Chupa Manga Zine nº 7

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chupa manga zine

número 7 ● outubro 2017

STVZ LANÇA NOVO SINGLE EM VINIL CANTE COM A CHUPA MANGA COMO são feitas AS TRILHAS DE CINEMA HOJE e mais: CRÍTICA MUSICAL CAPTAIN BEEFHEART DICAS NETFLIX SONGBOOK quadrinhos


chupa manga zine

número 7 ● outubro 2017

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Stêvz é o nosso fantástico editor, e apesar de preferir não empregar superlativos, referir-se a si mesmo na primeira pessoa do plural ou na terceira do singular, é exatamente isso que está fazendo agora. Assina todos os textos deste zine, exceto onde indicado.

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Impresso, dobrado e grampeado em casa na primavera de 2017

Chupa Manga Records Porto Alegre • Brasil

na capa: polaróide anônima datada de junho de 1970, via o extinto squareamerica.com


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Um dia talvez este zine ou um dos nossos discos caia nas mãos de um curioso ou curiosa qualquer em um sebo ou bazar de velharias, por uns míseros trocados — ou, quem sabe, contrabandeado por colecionadores subversivos e obscuros por uma pequena fortuna —, todo amassado, com algumas páginas faltando e a capa embolorada, o ano longínquo impresso no canto. Pode parecer um destino infeliz, mas certamente mais digno do que o dos milhões de terabytes de material cultural, conhecimento científico, pornografia, selfies horrorosas, memes e todo tipo de comentário pedante ou oportunista que desaparecerão para sempre no momento em que a rede mundial de computadores for extinta. Bom, talvez a internet nunca se acabe (exceto quando faltar luz), mas certamente será, como já vem sendo, cada vez mais e mais restrita, excludente e voltada para o lucro de grandes empresas. A dominação política e ideológica através do controle de dados pessoais, do reconhecimento facial e dos algoritmos está logo ali na esquina. Como sabemos, o ciberespaço não é mais território livre (com as devidas excessões e exemplos de resistência), nem terra de ninguém, mas foi completamente loteado entre mega latifundiários digitais e novos impérios especulativos. Danou-se, the dream is over pra chuchu. Tudo isso para lembrar que é bom não se apegar nem acostumar demais com o mundo digital, just sayin'. Precisamos nos desfragmentar, ocupar fisicamente o planeta — não apenas com o nosso lixo seco ou orgânico, mas com produção intelectual, que fique claro —, e para tanto é preciso publicar, imprimir, riscar discos, serigrafar posters e camisetas e lançar tudo o que pudermos no mundo real, mesmo que sirvam, em última instância, apenas como BACKUP DA PORRA TODA. Mais do que isso, precisamos sair da toca, dar a cara a tapa, deixar a introspecção de lado e fazer barulho por aí, fazer amigos por aí, participar ativamente da vida da cidade, de alguma comunidade, de alguma cena, por menor que seja — mesmo que para isso seja preciso criar a nossa própria — e nos relacionarmos uns com os outros de fato. Pois é o que faremos, nos aguardem. Mas tudo no seu próprio tempo...


sessão marmelada

solta o gogó: karaokê CHUPA.022 V.A. - Chupa Manga Karaoke Vol.001 “quem canta seus males espanta” Em mais uma empreitada visionária, a Chupa Manga Records orgulhosamente apresenta o seu próprio karaokê oficial, com versões animadas de grandes sucessos do catálogo, para VOCÊ BRILHAR!

incluindo: Chapa Mamba - A Soma do Quadrado dos Caretas Chapa Mamba - Beleléu Chapa Mamba - Dureza Pura Chapa Mamba - Eles Não Passarão Chapa Mamba - Interurbano Blues Chapa Mamba - Pimenta no Olho dos Outros Quadrúpede Orquestra - Aquela Menina Quadrúpede Orquestra - Eu Vou Embora (Embaçado Demais) Quadrúpede Orquestra - Lá na Minha Casa (Bolores e Baratas) Stvz - No Consultório do Dentista Peça a sua música favorita!

