Pdpi manual

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Manual do gestor

Série Sistematização do PDPI

A FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS: TEMAS, PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Organização: Ricardo Verdum



Série Sistematização do PDPI

Manual do gestor A FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS: TEMAS, PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Organização: Ricardo Verdum


Dilma Vana Rousseff Presidência da República Izabella Teixeira Ministério do Meio Ambiente José Eduardo Cardozo Ministério da Justiça Maria Augusta Boulitreau Assirati Presidência da Fundação Nacional do Índio


Série Sistematização do PDPI

Manual do gestor A FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS: TEMAS, PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Organização: Ricardo Verdum

Brasília 2014


Ficha técnica A Série Sistematização do PDPI (Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas) busca sistematizar e disseminar conteúdos e lições aprendidas com o PDPI como subsídio para formulação, aprimoramento e inovação de políticas, programas e projetos voltados aos povos indígenas: MMA, Funai e GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH) Edição: MMA/Funai/GIZ Equipe técnica do PDPI: Jânio Coutinho (MMA), Thiago Schinaider (GIZ), Sandra Araújo Rosana Silva (GIZ), Luiz Fernando Araújo Borges Lima (GIZ)

Programa para a Proteção e Gestão Sustentável das Florestas Tropicais “Demarcação e Proteção de Terras Indígenas” Coordenação: Katrin Marggraff e Tomas Inhetvin

Apoio: Equipe: Heike Friedhoff, Ingrid Ramos, Márcia Gramkow, Margit Gropper, Monica Berwanger, Nikolaus Sigrist, Elcio Machineri (Toya Manchineri) Organização da publicação: Toya Manchineri (GIZ) e Andréa Borghi M. Jacinto (GOPA/GIZ) Organização do caderno Memória em imagens: Luís Fernando Araújo Borges Lima, Márcia Gramkow, Toya Manchineri e Andréa Borghi M. Jacinto Revisão de português: Laeticia Jensen Eble Projeto gráfico: Ribamar Fonseca Editoração: Supernova Design Capa: Paneiro Manchineri Catalogação: Cleide de Albuquerque Moreira – CRB 1100 Copyright © 2014 by MMA, Funai, GIZ. Dados internacionais de catalogação na publicação Biblioteca Curt Nimuendaju MANCHINERI, Elcio Severino da Silva (Toya Manchineri); GIZ; JACINTO, Andréa Borghi M.; GOPA/GIZ. (Org.). Distribuição gratuita, preferencial, bibliotecas, organizações indigenistas e indígenas. Proibida a reprodução de partes ou do todo desta obra sem autorização expressa dos editores: MMA/GIZ. Dados Internacionais de catalogação Biblioteca “Curt Nimuendaju”

Verdum, Ricardo (Org.) A formação de gestores indígenas de projetos: temas, problemas e soluções. Brasília: GIZ/FUNAI, 2014. 169p. Ilust. ISBN 1. PDPI – Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas. 2. Políticas Públicas I. Título

325.45(81)


SUMÁRIO 6

APRESENTAÇÃO

10 PREFÁCIO 14 Parte 1

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O PROJETO DEMONSTRATIVO DE POVOS INDÍGENAS (PDPI)

OS ARRANJOS E PROCESSOS INSTITUCIONAIS DO PDPI E DA FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETO

52 Parte 2

O OLHAR INDÍGENA SOBRE O CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS

90 Parte 3

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O OLHAR DOS COORDENADORES DOS CURSOS

O PROTAGONISMO INDÍGENA NA GESTÃO DE PROJETOS: APRENDIZADOS DO PRIMEIRO CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS DO PDPI, MANAUS 2004-2005 FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS NA REGIÃO DO RIO NEGRO, AMAZONAS O CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS DO NOROESTE DE MATO GROSSO, DE RONDÔNIA E DO SUL DO AMAZONAS: BREVE RELATO E AVALIAÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA

173 CURSO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS

INDÍGENAS DO NORTE DO PARÁ E AMAPÁ –­ APITIKATXI

190 FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS

PARA O CORREDOR CENTRAL DA AMAZÔNIA: EXPERIÊNCIA BEM-SUCEDIDA QUANDO SE RECONHECE A IMPORTÂNCIA DO INESPERADO

215 CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES E GESTORAS

INDÍGENAS DE MATO GROSSO

246 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES 250 SIGLAS E ABREVIATURAS


APRESENTAÇÃO


O Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI) foi um programa instituído para apoiar projetos de organizações indígenas na Amazônia Legal, abrangendo os sete estados da região Norte (Tocantins, Pará, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre), a parcela ocidental do estado do Maranhão e o estado de Mato Grosso. O PDPI teve atuação em um espaço territorial em que vivem cerca de 193 povos indígenas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, a população indígena nesta área territorial era de 242.639 pessoas. O PDPI, por ser uma experiência inovadora, inicialmente apoiava diretamente projetos dos povos e organizações indígenas voltados para: i) valorização cultural; ii) atividades econômicas sustentáveis; e iii) proteção dos territórios indígenas. Tais recursos financeiros provinham do governo alemão, por intermédio do Banco Alemão de Desenvolvimento (Kreditamstalt fûr Wiederaufbau, KFW). Esta publicação – Formação de Gestores Indígenas de Projetos: temas, problemas e soluções – visa apresentar a sistematização e os resultados do PDPI no tocante à formação realizada com o propósito de capacitar as organizações indígenas na área de gestão de projetos. Com duração inicial prevista para quatro anos, o PDPI se estendeu por mais doze anos e conseguiu beneficiar, por meio dos projetos, um número considerável de povos e comunidades indígenas na Amazônia legal. Entendendo que o PDPI tem muitas experiências a serem socializadas, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Deutsche Gesellschaft fur Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, realizaram a sistematização dessas experiências em três perspectivas, ou seja, a publicação pretende apresentar os temas, os problemas e as soluções encontrados durante o processo de formação de gestores indígenas de projetos. Esse produto é uma sistematização das experiências, dos aprendizados e dos conhecimentos dos participantes nos cursos de Formação de Gestores de Projetos Indígenas.

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Os resultados apresentados referem-se aos cursos-piloto de formação, realizados de 2004 a 2005 nas cidades de Manaus, Mato Grosso e Brasília, como primeira experiência de formação de gestores de projetos indígenas. Esses cursos foram replicados nos estados de Rondônia, Roraima, Amazonas, Mato Grosso e Amapá, utilizando-se as orientações metodológicas do primeiro curso, considerado como uma boa prática e inédito na formação de lideranças indígenas. Os cursos realizados nos estados permitiram uma compreensão do mosaico da diversidade indígena existente na Amazônia. Constatou-se uma pluralidade de realidades, de culturas e de políticas internas de cada povo, bem como de particularidades no que diz respeito às relações com o Estado Brasileiro. O diálogo com os cursistas foi organizado por meio de perguntas orientadoras, a fim de retratar a realidade, capturar as experiências e acompanhar como esses indígenas estão dando continuidade ao trabalho com os projetos desenvolvidos em suas comunidades. Nas narrativas indígenas, é são perceptíveis as dificuldades relacionadas ao processo de formação, tendo como enfoque as etapas de um projeto. Dificuldades estas que envolvem: entender o funcionamento do Estado brasileiro; compreender os significados das palavras em português; internalizar conhecimentos alheios; e superar essas barreiras. A troca de experiências foi uma das principais ferramentas utilizadas para superar os desafios impostos. Os novos aprendizados proporcionaram aos cursistas conhecer suas próprias realidades internas e as alternativas que outros povos estão buscando para superar seus problemas. Já para os autores do texto, o protagonismo indígena na gestão de projetos implica uma narrativa conceitual sobre a noção de autonomia no decorrer da história e sobre como as lutas sociais contribuíram ou influenciaram lideranças indígenas e seus apoiadores na luta pela autonomia e as conquistas de seus direitos. Propõe-se nesta publicação uma discussão acerca dos

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indígenas amazônicos e de como os “projetos” e o “mercado” de projetos alteraram significativamente as relações e organizações sociais de muitas comunidades indígenas, de forma positiva ou negativa. Por fim, avalia-se como se deu a participação do Estado no processo de ampliação da autonomia indígena. As considerações finais incluem recomendações acerca da realização do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, considerando sua abordagem específica e sua aplicabilidade pelos cursistas indígenas. Envolvendo vários conhecimentos, seja no âmbito técnico, político, organizacional e/ou cultural, tais considerações não poderiam deixar de levar em consideração as experiências vivenciadas e construídas pelo movimento indígena. Tais experiências foram muito bem incorporadas às ações do PDPI, no sentido de que não se pode pensar e construir uma política de formação para os povos indígenas de forma hegemônica. É necessário, portanto, que o Estado brasileiro leve sempre em consideração as características locais, regionais, linguísticas, culturais, sociais e econômicas dos povos indígenas. Espera-se que esta experiência impulsione outras e que este registro seja útil para estimular dezenas de outras iniciativas, ainda mais avançadas.

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PREFÁCIO


A Formação de Gestores Indígenas de Projetos: temas, problemas e soluções, publicação organizada por Ricardo Verdum, traz relatos de experiências e aprendizados vividos e vivenciados por pessoas de organizações não governamentais e organizações indígenas. Traz também doze depoimentos de cursistas indígenas, ou seja, uma pequena parcela das mais de 150 pessoas que iniciaram e concluíram o curso. Essa façanha se deu na Amazônia legal, região onde está concentrada a maior biodiversidade brasileira e de populações indígenas. O Censo Demográfico de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirmava que a população indígena nessa região era de 193 povos, ou seja, uma grande diversidade de povos indígenas. De acordo com o Censo 2010, atualmente, a população de indígenas no território nacional é de aproximadamente 896 mil pessoas. E, do total desta população, cerca de 456.978 pessoas vivem na região Norte, ou seja 26,2% da população indígena brasileira está localizada na região Norte. Portanto, merecem, por parte do Estado brasileiro, políticas públicas bem mais presentes e diferenciadas. Nesta publicação, o leitor terá acesso ao olhar acadêmico e ao olhar tradicional relacionado à formação de indígenas na área de gestão de projetos. No tocante à formação de indígenas, poderá acompanhar a visão de indigenistas que trabalham a formação juntamente com os povos indígenas amazônicos, mas também a visão indígena sobre o tema, apresentando como o curso contribuiu com cada indígena no retorno à sua comunidade ou sua organização. A formação de gestores de projetos indígenas é uma ação muito recente na história de formação voltada para construção de projetos indígenas, construídos de forma participativa e tendo nos povos indígenas o protagonismo dessa formação. Por esse motivo, a presente publicação sobre a experiência de formação de gestores de projetos indígenas visa apresentar as contribuições e análise do primeiro Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas e as experiências dos projetos de formação de gestores executados pelas organizações indígenas

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e indigenistas e instituições governamentais nas regiões de Roraima, Mato Grosso, Alto Rio Negro, Solimões e Maranhão. A publicação evidencia os resultados, sistematizados com depoimentos e experiências, proporcionando uma grande mudança no panorama da relação entre as instituições e os povos indígenas, substituindo a velha relação de tutela. Em seu projeto político pedagógico, o curso buscou proporcionar o diálogo entre os saberes do conhecimento tradicional e o conhecimento científico (acadêmico). Esses saberes são evidenciados nas reflexões apresentadas nos depoimentos dos indígenas e dos coordenadores dos cursos. A inserção de depoimentos nesta publicação é uma maneira de ressaltar a experiência construída de forma participativa entre povos indígenas, movimentos indígenas e instituições financiadoras. Dessa forma, também se evidenciam os problemas, as dificuldades e os desafios dos povos indígenas ao acessar recursos financeiros externos de forma a conciliar o pensamento coletivo dos povos e o ambiente territorial, isto é, pensando-se políticas internas para o povo indígena que fortaleçam sua cultura e promovam o desenvolvimento das economias indígenas com a preservação dos recursos naturais de suas terras.

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O PROJETO DEMONSTRATIVO DE POVOS INDÍGENAS (PDPI) parte 1


OS ARRANJOS E PROCESSOS INSTITUCIONAIS DO PDPI E DA FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS Ricardo Verdum1

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INTRODUÇÃO

O Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI) foi criado no âmbito do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7). O PDPI é um desdobramento do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), executado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), e trata-se de um complemento ao Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), executado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), entidade responsável pela demarcação e delimitação dos territórios dos povos indígenas na Amazônia brasileira. A ideia de constituição do PDPI como uma extensão dos propósitos gerais do PDA surgiu em 1997. O PDA tem como objetivos: i) apoiar iniciativas das populações locais e de organizações não governamentais (ONGs) em geral; ii) fortalecer a capacidade destas para elaborar e gerenciar projetos de desenvolvimento local sustentável; iii) integrar as contribuições dessas populações por meio da participação; e iv) divulgar os conhecimentos gerados pelas experiências apoiadas. Já no PDPI, esses objetivos aparecem relacionados a um público específico: os povos indígenas.

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Doutor em Antropologia Social,pesquisador vinculado ao PPGAS/UFSC

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De fato, a intenção de criar um fundo de apoio ao desenvolvimento indígena remonta aos primeiros momentos da formulação do PPG7 e de seus componentes. Na ocasião, a proposta sofreu grande resistência, o que inviabilizou sua concretização. O PPG7 foi concebido em um contexto de desconfiança de alguns setores governamentais, militares e empresariais nacionalistas em relação os objetivos do programa. Como observado por Thomas Fatheuer, durante seminário sobre o PPG7 realizado em fevereiro de 1993, em Belém, “no Brasil muitos suspeitaram e suspeitam que exista interesse em internacionalizar a Amazônia, que a Amazônia está no foco de cobiça internacional” (Fatheur, 1993, p. 85). Embora houvesse então tanta resistência quanto há hoje ao reconhecimento dos territórios dos povos indígenas, sob a justificativa de que isso poderia ser o primeiro passo de um processo de separatismo em relação ao Estado brasileiro, conseguiu-se incluir entre seus componentes iniciais o PPTAL, ligado institucionalmente à Funai. No Brasil, o processo Constitucional (1986-1988) criou um ambiente de efervescência social, bem como de articulação e mobilização de ambientalistas, movimentos sociais e movimentos de resistência dos povos indígenas. O assassinato de Chico Mendes, no Acre, teve efeitos em diferentes níveis. No exterior, fortaleceram-se ou foram formados movimentos coletivos a partir de grupos sociais que se preocupam com problemas ambientais globais e, particularmente, na Amazônia.2 Mas foram necessários quase dez anos para que a iniciativa PDPI estivesse operando e apoiando projetos de entidades legalmente constituídas de povos indígenas, em especial, em três áreas temáticas: proteção das terras indígenas; atividades econômicas sustentáveis; e resgate e valorização cultural. No âmbito do PDA, os projetos indígenas são considerados a semente do PDPI. O acúmulo de conhecimento gerado

2 Ainda antes do assassinato de Chico Mendes, formou-se, na Alemanha, a Campanha pela Vida na Amazônia, uma rede de ONGs que tentou coordenar ações ligadas à Amazônia, por exemplo, o apoio aos Yanomami, que à época tiveram seu território ocupado por uma horda de garimpeiros. Criou-se também a Campanha das Florestas Tropicais, voltada para diminuir o uso de madeiras das florestas virgens. Em 1988, o governo da Alemanha havia definido o meio ambiente como área principal da cooperação internacional.

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nesse contexto, somado à demanda do movimento indígena organizado, produziu o estímulo e as condições necessárias à retomada das discussões sobre a criação de um programa de financiamento de projetos destinado especificamente aos povos indígenas no país.

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A CRIAÇÃO DO PPG7 E DO PDA

A história do PPG7 começa, oficialmente, no mês de julho de 1990, durante a Economic Summit of the Group of Seven (G-7), em Houston (Texas), quando o então chanceler alemão Helmut Kohl apresentou aos representantes dos governos dos demais países-membros (do qual fazem parte também Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) a proposta de apoio à elaboração, implantação e implementação de um Programa de Apoio à proteção das Florestas Tropicais no Brasil. A proposta surge em um contexto internacional de crescimento da percepção de que os problemas ambientais possuem uma dimensão internacional e que há ameaças globais que necessitam ser tratadas nesse nível. Essa tomada de consciência se dá associada, especialmente, à descoberta do buraco na camada de ozônio e do efeito estufa. Em consequência, iniciativas internacionais passaram a ser criadas visando enfrentar esses desafios globais.3 Nas palavras do chanceler Kohl: Estamos determinados a tomar ações para o aumento das florestas, ao mesmo tempo que protegeremos as florestas já existentes e reconheceremos os direitos de soberania de todos os países, para fazer uso de seus recursos naturais. A destruição das floretas tropicais tem adquirido proporções alarmantes. Consideramos bem-vindo o compromisso do novo governo brasileiro [Fernando Collor de Mello] de ajudar a deter essa

3 Alguns outros exemplos de medidas globais que passaram a ser tomada a época são o fim dos CFCs, os gases que provocam o buraco da camada ozônica; a instalação em 1988 do International Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) junto à Organização Mundial de Meteorologia e do PNUMA; o Global Environmental Facility (GEF) do Banco Mundial, entre outras.

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destruição e de promover o manejo sustentável das florestas. Apoiaremos ativamente este processo e estamos preparados para um novo diálogo com os países em desenvolvimento sobre o caminho e os meios para sustentar esse esforço. Estamos prontos para cooperar com o governo brasileiro em um compreensivo programa-piloto para neutralizar a ameaça às florestas tropicais neste país. Solicitamos ao Banco Mundial preparar uma proposta, em estreita cooperação com a Comissão da Comunidade Europeia, a qual deve ser apresentada, no mais tardar, na próxima Cúpula Econômica. Apelamos para os outros países juntarem-se a nós neste esforço. A experiência obtida neste programa-piloto deve ser compartilhada com os outros países que enfrentem a destruição das florestas tropicais (apud Hagemann, 1994, p. 63, tradução nossa).4

Após um período de negociações envolvendo representantes do governo brasileiro, do G-7, da Comunidade Comum Europeia (CCE) e do Banco Mundial, foi criado o PPG7, que passou a existir em dezembro de 1991, quando é dado início à elaboração dos subprogramas e projetos que o constituiriam. A criação do PPG7 no Brasil deu-se por meio do Decreto no 563, de junho de 1992, assinado no primeiro dia da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD ou Rio-92).5 No encerramento da conferência, em 15 de junho, o presidente Fernando Collor de Melo, em um discurso transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, anunciava as repercussões positivas para o Brasil das mudanças político-

4 O estudo de Helmut Hagemann é uma das poucas fontes de informação sobre o processo inicial de preparação do PPG7 e de seus componentes. As relações, tensões, pressões, conflitos e convergências de interesses envolvendo o governo brasileiro, os governos dos países do G-7, a Comissão da Comunidade Europeia (CCE), o Banco Mundial (BIRD) e um grupo seleto de ONGs internacionais e brasileiras, que se colocam em cena atuando como mediadoras qualificadas e/ou representantes dos interesses e demandas das comunidades locais da Amazônia, são ali retratados de maneira bastante detalhada e abrangente. A Alemanha se destaca como o principal parceiro do programa. Atualmente, a agenda de cooperação alemã no Brasil inclui ações focadas em conservação da biodiversidade, desenvolvimento sustentável, gestão de florestas, terras indígenas e desenvolvimento de capacidades. 5 Sobre a dimensão institucional do PPG7, ver Pinto (2006). Em relação à política ambiental do governo federal nos anos 1990 e primeiros anos da década de 2000, ver Barreto Filho (2004).

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institucionais em curso nas áreas econômica e ambiental, e dos acordos alcançados na conferência: A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi fundamental para o mundo, e fundamental também para o Brasil. Além de reforçar nosso prestígio por sediarmos a conferência, o reconhecimento internacional pela boa condução de nossa política econômica, e da seriedade de nossos projetos na área ambiental, veio na forma de importantíssimos financiamentos externos. As cifras são muito mais significativas: do Japão, pela primeira vez depois de sete anos e depois da regularização de nossa posição junto ao Clube de Paris, receberemos US$ 1,1 bilhão; do Banco Mundial, receberemos US$ 1 bilhão; do BID, uma carteira que poderá atingir US$ 2,2 bilhões; da Alemanha, US$ 300 milhões; a soma alcança o total de US$ 4,6 bilhões. São recursos que irão beneficiar a maioria dos estados do Brasil, criando novos empregos, inclusive todos os estados do Nordeste estão beneficiados; Rio de Janeiro, São Paulo, com financiamento de projetos de recuperação ambiental, como despoluição de rios e baias; preservação da Amazônia; construção ou duplicação de estradas; modernização industrial e tecnológica.

O processo de elaboração do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA) do PPG7 teve início em agosto de 1992, com a primeira missão do Banco Mundial, e foi concluído no início de 1995, quando o projeto foi finalmente aprovado e os trâmites administrativos concluídos, tanto na estrutura político-administrativa do governo brasileiro, quanto nas instâncias internacionais, como o Banco Mundial. Na ocasião, as partes acordaram que o PDA apoiaria financeiramente iniciativas ou experimentos, na forma de projetos comunitários de proteção das áreas de floresta tropical na Amazônia, na Mata Atlântica e ecossistemas associados, bem como de ações destinadas à recuperação e ao manejo de espécies da fauna e da flora destas mesmas regiões. Em 1991, o conceito de “participação” do PPG7 já havia sido manifestado de forma bastante clara, por intermédio do apoio político, físico e financeiro à estruturação de uma rede de ONGs

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com atuação na Amazônia Legal, então intitulada Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA).6 Em 1992, durante a Rio 92, foi constituída uma segunda rede de ONGs, a Rede Mata Atlântica (RMA), que teve igualmente o papel de mediar e representar os interesses do movimento ambientalista frente às agências de cooperação multilaterais e bilaterais e do governo brasileiro no âmbito do PPG7. Desde a sua criação, ambas as redes de ONGs contaram com recursos financeiros para sua estruturação e funcionamento oriundos do Rain Forest Trust Fund (RFT/Banco Mundial) ou de agências bilaterais de cooperação participantes do PPG7.7 Fruto da pressão de ONGs, movimentos sociais e ambientalistas que atuavam nestas regiões, com destaque para a rede Grupo de Trabalho Amazônico (Fase e Ibase 1993; Hagemann 1994; Fatheuer, 1994), o PDA foi concebido com uma das características mais marcantes do novo discurso desenvolvimentista: o de estar voltado para a valorização da participação e para o apoio às iniciativas das comunidades locais e suas organizações (associações, cooperativas, sindicatos etc.), e das ONGs. Embora não o termo “capital social” não apareça em nenhum dos documentos produzidos à época, seus elementos básicos estão ali presentes: a ideia de que os experimentos (ou projetos) a serem apoiados financeiramente devem fortalecer a capacidade de organização e gestão participativa da comunidade e que a forma de gestão deve fortalecer a rede de solidariedade existente entre os participantes.

6 O GTA (primeiramente chamado de GTA-G7) foi formado inicialmente pelos seguintes grupos: Instituto de Estudos Amazônicos (IEA); Fundação Pró-Natura (Funatura); Centro de Estudos Avançados em Promoção Social e Ambiental/Projeto Saúde e Alegria (CEAPS); Fundação Vitória Amazônia (FVA); Instituto de Pré-História, Antropologia e Ecologia (IPHAE); Centro de Trabalho Indigenista (CTI); Associação Brasileira de Antropologia (ABA); Movimento pela Sobrevivência na Transamazônica; Projeto Estudos sobre Terras Indígenas no Brasil (Peti/Museu Nacional) e Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY). Ver Fatheuer (1994). 7 O Fundo Fiduciário das Florestas Tropicais do Brasil (RFT) foi instituído em março de 1992, por intermédio da Resolução no 92‐2 do Conselho de Administração do Banco Mundial. Era a principal fonte de financiamento do PPG7, do qual o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) foi designado como agente fiduciário. Os recursos financeiros do RFT permitiram a estruturação da secretaria técnica do PDA e da unidade gestora do PDPI no âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

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Ao menos no PDA, nos Projetos Resex I, no PPTAL – e, posteriormente, no PDPI – é visível a perspectiva de construção do desenvolvimento comunitário como orientadora de sua formulação e implementação. Seus elementos essenciais – territorialidade, gestão social e projeto comum –, estão presentes nos diferentes subprogramas e componentes. O mesmo objetivo é observado nos projetos financiados às comunidades, como o Projeto de Apoio ao Manejo Florestal Sustentável na Amazônia (Promanejo), o Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (Pró-Várzea) e Projeto de Mobilização e Capacitação de Agricultores Familiares, Extrativistas e Indígenas para a Prevenção de Incêndios Florestais na Amazônia (Proteger). Contudo, estes projetos ocorrem em um âmbito microterritorial, ou seja, no pequeno grupo que recebe o financiamento.8 Participam da gestão do PDA as duas principais redes de organizações da sociedade civil da Amazônia e da Mata Atlântica: o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e a Rede Mata Atlântica (RMA). Em parceria com a Secretaria Técnica do PDA ou individualmente, essas redes desenvolveram, ao longo dos anos, ações de capacitação de recursos humanos para elaboração e gestão de projetos, bem como a formação e o fortalecimento da capacidade organizacional e técnica de comunidades e associações locais. Embora não tenham um envolvimento direto na gestão dos recursos financeiros destinados aos projetos – o que chegou a ser um pleito na primeira fase das negociações com o governo e acabou sendo “abandonado” quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) garantiu que o secretário técnico do PDA seria escolhido pelo GTA –, a participação das redes de ONGs na gestão do PDA por meio da Comissão Executiva é considerada um diferencial e uma inovação que não se encontra em qualquer outro mecanismo anterior de fomento ao desenvolvimento no Brasil.9

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Ver Rueda et al. (2006). Ver Mancin (2001), Pareschi (2002) e Verdum (2002).

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As principais características do PDA são: i) atendimento da demanda que surge no local onde os problemas estão ocorrendo (demanda espontânea); ii) estabelecimento de um teto máximo de financiamento de até US$ 210 mil por proponente para um período de três anos, não permitindo que entidades mais estruturadas concentrem vários projetos; iii) atualização monetária e repasse mensal dos recursos; iv) permissão para a compra de bens de capital, edificações e pagamento de salários; v) utilização de um agente financeiro com grande capilaridade no território nacional (Banco do Brasil); vi) fornecimento de monitoria técnica e financeira em campo, além do acompanhamento de sua execução por meio de relatórios semestrais e da prestação de contas mensais dos recursos financeiros repassados; vii) gestão realizada junto à Secretaria Técnica (ST),10 estrutura mínima situada em Brasília, que atua com visão descentralizada e compartilhamento de responsabilidades. A Comissão Executiva (CE) é a instância máxima de decisão sobre o financiamento ou não das propostas encaminhadas à ST do PDA. Ela é composta por dez integrantes, sendo cinco indicados pelas redes de ONGs (GTA e RMA) e cinco representantes governamentais: Funai, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Banco do Brasil.11 Não obstante a participação de representantes de organizações indígenas e indigenistas no processo de discussão e elaboração do PDA na primeira metade da década de 1990, a demanda recebida ficou bastante aquém do esperado. De um total de 1.010 propostas apresentadas até novembro de 2000, os povos indígenas apareceram como proponentes ou beneficiários em somente 63, totalizando cerca de 6,3% da demanda recebida.

10 A ST é responsável por acompanhar o processo de avaliação das propostas e, no caso de aprovação, pelo repasse dos recursos financeiros e o acompanhamento da execução. Também cabe à ST realizar cursos de capacitação e viabilizar assessorias complementares quando necessário. 11 Até 1998, a CE contou com a presença de um representante indígena indicado pela articulação COIAB-GTA.

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Desse total, dezenove propostas foram aprovadas pela Comissão Executiva, sendo que, em onze, os índios figuravam como responsáveis diretos pela execução. Os povos indígenas também aparecem como beneficiários indiretos em três projetos implementados por associações de pequenos produtores agroextrativistas da Rede Frutos do Cerrado, que compram a leguminosa fava d’anta em áreas indígenas localizadas no sul do Maranhão.12 Em suma, os povos indígenas estão presentes em 12% dos projetos apoiados pelo PDA, totalizando um investimento de aproximadamente US$ 2,4 milhões. Considerando o conjunto das 63 propostas apresentadas ao PDA, pode-se dizer que a área de manejo florestal (madeireiro e não madeireiro) e a de implantação de sistemas agroflorestais são as que apresentam maior demanda por conhecimento especializado, juntamente com os conhecimentos necessários para viabilizar a comercialização dos produtos e a sustentabilidade do empreendimento. A proteção de lagos e cursos d’água, bem como dos recursos pesqueiros neles existentes, surge como ação prioritária em três projetos localizados no estado do Amazonas: nas proximidades da cidade de Tefé (União da Nações IndígenasUNI/Tefé), na região do Alto Rio Solimões (Conselho Geral da Tribo Tikuna – CGTT) e no município de Autazes (Conselho Indígena Mura – CIM). Nos dois primeiros casos, os projetos contam com assessoria especializada, o que vem contribuindo para que os objetivos almejados sejam alcançados. No caso do projeto implementado pelo CIM, a grande dispersão das áreas a serem fiscalizadas e a fraca articulação interna e com os órgãos governamentais responsáveis (Funai e Ibama) fizeram com que os resultados ficassem a desejar. Na região da Mata Atlântica e ecossistemas associados, há quatro projetos envolvendo povos indígenas: três com os Guarani (dois em São Paulo e um no Paraná) e um com os

12 A rede “Frutos do Cerrado” é formada por 13 organizações de pequenos produtores rurais ou familiares e povos indígenas de língua Timbira, e está localizada no sul do estado do Maranhão e nordeste do Tocantins.

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Fulni-ô (em Pernambuco). No caso dos Guarani de São Paulo, os projetos fortaleceram uma iniciativa que já estava em curso: a produção e comercialização de flores ornamentais nativas da região de florestas da Mata Atlântica. O projeto dos Guarani no Paraná, por sua vez, consistiu num desafio maior que o esperado, principalmente se consideradas as características culturais dos Guarani e o tempo necessário para o experimento se tornar sustentável e gerenciável pelos índios, com a criação de animais silvestres em cativeiro. Não obstante os problemas operacionais enfrentados pela ONG responsável ao longo dos dois anos de execução, o projeto indicou alternativas de geração de proteína animal para um dos grupos indígenas que mais têm sofrido com a invasão de seus territórios. Uma vez que a continuidade do experimento mostre-se viável, é possível que ele passe a ser referência para situações semelhantes na região. Como nos projetos desenvolvidos por não indígenas, as parcerias com entidades de assessoria voltadas para a capacitação e o acompanhamento sistemático e continuado mostrou-se um componente fundamental para o andamento dos projetos e para o fortalecimento da capacidade dos indígenas de gerenciar suas próprias iniciativas de desenvolvimento. Esse é o caso, por exemplo, da associação Timbira Vyty-Cati, que conta com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI); dos Xikrin do Cateté, que têm a ajuda do Instituto Socioambiental (ISA); e do Conselho Geral da Tribo Ticuna, que recebe auxílio de técnicos ligados ao Museu Nacional da UFRJ. Da mesma forma, destaca-se o trabalho implementado pela Comissão Pró-Índio do Acre, que vem formando agentes agroflorestais entre os Kaxinawá, Jaminawá e Manchineri. E, em relação à Comissão Pró-Yanomami, que vem desenvolvendo um projeto semelhante entre grupos Yanomami no norte do estado do Amazonas, tem-se a mesma expectativa. No caso dos Wayana-Apalai localizados no Parque Indígena Tumucumaque (norte do Pará), que mantêm um projeto de manejo de fauna e flora e produzem artigos de sua cultura material para comercialização, o Governo do Estado do Amapá teve papel fundamental. Além do apoio na elaboração da proposta, o governo disponibilizou um espaço físico para o

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armazenamento e a exposição do material em uma das áreas de maior circulação de turistas na capital do estado e auxilia a associação indígena em seus contatos comerciais fora do estado e do país. A mesma perspectiva de solidariedade com os povos indígenas vem se manifestando no estado do Acre, na gestão do governador Jorge Viana, no qual o apoio às populações tradicionais e a proteção das florestas tropicais são algumas das principais bandeiras da política de desenvolvimento em curso. Esses dois exemplos chamam a atenção para a importância do poder público local e regional na implementação de uma política de etnodesenvolvimento. Finalmente, é preciso destacar duas outras iniciativas no estado do Amazonas: a da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), em São Gabriel da Cachoeira, e a do Conselho Indigenista Missionário do Norte (Cimi-Norte), com a Casa de Cultura Urubuí, em Presidente Figueiredo. A primeira é um projeto-piloto que busca associar a valorização e a proteção dos conhecimentos tradicionais sobre o uso de plantas com fins medicinais à geração de renda a partir da comercialização de produtos oriundos do manejo de algumas espécies. Trata-se, indiscutivelmente, de uma iniciativa de afirmação étnica, na qual os índios assumem a condição de gestores do processo de pesquisa e aproveitamento da biodiversidade regional. Já a iniciativa em curso em Presidente Figueiredo vem se consolidando como referência, inclusive para outros países, no manejo de espécies melíferas (abelhas) nativas da região, tendo realizado vários cursos envolvendo indígenas e pequenos agricultores. Além de contribuir para a geração de novos conhecimentos, proporciona a valorização das florestas e comprova a possibilidade de geração de renda e alimentos de alta qualidade nutricional com baixos custos operacionais. No tocante aos povos indígenas, o PDA chega ao ano de 1998 mostrando que é possível e desejável – do ponto de vista dos objetivos do PPG7 – haver um mecanismo de apoio à demanda dos povos indígenas por políticas e recursos específicos para a realização do desenvolvimento sustentável em seus territórios. Indica também que esta política e sua operacionalização devem ter características específicas e estar sob o controle

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social do movimento indígena organizado, representando pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB (Little, 1998).

