Revista Artefacto Beach&Country 12

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Edição INSPIRAÇÃO

12 www.artefactobc.com.br

UNIVERSO B&C PERFIL

JOSÉ SIMÃO

SAN SEBASTIÁN

BÚSSOLA

Revista Beach&Country | ano 05 |12ª Edição | MARÇO 2013

INSPIRAÇÃO




CARTA AO LEITOR DESTINOS

Inspiração Com o tema inspiração, esta edição marca também o início de uma nova era na Artefacto. Há 10 anos, a marca fincou seu pé em solo norte-americano com o intuito de mostrar um pouco da bossa e do charme do mobiliário brasileiro. Foram anos de trabalho, dedicação, olhar visionário e empreendedor. Hoje, comemorando a liderança de mercado na Flórida e seu sucesso entre o público de alto padrão apaixonado não só por design, mas também pelo compromisso com o cliente e o serviço made in Brazil, assumo a direção da marca buscando renovação, posicionamento e reconhecimento para o design nacional de qualidade. A abertura da maior loja de decoração premium da Flórida – a nossa flagship store de 4500 m2 em Aventura – soma-se à visibilidade da loja de Coral Gables. Ainda este ano, teremos mais duas novidades significativas: a abertura de uma loja conceito em Doral e o lançamento de nossa Design House Exhibition 2013 – uma mostra de decoração nos moldes das mostras tradicionais da Artefacto com a participação de alguns dos melhores profissionais brasileiros, como Christina Hamoui, Débora Aguiar e João Armentano, mostrando todo o seu talento para o cliente dos EUA. Em paralelo, teremos a reformulação de nossas lojas brasileiras, entre elas a loja do Rio de Janeiro, totalmente atualizada para a mostra Artefacto B&C. Parte fundamental desta celebração, este número leva um pouco de nosso DNA até você. Para ilustrar estas páginas e recheá-las de inspiração, convocamos Tuca Reinés, Gilberto Elkis, Maria Esther Bueno e Ricardo Amorim para falarem do seu processo criativo. Os Doutores da Alegria também nos contam como funciona seu lindo trabalho de recuperação e, principalmente, acolhida a crianças com doses de alegria, diversão e sobretudo amor ao próximo. Com o olhar atento aos novos tempos e respeito profundo à nossa tradição, seguimos nosso trabalho certos de que o Brasil não é o país do futuro, e sim o país do agora. Um abraço, Paulo Bacchi

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EXPEDIENTE

Paulo Bacchi Artefacto Internacional Bráulio Bacchi Carlos Frade José Luis Fabrício Pedro Torres Conselho Gestão Projeto Editorial Lemon Design e Comunicação Al. dos Maracatins, 780 25º andar, cj. 2503, Tel.: (11) 4314-7052 São Paulo-SP Cesar Rodrigues Diretor de Criação Chico Volponi Diretor Executivo Carol Melo Assistente Luciana Fagundes Revisão Ana Luiza Vaccarin Arte Final Jornalistas Felipe Filizolla Léa Maria Aarão Luiz Claudio Rodrigues Paulo Cabral Paulo Pereira Rosane Aubin

Fotos Edison Garcia Paulo Brenta Meire Silva Coordenadora de Publicidade Edison Garcia Produção Gráfica Executivas de conta Cindy Vega Clarice Mattiello Elisangela Lara Colaboradores Ailton Alves, Alexandre Lemes, Fernanda Vello, Mônica Galvani, Talles Lima, Tânia Rodrigues Agradecimentos Ana Karina Messa, Bel Lepikson, Harmonia Tênis Clube, Isabella Diniz

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ÍNDICE 24

UNIVERSO B&C

Inspiração - O ponto de partida para aonde queremos chegar

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ESPECIAL INSPIRADORES Gilberto Elkis O paisagista dos sentidos Maria Esther Bueno A bailarina de Wimbledon Ricardo Amorim O antecipador das notícias Tuca Reinés O retratista da energia

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ARCHITECTURE

Viagem ao Futuro - Os mais inusitados e inspiradores projetos arquitetônicos de aeroportos

72 À MESA

Celeiro - Um lugar com alma carioca

82 LEITURA

Ziraldo – 80 anos de travessuras

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54 PERFIL

José Simão - O Poder do Humor


destaques EXPERTS 62. 66.

THIAGO BERNARDES MANECO QUINDERÉ

THE LOOK OF HOME 76. 78. 80.

ADRIANO AMADO LUIZ FERNANDO GRABOWSKY PAOLA RIBEIRO

104. HIGHLIGHTS B&C

92 BÚSSOLA

San Sebastián A cidade divina à beira do Mar Cantábrico que inspira os cinco sentidos

108 ARTE

Adriana Barreto Arte sem fronteiras

118 DNA

Doutores da Alegria Um remédio chamado Alegria

128 MODA

Rafael Lupo Medina O incrível mundo das joias

134 REFÚGIO

Hotel Maria Cristina Um leito esplêndido

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UNIVERSO B&C

INSPIRAÇÃO Ainda que a considerem parcial para alcançar o sucesso, sem ela é impossível saber aonde queremos chegar. POR FELIPE FELIZOLLA FOTOS DIVULGAÇÃO

U

m dos artistas mais representativos do século XX, Pablo Picasso uma vez disse que não dependia dele escolher o momento em que teria inspiração. O que ele poderia fazer é estar trabalhando quando a inspiração viesse. A frase do célebre pintor espanhol retrata seu comprometimento com um trabalho que, à primeira vista, depende não só de técnica como também de novas ideias. Ora, se ele precisava de inspiração para trabalhar, como trabalhava aguardando a inspiração chegar? A aparente dicotomia de sua frase pode ser repensada a partir de uma outra famosa citação: “Talento é 1% de inspiração e 99% de transpiração”. Dita por Thomas Edison, contemporâneo de Picasso e um dos inventores mais prolíficos do seu tempo, a frase exprime a necessidade de pesquisa e trabalho para se ter ideias inovadoras. Edison, que registrou 2.332 patentes em seu nome, sendo a mais famosa a lâmpada incandescente, sabia que para inventar coisas novas precisava não apenas parar e refletir sobre produtos

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que revolucionariam sua época, mas também estudar horas, dias e semanas para concretizar alguma inovação. Era debruçado sobre seus rascunhos e inventos que suas ideias clareavam e ele podia enxergar mais à diante. Ao refletirmos sobre inspiração, nos vem à mente pessoas e ideias criativas que merecem algum tempo de nossa atenção. Ideias que nos inspiram a acordar no dia seguinte determinados a fazer algo novo e melhor para si ou para o mundo. Ou pessoas que nos fazem acreditar que podemos mais do que acreditamos. Assim, inspiração significa também um instante determinado de tempo, quando percebemos que poderíamos estar fazendo algo de maneira diferente. É engraçado como vemos pessoas que possuem fotos de paisagens perto de seus locais de trabalho, onde depositam consciente ou inconscientemente suas “fugas” inspiradoras, capazes de mantê-las ali até o próximo final de semana ou suas próximas férias. Também é caricata a cena de uma geladeira com fotos de pessoas magras >>


PARA PICASSO, NÃO DEPENDIA DELE ESCOLHER O MOMENTO EM QUE TERIA INSPIRAÇÃO.

Pablo Picasso trabalhando para aguçar sua inspiração.


UNIVERSO B&C

“TALENTO É 1% DE INSPIRAÇÃO E 99% DE TRANSPIRAÇÃO.” THOMAS EDISON

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2.

na porta, que serve de alerta para aqueles que têm como objetivo emagrecer. Motivo de risos ou não, essas duas situações nos mostram como às vezes precisamos de um empurrãozinho para alcançarmos nossos objetivos. A esse empurrãozinho, damos também o nome de inspiração. Se imagens nos motivam a querer ir mais longe, pessoas também têm esse poder. Seja uma celebridade ou alguém do circulo social, pessoas inspiram por suas vitórias e determinação, se tornando modelos vivos de ideais a serem alcançados. Que atire a primeira pedra quem disser que nunca se sentiu inspirado por algum professor, que transmitia conhecimento de forma natural enquanto éramos crianças. A naturalidade com que alguém escrevia em uma lousa, acreditando que todo aquele conhecimento estava a nosso alcance é, sem dúvida, uma grande inspiração quando, anos depois, lembramos que o que pa-

recia um bicho de sete cabeças foi assimilado e dominado por nós. Ao olhar para trás e vermos o que foi conquistado, achamos inspiração em nós mesmos para ir além de onde já chegamos. Recorrentemente, também olhamos para algumas pessoas famosas que são dignas de nos levar para frente. Como é o caso da nossa atleta Maria Esther Bueno (veja matéria na página 36), mulher à frente do seu tempo que se tornou a maior esportista latino-americana do século XX, rodando o mundo sozinha numa época sem as facilidades modernas, como internet e celular, e trazendo para casa medalhas conquistadas com muito suor e pressão. Ela é a prova viva de que, com determinação e força de vontade, não existe o impossível. Ao mesmo tempo, ao ser entrevistada, disse que o que a fazia continuar jogando era a emoção transmitida pela torcida. Sua inspiração vinha exatamente daqueles a quem inspirava. >>

1.Thomas Alva Edison

(11 de Fevereiro de 1847 - 18 de Outubro de 1931) foi inventor, cientista e empresário nos Estados Unidos. 2.Sandro Botticelli

A Adoração dos Reis, Reprodução da Enciclopédia ilustrada. Galerias de arte da Europa, uma parceria M.O. Wolf, St. Petersburg Moscou, Rússia, 1901.

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UNIVERSO B&C

1.

1. Domenico de Masi

sociólogo italiano, autor de diversos e revolucionários livros - entre eles, os best-sellers: Desenvolvimento sem trabalho e A emoção e a regra-, é um dos mais polêmicos e inovadores pensadores da era pós-industrial. Na outra página: 2. O Pensador

Le Penseur, Rodin, Paris, França.

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Assim também é o trabalho dos Doutores da Alegria, grupo de palhaços que roda hospitais infanto-juvenis pelo Brasil inspirando crianças em tratamentos médicos a continuar lutando as batalhas diárias contra suas doenças pela esperança de um futuro melhor.

O belo Em uma sociedade visual, onde imagens valem mais do que mil palavras, a leitura da beleza também se tornou algo inspirador. Seja um quadro de Botticelli ou uma escultura de Rodin, a técnica somada à mensagem transmitida é capaz de nos tirar do status-quo e expandir nossas fronteiras. Quando interpretamos a beleza plástica de um quadro ou de uma fotografia, podemos extrair da experiência uma sensação de bem-estar, que nos incita a ter a mesma sensação com recorrência. É da apreciação da beleza que surgiu a famosa expressão do “ócio criativo”. Ainda que a expressão original tenha sido criada pelo cientista ita-

liano Domenico de Masi para propor de maneira densa uma alternativa à sociedade pós-industrial, o termo se difundiu como a hora de não fazer nada para conseguir ter novas ideias. Ao sairmos da atribulada rotina e pressão, nos tornamos mais vulneráveis a perceber o entorno e vislumbrar novas possibilidades. Como isso está relacionado à beleza? Pergunte para qualquer trabalhador em atividade quais são as semanas mais belas de seus anos e certamente você ouvirá: as férias! Belas pois são quando pode-se pensar na vida, refletir sobre novos rumos e objetivos, encontrar novas inspirações. Ainda que exemplos externos funcionem como empurrões e nos ajudem a ir mais longe, é quando nos inspiramos internamente que definimos o caminho que queremos seguir. Voltando a Picasso, ainda que trabalhando em seus rascunhos lhe proporcionasse alternativas, era quando a inspiração o encontrava que ele se tornava capaz de ultrapassar suas próprias barreiras. >>


2.


UNIVERSO B&C

A INSPIRADORA ELEGÂNCIA NATURAL A nova coleção da B&C foi pensada para proporcionar bem-estar para o corpo e para a alma. Buscando inspiração em formas conhecidas, explorando detalhes curiosos e acabamentos impecáveis, os móveis traduzem o savoir-vivre contemporâneo mesclando elementos cleans e rebuscados. A utilização de fibras e materiais naturais como a madeira, couro, linho e algodão, junto a detalhes em metais, trazem interessantes estímulos visuais à vista e conforto ao corpo. Versáteis, os sofás, banquetas, aparadores e poltronas se adequam a residências de campo ou praia, e interagem muito bem nos espaços urbanos. Entre os destaques, es-

tão a cômoda Manipur e o aparador Jaipur, trabalhados em madeira. Para quem prefere peças mais leves visualmente, as clássicas cadeiras Seatle e Toledo combinam com diversos espaços e se tornam protagonistas dos ambientes. Casas à beira do mar são perfeitas para acomodarem a descontraída banqueta e aparador Weave, de material trançado em tom neutro. Desconsiderando exageros e priorizando sofisticação e design dos móveis, a cartela de cor da nova coleção celebra tons naturais, claros e neutros, reforçando a elegância esperada em ambientes sofisticados.



ESPECIAL

INS-

PIRA-

DORES

POR FELIPE FELIZOLLA FOTOS PAULO BRENTA

PABLO PICASSO UMA VEZ DISSE: “QUE A INSPIRAÇÃO CHEGUE NÃO DEPENDE DE MIM. A ÚNICA COISA QUE POSSO FAZER É GARANTIR QUE ELA ME ENCONTRE TRABALHANDO”. ASSIM, A B&C CONVIDOU QUATRO PERSONALIDADES BRASILEIRAS QUE NÃO ESPERAM O ÓCIO PARA ENCONTRAR SUAS INSPIRAÇÕES. QUATRO PERSONALIDADES QUE SE INSPIRAM NO PRÓPRIO TRABALHO E, ASSIM, INSPIRAM QUEM ESTÁ À SUA VOLTA, OS ASSISTINDO, APRECIANDO SUAS OBRAS, RELEMBRANDO SUAS CARREIRAS OU VIVENCIANDO SUAS CRIAÇÕES. >>

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1.

4. 5.

2.

3.

6.

O que inspira nossos Personagens:

8.

7.

1, 2 e 3. Tuca ReinĂŠs 4 e 5. Gilberto Elkis 6 e 7. Ricardo Amorim 8. Maria Esther Bueno


ESPECIAL

GILBERTO ELKIS O paisagista dos sentidos.