Apelando para o inconsciente coletivo como forma de fixação mental das composições do nosso catálogo (em forma esquemática e totalmente despidas de seus elementos orgânicos), passei alguns dias completamente obcecado em transformar algumas delas em versões baratas de karaokê. Num misto de incredulidade e seriíssima dedicação, tamanho esforço — cerca de 6 horas por música, em média, entre transcrever todos os arranjos, programar instrumentos e sintetizadores, mixar as faixas, separar fundos pitorescos, editar transições excêntricas e sincronizar letras e melodias — prova mais uma vez até a que pontos extremos estamos dispostos a chegar para manter entretido o nosso estimado público ou, ao menos, para não perder a piada. Divirtam-se! VEJA chupamanga.tumblr.com/karaoke


crítica musical no século 21

"O novo lançamento do artista do Baixo Gávea é, com certeza, um dos discos mais péssimos deste início de outono." "A banda demonstra energia e melancolia, ampliando o leque de influências, que vão de Felipe Dylon a Joy Divison." "Nos seus melhores momentos, uma mistura de É O Tchan com Sonic Youth, sem perder as óbvias influências de Madonna." "Rodeada de marketeiros estreantes, a turma paulista se reinventa em novo trabalho."

Mesmo após diversos lançamentos de peso, seguimos solenemente ignorados pela crítica alternativa (do mainstream nem se fala, ainda bem) nacional, tendo de exercitar cada vez mais a autocrítica (ainda que negativa) e esmiuçar a nossa própria produção nos mínimos e mais embaraçosos detalhes, já que alguém tem que levá-la a sério. O Selo SESC recentemente lançou uma revista digital sobre música, chamada Zumbido, e não é à toa que o editorial trata justamente da crítica musical (e da crítica em geral) agonizante no país. Para tanto, tratamos de criar uma alternativa tecnológica revolucionária e definitiva que pode vir a tornar obsoletos não apenas os críticos, mas as resenhas, os grupos de facebook e até mesmo os ouvintes, como vocês podem conferir no link. LEIA twitter.com/resenhabot


o otorrinolaringologista 7"

CHUPA.023 Stvz O Otorrinolaringologista b/w Um Atropelamento

Em mais um trabalho solo, desta vez Stvz (Chapa Mamba, Quadrúpede Orquestra, Bagdá Mirim) resgata duas canções de dez anos atrás. Com nova roupagem e arranjos, o single conta com a participação do eslovaco Stano Sninský na bateria — o músico do leste europeu já teve dois álbuns lançados pela Chupa Manga (Bezny Jedinec, Landscapes) e colaborou à distância —, como no compacto Dentadura, lançado em julho deste ano no mesmo formato de sete polegadas e em tiragem limitadíssima. A começar pelo título, “O Otorrinolaringologista” pode chamar a atenção pela

temática pouco convencional, mas a aparente seriedade de uma palavra tão longa é logo posta sob nova perspectiva após a introdução cromática que poderia ter saído de uma demo perdida daquele quarteto de Liverpool. Embora apoiada no humor absurdo e nonsense do autor, trata-se de uma canção política, ou pelo menos para rir da nossa política — o que, se não for o melhor, talvez seja o único remédio. O otorrinolaringologista pediu para ouvir a voz do Brasil. Dessa consulta banal, o doutor charlatão passa a avaliar o paciente nos mais duvidosos quesitos, em um tom surrealista que culmina no diagnóstico inevitável da situação nacional:


VINIL!

declara o seu merecido óbito, não sem antes receitar aspirinas e a manutenção da lei e da ordem. Com ecos de Mutantes e Tom Waits numa espécie de tropicália caseira, é uma faixa antropofágica que pode ser apreciada em múltiplas camadas. Diversos dos seus elementos podem até passar despercebidos em uma audição precipitada — como as observações onomatopéicas e as citações ao “Guarani” de Carlos Gomes ou ao próprio Hino Nacional, na seção final em 5/4 —, mas a graça está justamente na canção não se esgotar na primeira audição, podendo proporcionar muitas outras ainda com o mesmo nível de entretenimento.

