a "ascensão e queda" da famosa loja de discos, desde os primórdios como loja de departamentos até a mal-sucedida tentativa de expansão mundial, humanizando a empresa na figura do seu fundador, o rebelde Russ Solomon. Hoje em dia, curiosamente, uma Tower ainda resiste no Japão, onde foi comprada pelos gerentes locais.
chupa manga play along
© Stêvz, Chapa Mamba - Presente (CHUPA.021, 2017)
1. eles não passarão / por essa geração / sem ter que responder / como podem querer / matar o próprio irmão
2. eles não passarão / dessa encarnação / sem ter que explicar / como podem tentar / vender a própria mãe
eles não passarão
xerocão
costumes e dizeres dos violeiros O violeiro, amante de sua arte e com desejo de sempre ser o melhor da região, utiliza-se de todas as artimanhas possíveis, sendo comum o uso de "simpatias". Com o intuito de divinizar sua arte, muitos violeiros possuem um guizo de cascavel no interior de suas violas, pois acreditam que o "chocalho da cascavel tem eletricidade", o que "aumenta a sonoridade" do instrumento. Outros contam que para ser bom violeiro, é preciso fazer a "simpatia da Cobra", isto é, segurar um filhote de cobra coral pela cabeça e deixá-lo passar seu corpo por entre os dedos várias vezes. Naturalmente essa simpatia é feita com muito cuidado para não ser mordido, e também para não matar a cobra, que depois é solta no lugar onde foi encontrada. O violeiro também tem explicações para tudo. Segundo o depoimento dado por A. Theodoro Nogueira em artigo publicado na Gazeta em 24/08/63, para um violeiro de Rio Preto "uma viola para ser boa tem que ser feita com cedro da baixada". Esta madeira, segundo o violeiro, tem o "tino" muito mais bonito que o cedro do morro. No morro, a árvore é muito judiada pela chuva de pedras e pelo vento, o que faz o som da viola feita desta madeira ficar "neurastênico". O violeiro Palmiro Miranda, de Sorocaba, disse que o segredo do som da viola está na cola. A viola tem que ser colada com uma resina que para descolar precisa de uma junta de bois. Esse mesmo violeiro afirmou que o quinto trasto do instrumento é o seu ponto falso. "A gente afina, afina e ele continua desafinado". Para ajustá-lo é preciso temperar a viola.
do livro Viola Caipira de Roberto Nunes Corrêa Editora Musimed, Brasília, 1983.
A ignorância de termos musicais e as "tiradas" bem humoradas também são muito comuns entre eles. Respondendo a uma indagação de Theodoro Nogueira, um violeiro de Mato Grosso disse que a nota mais aguda da viola é a nota "ré-mi-fó". De seu lado, um instrumentista de Araraquara — violeiro Freitas — disse a seu entrevistador que "a viola é afinada até a meia noite. Depois o sereno da noite e a ressaca da pinga seguram a afinação".
“A viola é afinada até a meia noite. Depois, o sereno da noite e a ressaca da pinga seguram a afinação.”
Alguns violeiros contam que quem quiser, pode se tornar um bom violeiro. Para isto, a pessoa tem que procurar saber se já morreu algum violeiro na região, e em caso positivo, saber o local exato onde ele foi enterrado. Na Sexta-feira Santa, à meia-noite, ele tem que entrar sorrateiramente no cemitério e, à beira do túmulo do violeiro, ajoelhar, fechar os olhos e esticar os braços com os dedos bem abertos. A pessoa tem que rezar três Ave-Marias, e depois pedir para a alma do violeiro vir ensiná-la a tocar viola. Contam os violeiros que, quando a alma chega, a pessoa sente um frio na espinha. Ela pega nas duas mãos do aprendiz, esfrega uma na outra e "estrala" um por um todos os dedos, indo embora logo em seguida numa ventania. Depois disto, o aprendiz reza mais três Ave-Marias em sinal de agradecimento, e pode ir embora todo alegre, pois já é um grande violeiro...
chupa manga play along
© Stêvz Chapa Mamba - O Campo Sutil (CHUPA.004, 2015)
o campo sutil
“Chupa Manga Zine está longe de ser uma publicação indispensável.” Rodrigo Oliveira, jornalista
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