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A CRIAÇÃO DO PDPI

O PDPI foi concebido, principalmente, como um mecanismo de apoio a projetos de organizações indígenas na Amazônia Legal, que compreende os sete estados da região Norte (Tocantins, Pará, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre); a parcela ocidental do estado do Maranhão; e o estado do Mato Grosso. O PDPI atua em um espaço territorial onde vivem cerca de 193 povos. Segundo o Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE), a população indígena nesta área territorial, em 2000, era de 242.639 pessoas. O primeiro ato formal visando à criação do PDPI a partir de 1999, teve lugar nas instalações da Secretaria Técnica (ST) do PDA, no MMA, em meados de 1997. Naquela ocasião, ocorreu uma reunião entre técnicos das secretarias técnicas do PDA e do PPTAL, na qual foram avaliadas as possibilidades de tal iniciativa. Nessa reunião, definiu-se, ainda, a elaboração de uma minuta de documento (uma nota conceitual) que apresentaria a ideia geral de um “componente indígena do PDA”. As negociações envolvendo as contrapartes – governo brasileiro, governo alemão e os povos indígenas da Amazônia brasileira, representados pela COIAB – tiveram início logo em seguida, em setembro de 1997. Essa movimentação tinha como meta chegar na 4a Reunião dos Participantes do PPG7 (instância máxima de decisão do PPG7), realizada em outubro daquele ano, na cidade de Manaus, com uma proposta – consensual entre o governo brasileiro, o principal doador do programa (o governo da Alemanha) e os principais beneficiários, representados pela COIAB – de criação, no âmbito do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), de um “PDA indígena” ou “PD/I”.13

13 Participam da Reunião dos Participantes do PPG7 representantes dos países doadores de recursos financeiros e de cooperação técnica ao PPG7 e o Banco Mundial, os representantes dos ministérios envolvidos diretamente com a implementação do programa,

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Uma vez aprovada a proposta junto à coordenação do PPG7, as secretarias técnicas do PDA e do PPTAL coordenaram o trabalho de definição dos arranjos institucionais, logísticos, financeiros e de pessoal necessários para a implantação do PD/I. Esse trabalho se estendeu até 2000, quando, finalmente, o documento de projeto (Prodoc) foi aprovado pela COIAB, pelo governo brasileiro, pelo Banco Mundial e pelo governo da Alemanha ­– principal financiador. Até meados de 1999, a participação indígena foi bastante tímida no processo de preparação do PD/I. Da parte do governo brasileiro e da cooperação alemã, havia o entendimento de que era necessário criar as condições para a criação do projeto no âmbito intergovernamental antes de partir para um processo mais participativo, envolvendo um número maior de representantes e lideranças indígenas, o que só foi possível a partir de novembro de 1999, como apresentado a seguir. As negociações e os arranjos institucionais necessários a sua viabilização estenderam-se até esse ano quase que exclusivamente no âmbito governamental e intergovernamental, envolvendo o governo brasileiro (PDA e PPTAL), as agências governamentais alemãs KfW e GTZ, o Banco Mundial e alguns representantes indicados pela COIAB. Como subsídios às discussões, foram realizados seis estudos relacionados com: a promoção e a assistência à saúde indígena; a capacitação e educação formal indígena; o direito positivo referente aos indígenas no Brasil; a participação indígena nas políticas públicas; a economia indígena em contextos interétnicos; e o desempenho dos projetos indígenas no âmbito do PDA (Stibich, 2005). Com as mudanças na política da Secretaria de Coordenação da Amazônia do MMA, no início de 1999, quando a antropóloga Mary Allegretti assumiu sua coordenação, as organizações indígenas passaram a ter um maior protagonismo na elaboração do PD/I. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), entidade de articulação de organizações

bem como do Ministério das Relações Exteriores (MRE), os responsáveis pela gestão dos subprogramas e dos projetos, e membros das redes de ONGs envolvidas na gestão e no acompanhamento do programa.

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indígenas da Amazônia brasileira, criada em 1989 e filiada ao GTA, passou a ter uma posição de destaque nos arranjos institucionais e na implementação da preparação do Projeto PD/I. Nesse sentido, visando definir uma estratégia efetivamente participativa, no período de 18 a 22 de setembro de 1999, na cidade de Manaus, foi realizada uma reunião entre representantes do MMA e da COIAB. Na ocasião, a COIAB e as organizações indígenas apresentaram suas exigências e reivindicações para, em troca, dar apoio à proposta do PD/I. A principal exigência foi “assumir a condução do programa”, conforme consta do ofício assinado por 26 lideranças indígenas e encaminhado pela COIAB ao MMA, em 23 de setembro de 1999. Por sua vez, a representação do MMA mostrou-se amplamente favorável ao pleito. A mudança de nome de PD/I para PDPI ocorreu formalmente em novembro de 1999, por ocasião do evento realizado em Tefé, no Amazonas, conhecido como Seminário de Tefé. O evento reuniu representantes dos indígenas, de organizações parceiras, do governo brasileiro e dos doadores, e tinha como objetivo definir as bases conceituais, as diretrizes, as regras, os critérios e os procedimentos a serem adotados. Na mesma ocasião, por solicitação do movimento indígena, estabeleceu-se também o nome definitivo do programa (PDPI), em substituição ao utilizado até então (PDI – Projetos Demonstrativos para Populações Indígenas). Como parte dessa nova fase do PDPI, Gersen Luciano Baniwa, originário da região do Alto Rio Negro (AM), assumiu o processo de preparação do projeto no âmbito do MMA nos primeiros meses de 2000 e, posteriormente, a gerência técnica da implantação e implementação do PDPI.14 Em 6 de maio de 2004, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por meio do

14 No caso do PDPI, a COIAB teve participação na indicação da equipe técnica e dos responsáveis por sua coordenação. Nas negociações políticas entre o governo brasileiro (MMA) e o movimento indígena na Amazônia, chegou-se ao entendimento de que um programa como o PDPI só faria sentido se seu coordenador – o gerente técnico – fosse indígena e indicado pela COIAB.

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Secretário de Coordenação da Amazônia, Jorg Zimmermann, indicou Escrawen Sompré (Xerente) como o novo gerente técnico indígena do PDPI. O cargo estava vago desde dezembro do ano anterior, quando Gersen Luciano deixou a gerência técnica para dar continuidade a seus estudos.15 Além do protagonismo do movimento indígena, chama atenção a significativa presença de antropólogos nas diferentes fases de gestação do PDPI. No MMA, na Funai, no Banco Mundial e na GTZ, os antropólogos foram os interlocutores institucionais. Além destes, também foram contratados antropólogos para desenvolver parte dos estudos mencionados; um levantamento e diagnóstico sobre organizações indígenas na Amazônia Legal (que resultou em um banco de dados); uma avaliação de demandas no campo do “fortalecimento institucional” para organizações indígenas (subsídio para o componente fortalecimento institucional, a ser financiado pela agência de cooperação britânica, o Department for International Development – DFID); e na avaliação dos projetos indígenas apoiados pelo PDA (avaliação apoiada pela GTZ); entre outros (Little, 1998, 2003). Os antropólogos também estiveram presentes no corpo técnico do PDPI, junto ao qual desempenharam posição de destaque na mediação entre os interesses e demandas indígenas e as exigências político-administrativas do PDPI de acesso aos recursos financeiros. Geralmente, em virtude de dominarem o discurso oficial do meio indigenista – ora intercultural ora multicultural – e do entendimento comum de que sejam autoridades em assuntos indígenas, os antropólogos são acionados para expor e se expor publicamente sobre assuntos relacionados à gestão dos projetos, sobre o funcionamento ou mau funcionamento do mecanismo de apoio aos projetos etc. No caso do PDPI, a contribuição dos antropólogos foi fundamental para a sua materialização e funcionamento enquanto mecanismo

15 Sompré foi um dos três representantes escolhidos pelo movimento indígena para ocupar o cargo. Esses representantes foram indicados por meio de uma lista tríplice apresentada pela COIAB ao MMA. A Lista foi definida a partir de uma ampla consulta às organizações indígenas de base da COIAB.

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financeiro de integração das contribuições das populações indígenas para a promoção do desenvolvimento sustentável. Como parte da fase de divulgação e coleta de contribuições para a implementação do PDPI, a unidade gestora do PDPI organizou e realizou, entre julho de 2000 e maio de 2001, dezesseis oficinas de divulgação e discussão sobre o PDPI em diferentes regiões da Amazônia Legal. Participaram dessas oficinas aproximadamente oitocentas pessoas de mais de cem povos indígenas da Amazônia. Contou-se para isso com uma doação do fundo fiduciário Policy and Human Resources Development Trust Fund (PHRD). Além de divulgarem os propósitos e as características gerais do mecanismo PDPI, as oficinas serviam para promover a coleta de subsídios à elaboração dos manuais, formulários e outros instrumentos utilizados na fase de implementação.16 As consultas, os estudos preparatórios, as oficinas, bem como a elaboração e a aprovação do documento de projeto (ProdocPDPI) e dos contratos de doação financeira estenderam-se até meados de 2001. Nessa fase preparatória do PDPI, contou-se, basicamente, com o apoio financeiro do Banco Mundial (com recursos oriundos de um fundo mantido pelo governo do Japão para atividades de pré-investimento) e da agência de cooperação técnica governamental alemã GTZ (atualmente GIZ). Inicialmente, o PDPI contava unicamente com recursos para apoiar os projetos apresentados pelas organizações indígenas com um ano de existência legal. Esse recurso procedia de doação do governo da Alemanha, por intermédio do Banco Alemão de Desenvolvimento (KreditanstaltfürWiederaufbau – KfW). Como requisito, as organizações deviam enquadrar suas propostas em pelo menos uma das seguintes áreas temáticas: i) valorização cultural; ii) atividades econômicas sustentáveis; e iii) proteção de territórios. O primeiro repasse de recursos financeiros para iniciativas indígenas só aconteceu em fevereiro de 2003.

16 Duas antropólogas ligadas ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI) participaram, como consultoras, da elaboração do manual de operações e do formulário para apresentação de projetos ao PDPI.

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A partir de 2001, o PDPI passou a contar também com o apoio da agência britânica de cooperação (DFID), que concentrou sua atuação no fortalecimento institucional das organizações indígenas na Amazônia e da própria COIAB. O DFID apoiou a contratação de assessorias especiais, bem como a promoção de oficinas e cursos de capacitação gerencial, técnica e em avaliação de infraestrutura. O componente de fortalecimento institucional incluía a criação de uma rede descentralizada de grupos de referência ligados às organizações indígenas de “segundo grau” em todos os estados da Amazônia. Esses grupos de referência seriam formados por indígenas qualificados para assessorar os executores de projetos locais, constituindose na base político-administrativa regional do PDPI. Este componente do PDPI, que poderia colaborar efetivamente com o empoderamento das organizações indígenas, inclusive para assumirem a gestão do PDPI, teve seu potencial reduzido devido a problemas político-administrativos até hoje não esclarecidos satisfatoriamente. Sua atuação ficou reduzida a ajudas pontuais a algumas entidades indígenas e à formação gestores de projetos indígenas, a qual será tratada mais adiante.17 A implementação do PDPI começou oficialmente na segunda metade de 2001, quando a unidade de gerenciamento começou a operar localizada na cidade de Manaus. Os primeiros projetos começaram a chegar à Unidade de Gerenciamento do PDPI a partir de dezembro do mesmo ano. Após um ano de atividades, o PDPI havia recebido 112 projetos encaminhados por organizações indígenas e por entidades indigenistas com atuação na Amazônia brasileira. Destes, 82 projetos (o equivalente a 73,2% do total) foram classificados pelos técnicos do PDPI na área temática “atividades econômicas sustentáveis”. Uma característica geral identificada na ocasião foi que os projetos vinham carregados de uma quantidade significativa de

17 Até janeiro de 2006, o PDPI contava com 76 projetos aprovados, dos quais mais de 70% destinavam prioritariamente para o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis. Há uma predominância de projetos voltados para a geração de renda complementar, seja potencializando atividades já desenvolvidas com esta finalidade seja introduzindo novos processos de produção baseados no manejo e beneficiamento dos recursos naturais localmente existentes.

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elementos de infraestrutura (como computador, barco, Toyota e outros equipamentos), considerados então sem vinculação direta com as atividades propostas (Almeida, 2003). Nesse período inicial, era perceptível, especialmente, entre os técnicos da unidade gestora, a necessidade de o PDPI ser mais que um simples financiador de projetos de organizações indígenas. Considerando-se os objetivos do PDPI, era estratégica e imprescindível a incorporação de um componente destinado, especificamente, ao fortalecimento das capacidades locais em gestão de projetos. O PDPI realizou sete oficinas de capacitação na elaboração de projetos voltadas para assessores e representantes indígenas, tendo em vista aperfeiçoar a qualidade dos projetos. De acordo com os técnicos à época, durante a triagem dos projetos, ocorria um intenso processo de discussão junto às organizações indígenas, com o propósito de auxiliá-los a melhorar a qualidade de suas propostas. Mesmo assim, percebia-se que, para um documento de projeto, eram suficientes o redesenho e uma maior clareza de definição sobre o que os proponentes queriam alcançar, o percurso necessário para atingir o objetivo traçado e os meios disponíveis para tanto. Os projetos também dependiam de aprovação. Assim, todos os projetos aprovados pelo PDPI passavam por um processo de capacitação inicial, em que se elaborava o “marco zero” do projeto, rediscutiam-se seus orçamentos e cronogramas de execução, e apresentava-se aos gestores dos projetos as regras de compra e prestação de contas que deveriam ser seguidos. Com isso, esperava-se identificar e superar problemas e prevenir outros.18 A intenção era boa, mas ainda insuficiente. Em muitos dos projetos aprovados na primeira leva, por exemplo, o atraso no repasse dos recursos ocasionou um descompasso entre o que havia sido planejado para determinada época do ano (por exemplo, no que se refere ao plantio ou coleta de sementes) e o início efetivo da execução do projeto. Em vários casos, foi necessária uma reestruturação de projetos já aprovados pela Comissão Executiva do PDPI.

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Ver Matos (2007).

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A ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DO PDPI 4

Na estrutura de funcionamento do PDPI, distinguem-se mais claramente os seguintes componentes: 1)

Unidade de Gerenciamento (UG): inicialmente instalada em Manaus ( Amazonas). Corresponde à equipe de pessoas que gerencia o funcionamento do PDPI. Incluía um gerente técnico indígena;19 a equipe de assessores técnicos, responsáveis pela análise e pelo acompanhamento dos projetos; as equipes administrativa e financeira, que cuidavam tanto das atividades da UG quanto do acompanhamento da execução dos projetos; e a assessoria de disseminação e políticas públicas. A UG contava ainda com a assessoria técnica de peritos das agências vinculadas aos governos doadores (GTZ e DFID) e com estagiários indígenas.

2)

Comissão Executiva (CE): é a instância deliberativa máxima do PDPI. Tinha como responsabilidade determinar as principais diretrizes do programa; discutir e aprovar os projetos a serem contemplados com financiamentos; e monitorar e avaliar a eficiência e eficácia do trabalho da UG. A partir de uma pauta previamente estabelecida e de um conjunto de projetos analisados pela equipe técnica, os membros da CE debatiam os diversos assuntos indicados entre si e com membros da UG e convidados de instituições e organizações indígenas. Entretanto, a deliberação final era dos membros da CE, com voto de “Minerva” do gerente técnico da UG. A CE realizava reuniões periódicas, e sua composição era paritária, com oito membros, sendo quatro representantes indígenas, indicados pela COIAB e quatro representantes de órgãos do governo brasileiro (Funai, Ibama, MMA e Banco do Brasil). No caso de os projetos em pauta estarem situados em regiões de corredores ecológicos, a composição da CE era acrescida de mais duas

19 No período de 2001-2011, o PDPI teve três gerentes originários de povos indígenas: Gersem dos Santos Luciano, da etnia Baniwa (AM); Escrawen Sompré, da etnia Xerente (TO); e Euclides Pereira, da etnia Macuxi (RR).

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pessoas: um representante do Projeto Corredores Ecológicos/ PPG7 e outro do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). 3)

Grupo de Análise de Projetos (GAP): é formado por um grupo de consultores especializados, com incumbência de analisar as propostas de projetos e emitir pareceres técnicos, com base nos itens do manual do parecerista do GAP. Seus nomes não são revelados às entidades proponentes e executoras dos projetos apresentados nem à CE, tendo em vista assegurar o sigilo e a independência na emissão dos pareceres.

4)

Grupo de Apoio para Elaboração de Projetos (GAPEP): é formado por profissionais especialistas em diversas áreas do conhecimento e com experiência em elaboração e gestão de projetos. Esses consultores são enviados para assessorar as organizações indígenas na elaboração de seus projetos. Os consultores do GAP e GAPEP têm seus currículos avaliados e aprovados pela CE.

5)

Fortalecimento Institucional (FI): foi inicialmente financiado pela agência de cooperação britânica, o DFID, atuando no apoio a projetos. Suas principais linhas de atuação são capacitação, apoio institucional às organizações indígenas e apoio à articulação indígena. Pretende-se, com isto, que os povos indígenas estejam mais capacitados e fortalecidos para defender efetivamente seus interesses e promover seus direitos.

Comissão Executiva

Unidade de gerenciamento

GAP

GAPEP

Fortalecimento institucional

Figura 1 – PDPI: estrutura de funcionamento

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Além disso, na implementação do PDPI, havia, por um lado, o Banco do Brasil (BB), como instituição financeira responsável pela movimentação dos recursos do programa e pelo repasse dos recursos financeiros aos executores dos projetos aprovados pela Comissão Executiva; e, por outro lado, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), agência de cooperação internacional para a qual eram repassados recursos nacionais e que dava suporte administrativo ao desenvolvimento de várias atividades do PDPI (contratação e manutenção da equipe base, realização do pagamento de consultores etc.).

FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL: A FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS 5

O Fortalecimento Institucional (FI) constitui, juntamente com o apoio aos projetos das organizações indígenas, um dos principais componentes do PDPI. Seu objetivo consiste em fortalecer o movimento indígena, aperfeiçoando suas capacidades organizacionais, técnicas, gerenciais e políticas. Embora já existisse certo consenso desde o primeiro momento das articulações que resultaram no PDPI, em relação à importância e à necessidade de haver um componente destinado a esse fortalecimento das capacidades e ao desenvolvimento organizacional das lideranças e organizações indígenas, foi somente em 2003, coincidindo com o início do repasse de recursos financeiros para as iniciativas indígenas, que o componente de FI do PDPI conseguiu se estruturar e entrar em operação. Com o apoio do governo britânico, por intermédio do DFID, o novo componente focou sua ação, inicialmente, na formação de indígenas para a gestão de projetos em suas comunidades.20

20

Com duração de cinco anos, o Componente de Fortalecimento Institucional se

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O esboço de um possível curso para a formação de gestores indígenas de projetos foi estabelecido no Encontro de Coordenadores Regionais dos Grupos de Referência (GR) do PDPI, realizado na cidade de Manaus, entre os dias 18 e 21 de agosto de 2003.21 Na oportunidade, foi estabelecido o esboço preliminar de um possível curso para a formação de gestores de projetos indígenas. Decidiu-se também pela contratação de uma consultoria técnica para apresentar uma proposta detalhada de um curso de formação. Posteriormente, por ocasião do encontro de apresentação do Programa de Formação para Gestores de Projetos Indígenas do PDPI/MMA, realizado também em Manaus, no período de 9 a 12 de dezembro de 2003, a construção coletiva teve continuidade. Aprofundou-se a discussão do tema e procedeu-se os ajustes necessários na proposta do curso no respectivo plano pedagógico.22 Durante a Missão de Avaliação do PDPI, realizada em Manaus, entre 5 e 7 de abril de 2004, foram reajustados os tetos dos subprojetos a serem financiados pelo PDPI. Os antigos valores foram definidos no início de 2001, com base na taxa cambial do dólar da época. Dada a variação cambial e a inflação

propôs a contribuir para alcançar o seguinte objetivo: “Fortalecer a capacidade dos povos indígenas de melhorar a sua qualidade de vida através da melhoria das suas capacidades organizacionais, técnicas e de gestão”. Por decisão unilateral, em 2005 o DFID sai da cooperação bilateral com o PDPI/MMA. Na Revisão de Meio Termo do DFID ficou definido que a parcela dos recursos financeiros disponíveis seria destinada ao apoio de Cursos Regionais. 21 Entre os dias 25 e 28/03/2002, o PDPI organizou uma reunião em Belém (PA) para discutir os princípios e a operacionalização da ação de fortalecimento institucional de organizações indígenas. O encontro contou com a presença de representantes de organizações indígenas, do Instituto Socioambiental (ISA); do Centro de Trabalho Indigenista (CTI); da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC); da Operação Amazônia Nativa (OPAM); do Conselho Indigenista Missionário (CIMI); do DFID; do PDA; da Unidade de Gestão do PDPI e do Projeto Integrado de Proteção às Terras e Povos indígenas da Amazônia Legal Brasileira (PPTAL/FUNAI). Na ocasião foi definida a criação de um Grupo de Referência (GR), coordenado por um representante indígena indicado pelas bases e nomeado pela Unidade de Gestão do PDPI. Dada a crescente necessidade de descentralização da base de operações do programa, até então sediada em Manaus, foi definido que o GR trabalharia em seis regiões: Maranhão; Tocantins; Mato Grosso; Pará; Amapá; Acre; Rondônia; Amazonas e Roraima. Esta rede descentralizada acompanharia a implementação dos projetos esclarecendo e capacitando as organizações indígenas envolvidas. Contava para isso com recursos de dois milhões de libras; que na época equivalia à aproximadamente a seis milhões de reais; oriundos da agência de cooperação britânica DFID. 22 Cf. Ministério do Meio Ambiente, 2004.

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naquele período, a Missão de Avaliação decidiu reajustar os valores para os seguintes tetos: i) até R$ 100 mil para pequenos projetos; e ii) de R$ 100 mil a R$ 400 mil para grandes projetos. Assim, foi possível dar maior abrangência aos projetos de modo geral, e em especial, aos projetos destinados à realização dos cursos de formação. Entre 2004 e 2011, o PDPI promoveu oito cursos de formação de gestores indígenas, sendo sete voltados para gestão de projetos e um para gestão de organizações indígenas. A primeira versão do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas foi elaborada pelo PDPI em parceria com a COIAB. O curso teve início em maio de 2004, com 30 vagas para representantes indígenas, indicados por organizações indígenas de todos os estados da Amazônia, e foi concebido como um curso de aperfeiçoamento. Tinha duração prevista de um ano, dividido entre módulos presenciais e períodos de aprendizagem a distância, nos locais de origem de cada cursista. Os módulos presenciais foram realizados em Manaus, no Amazonas, e na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso. Por sua vez, o encerramento se deu em Brasília (DF). Nas versões posteriores, de 2008 a 2011, o curso foi estruturado em módulos sequenciais – módulos de concentração, presenciais, reunindo todos os cursistas –, seguidos de módulos de dispersão – quando cada qual seguia para sua comunidade com tarefas específicas. Apesar dos resultados alcançados, os organizadores reconheceram que o número de gestores formados nesse curso representava uma parcela muito pequena da demanda apresentada pelas mais de cem de organizações indígenas na região. Nas palavras de seus organizadores, o objetivo do curso era “repassar as ‘ferramentas’ teóricas e práticas adequadas para a formação de gestores de projetos que contribuam para a melhoria das condições de vida e o fortalecimento político e cultural das sociedades indígenas”. Pode-se dizer que os cursos têm, entre seus propósitos, operar certo condicionamento

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do pensamento dos indígenas selecionados ao raciocínio necessário à lógica de projeto. Assim, incluem não somente a introdução de noções e o aprendizado teórico de procedimentos relacionados mas também a aplicação em situações concretas a partir das realidades locais das suas comunidades e/ou povos de origem.23 Com a coordenação do PDPI e o financiamento do governo britânico por meio do DFID, o curso contou, ainda, com a colaboração das seguintes entidades: COIAB, Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI) e GTZ. Para Alexandre Goulart de Andrade e Darci Secchi (2006), ambos professores do Instituto de Educação da UFMT e consultores contratados para coordenar a implementação do plano de trabalho do curso, A incorporação da participação e da responsabilização compartilhada tomou força na medida em que se percebeu que o protagonismo indígena no âmbito dos projetos só será possível se forem assegurados os espaços estratégicos para a sua consolidação, e entre eles, o domínio dos saberes relativos a sua gestão (entendida numa perspectiva bem ampla). [...] O curso foi estruturado em módulos sequenciais que contemplam conteúdos teóricos e práticos, ações individuais e coletivas, além de envolvimento institucional e interinstitucional que possibilitassem a sua consecução. Ainda do ponto de vista organizacional, o curso teve a seguinte configuração: a) foi parte integrante do “Componente Fortalecimento Institucional” do PDPI. A execução, coordenação e acompanhamento do curso estiveram a cargo do PDPI; b) teve a participação de 30 cursistas indicados pelas organizações indígenas e selecionados de acordo com critérios

23 Isso fica evidente nos depoimentos dos cursistas que integram esta publicação. Ver também o item “Desafios do gestor indígena”, do Guia para a formação em gestão de projetos indígenas (Almeida, 2008).

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técnicos (formação escolar, familiaridade com projetos); c) foi concebido como um curso de aperfeiçoamento, certificado pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT); d) foi organizado em cinco módulos ou etapas de estudos presenciais (“Módulos de Concentração”), com duração média de 120 horas cada (cerca de 18 dias), e em cinco períodos de estudos dirigidos (“Módulos de Dispersão”), com duração média de 60 dias, realizados nos locais de origem dos cursistas, entre uma etapa intensiva e outra; e) teve uma carga horária total de 1.500 horas, distribuídas em estudos presenciais (5 etapas) e estudos e atividades de campo (4 etapas); e f) contou ao final com um seminário integrador com a presença de vários atores (governo federal, ONGs, cooperação internacional) que apoiam políticas, programas e projetos direcionados aos povos indígenas e com a apresentação dos trabalhos de conclusão de curso (“dossiês”).24 O curso durou 12 meses (tendo sido concluído em junho de 2005) e contou com os seguintes temas centrais (módulos): i) realidade indígena brasileira; ii) diagnóstico geral de projetos; iii) formulação, apresentação e financiamento de projetos; iv) implantação, acompanhamento e avaliação de projetos; e v) lições aprendidas e perspectivas dos gestores de projetos. O conceito de “ciclo de vida de projetos”, que abrangeu todas as etapas e atividades relacionadas à gestão de projetos, foi crucial para a abordagem desses temas e encadeamento de seus conteúdos. Por meio deste conceito, tornou-se mais fácil a tarefa de relacionar as várias etapas de gestão de projetos, notadamente as suas três dimensões cruciais: diagnóstico participativo; planejamento, elaboração e execução; e monitoria e avaliação.

Como já mencionado, as duas primeiras etapas presenciais do curso foram ministradas em Manaus (AM), e a terceira, na

24 Participaram do seminário integrador representantes de diversas instituições: Ministério da Educação (MEC), Universidade de Brasília (UnB), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Cooperação Técnica Alemã (GTZ), KFW, Cooperação Técnica Britânica (DFID), Agência de Cooperação dos Estados Unidos (USAID), Embaixada da Noruega, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Conselho Indígena de Roraima e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.

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Chapada dos Guimarães (MT). Segundo Cássio Sousa (2010), esse curso, tal como foi planejado e implementado, com alunos representantes das diversas regiões da Amazônia, teve um custo elevado, o que torna o modelo de difícil replicabilidade. O total gasto foi de aproximadamente R$ 1,059 milhão, entre passagens e hospedagens dos participantes, passagens, hospedagens e honorários dos docentes, bolsas de estudo a todos os alunos etc. A seleção dos cursistas se deu a partir de divulgação entre as organizações indígenas da Amazônia. Solicitou-se que indicassem possíveis representantes, mediante a apresentação de seus currículos. Em seguida, os alunos foram selecionados com base em critérios como: região de pertencimento, escolaridade, envolvimento com o movimento indígena, contato com o “mundo dos projetos” e disponibilidade para estar envolvido/a em um curso durante um ano inteiro. Entre agosto e dezembro de 2006, implementou-se uma segunda iniciativa de formação, desta vez de gestores de organizações indígenas. Com foco regional na Amazônia Oriental, o curso foi realizado em Imperatriz (MA), numa parceria do PDPI com a GTZ e a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA). O curso formou trinta gestores indígenas do Maranhão, Amapá, Pará, Mato Grosso e Tocantins. No segundo semestre de 2006, também teve início a avaliação de meio termo do PDPI, com o objetivo de avaliar o andamento do programa e implementar modificações em alguns de seus aspectos. Ainda nesse mesmo ano, ocorreu a transferência da Unidade Gestora do PDPI de Manaus para a cidade de Brasília, o que criou instabilidade e descontinuidade de algumas ações. Por ocasião da Oficina de Avaliação do Componente de Fortalecimento Institucional do PDPI, realizada em Manaus, entre 11 e 12 de julho 2006, os participantes afirmaram que, entre os esforços de capacitação de lideranças indígenas desenvolvidos, destaca-se o Curso de Gestores Indígenas, considerado de fundamental importância para alcançar os objetivos desse componente e do PDPI como um todo. Na

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ocasião, destacou-se como dificuldade e desafio o fato de as metodologias de ensino para esses temas (capacitação em gestão de projetos) dentro do contexto indígena ainda estarem em construção no Brasil e não estarem adequadamente documentadas. Também foi assinalado que a eficácia de um curso depende muito de quem está conduzindo o processo de capacitação. Verificou-se, ainda, que alguns gestores indígenas capacitados enfrentavam dificuldades técnicas e gerencias para pôr em prática o aprendizado, e alguns enfrentavam dificuldades pessoais e barreiras culturais para atuar como gestores de projetos nas suas comunidades. Nesse sentido, foram citadas como exemplos a “barreira da desconfiança” e as noções sobre “remuneração” e sobre “deveres” dos gestores indígenas (“índio não deve cobrar pelos serviços”).25 A avaliação dos subprojetos do PDPI de número 60, 75 e 33, realizada, em novembro de 2006, por Andrew Miccolis (consultor independente), a pedido do PDPI, também jogou luz sobre a problemática das dificuldades e desafios da gestão indígena de projetos.26 A seguir, destacam-se algumas tendências encontradas pelo consultor nos três projetos, o que, em sua opinião, podem servir como lições em situações semelhantes: De modo geral, ficou clara a necessidade de dar maior ênfase ao acompanhamento técnico qualificado e permanente e à capacitação técnica e gerencial das organizações e comunidades indígenas envolvidas. As falhas técnicas constituíram empecilho significativo em diferentes momentos dos três projetos, desde o planejamento até a implantação e coordenação das atividades de campo. Constatamos, ainda, que os esforços de capacitação, como a oficina de capacitação inicial e as tentativas de “capacitação em serviço” por parte dos técnicos contratados e parceiros locais dos projetos, de modo geral, não contribuíram suficientemente para capacitar os índios. Para tal, é necessário investir mais recursos em

25 Cf. Miccolins, 2006. 26 Os projetos avaliados pelo consultor tinham como protagonistas três povos indígenas: os Krahô, no estado do Tocantins; e os Kanela e Timbira da Terra Indígena Geralda Toco Preto, no estado do Maranhão.

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cursos específicos de capacitação e selecionar técnicos com perfil adequado, tanto nas técnicas de campo quanto em metodologias participativas, de forma a propiciar maior envolvimento e aprendizado por parte dos índios no decorrer da implantação e, no final das contas, permitir o sucesso e a continuidade das atividades. (Miccolis, 2007, p. 4).

Concomitante ao esforço de fortalecimento das capacidades para a gestão de projetos pelas organizações indígenas, em março de 2007, foi proposta e aprovada, durante reunião da Missão Tripartite do PDPI, uma estratégia de descentralização regional do PDPI. Foram criados três núcleos regionais, abarcando as seguintes regiões: i) Médio Solimões e Meio e Baixo Rio Negro; ii) Alto Solimões, ambos no estado do Amazonas; e iii) no estado do Maranhão.27 Os núcleos regionais, assim como os cursos, integraram o componente Fortalecimento Institucional do PDPI. Esses núcleos tinham como objetivo principal assessorar as organizações e as comunidades na elaboração e implementação de projetos, devendo contar para isso com um assessor técnico e um gestor indígena. Em junho de 2007 foram definidas as organizações executoras responsáveis por cada núcleo, assim distribuídas: no Médio Rio Solimões, Confederação das Organizações Indígenas e Povos do Amazonas (Coiam); no Alto Rio Solimões, a Federação das Organizações dos Caciques e Comunidades Indígenas da Tribo Tikuna (FOCCITT); e no Maranhão, a Coordenação das Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima). Para cada um dos núcleos, previa-se a contratação de dois profissionais para atuação em assistência técnica aos projetos indígenas – um assessor técnico e um gestor indígena –, ambos com o objetivo de acompanhar, dar assistência técnica e auxiliar na elaboração e execução de subprojetos apoiados pelo PDPI junto às comunidades indígenas da região. Segundo Cássio Sousa (2010), que, à época, era técnico da Unidade de Gerenciamento do PDPI, por problemas diversos ligados

27 Originalmente foi prevista a criação de 5 núcleos regionais. Além dos acima citados, foi previsto um no Acre e outro em Rondônia. Em todos os núcleos reviu-se que a sede seria na organização indígena.

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à política indígena regional no Alto Solimões (divergências internas entre os próprios Ticuna), o núcleo dessa região não foi sequer implantado, criando um estado de frustração entre a população indígena local. Já o Núcleo do Médio Solimões, que chegou a ser implantado em 2007, iniciou seus trabalhos em 2008, mas teve seu trabalho interrompido em decorrência de problemas na gestão dos recursos pela organização responsável. O único que efetivamente funcionou foi o Núcleo do Maranhão, que avançou na implementação da estratégia originalmente estabelecida, tendo elaborado e acompanhado vários projetos no estado. Com base na experiência acumulada com a primeira edição dos cursos (2004-2006), e a partir da sistematização do material didático utilizado no e a partir do curso de 2004 e 2005, em 2008, foi elaborado e publicado o Guia de formação de gestores indígenas. Esse guia foi a principal referência na estruturação dos seis cursos realizados a partir de então.28

A FORMAÇÃO EM GESTÃO DE PROJETOS INDÍGENAS 6

A partir das duas experiências de formação mencionadas na seção anterior, mais seis cursos de formação de gestores de projetos indígenas receberam apoio. Em 2008, o PDPI lançou uma chamada dirigida para organizações da sociedade civil e indígenas interessadas em coordenar e implementar a realização de cursos regionalizados para a formação de gestores indígenas do PDPI. Os projetos para os cursos foram elaborados em cada uma das regiões pelas organizações proponentes e executoras, com o apoio de consultores especializados contratados pelo PDPI.

28 No caso do curso coordenado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), também foi feito uso do manual Gestão de associações no dia-a-dia, de José Strabeli (2005).

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Seguindo a ritualística procedimental do PDPI, os projetos foram apresentados, julgados e aprovados na XIII Reunião da Comissão Executiva do PDPI, realizado entre os dias 14 e 18 de julho de 2008, no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Imperatriz, no Maranhão. QUADRO 1 – Dados orçamentários dos projetos de curso29 Número do projeto

Organização proponente

UF

Data de assinatura do contrato

Valor do contrato (R$)

AM

23/10/2008 439.886,70

396

Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN

398

Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB

400

Conselho Indígena de Roraima – CIR

409

Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txihuyana – APITIKATXI

410

Centro Indígena de Estudos e Pesquisas – CINEP29

AM

20/11/2008 337.600,00

425

Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa de Mato Grosso – MAIWU

MT

05/05/2009 424.233,92

458

Centro Indígena de Estudos e Pesquisas – CINEP

AM

16/07/2009 439.670,00

RO/AM 06/10/2008 439.995,60 RR

04/05/2009 439.874,60

AP/PA 19/06/2009 439.923,60

Fonte: Ministério do Meio Ambiente (out. 2012).

Esses cursos tiveram focos regionalizados e o impacto esperado na ocasião era a formação de 240 gestores indígenas, selecionados em meio a 137 etnias. Pelos dados reunidos até o momento, os seis cursos atingiriam o número máximo de 159 indígenas formados em gestão de projetos. Destes, 26 ainda necessitam concluir o quinto módulo e apresentar o trabalho final (são os cursistas em formação pelo Conselho Indígena de

29 No caso dos projetos 410 e 458, a executora foi a COIAM – Confederação das Organizações Indígenas e Povos do Amazonas.

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Roraima – CIR). Vários fatores influenciaram na diferença entre a meta inicial de gestores indígenas a serem formados (240) e os que efetivamente chegaram ao final aprovados e diplomados. Há casos de cursistas que adoeceram ou ficaram com receio de adoecer (dengue, gripe H1N1); outros decidiram largar o curso por solicitação familiar (pais, esposas ou maridos); houve casos de exclusão devido a comportamento inadequado (alcoolismo), e outros se sentiram desestimulados. Quadro 2 – Informações gerais dos cursos (2008-2011) Número Título do projeto

396

398

400

409

Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas – FOIRN

Proponente/ Executora

Abrangência

Organizações parceiras

Alunos formados

FOIRN

TI Alto Rio Negro, TI Médio Rio Negro I, TI Médio Rio Negro II, TI Rio Tea, TI Balaio, TI Balaio, TI Yanomami.