QUANTAS PESSOAS IMAGINARIAM ACEITAR DE UM paisagista um projeto sem plantas? Se o projeto for de Gilberto Elkis, o paisagista em questão, é capaz de muitos relevarem esse pequeno detalhe. Foi assim com o caso da piscina do hotel Unique, em São Paulo. Gilberto, que fez o paisagismo do hotel inteiro, defende-se: “A paisagem da cobertura do Unique é a silhueta de São Paulo. A paisagem urbana pronta para ser contemplada é a grande protagonista”. O hotel é apenas um dos inúmeros cases do profissional, que chegou a cursar administração antes de guinar sua carreira. Ainda criança, em uma ida ao litoral paulista, teve seu primeiro insight. “Disse ao meu pai que gostaria de trabalhar com a natureza, com plantas. Aquela vida da Mata Atlântica me encantava.” Dito e feito. Anos depois, Elkis veio a se tornar um dos maiores paisagistas do cenário brasileiro. Trabalhando sempre em diversos projetos simultâneos, o paulistano remexe em seus arquivos sensoriais na hora de criar algo novo. “A inspiração é algo que vem de dentro. Penso no que já vivi, presenciei, observei. Lembro de viagens, de momentos que passei mergulhando ou esquiando, que me trazem sensações e que eu espero poder exteriorizar em um projeto.” Assim, mantém em seu escritório um globo, que o faz recordar-se do mundo e de todas as culturas que já conheceu. O objeto também significa o lugar onde se encontram o ar, a terra e o mar, elementos muitas vezes presentes em seus projetos. O enorme repertório de referencias é, portanto, de onde ele tira soluções

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inusitadas para seus clientes. Como no caso da piscina vermelha, já citada anteriormente. Na época da construção, o vidrotil que a reveste teve de ser pago quando a encomenda foi feita, já que de tão inusitada o fornecedor não acreditava que o projeto fosse se concretizar. Colecionador de elegantes pinguins de geladeira – “eles estão sempre de black-tie!” –, Gilberto gosta muito de trabalhar com a água interagindo em suas criações. Segundo ele, a água traz uma interatividade ao ambiente, e em movimento ela é capaz de modificar e purificar a energia do espaço, criando uma simbiose entre os humanos e a natureza. Com esse preceito, está esboçando um de seus projetos dos sonhos: a própria casa no litoral paulista, que terá uma piscina natural de água vinda de um rio. O paisagista se aventurou por uma nova trilha em 2012. Lançou, junto com o sommelier Manoel Beato, o livro Degustação de Paisagens, onde faz uma analogia dos vinhos com os jardins e terroirs europeus e suas influências no paisagismo brasileiro. O assunto rendeu e hoje se prepara para uma segunda parte, escrita em conjunto com o renomado chef Alex Atala sobre os “sabores de paisagens” e a relação entre o que tiramos da terra para nos alimentarmos. No entanto, os projetos editoriais não o deixaram de lado do mercado paisagístico. Elkis hoje está trabalhando em um grande projeto de uma casa nos Hamptons, em uma townhouse em Nova York e em alguns condomínios residenciais no interior paulista. Com certeza, em breve, muitas pessoas irão desfrutar e se inspirar em suas obras. >>



ESPECIAL

MARIA ESTHER BUENO A bailarina de Wimbledon.

ELA CONQUISTOU NADA MENOS DO QUE 589 TÍTULOS ao longo de sua carreira. Se o número impressiona, quando completamos a informação com a vitória de 19 torneios Grand Slams, o posto de tenista número 1 do mundo e duas vezes homenageada com o troféu de melhor esportista do mundo em 1959 e 1960, é daí que qualquer chapéu tirado em sua honra não será o suficiente. Maria Esther Bueno rodou o mundo quando ainda não existiam Concordes e encantou todas as raças e culturas com sua perfeição técnica e simpatia brasileira. A maior tenista latino-americana do século XX deixou os seus adversários homens para trás antes da emancipação feminina das décadas de 70 e 80. “Quando queremos muito alguma coisa, temos talento e fazemos os sacrifícios necessários, é possível chegar lá.” Filha de uma família envolvida em esportes, com pai remador e tenista e mãe jogadora não profissional de vôlei, começou a vida nas quadras bem cedo ao lado do irmão Pedro, com quem treinava, jogava e viajava junto. O apoio da família a levou a torneios infanto-juvenis em São Paulo e no resto do Brasil. Aos 14 anos, ganhou, com diferença de 2 meses, um campeonato juvenil e outro adulto. Daí, foi convidada para jogar no torneio americano Orange Bowl e ganhou 14 dos 15 jogos. Os convites para a Europa, Austrália e África do Sul pipocaram e, ainda praticamente uma criança, cresceu de quadra em quadra, longe de casa e de seu país, lidando com a pressão emocional e as saudades. “Me propus a jogar e era o que eu gostava. Os sacrifícios eram enormes, mas valeu a pena e faria tudo de novo.” A ótima recepção que teve no mundo inteiro a inspirou a continuar. “Fui muito bem recebida no mundo inteiro. Mesmo jogando com italianos na Itália ou ingleses na

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Inglaterra, as pessoas me apoiavam e ganhei muitos e muitos jogos por causa do apoio da torcida. Como latina, não conseguia esconder o que estava sentindo e as pessoas apreciavam isso. Se estava bom, tinha a torcida me alegrando e vibrando. Se estava ruim, a torcida sofria junto comigo também.” Em uma época em que a medicina esportiva ainda não contava com tantos recursos de preparadores físicos, fisioterapeutas e tecnologia, conquistou dois títulos mundiais com dores no ombro em 58; além de jogar três torneios de simples em Wimbledon com problemas no braço e nas costas. Hoje em dia, a saúde dos atletas é cuidada muito mais de perto, mas segundo ela, foi-se o romantismo e elegância do esporte. A começar pelas roupas, que conferiram a ela o apelido de Bailarina de Wimbledon. Confeccionados pelo estilista inglês Ted Tinling, especializado em roupas para as quadras, seus vestidos encantavam os espectadores: “Eram verdadeiros vestidos de noite, porém curtos, em seda e com bordados em pérola. Nunca ninguém se vestiria do mesmo jeito que o adversário, não tinha nada feito em série. Era um elegante ballet com roupas de noite”. As tantas histórias se somam ainda às proporcionadas fora das quadras oficiais. Maria Esther teve a honra de conhecer o Papa, almoçar e jantar com a rainha Elizabeth II, além de jogar tênis com a princesa Diana, mãe de dois dos alunos mais ilustres da tenista: William e Harry. A tenista até hoje recebe cartas de seus fãs e deixa um inspirador recado para as novas gerações: “O importante é fazer o que gosta e fazer com carinho e determinação. Temos que ver os obstáculos como desafios”. >>



ESPECIAL

RICARDO

AMORIM O antecipador das notícias.

O ECONOMISTA E JORNALISTA RICARDO AMORIM é conhecido pelo grande público por sua cadeira cativa no programa Manhattan Connection, apresentado semanalmente no canal Globonews. O que poucos sabem é que Ricardo é o único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner, empresa londrina que seleciona oradores para palestras em empresas, universidades e encontros de líderes. Foi por esse motivo que a B&C o procurou quando resolveu falar sobre inspiração. Amorim já palestrou para alunos de economia das mais renomadas faculdades, como Harvard e Columbia, ambas nos Estados Unidos. Tornou-se inspiração para essa nova geração de profissionais. Mas a surpresa sobre a emoção de inspirar alguém veio em uma história pela qual não esperava. “Houve um caso que me tocou muito uma vez na Guatemala. Eu tinha acabado de realizar uma palestra no principal fórum latino-americano de bancos promovido pela FELABAN, e após a palestra houve um coquetel. Ao final do coquetel, um dos garçons, um guatemalteco simpático, veio se apresentar e dizer que estava muito feliz em poder me conhecer porque assistia sempre minhas entrevistas na CNN e, quatro anos antes, em função de uma destas entrevistas sobre oportunidades na América Latina, ele tinha resolvido voltar à faculdade e que, no final daquele ano, ele se formaria e já tinha a perspectiva de um emprego muito melhor do que os que tinha tido até então. Quase chorei pela emoção de poder ter influenciado de uma forma positiva a vida de uma pessoa no outro lado do mundo, que eu jamais imaginaria que poderia influenciar. Foi uma grande lição”, resume. No ano em que o Manhattan Connection completa 20 anos no ar e Ricardo completa 10 anos de bancada, ele não 38 | MARÇO 2013

acredita que o Brasil inspire o mundo tanto quanto pensamos. Segundo ele, o que acontece hoje com o Brasil em voga é uma série de fatores que impulsionou o país a crescer temporariamente e ter em suas mãos um bilhete premiado, que pode perder seu valor se não soubermos usá-lo bem a nosso favor. Sobre a maior relevância do país nos assuntos do programa, ele adiciona: “O programa sempre teve uma visão muito internacional sob uma ótica americana, mas há 10 anos, países emergentes não tinham o espaço no programa, ou no mundo, que tem hoje”. Fã declarado do autor Steven Levitt, Ricardo escreveu o prefácio de seu último livro, o Superfreakonomics. A obra está sempre à mão do economista, quando precisa parar para refletir e relacionar determinadas informações que de cara parecem desconexas. Para entender o mundo, uma boa compreensão dos fatos ajudam-no a ter uma melhor noção da probabilidade do que pode acontecer. “Quase sempre, é impossível ter certeza sobre o que acontecerá na economia, mas uma boa análise econômica permite que, quase sempre, você saiba o que, provavelmente, acontecerá. O que eu gosto no trabalho do Levitt é que ele conecta informações que parecem desconexas para a maioria e mostra como elas estão intimamente relacionadas. É exatamente a mesma coisa que eu faço para ajudar meus clientes a tomarem melhores decisões”, complementa. Entre idas e vindas dos mais de 70 países já visitados e dos anos morados entre Europa e Estados Unidos, Ricardo recorre à natureza quando precisa se inspirar, além de ser praticante de esportes e apaixonado por cinema e teatro para arejar a cabeça. No entanto, hoje, é no núcleo familiar junto a sua esposa e dois filhos pequenos que gasta a maior parte do seu tempo livre e pontua: “Os livros, filmes e viagens podem esperar”. >>



ESPECIAL

TUCA REINÉS O retratista da energia.

SE PARA ALGUMAS CRENÇAS E RELIGIÕES UMA fotografia é capaz de sugar energia, para o fotógrafo Tuca Reinés, a energia é ganha quando se vê uma boa foto. Energia, aliás, é o fio condutor do trabalho desse arquiteto de formação que inspira milhares de pessoas através das imagens captadas por suas lentes. “Quando você se inspira, vem a energia e o sucesso”, diz Tuca. Único brasileiro a ter três livros publicados pela editora alemã Taschen, especializada em livros de arte, design, arquitetura e fotografia, Tuca é fã incondicional da Bahia, assunto de 2 desses livros. Além de Great Escapes in South America, lançou também o Bahia Style e o Living in Bahia, primeiro livro sobre o estado brasileiro editado no exterior. Foi com esse livro que os grandes editores de publicações mundiais, como Visionaire e iD, foram conhecer as areias e falésias de Trancoso e seus arredores e reconhecessem o trabalho de Reinés. Não precisa ser dito então, que é lá, em meio ao sol e mar, que o fotógrafo se inspira e recarrega as energias. Terra essa que também é o local de nascimento de seus dois filhos e que frequenta desde que tirou sua primeira habilitação, nos idos anos 70. Conhecido de cara por suas fotos de arquitetura, sabe que uma foto só sairá boa se ele mesmo estiver de bem com a vida e consigo mesmo. “Só consigo me inspirar para captar algo se tudo estiver correto: uma boa arquitetura, de proporções corretas e funcionando, a luz adequada, o tempo necessário. Tenho que entender a luz que determinado arquiteto planejou quando projetou o prédio ou a construção.” 40 | MARÇO 2013

E por boa luz, ele não diz só a presença ou não do sol, mas também o horário certo. “Cartier-Bresson só saía para fotografar em dias nublados. Eu gosto de me deixar surpreender com surpresas da natureza, como o reflexo de um raio de luz no mar, ou uma sombra inesperada.” Assim, muitas vezes vê determinada paisagem ou prédio que gostaria de fotografar e volta ao local anos depois, sem pressa, para achar o momento certo de capturar a imagem. Isso aconteceu com o deserto do Atacama, que conheceu em 2003 e só em 2012 voltou para fotografar oficialmente. Um metódico processo criativo que se explica quando estamos de cara a cara com as magníficas ampliações. Tuca, apaixonado por aviões desde que sobrevoou o Monte Pascoal a primeira vez, tem como companhia sua cachorra Coca, que foi encontrada em Ilhabela, como um “presente do mar”. A amável vira-lata preta e branca era filha de outra cachorra da Ilha conhecida como Rainha do Mar, que vivia entre barcos de pescadores. Até que um dia escolheu a companhia de Reinés para passar seu tempo e com ele permanece até hoje. Inclusive enquanto o fotógrafo está lendo. Atualmente, se entretém nas páginas do livro Kon-Tiki, do biologista norueguês Thor Heyerdahl, que tenta explicar a colonização da América do Sul pelos polinésios antes da chegada dos europeus. A história de coragem e força de vontade, segundo o fotógrafo, inspira-o a ir cada vez mais longe. Assim como suas fotos nos inspiram a contemplar mais e melhor os lugares que prestamos atenção.



ARCHITECTURE

Viagem


ao futuro Com o tema aeroportos em evidência, fomos atrás de alguns dos projetos arquitetônicos mais inusitados e inspiradores. Embarque nesta viagem. >

Foster + Partners

por Rosane Aubin FOTOS DIVULGAÇÃO


FOSTER + PARTNERS

ARCHITECTURE

Q

uem não gosta de aeroportos tem grandes chances de mudar de ideia se estiver disposto a visitar alguns dos mais inovadores e impressionantes do mundo. Hoje, temos um aeroporto preparado para voos espaciais, que, aliás, já estão sendo vendidos a quem estiver disposto a pagar uma pequena fortuna para ver a bola azul bem de longe. O Spaceport, no Novo México, é apenas um desses prodígios da arquitetura que se espalham para dar as boasvindas aos visitantes ao redor do mundo. Quando se fala em aeroporto, o nome Foster + Partners, o famoso escritório de Sir Norman Foster, é quase uma unanimidade. Sempre à frente em vários segmentos, o britânico é o responsável pela construção do aeroporto para naves espaciais, inaugurado em 2011 no Novo México, Estados Unidos. Visto de cima, o prédio lembra um olho, logo da empresa Virgin Galactic, que orga-

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niza as viagens ao espaço. De frente, do ponto de vista de quem chega de carro, a obra integra-se à paisagem desértica da região, formando apenas uma sutil elevação, como se fosse uma colina, e foi criado para obter a certificação LEED Gold, que comprova as boas práticas sustentáveis. Um exemplo é que galerias complementares mostram, lado a lado, duas sagas: a das viagens espaciais, com suas naves futuristas, e a história da região e de seus colonos. Se isso não é ser socialmente justo... A parte do ecologicamente correto também está presente em cada detalhe da edificação: para proteger o prédio dos extremos do clima da região, ele foi construído com pouca altura, colado ao chão, totalmente preparado para receber os ventos do oeste que ventilam e minimizam a necessidade de refrigeração artificial. Foster, um arquiteto presente nas principais


FOSTER + PARTNERS

capitais do mundo, sempre de forma inconfundível, também sabe como ninguém falar de sua obra. “Esse terminal é uma celebração da emoção e da poesia do ato de voar”, disse sobre o inovador aeroporto de Pequim, inaugurado em 2008, bem a tempo da Olimpíada no país. Em forma de dragão e decorado com as cores tradicionais da China, o complexo tem dimensões gigantescas, com um 1,3 milhão de metros quadrados − foi a primeira construção a quebrar a barreira do um milhão de metros quadrados no mundo. E o melhor: mesmo com toda a imensidão de detalhes para cuidar, os profissionais da Foster + Partners criaram estratégias para deixar tudo muito confortável para as pessoas, tanto usuários quanto funcionários, e sustentável, buscando alternativas para economizar recursos naturais não renováveis. Uma bem urdida trama ao longo do teto permite que a luz externa penetre sem esquentar

em demasia o edifício; outra medida adotada são as claraboias viradas para o sudeste, aproveitando o calor do sol da manhã e evitando assim o uso de aquecedores. Está prevista para os próximos anos a inauguração de outro aeroporto da Foster + Partners, no Kuwait. Em forma de trevo e com capacidade para receber 13 milhões de passageiros por ano – na primeira etapa –, com planos de reformas que permitirão acomodar 50 milhões, o aeroporto foi criado especialmente para oferecer conforto no clima árido da região, economizar recursos e refletir a cultura oriental. Serão três alas de portões de embarque cobertas por um telhado único, com aberturas em vidro capazes de filtrar a luz do dia e coletores de energia solar. O teto, que se estende até a praça de entrada, será sustentado por colunas de concreto inspiradas no movimento dos barcos à vela, tradicionais no Kuwait. >>

Páginas 42,43,44 e 45: O Spaceport, aeroporto para naves espaciais, inaugurado em 2011 no Novo México, Estados Unidos.