A outra face do disco traz um folk-rock com cara de Kinks, e conta a história de um atropelamento de inocentes que poderia até ser visto como alegoria para a luta de classes e os tempos sombrios em que nos encontramos (desde sempre?). A madame abonada e inconsequente, atrasada para o cabeleireiro, atropela dez pobres coitados com o seu carro importado e foge sem prestar socorro. Em ambos os casos, tudo acaba mal. Mas se serve de consolo, algum dia essas canções certamente estarão obsoletas. OUÇA chupamanga.bandcamp.com


ENTREGANDO O OURO

dicas netflix Se você estiver lendo isso em um futuro distante (ou nem tanto), talvez nem saiba o que diabos é Netflix; mas houve uma época, antes dos implantes cerebrais, em que você tinha que assinar um catálogo de distribuição online para escolher o que queria assistir. A seguir, listamos alguns títulos, entre ficção e documentários aleatórios sobre música, que podem ser de interesse dos nossos leitores em alguma tarde chuvosa de Marte. As descrições foram escritas de memória, então podem desconsiderar qualquer imprecisão. Danny Says (2015) A louca história de Danny Fields, personagem fundamental da cena musical dos anos 60 e 70, em especial no punk novaiorquino. Trabalhou em grandes gravadoras, revistas — foi dele a famigerada reportagem em que os Beatles se diziam mais famosos que Jesus — e como empresário de bandas como Stooges e Ramones. We Are Twisted F***ing Sister! (2014) Diferente do que eu pensava, o Twisted Sister era uma banda muito séria e trabalhadora. Tocaram covers por muitos anos, em todo tipo de espelunca, até finalmente se estabelecerem — com uma ajudinha do Lemmy — como autores de clássicos do glam-hard-rock como "I Wanna Rock" ( já ouviu a versão do Chapa Mamba?) e "We're Not Gonna Take It". The Wrecking Crew (2008) Um filme fundamental sobre os músicos de estúdio — Carol Kaye, Hal Blaine, Tommy Tedesco e muitos outros — da costa oeste norteamericana dos anos 1960 que ficaram

conhecidos como a "turma da quebradeira" e tocaram em inúmeras gravações famosíssimas dos mais variados artistas — Beach Boys, Frank Sinatra, Bob Dylan, The Mamas and The Papas, The Monkees, para citar alguns. Sample This (2012) O que um disco da Incredible Bongo Band gravado no Canadá em 1973 tem a ver com o início da revolução do hip-hop? Este filme mostra como a música "Apache" virou um dos beats mais sampleados de todos os tempos. The Devil and Daniel Johnston (2005) Um documentário impecável sobre o atormentado Johnston, o filme faz juz à incrível história deste gênio da arte bruta. Infelizmente, ao preparar esta lista, o título já não estava mais disponível no catálogo brasileiro da Netflix, mas a internet (ainda) está aí pra isso. Los Punks: We Are All We Have (2016) Apresentando a cena punk recente do subúrbio de Los Angeles, majoritariamente latina, o doc vale para conhecer bandas novas e se


nem só de séries sem-pé-nem-cabeça sobrevive o serviço de streaming

identificar com o corre dos pequenos produtores de shows da juventude underground. Keith Richards Under the Influence (2015) Meio chapa branca demais, o filme é basicamente a divulgação do último disco de Mr. Richards, mas vale para vê-lo no estúdio, falando um pouco sobre a sua vida e jogando sinuca com o Buddy Guy. Frank (2014) Essa ficção sobre uma banda freak imaginária e seu líder recluso nos pegou de surpresa. Com crises existencialistas e ótimas performances, ainda rola uma tiração de onda com o festival indie queridinho SXSW. The Other One: The Long Strange Trip of Bob Weir (2015) O frontman dos Grateful Dead realmente não tem do que reclamar da vida. Depois de largar a escola e fugir de casa para morar com um bando de doidões em São Francisco — Neal Cassidy, antiherói de On The Road, era um deles — fazendo música e tomando ácido o dia inteiro, e fundar uma das bandas mais importantes do século 20, depois de velho ele ainda reencontrou o pai biológico e construiu uma nova relação com ele. Um filme good vibe, definitivamente. Mateo (2015) Um americano bem esquisitão, fascinado pela música cubana, junta dinheiro todo ano para passar alguns meses em Havana e bancar as gravações das suas canções com músicos locais. Apesar de asqueroso, o cara é realmente