Escola Agrotécnica Federal de São Gabriel, Nepe/UFPE, UFAM, UEA, ISA, Ifam, SEMEC, Funai, Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.

25

Kanindé, UNIR, Conselho Cinta Larga, Omiram, FOIR.

22

Curso de IEB/ Gestores de Associação Rondônia, Projetos Indígenas do Fórum das Noroeste de – Rondônia, Organizações Mato Grosso e Noroeste de Mato do Povo Sul do Amazonas. Grosso e Sul do Paiter Suruí Amazonas (Paiterey) Formação de Gestores de Projetos das Estado de Comunidades CIR Roraima Indígenas no Estado de Roraima Curso de Formação de Gestores de Amapá e norte APITIKATXI Projetos Indígenas do Pará do Amapá e Norte do Pará

Até o 4o Núcleo Insikiran/UFRR, módulo Funai, TNC e INPA/RR. havia 26 cursistas

IEPÉ, ACT, Universidade Estadual do Amapá, APIWATA, MDA, Fundação Banco do Brasil.

28

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Número Título do projeto

410 e 458

425

Proponente/ Executora

Abrangência

CINEP/ Curso de Confederação Formação de das Gestores de Corredor Central Organizações Projetos Indígenas da Amazônia Indígenas – Corredor Central (CCE). e Povos do da Amazônia (I Amazonas e II) (COIAM) Curso de Formação de Gestores e Gestoras Indígenas do Mato Grosso

Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa do Estado do Mato Grosso

Estado do Mato Grosso

Organizações parceiras

Alunos formados

UFAM, UEA, FVA, Projeto Nova Cartografia Social (PNCSA).

34

Organização dos Professores Indígenas de MT, Funai, Universidade Estadual de Mato Grosso, Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, Funasa.

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Fonte: Ministério do Meio Ambiente (out. 2012).

A maior parte dos cursos foi implementada entre 2009 e maio de 2011. Nesse meio tempo, com o apoio da GTZ, o PDPI promoveu, nos dias 23, 24 e 25 de junho de 2009, no Centro de Treinamento Laura Vicuña, em Manaus, o Encontro de Intercâmbio de Experiência de Cursos de Gestores de Projetos Indígenas. O encontro tinha como objetivo geral se constituir em momento de reflexão sobre a formação indígena e, a partir disso, definir os próximos passos. Antes do início da execução de cada projeto, a equipe do PDPI realizava um “curso de capacitação inicial” com os responsáveis, no qual eram abordados temas como gestão de projetos, compras e licitações, prestação de contas etc. Além disso, esse curso era o momento para a realização de ajustes na programação e estabelecer o Marco Zero do projeto. Importa registrar que, dos seis cursos, todos foram tecnicamente concluídos, com exceção do curso coordenado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). Segundo informação oral obtida

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recentemente de Klinton Vieira Senra (gerente de Fomento e Projetos no Departamento de Extrativismo da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural do MMA) e André Carlos Schiessl (analista ambiental do PDPI/MMA), o MMA e o CIR estão em processo de negociação visando retomar e concluir o curso. O coordenador pedagógico do curso, o professor Marcos Antônio Braga de Freitas, do Núcleo Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR) também confirmou a informação. Entre as últimas atividades relacionadas aos cursos de Formação em Gestão de Projetos Indígenas de que se teve notícias, duas têm especial interesse. A primeira foi a Oficina de Elaboração do Plano de Sistematização dos Cursos, realizada no Instituto Israel Pinheiro, em Brasília, no período de 3 a 6 de maio de 2011. A segunda foi Oficina de Construção do Plano de Trabalho para Sistematização e Disseminação do PDPI, realizada também em Brasília, nos dias 3 e 4 de abril de 2012. Em ambos os eventos, nota-se a preocupação com a proximidade do final do projeto PDPI, mas, principalmente, a preocupação em como essa experiência de quase onze anos de implementação30 pode ser útil para além dela. Ou seja, como essa experiência pode servir às necessidades do movimento indígena no diálogo com o Estado e na luta por orientar políticas públicas mais efetivas? Como tirar dela resultados concretos, cujos aprendizados indiquem como influenciar as políticas públicas; por que caminhos e com que estratégias seguir para que essa experiência seja efetivamente incorporada pelo governo, pela cooperação e pelas próprias organizações indígenas? Como transferir suas lições às pessoas que não participaram desse processo, especialmente àquelas que vêm afluindo aos cargos públicos e que estão trabalhando ou que irão trabalhar junto aos povos indígenas? Como fazer com que a experiência de alguns possa ser compartilhada e se tornar experiência de muitos? Essas foram apenas algumas das questões que emergiram em ambos os eventos.

30 Período durante o qual 177 subprojetos (iniciativas indígenas) foram apoiados e oito cursos de formação de indígenas em gestão de projetos foram realizados.

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Como salientado por um dos participantes da oficina de 2012, o PDPI foi uma experiência no campo de etnodesenvolvimento, e veio responder a uma demanda clara; teve participação do movimento indígena e uma gerência com representação indígena. Com o iminente encerramento dos trabalhos do PDPI, resta saber quais os meios e estratégias que o governo brasileiro empregará para “fortalecer as perspectivas de sustentabilidade econômica, social e cultural dos povos indígenas da Amazônia Legal, aliada à conservação ambiental de suas terras”.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fábio Vaz Ribeiro de. Um balanço dos projetos indígenas enviados ao PDPI, Revista Anthropológicas, ano 7, v. 14, n. 1/2, 2003. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ revistaanthropologicas/index.php/revista/issue/view/6>. Acesso em: 10 set. 2012. (Dossiê Antropologia Indígena) ALMEIDA, Fábio Vaz Ribeiro de (Org.). Guia para a formação em gestão de projetos indígenas. Brasília: Paralelo 15, 2008. ANDRADE, Alexandre Goulart de; SECCHI, Darci. O protagonismo indígena na gestão de projetos. Jornal Página 20, Rio Branco, 19 e 20 mar. 2006. Disponível em: <http://pagina20.uol.com. br/19032006/papo_de_indio.htm>. BARRETO FILHO, Henyo T. Meio ambiente, ‘realpolitik’, reforma do Estado e ajuste fiscal. In: ROCHA, D.; BERNARDO, M. (Org.). A Era FHC e o governo Lula: Transição? Brasília: INESC, 2004. p. 329-358. FASE – FEDERAÇÃO DE ÓRGÃOS PARA ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL; IBASE – INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS. Seminário de Estudos sobre o Programa Piloto para a Amazônia. Belém, 1 a 4 fev. 1993. Anais... Rio de Janeiro: Fase, 1993. FATHEUER, Thomas. O programa piloto no contexto internacional: o caso da Alemanha. Motivações globais e

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novos mecanismos internacionais de política ambiental. In: SEMINÁRIO DE ESTUDOS SOBRE O PROGRAMA PILOTO PARA A AMAZÔNIA. Anais... Rio de Janeiro: FASE/IBASE, 1993. FATHEUER, Thomas. Novos caminhos para a Amazônia? O programa-piloto do G-7: Amazônia no contexto internacional. Rio de Janeiro: FASE/SACTES, 1994. (Cadernos de Proposta, n. 2.) HAGEMANN, H. Not out of the woods yet. The scope of the G-7 initiative for a pilot program for the conservation of the Brazilian rainforest. Saarbrucken: Verl. FurEntwicklungspolitikBreitenbach, 1994. LITTLE, Paul E. Rumo ao PDI: análise comparativa e prospectiva dos subprojetos indígenas do PDA. Brasília: Banco Mundial, 1998. (Relatório de avaliação) LITTLE, Paul E. Avaliação dos subprojetos indígenas do PD/A da Amazônia Legal com a utilização de uma metodologia desenhada para atender às sociedades indígenas do Brasil. Brasília: GTZ, 2003. MANCIN, Rinaldo C. Estado e sociedade na busca do desenvolvimento sustentável em projetos demonstrativos. 2001. 135 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Universidade de Brasília, Brasília, 2001. MATOS, Maria Helena Ortolan. Execução e gestão de projetos indígenas: criando tradição e/ ou reflexão? In: SOUSA, Cássio Noronha Inglez de et al. (Org.) Povos indígenas: projetos e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2007. p. 21-36. MICCOLIS, Andrew. Consultoria para a avaliação final de subprojetos do PDPI (versão preliminar). [S.l.]: [s.n.], 10 jan. 2007. (Relatório avaliação DOS subprojetos n. 60, 75 e 33) PARESCHI, Ana Carolina. Desenvolvimento sustentável e pequenos projetos: entre o projetismo, a ideologia e as dinâmicas sociais. 2002. 362 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília, 2002.

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PINTO, Rogério F. S. Gestão e administração do setor público. Brasília: MMA, 2006. RUEDA, Rafael Pinzón et al. Avaliação do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Brasília: MMA, out. 2006. (Resumo Executivo) SOUSA, Cássio Noronha Inglez de et al. (Org.) Povos indígenas: projetos e desenvolvimento II. Brasília: Paralelo 15; Rio de Janeiro: Laced, 2010. STIBICH, Ivan A. Povos indígenas, etnodesenvolvimento e sustentabilidade ambiental na Amazônia Legal: uma interpretação antropológica da formação do PDPI a partir dos seus documentos preparatórios. 2005. 154 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília, 2005. STRABELI, José. Gestão de associações no dia-a-dia. São Paulo: ISA, 2005. VERDUM, Ricardo. Etnodesenvolvimento e mecanismos de fomento do desenvolvimento dos povos indígenas: a contribuição do subprograma Projetos Demonstrativos. (PDA). In: LIMA, A. C. S.; BARROSO-HOFFMANN, M. (Org.). Etnodesenvolvimento e políticas públicas: bases para uma nova política indigenista. Rio de Janeiro: Contra Capa; LACED, 2002. p. 87-105.

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O OLHAR INDÍGENA SOBRE O CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS parte 2


Aqui estão reunidos doze depoimentos de cursistas indígenas, ou seja, uma pequena amostra dos mais de 150 indígenas que iniciaram e concluíram os cursos de formação. Esses cursistas foram indicados pelas equipes que participaram da implementação dos cursos e, em alguns casos, a própria equipe recolheu o depoimento, em outros, o organizador desta publicação contatou as pessoas indicadas para solicitar elaboração do texto. Os relatos trazem diferentes trajetórias de vida, bem como diferentes perspectivas sobre o curso realizado. Alguns relatos enfatizam os desafios enfrentados pelos cursistas, sejam homens ou mulheres, assim como tratam dos momentos de angústia e incerteza decorrentes da percepção das limitações pessoais, culturais e de formação para compreender e acompanhar a dinâmica de trabalho, que envolvia leituras, trabalhos em grupo e individuais, novas palavras, conceitos e definições etc. Têm-se, ainda, as expectativas geradas em relação às possibilidades e oportunidades que o curso poderia proporcionar num futuro próximo – um futuro em que aparecem misturados expectativas individuais e os anseios de contribuir com a melhoria das condições de vida familiar, comunitária, do seu povo de origem e do conjunto dos povos indígenas no país. Os relatos também permitem vislumbrar e de alguma forma penetrar em algumas percepções e reflexões individuais dos cursistas sobre as transformações cognitivas, epistemológicas e políticas por que passaram propiciadas pelo curso. Algumas são mais frias, mais técnicas, em que o discurso transita mais pelo campo dos conhecimentos adquiridos e pelas oportunidades profissionais e de carreira. Outras vão além, expondo os conflitos e as mudanças mais profundas ocorridas individualmente. Com certeza, os relatos são mais ricos do que o aqui pode ser descrito sinteticamente e merecem serem lidos com calma também nas entrelinhas. Há muitas pistas sobre o que foi e sobre o que pode vir a ser um novo ciclo de formação de gestores indígenas de projetos.

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MARIA DAS GRAÇAS COSTA SILVA Nasci no Município de Boca do Acre (AM), em 17 de dezembro de 1967. O povo com o qual me identifico é o Povo Manchineri. Primeiro por questões familiares e em segundo por ter realizado estudos durante a graduação com os professores Manchineri para o trabalho de conclusão de curso pela Universidade Federal do Acre. Participei do Curso de Gestores de Projetos Indígenas no período de 2004 a 2005. Os módulos presenciais foram realizados na cidade de Manaus (AM), Chapada dos Guimarães (MT) e Brasília (DF). Minha aplicação prática ocorreu na Terra Indígena Mamoadate, com o Povo Manchineri, para desenvolvimento da prática da construção de um projeto de forma participativa, e com os Urueu-au-au, no estado de Rondônia, para trabalhar a técnica de avaliação e monitoramento de projetos. A instituição responsável foi o Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI), em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a cooperação alemã (na época, GTZ) e DIFID, sendo o certificado expedido pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e Universidade de Brasília (UnB). Quando do início do curso, eu vivia na cidade de Rio Branco (AC), onde trabalhava como professora do ensino fundamental. Bem antes do início do curso, tive contato com as questões indígenas, primeiramente, através de contato pessoal, que me levou a buscar aprofundar meus conhecimentos por meio de estudos na academia, por ouvir muitos conceitos estereotipados sobre os povos indígenas. Comecei a ver e a comparar os conceitos com o que ia aprendendo na minha vida pessoal, e observei que não era bem como diziam. Então levei para o campo profissional o que

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antes era só pessoal, porque estava concluindo a graduação em pedagogia. A partir daí, comecei a buscar mais informação e conhecimento sobre os povos indígenas no movimento indígena, onde atuava meu parceiro de trabalho e de convívio pessoal. No ano de 2003, os Manchineri fundaram a Organização do Povo Manchineri do Rio Iaco (Manxineryne Ptohi Kajpaha Hajene – MAPKHA),31 que começou seu trabalho construindo um projeto denominado Resgate, Revitalização e Registro da Cultura Manchineri. Ajudei na construção desse projeto, que foi apresentado ao PDPI e aprovado. O PDPI informou a MAPKHA sobre a realização do curso e solicitou que a organização apresentasse candidaturas indígenas para concorrer a uma vaga. A organização solicitou que eu apresentasse o meu currículo, por estar assessorando a organização, esclarecendo a todos que não era indígena, mas, sim, assessora. Também foi apresentada a candidatura de um Manchineri.32 Ao final, os dois foram selecionados. Então, fui convidada a participar do curso para assessorar o povo de maneira mais qualificada. Quando terminei o curso, continuei a realizar assessoria ao Povo Manchineri. Logo em seguida fui trabalhar na Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Estado do Acre, na construção de projetos com outros povos indígenas do Acre.33 Atualmente, estou trabalhando com formação de professores indígenas na coordenação de Educação Escolar Indígena da

31 Organização do Povo Manchineri do Rio Iaco. 32 Trata-se de José Ribamar Alves Rodrigues Manchineri, que participou de um módulo na cidade de Manaus (AM). Após esse módulo, resolveu sair do curso do PDPI para ingressar no curso sobre Direitos Indígenas no Equador, promovido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica). 33 Na Assessoria Especial dos Povos Indígenas (SEPI), iniciou-se a replicação do Curso de Gestores de Projetos Indígenas. Infelizmente, a ação não teve êxito, devido o órgão do estado do Acre responsável pela forma técnica não ter experiência para trabalhar com as populações indígenas.

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Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE) do Estado do Acre, no município de Rio Branco. Minha experiência no Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas foi uma das melhores que já tive em termos de construção de conhecimento. Os conhecimentos que adquiri no curso me qualificaram para trabalhar com projetos, mas também fortaleceram os meus conhecimentos para trabalhar na minha área de atuação profissional, que é a educação. Desse modo, depois do curso, voltei a atuar na educação trabalhando com educação escolar indígena, porque os conhecimentos me ajudaram a entender a situação dos povos indígenas a partir dos pontos de vista político, filosófico e antropológico, bem como intervir através da educação escolar indígena para melhorar essa relação, que é assimétrica. Durante a realização dos módulos, tanto o presencial, como o de dispersão, foram ensinados conhecimentos científicos, mas também os conhecimentos culturais de cada povo presente. Essa interculturalidade serviu para aprendermos a desmistificar os preconceitos impostos pela sociedade ocidental. Aprendemos também que todos os povos os indígenas têm seus conhecimentos e habilidades, e que, com esses conhecimentos, eles podem contribuir para uma sociedade mais justa e equilibrada, não apenas na parte ambiental. Creio que faltou um acompanhamento mais presente aos cursistas, porque havia necessidade de fortalecer os conhecimentos dos que tinham dificuldade de entender a língua portuguesa, que, na minha avaliação, precisava de mais tempo. O curso foi muito importante, porque ajudou a construir um novo paradigma de formação com povos indígenas. A metodologia utilizada contribuiu muito com o aprendizado, que pode ser replicado em outras realidades que não seja só de trabalho com projetos. Minha relação com a comunidade foi muito boa, construímos de forma participativa o Projeto de Proteção e Fiscalização da

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Terra Indígena Mamoadate. Esse projeto era um componente da parte prática para a conclusão do terceiro módulo. Reunir todos os Manchineri para a construção do projeto foi um dos desafios mais enriquecedores do meu processo de formação. Isso porque, até então, não havia tido a experiência de estar à frente de uma discussão com eles e ainda tinha a dificuldade de entendimento da língua indígena, pois, na sua grande maioria, os Manchineri são monolíngues. Para isso, contei com a contribuição de um grande parceiro e companheiro Manchineri (Toya), que traduzia para o português e ao mesmo tempo também para a língua Manchineri, como também dos professores Manchineri, que contribuíram muito na tradução. Foi a partir desse trabalho que me identifiquei de fato com o que gostaria de trabalhar profissionalmente, ou seja, com povos indígenas. No início do curso, foi bem difícil entender questões relacionadas ao direito, mas, com a continuação dos módulos, em que fomos comparando a teoria à prática fomos observando o quanto faltava melhorar para os povos indígenas. Foi muito rico também esse processo, em que pudemos comparar os conceitos malentendidos relacionados aos povos indígenas, tanto por parte do estado como por parte dos próprios indígenas. Tudo o que aprendi no curso está me ajudando até hoje. Para a vida, aprendi que os povos indígenas são sujeitos de direitos, mas também de deveres. Aprendi que houve uma imposição muito forte por parte do Estado, que os levou à condição de povos renegados, povos sem direitos e, por isso, temos um grande desafio, que é mudar a história escrevendo uma nova história, na qual os povos indígenas possam estar lado a lado dos ocidentais para construir um mundo mais justo e equilibrado. Já no âmbito profissional, busco aplicar o aprendizado valorizando e ouvindo os professores indígenas, construindo com eles e não para eles, levando em consideração seus conhecimentos culturais. Construo uma relação de respeito mútuo. Minha sugestão para os cursistas é que aproveitem e ponham em prática o que aprenderem. Para as instituições

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implementadoras, que valorizem a construção de uma relação de simetria cada vez mais forte. E para o governo, que valorizem e deem condições para que o curso possa ser replicado, ou seja, que o governo seja parceiro de fato e de direito.

VALÉRIA PAYE PEREIRA Tenho 39 anos e nasci na aldeia Missão Tiriyo, na Terra Parque Indígena do Tumucumaque, no norte do Pará. Meu povo é Kaxuyana, por minha mãe ser desse povo, já que meu pai pertence ao povo Tiriyo. Falo fluentemente e escrevo na minha língua materna. Aos 9 anos fui mandada para estudar fora da aldeia e me formei como auxiliar de enfermagem. Ao retornar para aldeia, atuei durante anos no posto de saúde das várias aldeias da minha terra no atendimento à saúde do meu povo. Ao mesmo tempo, sempre participei das discussões do movimento indígena na região e, em função dessa atuação, em 1998, fui eleita tesoureira da Associação dos Povos Indígenas do Parque do Tumucumaque (Apitu), quando então passei a viver em Macapá (AP). Como dirigente da Apitu, participei ativamente da construção e gestão de diversos projetos e atividades, nas áreas de saúde indígena (Convênio Funasa), educação escolar indígena diferenciada (Secretaria Estadual de Educação do Amapá), valorização e comercialização de artesanato indígena (Ministério do Meio Ambiente e Secretaria Estadual de Cidadania), proteção e fiscalização da Terra Indígena (PPTAL/Funai) entre outras. Nessa época, fui apontada como representante dos povos indígenas do Amapá e norte do Pará para o Conselho Deliberativo e Fiscal (CONDEF) da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), ocasião em que comecei a participar das reuniões, assembleias e processos políticos mais amplos. Era momento de grandes discussões no âmbito do movimento indígena. Discutia-se, entre outros assuntos, a construção e

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implementação de políticas públicas diferenciadas para os povos indígenas e com a participação direta dos povos indígenas em todo seu processo. Era evidente a necessidade da formação de indígenas para assumir postos de gestores, principalmente nas organizações que, naquele momento, começavam a gerir recursos públicos da saúde indígena. Assim, em 2004/2005, aconteceu o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, com 31 alunos de vários povos indígenas originários dos diferentes estados da Amazônia brasileira. O curso foi promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Subprograma Projetos Demonstrativos da Amazônia (PDA) e com o Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI), com apoio do Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID) do governo britânico. A seleção dos alunos foi feita a partir da indicação do movimento indígena. Participei como aluna indicada pela Apitu. Na minha avaliação, esse processo de indicação e seleção foi um grande acerto, pois contemplou representantes de todos os estados da Amazônia brasileira, e os selecionados tinham e têm até hoje compromisso com suas organizações. Mas claro que, como todo processo, teve exceções. O curso foi pensado para ser realizado em módulos e contemplava conteúdos teóricos e práticos, ações individuais e coletivas, envolvimento institucional e interinstitucional. Com carga horária total de 1.500 horas, distribuídas em módulos presenciais intensivos de 600 horas – que aconteceram em Manaus (AM), na Chapada dos Guimarães (MT) e em Brasília (DF) – e módulos de dispersão nas aldeias ou organizações indígenas, totalizando 900 horas. A divisão do curso em módulos presenciais e de dispersão nos permitiu aplicar as aulas teóricas na prática, permitiu também identificar nossas dificuldades. Porém as dispersões poderiam ter sido mais bem acompanhadas, ponto que deve melhorar caso se pense em outro curso nesse modelo.

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Os conteúdos abordados nos módulos de concentração no decorrer do curso eram bons e estavam dentro do assunto “gestão de projetos”. Porém, no meu ponto de vista, alguns conteúdos precisariam ter sido mais debatidos para que a compreensão pudesse ter sido melhor. Entre esses conteúdos, destaco a legislação indigenista e ambiental, os conhecimentos tradicionais, o patrimônio imaterial e as oficinas de elaboração de projetos, com destaque para a metodologia do marco lógico e suas fases. As metodologias aplicadas para abordar os temas eram boas, pois permitiam que os alunos participassem e construíssem em conjunto com os professores facilitadores, valorizando, assim, nossos conhecimentos. Os professores facilitadores que nos acompanharam dominavam bem os temas, o que nos possibilitou uma compreensão do que foi apresentado. Porém, no meu ponto de vista, alguns professores misturaram em várias ocasiões o dia a dia do trabalho, ocasionando discussões desnecessárias entre as partes (professores x alunos). Sugiro, portanto, a escolha de professores com os mesmos conhecimentos e capacidades, porém, mais neutros e menos ligados a determinados órgãos ou ONGs indigenistas. Apesar de já ter tido experiência como gestora de organização indígena, ao final do curso, posso dizer que aprendi muito, cresci e amadureci; pude ter uma visão mais geral da realidade indígena; e pude aprender ferramentas para atuar no diagnóstico, elaboração, execução e monitoramento de diversos projetos indígenas na Amazônia – principalmente projetos propostos e executados pelas mulheres indígenas. Isso porque, no processo do curso de formação, em 2005, fui eleita para a coordenação do Departamento das Mulheres Indígenas (DMI/COIAB) em Manaus (AM), de cuja fundação e estruturação participei ativamente em 2002. Em 2007, mudei para Brasília, onde, a partir do escritório da representação da COIAB, passei a atuar como representante do DMI/COIAB com objetivo de fortalecer a articulação das

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mulheres indígenas da Amazônia com as outras mulheres das regiões do país. Em fevereiro de 2008, por indicação do CONDEF/COIAB, assumi a coordenação da Representação da COIAB em Brasília (DF), ficando responsável pela articulação do movimento indígena amazônico com as outras regiões do país. Participei ativamente na fundação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e na organização do Acampamento Terra Livre (ATL), realizado anualmente na Esplanada dos Ministérios (Brasília). Além disso, fiz a interlocução com representantes governamentais (instituições e ministérios), Congresso Nacional, Ministério Público Federal (MPF), Supremo Tribunal Federal (STF), embaixadas e organizações da sociedade civil em Brasília. Fui a primeira mulher indígena a ocupar este cargo. Ainda em 2008, fui indicada pela COIAB como conselheira no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), onde articulei o apoio que resultou na primeira chamada pública de projetos junto a mulheres indígenas. Participei ativamente no processo de construção, divulgação e análise dos projetos no Comitê Gestor da Carteira Indígena no âmbito do MMA, tendo sido aprovados 26 projetos. Em Brasília, participei de importantes processos de seleção de projetos indígenas, dos quais destaco: a seleção e aprovação de projetos indígenas da Amazônia, no âmbito da Comissão Executiva e da Câmara Técnica do PDPI/MMA; a aprovação de iniciativas indígenas no âmbito da 2a edição do Prêmio Culturas Indígenas do Ministério da Cultura (MinC), que homenageou o Xicão Xukuro, um importante líder indígena do nordeste; e a seleção e aprovação de projetos indígenas do Brasil no Comitê Gestor da Carteira Indígena (CI/MMA). Minha atuação nesses espaços foi bastante técnica e cuidadosa, apliquei as ferramentas que aprendi no curso de gestores, o que me deu segurança na avaliação e aprovação dos projetos propostos para esses diversos espaços. Após um longo período atuando de forma direta no movimento indígena, em 2010, fui convidada pela Funai para assumir um cargo na Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais (Coger)

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em Brasília/DF, onde permaneci por aproximadamente um ano. Na condição de chefe de serviço, acompanhei diretamente o planejamento e execução de políticas públicas. Continuei atuando politicamente na interlocução da Funai com outros órgãos do governo e com movimento indígena, e também participei ativamente na realização das atividades nas regiões, como os Seminários sobre Direitos Indígenas e a Lei Maria da Penha, sobre a qual escrevi em 2008, em conjunto com Suzy Evelyn, uma pequena reflexão no que se refere a sua relação com as mulheres indígenas. O artigo foi publicado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) no livro Mulheres indígenas, direitos e políticas públicas, utilizado nas capacitações das mulheres indígenas para atuação nos comitês regionais da Funai nos anos de 2010-2011. Esse conjunto de atuação a partir do movimento indígena, ocupação de espaços públicos (conselhos, comissões, comitês etc.) e o trabalho em órgão público me proporcionou, em 2011, indicação para concorrer ao Prêmio Cláudia, na categoria políticas públicas. Após todos esses anos de experiências práticas, estava há alguns anos sentindo necessidade de estudar, parar para refletir sobre os caminhos que trilhei como liderança indígena, mulher e mãe. Essa oportunidade de dar continuidade ao estudo surgiu no vestibular para UnB em 2011, para o qual concorri e fui aprovada para o curso de Ciências Sociais. Apesar de continuar morando em Brasília, mantenho permanente relação de apoio à minha comunidade de origem, além de diálogo com o movimento indígena do Amapá e Norte do Pará. Também continuo acompanhando e participando das discussões e das diversas atividades relacionadas ao movimento indígena geral e de mulheres indígenas, afinal, sou uma mulher indígena comprometida com a defesa da causa do meu povo.

ZUZA DOS SANTOS CAVALCANTE Nasci na Aldeia Porto Praia, Município de Tefé, no estado do Amazonas, em 1o de janeiro de 1974. Meu pai é da etnia Kokama

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e minha mãe do povo Mayoruna, porém, desde muito pequeno vivo na Comunidade Marajaí do povo Mayoruna; assim, me identifico e sou reconhecido como Mayoruna. Fui aluno da primeira turma do curso, no período 2004-2005. Durante o período presencial, estivemos em três importantes cidades: três módulos foram em Manaus; um módulo foi na Chapada dos Guimarães, e o módulo final, na cidade de Brasília. A dispersão foi desenvolvida na região do Médio Solimões. A instituição responsável foi a Universidade Federal do Mato Grosso. O diagnóstico foi em cinco comunidades e o projeto foi na comunidade Marajaí. Eu estava trabalhando na organização indígena Uni/Tefé; durante a semana ficava na cidade de Tefé e, aos finais de semana, retornava para aldeia Marajaí. À época, eu fazia parte do Conselho Fiscal da COIAB e, durante uma reunião, foi feita a divulgação do curso. Mandei meu currículo e a carta indicativa da organização. Acho que fui selecionado porque as vagas eram direcionadas para regiões estratégicas e, no meu caso, não houve concorrência. Ainda quando estava no curso, na última etapa, fui destituído da Uni/Tefé, sob a alegação de que eu estava muito ausente da organização e que só ligava para o curso. Em seguida fui trabalhar na Prefeitura de Alvarães e, posteriormente, recebi o convite da Fundação Estadual de Política Indigenista (Fepi) para trabalhar com projetos. Desde então, estou no governo do estado. No período, ajudei a aprovar aproximadamente vinte projetos do PDPI para as comunidades, uns já encerrados, outros em andamento, e outros com problemas. Atualmente, vivo em Manaus, trabalho na Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (SEIND) como coordenador de programas e projetos. Tenho desenvolvido muitas atividades com as comunidades indígenas e agora estou finalizando a negociação de um grande projeto com BNDES. Tenho tentado apoiar as organizações que estão com projeto do PDPI, porém tenho encontrado dificuldades.

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O curso foi uma das melhores experiências em termo de formação. O curso me deu suporte para seguir na profissão na qual estou atuando desde a formação. Ganhei muita experiência em termos de elaboração de projetos e, como há uma grande deficiência nessa área na região, acabei por ser um dos primeiros a possuir essa formação. Em termos de aprendizado, o curso foi muito interessante; é difícil de escolher uma única coisa. Citaria, como exemplo, as ferramentas de diagnóstico, de definição de objetivos, e o preenchimento de formulários. O que se apresentou como ponto fraco do curso foi a dificuldade com a língua portuguesa. Mas pra mim isso não foi um problema, pois tenho grande domínio sobre a língua portuguesa e sou professor de formação. Quanto ao curso, acho que a metodologia foi das melhores, o resultado dependia do esforço e dedicação de cada cursista. O curso proporcionou uma mudança positiva na minha vida profissional. Ainda hoje consigo me destacar no mercado de elaboração de projetos, mesmo em meio a pessoas com grande formação acadêmica. Este ano (2012), por conta do edital do BNDES, foram elaboradas várias propostas no estado. Uma que vi foi construída por uma equipe de engenheiros e outros profissionais; a nossa, por seu turno, foi somente por nossa equipe indígena da SEIND. Resultado: estamos com a nossa proposta enquadrada e na fase final de contratação, enquanto a outra está em sendo refeita. Isso porque o pessoal não conhece os mecanismos adequados de elaboração desse tipo de projeto. Também, no início, o PDPI me deu muita oportunidade para aprimorar meus conhecimentos, fiz consultorias, acompanhei projetos em diferentes regiões e isso foi muito importante. Na relação com a comunidade, não enfrentei problemas, pois como disse, busquei absorver o máximo de conhecimento para fazer o trabalho de forma que não houvesse reprovação. Hoje tenho bastante trabalho com comunidades em todo o estado do Amazonas e a procura por meu serviço é grande. Isso me deixa

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muito feliz e convicto de que o trabalho está sendo bem feito e que valeu muito a pena ter feito o curso. Deixo aqui, inclusive, um grande agradecimento à equipe do PDPI, que sempre apostou no meu potencial e quando percebia que as coisas não estavam caminhando, tínhamos franqueza, para construirmos os ajustes. Atualmente, utilizo no dia a dia tudo o que aprendi no curso. Inclusive, também trabalho com moderação, e as ferramentas que aprendi no curso têm me ajudado bastante. Aos novos cursistas, sugiro dedicação, empenho e aproveitar a oportunidade como uma grande chance de fortalecer e melhorar as condições de vida de suas comunidades. Às instituições, comprometimento com a formação dos indígenas, garantir os melhores instrutores e locais adequados, assumir o curso como se fosse parte de sua grade programática, garantido qualidade na formação. Por fim, ao governo, que assuma essa questão como política pública. O PDPI está se encerrando e, até o momento, não se vê uma sinalização em relação a outra proposta. O curso é muito importante, foram formados diversos gestores; porém, a carência das comunidades ainda não foi suprida. Seria interessante que um governo estadual, dentro de uma universidade, pudesse organizar um curso para essa linha de formação; digo isso porque dentro de cursos de forma transversal não é possível absorver os conhecimentos específicos sobre elaboração, gestão e avaliação de projetos.

ELDER SILVA MARQUES Nasci em 25 de março de 1990, na comunidade indígena de Camararém, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, município de Uiramutã (Roraima). Sou do povo Macuxi. Frequentei o curso de agosto de 2009 a junho de 2010. Realizei o primeiro módulo presencial do curso na sede do Conselho Indígena de Roraima (CIR), e o segundo, no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS), na comunidade indígena Barro, região do Surumu. Já o terceiro

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módulo foi na comunidade Tabalascada, na Terra Indígena Serra da Lua, e o quarto, novamente na sede do CIR. A aplicação prática teve o tempo comunitário, em que tive oportunidade de realizar atividades práticas como levantamento dos projetos na comunidade e região, elaboração de projetos demandados pela comunidade, entre outras atividades realizadas. O CIR foi a instituição responsável pela implementação do curso em parceria com outras organizações indígenas: a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR), Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIR) e Hutukara Associação Ianomâmi. O CIR é uma organização indígena sem fins lucrativos e tem por objetivo a luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas de Roraima. A criação do CIR tem seus primórdios na década de 1970, quando começaram a ser formados os primeiros conselhos regionais reunindo comunidades indígenas, que buscavam alternativas políticas e econômicas em face de uma situação de extrema violência e opressão por parte de fazendeiros, garimpeiros e setores interessados na ocupação de seus territórios tradicionais. Em 1987, uma Assembleia Geral realizada na Missão do Surumu, reunindo Tuxauas de diversas regiões, decidiu criar uma organização com sede em Boa Vista, para representar e encaminhar as reivindicações dos povos indígenas do estado. Foi assim formalizada a criação do Conselho Indígena do Território de Roraima (Cinter), que mais tarde passou a ser denominado Conselho Indígena de Roraima (CIR). A princípio, o trabalho da organização concentrou-se na luta pela demarcação dos territórios tradicionais. Na verdade, minha aldeia de origem é a comunidade indígena de Camararém. Até o ano de 2002, havia várias escolas de 1a a 4a séries. Na região da Serra, havia as escolas de ensino fundamental apenas no Centro Regional Maturuca e no Centro de Formação em Surumu e Pedra Preta, todos locais distante da minha aldeia. É nesse período, quando terminei a 4a série, que surgiu a escola de ensino fundamental, com 5a a 8a séries, na comunidade indígena de Uiramutã. Então, em 2002, decidi estudar nessa

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escola e fui um dos alunos da primeira turma de ensino fundamental. Assim, passei a morar fora da minha comunidade e longe da minha família aos 12 anos de idade. Nesse processo de formação, realizávamos várias atividades, por exemplo, a produção de artesanato. Costumava participar também de uma oficina de produção de remédios caseiros. Nessa época, meu pai ainda era Tuxaua da comunidade e passei a acompanhar junto dele as assembleias regionais e estaduais. Quando percebi, estava na 8a série do ensino fundamental e, no decorrer do tempo, passei a ser catequista da Igreja Católica. Em determinado momento, fui indicado pela comunidade de Uiramutã para tomar conta de uma cantina, o que não impedia que também participasse do projeto escolar, que consistia em uma horta dos estudantes. Mas o mais importante disso tudo foi a minha participação nos movimentos indígenas, principalmente nas lutas pela defesa do território, tais como: em 2004, em Pedra Branca, na barreira e na ocupação para retirar invasores da terra indígena; e no Jawari, onde foram construídas casas, que depois foram queimadas e duas pessoas foram baleadas. Sempre fomos teimosos e resistimos, construímos, e hoje existe uma comunidade. Participávamos também como estudantes no grupo de animação da assembleia. Então comecei a gostar desses movimentos. Ia para as assembleias regionais e estaduais e tinha vergonha de falar. Às vezes nem falava, mas era o primeiro na fila para comer. E assim fui caminhando e, com o tempo, surgiu a oportunidade de ser um estagiário na escola. Mas nada impedia que eu deixasse de participar dos movimentos indígenas. Nesse período, estudava no ensino médio e tudo era organizado. A cada atividade realizada, era feito um relatório e, em certo dia, quando foi visitar minha comunidade num domingo, apareceu a oportunidade de fazer o curso de agente ambiental indígena proposto pelo CIR. Fiz o curso e passei a atuar em parceria com a escola e a comunidade desenvolvendo algumas ações relacionadas, por exemplo, à importância de prevenção da água, do combate ao fogo e ao lixo.