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Foster + Partners

ARCHITECTURE


FOSTER + PARTNERS

Design natural Projetado pelo escritório b720 Fermín Vázquez Arquitectos, o aeroporto Lleida-Alguaire, na cidade espanhola de mesmo nome, localizada na Catalunha, parece refletir os geométricos campos agrícolas da região. O time de arquitetos queria que a construção não virasse um corpo estranho na paisagem local e criou uma solução engenhosa que destaca o aeroporto sem agredir o olhar. Um grande envelope cobre toda a estrutura como se fosse um tapete multicolorido, em tons que lembram a terra e plantações. Vázquez e seus colaboradores usaram acabamentos diversos, como vegetais, madeira e chapa microperfurada para criar o efeito, inesquecível para quem pousa neste recanto espanhol e gosta de arquitetura. O Aeroporto de Wellington, na Nova Zelândia, fica à beira-mar, sujeito aos ventos, que sopram com força e costumam exigir dos pilotos habilidades extras na hora de pousar os aviões, era um terminal comum até sofrer uma reforma

comandada pelo Studio Pacific Architecture. Só para se ter uma ideia, depois da nova estrutura que conecta os três edifícios que já existiam, chamada The Rock, ele ganhou o prêmio de melhor aeroporto da Austrália e Nova Zelândia, além de outros 13 troféus, incluindo o da categoria Transportes do World Architecture Festival. O novo terminal, revestido com folhas de cobre, lembra as características ásperas de uma pedra, mas ao mesmo tempo oferece conforto e calma aos visitantes, com vistas cuidadosamente projetadas. Fissuras entre as folhas de cobre, fechadas com panos de vidro, deixam entrar a luz do sol durante o dia e a iluminação externa à noite, criando um ambiente aconchegante e calmo. Os neozelandeses gostam de dizer que o aeroporto tem um “coração selvagem”: de um lado, o clima difícil e o gosto pela aventura que marca o país; do outro, a calorosa hospitalidade e o extremo cuidado com a segurança e a natureza que marcam o espírito de seus funcionários. >>

Na pág. ao lado: Aeroporto de Pequim, inaugurado em 2008, para as Olimpíadas no país.. O complexo tem dimensões gigantescas, com um 1,3 milhão de metros quadrados. Nesta pág. Perspectiva artística do projeto do aeroporto da Foster + Partners, no Kuwait.

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ARCHITECTURE


De vários ângulos, o aeroporto Lleida-Alguaire, na cidade espanhola de mesmo nome, localizada na Catalunha.

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Aeroporto The Rock, em Wellington, na Nova Zelândia, reformado pelo Studio Pacific Architecture, premiado como o melhor aeroporto da Austrália e Nova Zelândia, além de outros 13 troféus, incluindo o da categoria Transportes do World Architecture Festival.

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Aeroporto de Suvarnabhumi, a 25 quilômetros de Bangcoc, foi inaugurado em 2006, projetado por Helmut Jahn, do escritório Murphy-Jahn. O aeroporto é formado por 108 arcos sobre os portões de embarque.

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ARCHITECTURE

Aeroporto de Kansai, em Osaka, Japão.

Outro exemplo da habilidade humana para lidar com ambientes inóspitos, o aeroporto de Suvarnabhumi, a 25 quilômetros de Bangcoc, foi inaugurado em 2006, após quatro décadas de negociações e obras. Quando estava quase pronto, em 2005, os trabalhadores ficaram sabendo que a obra estava sendo construída sobre um antigo cemitério e alegaram ter visto fantasmas, obrigando os gestores a fazer uma cerimônia com 99 monges budistas para livrar o local dos supostos maus espíritos. Projetado por Helmut Jahn, do escritório Murphy-Jahn, o aeroporto é formado por 108 arcos sobre os portões de embarque. Fabricadas em materiais inovadores, como vigas de aço e vidro, as coberturas servem ao propósito dos arquitetos de criar um espaço aberto ao mundo externo, com um design leve, feito de transparências e luzes suaves. A impressão é de que o aeroporto é uma imensa nave espacial, e não é para menos: trata-se do quarto maior do mundo, com 563 mil metros quadrados, e seus arcos translúcidos parecem saídos de um filme de ficção científica futurista. 52 | MARÇO 2013

“Kansai é um instrumento de precisão, filho da matemática e da tecnologia. Um forte ponto de referência, um marco e uma experiência espacial extraordinária”, diz Renzo Piano, o arquiteto responsável pelo projeto do terminal do Aeroporto de Kansai, em Osaka, Japão. E o italiano não estava falando apenas de sua obra. Antes que seu projeto fosse escolhido em concurso internacional, foi construída no local uma ilha artificial de 4,7 quilômetros de comprimento apoiada sobre mil estacas que atravessam 30 metros de água e outros 20 de lama até atingir a rocha em que estão fixadas. As estacas têm sensores especiais que indicam oscilações a partir de 10 milímetros e, quando a alteração ocorre, macacos hidráulicos recolocam tudo no lugar. Esse aparato tecnológico permite que a ilha resista a terremotos, o que ocorreu em 2005, sem causar nenhum dano ao complexo. O prédio do terminal, coberto por 82 mil painéis de aço inoxidável, permite a canalização do ar, cujo fluxo é regulado por avançadas tecnologias que deram características aerodinâmicas ao forro.



PERFIL

O poder do

HUMOR O jornalista José Simão conta que a curiosidade é a sua maior fonte de inspiração para fazer seus leitores e ouvintes rirem com o seu escracho. POR PAULO CABRAL FOTOS PAULO BRENTA

L

er a coluna que José Simão escreve no jornal Folha de S. Paulo há 25 anos é quase como ouvi-lo falar. “Coloquial, sim, mas jamais descuido da escrita”, ressalta o jornalista humorístico, que leva o seu trabalho muito a sério e se autointitula com orgulho “o esculhambador geral da República”. Além do impresso, apresenta um quadro diário, o Buemba! Buemba!, na rádio Bandnews FM, ao lado do jornalista Ricardo Boechat, e o programa Monkey News no UOL, em que mantém um site. Numa tarde de tempestade do verão paulistano, José Simão recebeu a equipe da revista Artefacto B&C em seu apartamento no bairro dos Jardins. O trânsito, com o caos potencializado, causou um belo atraso em relação à hora marcada. E como ele nos recebeu? Com o seu tradicional Rá Rá Rá Rá Rá, mostrando que o humor está sempre em primeiro plano em qualquer hora do dia. B&C: Quando foi que você percebeu que é engraçado? José Simão: Eu saquei que era engraçado, profissionalmente, na Folha. Quando fui chamado para falar sobre televisão, a minha primeira coluna foi de uma caretice atroz. Aí o Matinas (Suzuki), que na época era o chefe de redação, disse “não, a gente quer que você escreva como 54 | MARÇO 2013

você fala”. E eu tinha essa coisa irônica desde menino. Eu me lembro de ir para a escola e ficar de castigo no recreio por causa da língua. E isso, para mim, foi incrível, porque consegui introduzir o oral na escrita, tanto que até hoje escrevo em voz alta, porque tão importante quanto o conteúdo é o ritmo, eu vou escrevendo como se estivesse tocando um instrumento. Por isso que eu me dei tão bem em rádio. A minha coluna na Folha de S. Paulo é uma coluna falada. B&C: E na sua família, como era esse escracho? José Simão: A família inteira era engraçada. Meu irmão até hoje é muito engraçado. Meu pai era mais irônico. Essa coisa do escracho eu peguei no Nordeste, porque é diferente. O humor no estado de São Paulo é mais judaicocristão, tipo Woody Allen. B&C: Como foi a sua infância? José Simão: Eu era asmático (risos). Então eu mais lia, via TV, essas coisas, do que ficava na rua, e meu irmão adorava ouvir programa de terror no rádio. Tinha uma mulher que trabalhava lá em casa e que me levava para a escola, e ela era rumbeira. Ela ia pela linha do bonde dançando rumba. Era um filme de Fellini! Como eu posso ser uma pessoa normal? >>



PERFIL

B&C: Você começou a faculdade de Direito e desistiu, morou em Londres e no Rio de Janeiro nos anos 70, época da contracultura. Quando você se assumiu como jornalista? José Simão: Na Folha, quando eu comecei a escrever sobre televisão, sobre as novelas. Depois eu comecei a escrever sobre televisão em geral. Aí percebi que tudo no Brasil era feito pela televisão, tanto política como economia, e comecei realmente a fazer o que faço até hoje, que é o humor jornalístico, diferente de tudo o que está aí. Faço humor, não faço piada. Outro dia eu passei e o cara falou assim: “aquele cara é o que faz piada na rádio” (risos). E eu falei “poxa, e eu tão culto, tão intelectual, tudo bem que eu sou pop, mas...”. Porque piada, para mim, tem começo, meio e fim. B&C: Quando começou a fazer a coluna, você teve a noção de que iria ficar famoso? José Simão: Não, e demorei muito para perceber isso. Porque quando sento para escrever, penso no texto e no leitor; e em mais nada. Ou então, quando entro na rádio com o Boechat, penso no ouvinte. Tem uma coisa boa que é um sinal verde, que você pode ir além no texto, no humor, pode se atirar mais e fazer realmente o que quer. B&C: Mas é gostoso ser famoso? José Simão: É gostoso porque tem interação. Eu saio para andar aqui no bairro com o meu personal trainer e os carros vão parando e gritando “ô esculhambador!”. Aí para uma mulher, por exemplo, e diz “te adoro”. As pessoas têm um approach comigo muito emocional. B&C: A leitura do seu texto é muito próxima, tem uma intimidade, uma coloquialidade. José Simão: Exatamente. Agora, eu escrevo coloquialmente, mas jamais descuido da escrita. E tem o poder do humor. Uma vez, um general de fronteira estava dando uma entrevista na Band e perguntaram se ele tinha medo dos traficantes, e ele: “eu tenho medo é do Zé Simão, não

de traficante” (risos). É o poder do humor, porque o humor é demolidor. B&C: Você diria que o Brasil é a sua maior fonte de inspiração? José Simão: Claro que é. Eu estou na rua vendo pichação, lendo outdoor, ouvindo o que as pessoas falam, aqui, na Bahia. Eu tenho muito do humor nordestino, que é mais escrachado, mais solar, mais tropical. B&C: Você tem uma produção diária. De onde vem tanta inspiração? José Simão: A curiosidade é o que me motiva. Sou extremamente curioso. Sou tão curioso que gosto mais de acordar do que de dormir. Acordar, para mim, é um prazer inenarrável, adoro abrir o olho e ver o que está acontecendo no mundo. É essa curiosidade que me dá inspiração, porque eu vou vendo tudo. Vejo notícias, vou para o terraço e vejo as pessoas, vou para o e-mail ver meus leitores, meus ouvintes, e eles mandam muitas sugestões. B&C: Você consegue não trabalhar? José Simão: Consigo, mas é difícil (risos). Quando vou para a minha casa na praia, em Arembepe, na Bahia, eu falo “gente, e agora, o que eu faço?”. Deito na rede, mas a pilha demora para acabar. E quando vou para fora do Brasil, se vejo uma coisa, quero fotografar. Então, não estou totalmente desligado. Eu estava em Valência, na Espanha, saí no terraço do hotel e vi uma placa na rua ao lado que dizia assim: “Escola Maternal Bambi”. É para são-paulino! Então eu vou tirar foto e vou falar isso. Eu tenho essa coisa porque trabalho com tesão, gosto do que faço, e isso é o principal. B&C: E quando você está em um ambiente mais formal, uma reunião, você consegue conter o seu humor? José Simão: Eu só conheço gente bagaça (risos). Sim, consigo, sim. Se vou a um casamento, a uma missa, é claro. Minha vida não é Rá Rá Rá o dia inteiro. E eu, ao vivo, não sou assim engraçado. Sou até meio tímido. >>

“A CURIOSIDADE É O QUE ME MOTIVA. SOU EXTREMAMENTE CURIOSO. SOU TÃO CURIOSO QUE GOSTO MAIS DE ACORDAR DO QUE DE DORMIR. ACORDAR, PARA MIM, É UM PRAZER INENARRÁVEL, ADORO ABRIR O OLHO E VER O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO MUNDO.”

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PERFIL

B&C: Quem te faz rir? José Simão: Humor involuntário, um monte de gente, né. Outro dia estava assistindo TV Fama e ria muito, quer dizer, não era um programa de humorismo, mas eu ria muito. Agora, gosto muito de programa de humor. O ano passado inteiro eu assisti A Escolinha do Professor Raimundo, no Viva. Gosto muito dessas séries de humor da Globo. Quem me faz rir muito é Regina Casé, ela é genial. Para mim, ela está fazendo o melhor programa do Brasil, o Esquenta, que é a cara do Brasil hoje. O Brasil mudou em uma velocidade estonteante; sociólogos e muito menos jornalistas estão conseguindo ver e entender o Brasil de agora. O programa Esquenta conseguiu, Regina Casé consegue. Às vezes, o humor vale mais do que uma tese acadêmica. B&C: Dessa nova geração do humor, de quem você gosta? José Simão: Eu gosto do Fábio Porchat em tudo o que ele faz, e tem esses vídeos do Porta dos Fundos que estou amando. Esse é o tipo de humor que eu gosto, é Porta dos Fundos, é Tapas & Beijos, TV Fama (risos), Ana Maria Braga (risos). E Marcelo Adnet sempre. B&C: Das personalidades e celebridades, tem alguma que te inspira mais? José Simão: Não, porque tudo é muito imediatista. Em esporte, é claro que por muito tempo foi Galvão (Bueno). Ele é a personalidade mais polêmica do futebol. Metade odeia, metade ama. Acho ele um bonus track (risos). Existe o jogo e existe ele, são coisas distintas. B&C: Qual a sua relação com São Paulo? José Simão: O que eu gosto de São Paulo é de andar na rua. Eu gosto de esquina, que é onde acontecem as coisas. O poeta Haroldo de Campos deu a melhor definição: “São Paulo é horrivelmente linda”. Eu tenho essa coisa escrachada do nordestino, gosto muito do Brasil inteiro, mas onde me sinto bem mesmo, estou em casa, é em São Paulo. Tem 800 peças, 300 filmes, 400 shows, você fala “oba, vou ficar em casa”. Mas é por opção, e isso eu adoro. B&C: Você sai à noite? José Simão: Eu gosto de show. Casa noturna eu não gosto porque acordo muito cedo, e agora tenho o relógio biológico e acordo às 7 da manhã todo dia, não tem jeito. Eu não

bebo também. Vou jantar, vou para shows. Pode ser muvuca, show da Shakira, vou (risos). “Vamos ver a Amy Winehouse? Mas lá é apertado”, vou. Gosto muito de ficar em casa, porque tem internet, tem TV, tem filme, tem tudo. Em São Paulo, só não gosto de duas coisas, que é o trânsito e o clima. Eu sou muito irrequieto para ficar engarrafado. Falo que paulista usa quatro marchas, que são parado, paralisado, ponto morto e puto da vida. Eu só uso a quarta. E o clima, você vê agora que medo, esses temporais cheios de raios. B&C: Você gosta de viajar também, não é verdade? No exterior, tem algum lugar que você identificou um humor peculiar? José Simão: Gosto muito. Eu sou curioso, né. Adoro civilizações, outros lugares. Talvez seja uma das coisas que eu mais goste atualmente. Na Espanha o que eu mais acho graça é que eles são muito despachados. Quando falam “Portugal parece o Brasil”, eu falo “não, a Espanha parece”. As pessoas falam alto, dão muita risada e são muito escrachadas. E as mulheres! As espanholas são incríveis e lindas. Os homens são meio ranzinzas, como aquele campeão de Fórmula 1, o (Fernando) Alonso. As mulheres são aquelas de Almodóvar. B&C: Na tua escala de humor, onde está o Brasil? José Simão: O Brasil bate na camada de ozônio. O Brasil é hilário, é criativo, é lúdico, gosta de brincar. Eu vou para Arembepe, você vai na lan house e tem música ao vivo (risos). Tem coisas inacreditáveis, eu adoro. B&C: Dos anos 70 para hoje, você vê muita diferença no Rio de Janeiro? Você ainda gosta do Rio? José Simão: Muito. Mas o Rio nos anos 70 era efervescente, era ali que estava começando o Tropicalismo. Depois o Rio ficou muito violento, muito, muito, muito, muito que eu tinha medo até de fazer conexão. E agora o Rio está bombando de novo com esse negócio de pacificação. B&C: Você ri com o funk carioca? José Simão: Os funks que escuto são no programa da Regina Casé, e dou muita risada. O carioca é muito engraçado. E tem essa coisa do Rio, diferente de outras cidades, que é a integração favela e Zona Sul. Os gringos estão comprando casa no Complexo do Alemão! Eu conheço uns franceses que compraram uma casa no Morro do Pavão. >>

“QUANDO VOU PARA A MINHA CASA NA PRAIA, EM AREMBEPE, EU FALO 'GENTE, E AGORA, O QUE EU FAÇO?'. DEITO NA REDE, MAS A PILHA DEMORA PARA ACABAR.”