muito talentoso, e o documentário também vale para aprender um pouco mais sobre esse lugar tão rico culturalmente. Amadeus (1984) Clássico de Milos Forman, retrata a vida do jovem Mozart na Viena do século 18, narrada pelo seu rival invejoso Salieri. Bowie: The Man Who Changed the World (2016) Um filme para televisão, provavelmente editado às pressas e sem autorização de pessoas relevantes para a história, após a morte do astro. É ruim, mas pelo menos é sobre o Bowie. The Runways - Garotas do Rock (2010) Não consigo gostar muito de biopics, e com essa não foi diferente. Mas valeu pra conhecer uma parte da história das Runways, banda liderada por uma Joan Jett interpretada pela apática Kristen Stewart. Cherry Bomb, a vocalista-objeto, repete a velha história de fama repentina, drogas e queda, enquanto Joan é a única que se importa realmente com a música. Muitos clichês, com algumas boas canções. Good Ol' Freda (2013) Esse filme meio obscuro também não está mais disponível, mas conta a história de Freda Kelly, a ex-secretária e presidente do fã-clube dos Beatles. Enquanto muitas garotas dariam tudo para um minuto de atenção dos rapazes, Freda conviveu diariamente com eles, durante a maior parte da carreira da banda — e não ganhou nada com isso.


RAPIDINHA

instrumentos virtuais e trilhas de cinema Outro dia esbarrei em uma playlist [1] da Vienna Symphonic Library no incrível mundo do YouTube, trazendo entrevistas com diversos compositores (Danny Elfman, David Newman, Blake Neely, Alexandre Desplat, Daniel Licht, Kevin Kliesch, Joe Kraemer) de cinema e televisão sobre seu fluxo de trabalho e sua relação com os instrumentos virtuais da VSL. Muito interessante ver o processo de composição, e como atualmente é preciso criar um mockup da trilha praticamente finalizado para ser aprovado pelo estúdio ou pelo diretor. O compositor, hoje, tem acesso a samples realistas de uma infinidade de instrumentos e dinâmicas, e isso influencia completamente a forma de se compor, permitindo a substituição de qualquer som a qualquer instante, a audição instantânea da obra em tempo real e a criação do arranjo e da mix em paralelo à própria criação musical (algo a que nos acostumamos na gravação caseira em software). Na maioria das vezes, as cordas e sopros são regravados por uma orquestra real,

mas muito do mockup permanece no trabalho final (em geral a percussão, além dos sons "irreais" ou não-acústicos). Todos mencionam a importância de um template para agilizar o trabalho — a organização dos instrumentos já carregados e prontos para serem utilizados —, e comentam a possibilidade de se combinar dois ou mais sons para criar timbres impossíveis de se obter no mundo real, embora soem plausíveis. Além do papel da tecnologia na música, é um prato cheio para quem se interessa pelo assunto da trilha de cinema, o papel do compositor em "servir o filme", como se dá o trabalho com diferentes diretores e como a indústria funciona na prática. É claro que ainda há espaço para outros métodos, em produções mais autorais ou de menor escala. O excelente Jon Brion, por exemplo, mais atuante como músico performático e produtor, pode se dedicar a experimentar com processos menos ortodoxos quando é chamado para musicar um filme. Nos


[1] youtube.com/playlist?list=PLC5G55FKmpIEz7BFXKHUke7-xUgBFle0z

making of de "I Heart Huckabees" e "Punch Drunk Love", é possível ter uma ideia disso: podemos vê-lo gravando a trilha do primeiro em um órgão de tubo gigantesco, e comentando o processo ainda mais incomum do segundo, em que o diretor Paul Thomas Anderson lhe pediu trilhas de referência para filmar as cenas em cima do ritmo que ele mesmo cantarolou. Quanto ao papel tecnológico nesse processo, muita coisa mudou, de uns 30 anos pra cá, na forma como uma gravação é produzida. Desde os primeiros ambientes de áudio digital nos anos 70/80 até os modernos DAWs, a democratização das ferramentas transformou o processo de se criar música em uma exploração com possibilidades infinitas de timbre, texturas, ritmos e repetições. Não custa lembrar que o auge do sequenciador digital em 1985, por exemplo, era um trambolho de milhares de dólares chamado Synclavier, que só alguém como o Sting poderia comprar. O genial Frank Zappa fez um uso mais intensivo desse instrumento para criar discos inteiros executados pela máquina, como o vencedor