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Quando terminei o ensino médio, em 24 de fevereiro de 2009, passei um tempo na comunidade, continuei indo para a assembleia e, muitas vezes, era nomeado secretário para relatar as discussões das assembleias. Em certa ocasião, durante uma reunião regional no Centro Maturuca, que discutia a autonomia e fiscalização da terra indígena na região da Serra, foi proposto às lideranças indígenas que indicassem duas pessoas para fazer o curso de formação em projetos indígenas. Vendo meu desempenho nas assembleias, as lideranças me indicaram, e fui aprovado. Fiquei bastante feliz por ganhar a confiança das lideranças indígenas e ter acesso ao curso. No decorrer do curso de gestores de projetos indígenas, quando estávamos concluindo o 4o módulo, em 2010, abriu um edital de vestibular na Universidade Federal de Roraima (UFRR) para o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas. Um curso novo, criado a partir das demandas das lideranças das organizações indígenas no estado de Roraima. Consegui passar no vestibular e, desde então, estou cursando a graduação. Acompanhei a elaboração de um edital de valorização de línguas indígenas com a equipe técnica do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, com isso, juntamente com alguns colegas, tive oportunidade de elaborar um projeto de músicas de um edital da Programa de Extensão Universitária (ProExt/MEC) e foi aprovado. Não perdi o vínculo com a comunidade, pois venho realizando alguns diagnósticos referentes à identidade e ao patrimônio cultural e, recentemente, fui indicado para fazer parte da equipe de uma cooperativa regional dos povos indígenas Macuxi da região da Serra. Atualmente, sou estagiário no IPHAN, continuo cursando a faculdade de gestão territorial indígena, com ênfase em gestão de patrimônio cultural indígena, e ainda acompanho a assembleia regional e alguns editais culturais. Ainda há cobrança das lideranças para podermos apresentar um plano de ação juntamente com as organizações indígenas. A experiência de fazer o curso foi bastante importante, pois pude adquirir conhecimentos e também contribuir com os

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meus, com isso, o relacionamento com colegas foi muito bom. No início, a interação não foi difícil e, no decorrer do tempo, havia regras a serem seguidas. Às vezes, durante alguma discussão, eu ficava sem falar nada, mas isso era normal. Mesmo assim, ganhei a confiança de meus colegas e fui nomeado para ser o líder do grupo durante um módulo. Representava a turma, participava de reunião com coordenadores do curso e representantes das organizações parceiras. O que mais gostei de aprender foi a manusear o GPS, além de temas como: diagnóstico, estrutura e elaboração de projetos; gerenciamento de conflitos; práticas de captação de recurso; prestação de contas; e a visita de campo em lugares já ocupados por não índios – o que é um dos maiores desafios a se pensar nesses lugares e para propor ações que atendam às necessidades da população. No curso de formação de gestor em projetos indígenas, o que ficou a desejar foi a falta de aprofundamento sobre como acompanhar um edital. Isso não teve, apesar de todos os projetos serem por meio de editas. Faltou, por exemplo, identificar instituições que divulgam editais. Também faltou se aprofundar mais nos assuntos relacionados ao gerenciamento de recursos financeiros, e nas práticas de planilha orçamentária, como nos casos de licitação. O curso foi importante para mim, porque mudou a minha forma de me expressar, e ganhei experiência sobre as práticas de elaboração de projetos e os procedimentos burocráticos. Mas o mais importante foi conquistar a confiança e o respeito das lideranças indígenas, apesar de ainda sermos cobrados. No início, foi um desafio propor essa iniciativa de formação para discutir formas de melhoria para à comunidade, até porque eu era muito jovem. Havia lideranças muito mais velhas e, muitas vezes, eu percebia que eles não acreditavam no que eu falava, e pensavam que projeto era apenas dinheiro. Com o andamento da formação, procurei me relacionar com as lideranças da comunidade e líderes regionais mais antigos e pedia orientações. Assim, minha experiência foi se fortalecendo

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e passei a discutir alguns assuntos que dominava nas assembleias regionais e estaduais. Só assim comecei a ganhar confiança das lideranças e da comunidade. Com isso, ganhei mais responsabilidade e passei a discutir problemas locais,; percebi que a comunidade passou a acreditar nos resultados que estavam obtendo. Atualmente, sou uma das lideranças mais jovens em que a comunidade sempre confia. Durante a formação, pude obter conhecimentos relacionados às praticas de elaboração de projetos, às técnicas de levantamento de informações e ao diagnóstico participativo. Aprendi a lidar com pessoas, principalmente com relação à gestão de conflitos. Se forem oferecidos novos cursos, posso dizer que é um desafio muito importante. Depois de adquirir esses conhecimentos, é preciso manter o compromisso com seu povo e contribuir com as comunidades indígenas, pois existem muitas demandas. Aprender a lidar com isso depende do gestor, pois é na aldeia que somos cobrados pelas lideranças indígenas. Na minha visão, as instituições também devem se articular e se aproximar mais dos gestores, pois o diálogo ainda é muito limitado. Além disso, acompanhar as atividades que se desenvolvem a cada módulo, com certeza, fortaleceria muito a formação do gestor profissionalmente. No estado de Roraima, penso que o governo precisa atuar como parceiro. Seria importante essa articulação, principalmente, no apoio à formação de gestores de projetos indígenas, bem como na criação de uma política específica voltada para a captação de recursos, fortalecendo, assim, ações que desenvolvam as comunidades indígenas no estado. Quanto à COIAB, um dos pontos mais importante seria montar um plano de ação que viabilizasse o intercâmbio com gestores de outros estados que integram a Amazônia, visando à troca de experiências com outras realidades indígenas. Por fim, no que se refere aos financiadores, eles devem acreditar nas iniciativas dos povos indígenas. Nós temos capacidade e,

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muitas vezes, o que falta é só a oportunidade. Todas essas ações contribuem para o fortalecimento da autonomia dos povos indígenas, principalmente na gestão do próprio território.

GEOVANE SOUZA DOS SANTOS Eu sou do povo indígena Wai Wai, falante da língua materna Wai Wai. Nasci na Comunidade Jatapuzinho, município de São João da Baliza, no sul no estado de Roraima, no dia 12 de setembro de 1984. Fiz o curso de gestores indígenas de projetos em agosto de 2009, em Boa Vista, na sede do Conselho Indígena de Roraima (CIR). As práticas se dividiam entre o curso presencial e na comunidade. Junto à comunidade, tivemos tempo para pesquisa de campo, foram realizados trabalhos e entrevistas com as pessoas. Também foram promovidas reuniões para discussão e diagnóstico de problemas da comunidade, apresentação do curso e proposta do projeto que seria implantado. O responsável pelo curso era o CIR, com a parceria de outras instituições: OMIR, OPIR, APIR, HUTUKARA. Antes de fazer o curso de gestores de projeto, vivia em Boa Vista e cursava o ensino médio. Quando concluí os estudos, voltei para a comunidade. Após algum tempo, a Universidade Virtual de Roraima, em Boa Vista (RR), ofereceu vagas para um curso de informática para o povo Wai Wai. Na reunião realizada, eu fui indicado e escolhido pela comunidade para fazer o curso de informática. Quando estava fazendo o curso, ainda não sabia que estava acontecendo o curso de Gestores Indígenas de Projetos. Como lideranças da comunidade, Geraldo, tuxaua da comunidade Anauá, e o agente de saúde, Antonio Aka, tuxaua da comunidade Jatapuzinho, foram convidados para a reunião na sede do CIR, cujo antigo nome era Casa de Cura. Durante a reunião, foi informado que estava acontecendo o curso de Gestores Indígenas de Projetos, e que estavam procurando alguém do povo Wai Wai que tivesse o ensino médio completo

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para fazer o curso, porque havia uma vaga reservada para esse povo. Eles se lembraram de mim e foram falar diretamente comigo onde eu estava alojado, na Missão. Levaram suas propostas para que eu pudesse fazer o curso. Quando eles conversaram comigo, me interessei e aceitei a proposta, me inscrevi no curso e, durante algum tempo, acompanhei os dois ao mesmo tempo – durante o dia fazia o curso de Gestores Indígenas de Projetos e à noite estava na aula de informática. Quando terminou o curso, voltei para minha comunidade Jatapuzinho. Quando ainda estava no curso de Gestores de Projetos, fiz a inscrição no vestibular da Universidade Federal de Roraima (UFRR) para o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas. Fui aprovado na prova do vestibular e comecei a estudar na UFRR em agosto de 2010. Até hoje estou estudando em Boa Vista, fazendo o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas na Universidade Federal de Roraima, no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena. Mas eu moro na comunidade indígena Jatapuzinho e sempre vou a minha comunidade ou fazer trabalho comunitário. Sobre minha experiência no curso de Gestores Indígenas de Projetos, posso dizer que foi meio difícil de acompanhar os primeiros dias de aula, porque eu nunca tinha visto ou estudado a questão dos projetos, nem sabia o que era projeto. Na minha comunidade, não havia projetos sendo desenvolvidos, e os que tiveram no passado eu não acompanhei, por isso eu não tinha visão sobre projetos. Fui avançando no curso, acompanhando as aulas presenciais de cada módulo e adquirindo conhecimentos. Eu estava gostando do curso, mas, pessoalmente, tinha dificuldade de entender e dominar a língua portuguesa. A cada módulo que eu participava, ia aprendendo cada vez mais na sala de aula, adquirindo novos conhecimentos. Aprendi principalmente sobre projetos nas terras indígenas, mas muitas outras matérias foram aplicadas durante o curso.

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Tivemos atividades divididas entre o curso presencial, com aula participativa, e também dois meses de prática na comunidade, como estágio para aplicar as atividades. Foi muito bom adquirir a experiência na comunidade, como no caso da primeira atividade, realizada para diagnosticar os projetos existentes na comunidade, desenvolvida como estágio do curso. A atividade foi aplicada para que pudéssemos conhecer projetos realizados na comunidade. Durante esse trabalho, identifiquei os problemas da comunidade, a dificuldade de manter projetos, porque nenhum indígena da comunidade tinha conhecimento para manter e continuar o projeto. Assim, as atividades não iam para frente, sempre acabavam. Quando fiz, entre outras atividades, a pesquisa de campo sobre os projetos existentes, descobri qual era o problema da comunidade: a falta de conhecimento, de entendimento sobre o funcionamento do projeto. Quando o apoio de quem montou ou trouxe o projeto – um não indígena – terminava, ficava apenas na mão da comunidade. Assim, não ia para frente, pois não havia ninguém com conhecimento para levar e continuar as atividades do projeto. Detectando e aprendendo sobre os problemas e dificuldades da comunidade, passei a conhecer a realidade indígena. Hoje, por meio do curso, adquiri conhecimento sobre a elaboração, gestão e acompanhamento de um projeto de desenvolvimento sustentável, e também tenho um pouco de conhecimento sobre gerenciamento de associação. Pessoalmente, gostei de todas as matérias do curso aplicadas em sala de aula, das dinâmicas, das discussões, dos debates, da interação com colegas do curso e com os docentes. Isso trouxe mudanças para minha vida, conhecimentos que eu não tinha, e também me fez conhecer a realidade dos outros povos indígenas. Além disso, o que eu mais gostei foi de: aprender e praticar a elaboração de projetos; aprender linguagens e redação; aprender as técnicas aplicadas na sala de aula; conhecer a teoria de gerenciamento de projetos; e conhecer como podem ser feitos movimentos para organizações e associações indígenas.

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Gostei de, por meio dos estágios, aplicar os conhecimentos do curso às práticas de pesquisa de campo, fazendo levantamento e diagnóstico, na comunidade, das atividades, dos problemas e dificuldades. Como o curso foi bem aplicado e explicado, as matérias na sala de aula contribuíram e ajudaram a adquirir novos conhecimentos. O que faltou foi que não tivemos a conclusão do curso. Poderia ter sido feito, pois é importante concluir o curso até o final. Isso não aconteceu e prejudicou minha vida pessoal, pelo tanto de tempo que estudei. Queria alcançar meu desafio, o objetivo de concluir este curso, para demonstrar a minha formação, para promover e fortalecer as atividades das comunidades indígenas através do conhecimento, e tenho sempre ajudado a comunidade. Minha participação no curso foi muito importante, porque adquiri conhecimento sobre coisas que não conhecia, como gerenciamento, funcionamento e andamento das atividades dos projetos ou das organizações e associações indígenas. É importante conhecer sobre os recursos naturais nas áreas indígenas para manter esses recursos preservados e utilizar o recurso como forma de desenvolvimento sustentável. Como cada área indígena tem recursos naturais diferentes, nós gestores temos que ter capacidade de preservá-los e de não agredir o meio ambiente. Foi importante conhecer a realidade de outros povos indígenas que tinham experiência com projetos. Este conhecimento me permite ajudar as comunidades e contribuir mais com elas; a defender melhor os interesses e os direitos dos povos indígenas, como o direito à criação e ao acesso às políticas públicas. Também ajuda no fortalecimento do movimento da comunidade e na criação de estratégias diversificadas para encontrar soluções. Para tudo isso, os conhecimentos adquiridos no curso forma muito importantes. Além disso, é importante replicar o conhecimento, ou seja, levar esse conhecimento para a comunidade e promover a melhoria

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e o funcionamento das atividades, dos projetos, para que o projeto se torne um modelo. Na relação com a comunidade, sempre fui bem recebido. Todos aceitavam a realização do trabalho de pesquisa de campo, a realização de diagnóstico dos projetos na comunidade, entre outras atividades realizadas. As lideranças da comunidade sempre me apoiaram na busca de informação na comunidade e na região. No começo, tive dificuldade de aplicar as atividades na comunidade, porque eu não tinha experiência na moderação de eventos e na realização de reuniões, que eram necessárias para apresentação do curso e aplicação das atividades, como a de elaboração de um projeto. Praticar facilitou cada vez mais o trabalho e a aplicação na comunidade ou na sala de aula. Depois que o curso acabou, fiquei com vergonha, porque já tinha apresentado meu projeto para a comunidade, mas ele não aconteceu. As pessoas me perguntavam por que não estava acontecendo o projeto que foi apresentado na reunião. Numa reunião comunitária, informei que o curso não teria mais continuidade, e por esse motivo, o projeto que foi apresentado não seria executado. Atualmente, eu não trabalho na comunidade. Vivo e estudo em Boa Vista, mas nas férias eu vou à comunidade. Quando acontecem reuniões, encontros, assembleias, eventos e discussões, sempre sou convidado para ajudar as lideranças na relatoria e também para contribuir com o que aprendi no curso. Quando surgem problemas ou dificuldades, sempre ajudo a esclarecer como podem e devem ser feitas as coisas, principalmente para as lideranças. Eu sempre tenho contado com as lideranças das comunidades, e as lideranças também têm comportamento bom comigo. Sempre participo do movimento e das atividades das comunidades da região, ajudando e contribuindo. O que eu quero dizer para os novos cursistas, quando abrir novo curso igual a esse que eu fiz, é que eles não podem desistir

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do curso. Muitas vezes, acontece de os alunos desistirem; isso não pode acontecer com novos cursistas. Estudar não é uma luta fácil, mas podemos enfrentar esse desafio para que o nosso povo, as nossas comunidades, possam ser melhoradas e fortalecidas para assumir o compromisso e ter acesso às políticas públicas. Vamos conhecer a realidade da nossa comunidade, compreender a relação dos problemas detectados, e as dificuldades que estão dentro. Quando concluir o curso para o qual fui aprovado, quero poder trabalhar e ajudar as comunidades indígenas a buscar apoio, ajudar nas atividades desenvolvidas. Quero colocar em prática o conhecimento adquirido no curso para ajudar as comunidades, isso é importante. Para as instituições responsáveis pela implementação, minha sugestão é que devem acompanhar o movimento e a realização do curso. Podem aperfeiçoar o apoio ao curso para não evitar problemas durante o processo, para que não faltem materiais e estruturas de funcionamento do novo curso. O governo do Estado poderia participar da realização do curso e na obtenção de apoios. A COIAB poderia dar apoio para o funcionamento do curso e colaborar, contribuir dentro da sua instituição.

SONIA ANA BENTO DA SILVA Nasci na Comunidade Indígena Raimundão I, em Roraima, no dia 12 de abril de 1992. Sou do povo Macuxi. O início do primeiro módulo do curso foi em 17 de agosto de 2009, e o quarto módulo foi em julho de 2010. O primeiro módulo foi na Casa de Cura, em Boa Vista, o segundo foi na comunidade indígena Barro, o terceiro foi na comunidade indígena Tabalascada, e o quarto foi novamente na Casa de Cura. A aplicação prática foi na Comunidade indígena Raimundão I, Região do Taiano, município de Alto Alegre. A instituição responsável pela implementação do curso foi o Conselho Indígena de Roraima (CIR) em parceria com o Instituto Insikiran, da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

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Antes de fazer o curso, eu vivia na comunidade Raimundão e ainda estava concluindo o ensino médio. Na época, eu participava sempre de reuniões comunitárias e regionais, e fiquei sabendo do curso em uma reunião comunitária, em que o tuxaua José Luís nos informou. Havia apenas duas vagas e, depois de alguns dias, José Luís me convidou para participar do curso representando a comunidade e a região. Acho que fui escolhida porque sempre estava participando das reuniões comunitárias e acompanhava o processo de desenvolvimento da minha comunidade. Era a mais jovem das lideranças indígenas e me preocupava em ajudar o meu pai. Logo quando terminou o quarto módulo do curso, participei de um evento muito importante para os povos indígenas da Amazônia, a chamada Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). O evento aconteceu em Manaus (AM), em julho de 2010. Fui junto com outros parentes de outras comunidades e organizações indígenas, representando a delegação de Roraima. Tive oportunidade de defender as propostas já elaboradas pelas lideranças indígenas durante uma prévia que aconteceu no estado. Atualmente, estou cursando o quinto semestre do curso superior em Gestão Territorial Indígena, no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da UFRR, em Boa Vista. Esse curso de bacharelado tem duração mínima de quatro anos e máxima de seis anos e, durante o período de curso, existem períodos universitários, períodos comunitários, em que os acadêmicos desenvolvem atividades de pesquisa e prática em suas comunidades ou organizações. O curso de formação de gestores de projetos promovido pelo CIR é uma das reivindicações das lideranças indígenas e foi idealizado para formar “pensadores indígenas” para atuarem na elaboração, execução e monitoramento de projetos indígenas. O curso foi constituído por trinta estudantes do estado de Roraima representantes de diversos povos: Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Ianomamy, Taurepang e Sapará. Eram diferentes realidades indígenas encontradas no mesmo espaço, com o objetivo comum

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de participar do curso. Isso me ajudou a conhecer a realidade de todas as etnias, as diferenças e as semelhanças que têm com o meu povo, bem como os desejos de melhoria e dificuldades. O que mais gostei foram as trocas de conhecimento entre os próprios cursistas, pois pude conhecer seus costumes e assim aprender a respeitá-los mais. Quando você conhece profundamente a cultura de outro povo, você deixa de ser “ignorante” e passa a não mais ter preconceitos em relação ao modo de vida de outras pessoas. Você amplia sua visão e cria mais respeito diante das diferenças. O curso consistia também em tempos comunitários, nos quais colocávamos em prática o aprendizado adquirido durante as aulas do curso. No período dos tempos comunitários, me envolvi mais ainda com as comunidades da região a que pertenço (Taiano). Eu e o meu companheiro de curso, Ronier, visitamos as comunidades do Pium, onde realizamos uma reunião para planejamento de atividades e do cronograma de acompanhamento de projetos, juntamente com o coordenador regional, José Luís, o vice-tuxaua da comunidade onde resido, Rangel, os técnicos agrícolas Alesson e Heliomar (formados pelo Centro de Formação Indígena Raposa Serra do Sol), ambos também moradores da comunidade indígena Raimundão. A reunião foi uma demonstração do interesse dos próprios cursistas e dos tuxauas da região para discutir propostas de projetos e discutir melhorias para as comunidades da região. Esse encontro foi bastante interessante, estavam presentes somente os tuxauas das respectivas comunidades: Anta I e II, Livramento, Sucuba, Boqueirão, Raimundão I e II, Arapuá. Além das expectativas dos tuxauas em relação às nossas propostas como futuros gestores de projetos, eles perceberam a importância de nos formarmos em uma área que se tornou essencial para as comunidades indígenas, pois, na maioria delas, existem projetos que estão em funcionamento ou que já receberam projetos governamentais em algum momento, mas não deram muito ou nenhum resultado positivo. Esses projetos são conhecidos como projetos paraquedas, porque

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foram introduzidos dentro das comunidades sem nenhum diagnóstico ou consulta e, principalmente, sem assistência técnica. Dessa forma, eles foram à falência e não seguiram adiante. Andando em algumas comunidades, podemos visualizar estruturas físicas desses projetos e seus vestígios, como tanques de piscicultura vazios, galpões velhos de avicultura etc. Só ficaram histórias para contar e o desejo de reativar novamente esses projetos. A importância de haver indígenas gestores de seus próprios projetos em suas bases, acompanhando e elaborando esses projetos, traria resultados positivos, pois partiria de um diagnóstico participativo e adequado à realidade do povo indígena. Isso daria sustentabilidade aos projetos. Os momentos que mais marcantes foram quando eu retornava para a região a fim de pôr em prática o que aprendia durante o curso nas aulas presenciais. Outro acontecimento marcante foi uma visita na comunidade da Anta I, onde fomos recebidos com muito carinho e confiança, tornando mais nítido ainda a confiança que os tuxauas e lideranças depositavam em nós, que éramos jovens e futuros gestores de nossas terras e dos projetos. No dia da visita, fizeram-se presentes novamente os técnicos agrícolas indígenas da região, Alesson e Heliomar, o coordenador regional e tuxaua da comunidade Raimundão I, José Luís, e seu vice-tuxaua, Rangel, além de mais uma companheira do curso, Diene, da comunidade da Barata, que posteriormente entrou para participar do curso. Assim, éramos três jovens que representavam todos para conhecer e apresentar os problemas que a comunidade estava enfrentando em alguns projetos que estavam paralisados ou que precisavam de assistência. Depois da reunião, na parte da tarde, fomos para o campo visitar e conhecer os projetos que existiam lá. Conhecemos, então, o projeto de piscicultura denominado Projeto Damurida, o projeto de horticultura e o projeto de pimenta. Todos estavam em funcionamento, porém precisavam de assistência técnica. Encontramos também uma estrutura física de um grande açude para criação de peixes que estava seca e sem peixes – era um projeto do governo e não seguiu em frente por ser um dos projetos “paraquedas”.

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Então, conhecemos todos esses projetos que eram importantes para a comunidade Anta I, e que precisavam do nosso acompanhamento, pois isso faria parte do nosso trabalho como gestores em formação. Foi interessante e muito proveitoso para nós que estávamos aprendendo mais com as comunidades e tuxauas.34 Todas essas experiências com a região, nossa participação em todas as reuniões e o diálogo com as comunidades e seus representantes estreitaram mais a relação que já existia entre nós. Os professores Herundino, Denise, Áurea, Daniel e Sandra (coordenadora do curso) contribuíram muito para o nosso aprendizado. Foram muitos os temas que estudamos, todos foram importantes para o meu aprendizado, aprofundando meus conhecimentos. O tema “etnodesenvolvimento” me interessou, porque ampliou ainda mais a minha visão em relação à elaboração de projetos e às ações que respeitassem a diversidade e a realidade local, dialogando com as comunidades indígenas para traçarem metas e alcançarmos os mesmos objetivos, atendendo às demandas e satisfazendo os desejos e sonhos de todas elas. Se forem realizados novos cursos, meus conselhos para os novos cursistas é que tenham bastante responsabilidade, pois as lideranças indígenas precisam de pessoas responsáveis, para se tornarem grandes pensadores, comprometidos com a mudança em prol da melhoria das comunidades indígenas e atuantes na defesa da sustentabilidade. Às instituições, sugiro que busquem mais apoio de parcerias. Ao governo, que apoie mais projetos como esses, articulando todos os seus setores para promover essas ações. Aos financiadores, que apoiem cada vez mais ações. Por fim, a COIAB deve planejar o intercâmbio entre os gestores de projetos da Amazônia que já foram formados, para a troca de experiência e conhecimento, além de montar um plano para que as atuações desses gestores ocorram mais em conjunto e de maneira mais efetiva.

34 Tuxauas é a denominação de um líder maior nos povos indígenas de Roraima. Em outras regiões do país, são denominados de capitão ou cacique.

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ARGEMIRO Eu nasci em 26 de Janeiro de 1946, no Distrito Yauarete, comunidade de Paranajucá, no Médio Rio Uaupés (São Gabriel da Cachoeira, AM). Sou Arapaso e tenho 67 anos. Participei do curso de 2009 a 2010. No meu campo de trabalho, passei trabalhando no baixo Rio Negro, nas comunidades pertencentes a São Gabriel da Cachoeira. Tive muita dificuldade para trabalhar, me conscientizar sobre como começar o trabalho de gestão de projetos, especialmente nas comunidades e associações de base. Tivemos grandes avanços para contribuir com os desejos das comunidades, começamos a elaborar projetos e a trabalhar programas em prol das comunidades indígenas. Esse foi um objetivo principal que conseguimos alcançar. Atualmente, sou representante da Coordenadoria do Médio Baixo Rio Negro (CAIMRN) em São Gabriel da Cachoeira e me tornei cursista ao ser convidado pela diretoria da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). Foi uma boa oportunidade de ampliar os conhecimentos, e algo muito importante que nós cursistas aprendemos e assumimos o compromisso de levar adiante. Esse é meu anseio. Em relação aos novos cursistas, eu e meus colegas de cursos desejamos que o curso continue a se aperfeiçoar e chegue o momento de novos cursistas começarem a escrever um projeto que dê certo para nossas regiões – cinco regiões nesse Alto Rio Negro que nós representamos. Então, isso é o que eu queria colocar, esse é meu anseio. Muito obrigado.

NIVALDO MAIA CASTILHO Meu nome é Nivaldo Maia Castilho, sou da etnia Desana. Atualmente, moro em Iauareté, onde exerço a coordenação da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê (COIDI).

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Nasci em 28 de outubro de 1971 e, desde dessa época, venho morando nessa região e, à medida que fui crescendo, desde criança, venho acompanhando o movimento indígena. Estou aqui depois de várias experiências de formação que tive durante a minha existência até aqui. Hoje estou à frente dessa nova política, que surgiu na década de 1980 aqui no Rio Negro, que se formalizou e nós estamos dando continuidade, uma vez que nossas grandes lideranças estão nos dando esse espaço. Então, como representante da etnia Desana, à qual me identifico como pertencente a um grupo do Aruak desta região, me tornei liderança por estar à frente dessa coordenadoria, sendo possível viver essa experiência, adquirir esse conhecimento dentro desse projeto que a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) elaborou. Então, como liderança, eu tive curiosidade, precisava e ansiava poder reajustar o movimento indígena sob nossa própria responsabilidade. Quando surgiu esse projeto com a oferta de curso de gestores indígenas de projetos no Rio Negro, os membros da minha coordenadoria me indicaram tanto para fazer parte como para ser ponto de referência do grupo na coordenadoria da Coidi, na conferência de Iauaretê. Então, assim, fizemos o curso, dele participando desde janeiro de 2009. Depois, demos sequência fazendo cursos complementares junto à Universidade de Pernambuco, que nos ajudou a aperfeiçoar cada vez mais, além de ter esse momento de análise, de questionamento, verificando erros e alguns desequilíbrios que vêm acontecendo na região do Alto Rio Negro. Então, o que eu posso dizer da minha experiência durante esse período do curso, em que fomos acompanhados por vários monitores que tinham vivência e já trabalharam com indígenas em outras regiões do Brasil: foi muito bom para nós, para todo o grupo. Mais que a experiência teórica, ganhamos também experiência prática, e até pessoal, ao conviver com várias pessoas de outras regiões das cinco coordenadorias. Estar juntos, com a única

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preocupação de buscar o melhoramento no sentido de nós indígenas administrarmos nossos próprios projetos (oferecidos por meio de programas de governo), nos fortificou. Há alguns anos, a preocupação sempre vinha da Funai ou de alguém de fora. Então, para nós, esse discurso é novo. Acredito que, nosso esforço e dedicação diante desse desafio trarão bons resultados e vão minimizar os problemas que enfrentamos aqui no Rio Negro. Acredito nisso. Então dessa forma, há pessoas que realmente estão demonstrando esta responsabilidade. Começamos com trinta cursistas, e terminamos com cerca de 25. Algumas pessoas foram se destacando, estão persistindo nesse anseio de dar continuidade e aprofundar mais os conhecimentos e se aprimorar diante da situação enfrentada em nossa região, que é bastante grande e tem realidades diferentes nas nossas aldeias e nossas coordenadorias. Como liderança, eu diria para os financiadores ou para a própria FOIRN que, no momento, não é preciso ainda trazer novos cursistas. O grupo vem se atualizando, conhecendo várias maneiras de fazer projetos dentro do mundo étnicocultural. Um exemplo: nesse último módulo, vimos maneiras de construir propostas de projetos mais ou menos voltados para sustentabilidade agropecuária. Então, por isso, pedimos que esse grupo possa dar continuidade, para que as pessoas estejam aptas para escrever e executar projetos dentro da nossa aldeia e nossa região. Então é isso que posso colocar dentro desse depoimento.

DEUSIMAR MORAES Meu nome é Deusimar Moraes. Sou natural da comunidade de Boa Vista Fornasa – em língua geral esse nome é chamado de Curanguiamã. Eu nasci em 3 de janeiro de 1999, e pertenço à etnia Baré, falante de língua nheengatu e clã arara.

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O curso aperfeiçoou bastante meu aprendizado para hoje poder falar sobre gestão de projeto. Hoje a situação é bem diferente. Quando o curso começou, eu não pensava em projeto ou, na verdade, sequer sabia o que era um projeto. O curso me ajudou a entender que o modo de vida é um modo social de viver, que esse modo social de viver precisa de um projeto e que eu estava vivendo dentro de um projeto. A partir daí eu comecei a entender que a gente precisa criar várias alternativas para atender a um projeto, tais como orçamento e acúmulo de negócio. Tudo tem que ter uma base, uma formação e preço estabelecido. Então, para os povos indígenas, o projeto funciona socialmente e tradicionalmente. O que é um projeto? O projeto é um conhecimento, um plano para a vida indígena, porque, dentro da nossa tradição cultural, essa ideia de projeto não existe. O projeto tem uma forma tradicional, mas tem seu papel renovado, porque a cultura é um conhecimento muito forte que opera e afirma a vida indígena de acordo com o território onde vive. Assim, o projeto é importante para mostrar como se vive num território. Porque o território em que a gente vive tem vida, tem cultura, tem o seu próprio modo de viver. Então, o curso mostrou que a gente tinha que ter um conhecimento geral, uma visão geral sobre a vida humana e a vida indígena. Isso ajudou a gente a pensar, a refletir e a ter flexibilidade. O curso fez a gente pensar de forma cultural, de forma social, de forma econômica e de forma ambiental. Tudo isso permitiu uma reflexão muito grande. Por isso, o curso precisa aprofundar mais; precisa ir além do ponto em que está. Todos os planos que foram tecidos aqui no movimento indígena já deram resultado. Mas para tecer novos projetos, é preciso criar uma nova linha de conhecimento. Antes se tratava e lutava com bravura, mas hoje é com papel. E esse papel precisa ser exercido pelas pessoas que entendem a categoria do movimento hoje. O país e o mundo modernizado precisam de pessoas capacitadas, pessoas com conhecimento social e cultural específicos. E a política, o movimento indígena, hoje, precisa ser construído de forma conjunta.

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Por isso, eu concluo dizendo que os projetos dão condições para melhorar a situação econômica dos povos indígenas no país. Mesmo que o projeto seja executado dentro de uma região e acabe no mesmo dia, a depender da relação cultural, da interrelação cultural de cada povo, pode ser muito bom. Porque, uma vez que o projeto seja executado dentro de uma região e tenha um ponto positivo, ele vai continuar sempre sendo positivo. Os projetos são as melhores opções para o Rio Negro hoje. Por isso, eu agradeço muito ao MEC, à FOIRN, e às cinco regionais da coordenadoria que acompanharam o curso durante as primeiras dez etapas e as cinco que vieram depois. O curso nos ajudou a entender a política do projeto. Então, eu agradeço às cinco coordenadorias regionais por garantirem a presença do curso, que é um curso tão importante para as lideranças indígenas do Rio Negro.35

MANUEL Nasci na comunidade Ipanoré, no rio Uaupés, no dia 28 de março de 1982. A seleção para o curso na comunidade Taraque – ou Waupé – tinha cinco pessoas no começo e duas depois. Era preciso escolher uma pessoa do Tiquié e Araraca. No começo, apareceram vários nomes para a seleção, mas a maioria desistiu no começo mesmo. Assim, fui escolhido porque na época estava trabalhando em um projeto. Quando soube que estava acontecendo o curso, eu entrei imediatamente e comecei a participar desde o primeiro

35 As cinco coordenadorias regionais da FOIRN são: Coordenadoria das Associações Baniwa e Coripaco (CABC); Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê (Coidi); Coordenadoria das Organizações Indígenas do rio Tiquié, Uaupés e Afluentes (COITUA); Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Rio Xié (CAIARNX); e Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (CAIMBRN).

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módulo. Não participei do terceiro módulo por problema de comunicação. Depois de ter concluído essa etapa, agora espero que seja oferecido mais outro curso para aprofundarmos e melhorarmos o conhecimento, e para podermos trabalhar e ter mais apoio da Federação, dos demais parceiros e, principalmente, da coordenação das outras lideranças da comunidade e dos financiadores. Seria importante ter um recurso um pouco maior pra nós, porque o custo do deslocamento pelas comunidades para participar do curso é muito alto por causa do combustível para ida e tudo mais. O custo de alimentação também é alto; embora não tenha faltado nesse curso, tem que melhorar essas coisas também.