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PERFIL

B&C: O que tira o seu humor? José Simão: Injustiça. Aí eu fico muito puto. Injustiça social, gente em corredor de hospital. E gente preconceituosa. De falar, tipo assim, “ah, o aeroporto virou uma rodoviária”, sabe, que não quer compartilhar as coisas. E gente que tem preconceito é burra, é mau caráter. Eu sou bem humorado, digo que fundo de poço tem mola. B&C: Como é o seu mau humor, é rápido? José Simão: É, tanto o mau humor quanto a depressão. Claro, a vida não é um eterno Rá Rá Rá. Mas o humor e a alegria sempre vencem. E quando estou com depressão, com um problema, eu reajo com humor, aí é um humor negro, sarcástico demais, mas é um tipo de humor. Tem jeito. B&C: Envelhecer interferiu na sua forma de encarar a vida com humor? Como você lida com o tempo? José Simão: Eu só percebo que envelheci quando olho para o espelho. Eu falo “sou eu?!” (risos). Mas, não, é a mesma coisa. Sou meio infantil, não tem jeito. No candomblé chamam de erê, criança eterna. Eu sou meio macaco mesmo, por isso que botei o meu nome de Macaco Simão. Não é a melhor idade, isso é mentira (risos). Balela. B&C: Você é religioso? José Simão: Eu sou uma coisa chamada ateu místico, acredito em energias cósmicas, falo Virgem Maria o tempo todo. Sou filho de Ogum, mas não sou do candomblé, não. Fui criado no catolicismo e acho bonito, as orações, as imagens, tem uma coisa dramática, bonita, mas não sou religioso. Eu estava entrando na igreja do Bonfim com a Astrid (Fontenelle) e fiz o sinal da cruz, e ela “mas você não é ateu?”, e eu “ateu místico!” (risos). Não vou jogar pedra no santo (risos).

Rotina do “ô esculhambador!” Acordo e já vou ver as coisas no computador (grande). Mas sou viciado em iPad, pareço um pastor evangélico com o iPad debaixo do braço (risos). Tomo uma ducha, concentro nos ombros e solto o quadril, e já entro no ar, às 8h40 da manhã. Aí desço para malhar. Ando, malho, e o pessoal grita “esculhambador!”. Volto e escrevo a coluna da Folha, toco o instrumento, pá-pápá-pá-pá-pá. E leio tudo, vejo todas as charges, porque gosto de citar muito. Gosto de compartilhar. Se acho algo bacana, se combina com o texto, eu ponho. Depois tenho que montar o Monkey News, que faço na internet com o Rodrigo Flores, que é o diretor de conteúdo do UOL. Almoço e vou lá gravar. Quando volto, já ligo a TV, não tem jeito. Ontem eu vi o céu ficar negro e falei “hoje vai rolar um Datena”. Não se fala mais “caiu um temporal”, é “rolou um Datena” (risos).



EXPERTS

THIAGO BERNARDES OTALENTOSO

Sem abandonar as influências arquitetônicas da família, Thiago Bernardes segue a tradição com identidade própria e estilo singular. POR LUIZ CLAUDIO RODRIGUES FOTO ANDRÉ VIEIRA

A

máxima “filho de peixe, peixinho é” serve com perfeição para Thiago Bernardes, um dos mais talentosos arquitetos brasileiros da nova geração. Filho de Claudio Bernardes e neto de Sergio Bernardes, Thiago tem a arquitetura em seu DNA. Nesse momento vive uma nova fase profissional. Após dez anos de trabalho, em 2011, desfez a sociedade com Paulo Jacobsen (parceiro de longa data de seu pai) e iniciou seu próprio escritório, o Bernardes Arquitetura, com sedes no Rio e São Paulo. Do pai, herdou o estilo de fazer uma arquitetura aberta para a natureza, com edifícios que se conectam integralmente com a paisagem. Mas quem o conhece de perto sabe que Thiago tem uma relação arquitetônica mais próxima a do avô. “É uma loucura a quantidade de planos que o Sergio fez, e essa relação que ele mantinha com o trabalho desperta a minha curiosidade. Eu cresci nesse meio. Meu parque de diversões era o escritório do meu avô.” Essa memória de Disneylândia particular faz sentido. O megaescritório de Sergio Bernardes na Barra da Tijuca era conhecido por manter várias maquetes de toda a ci62 | MARÇO 2013

dade do Rio de Janeiro. “Imagina o que significava isso para uma criança, ver a cidade toda e ouvir sobre planos para ela. Tinha maquete de tudo lá e era assim que eu via todos os projetos.” Mas por incrível que pareça, Thiago tentou fugir da arquitetura e foi trabalhar como assistente do fotógrafo Luis Garrido. Durou pouco e o DNA de arquiteto falou mais alto. Antes de entrar para a faculdade, aos 17 anos, foi estagiar no escritório do pai. Lá aprendeu a desenhar à mão, numa época em que os jovens preferiam a computação gráfica no lugar da boa e velha prancheta. Para não ficar à sombra do famoso Claudio Bernardes, queria provar, para si mesmo, que sua arquitetura “tinha que acontecer sozinha”. E com apenas 19 anos, em 1994, abriu seu primeiro escritório (com o amigo Miguel Pinto Guimarães) e fazia questão que seu sobrenome famoso não aparecesse nos projetos. Com a morte prematura de Claudio, em 2001, Thiago assumiu na empresa a parte da sociedade do pai dando continuidade à trajetória de sucesso do escritório, mas decidiu retomar sua trilha inicial em 2011, criando o escritório Bernardes Arquitetura.


PERSPECTIVAS ARTÍSTICAS-METRO AO CUBO

1. O importante recém-inaugurado Museu de Arte do Rio (MAR), 2010, na Zona Portuária, tem a missão de ser ao mesmo tempo local de exposição e ponto de encontro da educação com a cultura local. 2. Casa GA, 2013. 3. MSI, 2012.

PERSPECTIVAS ARTÍSTICAS-DANIEL VANNUCCHI

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2. Esse estilo low profile se manteve ao longo dos anos e hoje é uma das características marcantes de sua personalidade. Ao contrário do pai, Thiago é avesso à badalação ou qualquer tipo de exibição pública. Tanto que na inauguração do Museu de Arte do Rio (MAR) – projeto dele, Bernardo e Paulo Jacobsen –, manteve-se longe dos holofotes e das entrevistas com a imprensa. O que ele gosta mesmo é de trabalhar em equipe. “Sempre achei que a alma de todo escritório de arquitetura é agregar gente boa para trabalhar junto. Ninguém faz nada sozinho.” Sua concepção de trabalho parte do princípio de que todo projeto nasce de ideias individuais que são incorporadas e retrabalhadas em equipe. Junto aos sócios, Camila Tariki, Marcia Santoro e Nuno Costa Ramos desenvolve trabalhos no Brasil e no exterior, com um portfólio que inclui projetos residenciais e comerciais, hotéis e condomínios, empreendimentos de lazer e entretenimento, além de design de mobiliário e equipamentos urbanos. Ao todo são 40 profissionais divididos entre as sedes do Rio de Janeiro e de São Paulo. “O sucesso do escritório só é possível graças a uma equipe que se completa e trabalha totalmente integrada.” >>

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PERSPECTIVAS ARTÍSTICAS-DANIEL VANNUCCHI

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EXPERTS

CONTEMPORANEIDADE, LEVEZA E MUITA BOSSA CARIOCA. AQUI, PEÇAS QUE SEGUEM O ESTILO DA ARQUITETURA ASSINADA POR THIAGO BERNARDES.

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FOTO EDISON GARCIA

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1. SOFÁ KLEE 2. MESA DE JANTAR CALASH 3. CADEIRA SLED 4. PUFF ASTORIA 5. CHAISE LONG BARBADOS

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São Paulo Av. Europa, 679 Jardim Europa 11 3064.9277 • Curitiba Av. Iguaçu, 3700 Água Verde 41 3018-4888

www.artigiano.com.br

Arq David Bastos / Beach&Country

Qualidade e respeito por vocação.

A próxima cozinha de virar a cabeça pode ser a sua.


EXPERTS

MUL TIFA CETA DO Mestre em criar projeções de luz, Maneco conquistou prestígio no teatro brasileiro e atualmente é hype quando o assunto é light design. POR LUIZ CLAUDIO RODRIGUES FOTO ARQUIVO PESSOAL

Na pág. ao lado: imagens da peça teatral Toda Nudez Será Castigada, projeto de iluminação de Maneco Quinderé

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ão satisfeito em ser um dos mais importantes iluminadores do teatro brasileiro, Maneco Quinderé também faz uma carreira de sucesso com seus projetos luminotécnicos desde que foi convidado por Claudio Bernardes e Paulo Jacobsen a desenvolver um projeto para a dupla de arquitetos. A estreia nesse métier foi tão aplaudida que as encomendas para criar iluminação de interiores não pararam mais. Nascido em Teresina, mas radicado no Rio de Janeiro desde a década de 1980, muita gente pensa que Maneco é um verdadeiro carioca da gema. O que não deixa de ser verdade. Sua identificação com a cidade maravilhosa é radical e afetiva. “Eu amo o Rio. Acho a cidade mais linda do mundo.” Uma outra curiosidade que diz respeito ao seu sobrenome – que tantos outros acreditam ser um apelido – também vem por terra. Sua certidão de nascimento diz, com todas as letras, que ele se chama Manoel Castello Branco Neto, mas o destino quis que o menino ficasse conhecido como Maneco Quinderé. O sobrenome vem da família de sua mãe. O novo batizado aconteceu em 1981 e foi registrado no programa de uma peça de teatro. “Perguntaram meu nome e o produtor colocou Maneco porque todos me chamavam assim. Como ele não sabia meu sobrenome, mas conhecia minha mãe (dona Fernanda), acrescentou o Quinderé.” Ficou tão simples e sonoro que pegou. >>


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FOTO DIEGO QUINDERÉ

FOTO ALÉXIA BERGALLO

EXPERTS

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FOTO DIEGO QUINDERÉ

3. 1. Apartamento Lagoa VN. 2. Q Bar. 3. Casa Leblon SN.

O teatro é tão importante em sua vida que ele se casou com uma atriz. Está casado há 20 anos com Luciana Braga e tem duas filhas: Laura, de 13 anos, e Isabel, de 10. “É uma relação mútua de respeito e admiração.” Seu casamento com as artes cênicas também é duradouro. Seu repertório de parcerias bem sucedidas inclui gente de peso como Bia Lessa, Luis Antonio Martinez Correa, Filipe Miguez, Mauro Rasi, Miguel Falabella, Jacqueline Laurence, Naum Alves de Sousa, Fernanda Montenegro, Gabriel Villela, Geraldo Carneiro, Aderbal Freire Filho, Enrique Diaz, Marcus Alvisi, Monique Gardenberg... A lista é longa! E a de prêmios também. Sua estante exibe dois Moliére, cinco Prêmios Shell, quatro Mambembes e muitos outros. “Ganhar prêmios é maravilhoso porque é um reconhecimento do seu trabalho. É inegável que você é olhado com mais respeito com prêmios no currículo.” Sua trajetória também conta com iluminação de shows para Chico Buarque, Maria Bethânia, Milton Nascimento, Djavan, Lenine e Caetano Veloso. “Em shows eu trabalho mais com o desenho e no tea-

tro, mais com a atmosfera.” Recentemente se aventurou em outra seara: os desfiles de moda. Na temporada de verão 2013 do Fashion Rio, dos 25 desfiles sete levaram a assinatura do lighting designer. “O desfile é um show como outro qualquer e precisa ter atrativos para quem está assistindo. Os modelos não podem ter sombra no rosto, no corpo e na roupa. A luz precisa ser mais forte para definir camadas e texturas que a roupa possa ter”, ensina o mestre. Entre os projetos recentes de Maneco estão a abertura de um escritório em São Paulo (na Alameda Gabriel Monteiro da Silva) e a implantação de um ateliê de luminárias. “Eu sempre desenho para os clientes, agora vamos ter um estúdio onde todos possam comprar.” E como o teatro é sua vida, mais duas peças estarão em seu currículo, uma dirigida por Jô Soares e outra por José Wilker. Mas a grande expectativa de Maneco está focada no carnaval carioca do ano que vem. “Estou trabalhando para mudar a luz do carnaval no Sambódromo. Quero tornar a luz do carnaval em um show teatral.” >> MARÇO 2013 | 69


EXPERTS

A SELEÇÃO DE PEÇAS DE MANECO QUINDERÉ REVELA QUE O CONFORTO E O CLIMA DE BEM-ESTAR FAZEM PARTE DO CONCEITO DE VIVER BEM.

