Dona Olympia amor · desilusão · loucura
130 anos 1889~2019
capa e contra-capa: desenho de Estevão Machado a partir de foto de Eugênio Silva, aplicado em página do livro Marília de Dirceo - 1792.
curadoria: Margareth Monteiro, Guilherme Horta, Janine Ojeda, Rosalina Assis
abertura: 13 de dezembro às 19 h visitação: 14 de dezembro a 08 de março de 2020 segunda a quinta de 10 h às 18 h, sexta 10 h às 20 h sábado 10 h às 17 h e domingo de 10 h às 14 h local: sala Manoel da Costa Athaide, anexo I Museu da Inconfidência Ouro Preto-MG
D. Olympia na juventude
O Museu da Inconfidência e o Studio Anta, encerram a programação da Galeria Sala Manoel da Costa Athaide, com a exposição Dona Olympia: amor, desilusão, loucura. A mostra, alusiva aos 130 anos de nascimento de Olympia Angélica de Almeida Cotta, tem como objetivo o resgate e a difusão da memória desta notória personagem. A intenção é que a iniciativa seja o início de um processo que reconhecerá a sua importância no cenário cultural de Ouro Preto e, que merecidamente, registre o seu nome na salvaguarda do Patrimônio Imaterial desta cidade histórica. Neta do Marquês de Paraná, Sinhá Olympia, como também era conhecida, nasceu em Santa Rita Durão, distrito de Mariana, aos 31 de agosto de 1889, no seio de uma família abastada. Aos 40 anos, já residindo com mais duas irmãs em Ouro Preto, teria sofrido uma desilusão amorosa e, a partir de então, sua vida se desenrolou entre delírios e realidade. Perambulando pelas ruas de Ouro Preto, entre o Pilar e a Praça Tiradentes, religiosamente, todos os dias, lá ia Dona Olympia, muito pintada, roupas extravagantes, portando longo cajado ornado por flores e papeis coloridos, balaio no braço e chapéu enfeitado, a contar histórias de outros tempos como se as tivesse vivido: o convívio com o alferes Joaquim José da Silva Xavier e o amor do poeta Cláudio Manoel da Costa. Era em estado de êxtase que contava sobre as longas valsas que dançara com Dom Pedro II, nos salões do Palácio dos Governadores. Entre uma estória e outra, convidava para uma visita ao Museu da Inconfidência. Em meio a fotos que lhe eram solicitadas, Olympia pedia um cigarro, um dólar (em sotaque francês), sempre com elegância e impecável polidez, resultado da educação que tivera. Reconhecida como um dos ícones de Ouro Preto, Dona Olympia, falecida em outubro de 1976, ainda vive, imortalizada na lembrança daqueles que viveram o seu tempo. Foi tema de samba enredo da mangueira e musa de Carlos Drummond de Andrade, além de protagonizar filmografia de Luiz Alberto Sartori e de ser homenageada em composições de Milton Nascimento, Toninho Horta, Chiquinho de Assis e Vicente Gomes. Considerada por Rita Lee a primeira hippie brasileira, Olympia dá nome a importantes pousadas, restaurantes, escola de samba e instituições culturais. A sua lápide no Cemitério da Igreja de São José, em Ouro Preto, anuncia apenas o seu descanso, o tempo não pode apagar o que tantas mãos registraram. O seu colorido e a sua alegria estarão sempre presentes nas linhas da história da antiga Vila Rica. Margareth Monteiro / Guilherme Horta
Milton Trรณpia
“Ah meus meninos, vocês são novos e não sabem o sofrimento que passei. Fui obrigada a fazer promessa de pedir esmolas, sair mendigando para socorrer aos pobres e também valer a minha pessoa. Eu fiquei sem coisa alguma. Agora, imagina você meu filho, que martírio, sem o povo saber porque que eu ando mendigando, porque que eu ando como uma mendiga, no meio da rua, pedindo… E ganho tudo, e protejo a quem não tem. Com a graça de Deus.”