do Grammy de melhor performance rock instrumental "Jazz From Hell", e na sua autobiografia dedica algumas considerações ao papel da tecnologia na música (Cap.8, do trecho "La Machine" em diante). Explorando principalmente os timbres e execuções humanamente impossíveis, fica claro o novo aspecto estético que a tecnologia também tem para acrescentar, em vez de simplesmente substituir os instrumentos convencionais e baratear a produção. Voltando ao audiovisual, fiquei surpreso em descobrir, na sequência, que o clássico contrabaixo da abertura de "Seinfeld" era sintetizado, executado em um teclado pelo compositor Jonathan Wolff. Além disso, gravava-se uma nova sequência a cada episódio, para preencher os espaços entre a fala do monólogo de abertura, sem entrar no caminho da voz. O tema ficou tão marcado no imaginário popular que, mesmo fora de contexto, pode revelar o aspecto cômico até da cena mais brutal. É o mesmo caso da canção de abertura de "Curb Your Enthusiasm", outro programa do seu criador Larry David, mas isso já é assunto para outro texto.


QUADRINHOS



XEROCÃO

estilo e bom senso Numa época em que "liberdade" é uma palavra mágica — e há alguns bons motivos para isso — o crítico que cobrar dos intérpretes com excessiva frequência uma certa coerência estilística corre o risco de passar por criatura pedante e rabugenta, tal a regularidade com que terá de assumir uma atitude restritiva. E no entanto, o problema do estilo não pode ser tratado frivolamente. Se a música contemporânea, pelo seu caráter marcadamente experimental, é o que pode haver de mais livre, a música de um passado mais ou menos remoto depende do estilo para uma boa execução. Porque os antigos acreditavam no estilo; viviam-no como uma certa linguagem que absorviam inteiramente e através da qual se expressavam. Assim, quando um Stephen Bishop, seguindo um costume bastante difundido entre os da nova geração, sentase no palco da Sala Cecília Meireles,

precedido de considerável reputação, para executar uma Partita de Bach sem outra preocupação aparente que não a beleza do som e o seu gosto pessoal, essa liberdade interpretativa volta-se contra ele da maneira mais curiosa, anula o efeito da obra. E não se trata de dizer, como é frequente, que estamos viciados num certo cânone interpretativo. Esta é apenas uma parte, e pequena, da verdade. O fato é que para os clássicos, o estilo era um dos elementos da composição, até certo ponto a sua atmosfera básica. Eliminando o estilo, a obra fica como que solta no espaço; e como no caso de Bach não foi feita para isso, e sim para afirmar os "lúcidos prazeres da ordem", assume um aspecto lamentavelmente incompleto. É o que se pode dizer da execução bastante insatisfatória da Partita em ré com que Stephen Bishop abriu o seu recital de terça-feira na Sala Cecília Mei-


do livro Caderno de Música – Cenas da Vida Musical, de Luiz Paulo Horta (Zahar, 1983)

reles. Costuma-se também dizer que esses desembaraçados pianistas da nova geração têm todo o direito de "renovar" interpretações que seriam "poeirentas" das obras-primas do repertório musical. Baseado nessas considerações, Roberto Szidon imprimirá velocidade supersônica à execução de uma sonatina de Mozart na suposição provável de que assim estará dizendo alguma coisa de "novo" em matéria de execução das obras do grande clássico de Viena. Para dizer alguma coisa de novo em relação aos clássicos, entretanto, é preciso saber primeiro em que língua os clássicos falavam; como não se pode renovar a poesia inglesa sem ocnhecer profundamente o inglês. Este simples fato está por trás de muita interpretação arrojada dos clássicos, interpretações que costumam resultar em outros tantos equívocos. Ora, está bem que todo jovem deva "tentar a mão"

nos clássicos. O que deve, entretanto, desaparecer urgentemente é a preocupação dos pianistas, e de outros musicistas, de demonstrar a sua proficiência em todos os estilos — porque para isso é preciso conhecer de fato os diversos estilos. Por obra e graça de compositores modernos e contemporâneos, alguns dos quais brasileiros, existe hoje um vasto repertório, muito pouco executado, que costuma ser deixado de lado em nome da falta de imaginação na escolha dos programas. É para este repertório que se chama a atenção dos intérpretes, e sobretudo dos jovens artistas brasileiros. Uma execução medíocre de um autor novo terá sempre a virtude de uma exploração, de uma incursão no desconhecido ou no pouco conhecido. Enquanto uma execução medíocre de Bach é uma pura perda de tempo. — 20 de julho de 1978