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FOTO EDISON GARCIA

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1. CADEIRA ALVAZ WHITE 2. ESTANTE CALAIS II 3. MESA DE JANTAR CATENA 4. POLTRONA GIRO 5. SOFÁ WALLEN

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À MESA

CELEIRO UM LUGAR COM ALMA CARIOCA Há 30 anos, Rosa Herz e as filhas são proprietárias do restaurante ícone do Rio de Janeiro. POR LÉA MARIA AARÃO REIS FOTOS DIVULGAÇÃO

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Farfale com castanha

S

e há lugares no Rio de Janeiro com a verdadeira cara da cidade, com certeza, o restaurante Celeiro, no Leblon, é um deles. Há mais de 30 anos no mesmo lugar, mantém o estilo despretensioso, mas de extremo bom gosto; de beira de praia, mas sofisticado; novinho em folha, como se tivesse sido inaugurado na véspera. Nas suas mesas, na hora do almoço – e apenas na hora do almoço porque o Celeiro é tão exclusivo que não tem filial nem franquia e não abre aos domingos e nem para jantar – há sempre um personagem notório da vida carioca comendo ou comprando na loja, e ninguém olha, ninguém repara, ninguém incomoda nem pede autógrafo – exceto algum paparazzi, discreto, do outro lado da rua, pronto para clicar a estrela. E todo mundo finge que não está reparando nele. Ícone da Zona Sul, essência do Rio de Janeiro sem maquiagem turística, seus frequentadores – ou adoradores? – fiéis desde os anos 80, costumam dizer que o Celeiro é um “lugar mágico”. Mágico ou não, ele é mesmo um lugar único. D. Rosa Herz e suas três filhas, a Lulu, a Bia e a Silvia, sempre gostaram de cozinhar. D. Rosa aprendeu na família, desde menina, com a avó, e nas aulas de economia doméstica que, na época,

Orzo Grego

estavam no programa escolar das garotas da sua geração. “Em casa, quando eu vivia com meus pais, sempre gostávamos de comer bem, com qualidade, e usávamos os melhores ingredientes em tudo que fazíamos”, diz D. Rosa, onze horas de uma manhã de verão chegando aos 40 graus lá fora, num Celeiro refrigerado à perfeição, ainda vazio, com balcões repletos de bandejas transbordantes de saladas coloridas, frescas, bem arrumadas.

Detalhes Até a água gelada que eu bebo, na medida certa, com uma rodela de limão é diferente, especial. Ela acordou às seis e meia, como faz todos os dias há 30 anos, para abrir os trabalhos com a sua equipe, na cozinha da “loja”, como chama o Celeiro, onde o hábito de usar tudo do bom e do melhor, e de maneira artesanal, permaneceu até hoje. O azeite vem fresquinho, de uma plantação de oliveiras, no Uruguai, de uma amiga da Bia. A maionese é cuidadosamente produzida com óleo de soja e ovo orgânico, e o iogurte também é feito na cozinha do restaurante misto de delicatessen. Várias vezes, durante o nosso papo, D. Rosa, uma doce e entusiasmada pessoa, apaixonada pelo Rio de Janeiro e pelo seu ofício, insiste: “A gente tem que gostar do que faz; precisa fazer com gosto para ter sucesso”. >> MARÇO 2013 | 73


À MESA

Lentilha Germinada

Assim, com o maior gosto, a história do Celeiro começou. As “meninas”, frequentadoras da Praia do Pepê, que naqueles anos 80 ainda era no canto da Praia de São Conrado, faziam, em casa, e vendiam na areia o delicioso bolinho de cenoura que se tornou histórico – até hoje ele é vendido com a mesma receita. Em seguida vieram os sanduíches com misturas saudáveis e inusitadas, os pães especiais vendidos para algumas lojas, e a cozinha da família acabou ficando pequena para tão grande movimentação. Era 1982 quando o pai, Sr. Herz, decidiu e alugou a loja da Rua Dias Ferreira. Nascia assim o Celeiro, em um Rio de Janeiro em franco processo de mudança de hábitos e costumes. “Não achávamos tudo que se queria. Alguns ingredientes vinham de fora, pessoas que viajavam traziam. Outros, encontrávamos nas lojas de produtos árabes. A imaginação tinha que funcionar.” No dia em que se contar a história da gastronomia carioca, o Celeiro vai ocupar, sem dúvida, um lugar de destaque no fascinante processo de educação cosmopolita e refinamento do paladar da população de classe média da cidade.

Paladares As sopas frias por exemplo: naquela época ninguém tomava caldos nem sopas geladas, incrivelmente refrescantes, no verão. “Melhor até que Coca-Cola”, brinca D. Rosa. Saladas de cenouras 74 | MARÇO 2013

Trigo com alho poró

com passas, de aipo com maçã e passas: grandes novidades. “Ninguém fazia nem comia isto.” E as misturas nos sucos: cenoura com laranja ou beterraba com maçã. “São tantas as combinações que se pode fazer na comida, nos pratos quentes, nas saladas, sobremesas e sucos! Aqui, nós temos uma visão ampla dessas possibilidades.” Pode-se dizer que o Celeiro foi o inspirador e precursor das centenas de casas de sucos existentes em quase todas as esquinas do Rio de hoje. “Mesmo as misturas que não fazemos, vejo que são misturas maravilhosas, sucos deliciosos. Foi uma evolução muito boa.” Otimista, D. Rosa acha que até o fast food não consegue estragar o paladar. “Essas lojas, essas cadeias, estão se preocupando agora em oferecer uma comida mais leve, com menos gordura e mais saudável. Maioneses mais leves, molhos menos pesados. Repare só”, diz ela. É verdade. E engana-se quem pensar que o Celeiro é um restaurante vegan. No seu festejado cardápio de pratos quentes há massas, carnes vermelhas, frangos e peixes, além de cozinha japa e vegetariana. Saladas (cerca de 50 que variam segundo a estação), sopas cremosas ou não, caldos frios e quentes, pães celebrados em prosa e verso pelos clientes: o branco, o integral com grãos, as roscas recheadas, a focaccia temperada; os lanchinhos: as quiches adoradas, os bolinhos, os biscoitos e os delicadíssimos sanduíches.


E as sobremesas, trufas, mousses (a de manga é antológica e vem desde 1982), que são autênticas miniaturas de telas impressionistas de tão lindas nas cores, volumes e detalhes. Mas há um destaque: “O chocolate. É incrível como se gosta de chocolate. Temos sempre meia dúzia de sobremesas com chocolate para chocólatras e simpatizantes”. Só naquela manhã eram cinco variedades! Pouco alcoólico, embora sirva vinhos, o Celeiro tem clientela mais chegada a uma cerveja e, é claro, aos sucos. “Refrigerante mesmo, de lata, só pedem aqueles que não têm mais jeito, que foram acostumados desde criança”, brinca D. Rosa. Trinta e um anos este ano, e Lulu, a filha caçula, e Bia continuam trabalhando com a mãe. Silvia tem a Divina Culinária, uma deli no Itanhangá, na Barra da Tijuca, onde são feitos os biscoitos do Celeiro. O neto adolescente Caetano, filho de Lulu, já demonstrou que gosta de cozinhar e matriculou-se numa faculdade de gastronomia. Dois livros bem cuidados foram publicados: o Saladas do Celeiro e Celeiro Culinária estão à venda no restaurante. Mas cada receita terá um resultado único. “Cada um obtém um sabor diverso da mesma receita. O jeito de fazer de cada pessoa é diferente. Por mais padronizada que seja uma receita, a maneira de mexer, de assar, de cozinhar, o local da cozinha, a mão, a temperatura, a estação do ano, tudo influencia”, diz D. Rosa, realista e honesta. A famosa receita do bolinho de cenoura é claro que está no livro e até ela terá resultado diferente dependendo de quem a fizer”, alerta a permanente detalhista. Apaixonada pelo trabalho que faz, ao me acompanhar na saída, para o calorão lá de fora, D. Rosa mostra uma cuba com uma saladinha verde e vermelha, um daqueles lindos quadros impressionistas que se encontram no balcão: “Olha só que coisa mais gostosa. Quem diria que uma saladinha assim, de chuchu fresco, cru, cortadinho, com essas frutinhas vermelhas de aroeira, é tão boa?”, revela.

Um histórico bolinho de cenoura Ingredientes 1 xícara de óleo vegetal 1 xícara de açúcar mascavo 1/2 xícara de açúcar branco 4 ovos 1 xícara de farinha de trigo branca 1 xícara de farinha de trigo integral 2 c de fermento químico em pó 1 c de sal marinho 1 c de canela em pó 1/2 c de noz moscada em pó 1/2 xícara de nozes picadas e levemente tostadas (reserve algumas) 3 xícaras de cenoura ralada fina (350g) 16 forminhas untadas com manteiga e com farinha de rosca polvilhada xícara = xícara de chá | c = colher de chá Modo de Fazer Acenda o forno e mantenha-o a 180°C. Numa batedeira, bata o óleo com os açúcares durante três minutos ou até obter uma mistura cremosa. Junte os ovos e bata por 1 minuto. Misture os ingredientes secos com as nozes, separadamente, e junte à primeira mistura, mexendo bem com uma colher de plástico, até obter uma massa lisa e uniforme. Adicione a cenoura e mexa, também com uma colher de plástico, até que ela se distribua homogeneamente. Coloque a massa nas forminhas preparadas, enfeite com as nozes reservadas e asse no forno por aproximadamente 20 minutos ou até que, ao espetar um palito no centro, ele saia seco. Depois de assados, deixe os bolinhos nas forminhas por 10 minutos, e desenforme-os sobre uma grade, para que terminem de esfriar. Observação: Este bolinho precisa ser bem misturado para unir seus ingredientes. Durabilidade: três dias fora da geladeira ou uma semana dentro dela.

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THE LOOK OF HOME - ADRIANO AMADO

Na vitrine, diversidade Um ambiente que irradia diversidade e apresenta, criativamente, uma profusĂŁo de cores e texturas. Assim, Adriano Amado concede vida Ă vitrine da Artefacto B&C, congregando estilos distintos em favor da liberdade. FOTOS EDISON GARCIA



THE LOOK OF HOME - LUIZ FERNANDO GRABOWSKY

Eleg창ncia e sobriedade


Em meio à sobriedade de seus tons, o projeto de Luiz Fernando Grabowsky recorre à simetria para apresentar sua elegante e harmônica identidade visual, enriquecida por peças com design essencialmente contemporâneo. FOTOS EDISON GARCIA


THE LOOK OF HOME - PAOLA RIBEIRO

Arte em todos os sentidos


A cada olhar sobre as composições, uma nova obra de arte. Como tela prestes a ser preenchida, o ambiente assinado por Paola Ribeiro diminui a distância entre a beleza e a funcionalidade, proclamando seu espírito artístico por meio de móveis esculturais, acessórios e pinturas. FOTOS RENATO ELKIS


LEITURA

80 ANOS

ZIR


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ALDO Do Batman aos Meninos do Espaço. >> por Léa Maria Aarão Reis FOTOS PAULO BRENTA


LEITURA

amigos de infância de Ziraldo são aqueles da Era de Ouro dos quadrinhos, do Gibi e do Globo Juvenil. Nada comparável aos super-heróis brutamontes de hoje. Batman, Mandrake, o Cometa, que ele adora – “Tinha só um olho de onde saía um raio com o qual matava os inimigos” –, Super-Homem, Tarzan, Titã, Drago, o Fantasma, Flash Gordon e “a época dourada acabando com o Capitão América”. Estes, para ele, tinham estilo e eram os seus grandes companheiros. Nostalgia? Sim, ele confessa que tem. Sente até hoje muita saudade da Mulher Maravilha. E para quem pensa que a sua influência maior foi Monteiro Lobato, “por quem toda a minha geração foi apaixonada”, ledo engano. Foram mesmo os heróis dos anos 40/50. Naquela época ainda não eram chamados de Super. Mas em Caratinga, interior de Minas Gerais, onde esse menino “maluquinho” nasceu, há oito décadas, e viveu uma infância feliz e despreocupada, houve também outra turma importante na sua história, essa de carne e osso, a dos colegas de escola que, muito tempo depois, se tornaram célebres dando seus nomes ao pessoal da Turma do Saci Pererê: Alan, Galileu, Pedro Vieira, até o jabuti do livro, o Moacir, e o passarinho joãode-barro, cujo nome é Pimentel, o mesmo de um amigo da vida real. 84 | MARÇO 2013

Na tarde em que conversamos no ateliê de Ziraldo Alves Pinto, no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, no meio das grandes festas comemorativas dos seus 80 anos, vimos o seu alto astral, sua movimentação produtiva e a notável animação. Nas pranchetas, pilhas de grandes ilustrações, de livros, potes de lápis de cor e canetas. Ziraldo está trabalhando, como diz, “mais do que nunca”. Só que agora, ao invés de conviver com os adorados super-heróis dos gibis, ele se encontra mergulhado no universo dos Meninos do Espaço, uma coleção da qual Meninos de Marte é o título mais recente, lançado ano passado.

Tudo Começou com Flicts Jornalista, ilustrador, cartazista e pintor, humorista, escritor, um dos últimos frasistas da sua época de ouro, colecionador de piadas de memória notável e autor de personagens clássicos como a Supermãe e Jeremias, o Bom, ele comenta que sempre se imaginou terminando a vida como artista plástico. “Acabei autor de livros para crianças.” E outra confissão: “Sempre tive que trabalhar muito para sobreviver como ilustrador. Mas, por sorte, Flicts fez um grande sucesso quando foi lançado”. Com este álbum, ele iniciou a carreira de estrondoso sucesso na literatura infantil. Na época, Ziraldo era ilustrador na Editora Melhoramentos e tinha como projeto produzir o picture book com as histórias do seu personagem Jeremias, o Bom, que publicava no Jornal do Brasil. “Um dia, o editor da Melhoramentos me perguntou: ‘Você tem aí algum livro bom para criança, Ziraldo?’. Claro que tenho, respondi. Na verdade, não tinha nada. ‘Tem o boneco dele aí?’ Voltei a responder: na segunda-feira eu trago; tenho que passar o livro a limpo. Saí, pensando: meu Deus,


Ilustração de O Menino da Lua.

e agora, o que vou fazer? Tem que ser um livro cheio de cor. Tenho que botar cor nele. Não pode ser preto e branco. Mas e os personagens dentro dessas cores? Só se o personagem for uma cor! Ah, então eu faço a história de uma cor, pensei. Aí eu passei pelo Aterro do Flamengo e vi, na frente do edifício da Manchete, um grande cartaz muito bem impresso, com a foto da Lua tirada da Apollo 11, em primeiro plano, meio bege, e, atrás, o azul do céu. Era o homem chegando à Lua. Aquela cor bege, pensei, é a cor da Lua. Então eu vou contar a verdadeira história dessa cor, imaginei. Quando cheguei em casa o livro estava inteiro dentro

da minha cabeça. Trabalhei todo o fim de semana nas ilustrações e no texto e, em quinze dias, Flicts era lançado pela Editora Listas Telefônicas. Quando o editor, o Fernando Ferro, acabou de ler pela primeira vez, chorava, emocionado. ‘Como é que você bolou uma coisa dessas?’ Ah, respondi, candidamente, eu tinha esta ideia na cabeça há mais de duzentos anos...” O lançamento foi “apoteótico”, lembra Ziraldo. Fizeram umas dez festas para Flicts que acabou parando na Feira do Livro de Frankfurt, traduzido para inúmeros países e iniciando assim uma carreira de livros clássicos. >> MARÇO 2013 | 85


LEITURA

“SE EU POSSO PROPOR A POSSIBILIDADE DA FELICIDADE, POR QUE FAZER DIFERENTE? NÃO VOU FICAR DIZENDO ‘AH, COMO A VIDA É DURA... MINHA BRUXA, NOS MEUS LIVROS, É SEMPRE ÓTIMA E NO FINAL DA HISTÓRIA COSTUMA FAZER UMA FESTA COM AS CRIANÇAS.”


O eternizado Menino Maluquinho.