VANILDO MENDES MELGUEIRO Meu nome é Vanildo Mendes Melgueiro. Sou da etnia Baré, da região do Rio Negro. Tenho 27 anos, nasci na comunidade Ilha das Flores em janeiro de 1985. A minha associação é Associação das Comunidades Indígenas Putyra Kapuamu – Ilha das Flores (ACIPC) e a minha coordenadoria é Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto do Rio Negro e Xié (CAIARNX). Eu entrei no curso de gestores indígenas de projetos em 2009. Foram selecionados cinco alunos por região para fazer o curso. Na ocasião,eu já estava atuando como vice-coordenador, e fui indicado como representante por uma liderança de uma associação. Então foi uma longa jornada para nós. Foi um desafio, e hoje estamos aqui de novo discutindo juntos com novas e antigas lideranças. Para nós foi um bom caminho, uma alternativa boa que a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)

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juntamente com os parceiros começaram a discutir. Eles tiveram essa visão de formar nossas lideranças para que a FOIRN possa seguir em frente como novos pensamentos. No que se refere à dedicação direta no curso e na prática, foi muito bom poder discutir, explicar, debater junto com as associações. Principalmente nas discussões da FOIRN, o curso foi um avanço para os que fizeram curso de gestores de projeto, mas também para aqueles que vivem na região de Içana e Uaupés, no baixo rio Negro. E agora estamos todos aqui no momento, dando continuidade. Considero que não seria a hora de formar novas lideranças, uma vez as novas lideranças já somos nós, que fizemos o curso. Seria melhor dar continuidade à nossa formação e aperfeiçoar o conhecimento tanto sobre a nossa realidade indígena quanto sobre a realidade de outras regiões – por exemplo, de Roraima e de outros parentes, pois seria um bom caminho para eles também ganharem experiência. Ao buscar novos cursistas, estaríamos parando e não sei se deveria ser assim. Formar novas lideranças deveria ser uma segunda etapa, pois, para nós, o melhor seria aperfeiçoar essas mesmas pessoas que já fizeram o curso. É isso que eu diria principalmente pra FOIRN. Agradeço aos parceiros e agradeço a todos os professores que vieram nos ajudar, principalmente o Renato Athias. É isso, obrigado.

SEBASTIÃO MENDES DE ARRUDA Sou do povo Chiquitano, aldeia Acorizal, na Terra Indígena Portal do Encantado, no município de Porto Esperidião (MT). O curso de extensão foi realizado no ano de 2010, no município de Barra dos Bugres pela Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), promovido pelo Instituto Maiwu, uma organização

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indígena. O curso foi estruturado de forma modular, dividido em seis módulos intercalados por atividades extras de campo nas aldeias. Este curso trouxe a oportunidade para os representantes e membros de associações indígenas de Mato Grosso se capacitarem melhor, para atuar em suas associações com mais precisão e competência. A escolha dos candidatos foi feita por meio de uma carta, que a comunidade interessada na vaga enviou para a coordenação do Instituto Maiwu juntamente com os dados dos candidatos. Isso nos proporcionou ter uma visão mais ampla de como se posicionar na associação. Conforme decorriam os módulos do curso e os conteúdos que iam sendo trabalhados, vimos que muitos dos alunos estavam cada vez mais empolgados. Além disso, podemos mencionar que o curso deu visibilidade a algumas associações, pois, durante e depois do curso, começamos a desenvolver melhor os trabalhos dentro da associação. Os docentes e coordenadores do curso eram dos melhores. Pelo fato de estarem atuando no mercado já há alguns anos, essa equipe foi crucial para que a organização e o desenvolvimento do curso desse certo. A organização teve um bom aproveitamento, por garantir que todos os módulos fossem realizados de acordo com a programação que estabelecida no início das atividades. Atualmente, podemos presenciar profissionais que saíram desse curso atuando em várias organizações, e estas afirmarem terem orgulho desse profissional. Vejo que, a partir desse curso, tive uma preparação mais organizada para ajudar meu povo e, a partir daí, fiquei mais preparado tanto profissionalmente como politicamente. E continuei progredindo: atualmente estou cursando comunicação social na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) para ajudar o meu povo e também os povos indígenas de acordo com as necessidades de nossos povos tradicionais.

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O curso em si foi pensado com o objetivo de ajudar os povos que tinham suas organizações criadas ou em processo de criação, dando a oportunidade para que pudessem se desenvolver melhor como organização e como gestores. Mas a carga horária do curso deveria ser aumentada para que os alunos fossem mais bem capacitados e preparados para atuar em suas organizações. De acordo com os conteúdos trabalhados, haveria a necessidade de uma avaliação mais apurada, para que fossem selecionados alunos de um mesmo nível escolar para acompanhar melhor o grupo, ou seja, que, pelo menos, todos tivessem o ensino médio. Dessa forma, estaríamos tendo um melhor aproveitamento das atividades desenvolvidas. De maneira geral, o curso contribuiu muito com meu processo de aprendizagem e, assim, poderei atuar com qualidade junto ao meu povo.

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O OLHAR DOS COORDENADORES DOS CURSOS parte 3


Aqui reunimos seis relatos sob a perspectiva dos responsáveis pela elaboração e execução dos cursos. Em sua maioria, os autores são pessoas com nível superior de escolaridade, integrantes de organizações não governamentais (ONGs), membros da academia ou consultores. Todos têm em comum o compromisso político com “a causa indígena”, aliado ao conhecimento e à experiência de trabalho com povos indígenas, particularmente no campo da formação de capital humano e social destinado a processos de desenvolvimento local. Os relatos dão uma muito boa ideia da complexidade de organização e realização desse tipo de atividade, que envolve desafios pessoais e institucionais, logísticos e pedagógicos. Assim como há momentos de otimismo, há outros em que os obstáculos parecem intransponíveis. Entre os temas, problemas e desafios encontrados nos seis relatos a seguir estão: as metodologias adotadas; as ferramentas utilizadas; os conteúdos abordados e desenvolvidos; os materiais didáticos de suporte que foram criados e utilizados em cada caso; reflexões sobre o desafio da diversidade, tanto culturais quanto individuais/pessoais; os momentos de tensão e de conflito, entre os cursistas, com os cursistas, com os financiadores, entre parceiros de implementação de curso etc. Infelizmente um sétimo relato não pôde ser integrado nesta edição. Trata-se do relato do curso coordenado em parceira pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) e o Núcleo Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR). De qualquer forma, os seis relatos que integram esta publicação são indiscutivelmente uma contribuição substantiva para pensar e desbravar novos caminhos por onde seguir daqui para frente, fortalecendo as capacidades locais de gestão da sociobiopolítica nos territórios indígenas.

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O PROTAGONISMO INDÍGENA NA GESTÃO DE PROJETOS: APRENDIZADOS DO PRIMEIRO CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS DO PDPI, MANAUS 2004-2005 36

Darci Secchi Alexandre A. L. Goulart de Andrade Fábio Vaz Ribeiro de Almeida Cássio Noronha Ingles de Souza

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INTRODUÇÃO

O texto a seguir, apresenta um breve relato da experiência de implementação do primeiro Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do PDPI, ocorrido entre 2004 e 2005. Para tanto, recuperam-se elementos históricos, teórico-conceituais e metodológicos do projeto político-pedagógico do curso, bem como uma avaliação de seus resultados, com vistas à sua replicação em políticas endereçadas à questão indígena.

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Os autores dedicam este texto a Idjarruri Karajá.

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AS NOÇÕES DE AUTONOMIA NO DECORRER DA HISTÓRIA 2

Autonomia, na filosofia, psicologia e sociologia, pode ser definida, muito sucintamente e com base em certo senso comum, como a capacidade de tomar decisões sem intervenção alheia. O debate acerca da autonomia e da dependência das pessoas e das sociedades é assunto antigo e, ao longo da história, mereceu diferentes enfoques. Os antigos gregos consideravam autônomas as pessoas ou sociedades que tinham o direito de atribuir-se o próprio nome (derivado do grego Auto=próprio e nomos=lei), isso é, os cidadãos. Séculos mais tarde, os iluministas perceberam a autonomia como a capacidade de pensar e de fazer escolhas, isto é, o atributo dos sujeitos aptos a decidir segundo seus interesses (talvez, a abordagem iluminista influencie até hoje nosso senso comum sobre o termo). A democracia moderna acolheu essa percepção e acrescentou-lhe a noção de poder, ou seja, a capacidade de escolher e de estender essas escolhas às demais pessoas ou segmentos sociais. No pensamento materialista, a ideia de autonomia relacionase à possibilidade do exercício (coletivo) da liberdade. As sociedades autônomas seriam aquelas livres para definir suas relações econômicas, políticas, culturais etc. Mais recentemente, a noção de autonomia foi associada à de soberania e à de desenvolvimento econômico e tecnológico. Nessa perspectiva, a autonomia seria expressa pela possibilidade ou pela impossibilidade de uma sociedade ou grupo definir seu próprio destino, predominantemente na forma e nos limites de um Estado nacional. A autonomia estaria fundada no exercício dos direitos individuais e coletivos de uma população; na capacidade competitiva do seu mercado e no poderio bélico próprio e/ou dos países aliados. Nessa acepção, o mundo estaria dividido em dois grandes blocos: de um lado os países centrais, desenvolvidos, dominantes e autônomos; e,

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do outro, os países periféricos, subdesenvolvidos, dominados e dependentes. Tal dinâmica se daria também no interior de um mesmo país e, muito especificamente, com relação às populações indígenas. Esse entendimento subsidiou grande parte dos trabalhos que tratam das relações históricas dos povos indígenas no Brasil. Sua característica predominante seria a marca do conflito entre “colonizadores” e “índios” e suas explicitações dariam origem às noções de situação colonial (Georges Balandier), fricção interétnica (Roberto Cardoso de Oliveira), situação de contato (João Pacheco de Oliveira Filho), diferentes graus de aculturação (Darcy Ribeiro) etc. Seria, pois, nesse cenário de interesses opostos, de forças desiguais e de resistências heroicas, que as sociedades indígenas deveriam lutar pelos seus direitos constitucionais, pelo direito de preservar a identidade e a diferença, enfim, pelo direito de decidir seu “projeto de futuro”. Foi com esse entendimento que lideranças e apoiadores do movimento indígena deram destaque à luta por autonomia, à conquista dos direitos indígenas e ao exercício da sua livre determinação dentro de um marco nacional. A abordagem da autonomia como um direito a ser concedido e reconhecido, ou como um valor a ser perseguido constituiu um passo importante no tratamento dos assuntos indígenas. Ainda assim, é preciso estendê-la de modo a abarcar outras dimensões igualmente importantes. O primeiro aspecto diz respeito à superação do entendimento de que as sociedades detentoras de maior grau de desenvolvimento econômico, jurídico ou tecnológico devam protagonizar a concessão ou o reconhecimento de direitos às sociedades consideradas menos desenvolvidas. Tal postura é contrária ao protagonismo indígena. A segunda dimensão diz respeito à superação do chamado “império da lei”, isto é, do entendimento de que a norma jurídica seja suficiente para garantir a realização concreta da autonomia indígena. Infelizmente, a história brasileira mostra que as leis

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não bastam. É preciso que a autonomia proposta na legislação seja materializada no cotidiano das comunidades por meio de iniciativas convergentes com os seus interesses e necessidades. Uma última dimensão a ser superada diz respeito à própria noção de autonomia, normalmente tida como sinônimo de supressão das dependências. A consolidação da autonomia indígena não deve ser procurada na tentativa de suprimir as dependências adquiridas ao longo do processo de colonização, mas, inversamente, no propósito de que possam exercer o controle sobre os recursos disponibilizados nas relações que mantêm com outros interlocutores. A autonomia é, pois, um processo negociado em cada contexto específico e deve ter por premissa o respeito aos padrões de convivência e de organização social de cada povo.

O LUGAR DO ÍNDIO NA HISTÓRIA DOS PROJETOS 3

Uma das peculiaridades das sociedades humanas é sua capacidade de incorporar e ressignificar os elementos culturais necessários para a implementação de seus planos de vida (entendido aqui no seu sentido amplo de aspirações coletivas de um povo ou comunidade). Todas elas, em todos os tempos da história, dependeram de recursos externos para viabilizar sua autonomia e seu desenvolvimento. Tal dependência não se limitou apenas aos recursos materiais mas também às maneiras de se organizar, de se comunicar, enfim, de viabilizar as relações entre as pessoas e as sociedades. A chegada de intervenções sob a forma de projetos externos (ou do mercado de projetos) alterou significativamente as relações sociais, econômicas e culturais de muitas comunidades. Junto com os recursos financeiros, os projetos trouxeram também novas funções, novos conhecimentos e novas possibilidades de participação comunitária.

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No caso das sociedades indígenas, os recursos externos podem ser apropriados como ferramentas importantes para seu desenvolvimento ou, inversamente, podem interferir de maneira negativa nas suas relações sociais, econômicas e culturais. O que irá definir se um recurso é adequado ou não aos interesses comunitários será a possibilidade ou a impossibilidade da comunidade decidir sobre a natureza e os objetivos das ações propostas, sobre o ingresso, a administração e a aplicação dos recursos, sobre as estratégias de participação comunitária e sobre o processo de formação dos atores nele envolvidos. Assim circunscritos, os projetos externos adequados serão aqueles que trouxerem maior controle comunitário sobre si e sobre outros elementos culturais apropriados nas relações intersocietárias. Esse exercício do controle coletivo qualifica as sociedades indígenas e pode ser um novo instrumento de luta por maior autonomia, liberdade e desenvolvimento. Entretanto, a história recente mostra que o poder público pouco tem feito para ampliar a autonomia das comunidades indígenas. Ao contrário, evitou-lhes sistematicamente a possibilidade de exercer o controle sobre seus projetos. Um dos marcos dessa relação restritiva remonta à primeira metade do século XX, ao período de vigência do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e ao início da atuação da Funai. Até a década de 1960, quase inexistiam projetos voltados para as comunidades indígenas e, quando propostos, não contavam com a sua participação. Os projetos eram apenas localizados sobre as terras indígenas e seu objetivo explícito era integrar os povos indígenas à sociedade nacional. Nos anos 1970 e 1980, no bojo da expansão desenvolvimentista do Estado brasileiro e ainda sob a égide da ditadura militar, deu-se início a um conjunto de iniciativas oficiais voltadas para a integração nacional. Nesses programas, as ações mitigatórias para as sociedades indígenas tiveram vários objetivos: justificar a captação de empréstimos externos; reduzir os conflitos com as frentes de ocupação; e amenizar os impactos decorrentes da redução dos territórios indígenas. Nesse período houve o que se

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poderia denominar de “inclusão compulsória” dos indígenas em atividades periféricas dos projetos. Nas décadas de 1980 e 1990, no contexto geral da democratização do país e das lutas das minorias por seus direitos, propôs-se a inclusão solidária das sociedades indígenas no âmbito das políticas públicas voltadas para as chamadas populações desassistidas. Tais iniciativas, de caráter assistencial, contemplavam algumas formas de participação indígena e se propunham a resgatar os valores étnicos, culturais e de cidadania. O modelo de financiamento e de gestão dos chamados projetos solidários representou um grande avanço em relação aos períodos anteriores, porém manteve a perspectiva tradicional de ser concebido, elaborado e avaliado segundo critérios dos atores externos. Eram projetos que contavam apenas com a “participação” indígena. Nos tempos atuais, começa a frutificar, no âmbito do movimento indígena e indigenista, bem como das instituições apoiadoras, uma nova concepção de projetos. Eles passam a ser vistos como parte integrante do plano de vida de um povo e/ ou de uma comunidade. A participação indígena é assegurada em todas as suas etapas, desde o diagnóstico de problemas e potencialidades e a definição das prioridades até a sua localização, elaboração, busca de financiadores, planejamento e administração de recursos, acompanhamento das ações, avaliação, registros, divulgação etc. Nessa nova perspectiva, os projetos se ancoram no protagonismo indígena e na sua relação dialógica entre todos os atores sociais e em todas as esferas do poder público. Tratam-se, portanto, de projetos verdadeiramente indígenas. A incorporação da participação e da responsabilização compartilhada tomou força na medida em que se percebeu que o protagonismo indígena no âmbito dos projetos só será possível se forem assegurados os espaços estratégicos para a sua consolidação. Entre esses espaços inclui-se o domínio dos

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saberes relativos à sua gestão (entendida numa perspectiva bem ampla). Foi com o propósito de consolidar esse espaço estratégico que lideranças do movimento indígena – no âmbito do Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI) –37 e agências de cooperação internacional decidiram implementar um curso voltado especificamente para a Formação de Gestores de Projetos Indígenas. O Curso oferecido pelo PDPI visava, de maneira pioneira, criar uma oportunidade concreta para a consolidação de uma estratégia de formação voltada para a autonomia e o protagonismo indígena, possibilitando o exercício do controle sobre os recursos estratégicos disponibilizados em seu meio societário.

O CURSO DE FORMAÇÃO DE “GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS” DO PDPI 4

Como informado na seção anterior, o curso surgiu como uma necessidade de apoiar as comunidades e organizações indígenas na elaboração e implementação de seus projetos, e fez parte do Fortalecimento Institucional, componente da estrutura do PDPI, que contou com recursos do Department for International Development (DFID), agência de cooperação técnica do governo britânico. Durante revisão da estratégia dos grupos de referência desse componente (indígenas e parceiros habilitados para apoiar as organizações indígenas regionalmente) – realizada em reunião com os coordenadores desses grupos e da qual participou, ainda, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia

37 Vinculado, à época, à (extinta) Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

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Brasileira (COIAB) –, foi discutida a necessidade de capacitar gestores dessas diversas regiões da Amazônia Legal. Ainda nessa reunião, foram identificados temas que deveriam constar do curso, cuja estrutura foi consolidada em discussões subsequentes por meio de uma consultoria antropológicopedagógica. O perfil do cursista e o processo de seleção foram elementos centrais na preparação do curso, visto que se pretendia formar quadros que ajudassem as organizações locais a gerenciar seus próprios projetos. Nesse sentido, o curso foi divulgado entre as organizações indígenas de toda a Amazônia, e foi solicitado que indicassem possíveis representantes mediante a apresentação de seus currículos. Em seguida, foram selecionados alunos levando em conta critérios como a região a que pertenciam, escolaridade, envolvimento com o movimento indígena, contato com o “mundo dos projetos” e disponibilidade para estar envolvidos em um curso durante um ano inteiro. Por fim, foi feito contato telefônico com cada um para confirmar seu interesse e apresentar, em linhas gerais, a estrutura do curso. Dessa forma, foram selecionados 31 cursistas, distribuídos da seguinte maneira: cinco do Amazonas, cinco do Tocantins, cinco do Pará, quatro de Roraima, quatro do Acre, três do Mato Grosso, três do Amapá, um de Rondônia e um do Maranhão. É oportuno pontuar questões que nortearam a realização do curso, tal como explicitado a seguir. 6)

Os gestores de projetos indígenas são atores sociais cuja formação e ação devem contribuir para a concretização do plano de vida do seu povo ou comunidade – entendido como um conjunto de aspirações coletivas (qualidade de vida, garantia territorial, fortalecimento cultural etc.).

7)

Os projetos são entendidos como ferramentas estratégicas e, como tal, devem orientar-se por valores éticos e políticos (respeito à diferença e direito à autodeterminação dos povos).

8)

Os gestores devem priorizar o modo de ação participativo, com envolvimento efetivo das comunidades em todas as fases de desenvolvimento de um projeto.

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9)

Os gestores indígenas precisam aprimorar a capacidade de articular as atividades relacionadas aos projetos com as demais atividades comunitárias, transformando-as em ações articuladas com o cotidiano comunitário.

Trata-se, portanto, de uma iniciativa que respeita as formas tradicionais de organização dos povos indígenas em seus modos de produção e transmissão de conhecimento e, ao mesmo tempo, capacita-os para lidar com os impactos causados pela ocupação da Amazônia e pelas relações interculturais. Para atender a esses princípios, o curso propunha-se a desenvolver os seguintes conhecimentos e habilidades prioritárias: 1)

aprofundar a análise e a capacidade crítica acerca da realidade histórica e atual das sociedades indígenas, suas estratégias e demandas;

2)

diagnosticar os problemas, potencialidades e prioridades relacionadas aos projetos; e

3)

capacitar os gestores para a mobilização e assessoramento das comunidades e organizações indígenas.

No enfrentamento dessas questões, o curso deixou de ser um instrumento etnocêntrico ou integracionista, e atendeu a uma necessidade urgente e inadiável de formar gestores indígenas para projetos indígenas, de maneira a romper com a cadeia de dependências caracterizada pela falta de controle sobre o ingresso de recursos externos em seus sistemas culturais. De igual forma, a existência de um quadro técnico habilitado a desenvolver todas as etapas de um projeto – todo o seu ciclo de vida –, enseja a melhoria da qualidade dos projetos. Desse modo, pretende-se superar a maneira artesanal com que muitos deles foram elaborados até aqui e propiciar a escolha de projetos de seu interesse (como alternativa aos pacotes impostos, que suplantaram a diversidade e enfraqueceram a autodeterminação).

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Os possíveis riscos advindos do papel social do gestor de projetos envolvem concentração de poder de decisão; uma eventual falta de respaldo comunitário na negociação de parcerias; riscos de desagregação comunitária; privilégios pessoais ou institucionais; e a tendência ao “projetismo”, isto é, a busca imediatista por recursos externos.

PROPOSTA POLÍTICOPEDAGÓGICA DO CURSO 5

O curso foi estruturado em módulos (ou etapas de estudos) sequenciais, que contemplam conteúdos teóricos e práticos, ações individuais e coletivas, além do envolvimento institucional e interinstitucional para possibilitar sua consecução. Essa estrutura se caracterizou por cinco módulos de concentração, alternados com quatro módulos de dispersão a eles associados. Do ponto de vista pedagógico e acadêmico, o curso foi concebido como um curso de aperfeiçoamento, certificado pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e contou com um projeto político-pedagógico. Os módulos presenciais (módulos de concentração) tinham duração média de 120 horas cada (cerca de 18 dias). Por sua vez, os períodos de estudos dirigidos para o campo (módulos de dispersão), possuíam duração média de 60 dias e eram realizados nos locais de origem dos cursistas, entre uma etapa intensiva e outra. Assim, o curso contava com uma carga horária total de 1.500 horas, distribuídas em estudos presenciais e estudos e atividades de campo. O curso durou doze meses38 e contou com os seguintes temas centrais, distribuídos ao longo dos módulos:

38

O curso foi concluído em junho de 2005.

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1)

realidade indígena brasileira;

2)

diagnóstico geral de projetos;

3)

formulação, apresentação e financiamento de projetos;

4)

implantação, acompanhamento e avaliação de projetos;

5)

lições aprendidas e perspectivas dos gestores de projetos.

Os conteúdos desenvolvidos no módulo introdutório permitiram aos cursistas um “choque” (no sentido positivo) de informações e reflexões acerca da realidade indígena brasileira e seus pontos centrais: histórico do contato, direitos indígenas, desafios do movimento indígena, políticas públicas etc. Foram discutidos temas como conceito de cultura, contato interétnico, desenvolvimento sustentável e gestão ambiental em terras indígenas. Como trabalho de dispersão, o módulo terminou com a construção de um roteiro de análise da realidade local, quando os cursistas voltaram às suas regiões de origem. No segundo módulo, procurou-se retomar as dificuldades que os alunos trouxeram de suas experiências com o roteiro de análise da realidade local. A partir dessas dificuldades, a principal tarefa consistiu no desenvolvimento de teorias e práticas de metodologias participativas relacionadas à etapa de diagnóstico participativo para fins de elaboração de projetos. Enfatizou-se, em especial, a participação comunitária na realização dessa etapa dos projetos. As técnicas de diagnóstico rural participativo (DRP) foram apresentadas de forma objetiva, acompanhadas de exercícios práticos. A atividade de dispersão do segundo módulo propunha aos participantes a realização de um diagnóstico em suas realidades de origem. A partir dessas duas primeiras experiências de campo, os cursistas conseguiram perceber as vantagens e dificuldades associadas ao trabalho participativo. No desenvolvimento dos conteúdos do terceiro módulo de concentração, o foco foi a elaboração de projetos a partir da identificação de problemas, potencialidades e prioridades que o DRP proporcionou. Trabalhou-se, então, com a análise dos

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elementos gerais de projetos (como matriz de planejamento), a utilização de formulários (com destaque para os formulários eletrônico e manual do PDPI), com critérios de análise de projetos etc. Mesmo considerando que diferentes financiadores trabalham com critérios muito distintos para avaliação de propostas, e mesmo com formulários que não são os mesmos, foi apresentada uma estrutura básica de formulários de projetos. Nesse sentido, os cursistas utilizaram computadores para elaborar projetos com o formulário eletrônico do PDPI (auxiliados pelas aulas de informática que ocorreram concomitantemente aos conteúdos sobre projetos). Para o módulo de dispersão subsequente, os cursistas foram divididos em grupos de três ou quatro, em função da proximidade de suas regiões. Cada um encaminhou ao PDPI, no início da dispersão, uma carta de intenção com as ideias discutidas com uma comunidade, mediante um pequeno roteiro prévio de elaboração de pré-projetos (contexto, atividades e justificativa). O processo foi de caráter concorrencial entre os cursistas. O PDPI selecionou, então, entre as cartas enviadas por cada grupo previamente composto, aquela que seria objeto de visita de campo por parte dos cursistas. O grupo foi então a campo para discutir com a comunidade o planejamento das ações e a consequente formatação de um projeto. Para isso, contaram com um consultor de apoio, com a orientação expressa de intervir o menos possível. Ao final desse terceiro módulo de dispersão, cada cursista elaborou um projeto, o qual foi discutido em campo e posteriormente remetido ao PDPI, que solicitou ao consultor acompanhante um parecer para cada projeto e uma avaliação da atuação de cada cursista em trabalho de campo. Essa atividade permitiu um grande salto de qualidade no domínio das técnicas de elaboração de projeto por parte dos cursistas. No quarto módulo de concentração, os cursistas procederam à revisão dos projetos escritos e à sua consolidação em um único projeto por grupo. Além disso, o conteúdo do módulo foi

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dedicado à etapa de monitoramento e avaliação de projetos, tanto em termos físico-técnicos, quanto em termos financeiroadministrativos. Deu-se destaque a modelos de relatórios de monitoramento e avaliação, a técnicas de negociação de conflitos na gestão de projetos e a temas de gestão administrativa e financeira, como prestação de contas. Nesse módulo, também foram repassados os critérios e a metodologia de trabalho posta em prática no sistema de monitoria do PDPI. O último módulo de dispersão (entre o quarto e o quinto módulos presenciais) teve como objetivo a realização de uma visita de monitoria em um projeto apoiado pelo PDPI. Para isso, os cursistas elaboraram um plano de visita de monitoria, a partir da leitura de todo material produzido sobre o projeto escolhido. Os cursistas aplicaram, então, modelos de relatório de monitoramento e avaliação de projetos apoiados pelo PDPI. No quinto e último módulo de concentração, os facilitadores procederam a uma avaliação das atividades e dos resultados alcançados na experiência vivida de monitoramento. Foram reforçados os temas e conteúdos aprendidos através da ênfase ao conceito de ciclo de vida de projetos, permitindo fortalecer os vínculos das etapas anteriores na gestão de projetos. Também foram desenvolvidas oficinas de gestão de projetos voltadas para suprir lacunas de formação. Após o reforço referente às técnicas de gestão, foi realizada uma oficina de políticas públicas e outra de comunicação social. Dando sequência aos esforços de relacionar os conteúdos, foi realizado um seminário integrador, cuja programação contou com a participação do movimento indígena, do governo federal, das agências internacionais de cooperação técnica e financeira e de entidades do terceiro setor (ONGs). Esse seminário buscou a integração do conhecimento novo que os alunos adquiriram sobre o ciclo de vida dos projetos com as demandas das organizações indígenas e as potencialidades dos apoios de organizações governamentais ou não governamentais para a causa indígena.

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Paralelamente ao desenvolvimento dos conteúdos e temas descritos até aqui, foram pensados três temas transversais que devem estar presentes em todas as discussões: a questão de gênero, a questão da cultura e a questão territorial-ambiental. Foram também definidas aulas de português instrumental – principalmente pelo fato de o português ser, como regra, a segunda língua de quase todos os cursistas – bem como de informática, realizadas pelos cursistas em escolas de informática locais durante os períodos de dispersão. Esses aprendizados foram fundamentais para a atuação do gestor na temática da gestão de projetos. A avaliação da experiência de formação dos Gestores de Projetos Indígenas permite destacar alguns pontos importantes para a reflexão teórica, mas também para sua replicação em torno de outras políticas, programas e projetos relacionados aos povos indígenas. Um primeiro ponto diz respeito ao papel do projeto políticopedagógico (PPP), cuja importância é a de referenciar, como peça central, o processo de ensino e aprendizagem, por meio de seus conteúdos curriculares e demais orientações metodológicas. Entretanto, o PPP deve se abrir às contingências do mesmo processo, permitindo apontar caso a caso (e no contexto real das interações sociais e culturais que propicia) o que é essencial e o que é acessório (ou de menor importância, num grau de avaliação de prioridades), em termos de formação. Nesse caso, os temas e conteúdos se mostraram adequados à abordagem de gestão de projetos indígenas. Ou seja, os esforços de capacitação foram direcionados para temas, conteúdos e técnicas sob a perspectiva dos projetos indígenas. O conceito de ciclo de vida de projetos (ou ciclo de gestão de projetos), que abrange todas as etapas e atividades relacionadas à gestão de projetos, foi decisivo para a abordagem desses temas e o encadeamento de seus conteúdos. Por meio desse conceito, tornou-se mais fácil a tarefa de relacionar as várias etapas de gestão de projetos, notadamente, suas três dimensões

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estratégicas: diagnóstico e planejamento participativos; elaboração e execução; e monitoramento e avaliação. Ajustes de temas e conteúdos implementados ao longo do curso permitiram precisar melhor o enfoque metodológico; entretanto, é inevitável que alguns conteúdos demandem mais tempo para serem desenvolvidos (por exemplo, o acompanhamento financeiro). Algumas carências puderam ser diagnosticadas a tempo da realização do último módulo, permitindo sua retomada em aulas de reforço. Inevitavelmente, alguns enfoques, como a gestão de organizações indígenas, foram apenas tangenciados ao longo do curso. Essa e outras questões que não puderam ser exploradas de forma mais detida e detalhada por fugir ao tema central, demandam esforços complementares por meio de cursos de formação continuada ou específicos – como aconteceu posteriormente, com a realização do curso de formação de gestores de organizações indígenas. Para esses temas, o curso oferece uma estrutura geral que pode ser adaptada, de acordo com o objetivo formativo que se pretende alcançar. É importante que a instituição proponente da iniciativa de formação disponibilize seus quadros e know-how, permitindo uma imersão e contato estreito entre a capacitação e as demais atividades da entidade, especialmente se ela estiver direta ou indiretamente ligada à questão indígena (ou se for implementadora de programas e projetos). Um ponto que merece destaque é a importância que o curso (e seu enfoque metodológico) deu à coleta de informações e de ideias a partir das comunidades, ao longo dos trabalhos de dispersão, nos quais as técnicas e ferramentas aprendidas nas aulas presenciais puderam ser exercitadas na prática. Os cursistas descrevem este procedimento como “saber ouvir a comunidade para depois apresentar os resultados das ideias”. Ao final do curso, com uma carga de novos conhecimentos e técnicas de gestão de projetos por parte dos cursistas, faltava

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integrar tais conhecimentos e os futuros gestores a um espectro mais amplo de políticas, programas e projetos voltados para as realidades indígenas. O seminário integrador cumpriu essa função, permitindo não apenas a troca de experiências entre os participantes do evento mas também a avaliação crítica por parte dos gestores sobre as características do mercado de projetos. Ou, como disse um cursista concluinte, à época: “Temos que saber o que queremos, pois acabamos aceitando todo tipo de projeto em função do recurso disponível, sem avaliar o que realmente queremos”. A propósito, a participação dos cursistas ao longo da experiência foi intensa e marcante. Além de ter sido sistematizada de módulo a módulo, permitindo uma leitura atenta da evolução de cada cursista, a participação foi sempre um fator decisivo na condução do curso. Ao longo dos módulos presenciais, durante todas as manhãs, os cursistas, orientados pelo facilitador, realizavam avaliações do percurso transcorrido, apontando facilidades e dificuldades em torno, por exemplo, dos conteúdos, da metodologia, da participação dos alunos e da condução do processo de ensino e aprendizagem. Durante o curso, aplicou-se uma avaliação sistemática, que consistia em autoavaliações, realizadas individualmente, e avaliações em plenária, com todos os atores envolvidos. Isso permitiu aferir o modo como os cursistas avaliaram, individual e coletivamente, sua capacidade de “parar, pensar, e seguir” sua caminhada de conhecimento e experimentação com consciência de seus progressos e limitações. Essas avaliações contribuíram em muito para a efetiva condução do curso, permitindo ajustes de rota, maior interação entre os atores envolvidos e, certamente, legitimidade a um evento de perfil transcultural. Por fim, o curso desembocou num produto final, que sintetizou todo o processo de aprendizagem para os cursistas: os dossiês – os trabalhos de conclusão de curso, que foram entregues antes de sua diplomação.

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Pode-se afirmar que todos os cursistas se beneficiaram do curso. Todos certamente incorporaram em definitivo uma nova leitura sobre os projetos (e, de alguma forma, incorporaram-na à sua atuação), vistos não mais como simples “listas de compras”, mas como processo social e comunitário de construção de uma mudança desejável. Certamente, a apropriação de ferramentas teóricas e práticas ensejou nos cursistas novos horizontes de atuação. E, concretamente, muitos desses novos quadros foram apropriados por suas bases, seja em organizações indígenas,39 seja em organizações governamentais40 ou não governamentais. Alguns se tornaram lideranças das organizações de seus povos, um acabou por fazer parte da coordenação da COIAB e houve ainda casos de ex-cursistas, detentores de notória expertise na matéria, que foram contratados ad hoc para assessorar projetos junto aos programas da gerência indígena do MMA (um ex-cursista fez parte do Comitê Gestor do Programa Carteira Indígena). Os exemplos de gestores bem formados e com atuação continuada, bem como a melhoria do trabalho de suas organizações ou de entidades, que aproveitaram essa mão de obra qualificada, são, portanto, inequívocos. Além disso, todos os projetos que foram elaborados ao longo do curso pelos cursistas foram posteriormente apoiados pelo PDPI, gerando uma sinergia entre os componentes de fortalecimento institucional e de apoio à sub-projetos. Em termos ideais, seria importante que, doravante, as organizações indígenas (e demais organizações governamentais e não governamentais voltadas para políticas, programas e projetos indigenistas) incorporassem crescentemente os gestores formados para trabalhar com as comunidades de

39 Como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o Conselho Indígena de Roraima (CIR), a Associação dos Povos Indígenas de Roraima (Apir), a Associação Wyty Catë, a Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque (Apio), entre outras. 40 Funai e Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Estado do Acre (Sepi).