Fala extraída do filme “Dona Olímpia de Ouro Preto”, de Luiz Alberto Sartori
manuscrito de D. Olympia
REPORTAGEM EUGÊNIO SILVA
(*) Eugênio Silva, fotógrafo, nasceu em Nova Serrana, Minas Gerais, em 25 de dezembro de 1921 e faleceu em 23 de novembro de 2001 em Belo Horizonte-MG. Considerado um dos grandes nomes do foto-jornalismo brasileiro, trabalhou na Revista “O Cruzeiro” entre as décadas de 1940 e 1980. Um dos seus mais notórios trabalhos é a reportagem que fez junto com Guimarães Rosa durante expedição pelos sertões mineiros e que deu origem ao famoso livro “Grandes Sertões: Veredas”. A reportagem com D. Olympia foi feita para as revistas O Cruzeiro e A Cigarra Magazine em 1955 e 1957.
EugĂŞnio Silva
EugĂŞnio Silva
Declarada Monumento Nacional em 1933 e tombada pelo Iphan em 1938, a cidade de Ouro Preto foi declarada pela Unesco como patrimônio mundial em 5 de setembro de 1980, sendo o primeiro bem cultural brasileiro inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, depois de Roma, Jerusalém, Quito, Veneza e Atenas. Além do seu conjunto arquitetônico e urbanístico, Ouro Preto se destaca pelo registro de personalidades da história e das artes. A sua importância única para o mundo e a humanidade, obriga-se a estabelecer salvaguardas para garantir sua preservação para todas as gerações futuras. Num cenário em que se destaca nomes como o de Tiradentes, Aleijadinho e Marília de Dirceu, Dona Olympia é citada ao lado desses, como a importância que confere o então Governador Francelino Pereira, em propaganda na revista Manchete de 1980 (ao lado). D. Olympia foi, ao seu tempo, uma das pessoas mais fotografadas e admiradas pelo seu estilo de vida e suas estórias. Turistas, escritores, pensadores e artistas, muitos aqui vinham para conhece-la. Revistas nacionais e internacionais publicaram páginas inteiras com notícias sobre esse ícone da contracultura. Que seu nome seja lembrado pela posteridade e que sua existência seja preservada por meio do registro de seu nome como Patrimônio Imaterial de Ouro Preto. Margareth Monteiro
Aqui revive Dona Olímpia, que foi princesa do paço nos passos de Ouro Preto Angelo Oswaldo Publicado no Jornal Estado de Minas, por ocasião do falecimento de Dona Olympia, novembro de 1976.
Com o prestígio que lhe conferiram a história e a arte, Ouro Preto haveria de se particularizar na eleição da sua principal personagem para a galeria muito especial dos doidos mineiros. O nome mitológico de Dona Olímpia ficará para sempre nas ruas da antiga Vila Rica como símbolo de seu desvairismo. Ismália na torre do Pilar, vendo luas no Rosário, nas Cabeças, no Carmo, nas Mercês, na Santa Efigênia, nos São Francisco, na Conceição do Antônio Dias e no São José dos Bem-Casados, onde ela agora repousa profundamente, Dona Olímpia reviveu, com alegria e festa, a tragédia de Maria Efigênia, a triste filha de Alvarenga Peixoto e Bárbara Heliodora, que morreu acreditando ser a Princesa do Brasil. Dona Olímpia viveu pensando que era princesa. Jamais duvidou de seus foros de nobreza, nem dramatizou a condição de grande dama coberta por trapos e farrapos. Nos áureos tempos do Conde de Assumar, não terá existido alguém tão rico e poderoso como ela, tão feliz e cortejado, em toda a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Cada cidade de Minas cultiva uma figura típica, destacada por suas características físicas ou devaneios mentais. São as Marias-Papudas, os anões de perna torta, as benzedeiras e os pregoeiros de xingatórios, os cachaceiros, os bobos que bebem e os rogadores de praga, os doidos mansos em suas diversas modalidades. Quem fica leviano da cabeça, como se diz no interior, ganha logo lugar de honra no folclore da cidade.