Continuou com Menino Maluquinho

E passa pela busca da felicidade

Mas havia as charges políticas. “As que não podia publicar no JB, por causa da censura, eu publicava no Pasquim, no qual era um dos diretores.” Quando estava decidindo o que fazer da vida para ganhar mais dinheiro e sustentar com conforto a família de mulher e filhos – trabalhar em agências de publicidade ou em artes gráficas –, ele escreveu O Menino Maluquinho. “Já tinha feito diversos álbuns da Turma do Pererê com várias Editoras e, numa palestra sobre a relação de pais e filhos, numa escola da Ilha do Governador, na época em que os milicos inventaram o tal ‘conflito de gerações’, eu dizia ‘não tem conflito não, gente; libera seu filho, deixa ele ser feliz, ser feliz é agora, o menino tem que ser feliz enquanto ele é menino; é essa a hora de ele ser feliz’. Este negócio de você endurecer a vida do filho para ele dar valor ao que tem é um absurdo. Voltei para casa pensando na história do menino feliz quando era pequeno, que cresceu e foi um cara legal porque tinha sido feliz na infância.” Nascia o menino que de maluquinho nunca teve nada.

As considerações de Ziraldo vão longe com a energia que possui. Ele argumenta, por exemplo: “Se eu posso propor a possibilidade da felicidade, por que fazer diferente? Não vou ficar dizendo ‘ah, como a vida é dura...’ Minha bruxa, nos meus livros, é sempre ótima e no final da história costuma fazer uma festa com as crianças. Por que angustiar a vida da criança? Para angustiá-la, ora, basta a vida”. “Também não escrevo e vendo histórias em que um mata o outro ou onde mandam o recado de ‘cuidado, olha aí, você vai ser traído’. Gosto de fazer para as crianças história colorida, alegre e que estimule nela a capacidade de criar. Quer ver um exemplo? A canção do nosso folclore Atirei o pau no gato. O menino pode não atirar o pau no gato, mas ele vai cantar a canção. Os pedagogos, agora, querem proibi-la porque não é politicamente correto. Ridículo!” E confessa um meio segredo: “Só agora, aos 80 anos, encontrei alguém que me deu uma explicação nova do texto do Menino Maluquinho. Concordei com a observação desse amigo: quem é bom não é o menino que tira primeiro lugar e alcança sempre 10. O bom é aquele que pula a cerca, é rebelde e quer mudar o mundo”. Para Ziraldo, só os loucos querem mudar (e às vezes mudam) o mundo. >> MARÇO 2013 | 87


LEITURA

Ilustração de Meninos de Marte.

Hoje, os Meninos do Espaço

A série de dez volumes intitulada Meninos do Espaço é o seu novo trabalho. “Imaginei os planetas habitados por crianças. O sistema solar como se fosse uma praça onde as crianças decidem se vão brincar em Marte, Urano, Saturno, ou em qualquer planeta.” Já lançou Menino de Urano e Menino de Mercúrio. Agora foi a vez de Meninos de Marte. “Lá, só há meninos e meninas. Eles pulam corda, saltam carniça, brincam com bilboquês. Nosso mundo está cheio de meninos de Marte. Eles são bem pequenos, costumam dormir nas hortas, vivem nos arrozais e só andam com gnomos.” Nesta história, Ziraldo cruza Kafka com mitos da infância sem a menor cerimônia. “Todas as vezes em que encontramos uma pessoa sensacional”, diz ele, “pode estar certa de que é uma marciana. Os marcianos têm o espírito muito elevado”, diz ele, fazendo graça. “O humor, em qualquer forma de arte, enriquece a obra”, observa. “Veja o Carlos Drummond; ele é cheio de ironias – mais ironia que humor. Ironia é mais fácil. Mas é uma forma de humor. Para fazer humor – a palavra geral, dos ingleses – tem-se que ser muito criativo. Na ironia mente-se. 88 | MARÇO 2013

No humor, faz-se a piada destrutiva. O humor depende do temperamento da pessoa (do autor). Se é uma pessoa generosa, se ela castiga sem denunciar, vê humor em tudo.” O amigo Zuenir Ventura comenta: “O humor está em tudo que Ziraldo faz, na qualidade de cartunista, chargista, caricaturista, escritor, jornalista, pintor, ilustrador, criador de histórias para crianças e adultos, artista gráfico, designer ou dramaturgo”.

E a geração digital? Para quem pode pensar que livros de histórias infantis ficaram fora de moda com a chegada da tecnologia digital, Ziraldo não está nem aí e acrescenta: “Lá em casa, a minha neta Alice, de três anos, manipula o iPad com uma das mãos e com a outra folheia os meus livros”. Porque o seu sucesso resistiu à TV, como resiste hoje aos avanços da revolução tecnológica da comunicação. Um exemplo? O Menino Maluquinho tem versão em quadrinhos, filme, site e jogos eletrônicos. E com ele, várias gerações, no Brasil, foram e continuam sendo alfabetizadas. >>


“NÃO TENHO COMPROMISSO COM A VELHICE. VIRO A NOITE TRABALHANDO. UM LIVRO POR ANO, AÍ EU GARANTO DEZ ANOS DE VIDA PARA MIM.”

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LEITURA

Doze Dicas de

1. “Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas “Se amanhã tivermos uma juventude letrada no Brasil, a dívida com Ziraldo será enorme”, lembra Zuenir. “Uma vez, em Porto Alegre, eu fazia uma palestra reclamando que não se lê no país, quando se levantou uma professora e contestou: ‘só se forem os jovens e os adultos, porque as crianças leem, sim’.” Na véspera, duas mil crianças haviam passado horas conversando com Ziraldo sobre seus livros numa cidade do interior do Rio Grande do Sul. Poderia ser no interior do Nordeste, da Amazônia, no Rio ou em São Paulo. Olímpico, falando muito e alto, como é de seu feitio, uma pessoa realmente solar, Ziraldo frisa: “Não tenho compromisso com a velhice. Viro a noite trabalhando. Um livro por ano, aí eu garanto dez anos de vida para mim. Não posso morrer porque estou sempre ocupado e tenho de acabar o livro do momento”. É o seu compromisso com a vida. E além da prancheta, há outras obrigações. Ao meio-dia dos domingos participa de um programa de TV, ABC do Ziraldo, no Canal Brasil, onde entrevista escritor, conversa com crianças e coordena um pequeno coral de meninos e meninas. “Viajo também pra burro, dou autógrafos, faço palestras. Faço quadrinhos, literatura, desenho. Não paro de trabalhar porque preciso ajudar a transformar o Brasil num país de leitores. O principal problema nacional é a educação. Não há hipótese de se educar o povo se ele não tem o código – ler! Se não recebe o código da leitura.” Para ele, ler continua sendo mais importante do que estudar.

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porque temos a Internet, fonte da vida e do conhecimento, mas o computador é usado como brinquedo.”

2. “O livro é o objeto mais perfeito da história da humanidade.” 3. “Se você quer saber a história dos canalhas, pegue a boa literatura. Se quer saber a história das pessoas boas, pegue o livro infantil.”

4. “Se a criança não ler, só vai dar certo se souber jogar futebol ou dar porrada muito bem para entrar no UFC da vida.”

5. “O livro é como o pretinho básico das moças. Primeiro tem que ter o pretinho básico para depois colocar tudo que ela tem por cima dele.”

6. “Se a pessoa é generosa encontra humor em tudo.” 7. “Tenho nostalgia da Era de Ouro dos quadrinhos americanos. O Espírito, por exemplo, era um super-herói muito sofisticado. E a Mulher Maravilha! O Titã... eu adorava o Titã!”

8. “Nosso mundo está cheio de ‘meninos de Marte’. Eles são bem pequenos, costumam dormir nas hortas, vivem nos arrozais e só andam com gnomos.”

9. “Eu sempre achei que ia terminar minha vida como pintor, o que não aconteceu. Acabei sendo autor de livro para criança.”

10. “Hoje, o pessoal que está saindo da universidade, médico, engenheiro, economista, todo mundo aprendeu a ler com O Menino Maluquinho.”

11. “Deus me poupou do sentimento da fome. Não sinto fome nunca. Só vou comer quando, na prancheta desde as oito da manhã, chega as oito da noite e percebo que não comi o dia inteiro.”

12. “A vida é do cacete!”



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San Sebastián A cidade divina à beira do Mar Cantábrico inspira os cinco sentidos. Por FELIPE FELIZOLLA fotos divulgação



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Barcos ancorados no pier dão ainda mais cores para a região.

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ma cidade de dois nomes e de muitos significados. Assim é San Sebastián, ou Donostia, para seus habitantes bascos. Localizada no litoral norte da Espanha, quase na fronteira da França, virou destino certo para quem quer comer (muito) bem, descansar, aproveitar o clima tropical em frente ao mar, se atualizar culturalmente em seus festivais de cinema e música ou em alguma das várias opções de museus. Tudo isso, com direito a conhecer uma outra “nação”, se assim podemos dizer, dentro da mesma Espanha. Na província de Gipuzcoa, uma das comunidades autônomas bascas da Espanha, a tradição do seu povo refletiu, para o bem dos seus habitantes e visitantes, na sua gastronomia. San Sebastián é hoje a segunda cidade com o maior número de restaurantes com estrelas Michelin, atrás apenas

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de Paris. Conhecida por sua cozinha e cozinheiros, o balneário contém nada menos do que 16 estabelecimentos premiados pelo guia. Entre os maiores destaques estão os três estrelas Arzak, o Akelarre e o Mugaritz (veja box pág. 96). Mas nem só de comida experimental se destaca a cidade. Uma característica do século XX da cultura basca é o fenômeno dos txokos (esquina ou recanto, na língua local), sociedades gastronômicas onde os homens se reúnem para cozinhar e degustar suas próprias comidas. E assim, difundiram-se os incontáveis restaurantes de pintxos, versão basca dos famosos tapas espanhóis. A proximidade com a fronteira francesa reflete também nos pratos preparados, como a grande difusão do foie-gras e do uso exacerbado de manteiga. Para saborear esses aperitivos, a dica é se


Rica e saborosa gastronomia espanhola.

perder nas estreitas ladeiras da Parte Vieja, de encantadora construção medieval. A Parte Vieja, sem dúvida o lugar mais visitado da cidade, está situada ao pé do monte Urgull, encaixada entre o porto e o fim do rio Urumea. Ela foi reconstruída depois do incêndio que destruiu a cidade em 1813, mas manteve o estilo arquitetônico de antes da tragédia. Entre os tantos bares e restaurantes, também é lá que se encontram as mais charmosas lojas com artesanato local e os dois templos religiosos mais importantes da cidade: a Basílica de Santa María Del Coro e a Igreja de San Vicente. É por essas ladeiras de fachadas coloridas que as principais festividades da cidade ocorrem, como o carnaval de rua em fevereiro e as festas bascas em setembro, quando seus moradores jo-

gam esportes bascos e fazem competições dignas de outros séculos, como a de cortar lenha e carregar pedras pesadas. Existe, no entanto, outras duas grandes festividades em Donostia: o San Sebastián Jazz Festival, que toma as praças da cidade anualmente em julho e leva turistas do mundo inteiro para as ruas e o Festival Internacional de Cinema, em setembro. O Donostia Awards marca o final da semana do Festival de Cinema e vem ganhando a cada ano maior importância dentro do circuito internacional. Uma cidade com tamanha vocação gastronômica também tem sua semana oficial em que chefs do mundo inteiro se reúnem para discutir novos sabores, métodos de cocção, ingredientes e tendências na San Sebastián Gastronomika, a principal feira do gênero no mundo. >> MARÇO 2013 | 95


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Os 3 três estrelas Arzak, o mais antigo deles, abriu suas portas em 1897. Apesar do prédio se manter exatamente idêntico à época da abertura, sua cozinha proporciona aos comensais a mais contemporânea gastronomia, comandada hoje por Juan Mari Arzak, neto do fundador e sua filha Elena. O restaurante ganhou sua primeira estrela Michelin em 1974. As três estrelas vieram em 1989. Ou seja, pelo menos dez anos antes da chamada revolução da cozinha espanhola, que revelou Ferrán Adriá para o mundo. A parte da investigação, da evolução e da vanguarda é o que é conhecido como a nova culinária espanhola. Segundo Juan Mari, sua cozinha é de autor, basca, de investigação, de evolução e de vanguarda. De autor, porque é a sua cozinha. Basca porque segue as tradições, o paladar e usa os produtos da região. E isso aparece em todo o cardápio: na apresentação dos pratos,

City Hall, em San Sebastián (Donostia), Espanha. Foi construído em 1897 e serviu como o Grand Casino.

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nas descobertas de novos produtos, nas mágicas das espumas e das transformações. Sem, no entanto, parecer algo químico ou artificial. Mugaritz é o lugar onde os clientes vão para terem seus preconceitos culinários mastigados e engolidos. Atual terceiro melhor restaurante do mundo, segundo a revista Restaurant, seus pratos contam histórias, evocam emoções e carregam uma experiência mágica à degustação. A casa, uma enorme cabana em madeira e vidro, fica no alto das colinas de Errenteria. O trajeto para chegar lá costuma fazer a maioria dos turistas darem umas voltas a mais. E cada volta é recompensada pela comida do chef Andoni Luis Aduriz. Cada prato servido no restaurante leva o máximo de quatro ingredientes e o mínimo de processos e passos necessários para sua preparação. O que reina é a simplicidade perfeccionista de sabores e texturas.

Para encantar os olhos e o paladar, não deixe de experimentar o Akelarre. Sua esplêndida vista para o mar não consegue nem ofuscar os surpreendentes pratos montados pelo chef Pedro Subijana, desde 1980. Os pedidos podem causar estranheza mesmo para os gastrônomos mais aventurados, com um couvert servido em uma bandeja que remete a tratamentos de um spa, com tubos, sais, esponjas e bisnagas, que disfarçam geleias, torradas e sopas. De sua horta própria, Subijana colhe os ingredientes do menu elaborado conforme a oferta de matériasprimas que servem 130 pessoas por refeição. Tamanho esmero e estudo de aromas e paladares transformou-o em um dos mais sólidos chefs da new cuisine e um dos cofundadores da vanguarda da cozinha basca.


Kursaal Palace, centro de convenções inaugurado em 1999 e projetado pelo arquiteto espanhol Rafael Moneo, vencedor do prêmio Pritzker de arquitetura em 1996.

Para descansar e se entreter Como uma cidade de clima semi-tropical de frente para o mar, é claro que as areias são uma grande atração do lugar. A Bahia de La Concha, bem ao centro da cidade, entre os montes Igeldo e Urgull, é composta pelas praias urbanas de mar calmo Ondarretas e Playa de La Concha, consideradas desde 2007 um dos 12 tesouros da Espanha. Nas areias desse balneário está o luxuoso SPA La Perla, com uma piscina indoor de água do mar, enorme carta de tratamentos, academia, restaurante e bar com belíssima vista. Fundado há exatos 100 anos, quando a então Rainha Maria Cristina escolheu San Sebastián como destino oficial de suas férias de verão, o La Perla é parte integrante da paisagem do local e recebe, ano após ano, os mais exigentes visitantes. A escolha da então rainha, não por acaso, é a responsável pelo atual centenário de diversas outras atrações em Donostia, como o belíssimo te-

atro Victoria Eugenia e o Palácio de Miramar, de arquitetura e jardim de estilo inglês com uma das mais belas vistas do local. Na mesma época, foi inaugurado todo o sistema ferroviário da cidade apelidado de Lo Topo, que funciona até hoje e é uma das melhores opções de transporte da região. Como contraponto arquitetônico, se destaca o Kursaal Palace, centro de convenções inaugurado em 1999 e projetado pelo arquiteto espanhol Rafael Moneo, vencedor do prêmio Pritzker de arquitetura em 1996. Perto do prédio, é possível contemplar também diversas esculturas ao ar livre de renomados artistas contemporâneos, como a El Peine Del Viento (o Pente do Vento) de Eduardo Chillida e Luis Peña Ganchegui, uma estrutura de ferro de formas geométricas que representam a delimitação entre espaços e a interrelação entre dedos, como crítica à situação do país basco no mundo. >> MARÇO 2013 | 97


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Costa de San Sebastiรกn.