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sua região. Isso nem sempre tem acontecido, seja por falta de condições de arcar com seus salários, seja por não perceberem a importância que o trabalho destes jovens pode vir a ter para o movimento indígena local. Uma análise do processo de implementação do curso permitiu identificar também pontos que precisariam ser modificados quando da replicação, ocorrida após este curso inicial em Manaus. Tal como foi planejado e implementado, com alunos representantes das diversas regiões da Amazônia, o curso acabou tendo um custo elevado, dificilmente replicável. Nesse sentido, a estratégia de reedição do curso, através de sua regionalização em contextos microrregionais (como adotada pelo PDPI), parece bastante acertada. Outra questão importante a ser levantada (nesse e nos cursos que se seguirão) está relacionada à necessidade de uma formação continuada e prática dos gestores que concluíram o curso. A formação continuada possibilita a troca entre os momentos de ensino presencial (sob uma dada metodologia de formação diferenciada) e as experiências concretas vividas junto às comunidades, permitindo um enriquecimento no processo de aprendizagem e um saber prático que vai muito além do que pode ser ensinado em sala de aula. Os cursistas avaliaram também que é importante haver, sempre que possível, representantes de suas organizações de base nas atividades de capacitação (o que, certamente, pode ser melhor implementado em escala regional). Críticas também foram feitas quanto à baixa representatividade de regiões importantes no conjunto da Amazônia brasileira, além do fato de ele ser dirigido apenas às etnias dessa região. A avaliação, portanto, que os diferentes atores envolvidos fizeram foi bastante positiva. Como experiência razoavelmente inédita entre os povos indígenas no Brasil, com metodologias e conteúdos adaptados à sua realidade, o curso teve seus objetivos plenamente alcançados. Além disso, deixa importantes lições de aprendizado como legado, quando se considera que, sendo iniciativa demonstrativa em escala piloto, o curso criou e

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consolidou (com o auxílio dos demais cursos que se seguiram) uma metodologia a ser replicada em outras regiões e que pode influenciar políticas públicas. Tais estratégias formativas constituem mecanismos fundamentais de fortalecimento das organizações indígenas. Daí a importância de se destacar o legado constituído pelo fortalecimento da instituição indígena parceira (COIAB), pelos oito cursos de formação de gestores indígenas (incluindo sete de projetos e um de organizações), que atendeu cerca de 240 representantes indígenas. O êxito do curso comprovou também o acerto da experiência de cogestão, envolvendo o movimento indígena (através do protagonismo e compromisso da COIAB), do governo e dos doadores. Os aprendizados aqui extraídos apontam para um potencial de replicação muito grande. A recém-instituída Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI), por exemplo, pode e deve se beneficiar desse arcabouço institucional e metodológico representado pelos cursos de formação, no âmbito do componente de fortalecimento institucional do PDPI. Visto que essa nova política pretende garantir formação, capacitação e sensibilização dos agentes governamentais, das comunidades indígenas e da sociedade civil no que se refere à gestão territorial e ambiental indígena, cumpre salientar que, com tais cursos, a Gerência Indígena do MMA acumulou larga experiência em termos de capacitação voltada para o fortalecimento da gestão ambiental e territorial das terras indígenas, seja através das atividades e iniciativas dentro dos projetos apoiados, seja através dos cursos e processos de capacitação mais amplos.

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FORMAÇÃO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS NA REGIÃO DO RIO NEGRO, AMAZONAS

Renato Athias Maximiliano Menezes Rosilene Fonseca

Neste relato, apresenta-se a experiência dos autores em dois cursos organizados pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) para formar indígenas na área da gestão de projetos. Esses cursos foram realizados em São Gabriel da Cachoeira, em 2008-2009 e 2011-2012. O primeiro curso recebeu o apoio financeiro do Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI), e contou com a participação de 25 representantes indígenas das cinco regiões administrativas da FOIRN. O segundo curso recebeu dois representantes dessas mesmas áreas, com um total de dez cursistas, e obteve o apoio financeiro do programa de Extensão da Secretaria de Ensino Superior (Sesu) do Ministério de Educação (MEC), por meio do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (Nepe) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ambos os cursos receberam a certificação pela Pró-Reitoria de Extensão da UFPE.

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Figura 1 – Terras indígenas do Alto Rio Negro Fonte: Site FUNAI.



Inicialmente, vale dizer que a região do rio Negro, engloba sete diferentes terras indígenas, sendo que cinco delas, juntamente com as áreas de preservação ambiental, compreendem uma extensão de 103.000 km2 em terras contínuas. Dentro delas encontram-se duas bacias hidrográficas importantes de rios afluentes do rio Negro, ou seja, o rio Uaupés e o rio Içana, que fazem fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Nessa região, vivem cerca de 40 mil indígenas, das famílias linguísticas Tukano, Arawak, Nadahup e Yanomami, as quais estão espalhadas em mais de setecentas comunidades em toda essa região. Uma das temáticas que talvez mereça atenção especial seja a própria elaboração do projeto dos cursos, bem como a formatação e operacionalização desses cursos. Essa questão parece ser importante, sobretudo, para entender o papel da organização indígena proponente, nesse caso a FOIRN, que elaborou os projetos destes cursos juntamente com os assessores do PDPI – portanto de acordo com as orientações do PDPI – e com os assessores do Nepe (UFPE). Ao ler as propostas dos cursos, percebe-se que foram organizados tendo em vista os interesses das instituições financiadoras. Essa questão fica evidente quando se faz a leitura das justificativas, em que a organização proponente se apresenta, na realidade, apenas como “receptora” de atividades que levariam a um empoderamento maior de seus quadros. É necessário ressaltar esse fato, pois essa questão levará a uma observação central, percebida durante a realização dos cursos, e que parece ser uma compreensão geral dos projetos desenvolvidos em toda a região do Alto Rio Negro. Em outras palavras, parece que a organização indígena estava “a espera” das possibilidades de financiamento, e responde exatamente na direção em que o financiamento está sendo proposto pelas instituições de fomento. Nesse momento, podese caracterizar essa questão como uma “atitude de espera”. O que exatamente isso pode trazer para o coletivo? Se todos do grupo “esperam” e recebem “as coisas” e os “conhecimentos” daqueles que trazem, nesse sentido, o projeto torna-se apenas um receptor daquilo que alguém que vem de fora pode trazer de

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bom. Percebe-se essa atitude em vários níveis ou situações. Mais adiante neste texto serão trazidas mais observações sobre isso. Com relação aos objetivos, eles estão muito bem estabelecidos e estão de acordo com interesses mais globais. É importante nesse momento caracterizar a região do município de São Gabriel da Cachoeira, em que se desenvolverá a questão. Em termos de conjuntura nacional, ressalta-se que, em 2008, quando a FOIRN desenvolveu o projeto do curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, o Brasil mostrava estar desempenhando um papel importante nas novas, e possíveis, estruturas do desenvolvimento mundial. Nessa ocasião, o país mostrou algumas dessas possibilidades, desses caminhos, considerando as diferentes situações e, sobretudo, as distâncias existentes entre os grupos sociais. O país não contava apenas com o peso cada vez maior de sua economia e com sua crescente visibilidade na diplomacia internacional; também vinha conquistando uma reputação importante como centro de inovação – o que se pode chamar de “gestão democrática” –, sobretudo nas políticas sociais, e estava cada vez mais ciente de suas responsabilidades como guardião de parte importante do patrimônio ecológico, genético e sociocultural do planeta. Em nível interno, no entanto, as metas do desenvolvimento permaneciam repletas de desafios e apresentavam, ainda, muito espaço para as políticas públicas brasileiras serem, de fato, fortalecidas com outros aportes, seja pela experiência internacional, seja pelos saberes locais de cidadãos que raramente são ouvidos nas grandes decisões – como é o caso, principalmente, das populações indígenas. Portanto, nesse sentido, São Gabriel da Cachoeira, como um município pobre e distante dos centros de poder nacionais e internacionais, poderia vir a receber atenção de esferas governamentais por dispor de características específicas quanto a sua diversidade étnica e cultural. É também um município onde o movimento indígena vem há anos desenvolvendo um forte processo de reflexão sobre alternativas de desenvolvimento capazes de tratar com seriedade os direitos e os saberes dos povos indígenas.

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A transferência de poderes, se se pode chamar assim, vem acontecendo em vários espaços da administração e em experiências importantes no Brasil. Em muitas situações, os índios estão substituindo os gestores que antes vinham de fora. E em janeiro de 2009, inaugurou-se uma nova administração municipal, capitaneada por lideranças indígenas que vinham tentando incorporar os resultados das trajetórias e a reflexão sobre a governança local. Por isso, São Gabriel da Cachoeira seria o local ideal para se desenvolver um debate sobre gestão, que buscasse articular a experiência local, nacional e internacional e, sobretudo, os saberes indígenas e ocidentais, a partir dos quais se poderia gerar novas visões do desenvolvimento. Foi exatamente nessa perspectiva que o II Curso de Formação de Gestores Indígenas foi idealizado e colocado em prática por meio de seus módulos, carecendo ainda uma melhor avaliação. Durante vários anos, a composição da FOIRN compreende cinco regiões organizativas, supramunicipais, abarcando toda a bacia hidrográfica do rio Negro. De acordo com as lideranças da FOIRN, essas regiões, geograficamente demarcadas e tendo como fronteiras políticas as calhas de rios, representam territórios que tinham, e têm, uma representação política no organograma da FOIRN. É nessas regiões que são agrupadas as associações. Com o passar dos anos, formaram-se coordenadorias nessas regiões, com atribuição específica para suas áreas geográficas e no formato de organização. Dessa forma, essas áreas foram formalizadas como regiões administrativas da FOIRN. Atualmente, a FOIRN é composta por 94 associações indígenas, com quase todas elas representando um espaço territorial. Em outras palavras, as associações representam as pessoas que vivem nas aldeias de um espaço territorial definido e não de um grupo étnico ou de uma região étnico cultural específicos. Esse modelo permite o funcionamento e a operacionalização da FOIRN. Nos dois cursos realizados, o processo de seleção dos cursistas direcionou as vagas para cada uma dessas regiões administrativas da FOIRN, de modo bastante equitativo. Na realidade, os participantes foram selecionados em função de interesses políticos da diretoria da FOIRN. E esse é um

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fato importante a considerar. Certamente, o primeiro critério envolvia a disponibilidade de tempo e a vontade pessoal de cada um para enfrentar um número elevado da carga horária preestabelecida. Cada uma das regiões elaborou os próprios critérios para selecionar seus representantes nos cursos. Ou seja, o movimento se deu em duas direções: a FOIRN decidindo a disponibilidade de vagas e as regiões referendando seus participantes. Os dois cursos utilizaram-se do modelo de curso conhecido como “formação em serviço”, ou seja, quase todos os participantes estavam envolvidos com suas associações e possuíam atribuições e cargos nas coordenadorias regionais. Os cursos foram organizados levando-se em conta a situação de cada um dos cursistas. Organizados em módulos, os cursos contavam com momentos presenciais, em São Gabriel da Cachoeira, e períodos de dispersão, em que os cursistas realizavam atividades nas suas regiões. Reproduzem-se a seguir, brevemente, as palavras utilizadas pelos participantes do curso para expressar suas expectativas em relação ao curso em geral. •

“Quero aprender fazer projeto pro baixo Uaupés”.

“Ajudar a comunidade”.

“Melhorar forma de expressão, dando orientação clara”.

“Levar semente para melhor planejamento de projetos”.

“Trabalhar melhor na associação”.

“Melhorar assistência nas comunidades abrangentes”.

“Melhorar a elaboração de projeto para poder desenvolver as atividades na comunidade”.

“Cuidar da terra demarcada”.

“Elaborar e gerir projetos será fundamental”.

“Ajudar a área da comunidade”.

“Aprender muitas coisas”.

“Facilidade de elaborar projeto”.

“Ajudar associações”.

“Responsabilidade para representarmos melhor nossa região”.

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“Recursos humanos formados capazes de pensar, discutir e planejar, argumentar sobre as problemáticas de sua região”.

“Aprender elaborar projeto”.

“Adquirir mais conhecimento”.

“Concluir curso para melhorar trabalho”.

“Adquirir mais conhecimento estudando juntos”.

“Para ajudar os meus parentes”.

“É querer aprender a fazer projeto”.

“Adquirir mais conhecimento”.

“Fazer pesquisa junto com o povo, o que há de prioridade e dificuldade”.

“Ser profissional de projetos”.

“Melhoria das comunidades”.

Essas as expectativas motivadoras, expressas e debatidas no início do curso, foram as que levaram os participantes a se deslocar para São Gabriel, local das aulas, e participar dos módulos. Em um levantamento rápido, pode-se situar essas expectativas em dois grandes blocos. O primeiro, voltado para os interesses a FOIRN, no sentido de promover uma melhor distribuição das tarefas, principalmente a de elaboração de projetos; e o segundo, voltado para uma maior independência das áreas administrativas da FOIRN. No fundo, esses dois grupos de expeditivas estavam relacionados a um interesse muito grande em formar dirigentes indígenas nas mais diversas associações. Resumidamente, os interesses da FOIRN estão sintetizados na citação a seguir, extraída da documentação do projeto de curso: “formar gestores de projetos indígenas como agentes e elaboradores de projetos com capacidade de acessar fundos financeiros em apoio aos trabalhos comunitários, como modelos demonstrativos para que sejam replicados pelos governos municipal, estadual e federal”. Já as expectativas do segundo bloco estão expressas no seguinte trecho, também encontrado na documentação do projeto: “formação de quadro técnico de indígenas com conhecimento da realidade local e regional,

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com capacidade de desenvolver trabalhos de interesse coletivo e individuais para atender às discussões dos problemas socioambientais junto a suas comunidades e buscar soluções”. Ambas as formulações estão completamente em consonância com a formação de quadros técnicos para as associações. Nesse sentido, numa avaliação bastante rápida, pode-se dizer que os dois cursos responderam muito bem a esses interesses. Os participantes dos cursos estão instrumentalizados para realizar análises situacionais dos principais problemas e transformar isto em um documento para solicitação de recursos. A estrutura curricular e a organização dos conteúdos foram amplamente debatidas com as duas direções da FOIRN e construídas em conjunto com os diretores e a coordenação do Departamento de Educação da FOIRN. As aulas partiram de reflexões sobre como viviam os povos antes da chegada dos colonizadores e os primeiros contatos, acompanhadas de provocações relacionadas à questão de identidade de cada cursista, sua história, seu clã, sua língua e seu território. Os módulos foram importantes para buscar uma maior interação entre os participantes, mas, sobretudo, para mostrar que a gestão de projetos não tem uma fórmula única que deveria ser apropriada para resolver os problemas nas diversas e diferentes áreas. O debate com a diretoria da FOIRN sobre os conteúdos do curso foi extremamente importante para dar um tom bastante específico e conferir um caráter especializado aos módulos dos cursos. A gestão administrativa do curso foi constituída por um membro da Diretoria Executiva, cursistas, lideranças indígenas de base, facilitador e Coordenação Pedagógica. Foi criado um conselho deliberativo, que construiu um regimento interno, com normas para o bom andamento do curso. Os módulos iniciais, de ambos os cursos, consistiram, principalmente, em: discussão sobre a história dos povos; debates sobre movimento indígena do rio Negro, enfatizando as identidades culturais e o papel das associações; apresentação da realidade atual das comunidade; e inventário das novas necessidades. Também foram ministradas aulas sobre a atual realidade das organizações indígenas, demarcação dos territórios

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e suas perspectivas. Os facilitadores fizeram uma retrospectiva sobre a luta dos povos indígenas do rio Negro, desde a fundação da FOIRN até os dias atuais. Foram apresentados projetos já realizados, tais como: os de criação de peixes, desenvolvidos nas comunidades do Rio Tiquié; Arte de Arumã, desenvolvido nas comunidades Baniwa, no rio Içana; e resgate dos ornamentos sagrados, dos povos indígenas do rio Negro. Interessante notar que, apesar de aparentemente fazerem parte de uma mesma situação, na realidade, há diferenças profundas nas realidades dessas cinco áreas administrativas. Dois aspectos merecem ser ressaltados nessa parte dos módulos introdutórios. O primeiro deles tem a ver com apresentação, por parte dos participantes do curso, dos problemas identificados nas gestões de projetos em suas áreas. Cada uma das regiões apresentou os principais projetos executados ou que estavam sendo executados em suas áreas, bem como as lições e os aprendizados. Esse movimento de olhar a realização dos projetos em suas áreas foi extremamente importante para dar sentido a um olhar mais gerencial sobre as atividades e etapas de implantação de projetos. O segundo momento teve a ver com a hierarquização desses problemas identificados. Atividades de treinamentos específicos foram garantidas em outros módulos, como aulas de língua portuguesa, de informática, sobre as atribuições das associações e a legislação específica que rege essas associações. Também foram oferecidas aulas práticas, com conteúdos bastante direcionados para o gerenciamento burocrático e administrativo dessas associações. Além de questões bem práticas, outros conteúdos, como direitos indígenas, foram tocados amplamente. Nas aulas de direitos indígenas, os alunos refletiram sobre os costumes tradicionais de cada povo, principais mudanças e desafios da atualidade, além do processo demarcatório e as portarias da demarcação das terras indígenas do Rio Negro. Os alunos realizaram trabalhos em grupo e produziram texto sobre as comunidades e associações nas cinco regiões de abrangência do curso. Os cursistas produziram um informativo eletrônico, com notícias de suas referidas comunidades. Além disso, os alunos foram envolvidos em dois grandes eventos em 2009, o Seminário

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de Mudanças Climáticas e a Semana dos Povos Indígenas do Rio Negro, ambos realizados na Maloca da FOIRN. Como resultado do primeiro módulo, foram elaborados textos individuais, com sua história e de seu povo indígena, e textos coletivos: um sobre a mitologia de criação de seu povo e outro com um roteiro de coleta de informações da história de sua comunidade e da associação de sua região. Outros dois eventos importantes foram a realização de dois seminários de encerramento dos cursos, que envolveu outras instituições municipais. O terceiro módulo do curso teve sua ênfase voltada especificamente para a gestão das associações e o gerenciamento indígena tradicional. Os conteúdos abordaram também a lógica de ocupação do território e o gerenciamento do espaço geográfico, além da tecnologia alimentar, modos de produção indígena e as estratégias de interculturalidade como ferramenta fundamental nas relações sociais. Os alunos apresentaram os trabalhos realizados durante o período de dispersão de acordo com o seguinte roteiro: exposição dos mapas; definição do perfil histórico; concepção de árvores de problema e de objetivos; e elaboração de textos em forma de relatório. Os alunos também fizeram um breve depoimento sobre o trabalho na comunidade, e os facilitadores avaliaram a metodologia desenvolvida nessas atividades de dispersão, perfil histórico, chuva de ideias, mapeamento participativo, caminhada transversal e calendário de atividades. Os alunos receberam orientação para elaborar os projetos a partir da árvore de objetivos. Foi explicada a importância de: apresentação do contexto da região, objetivo geral, objetivos específicos, resultados esperados, indicadores, atividade e cronograma, metodologia, justificativa e orçamento. Os cursistas também foram conscientizados de que o projeto elaborado deveria ser apresentado, discutido e aprovado em reunião com a comunidade. Destacou-se também para os alunos que a associação deve ter flexibilidade na negociação e contratação de um projeto e que a associação dever ser ágil para responder ao financiador. Dentro da perspectiva do marco lógico elaborado por todos os participantes, esse ponto foi considerado essencial para a

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elaboração de projetos. O que se ofereceu era uma estratégia para facilitar o processo de concepção, elaboração, execução e avaliação de projetos tendo como principal finalidade oferecer uma estrutura racional ao processo de planejamento e, sobretudo, possibilitar uma síntese das informações sobre o projeto. Nesse aspecto, o segundo curso foi desenvolvido muito mais pautado pelo entendimento das diferentes racionalidades – a indígena e a ocidental – na elaboração de um projeto a partir do entendimento dos marcos lógicos. Nesse sentido, os cursistas perceberam muito bem as diferenças entre essas formas de pensar e puderam expressar como vivem entre esses dois modos distintos: quando estão nas suas comunidades, devem responder a uma racionalidade bastante voltada para o pensamento indígena; quando estão fora de seu ambiente, lidam com a outra racionalidade. Esse é um dos aspectos centrais para o entendimento do papel das ferramentas interculturais no processo de formação e no desenvolvimento de ações voltadas para a gestão de projetos. Um dos conteúdos mais significativos e que teve uma excelente participação dos cursistas nas duas edições do curso foi o Planejamento Monitoramento e Avaliação (PMA) de projetos – especialmente quando foram apresentadas as formas de utilização e controle dos recursos e de operação de projetos, relacionadas com o plano de trabalho. Em gestão financeira, foram abordadas noções de contabilidade e matemática financeira. No primeiro curso, o projeto do II Festival de Música Indígena do Rio Negro, que tinha sido aprovado pelo PDPI em 2009, foi utilizado como referência nas aulas práticas de gestão financeira. Nesse tópico, foram proporcionados assuntos tais como contrato de projeto, abertura de conta bancária, compras, carta convite, tomada de preço, planilha de apuração de preço, lançamento de despesas na planilha diária, preenchimento de cheque e cópia de cheque, orçamento, relatório financeiro e prestação de contas. Os facilitadores fizeram exercícios práticos, tais como montagem de equipe e planejamento das atividades de um projeto aprovado. Quanto ao trabalho de campo, cada cursista apresentou o seu, e o facilitador analisou um projeto de cada vez, verificando os elementos básicos tais como: nome, apresentação, contexto, objetivo geral e objetivos específicos,

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metas, indicadores, justificativa, atividade, metodologia, cronograma e orçamento. Fazendo uma análise mais global dos conteúdos desses cursos, pode-se assinalar alguns conceitos utilizados na área de gestão de projetos que foram amplamente discutidos e que provocaram impactos positivos na organização proponente. Um desses debates foi desenvolvido em torno da noção de “projeto” e a necessidade de clareza sobre o significado dessa palavra e, sobretudo entender como essa noção é compreendida pelos membros das mais diversas comunidades indígenas, já que não há uma tradução válida para as diversas línguas. Isso foi importante não só para os cursistas mas também para todos aqueles que trabalham nas associações. Da mesma forma, a noção de “participação”, bastante utilizada em todos os aspectos da gestão de projetos, foi amplamente debatida. Discutir esse conceito entre os participantes do curso permitiu também compreender o que significa a participação social no desenvolvimento de projetos nesta região específica, onde as relações sociais são determinadas por um sistema hierárquico que é a base da organização social entre os povos indígenas do rio Negro. Na realidade, esse debate proporcionado pelos dois cursos precisaria, de acordo com os participantes, ser ampliado entre os assessores que atuam junto às associações indígenas no rio Negro. Neste sentido, os participantes sugeriram organizar um seminário ou uma oficina com os gestores das associações indígenas da FOIRN e os diversos assessores para uma melhor compreensão da noção de participação e, assim, poder trabalhar melhor os projetos nas diversas regiões. Outros dois conceitos introduzidos e discutidos, e que foram importantes no processo de debate nos diversos módulos, têm a ver com as noções de “oportunidades” e de “riscos” que impactam diretamente o desenvolvimento do projeto e, consequentemente, a possibilidade de sucesso. Analisando os relatórios dos facilitadores, encontra-se a temática específica do desenvolvimento de um determinado projeto, que se poderia chamar de metodologia. Ou seja, para que

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o projeto aconteça dentro de padrões previsíveis, é preciso uma metodologia de trabalho. O debate sobre essa metodologia talvez tenha sido o foco central dos dois cursos, pois está associado ao “fazer”, à execução dos objetivos de um projeto. Nesse sentido, a metodologia, como um conjunto de processos, documentos e regras para o desenvolvimento do trabalho, ocupou um tempo significativo nos conteúdos discutidos entre os participantes. Em outras palavras, a grande questão foi como dotar as associações e os gestores de projetos de um conjunto de regras operacionais, que o projeto poderia usar para criar sua própria metodologia no contexto, incorporando os saberes tradicionais nesses processos de gestão de projetos. Nas discussões entre os participantes, notou-se que, em quase todas as regiões, existem falhas no “controle de desempenho” dos projetos desenvolvidos. No segundo curso, houve um debate maior sobre essa questão e percebeu-se que esse aspecto estaria mais associado às diversas questões culturais dos povos indígenas que propriamente a uma “eficiente” técnica de controle. Entender mais aspectos das dinâmicas culturais deveria ser o norte para poder entender como fazer um controle de desempenho nessa região. Diante dessa questão, na análise sobre insucesso dos projetos, os participantes apontaram uma “falta de liderança efetiva” na condução do projeto. Essa questão talvez fosse uma das principais ao se associar as dinâmicas culturais com a gestão de projetos indígenas em toda a região. Esse aspecto está realmente associado à temática da organização social e do parentesco como um elemento central, que está na espinha dorsal de formação da associação e no desenvolvimento de um projeto na região, que tem uma organização social das mais singulares, baseada num sistema altamente hierarquizado. Conclui-se, assim, que, para entender os aspectos relacionados à liderança de projetos nessa região, seria preciso entender muito mais sobre o funcionamento da organização social e do parentesco nesse contexto cultural específico. Ainda com o intuito de ressaltar os temas que foram centrais nos debates sobre os conteúdos apresentados, uma das temáticas que tomou muito tempo nos debates durante o

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módulo de planejamento, avaliação e monitoramento foi o do planejamento, identificado como uma lacuna a ser realmente preenchida na gestão dos projetos no rio Negro. Os cursistas associaram grande parte dos insucessos dos projetos ao planejamento deficiente e, sobretudo, a expectativas irrealistas. O planejamento talvez seja muito mais uma “arte” do que uma técnica. Mesmo usando as mais sofisticadas ferramentas, o planejamento pode virar um fracasso. Durante os debates, os participantes dos cursos não souberam associar esse fato a uma questão específica, apenas se constatou que o planejamento nunca teve um bom êxito no conjunto dos projetos executados na região. A discussão sobre o porquê levou a todos a pensar que, em geral, os planejamentos foram desenvolvidos a partir de premissas erradas. Constatando-se esse fato, percebeu-se que, ao partir de premissas sem base nas diversas realidades, colocam-se dificuldades à realização do projeto já desde o início. Durante a realização dos cursos, foram elencadas inúmeras iniciativas entre os projetos que não deram certo em toda a região. A seguir, apresentam-se os projetos elaborados durante os cursos, todos voltados para as principais questões que afetam as comunidades de origem dos cursistas. • Projeto de recuperação do Caranazal, na Comunidade de Boca da Estrada, localizada no rio Tiquié; •

Revitalização da Cultura Tradicional dos Yanomami de Maturacá; e

Manejo Pesqueiro nas Comunidades do médio e baixo rio Negro.

Os facilitadores também ajudaram os alunos a verificar os pontos fortes, as oportunidades, os desafios e as ameaças envolvendo os projetos. Ainda nesse módulo, procurou-se capacitar os cursistas, por meio de aulas de informática, principalmente no uso do programa de edição de planilhas eletrônicas Excel. Essa é outra medida que contribui para que eles próprios pudessem elaborar o orçamento dos projetos, além da pesquisa de editais das financiadoras, e do incentivo para que cada cursista criasse um e-mail para comunicação com o orientador da monografia. Finalizando o módulo, os alunos

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foram orientados a escolher os temas de pesquisa relacionados à gestão indígena. Também promoveu-se a realização de trabalho em grupo sobre o tema “autossustentação nas comunidades”, para ajudar a reflexão durante a pesquisa de campo em relação à sobrevivência dos gestores nas próprias comunidades após o término do curso. Foram levantadas as seguintes problemáticas: como ser autônomos e se autossustentar? Quais as alternativas de autossustento? Quais as novas formas de autossustento e sobrevivência na sua comunidade? Como ter economia própria nos territórios indígenas? Os participantes fizeram a apresentação dos trabalhos e juntos discutiram os possíveis caminhos após termino do curso. No entanto, ainda se percebeu a necessidade de incorporar nesses cursos elementos centrais das dinâmicas culturais no sentido de pensar no sucesso de um projeto. Em outras palavras, qualquer “modelo de gestão” a ser implantado ou desenvolvido deve estar associado fortemente a todos os elementos culturais relacionados às culturas indígenas dessa região. Esse deve ser um dos princípios mais importantes para que um projeto seja exitoso entre os povos indígenas do rio Negro. Para finalizar, é importante elencar os nomes de todos os que estiveram como facilitadores nesses dois cursos realizados através da FOIRN. Foram eles que, sem dúvida, ajudaram, com suas reflexões, a melhor compreensão sobre a gestão de projetos desenvolvida em toda a região: Abrahão França, Deivison de Oliveira Bento, Domingos Sávio Borges Barreto, Edilson Martins, Eliana Saldanha Pedrosa, Franklin Paulo, Geórgia Silva, Jeferson Barbosa, José Maria Lana, José Strabeli, Luiz do Santo Brazão, Madalena Paiva, Marlindo Maia de Souza, Maria Aparecida Azevedo, Maximiliano Menezes, Nina Kahn, Orlando da Silva Melgueiro, Orlando José de Oliveira, Paride Bullettin, Renato Athias, Roberto dos Santos, Rosangela dos Santos, Rosilene F. Pereira, Suzy Evelin, Valéria Souza, Vilmara Monteiro.

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O CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS DO NOROESTE DE MATO GROSSO, DE RONDÔNIA E DO SUL DO AMAZONAS: BREVE RELATO E AVALIAÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA

© acervo ieB

Henyo T. Barretto Filho41

41 Este texto representa única e exclusivamente a visão de uma das instituições parceiras da iniciativa, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), que figura formalmente como proponente da iniciativa junto ao Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI), por razões que são explicadas a seguir. A Associação Fórum das Organizações Povo Paiter Suruí de Rondônia, que originalmente provocou o IEB a ajudá-la a responder ao edital do PDPI e figura formalmente como executora da iniciativa (como descrito adiante no texto), se desarticulou durante a execução do curso, tendo perdido importante apoio institucional da cooperação internacional norueguesa. Assim sendo, não foi possível contar com a colaboração da associação na elaboração deste texto.

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INTRODUÇÃO

Este texto apresenta um breve relato e uma sucinta avaliação do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas de Noroeste de Mato Grosso, Rondônia e Sul do Amazonas. Essa experiência de formação de indígenas ocorreu entre março de 2009 e janeiro de 2010. Os períodos de concentração ocorreram, de um lado, nas instalações e sede da Associação Fórum das Organizações Povo Paiter Suruí de Rondônia, instituição que consta formalmente como executora do projeto, e de outro, na Estação Digital e no Auditório da Universidade Federal de Rondônia (Unir) Campus de Cacoal, instituição parceira da iniciativa, que certificou o curso como atividade de extensão. Ambas as instituições estão sediadas na cidade de Cacoal, Rondônia. Outras atividades previstas no projeto original submetido ao Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI) foram realizadas na sede do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Brasília, entre elas, os treinamentos de Joaton Pagater Suruí, coordenador de logística indígena, e de Uraan Suruí, estagiário do projeto, ocorridos de 1o a 10 de junho de 2009 e de 16 a 20 de novembro de 2009. O objetivo desses treinamentos em Brasília, definidos no projeto como ações de fortalecimento da gestão do projeto e do curso pela organização executora, foi ampliar o entendimento de ambos tanto sobre a lógica de gestão de um projeto do PDPI quanto sobre o funcionamento de uma associação sem fins lucrativos. O projeto submetido ao PDPI em junho teve seu início formal em outubro de 2008, data da celebração do contrato entre o IEB e o Banco do Brasil. Apesar disso, como relatado na seção a seguir, várias atividades já vinham sendo desenvolvidas anteriormente, visando a sua preparação. O valor total do curso foi de R$ 550.296,00, sendo que quase R$ 400 mil (R$ 399.996) correspondem a “custos de atividades” bancados com recursos do PDPI, e cerca de R$ 150.000,0042 como contrapartida das

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Hoje se considera que esse valor foi muito subestimado.

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organizações parceiras, sob diferentes formas, para além do conhecimento acumulado por elas nas áreas de capacitação de indígenas e de fortalecimento de organizações indígenas. O IEB disponibilizou dois coordenadores pedagógicos doutores em antropologia com a função de supervisionar o andamento do curso, desde seu planejamento até o término de sua execução, e assumiu a gestão financeira da iniciativa, designando um técnico administrativo de seu setor financeiro para a execução do projeto. A Kanindé contribuiu com a logística, disponibilizando uma viatura para o transporte da equipe técnica durante os módulos presenciais. A UNIR ofereceu sua Estação Digital, composta de uma sala de informática com trinta computadores conectados à internet; e o Fórum Paiter assumiu, inicialmente, os custos de manutenção e disponibilização das dependências de sua sede (sala de reunião, refeitório, alojamentos masculino e feminino, área de lazer, escritório administrativo) para o desenvolvimento da atividade. No caso do IEB e dos recursos empregados por este, importa destacar que sua participação no projeto só foi possível em virtude de ela estar inserida na estratégia do Consórcio Paisagens Indígenas Brasil, liderado pela The Nature Conservancy (TNC), com apoio do Programa de Meio Ambiente da missão da United States Agency for International Development (USAID) no Brasil, instituições às quais se registra o agradecimento e cujo apoio foi reconhecido em todo o material produzido para e ao longo do curso.43

43 Formado em 2008, o Consórcio Paisagens Indígenas Brasil (PIB) buscou fortalecer associações e comunidades indígenas da Amazônia brasileira, contribuindo para que os povos indígenas assumissem a liderança necessária na gestão de suas terras e na elaboração de políticas públicas para o seu bem viver. Liderado pela TNC e com o apoio da USAID, o PIB tinha como parceiros a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (IEPÉ) e o IEB. Junto à COIAB, o PIB apoiava, entre outras atividades, a consolidação do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI). O Consórcio PIB encerrou suas atividades em setembro de 2011 e foram recursos deste que permitiram ao IEB participar da iniciativa apoiada pelo PDPI em Cacoal, tendo o apoio do PDPI sido relatado como “recursos alavancados” para a estratégia do consórcio.

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SOCIOGÊNESE DA INICIATIVA: ARTICULAÇÕES E PARCERIAS ENTRE AS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS 2

A história da iniciativa precede em alguns meses a reunião de detalhamento do projeto com Marina Campos, consultora do PDPI, realizada na primeira semana de junho de 2008. Quando o PDPI lançou o edital, em fevereiro de 2008, convocando entidades a apresentarem cartas-consulta até 30 de abril do mesmo ano, visando implementar cursos de formação de gestores de projetos indígenas em nível regional, o IEB estava colaborando com a COIAB na concepção e implementação do Curso Modular de Formação de Lideranças Indígenas de Nível Regional do Centro Amazônico de Formação Indígena (Cafi), no âmbito da estratégia do Consórcio Paisagens Indígenas Brasil, liderado pela TNC, com apoio do Programa de Meio Ambiente da Missão da USAID no Brasil.44 Quando o IEB se envolveu com a implementação do referido curso modular regional do CAFI, já estava definido pela COIAB que este seria dirigido para lideranças de Mato Grosso, Rondônia, Acre e sul do Amazonas, e seria realizado no Fórum Paiter, em CacoalRO. Nesse momento, o IEB também iniciava articulações com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e a Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam) para elaborar um novo projeto para o Programa de Meio Ambiente da USAID Brasil, que veio a se constituir no Consórcio Garah Itxa. Esse era o contexto dos vínculos já existentes e em formação. Em março de 2008, durante uma viagem a Cacoal (RO) para articular o novo projeto, conhecer as instalações do Fórum Paiter e revisar com as assessoras o orçamento do referido curso modular de caráter regional do CAFI, Cloude Correia (IEB) foi interpelado pelas lideranças do fórum, em especial

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Ver nota de rodapé 2.