Nello Nuno
O Curral del Rei teve uma famosa Maria-Papuda, que morava, segundo a crônica, onde está o Palácio da Liberdade junto à Capela de Sant`Ana. Expulsa para a edificação do Palácio, a velha bruxa deitou várias pragas sobre o local, e o tempo as confirmou, de uma forma ou de outra. Belo Horizonte arranjou, depois, dezenas de doidos e personagens bizantinas. Os mais antigos transmitem o caso do homem que, diariamente, se persignava diante da Igreja de São José em plena calçada da Afonso Pena, remetendo, em seguida, estrepitosa “banana” na direção do Acaiaca, onde então havia um templo protestante. As memórias de Pedro Nava revivem outros doidos que, em sua maluquice mineira, não encontram rivais no País. Em Ouro Preto foi diferente. Doidos há, e ilustres, pois contam-se entre professores eminentes, membros do clero, figuras de proa, artistas e escritores que lá se refugiavam, gente de toda a espécie. Para dizer a verdade, quase todos os habitantes de Ouro Preto passariam por doidos varridos se submetidos a minucioso exame. E esse encantamento da cidade envolve o visitante no endoidamento que transita pelas ruas e vem dos anjos voando em enxame pelos tetos, da profusão barroca das talhas, dos rituais das procissões, dos santos de roca olhando transtornadamente para quem entra nas igrejas. Mas ninguém, em Ouro Preto, excedeu a Dona Olímpia na difícil arte da loucura. Ela conheceu o Imperador e dançou com o Conde d`Eu, frequentou bailes e saraus, teve camarote no teatro lírico, recebeu declarações amorosas de fidalgos e cavalheiros de fraques e cartola. Pouco importa que nem tivesse nascido, ou fosse, quando muito, criança de colo, por ocasião da última visita de Pedro II e de seu genro francês à cidade de Ouro Preto. No Palácio dos Governadores, ela rodopiou com eles uma bela valsa, e cintilou entre a nobreza provinciana que acorreu ao beija-mão. Dona Olímpia construiu a sua história de Ouro Preto. Nela, personagens de três séculos acotovelam-se dentro de um só salão, comendo à mesma mesa e dançando uma célebre e divertida polca. Enfeitada com maços de cigarro vazios e tampinhas de refrigerante – seus crachás – Dona Olímpia celebrizou-se pelo chapéu de aba larga, onde pousavam os mais extravagantes adereços. Apoiavase à vassoura em forma de cajado, sempre adornada com flâmulas, lenços, escudos, pedaços de papel. A saia maltrapilha, com sua calda invisível, deixava aparecer as velhas pantufas que lhe agasalhavam os pés. E lá ia ela, montada em sua loucura, contando lendas e estórias de antigamente, minerando casos preciosos na memória alucinada.
CordĂŠlia Fontainha
Que pode o Anjo ante a manopla imóvel, ante a pátina da morte em Ouro Preto? - pergunta o poeta Murilo Mendes enquanto sua alma de grande morto sobe e desce ladeiras. A morte foi buscar Dona Olímpia na Santa Casa de Ouro Preto. Nos últimos tempos ela não ia mais à Praça, e ficava quentando sol na frente do Pilar, à espera dos turistas que lhe davam moedas a troco de uma conversa maluca. Sem forças, preferia permanecer à soleira da porta de uma casa do Largo, onde deixava fotografarem seu sorriso desdentado. Só voltou à Praça a caminho da Santa Casa de Misericórdia, e de lá saiu para habitar o cemitério de São José, de cuja Imperial Irmandade fazia parte. Ninguém acreditava que Dona Olímpia pudesse morrer. A sua vida era feita de uma trama de fantasmas que não se extinguiram em seu último dia. Eles estarão agora conduzindo-a pelas ruas de Ouro Preto, e Dona Olímpia viverá, como dama insigne que sempre foi, no