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Museu Guggenheim, Bilbao.

Além dessa obra, outra escultura igualmente importante é a Construcción Vacía, de Jorge Oteiza, premiada na Bienal de São Paulo como uma das mais importantes obras contemporâneas e ao alcance de todos os visitantes da cidade na orla marítima. Essa variedade de atrações fez com que a cidade fosse escolhida como Capital Europeia da Cultura para o ano de 2016.

Para aproveitar o entorno Se as opções de San Sebastián parecem suficientes para torná-la destino único em uma viagem, as cidades ao seu entorno oferecem chamativos extras para viagens de um dia. A 100 quilômetros de Donostia está Bilbao e seu museu Guggenheim, projetado por Frank Gehry, em 1992 e concluído em 1997. O museu, coberto por superfícies de titânio curvadas em vários pontos, lembra escamas de um peixe, mostrando a influência das formas orgânicas presentes em muitos dos trabalhos de Gehry. Visto do rio, o edifício parece ter a forma de um barco, homenageando a cidade portuária de Bilbao. Para os amantes de arte moderna, é sem dúvidas uma atração imperdível. >> 100 | MARÇO 2013

Escultura Peine de los Vientos, em Donostia San Sebastián, Espanha.


ILUSTRAÇÃO CAMILLE VANNIER AGÊNCIA BRIDGE

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Donostia-San Sebastián, Espanha.

Bem mais perto, a 33 quilômetros, está a pequena cidade de Guipuzcoa e o novíssimo museu Balenciaga. A marca fundada em 1919, por Cristobal Balenciaga, tem seu museu na cidade natal do grande mestre da moda basco-espanhola. Com o maior acervo da marca no mundo, as mais de 1200 peças contam a trajetória da grife desde a abertura da primeira boutique em San Sebastián até os dias atuais, quando virou referência mundial de estilo e vanguarda para fashionistas. Se a intenção é fugir de museus, ainda existe a opção de cruzar a fronteira francesa sentido a 102 | MARÇO 2013

Biarritz, a 49 quilômetros de distância. Lá, já se sente os ares franceses e as diferenças culturais entre os países. A rápida viagem vale para apreciar a linda cidade e as ótimas praias, com ondas para surf, inclusive. E se esportes aquáticos são a intenção, no lado basco da fronteira está Mundaka, destino internacional de surfistas famosíssimo pelos campeonatos mundiais que lá acontecem. Sebastián, que deriva da palavra grega sebastós, significa divino. San Sebastián – Donostia, não deixa por menos. É o destino imperdível para se inspirar e se encantar, seja qual for a idade ou a intenção.



HIGHLIGHTS

1.

Destaques da Coleção B&C 2013 Apostamos na versatilidade para proporcionar bem-estar e requinte aos nossos clientes – estejam eles na praia, no campo ou em grandes centros urbanos. Nos materiais, itens como malacca, bambu e fibras naturais ganham destaque em acabamentos feitos à mão. Enquanto estofados com capas e couros tratados evidenciam a preocupação em torno do conforto. Já nas cores, a diversidade presente nas regiões tropicais surge como inspiração para utilização de tons neutros e quentes, valorizando as estruturas de cada peça.

3. 2.

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01. Chaise Long Lais 02. Poltrona Palau, 03. Aparador Weave 04. Sofรก Circle 05. Poltrona Fitz 06. Puff Hedge, 07. Banqueta Weave 08. Mesa Jantar Bucak

6.

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HIGHLIGHTS

2. 1.

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01. Mesa Cha Katerini 02. Cômoda Manipur, 03. Aparador Cayman 04. Buffet Goa 05. Chaise Long Java II

4.

5.

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06. Mesa de Centro Cayman 07. Cadeira Seattle 08. Cadeira Toledo, 09. Cômoda Flag 10. Sofá Smara

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M A R Ç O 2 0 1 3 | 107


ARTE

ARTE

SEM FRON TEIRAS

As performances de Adriana Barreto são uma síntese da coreografia, dança, pintura, escultura, vídeo e fotografia.

POR LÉA MARIA AARÃO REIS FOTOS DIVILGAÇÃO


Adriana e esculturas FOTO: ANTONIO CAETANO


ARTE

Obras Adriana Barreto 1. Totem Branco 2. Totem Preto FOTOS 1 e 2: ANTONIO CAETANO 3. Adriana no chão negro FOTO: THALES LEITE

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oucas palavras definem com precisão o trabalho artístico da carioca Adriana Barreto, que este ano retoma a direção de ir ainda mais longe na sua trajetória, para apresentá-lo em exposições fora do Brasil, em outras grandes capitais. Fluidez, liberdade e impermanência, pode-se dizer, são os eixos da atividade de Adriana, cujas raízes se encontram nas artes plásticas, na pintura e no desenho, por um lado, e pelo outro, na dança – a clássica, estudada desde pequena, e a dança contemporânea, uma das paixões de sua vida de jovem adulta. Partindo da percepção do seu próprio corpo, ora em movimento (na dança), ora imóvel enquanto pintava e desenhava, Adriana foi acrescentando às duas posturas um trabalho consistente com a escultura, fotografia, o vídeo e a coreografia. Hoje, ela encontra a essência de todas suas experiências em artes visuais, a expressão que derrubou nichos e fronteiras antes existentes, e, em especial, nas delicadas, precisas e, às vezes, intrigantes performances que cria no vasto e silencioso espaço do ateliê na sua casa, no Rio de Janeiro. No segundo semestre deste ano, Adriana deve estrear em Madri. Antes, em junho, se apresentará mais uma vez em Lisboa, onde mostrou, no ano passado, as performances intituladas Agora sim e O que pode um corpo, a primeira na Fundação Portuguesa das Comunicações e a outra na galeria da marchand Cristina Guerra, uma das mais conceituadas da Europa, atualmente interessada em apresentar performistas com origem na dança, como é o caso da brasileira. >>

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agora sim

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1. Escultura vermelha Na outra pág. 2. Tela Preta 3. Tela Branca FOTOS 1, 2 E 3: ANTONIO CAETANO

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Ano passado os seus trabalhos foram mostrados na galeria Amarelo Negro, no Rio, em seguida na Oi Futuro Flamengo e de lá viajaram para participar da coletiva de artistas brasileiros e chineses, a High Tech Low Tech: Formas de produção, na conhecida e efervescente galeria Shanghai Art, na China. Resumo e síntese da arte de Adriana hoje é o título da exposição que fez em Portugal, depois revisitada e registrada em um requintado álbum, lançado em 2012, o Agora sim. Agora sim, livre das últimas amarras; agora, sim, madura para criar coreografias cada vez mais minuciosas e exatas das suas performances, o título pode ser um emblema da artista. “Porque performance”, filosofa Adriana, uma ardente leitora de Spinoza, “é uma expressão de arte para gente mais velha e mais vivida produzir. Para fazê-la, é preciso contar com uma construção sólida que possibilite a capacidade de improvisar – exatamente como ocorre no jazz”. E arremata: “A performance está no elenco de ações reservadas para o ‘terceiro ato’ da vida, como diz a Jane Fonda no livro dela. E é um dos bons encontros com ‘o Outro’, de que fala Spinoza. Aqueles que nos inspiram no que temos de melhor”. A primeira “profissão” de Adriana foi desenhar. Quando criança deixava de ir ao colégio para ficar em casa com os lápis e papéis. A família dizendo: “Desenhar? Tudo bem. Mas vai ser professora, vai ser advogada, vai ter uma profissão”. >>


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Três esferas | FOTO: THALES LEITE

dança O balé, então, funcionou como uma escola de disciplina para ela, mas começou a incomodá-la porque nele ela era uma intérprete. “Não era uma atividade que libertasse minha alma; não nasci para ser intérprete. Estava sempre inventando alguma coisa e não seguia os libretos.” Em seguida veio a fase da dança contemporânea, que estava no auge. Adriana foi estudar em Nova York com os melhores mestres e ficou por lá durante dois anos, aprendendo com a escola da legendária Martha Graham, com o grupo de Alwin Nikolai, de Twyla Tharp e a dança no chão – a grande novidade grounding dance – com Zena Rommett. “Depois, veio a fantástica Pina Bausch, e todos com imensa liberdade de criar, todos ali, vivos, fazendo e ensinando. Foi uma época de ouro”. ela lembra. “Fiquei fascinada. Vi que podia fazer uma coisa de que eu gostava, do meu jeito, e havia liberdade para isso. Eram os anos 80. Eu dava aulas para sobreviver e tinha uma mesinha onde trabalhava, fazendo aquarelas, era um hobby.” Tempos depois Adriana foi para as aulas do professor de arte José Carlos Cavalcanti, no Parque Laje. Estimulada por ele, fez sua primeira exposição na então badalada galeria Bookmakers. Nesta época ela namorava o empresário Sergio Andrade, hoje seu marido. “Sergio era sobrinho de Lygia Clark e a sua mãe, Sonia, desenhava. Havia, portanto, todo um olhar na família debruçado sobre a arte, o que também era inspirador.” 114 | MARÇO 2013

A mostra na Bookmakers foi um sucesso, e uma entusiasmada Adriana começou a comprar telas e a fazer pintura aguando as tintas e trabalhando ao modo de aquarelas. Trabalhava em tela e em papel. Voltou a Nova York, fez aulas na Parsons. “Mas não aulas de técnica. Sempre fui muito autodidata. Adoro ficar sozinha estudando e fazendo experiências. É um hábito que vem da dança, uma coisa meio de laboratório. Fico tentando, tentando, repetindo, repetindo. As palavras das minhas performances se repetem.” A primeira performance de Adriana tem dois anos. Novamente o espaço do corpo tomou conta da sua imaginação. “Percebi que o meu corpo ainda queria falar coisas. E eu queria falar de tudo que vinha de dentro das artes plásticas. Então, reuni todas as experiências quando fiz as primeiras coreografias.” Para ela, coreografar é desenhar no espaço. É um corpo, é um movimento, é um espaço. O que não significa que outros caminhos estejam descartados. De repente, um meio de expressão emerge, e é criada uma escultura, uma pintura, uma aquarela ou um dos cinco vídeos art em 3D, que já dirigiu – e que são comercializados – entre uma performance e uma coreografia. Na perspectiva de Adriana Barreto, há uma retomada da performance no Brasil: “A performance está se abrindo para os artistas, alguns vindos da dança, outros das artes cênicas, outros das artes plásticas, reunindo, como dissemos, tudo nas artes visuais”. >>


Escultura de chão FOTO: ANTONIO CAETANO

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Frame capturado do vídeo Rotações 2.

Adriana, o que é exatamente a performance? “Ela dialoga com tudo que está acontecendo ao redor e nunca é igual. Abre um diálogo com aquele determinado espaço onde ela está se processando, conversa com as pessoas presentes, com a atmosfera do momento, e tudo é muito real. Não é como o teatro no qual há uma marcação. Improvisa-se, como no jazz, quando os músicos vão para o improviso e ficamos esperando que voltem à linha melódica... Isto, eu adoro.” Os nomes das performances de Adriana, nas quais ela não participa com o seu corpo, são também sugestivos. Em um deles, dos mais pessoais, o Rotações 2, ela fala sobre “abraçar, cuidar, aleitar, aprender”. O outro é Com o que você não pode viver sem. Esta é a performance que será mostrada em Lisboa, no dia 27 de junho. O Côncavo da mão se encontra dentro da exposição Agora sim. É a “mesma mão que afaga que pode também bater”. E O que pode um corpo, com o chão que vai sendo marcado por sinais a giz e cujas pegadas das participantes significam as decisões tomadas pelas pessoas nas suas vidas.

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“SEMPRE FUI MUITO AUTODIDATA. ADORO FICAR SOZINHA ESTUDANDO E FAZENDO EXPERIÊNCIAS. ” Projetos mais pessoais? Ela tem, sim. “Montar um espaço exclusivo para desenvolver estes trabalhos de performance e para pesquisar.” Seguir os dois primeiros eixos – fluidez e liberdade – já foi demonstrado no trabalho de Adriana, que é mãe de dois filhos, Maria, artista também, e Bernardo, cineasta e videomaker. Mas e impermanente? Ela dá a dica: “Podemos viver sem tudo. As pessoas costumam dizer: ‘Ah, eu não posso viver sem isso, sem aquilo’. Mentira! Na filosofia budista o princípio do desprendimento tem esta palavra: trabalhar a impermanência de tudo”.



Festa de carnaval levada para dentro dos hospitais pelos Doutores da Alegria.

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O I D É M E R UM CHAMA DO

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Os doutores palhaços que ajudam a amenizar a dura rotina dos hospitais. POR ROSANE AUBIN FOTOS DIVULGAÇÃO

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ábio Caio, de 49 anos, trabalha como palhaço do Doutores da Alegria, em Recife, desde 2007. Visita crianças hospitalizadas duas vezes por semana, o ano inteiro. “Besteirologista dá plantão, não importa se é feriado ou não”, brinca. Em uma das visitas à UTI do Hospital Oswaldo Cruz, ele e seu colega cantaram e conversaram com uma criança que estava em coma, acompanhada pela avó. Quando saíram da sala, uma enfermeira pediu que voltassem, porque o menino precisava despertar. “Nos três primeiros acordes da música ele começou a se mexer, abriu os olhos, fez um movimento para se levantar. A enfermeira explicou que ele não poderia, e mudamos a letra da música para falar de como ele estava paramentado, ligado a vários aparelhos. Talvez ele tivesse acordado mesmo que nós não estivéssemos ali, mas esse momento foi muito significativo”, diz Fábio. Talvez o garoto realmente tivesse acordado sem a interferência dos palhaços, mas a verdade é que o trabalho feito pelos Doutores da Alegria desde 1991, quando o ator Wellington Nogueira criou o grupo, é constantemente avaliado para demonstrar a sua efetividade na melhora psicológica e física dos pacientes atendidos.