ESPECIAL

1.

os dez mandamentos da guitarra

Escute os pássaros

É daí que vem toda a música. Os pássaros sabem tudo sobre como ela deve soar e de onde esse es. som deve vir. E observe beija-flor Eles voam realmente rápido, mas grande parte do tempo não estão indo para lugar nenhum.

2.

Sua guitarra não é realmen te uma guitarra Sua guitarra é uma forquilha mágica. A use para encontrar espíritos no outro mundo e trazêlos para cá. Uma guitarra também é uma vara de pescar. Se você for bom, pode fisgar um dos grandes.

3.

Prati que na fre nte de um arbusto

o Espere até que a lua apareça, entã imult pão vá para fora, coma um grãos e toque sua guitarra para um , arbusto. Se o arbusto não balançar coma outra fatia de pão.

4.

cami nhe com o diabo

Os velhos blueseiros do Del ta se referiam aos amplificadores de guitarra como a "caixa do diabo". E eles estavam certos. Voc ê tem que ser um empregador igualitár io em termos de quem você traz do outro lado. A eletricidade atrai diab os e demônios. Outros instrum entos atraem outros espíritos. Um violão atrai o Gasparzinho. Um ban dolim atrai a Wendy. Mas uma guit arra elétrica atrai Belzebu.

5.

Se você é culpado de pensar, você está fora Se o seu cérebro é parte do processo, você está perdendo o ponto. Você deve tocar como um homem se afogando, se debatendo para alcançar a margem. Se você consegue capturar esse sentimento, então tem algo que é selvagem.


Como prescritos por Captain Beefheart ao guitarrista Moris Tepper em 1976. Um verdadeiro mestre zen desorienta seu aprendiz com parábolas nonsense e conselhos práticos em igual medida. Caberá ao aprendiz decidir qual é qual.

6.

Nu nca apo nte sua guitarra para ni ngu ém

Seu instrumento é ma is poderoso do que um relâmpago . Apenas acerte um grande aco rde e corra lá para fora para ouvi-lo . Mas certifique-se de não estar em um campo aberto.

7.

Sempre carregue um abridor de garrafas

Essa é a sua garantia. Como o Sam de-uma-corda-só. Ele é um. Ele era um músico de rua em Detroit que tocava um instrumento caseiro nos anos 50. Sua canção "Eu Preciso de Cem Dólares" é uma torta quente. Outro abridor de garrafas é Hubert Sumlin, o guitarrista de Howlin' o Wolf. Ele apenas fica lá de pé com ndo faze — e rdad Libe da ua a Estát você querer olhar por baixo do vestido dela o tempo todo para ver como ele está fazendo aquilo.

de culture, de on undo o open pelo menos seg a descrição adamente ess car des os roubam

8.

Nã o limpe o suor do seu instrume nto

Você precisa daquele fedo r ali. Depois você tem que colo car aquele fedor na sua música.

9.

Ma nte nha sua guitarra em um lugar escuro Quando você não estiver tocando sua guitarra, a cubra e guarde em r um lugar escuro. Se você não toca dia, um de mais por rra guita sua certifique-se de colocar um pires de água junto com ela.

10.

voc ê tem que ter um cap ô para o seu motor

Mantenha esse chapéu na cabeça. Um chapéu é uma panela de pressão. Se você tem um teto sobre a sua casa, o ar quente não pode escapar. Até um grão de feijão precisa de um pedaço de papel molhado em volta dele para poder crescer.


CHUPA MANGA PLAY ALONG

a banalização da misantropia

Stvz - Pequenas Tragédias (2017) CHUPA.015 © E.Vieira


quem canta seus males espanta

chu pam ang a.tu mb lr.co m/k ara oke

faรงa amigos!


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