cortejo de Marília e Tomás Gonzaga, de Cláudio Manuel, do Cônego Vieira, do Alvarenga e de Bárbara, do Tiradentes, dos grandes inconfidentes que sonharam loucamente com a liberdade. Como ela não haverá mais. No entanto, a grande linhagem dos doidos ouropretanos continua, e o Bené da Flauta ou Bené Bambu, está lá para reerguer o estandarte. Morando numa grota no Morro de Santana, Bené da Flauta, se notabilizou confeccionando este instrumento em pedaços de bambu e tocando-o pela cidade. Além disso, ele é escultor, e cria figuras fantásticas nos granitos do Itacolomi ou na pedra-sabão. No dia de seu aniversário, em setembro, o próprio Bené oficia missa solene em ação de graças numa pedra do Alto da Cruz, bebendo duas garrafas de vinho no momento da consagração. Trata-se de cerimônia que já entrou no calendário de quem gosta de curtir os desvarios de Ouro Preto. Há ainda a Maria Pinga-Fogo. O apelido origina-se de seu profundo amor pela aguardente. É sempre vista à frente de um bando de moleques, que vivem para atazana-la pelas ladeiras afora. A cada grito “Olha a Pinga-Fogo! ”, Maria retruca com a sua ladainha toda particular de palavrões e impropérios, hábito também praticado por Dona Olímpia, quando os estudantes resolviam aborrecê-la com alguma chacota. Maria Pinga-Fogo é artista: especializou-se em fabricar curiosas lamparinas com lâmpadas queimadas, que recolhe no lixo, adaptando-as como recipiente para querosene, num suporte feito com tiras recortadas em latas. Diz ela estar devolvendo a luz às lâmpadas.
A Maria-das-Meias é outra Maria doida nas terras que pertenceram a Dona Maria, a Rainha Louca. Ela vive no Morro da Queimada, e quando vai pedir esmolas na cidade, calça dúzias de pares de meia. Não usa sapatos, apenas meias sobre meias, o que lhe valeu o apelido. Cabe uma referência a João Péde-Rodo, que durante muitos anos morou na República Butantan, às expensas dos estudantes da Escola de Minas. Foi batizado “Pé-de-Rodo” por causa do defeito que apresenta nos pés, e tornou-se protegido dos estudantes que o folclorizaram em suas arruaças. Lá estão os doidos de Ouro Preto, pobres ou ricos, vivendo a estranha sina de aguçar a magia da cidade. Mas quem como Dona Olímpia? Ela soube desempenhar a loucura do inconsciente coletivo mineiro, fazendo-se paradigma. Há o que se pode chamar o lado Dona Olímpia nas pessoas que fogem às normas da ordem de Minas. E aí reside a força do seu mito. Dona Olímpia está adormecida pelo resto dos tempos. E é velando este sono tranquilo que se lê o acalanto de Murilo Mendes, na “Contemplação de Ouro Preto”: Com teus pobres vagabundos, Com tuas almas penadas, Com teus santos, com teus poetas Barrocos, alucinados, Teus leprosos, teus doentes, Teus doidos, teus enforcados Refeitos na eternidade, Remidos na tradição, Dorme, Ouro Preto reclusa, Dorme, trágica Ouro Preto. Dorme, Ouro Preto assombrada, O sono da libertação.
JosĂŠ Alberto Nemer
curadoria: Margareth Monteiro Guilherme Horta Janine Ojeda Rosalina Assis pesquisa: Guilherme Horta Maurício Gomes Margareth Monteiro digitalização: Studio Anta Hemeroteca Histórica MG Miguel Aun design gráfico: Guilherme Horta agradecimentos: Maurício Gomes Vilma Cotta Márcio Homem Cotta de Faria Angelo Oswaldo Zaqueu Astoni Eduardo Trópia Luiz Alberto Sartori Flávia Rangel Luis Fernando Vitral Beatriz Veloso Apocalypse Moema Dequech João Luiz Carvalho Mário Zavagli Márcio Sampaio José Alberto Nemer Estevão Machado Priscila Freire Palhano JR. Annamélia Lopes (esposa de Nello Nuno) Galpão Cultural Sinha Olímpia