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Em 2007, o Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social comprovou, por meio de um estudo sério e bem estruturado, que as estripulias dos palhaços fazem bem à saúde dos pequenos internados: entre outras evidências, 85,4% dos 567 profissionais de saúde entrevistados disseram que as crianças apresentam evidências clínicas de melhora após as brincadeiras da dupla de atores. “O primeiro estudo consistente é o nosso, mas hoje vários são feitos pelo mundo. Participei de um evento em Israel, onde há um projeto em que médicos fazem dupla com palhaços, e um deles apresentou uma pesquisa em que foi constatado que mulheres que passavam por sessões com os doutores durante o processo de fertilização obtinham 30% mais de sucesso”, conta Wellington. Tanto que hoje esse tipo de trabalho espalhou-se pelo mundo e extrapolou o ambiente hospitalar. No caso dos Doutores da Alegria, as iniciativas incluem trabalhos em empresas e workshops, formação de novos profissionais, pesquisas e programas culturais como o Plateias Hospitalares e a Oficina Boas Misturas. >>


Antes e depois Fernando Escrich, um ator que faz parte do projeto desde 1994 e hoje coordena os grupos de palhaços no Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte, acrescenta outro efeito colateral da interação com os pacientes. “A qualidade do meu trabalho como ator melhorou muito depois que entrei para o Doutores. Fiquei mais sensível, trabalhei a relação com o público e percebo que isso acontece com várias pessoas que chegam. Os três pontos básicos do nosso trabalho são o olhar, a escuta e a percepção. A criança não aceita ser enganada, só admite a verdade. Acabamos levando isso para

fora, ao palco, porque a arte exige a mesma qualidade, tanto para uma plateia de filho e mãe no hospital quanto para mil pessoas num teatro”, diz. Fernando relata que o Doutores é a sua prioridade na vida e costuma criar novas atrações junto com seus parceiros, como o bloco de Carnaval que visitou hospitais em Recife este ano – uma estratégia para integrar os doentes à vida cotidiana. “Levamos as festas das ruas para dentro dos hospitais, fazemos um Auto de Natal e comemoramos o São João”, conta Fernando, que se divide entre São Paulo e as outras cidades em que o Doutores da Alegria está presente. >>

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Inspiração O Doutores da Alegria surgiu por uma série de acasos e pelo desejo do ator Wellington Nogueira. Em 1990, ele morava em Nova York, estudava artes cênicas – mudou-se para lá porque queria atuar em musicais – e trabalhava com um grupo de palhaços em hospitais. Teve de voltar ao Brasil às pressas porque o pai estava doente. “O médico disse que ele estava esperando me ver para morrer”, lembra. “Quando cheguei à UTI do Incor, ele perguntou se eu tinha trazido minhas coisas de palhaço. ‘Eu não tenho mais jeito, mas você vai trabalhar com quem tem’, me falou, e avisou que já havia combinado com a enfermeira da pediatria que eu iria no dia seguinte brincar com as crianças”, diz. Naquela tarde, seu pai entrou em coma, e Wellington telefonou para a enfermeira para dizer que não tinha cabeça para ir brincar com as crianças. “Ela disse: ‘Agora você vai ter que vir, porque elas estão esperando o palhaço’.” Wellington foi, descobriu que a fórmula americana podia ser traduzida com facilidade para o Brasil e teve um dia de trabalho intenso. Quando terminou, já íntimo das equipes, pediu para visitar o pai na UTI. “Ele estava sentado na cama, comendo uma pera”, diz. O pai saiu do hospital e o ator decidiu ir aos Estados Unidos apenas para pegar suas coisas e voltar para cuidar dele, que ainda viveu por nove meses. Nas noites em que ficava de prontidão para atender o pai, ele foi formatando em longos textos várias ideias que até hoje são usadas no Doutores da Alegria. >> 122 | MARÇO 2013


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“MINHA INSPIRAÇÃO CONSTANTE É VER O IMPACTO DO MEU TRABALHO NAS CRIANÇAS, NOS MÉDICOS, NA VIDA PESSOAL DA GENTE. NÃO TEM COMO OLHAR A VIDA DO MESMO JEITO." WELLINGTON NOGUEIRA

Desde o início, em 1991, o grupo não para de crescer, e sempre com qualidade e foco. Assim como as grandes corporações, eles têm uma missão e uma visão. A primeira é promover a experiência da alegria como fator potencializador das relações saudáveis por meio do trabalho de palhaços com crianças hospitalizadas, seus pais e profissionais de saúde. A visão é tornar-se um centro de referência na arte do palhaço e nas artes cômicas em geral, oferecendo acervo, publicações, cursos e produções artísticas que estimulem a reflexão e o diálogo crítico com diversos setores da sociedade. Mas o que parece mover esses profissionais do riso parece ser mesmo o efeito que seu trabalho tem sobre essas pessoas em constante exposição à fragilidade da vida. “Minha inspiração constante é ver o impacto do meu trabalho nas crianças, nos médicos, na vida pessoal da gente. Não tem como olhar a vida do mesmo jeito depois de viver uma experiência como essa. O trabalho no hospital coloca você visitando a linha tênue entre vida e morte o tempo todo. Isso nos faz enxergar o quanto de vida jogamos fora. O que realmente é importante e fundamental? A primeira coisa que faço quando acordo é agradecer ao dia que tive e ao que vai começar”, diz Wellington. >>

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G20 dos palhaços O Doutores da Alegria já visitou mais de 900 mil crianças e adolescentes hospitalizados, inspirou mais de 630 iniciativas similares no Brasil e motivou parcerias que incluem o Ministério da Saúde e a iniciativa privada. Um dos sonhos de Wellington e seus parceiros é a criação de uma sede em São Paulo para abrigar todas as atividades do grupo, criar uma “central da alegria”. Detalhe: a entidade já tem um programa de formação de palhaços em comunidades carentes e faz a capacitação de todos os que decidem encarar a vida de doutores do riso. Outro sonho é atuar cada vez mais globalmente, criando um banco de boas práticas, incentivando a cooperação entre os profissionais e estabelecendo regras sobre tempo de formação mínima antes de entrar no hospital. “Estamos planejando um encontro internacional, um G20 de palhaços, para outubro deste ano, em São Paulo”, antecipa. 126 | MARÇO 2013

Com a mesma empolgação de seus primeiros dias como palhaço, Wellington continua certo de que essa é a única profissão que poderia ter escolhido, mesmo com a sua recente incursão no mundo das grandes salas de espetáculo, como ator no musical Família Addams. “Desde o primeiro dia em que vi uma criança que estava prostrada na cama saltar ao ser provocada pelos palhaços do grupo em que trabalhei nos Estados Unidos, fiquei fascinado com esse impacto que o palhaço tem nos hospitais. No dia em que fiz o teste para esse trabalho, atendemos uma criança com gesso no tronco, na ortopedia. Quando estávamos saindo, o moleque falou: ‘Hey, doutor, agora estou me sentindo mais leve’.” Informações: www.doutoresdaalegria.org.br




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Incrível mundo das

J IAS POR PAULO PEREIRA FOTOS DIVULGAÇÃO

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m uma tarde fria de inverno parisiense, apenas 2 graus, no fim do mês de fevereiro, após fazer um tour na Place Vandôme, onde se encontram todas as grandes joalherias do mundo, convidei meu amigo Rafael Lupo Medina – gemólogo que trabalha na Maison Cartier – para tomar um café enquanto eu poderia entrevistá-lo sobre as joias que deslumbram todos os admiradores de arte e suas fascinantes histórias. Escolhemos como ponto de encontro o tradicional Cafe de la Paix. O resultado desta conversa vocês poderão conferir nas páginas seguintes. Irão notar que neste mundo onde o brilho é nobre, tudo gira em torno da inspiração de criar e o prazer de adquirir uma peça rara. >>

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MODA

B&C: Como nasceu seu interesse pelas pedras preciosas? Rafael: Quando criança, sonhava entrar na mina dos sete anões da Branca de Neve e arrancar os diamantes das paredes. Meu bisavô italiano Henrique Lupo, antes de fundar a fábrica de meias Lupo, foi dono de uma joalheria em Araraquara. Talvez seja uma herança espiritual… Tenho sorte de ter uma paixão, e essa paixão são as gemas. B&C: Como foi sua trajetória profissional até chegar à Cartier? Rafael: Muitas pedras rolaram... Me formei em arquitetura na Faculdade de Belas Artes de São Paulo e depois fui morar em Florença (Itália) para estudar ourivesaria e joias etruscas. Depois mudei-me para Londres e participei de um ciclo de palestras sobre a joalheria do século XX, no Victoria & Albert Museum. Uma vez por semana visitava a Tower of London, onde estão expostas as joias da coroa britânica. Persistindo muito atrás da minha meta, fui para Nova York, onde obtive o diploma de gemólogo no renomado GIA - Gemological Institute of America. B&C: E por que depois Paris? Rafael: Porque é em Paris que tudo acontece. Paris é o centro do universo do luxo, dos sonhos. É a capital da joalheria mundial. Cheguei aqui no início de 1992. Trabalhei durante 2 anos com um diamantário, e um dos clientes era o joalheiro italiano Bulgari. Na época, o Bulgari estava inaugurando uma loja na Place Vendôme, e eu fui convidado a trabalhar lá, onde permaneci por 8 anos.

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Desde 2003, sou conselheiro em joalheria da loja Cartier. B&C: Qual a importância do conselho de um expert na hora de adquirir uma gema? Rafael: Quando compramos um vinho excepcional, apenas o sommelier pode explicar as diferenças de preços. A clientela chinesa e russa sempre compra o top do top, porque eles sabem que estão fazendo um bom negócio e que pedras de alta qualidade sempre valorizam. É indispensável que todas elas sejam acompanhadas de um certificado. Para os diamantes, aconselho o do GIA; para as pedras coloridas, o suíço Gübelin. Dou esse tipo de consultoria de investimento diariamente. B&C: Os diamantes são os melhores amigos das mulheres? Rafael: A rainha da França Maria Antonieta foi vítima de um complô armado pela condessa de la Motte e o cardinal de Rohan, envolvendo um importantíssimo colar de diamantes. Com certeza ela discordaria de Marilyn Monroe quando cantava “Diamonds are a girl’s best friend”. B&C: Onde podemos visitar as mais importantes joias do mundo? Rafael: São três as principais cavernas de Ali-baba: Torre de Londres, Kremlin em Moscou e as joias do ex-shah do Irã em Teerã. Mas vi também maravilhas no Grünes Gewölbe em Dresden (Alemanha) e o tesouro do Nizan de Hyderabad no sul da Índia. Pela dificuldade de acesso, as do Kremlin tornam-se ainda mais interessantes. Precisamos quase dizer “Abre-te sésamo!”. >>


Farah Diba no dia que foi coroada imperatriz do Irã.

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“MARLENE DIETRICH ADORAVA PULSEIRAS BEM LARGAS; PAULETTE GODDARD, DIAMANTES E JOAN CRAWFORD, ÁGUAS-MARINHAS.”

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FRENCH CONNECTION PRODUTIONS Rafael Lupo durante entrevista concedida a Paulo Pereira, para B&C, no Cafe de la Paix.

B&C: E as coleções das divas de Hollywood? Rafael: Marlene Dietrich adorava pulseiras bem largas; Paulette Goddard, diamantes e Joan Crawford, águasmarinhas. B&C: Por que o sucesso da turmalina Paraíba? Rafael: Como tudo que é raro, todo mundo quer. As primeiras foram descobertas no início dos anos 90 na região de São José da Batalha, interior da Paraíba. A forte concentração de cobre é responsável pela cor azul neon. A produção brasileira durou pouco e outras minas foram encontradas em Moçambique e Nigéria (África), mas são chamadas de turmalinas “tipo Paraíba”. As paraibanas de verdade são cobiçadíssimas.

B&C: Qual a sua pedra favorita? Rafael: No inverno são os rubis porque me fazem pensar na brasa da lareira. Gosto de diamantes coloridos e da alexandrita, que sob luz incandescente é vermelha e em luz natural é verde. Esse fenômeno camaleônico é surrealista! B&C: Como surgiu a ideia de ministrar palestras sobre joias? Rafael: Nos últimos anos tive o privilégio de ver e manipular peças extraordinárias e quero compartilhar essa experiência com os outros. Em abril de 2013, darei uma conferência em São Paulo sobre as gemas brasileiras na joalheria europeia. O Brasil é o país onde encontramos a maior variedade de pedras do planeta, e isso é excepcional.

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LEITO ESPLÊNDIDO As noites de realeza no hotel Maria Cristina inspiram a alma.


POR FELIPE FELIZOLLA FOTOS DIVULGAÇÃO

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o começo do século XX, a Espanha assumiu como sua também a Belle Époque – ou o que foi concebido como ''Os 20 Anos Felizes''. Por sua localização perto da fronteira francesa, a cidade basca San Sebastián esteve na dianteira deste movimento de vanguarda de inovação e industrialização. Durante este período, a cidade ergueu edifícios enormes e belos como o Teatro Victoria Eugenia, o Cassino – depois convertido na Prefeitura Municipal – e, sobretudo, o magnífico Hotel Maria Cristina. O hotel, projetado em 1912 pelo arquiteto francês Charles Mewes, foi inaugurado em 9 de julho de 1912 e nomeado em homenagem à sua primeira hóspede: a então regente espanhola Maria Cristina. Para comemorar seu centenário, o hotel passou por nove meses de minucioso trabalho de renovação e foi reinaugurado em julho de 2012. Mantendo intocado o estilo opulento da Belle Époque, o hotel de 107 quartos e 28 suítes encanta por seus tons pastéis, detalhes luxuosos e vistas arrebatadoras do mar e da cidade. Uma grandeza histórica preenche cada quarto com janelas grandes envoltas em cortinas amplas combinadas com molduras clássicas e mobiliário de época. Localizado no centro da cidade histórica de San Sebastián e com vista do Rio Urumea, ele é cercado de jardins e passeios e está a poucos passos das praias de areias brancas. Hóspedes que buscam imitar os dias inebriantes da regente Maria Cristina costumam selecionar as suítes Royal. Com dois terraços privativos, vistas panorâmicas e espaços de convivência autênticos, os privilegiados hóspedes desfrutam de espaços inspiradores já ocupados por membros da realeza, personalidades políticas, artistas, astros do cinema e socialites internacionais que vieram participar de casamentos, celebrações e outros eventos no hotel. >> MARÇO 2013 | 135


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História Inspiradora Durante a Primeira Guerra Mundial, o hotel foi o ponto de encontro entre políticos e artistas ilustres, incluindo os estilistas parisienses Coco Chanel, Jean Patou e Paul Poiret. Desde 1953, primeiro ano do Festival de Cinema Internacional de San Sebastián, o Maria Cristina tornou-se a escolha dos artistas que vêm à cidade para o evento. De Bette Davis, Julie Andrews, Robert De Niro, Sophia Loren, Elizabeth Taylor, Woody Allen, Lauren Bacall, Al Pacino aos espanhóis Fernando Gomez, Pedro Almodóvar e Francisco Rabal, a lista das celebridades que desfrutaram da atenção e do conforto do estabelecimento é interminável. Se as personalidades trouxeram reputação para o hotel, é o seu serviço impecável que o transforma em atração. O staff, à disposição 24 horas por dia, usa com orgulho a “Les Clefs d’Or”, a insígnia dourada da celebrada associação internacional de concierge. O serviço atencioso também é percebido no atendimento do restaurante Easo, cuja sala octogonal tem vistas para o Rio Urumea e para a praça do Teatro Victoria Eugenia, refletindo o posicionamento privilegiado do hotel.

Desde sua inauguração, o hotel é fonte de orgulho e centro de atividades sociais e culturais para os cidadãos de San Sebastián. Em 1925, com a proibição do jogo e o fechamento do cassino, a cidade iniciou um gradativo declínio. O início da Guerra Civil em 1936 pôs fim à era dourada da cidade. Durante as batalhas, o hotel foi ocupado pela Guarda Civil, leal ao governo da República. Ainda é possível encontrar marcas autênticas de artilharia em sua fachada. Depois da Segunda Guerra Mundial, o hotel empreendeu ampla expansão e renovação. Em 1948, o arquiteto Manuel Urcola projetou uma ala que mudou a planta do andar de um formato em "L" para um formato em "U". Sob a direção do arquiteto Jose Miguel Martín Herrera, em 1985, o hotel passou por uma renovação que lhe conferiu o status de estabelecimento cinco estrelas e dois anos depois teve seu interior renovado. A recente reforma adaptou o lugar aos confortos dos modismos tecnológicos do mundo pós-moderno sem perder nada de seu charme. Assim como sempre, a melhor história é ser atual no presente. O Maria Cristina comprova e Maria Cristina aprovaria. MARÇO 2013 | 137


Edição INSPIRAÇÃO

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www.artefactobc.com.br Revista Beach&Country | ano 05 |12ª Edição | MARÇO 2013

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UNIVERSO B&C INSPIRAÇÃO

PERFIL

JOSÉ SIMÃO

BÚSSOLA

SAN SEBASTIÁN

13/03/13 03:11


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