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pelo então coordenador do fórum, Henrique Suruí, no sentido de se estabelecer uma parceria em várias frentes. Uma dessas frentes consistia em ajudá-los a trazer para o fórum o curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, apoiando-os na elaboração da carta-proposta em resposta ao edital para linha de capacitação do PDPI. Após avaliar a pertinência da atividade e consultar os parceiros do PIB sobre a afinidade da proposta com a estratégia do consórcio, o compromisso foi assumido. Seguiram-se reuniões de articulação em Brasília (DF) e Cacoal (RO) entre lideranças Suruí vinculadas ao fórum e técnicos do IEB para elaborar a referida carta-proposta e articular outras parcerias. Foi nesse momento que, devido às relações interinstitucionais prévias e em construção, integraram-se à iniciativa a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e os Departamentos de Administração e Ciências Contábeis da Unir – Campus de Cacoal, visando fortalecer a possibilidade de execução do curso. Nesse momento também foi definido o alcance regional da iniciativa, relativamente coincidente com o curso regional do CAFI (também em construção naquele momento) e a abrangência da extinta Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e Noroeste do Mato Grosso (Cunpir). Expressou-se, assim, a aspiração do fórum de capitanear uma articulação etnopolítica regional no vácuo deixado pela obliteração daquela coordenação. Assim sendo, a carta-proposta submetida ao edital do PDPI em 30 de abril de 2008 resultou de um esforço de articulação prévia entre instituições que já tinham atuado e/ou estavam com a perspectiva de atuar em iniciativas conjuntas, em projetos ancorados em consórcios, com uma expectativa prévia em relação ao desempenho de papeis e à divisão de tarefas entre cada uma delas. Submetida e aprovada – para a satisfação dos parceiros – a carta-consulta, seguiu-se a reunião de detalhamento do projeto com a consultora do PDPI, Marina Campos, realizada na primeira semana de junho de 2008 na sede do Fórum Paiter, em Cacoal (RO). A expectativa era de que, nessa reunião, fossem apresentados os elementos centrais do projeto político-pedagógico do curso pelo PDPI e fosse discutida sua adaptação ao contexto étnico, político e institucional regional.

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Ledo engano: a reunião teve como objetivo básico preencher o clássico formulário de projeto do PDPI, detalhando a proposta do curso em termos operacionais, logísticos e orçamentários. Isso foi feito pelos representantes dos parceiros presentes à reunião, com a orientação da referida consultora, mas com amplo desconhecimento de causa dos parceiros sobre o projeto político-pedagógico do curso e a estrutura básica com que ele foi originalmente oferecido – com abrangência amazônica e itinerante, entre os anos de 2004 e 2005. O Guia para a Formação em Gestão de Projetos Indígenas (Almeida, 2008), por exemplo, ainda não tinha sido publicado.45 Essa ignorância inicial custou muito caro, tanto em termos pedagógicos substantivos, quanto em termos do planejamento logístico e operacional – como será descrito a seguir. Uma vez concluído esse processo e submetido o projeto à apreciação da Comissão Executiva do PDPI, alguns ajustes precisaram ser feitos. Entre estes, destaca-se uma mudança importante em relação à governança e à definição formal dos papeis entre as organizações parceiras. Considerando as dificuldades administrativas e financeiras que o Fórum Paiter enfrentava à época,46 recomendou-se, para efeito de aprovação do projeto, que o IEB figurasse como proponente e o Fórum como executor, invertendo, assim, a configuração definida na carta-proposta e reiterada na reunião de detalhamento em junho. Além disso, a Comissão Executiva recomendou fortemente47 a inclusão de organizações da região de Pauini e Boca do Acre, no Amazonas. Com esta e outras recomendações de ajustes, o projeto foi aprovado pela Comissão Executiva do PPDI, em reunião realizada em julho de 2008, em Imperatriz (MA), ocasião em que também foram aprovados outros projetos submetidos em resposta ao edital para linha de capacitação do PDPI.

45 Sobre a primeira versão do Curso de Formação de Gestores Indígenas de Projetos e o guia ao qual deu origem, ver Almeida e Sousa (2011) e Almeida (2008). 46 Cuja gravidade não era de conhecimento pleno de todos os parceiros, mas que já havia motivado a atribuição ao IEB do papel de gestor do projeto 47 Para não dizer que condicionou a aprovação do projeto a essa recomendação.

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O fato de o curso de formação de gestores de projetos indígenas do PDPI ter sido planejado a executado quase que paralelamente à execução do curso modular de caráter regional do Cafi na sede do Fórum Paiter, em Cacoal, foi benéfico para a planificação daquele. Isso porque se teve a oportunidade de, ao longo do processo, conversar e debater com as lideranças que participaram do curso do Cafi sobre a iniciativa. Suas ideias e propostas para o curso do PDPI foram ouvidas e sistematizadas, e contou-se com a colaboração dessas lideranças na divulgação da iniciativa junto às suas bases.48 Antes de prosseguir com o detalhamento das reuniões preparatórias à execução do curso propriamente dito, a seção a seguir apresenta brevemente o contexto étnico e socioambiental regional sobre o qual o curso se projetava.

O CONTEXTO ÉTNICO E SOCIOAMBIENTAL REGIONAL À ÉPOCA DA ELABORAÇÃO DO PROJETO 3

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Com o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, pretendia-se favorecer direta e indiretamente uma ampla região composta por muitos povos e terras indígenas (TIs) situados em Rondônia, no noroeste do Mato Grosso e no sul do Amazonas. Estimava-se que havia, ao todo, cerca de 47 povos, totalizando uma população de aproximadamente 14.234 pessoas vivendo em 46 terras indígenas – com a quase totalidade dessas terras homologadas e que, juntas, somavam 12.442.507 hectares. Essa definição original da área de abrangência potencial do curso, que consta da

48 Exceção feita às lideranças do Acre – estado que, supostamente, já havia sido atendido por outra iniciativa de formação do PDPI no âmbito de uma parceria com o governo do Estado – e do Mato Grosso – que, em tempo, teria o seu próprio curso de formação de gestores de projetos indígenas. 49 Este subtítulo reproduz e adapta partes da carta-proposta submetida ao PDPI e da justificativa do projeto submetido ao PDPI (p. 5 e 6).

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carta-proposta, teve como base o conjunto de cerca de 23 associações indígenas que se vislumbrava, à época, constituir o público potencial do curso, considerando os povos, terras e comunidades que elas representavam (tal como consta das duas tabelas que figuram na carta-proposta). Ao conviver com a realidade da sociedade nacional, os povos indígenas dessa região – a grande maioria contatada no século XX e alguns na segunda metade deste – sentem muita dificuldade em compreender como funciona o “sistema do não índio”, como eles chamam. Apesar de todas as dificuldades encontradas na circulação entre dois universos culturais bastante diferentes, os indígenas entendem que o conhecimento da lógica e das regras da outra sociedade – a dos brancos – pode contribuir para o estabelecimento de relações mais dignas e autônomas com o mundo que os cerca e pressiona suas terras e estilos de vida. Os povos indígenas de Rondônia, noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas estavam, à época, buscando somar suas forças, fortalecendo o movimento indígena em reuniões promovidas na sede do Fórum Paiter Suruí, para a defesa de seus direitos frente às dificuldades por eles vividas, tais como: garimpo de diamante, venda ilegal de madeira, hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas, caçadores e pescadores, entre outras invasões que continuam a ameaçar seus territórios. Esses territórios sofriam – e continuam a sofrer – forte pressão de interesses econômicos, por meio da exploração predatória dos recursos naturais neles existentes: madeiras, minérios, animais, pesca, terras agricultáveis etc. Rondônia é o estado mais desmatado da Amazônia Legal brasileira, com grandes áreas degradadas e ocupadas por pastagens e monocultura de soja em torno das terras indígenas, que figuram, ao lado das unidades de conservação (UCs), entre as poucas áreas florestadas do estado. Em Mato Grosso, o cerrado e os campos nativos estão sendo tomados por monoculturas como a soja, o milho, o algodão, o girassol, a cana, o trigo e a mamona. Por isso, as terras indígenas são cobiçadas por madeireiros, pecuaristas, agroindustriais e garimpeiros. Nesse pesado jogo de interesses,

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os detentores do poder econômico se aliam aos grupos políticos locais, restando aos índios a constante ameaça sobre a integridade de suas terras. Grileiros, fazendeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e garimpeiros invadem constantemente as terras indígenas. Vizinhos que possuem terras que fazem limite com as terras indígenas (colonos e fazendeiros) tiram madeira clandestinamente para construir casas, cercas, currais, pontes etc. Os Cinta Larga, os Suruí e demais povos situados no Corredor Etnoambiental Tupi-Mondé são exemplos significativos de situações que ocorrem, em maior ou menor grau, com outros povos e terras indígenas na região. Os primeiros têm sido importante exemplo na luta contra as invasões dos garimpeiros em busca de diamantes no seu território. Nessa luta, os Cinta Larga encontravam poucos aliados efetivos nas esferas governamentais e não governamentais do país. Além disso, são fortes as reações na imprensa para denegrir a imagem desse povo e não faltam processos judiciais e criminais contra eles. Segundo levantamento do Ministério Público Federal de Rondônia, à época da elaboração do projeto, havia mais de mil processos tramitando contra os Cinta Larga. Esse povo sabe dos prejuízos que o garimpo traz para sua cultura, para sua saúde e para sua reprodução física e cultural. Por isso, precisam de atividades produtivas rentáveis dentro de bases sustentáveis. Isso explica por que, todos os anos, o garimpo era fechado e reaberto: para garantir os recursos necessários à sua sobrevivência. Apesar de terem ganhado notoriedade em razão da problemática do garimpo, a maior parte de seu território permanece no desconhecimento e sob a negligência das autoridades, que nada fazem para inibir as constantes e crescentes invasões, principalmente na região do Mato Grosso, onde avança o agronegócio. As lideranças Cinta Larga sempre tentaram proteger seu território, mas as péssimas condições das picadas dificultam a visualização da linha da divisa pelos indígenas e facilita a invasão dos limites da área. Quando da elaboração do projeto, a última tentativa de reavivar as picadas havia sido feita há mais de dois anos, e nem chegou a ser concluída, por

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falta de recursos. As autoridades competentes não fiscalizavam a área adequadamente e os posseiros faziam constantes ameaças de morte às lideranças. Nas imediações do Parque Indígena Aripuanã, passa uma estrada interestadual que liga os municípios de Vilhena (RO) a Juína (MT), o que facilita a ação dos grileiros sobre as terras Cinta Larga. Mais próximo ao município de Aripuanã (MT), há áreas em que o plantio de soja invadiu o território indígena por cerca de 5 km. Já era urgente, então, a adoção de uma estratégia eficiente de vigilância de toda a área a partir do seu etnomapeamento e a busca de parcerias para isso. Os Paiter Suruí, por sua vez, anteciparam-se nesse processo e já estavam realizando o etnomapeamento da Terra Indígena Sete de Setembro em 2008. A Associação Nunerimanê do Povo Indígena Apurinã de Rondônia, que está baseada em uma aldeia (Mawanat) dentro da TI Roosevelt, dos Cinta Larga, está buscando recursos para conscientizar as comunidades Cinta Larga a também realizar o etnomapeamento das suas quatro TIs. Via-se, então, a necessidade de envolver os povos Zoró, Gavião e Arara Karo nesse processo, para que, a partir dos etnomapeamento, possam discutir e criar estratégias para a gestão sustentável das TIs do Corredor Etnoambiental TupiMondé. Essas discussões já haviam sido iniciadas em uma reunião promovida pelo povo Apurinã, na sede do Fórum Paiter Suruí, em dezembro de 2006. Depois, em uma oficina para discutir etnogestão, os Cinta Larga ampliaram a discussão para as lideranças dos Apurinã, Suruí e Zoró. Os indígenas compreendiam – e permanecem com esse entendimento ainda hoje – que, ao empregar uma estratégia de vigilância que envolva todos povos do Corredor Etnoambiental Tupi-Mondé que sofrem situações semelhantes, ficam mais fortalecidos trabalhando unidos, uma vez que a familiaridade linguística permite maior entendimento entre essas populações. Diferentemente da forma como sempre ocuparam seus territórios tradicionais, o cenário exige uma ação conjunta organizada das comunidades indígenas, para que se antecipem aos perigos. Trabalhando unidos no sentido de conservar e gerir suas terras e recursos naturais, eles mostram ao governo e à sociedade nacional que podem ser eficientes gestores de seus territórios.

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Percebe-se, assim, que um dos eixos que lastreava a proposta era a justaposição e/ou vizinhança de terras indígenas relativamente bem conservadas e de povos indígenas culturalmente afins em grandes blocos territoriais com conectividade ecológica e sociocultural – os chamados corredores etnoambientais. De um lado, considerando a liderança do Fórum Paiter na proposição do projeto ao PDPI, temos o Corredor Etnoambiental Tupi-Mondé, em relação ao qual a própria COIAB já tinha feito várias gestões no sentido de fortalecê-lo e dar-lhe substância etnopolítica. De outro lado, mais ao norte, no sul do Amazonas, configuravase outra unidade com características similares: o Corredor Etnoambiental Tupi-Kagwahiva. Esses blocos territoriais e etnopolíticos, com problemas, desafios e potencialidades similares, apresentavam-se como demandantes e potenciais beneficiários da linha de capacitação do PDPI. Isso se justificava também em virtude do que se reconhecia ser um dos maiores problemas enfrentados pelo movimento indígena regional, qual seja, o despreparo das lideranças e organizações indígenas para lidar com problemas ambientais, sociais e econômicos existentes na região. As organizações indígenas sempre esbarra(va)m na dificuldade de elaborar e executar seus projetos. Nas discussões realizadas no âmbito do movimento indígena sempre se fala(ou) da necessidade de capacitação em gestão de projetos e de contar com assessoria técnica e estrutura adequadas para tal. Um elemento adicional importante e digno de nota para os objetivos desse relato é o lugar das mulheres na organização social de quase todos esses povos, em especial os Tupi-Mondé. Eram raras as mulheres com destaque na arena pública, estando elas muito mais vinculadas ao domínio doméstico e à esfera privada, como bastiões da reprodução das tradições, das línguas e de muitos ofícios – papel central, portanto, mas que também, aos poucos, começa a se modificar. Isso colocou para os parceiros, desde o início, o dilema de como lidar com a questão de gênero na organização do curso.

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AS REUNIÕES INICIAIS PREPARATÓRIAS DE PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO DO CURSO 4

Em função da já referida feliz coincidência da execução do curso modular de caráter regional do Cafi com a preparação do curso do PDPI, foi possível desenvolver um conjunto de atividades preparatórias, correspondentes à fase de planejamento do curso (isto é, as atividades 1.1, 1.2, 1.3, 1.6, 1.7 e 1.8 do projeto). Essas atividades tiveram início em agosto de 2008 e consistiram em acertos e articulações no âmbito administrativo, político e pedagógico prévios à execução do curso, quais sejam: a oficina de capacitação inicial do PDPI para a gestão do projeto (compras, licitações, prestação de contas, ajustes e marco zero), realizada em agosto de 2008; as reuniões iniciais preparatórias de planejamento participativo do curso, realizadas em outubro; a montagem e a composição da equipe técnica do curso, ao longo dos meses de setembro e outubro; a viagem de articulação política e divulgação do edital de seleção, feita em janeiro de 2009; e, finalmente, a seleção dos cursistas, que ocorreu em fevereiro de 2009, poucas semanas antes do início do curso. O projeto, contudo, teve início formal em outubro de 2008, data da celebração do contrato entre IEB e Banco do Brasil; e a fase de execução do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, propriamente dito, teve seu início em 1o de março de 2009, com o Módulo I, intitulado Realidade Indígena Brasileira. Entre os dias 27 e 30 de outubro de 2008, foram realizadas três reuniões para deflagrar a fase de planejamento do curso: uma do Comitê Gestor (realizada no dia 27 de outubro pela manhã), em que estiveram presentes os parceiros da iniciativa, o Fórum Paiter Suruí, o IEB, a Kanindé e a Unir; outra do Conselho Consultivo (realizada também no dia 27, à tarde), em que estiveram presentes, além do Comitê Gestor, representantes da Federação das Organizações Indígenas de Rondônia (FOIR), da Organização das Mulheres Indígenas de Rondônia e Sul

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do Amazonas (Omiram) e do PDPI; e, finalmente, a reunião de planejamento participativo (que acontecer de 28 a 30 de outubro), em que estiveram presentes o Conselho Consultivo e representantes de dezessete outras organizações indígenas potenciais beneficiárias do curso – que estavam, à época, cursando o terceiro e último módulo do curso de formação de lideranças indígenas em nível regional do Cafi. Nessa reunião, foram realizados exercícios de modulação do curso à realidade regional, de definição do perfil do público, dos critérios e processo de seleção, de definição do número de vagas por associação potencialmente beneficiária etc. Entre os critérios definidos no edital que expressavam deliberações da reunião, com base, por sua vez, no conhecimento de causa dos próprios indígenas sobre sua situação, importa destacar dois: de um lado, uma participação mínima de 20% para mulheres (ver item anterior); e de outro, domínio da língua portuguesa (“conseguir escrever o que pensa e interpretar o que lê”) e conhecimentos básicos de matemática – sendo “desejável” o ensino fundamental completo.50 A primeira edição do curso oferecido pelo PDPI havia demandado ensino médio completo, mas as lideranças presentes avaliaram (avaliação que se revelou acertada quando da recepção das candidaturas) que se a linha de corte fosse o nível médio, poucas associações e comunidades teriam condições de indicar participantes. Ao final, o curso manteve a estrutura de cinco módulos de concentração e quatro de dispersão, tal como na versão original oferecida pelo PDPI em 2004/2005, mas com uma carga horária menor que a prevista – inclusive com o quinto

50 Além desses, entre os requisitos para se candidatar ao curso, o/a indígena deveria: ser formalmente indicado/a por uma organização indígena da região a partir de indicação(ões) e/ou escolha(s) de comunidade(s), assembleias e/ou outro(s) mecanismo(s) de consulta; estar engajado/a no movimento indígena e ser uma pessoa que goze de reconhecimento do seu povo e/ou comunidade de origem; ter aptidão ou gosto pela gestão de projetos; ter disponibilidade para fazer o curso no período e no cronograma definidos no edital; e apresentar a documentação completa conforme a lista e a ordem definidas. Entre os critérios de avaliação, o edital indicava: o vínculo com o povo e/ou comunidade de origem; o conhecimento da realidade do seu povo e/ou região; a experiência de trabalho na associação e/ou com projetos sociais e/ou comunitários indígenas; o potencial de trabalho junto à associação indígena depois de finalizado o curso; e interesse, compromisso e capacidade de dialogar.

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módulo incorporando o próprio seminário final integrador. Isso se deu em função do já referido equívoco cometido ao tempo da reunião de detalhamento do projeto, em junho de 2008, devido ao desconhecimento do projeto político-pedagógico de base. Este, portanto, foi modulado às circunstâncias regionais a partir de dois constrangimentos: primeiro, o PPP original e as referências constantes no guia do curso (Almeida, 2008), então já acessível; e, segundo, o volume de recursos aprovados no orçamento do projeto. Assim sendo, por mais que o processo da reunião de planejamento participativo tenha sido interessante e enriquecedor, houve pouca margem para inovar, porque os balizamentos do projeto – estabelecidos muito antes do processo de natureza substantiva que foi deflagrado – já estavam dados. Um elemento emergiu como importante para as considerações sobre o desenho do curso – e se aplicava igualmente às outras cinco iniciativas regionais em andamento: o PDPI estava promovendo tais cursos em um momento no qual estava se dando o encerramento do projeto e a desmobilização da equipe técnica original do programa. Isso colocava problemas em termos das expectativas geradas quanto à participação dos indígenas. A edição original do curso, de caráter panamazônico, findou por privilegiar em seu processo seletivo – de modo adequado, diga-se de passagem – representantes e técnicos de associações beneficiárias de projetos do PDPI em andamento. Ora, não era esse o quadro que se tinha na região do noroeste do Mato Grosso, de Rondônia e do sul do Amazonas. Nessa região, havia poucas associações beneficiárias de programas de fomento governamentais – programas estes que, por sua vez, também vinham se esvaziando pouco a pouco – e quase nenhuma associação indígena era beneficiária de projetos do próprio PDPI. Isso colocou um conjunto de questões que o curso não encaminhou satisfatoriamente: para que formar gestores de projetos nesse cenário? Para estimular a elaboração de projetos concebidos pelos próprios indígenas? E quem apoiaria esses projetos? Tentou-se, então, equacionar tais questões no seminário final integrador (ver a seguir). Outro resultado digno de nota dessa reunião foi a definição mais clara das fronteiras entre a iniciativa do Cafi e a do Mato

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Grosso. Os representantes das Associações Halitinã (dos Pareci) e das comunidades indígenas Mamaindê Yucotindu estavam participando e gostando da condução do curso do Cafi, por isso, com receio do destino que poderia tomar sua participação no curso de Mato Grosso, eles demandaram – e foram atendidos – participar do curso que seria ofertado em Cacoal. Essa delimitação expressa um dos dilemas constantes nas fases de concepção original da proposta e planejamento inicial do curso: qual seu alcance e sua abrangência em termos geográficos (terras indígenas) e etnopolíticos (povos e associações)? A inexistência de informações fidedignas sobre o universo de associações indígenas nessa ampla região levou à elaboração de sucessivas listas em diferentes momentos do processo na expectativa de estimar qual número de vagas deveria ser destinado para cada associação. Isso porque a informação sobre tais associações se encontrava – como permanece até hoje – dispersa nas memórias e experiências dos atores e organizações locais e regionais, cada qual alegando dispor do conhecimento mais completo da situação. A seguir, apresenta-se o mapa elaborado então, com o alcance territorial potencial do curso, e o quadro consolidado por ocasião da reunião de planejamento participativo, que cruza os dados de outros quadros: i) o que consta da carta-proposta enviada no dia 30 de abril de 2008 ao PDPI (Organizações parceiras e potenciais parceiras da iniciativa); ii) o que os parceiros da iniciativa elaboraram na primeira semana de junho de 2008, para orientar o planejamento da proposta do curso (Reserva de vagas por organizações indígenas); e iii) o das organizações da região de Mato Grosso, Rondônia e sul do Amazonas que participaram do curso promovido pelo Cafi/ COIAB, cujo último módulo realizou-se em outubro de 2008. Em amarelo, na vertical, destaca-se a coluna com a lista das organizações previstas em junho e, na horizontal, as sete organizações que aparecem nos três quadros mencionados. Este quadro foi, por sua vez, revisto e complementado após a viagem de articulação política e divulgação do edital junto às organizações indígenas da região (ver a seguir).

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Como se percebe, a reunião de planejamento participativo foi especialmente importante, pois garantiu maior aderência inicial das associações potenciais beneficiárias ao projeto (que puderam fazer sugestões concretas ao curso) e uma divulgação mais capilarizada da iniciativa – razão pela qual se elaborou um relatório circunstanciado, que serviu de referência ao longo de todo o processo.

QUADRO 1 – Organizações indígenas contempladas pelo curso Potenciais beneficiárias do curso do PDPI (de acordo com a carta-proposta de abril de 2008)

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI

Número de vagas reservadas

Programas de governo que apoiam projetos

(de acordo com a reunião de junho de 2008)

PDPI (1)

Paiterey

APK

CEX (2) e PDPI (2)

Panderej

Panderej - Héliton Tinhawambá S. S. Gavião

2

Pangeyjej - Associação do Povo Indígena Zoró (APIZ)

Pangeyjej

1

Associação Gãbgir do Povo Indígena Suruí

PDPI (2)

Associação do Povo da Floresta Kabaney Suruí

CI (1)

CEX (3)

Associação Pamaur do clã Makor do Povo Paiter Suruí da TI 7 de Setembro

-

ANPIAR - Associação Nunerimanê do Povo Indígena Apurinã de Rondônia

CEX (1) e PDPI (4)

ANPIAR

ANPIAR - Kiara de Oliveira Tavares Apurinã

1

Conselho do Povo Cinta Larga (CPCL)2,3

Conselho do Povo Cinta Larga (CPCL)

Conselho Cinta Larga Mauro Marcelo Cinta Larga

2

Organização dos Povos Indígenas Kwazá e Aikanã (OPIK)

OPIK

1

CEX (2) e PDPI (2)

Massaká

1

Nome da organização

Associação Fórum das Organizações do Povo Paiter Suruí (Paiterey)1,2 Associação do Povo Karitiana (APK) Panderej (Arara, Arikapú, Aruá, Canoé, Jabuti, Kampé, Gavião, Makurap, Sakirabiá e Tupari)

Organização Metareilá do Povo Suruí

Associação Massaká (Aikanã, Latundê, Kwasar e Sabanê)3

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(de acordo com Cafi/ COIAB)

Paiterey - Henrique Suruí, Chicoepab Suruí e Anderson Suruí APK - Renato Karitiana

(de acordo com a reunião de junho de 2008)

2 1


Potenciais beneficiárias do curso do PDPI (de acordo com a carta-proposta de abril de 2008)

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI

Número de vagas reservadas

Nome da organização

Programas de governo que apoiam projetos

(de acordo com a reunião de junho de 2008)

Associação Federação das Organizações de Rondônia (AFOIR), Noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas (Aikanã, Ajurú, Aruá, Arara/RO, Arikapu, Amondawa, Apurinã, Ccabixi, Cujubim, Campé, Cassupá, Canoé, Gavião, Jabuti, Latundê, Mequéns, Miquelino, Macurap, Oro Wari, Oro Waram Xijein, Oro Mon, Oro Boné, Oro Não, Oro Bo, Oro Ai, Oro Waran, Oro Win, Puruburá, Suruí, Sakirabiá, Tupari, Uru Eu Wau Wau, Karitiana, Kaxarari, Kwazá, Karipuna, Djahoy, Parintitin, Tenharin, Tora, Alanteçu, Cinta Larga, Mamaindê, Manduca, Nambikwara, Negarotê, Sabanê, Kithaulu, Tawandê e Zoró)2,3

PDPI (1)

AFOIR

Obs.: indicou participante para o curso, mas não participou.

1

CI (1)

Colônia Indígena Terena em Pimenta Bueno

1

1

1

Colônia Indígena Terena em Pimenta Bueno

Associação Indígena Karo Paigap (TI Igarapé Lourdes) Associação Indígena Wãypa (TI Rio Branco/RO)

(de acordo com Cafi/ COIAB)

(de acordo com a reunião de junho de 2008)

Associação do Povo Indígena Arara

Associação Agrária do Povo Indígena do Rio Branco

Associação Yukothintxu (Mamaindê)

Associação Yokothintxu

Yucotindu - Nilo Mamaindê

1

PDPI (2)

CI (8)

-

-

PDPI (1)

Jupaú

1

Associação Sagarana (região de Guajará: 9 organizações, 30 povos, 5 mil índios)

Sagarana

1

Associação do Povo Indígena do Rio Guaporé

Associação do Povo Indígena do Rio Guaporé

1

Organização dos Povos Indígenas Parintintin do Alto Madeira (Opipam)

CEX (1) e PDPI (3)

Opipam

1

Associação Povo Indígena Nambikwara do Cerrado (APINCE). Obs.: foi extinta. Associação Indígena Yakapkatw do Povo Arara (Beneficiária do projeto de MT) Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (Jupaú)

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Potenciais beneficiárias do curso do PDPI (de acordo com a carta-proposta de abril de 2008)

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI

Número de vagas reservadas

Programas de governo que apoiam projetos

(de acordo com a reunião de junho de 2008)

AMIMP

AMIMP - Maria do Socorro de Carvalho

2

OPITTAMP (Tenharim, Tora, Apurinã, Mura, Munduruku, Pirahã e Parintintim)

Obs.: indicou participante para o curso, mas não participou.

1

OMIRAM (50 povos)2

Omiram - Neide Morais Karitiana Lopes e/ou Joana Oyola Ribeiro

1

Kolimacê (Sabanê, Manduca e Tawandê)

1

Organização Profs. Indígenas de Rondônia (OPIRON)

1

Opiam (Tenharim, Parintintin etc.)

Antônio Enésio Tenharin, que também representa a Apitem

1

OPICS (Cassupá e Salamãe)

1

Abirtucu (Karipuna)

1

OCIAC - Kennedy da Silva Araújo Apurinã e/ou Ales Sena4

OCIAC - Kennedy da Silva Araújo Apurinã e/ou Ales Sena4

1

OPIAJBAM Francisco Gonçalves de Lima Apurinã4

OPIAJBAM – Francisco Gonçalves de Lima Apurinã4

1

Doá Txatô - Dalton Augusto Tupari Firmino (RO)

Doá Txató – Dalton Augusto Tupari Firmino (RO)

1

Oro-Wari - Milton Oro Nao (RO) (Todos Oro-Wari – Milton Oro Nao os povos da região (RO) (Todos os povos da de Guajará Mirim região de Guajará Mirim – Oro Nao; Oro At; Oro Oro Nao; Oro At; Oro Eo; Oro Eo; Oro Mon; Oro Mon; Oro Win; Oro Waram; Win; Oro Waram; Oro Oro Waram Xijein; Kao Waram Xijein; Kao Oro Waje; Makurap; Jabuti; Oro Waje; Makurap; Kassupá; Kanoe; Massaká; Jabuti; Kassupá; Kabixi) Kanoe; Massaká; Kabixi)

2

Nome da organização

Associação das Mulheres Indígenas do Médio Purus (AMIMP)

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Potenciais beneficiárias do curso do PDPI

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(de acordo com Cafi/ COIAB)

(de acordo com a reunião de junho de 2008)


Potenciais beneficiárias do curso do PDPI (de acordo com a carta-proposta de abril de 2008)

Nome da organização

Programas de governo que apoiam projetos

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI (de acordo com a reunião de junho de 2008)

Associação Halitinã - Carlito Okenazokié (Pareci, MT)

Potenciais beneficiárias do curso do PDPI (de acordo com Cafi/ COIAB)

Associação Halitinã - Carlito Okenazokié (Pareci, MT)

Organização da Comunidade Indígena Kaxarari (OCIK)

Número de vagas reservadas (de acordo com a reunião de junho de 2008)

1

1

Totais 25

32

15

36

Elaboração dos autores. Notas: 1 Organização parceira da iniciativa. 2 Organização membro do Conselho Consultivo. 3 Apresentaram cartas de adesão à proposta. 4 Comissão Executiva do PDPI recomendou a inclusão de organizações da região de Pauini e Boca do Acre.

Antes mesmo dessa reunião, no final de setembro de 2008, seguindo orientações e modelos de contratação encontrados junto ao próprio PDPI, foi lançado o Edital de Seleção de Profissionais do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Noroeste de Mato Grosso, Rondônia e Sul do Amazonas (Contratação de Coordenador de Campo e Coordenador de Logística), por meio do qual se logrou a contratação de João Guilherme Nunes Cruz e Joaton Pagater Suruí para as respectivas posições. Anderson Uraan Suruí, jovem acadêmico de direito na Faculdades Integradas de Cacoal (UNESC), foi apontado pelo fórum como estagiário do projeto.51 Assim sendo, no final de outubro, um mês após a assinatura do contrato, a equipe técnica do projeto já estava

51 No projeto original, os recursos previstos para contratação e capacitação do estagiário indígena constavam como contrapartida do Fórum Paiter. Não obstante, dada a insolvência financeira e administrativa deste com o súbito encerramento do apoio institucional da Agência Norueguesa de Cooperação Internacional (NORAD), principal apoiadora financeiro do Fórum, por meio do Programa de Apoio aos Povos Indígenas do Governo Norueguês, recursos do projeto tiveram que ser designados para esse fim.

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definida, tendo também Henyo Trindade Barretto Filho como coordenador pedagógico e Cloude Correia como seu substituto – contrapartida do IEB ao projeto. Em abril de 2009, em função de incompatibilidade com os estudos de mestrado, João Guilherme deixou a posição, tendo sido substituído por Leila Ruiz Ferreira, ex-assessora do Fórum Paiter Suruí, que assumiu a função a partir de maio daquele ano. No início de novembro de 2008, poucos dias após a referida reunião de planejamento participativo, o Edital de Seleção de Alunos/as para o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Noroeste de Mato Grosso, Rondônia e Sul do Amazonas foi lançado. Nele constaram os requisitos para candidatura, os critérios de seleção, os prazos para inscrição e seleção, além de já trazer o cronograma preliminar dos módulos presenciais em Cacoal – tudo conforme o acordado na referida reunião de planejamento. Considerando o prazo de cerca de três meses para o envio de candidaturas pelas organizações indígenas (que se encerraria no final de janeiro de 2009) e o planejado tanto na reunião de detalhamento do projeto quanto na reunião de planejamento participativo, foi feita uma viagem de articulação política e divulgação do edital na primeira quinzena de janeiro de 2009. Os objetivos da viagem foram reforçar o projeto junto às associações indígenas potencialmente beneficiárias, acentuando seus princípios, objetivos e perspectivas, e dirimir possíveis dúvidas sobre o projeto, o curso e o edital de seleção. Também se buscou ampliar o levantamento de associações indígenas da área que não constassem nas listagens até então elaboradas na fase de formulação do projeto (ver quadro 1) e averiguar a possibilidade de elas encaminharem candidaturas. A comitiva composta por Henrique Suruí (coordenador do Fórum Paiter), Joana Mequens (Omiram) e João Guilherme Nunes Cruz (coordenador de campo) percorreu as cidades de Porto Velho, Humaitá, Guajará-Mirim, Ji-Paraná, Vilhena, Pimenta Bueno e Cacoal, nas quais a comitiva manteve contato com diretorias de associações indígenas e representantes de várias instituições. Foram realizadas reuniões em cada município, nas quais estiveram representadas diretamente 21 associações

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indígenas. As reuniões também tiveram participação de caciques, lideranças, órgãos governamentais (especialmente Funai e Funasa, por meio de servidores e técnicos de seus escritórios locais e regionais) e organizações de apoio (como CIMI e Kanindé), além da Unir. Essa viagem deixou claro que a elaboração de uma lista de associações indígenas era um alvo móvel. Um breve levantamento das organizações que não constavam em nenhuma das listagens até então elaboradas (ver quadro 1) revelou mais 26 associações, sendo sete no noroeste do Mato Grosso, quatro no sul do Amazonas e treze em Rondônia. Desse total, três foram consideradas fora da área de abrangência do projeto (mais afetas à iniciativa de Mato Grosso), três foram dadas como extintas e sete sem maiores informações. Isso não significa dizer que havia segurança e informações fidedignas sobre todas as associações mencionadas na lista consolidada na reunião de planejamento participativo (ver quadro 1). É importante destacar isso, pois algumas das candidaturas recebidas e alguns dos cursistas selecionados derivaram desse outro conjunto de associações revelado pela viagem. Além disso, da viagem resultou também uma sobrerrepresentação dos Suruí no número de vagas definido para cada associação e, depois, na própria composição da turma. Havia-se acordado duas vagas para o Conselho Cinta-Larga e duas para o Fórum Paiter na reunião de planejamento participativo, considerando o caráter macro representativo de ambas. Naquela reunião, não se mencionou nenhuma associação clânica Suruí, apenas o fórum, sob a justificativa de que isso geraria uma sobrerrepresentação dos Suruí no curso. Não obstante, na reunião ocorrida em Cacoal durante a viagem, as lideranças reunidas determinaram que cada associação clânica Suruí deveria ter ao menos uma vaga garantida para o curso, o que foi reforçado pela Coordenação do Fórum Paiter. Justificou-se o tratamento não isonômico então adotado – pois, fazer isso para os Suruí deveria ter significado a adoção do mesmo critério para os outros povos e organizações – em função de os Suruí serem os anfitriões do curso e dos conflitos internos aos Suruí que precisariam ser equacionados nessa composição.

