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Cores e Valores
Cores e Valoresa Fotografias Fernando Banzi, texto Stephanie Ribeiro e Tulio Custódio.
Tipos é um resgate da obra do fotógrafo teuto-brasileiro Alberto Henschel (1827–1882), conhecido pelo registro das paisagens do Rio de Janeiro e do cotidiano da monarquia brasileira durante o Segundo Reinado. Seu título de Photographo da Casa Imperial habilitou-o a fotografar o impera- dor Dom Pedro II e sua família. Mas, certamente, sua principal contribuição à história da fotogra a foi o registro de todos os extratos sociais do Brasil oitocentista: retratos geralmente no padrão carte-de-visite foram tirados da nobreza, dos comerciantes ricos, da classe média, e também de negros e negras, escravizados e libertos, em um período anterior à Lei Áurea.
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O trabalho de Fernando Banzi consiste na ressignicação desses registros de pessoas de descendência e/ou origem africana, datados do m dos anos de 1860, feitos em Recife e Salvador. Retoma o passado e, por meio da pigmentação de retratos de Alberto Henschel, confere a esses indivíduos o direito à subjetividade. Faz isso através da técnica escolhida, a fotopintura digital, da manipulação de imagem, permitindo, assim, diversas possibilidades narrativas e nos convidando a imaginar essas histórias, tirando-nos do lugar confortável e comum da narrativa única e condensada sobre o indivíduo negro. Mesmo quando escravizados, estes não eram seres iguais, com origens iguais, com ações iguais diante da opressão, assim como hoje não somos e talvez nunca sejamos. A seleção de imagens que compõe esta exposição acopla indivíduos negros com características diversas já no período colonial.
De onde viemos? Quem somos? De onde vieram nossos traços? Por que esses cabelos, traços e cores, mesmo diferentes, colocam-nos numa categoria única na ataualidade, a de NEGROS? Ao dar novas cores para os carte-devisite de Alberto Henschel, Banzi coloca um óculos sobre os nossos olhos, um óculos da imaginação, que nos faz refletir sobre essas figuras não apenas no lugar de vítimas objeto dessa estrutura colonial, mas de vítimas PESSOAS dessa estrutura colonial. É um cuidado com aqueles que, mesmo diante das suas diferenças de origem, traços, cores, cabelos, eram resumidos a uma única categoria: ESCRAVOS. Assim como quem define quem era negro o fez a partir da compreensão de que éramos o outro do outro, o escravizado também teve sua desumanização afirmada a partir do entendimento de que ele não era a norma. Renomear-se, rede finir-se, trajar-se com novas cores parece uma premissa simples, mas é tornar-se humano.
Tornar-se sujeito para negros está também no processo de dar luz às diversidades sobre sua própria identidade. Em tempos nos quais o debate racial se populariza, falas sobre colorismo, identidade racial, traços negros e apropriação cultural ganham força e destaque, pois esses assuntos permeiam o campo do subjetivo. Subjetivo esse que o racismo da forma como se concebeu no Brasil negou àqueles que foram tratados como tipos de coisas, e não como tipos de pessoas. O que o racismo fez na nossa história, na história que inventou e construiu o Brasil, e ainda o faz, foi dar valores negativos e pejorativos a determinadas cores. O preto se tornou “chapado” em uma gama de valores negativos: o ruim, o indesejado, o marginal, o não humano, a coisa. O preto, em sua porção de cor que mostra o sujeito de origem africana, o escravizado, é a cor que constituiu o negativo.
Dar novo signicado a esse lugar, transformando-o em positividade, é o que faz a geração que diz que seus cabelos com tranças coloridas e suas roupas com estampas não são o feio, não são a escória, são demonstrações de seu empoderamento e liberdade. O simbólico é que isso também se dá pela somatória de novas cores, tanto no sentido de acoplar outras lutas, como a feminina e lgbtq+, quanto de se fazer perceber pelas cores que compõem a estética do seu próprio corpo. Para muitos, suas fotos e registros atuais são meras manifestações egóicas; para quem ainda vive numa sociedade que condiciona negro a um único tipo de ser com as mesmas características, são uma disputa de narrativa. Sem dúvida, Fernando Banzi faz uso dessas influên- cias atuais para recolorir esse passado presente, traçando um cruzamento de diversas narrativas e dando, até mesmo para nós, a nova geração, a tal geração “tombamento”, a chance de criar pontes e raízes com a identidade que nos foi tirada.
A exposição Tipos apresenta novas cores que usamos para ampliar o repertório sobre olhar as pessoas negras, sobre os valores que precisam ser colocados para olhar seres humanos que foram histórica e estruturalmente vítimas de uma violência sem precedentes. Banzi propõe novas cores para fotos, possibilitando-nos imaginar outros valores, deslocando do imaginário pobre e racista brasileiro a imagem pejorativa sobre escravizados. São seres humanos, pessoas. Gente. Tipos de gente. Tipos oferece novas nuances ao passado tão próximo da história do Brasil, pluralizando nossas existências e, sem dúvida, é um ponto de partida para aqueles que não conseguem reconstruir um projeção clara sobre sua origem. Agora, mais do que nunca, é o momento de dar novas cores à nossa paleta de símbolos, novas conduções para nossa imagem de humanos, de sujeitos.
Tipos serve como um elo no vazio ao conferir novos valores para aqueles que sempre foram resumidos à sua cor.