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A viagem também foi reveladora do difícil momento pelo qual o Fórum Paiter atravessava. Originalmente concebida para ser efetuada no carro do Fórum e com seu motorista, para ganhar tempo e dar maior mobilidade, com os recursos do projeto cobrindo as despesas de combustível, alimentação e hospedagem, a viagem acabou sendo feita de ônibus. Isso porque o carro, que havia sofrido um acidente, estava na oficina sem perspectiva de liberação, posto que não havia recursos para custear os reparos; e o motorista estava já há alguns meses sem receber salário. Por fim, conforme estabelecido no Edital de Seleção de Alunos/ as, nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2009, reuniu-se o Comitê de Seleção composto por Cecília Manavella (PDPI/MMA), Geraldo Correa (Unir), Glauko Correa da Silva (Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé), Henyo Trindade Barretto Filho (IEB) e Joaton Suruí (Associação Fórum Paiter Suruí) para avaliar as 78 candidaturas recebidas para o curso. Todas as candidaturas foram revisadas por todos os membros e foram pontuadas de acordo com os critérios definidos no edital, seguindo uma tabela previamente elaborada para esse fim. Esperavam-se candidaturas de cerca de quarenta organizações – conforme as 36 totalizadas no quadro 1, mais as referidas quatro associações clânicas Suruí. Desse universo, só dezenove enviaram candidaturas. A estas, contudo, somaram-se candidaturas de treze outras organizações que não faziam parte da listagem original, sobre algumas das quais – nem todas – se teve notícia, ainda que não informações qualificadas, quando da viagem.

A COMPOSIÇÃO DA TURMA E OS MOTIVOS DE EVASÃO 5

A turma foi, assim, composta com base no número de vagas definido para cada associação, selecionando-se os mais bem pontuados para aquelas associações que enviaram mais de um candidato, totalizando 35 cursistas. Do total de cursistas,

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oito (22,8%) eram mulheres, encaixando-se, assim, dentro do percentual mínimo previamente estabelecido no edital. O Comitê de Seleção, contudo, teve que exercitar sua flexibilidade e compreensão elástica em relação aos próprios pré-requisitos e critérios definidos no edital para compor a turma. O resultado foi divulgado imediatamente após a reunião do Comitê de Seleção, a partir do dia 15 de fevereiro, tendo em vista a proximidade do início do curso e a necessidade de os selecionados se organizarem para participar. O quadro 2 traz um conjunto de informações relevantes sobre os selecionados (estão indicados em negrito os 21 que lograram concluir o curso).

QUADRO 2 – Perfil dos selecionados para o curso Nome

Organização ou comunidade

Cidade/UF, terra indígena e aldeia

Povo

Alex Sena Apurinã

OCIAC (coordenador)

Pauini/AM – TI Água Preta/Inari (Aldeia São Francisco)

Apurinã

M

30

Ji-Paraná/RO – TI Zoró (Aldeia Paraíso da Serra)

Zoró

M

Alfredo Sepkiat APIZ (coordenador) Zoró

Sexo Idade

Angélica Jaboti

Associação Indígena Rio Guaporé

Guajará-Mirim/RO – TI Rio Guaporé (Aldeia Ricardo Franco)

Jabuti

F

20

Aristides Onezokemae

Associação Kozarene (tesoureiro)

Tangará da Serra/MT – TI Pareci (Aldeia Kalanaza – Cacique)

Pareci

M

37

Arnaldo Tenharin

Opiam

Humaitá/AM – TI Tenharim de Marmelos (Aldeia Marmelos)

Tenharim

M

23

Benjamin Oro Nao

Oro Wari e Associação da Comunidade Santo André

Guajará-Mirim/RO – TI Pacaas Novas (Aldeia Santo André - Cacique)

Oro Nao.

M

27

Cleiton Ramos Macedo Jiahui

APIJ

Humaitá/AM – TI Diahui (Aldeia Ju’i)

Jiahui

M

19

Dioli Suruí

Pamaur

Cacoal/RO – TI 7 de Setembro (Aldeia Linha 12)

Paiter

M

Edelson Oro Nao

ACNAPA

Guajará-Mirim/RO – TI Rio Negro Ocaia (Aldeia Rio Negro Ocaia)

Oro Nao.

M

27

Pandereéhj

Ji-Paraná/RO – TI Igarapé Lourdes (Aldeia José Antonio)

Edmilson Atonah Gavião

Escolaridade EM – Magistério Indígena EM – Magistério indígena EF

EM – Magistério Indígena EF incompleto

EF incompleto

EF (5a série) EF incompleto EF

EF (6a série) Gavião

M

25

151


Nome

Organização ou comunidade

Cidade/UF, terra indígena e aldeia

Povo

Edmilson Tenharin

Apitem (secretário suplente)

Humaitá/AM – TI Tenharim de Marmelos (Aldeia Marmelos)

Tenharim

M

26

Edna Aruá

Doá Txató

Alta Floresta D’Oeste/ RO – TI Rio Branco (Aldeia São Luís)

Aruá

F

23

Elimara Parintintin

Opipam (secretária)

Humaitá/AM – TI 9 de Janeiro (Aldeia Traíra)

Parintintin

F

21

Ezequiel Cinta Larga

Conselho Cinta Larga

Cacoal/RO – TI Roosevelt (Aldeia Roosevelt)

Cinta Larga

M

17

Francisco das Chagas da S. Lima

Assoc. Karo Paigap (secretário)

Ji-Paraná/RO – TI Igarapé Lourdes (Aldeia Paigap)

Arara

M

40

Gerson Urusari Tupari

Wãypa (conselho fiscal)

Alta Floresta D’Oeste/ RO – TI Rio Branco (Aldeia Colorado)

Tupari

M

22

Gilberto Carlos Karitiana

APK

Porto Velho/RO – TI Karitiana

Karitiana

M

21

Gustavo Souza de Lima Apurinã

OPIAJBAM

Boca do Acre/AM – TI Camicuã (Aldeia Camicuã)

Apurinã

M

20

José Augusto Mamaindê

ACIM Yucotindu (secretário)

Comodoro/MT – TI Vale do Guaporé (Aldeia Capitão Pedro)

Mamaindê

M

24

Nova Mamoré/RO – TI Igarapé Ribeirão (Aldeia Ribeirão)

Oro Mon

M

28

José Carlos Oro Associação Doi da Mon dos Santos Aldeia Ribeirão

Sexo Idade

EM

EM

EM (1o ano)

EF incompleto

EM EM EF (5a série)

EF incompleto

AMIMP

Lábrea/AM – TI Caititu (Aldeia Tucumã)

Apurinã

F

52

José Luis Kassupá

FOIR e Massaká (coordenador)

Vilhena e Chupinguaia/ RO – TI Tubarão Latundê (Aldeia Tubarão)

Kassupá

M

37

Luiz Weymilawa Surui

Gabgirey

Paiter

M

22

Marcelo Arara

APIA

Arara

M

24

Marcio Oro Não

Assoc. Anaron (tesoureiro)

Oro Nao.

M

27

Marcos Cinta Larga

Conselho Cinta Larga

Maria do Socorro Pinheiro Carvalho

AMIMP

152

EF

EF (4a série)

José Inácio da Silva

Cacoal/RO–- TI 7 de Setembro (Aldeia Gabgir da Linha 14) Ji-Paraná/RO – TI Igarapé Lourdes (Aldeia Iterap) Guajará-Mirim/RO – TI Pacaas-Novos (PIN Tanajura) Cacoal/RO – TI Parque Aripuanã (Aldeia João Bravo)

Escolaridade

EF EM

ES (direito 1o período – trancado) EF (5a série) EF

EF (7a série) Cinta Larga

M

19

Apurinã

M

49

EM Lábrea/AM – TI Caititu

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Nome

Organização ou comunidade

Marilza Mamaindê

Assoc. DukwaWehnindu e OMIRON (secretária suplente)

Comodoro/MT – TI Vale do Guaporé (Aldeia Cabixi)

Mamaindê

F

28

EF (via teleensino – cursando)

Milton Oro Não

Oro Wari e OPIRON

Guajará-Mirim/RO – TI Pacaas-Novos (Aldeia Capoeririnha)

Oro Nao.

M

29

EM – Magistério indígena

Assoc. Sagarana (secretária)

Guajará-Mirim/RO – TI Sagarana (Aldeia Sagarana)

Canoé

F

23

Paiter

M

18

Paiter

M

22

Apurinã

F

47

Canoé

F

24

Paiter

M

16

Morotin Metracop Clarice Canoe Oypakob Sandro Surui Rodrigo Gawanam Surui Sara Alcantra de Oliveira Apurinã

Fórum Paiterey Kabaney Anpiar

Sueli Jaboti Canoé

Akikõn

Ubiratan Gamalodtaba Surui

Gamebey / Metareilá

Cidade/UF, terra indígena e aldeia

Cacoal/RO – TI 7 de Setembro (Aldeia Amaral) Cacoal/RO – TI 7 de Setembro (Aldeia Lobo) Espigão d’Oeste/RO – TI Roosevelt (Aldeia Mawanat) Guajará-Mirim/RO – TI Rio Guaporé (Aldeia Ricardo Franco) Cacoal/RO – TI 7 de Setembro (Aldeia Lapetanha da Linha 11)

Povo

Sexo Idade

Escolaridade

EM

EM (3o ano) ES (administração) EM incompleto EM (técnico de enfermagem – cursando) EM

Elaboração dos autores.

Além disso, o Comitê de Seleção teve a cautela de elaborar uma lista de espera com quinze participantes potenciais, no caso de desistência de algum dos selecionados. Um desses foi convocado para substituir um dos participantes vinculados ao Conselho Cinta Larga, que comunicou sua desistência antes do curso ter início. Ocorre que esse substituto também não logrou concluir o curso. Tratava-se, assim, de uma turma com as seguintes características: i) predominantemente jovem (82,9 % do efetivo de 35 cursistas selecionados tendo menos de 30 anos – percentual este que cresceu para 85,7% do efetivo de 21 que concluíram); ii) majoritariamente masculina; e iii) com variados graus de escolaridade – indicando, assim, um domínio desigual do português (língua em que o curso foi ministrado)

153


e de matemática – conforme os dados das tabelas a seguir, que consideram o efetivo inicial e o efetivo final de cursistas. O grande desafio, portanto, foi lidar com uma turma tanto multicultural quanto multisseriada, em que cursistas que já estavam cursando nível superior estudavam lado a lado de colegas que sequer tinham completado o ensino fundamental. Não foi possível antecipar esse cenário e, portanto, não se refletiu muito sobre como lidar com ele, o que se tentou fazer com bom senso, cautela e respeito. TABELA 1 – Quantitativo de alunos do curso Recortes

Carta-proposta

Povos

47 (pop. 14.234)

Reunião de junho de 2008

Projeto 38 (pop. 13.005)

19

12

16

11

44

22

16

44

31

20

35

21

Municípios 46 (12.442.507 ha)

TIs Aldeias Organizações

24

Alunos Concluintes selecionados

31

TABELA 2 – Escolaridade dos alunos do curso

154

Nível de escolaridade

Número de alunos selecionados

Número de concluintes

ES

2

1

EM

13

11

EM incompleto

3

1

EF

5

2

EF incompleto

12

6

Total

35

21

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TABELA 3 – Participação dos alunos ao longo dos módulos (evasão) Módulos

Número de alunos

Evasão

1o

35

0

2o

32

3

o

3

30

5

4o

22

13

5o

21

14

Um breve quadro da evasão verificada revela a seguinte situação. Dos 35 cursistas que iniciaram o curso, 21 o concluíram. A taxa de evasão entre o primeiro e o terceiro módulos foi praticamente a mesma (próxima aos 9%) e dentro do esperado. A maior evasão ocorreu entre o terceiro e o quarto módulos, tanto pela coincidência relativa do quarto módulo com a fase 2 do Projeto Açaí de formação para o magistério indígena da Secretaria de Educação de Rondônia (SEDUC/RO),52 quanto por motivos de força maior, como a desmobilização e o adiamento em virtude do surto de gripe suína (Influenza A H1N1).53 Os alunos relataram que muitos de seus colegas teriam desistido e/ou não comparecido por não acreditar que o projeto teria continuidade. Segundo relatado, é comum que os alunos presumam que projetos que têm indígenas como beneficiários nunca se concluam como previsto, pois além de ser este o

52 Alguns cursistas eram professores indígenas e decidiram priorizar a sua formação como tal. 53 O primeiro óbito confirmado da doença na região Norte foi registrado em Rondônia – mais precisamente um jovem oriundo de Cacoal, onde o curso estava sendo realizado –, no mês de agosto, ou seja, um mês antes do período previsto para o quarto módulo. Mais informações disponíveis em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/ noticia/2009-08-13/rondonia-registra-primeira-morte-por-gripe-suina-na-regiao-norte>. Em virtude desse fato, por comum acordo entre todos os envolvidos na iniciativa (inclusive do próprio PDPI), decidiu-se suspender preventivamente a realização do módulo, que ocorreria entre 7 e 19 de setembro, em virtude do agravamento do quadro da referida gripe em Rondônia. Tal medida foi tomada visando preservar a saúde dos cursistas e evitar a disseminação do contágio da doença entre indígenas, seguindo orientações oficiais da Funai e da Funasa, bem como o exemplo de outros eventos que também tiveram sua execução suspensa e sua realização protelada (tais como a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena e o Encontro Nacional da Juventude Indígena).

155


padrão e a experiência que eles vivenciam na região, eles estão habituados a pensar que os brancos sempre usam projetos como artifícios para “se dar bem em cima dos índios”. Se isso procede, um habitus (Bourdieu, 2003, p. 64) foi determinante para o esvaziamento do curso naquele momento. Por fim, convém observar que a maior evasão foi verificada entre os cursistas com ensino fundamental (completo e incompleto) e com ensino médio incompleto, tal como indica a tabela 2. Se, por um lado, as lideranças indígenas estavam corretas ao avaliar que ao adotar o ensino médio como linha de corte mal haveria cursistas para compor a turma; por outro, os dados parecem sugerir que os de escolaridade básica têm maior dificuldade em acompanhar o ritmo e o conteúdo do curso. Esse dilema – aparentemente característico da região de abrangência do curso – não foi equacionado de modo satisfatório.

A IMPLEMENTAÇÃO DO CURSO EM MEIO A UM QUADRO INSTITUCIONAL ADVERSO E PERÍODOS DE DISPERSÃO “DISPERSOS” 6

O plano de ensino foi elaborado pela coordenação pedagógica, procurando sintetizar: de um lado, as diretrizes contidas no PPP original do curso e no Guia para a formação em gestão de projetos indígenas (Almeida, 2008), tanto em termos de conteúdo, quanto de metodologia (incluindo as orientações para os períodos de dispersão); e de outro, as deliberações emanadas da reunião de planejamento participativo, adaptando-as, na medida do possível, aos limites orçamentários e aos constrangimentos de logística predefinidos. Como já relatado, manteve-se a estrutura de cinco módulos de concentração e quatro de dispersão, mas com uma carga horária menor, inclusive com o quinto módulo incorporando o próprio seminário final integrador, em virtude

156

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do equívoco cometido na reunião de detalhamento do projeto, em junho de 2008. Na definição dos instrutores dos temas e tópicos de cada módulo, procurou-se integrar a expertise da equipe técnica e de consultores do IEB com quadros locais e regionais (da Unir e do movimento social) e lideranças indígenas de relevância e expressão regional e nacional. Para garantir coerência e conectividade ao curso, foram convidadas, para atuar como instrutores, pessoas que tiveram alguma participação no curso original do PDPI em seus diferentes módulos temáticos. Procurou-se também apoio em materiais de qualidade (livros, textos, guias, manuais, vídeos etc.) já disponíveis e, preferencialmente, de autoria e/ou empregados pelos instrutores convidados. Além disso, o coordenador pedagógico se fez presente em todos os módulos, assumindo, inclusive, responsabilidades docentes em quase todos eles, de modo a “dar liga” – isto é, assegurar as conexões e os vínculos entre cada um dos temas, tópicos e módulos. Para estimular e apoiar os cursistas nas atividades durante os períodos de dispersão, instituiu-se – conforme previsto no orçamento – o pagamento de bolsas de estudo, o que era feito sempre no penúltimo dia trabalho de cada módulo.54 O pagamento das bolsas nos módulos subsequentes aos primeiros foi condicionado à apresentação dos resultados dos trabalhos realizados nos períodos de dispersão – tópico que será tratado adiante. Foi assim que o curso se desdobrou nos módulos presenciais em Cacoal, nas dependências do Fórum Paiter Suruí, nos quais foram prescritos os exercícios para os períodos de dispersão junto às associações e comunidades, conforme detalhado no quadro 2.

54 O procedimento de pagamento da bolsa ao final do módulo tinha como propósito reduzir as possibilidades de noitadas na cidade.

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QUADRO 2 – Descrição dos módulos Módulo 1

Instrutores

1o Módulo Intermediário Módulo 2

Instrutores

2o Módulo Intermediário Módulo 3

Instrutores

3o Módulo Intermediário

Realidade Indígena Brasileira – 1o a 15 de março Henyo Trindade Barretto Filho (IEB); Gersem José dos Santos Luciano Baniwa (diretor-presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas e então coordenadorgeral de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC); João Paulo Santos (membro da Rede Nacional de Advogados Populares, mestre em direito constitucional pela Universidade de Brasília – UnB e professor de direitos civil e agrário); Emanuel Pontes Meirelles (historiador formado pela Unir, cursando à época Especialização em Participação, República e Movimentos Sociais na Universidade Federal da Minas Gerasi – UFMG). Revisão dos conteúdos do módulo presencial e execução do roteiro de análise da realidade local: primeiro mapeamento da situação local (história do contato, mapeamento das agências de contato e dos conflitos socioambientais locais, e levantamento de informações sobre a situação das associações). Realizando um Diagnóstico – 4 a 16 de maio Henyo Trindade Barretto Filho (IEB); José Strabelli (consultor independente, especialista em associativismo em comunidades e organizações locais e autor do livro Gestão de associações no dia a dia, usado como livro texto no curso); Alexandre Goulart de Andrade (economista e antropólogo, mestre em desenvolvimento econômico, espaço e meio ambiente pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, foi o coordenador da primeira edição do curso do PDPI e, à época, era da equipe da TNC no Consórcio Paisagens Indígenas Brasil). Revisão dos conteúdos do segundo módulo presencial e aplicação de roteiro construído coletivamente de diagnóstico indígena participativo – a que se somou a solução de pendências relativas ao exercício realizado no módulo intermediário anterior. Formulando, Apresentando e Negociando Projetos – 6 a 18 de julho José Strabelli (consultor); Eleonice de Fátima Dal Magro (doutora em geociências e meio ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, professora da Unir Campus de Cacoal, onde coordenava o Centro de Estudos de Ciências Socioambientais – Cecisa); e Aislan Kelvin Guilherme de Laia, José Uélisson Alves Leite e Valdenir Romero (monitores da Unir responsáveis pela introdução ao uso de computadores e programas). Revisão dos conteúdos do terceiro módulo presencial; avanço e conclusão do diagnóstico indígena participativo; e levantamento e apresentação de documentação de projetos em andamento em suas respectivas comunidades para discutir sua gestão técnica e financeira no módulo subsequente.

Módulo 4

Implantando, Acompanhando e Avaliando Projetos – 2 a 14 de novembro

Instrutores

Henyo Trindade Barretto Filho (IEB); Eleonice de Fátima Dal Magro (Unir); Laíde Ruiz Ferreira (pedagoga, assessora do Fórum Paiter, responsável pelo trabalho com língua portuguesa); e Aislan Kelvin Guilherme de Laia (monitor de informática)

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4o Módulo Intermediário

Revisão dos conteúdos do quarto módulo presencial; avanço e conclusão do diagnóstico participativo; correção e aprimoramento das árvores de problemas e de objetivos; início da formulação de um projeto, a título de trabalho final de curso.

Módulo 5

Lições Apreendidas, Perspectivas dos Gestores de Projetos e Seminário Integrador – 11 a 23 de janeiro de 2010

Facilitadores

Henyo Trindade Barretto Filho (IEB); Alexandre Goulart de Andrade (TNC); Eleonice de Fátima Dal Magro (Unir); Laíde Ruiz Ferreira (Fórum Paiter); Aislan Kelvin Guilherme de Laia (monitor de informática); e Marquinho Mota (técnico em comunicação e assessor de comunicação da Rede FAOR – Fórum da Amazônia Oriental).

A última etapa presencial destinou-se a reforçar as necessidades específicas dos cursistas e a orientar os trabalhos finais, que foram apresentados e discutidos no seminário integrador final, para um público ampliado de representantes de instituições que apoiam projetos indígenas – seminário no qual também foram abordados outros assuntos relacionados à gestão de projetos. Além disso, por meio de uma oficina de comunicação, também foram discutidas estratégias de divulgação e disseminação das experiências realizadas pelos cursistas e se fez uma rodada final de avaliação do processo de formação dos gestores. Ao final, fechando o seminário integrador, em uma emocionante solenidade de formatura no Auditório da Unir, presidida pelo professor Ricardo Gilson da Costa Silva, Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis, representando o magnífico reitor da universidade, dr. José Januário de Oliveira Amaral, foram conferidos os certificados de conclusão aos 21 cursistas que concluíram com suficiência os requisitos estabelecidos. O Seminário Integrador foi um evento público, tendo sido aberto pelo prefeito de Cacoal, contando com a presença da então administradora regional da Funai Cacoal, a então diretora do Campus de Cacoal da UNIR e as diretoras executivas da Kanindé e do IEB. Foram discutidos os seguintes temas: i) Contexto Geral das Pressões e Ameaças aos Povos e Terras Indígenas na Região de Abrangência do Curso, ministrado por técnicos do Instituto Socioambiental (ISA) e da Kanindé; e ii) Perspectivas das Organizações Indígenas sobre a Gestão de Projetos Sociais e de

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Desenvolvimento Social, ministrado pelos então coordenadores da Associação Metareilá do Povo Paiter Suruí,55 do Conselho do Povo Cinta Larga e da COIAB. O tema das Oportunidades de Articulações, Parcerias e Apoios junto ao Governo e a Fundos Públicos e Privados foi trabalhado por meio de apresentações de representantes e técnicos do PDPI e da Carteira Indígena do Ministério do Meio Ambiente, do Departamento de Gestão do Fundo Amazônia do BNDES, do INESC, da ACT Brasil, da Kanindé, da Assessoria para Assuntos Indígenas da Embaixada da Noruega no Brasil, do Programa de Meio Ambiente da Missão da USAID no Brasil e do Programa de Pequenos Projetos do Fundo para o Ambiente Global. Ao final, na forma de sessão de pôsteres realizada no vão externo do auditório da Unir, os cursistas tiveram a oportunidade de apresentar seus trabalhos finais para todos os presentes. A execução do curso foi marcada por uma série de contratempos de caráter institucional e logístico (operacional), que fizeram da sua realização e a efetivação de cada módulo uma luta incessante. O principal destes contratempos foi a insolvência financeira e administrativa do Fórum Paiter Suruí, com o súbito encerramento do apoio institucional da Agência Norueguesa de Cooperação Internacional (NORAD), por meio do Programa de Apoio aos Povos Indígenas do Governo Norueguês, após uma auditoria realizada ao longo do primeiro semestre de 2009. A NORAD era, então, a principal apoiadora financeira do fórum e sua retirada por pouco não compromete a realização do curso, visto que os recursos que o fórum tinha se comprometido a dar em contrapartida tiveram que ser assumidos pelo projeto – água, luz, telefone, internet, segurança, limpeza, manutenção. A consequência desse cenário foi o descrédito em que caíram lideranças do fórum e seu progressivo afastamento das lides cotidianas deste e, consequentemente, do curso. Os assessores do fórum, por sua vez, ficaram meses sem receber salário, comprometendo seu apoio ao curso.

55 Nesse momento o Fórum Paiter já se encontrava totalmente desarticulado e a coordenação havia se esfacelado, como relataremos a seguir. A Metareilá, nesse momento, já figurava como parceira formal do IEB no âmbito do Consórcio Garah Itxa, apoiado pelo Programa de Meio Ambiente da USAID Brasil.

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Não fosse pela dedicação dos assessores do fórum, pelo compromisso do coordenador de logística indígena e do estagiário indígena do projeto (ambos vinculados à diretoria de uma associação clânica Suruí, a Gagbirey, que passou a dar suporte institucional à iniciativa) e pela criatividade e o manejo adaptativo exercidos na gestão administrativa e financeira do projeto (e que foram correspondidos pelo PDPI), o curso não teria tido bom termo. Apenas para citar um exemplo dessa criatividade, o projeto findou contratando as duas assessoras do fórum, as irmãs e professoras Laíde Ruiz Ferreira e Leila Ruiz Ferreira, para atuarem em todos os módulos no ensino de língua portuguesa. Assim sendo, um eixo de ação pedagógica que já havia sido planejado para ocorrer em todos os módulos – o reforço em exercícios de língua portuguesa, ligado tanto à apresentação dos relatórios de campo, quanto à elaboração do projeto como trabalho final – foi viabilizado por meio da contratação, originalmente não prevista, de duas profissionais que tinham a competência e o perfil técnico para a referida tarefa atuação, e que se viram “liberadas” de suas funções pela insolvência do fórum e passaram a atuar mais próximas à Gagbirey.56 O improviso também emergiu quando da desativação da Estação Digital da Unir logo após o primeiro módulo. Assim sendo, o trabalho de formação em informática básica, que, como o reforço em língua portuguesa, havia sido definido como uma um eixo de ação pedagógica constante em todos os módulos, teve que se adaptar a essas circunstâncias. Conseguiu-se reunir e, em seguida, com recursos do projeto, colocar em operação, assegurar a manutenção e conectar à internet um conjunto de cinco desktops que estavam desativados em uma sala no fórum, aguardando a implementação de um ponto de cultura que nunca ocorreu. Como a turma já havia sido dividida em dois grupos no primeiro módulo– os que tinham mais intimidade e os que não tinham nenhuma intimidade com informática –, essa divisão

56 Leila, contudo, acabou adoecendo ao longo do processo do curso e a tarefa passou a ser integralmente assumida por Laíde – como aparece no esquema sucinto de algumas páginas atrás.

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foi aproveitada para operar uma nova subdivisão de modo a viabilizar o uso dos cinco desktops em uma sala acanhada, anexa à grande sala de reunião, em regime de revezamento nos turnos noturnos. Os monitores da Unir, por sua vez, foram contratados pelo projeto como autônomos para atuar nessa nova circunstância. Essas circunstâncias demandaram que se fizesse economia em outras rubricas. Foi quando se acionou mais fortemente a Funai em Brasília para apoiar o deslocamento dos cursistas das aldeias para as sedes municipais – que, em alguns casos, representava uma logística cara, envolvendo combustível, carros com tração e barcos. Depois de um começo claudicante, a Funai logrou descentralizar recursos para as administrações regionais envolvidas de modo a apoiar o deslocamento dos indígenas – em alguns módulos oferecendo até apoio na forma de passagens de ônibus até Cacoal e diárias de viagem. Outro contratempo importante foi o já relatado surto da gripe A (H1N1), que obrigou a equipe a suspender a realização do quarto módulo, previsto para setembro de 2009, com graves repercussões em termos de evasão de cursistas. Durante o período em que o curso esteve suspenso, os parceiros oficiaram a Funai e a Funasa em busca de orientações e, com base nas respostas às interpelações e no monitoramento da situação à escala local, conduzida pelos parceiros junto ao Polo Base, decidiu-se retomar o curso, e o quarto módulo presencial foi realizado na primeira quinzena de novembro – data originalmente prevista para a realização do quinto e último módulo, que, por sua vez, foi transferido para janeiro de 2010, em comum acordo com todos os cursistas que participaram do quarto módulo. Apesar de todos os outros incidentes, foi essa contingência que motivou uma solicitação formal ao PDPI da extensão sem custos do período de duração do projeto para dezoito meses e do prazo de vigência do contrato de repasse de recursos para 31 de março de 2010 – solicitação que foi integralmente atendida. Assim sendo, salvo pela necessidade de prorrogar a execução do projeto em três meses, além dos quinze originalmente previstos,

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a experiência foi devidamente concluída com o Seminário Integrado final. Na fronteira entre as questões de logística e as de natureza pedagógica propriamente ditas, uma dimensão que exigiu muito esforço foi a articulação com outras instituições e instâncias para a liberação dos cursistas de suas atividades – fossem profissionais em alguns casos (pois alguns cursistas eram professores, agentes de saúde, funcionários de prefeituras), fossem igualmente de formação (pois alguns estavam se formando nos magistérios indígenas dos respectivos estados – mormente Rondônia e Amazonas). Para que os cursistas não se vissem prejudicados e nem perdessem as demais oportunidades de trabalho e de formação às quais estavam vinculados, muitas vezes, foi necessário enviar cartas e/ou telefonar para as respectivas instituições explicando a iniciativa diretamente e pedindo compreensão aos gestores dessas iniciativas. Em termos pedagógicos, houve pouca inovação e, ainda assim, não tanto pelo livre exercício da criatividade, mas em função de constrangimentos diversos – o que inclui o enfrentamento dos contratempos referidos anteriormente. Manejo adaptativo foi a palavra de ordem e não se pode dizer que se realizou qualquer coisa semelhante a uma abordagem intercultural – embora se tenha sempre partido dos conhecimentos e experiências que os cursistas traziam consigo e de interpelações iniciais que faziam com que eles os colocassem em jogo.57 No primeiro período de dispersão, por exemplo, houve a oportunidade de sugerir exercícios que não constavam no Guia e no PPP original, tais como o mapeamento de conflitos socioambientais, apresentado e exercitado pelo professor

57 Foi interessante perceber, em alguns casos, a desconfiança que esse tipo de abordagem gerava. Não foi incomum os cursistas interpelarem a equipe sobre por que estes queriam saber tantas coisas deles, por que pediam que trouxessem documentos sobre suas associações e projetos, como se a equipe quisesse extrair informações valiosas e se beneficiar de algum modo. Provavelmente, isto é um reflexo localizado e regional de certa paranoia xenofóbica ligada a suspeitas de biopirataria e roubo de conhecimento tradicional.

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Emanuel; e o da situação das associações, já solicitado como um pre assignment pelo professor Strabeli para o segundo módulo no qual atuaria. Foram utilizados livros-textos outros, tais como livro de Strabeli sobre gestão de associações e de Gersem Luciano sobre o que é preciso saber a respeito do índio no Brasil hoje. Apesar disso, os módulos tiveram como base e utilizaram textos que constavam no Guia e as apresentações em Power Point especialmente preparadas pelos instrutores para suas intervenções, que foram reproduzidas, copiadas e distribuídas na forma de apostilas. A proposta dos alunos desenvolverem, como trabalho de conclusão de curso, um projeto baseado em seus próprios esforços de diagnóstico participativo também emergiu como uma forma de contornar o fato de a maioria das comunidades e associações ali representadas não terem nenhum projeto do PDPI em andamento para ser assessorado e/ou avaliado por eles. Essa acabou se revelando uma opção acertada – se não por outro motivo – por ter-lhes permitido desenvolver um trabalho que percebiam como seu e que tiveram a ocasião de apresentar publicamente, mexendo assim, positivamente, com a sua autoestima. Além disso, essa proposta permitiu que se vislumbrasse uma enorme variedade temática, de prevenção ao alcoolismo, à violência contra as mulheres e às doenças sexualmente transmissíveis, ao manejo de queimadas, passando por regeneração de línguas e costumes. Isso se deu, em alguma medida, em virtude da insistência de que os problemas deveriam ser priorizados pelas comunidades e associações, e pelo fato de que os cursistas procuraram seguir essa orientação. Para tentar assegurar uma mínima receptividade das associações e comunidades ao trabalho dos cursistas durante os períodos de dispersão, já que não havia monitores para acompanhar seu desempenho – tal como ocorreu, por exemplo, no curso de Manaus –, os enunciados dos exercícios eram acompanhados de uma carta ao coordenador da associação solicitando o apoio desta para os cursistas no desempenho de suas atividades nas comunidades. O balanço dos resultados dos trabalhos realizados nos períodos de dispersão, contudo, revelou um quadro preocupante, pois nem todos os participantes

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concluíram satisfatoriamente e entregaram os trabalhos nos módulos subsequentes. Dos 32 alunos que retornaram para o segundo módulo, quatro não entregaram nenhum trabalho, doze entregaram de modo parcial e/ou incompleto, e apenas dezesseis entregaram o trabalho razoavelmente completo. Os quatro alunos que não entregaram nada não receberam as bolsas de estudo, conforme esclarecido desde o início do curso, ao apresentar as exigências de compromisso em relação ao curso, e reforçado ao prescrever o exercício. Dos quatro que não entregaram, três lograram concluir os trabalhos prescritos para o primeiro período de dispersão durante o segundo período de dispersão, quando, então, no terceiro módulo presencial, receberam as bolsas devidas relativas ao período anterior. Dos dez que entregaram trabalhos incompletos, dois se deram o trabalho de concluílos. Com base no resultado dos trabalhos do primeiro período de dispersão, ou seja, nos dados que os/as cursistas mesmos produziram, iniciou-se a montagem de uma tabela que pudesse retratar minimamente a situação atual e a estrutura das associações indígenas que os indicaram, como forma de montar um marco zero para o monitoramento e avaliação do impacto potencial do curso nessas associações. Essa iniciativa, contudo, não foi levada adiante. Para o segundo período de dispersão, o enunciado do exercício trazia efetivamente um roteiro de condução de um diagnóstico indígena participativo, com proposta de cronograma. Uma vez mais, o exercício foi acompanhado de uma carta ao coordenador da associação. Não obstante, o balanço dos trabalhos do segundo período de dispersão revelou um quadro ainda mais preocupante que no módulo anterior, pois cerca de um terço da turma simplesmente não conseguiu implementar o roteiro e o cronograma de condução do diagnóstico indígena participativo proposto. Isso levou à suspensão do pagamento de doze bolsas e forçou a redefinição da estratégia para o exercício do terceiro período de dispersão, no sentido de reorientar o diagnóstico indígena participativo. Novamente, o exercício foi acompanhado de uma carta ao coordenador da associação e outra ao cacique da respectiva aldeia.

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O balanço dos trabalhos do terceiro período de dispersão revelou um quadro similar ao do período anterior, em que cerca de um terço da turma simplesmente não conseguiu implementar as tarefas programadas. Esse fato ocasionou a suspensão do pagamento de oito bolsas. Não obstante, dessa vez não houve redefinição da estratégia para o exercício do quarto período de dispersão e os cursistas foram orientados a já iniciarem a formulação do projeto. Igualmente, o exercício foi acompanhado de uma carta ao coordenador da associação. Os cursistas se queixavam, basicamente, de duas coisas em relação às atividades do período de dispersão. De um lado, fizeram referências a reações do tipo “eu vou lá em reunião?”, “reunião não enche barriga de ninguém”, “reunião não serve para nada”. Indicavam ainda estar fortemente enraizada em suas associações e comunidades a noção de projeto como “lista de compras” e que encontraram resistências para conduzir um trabalho envolvendo toda a comunidade aldeã. Os que efetivamente conseguiram avançar nos exercícios o fizeram com pequenos grupos – familiares, parentes mais próximos, classes escolares, grupos de igreja –, conforme, inclusive, foram orientados, no caso de não lograrem uma adesão mais ampla às propostas de exercício. De outro lado, apontavam para o que julgavam ser uma prevenção em relação ao fato de eles serem jovens, relacionada, por sua vez, a dúvidas sobre a competência deles para realizar tais tarefas. O que se dizia era: “Se fosse o senhor, professor, que é branco e mais velho, garanto que eles iam prestar atenção”. Indicavam, assim, haver tanto uma questão geracional, atravessada por valores culturais específicos na sua assimilação como “gestor(es) de projeto(s)”, quanto um componente do que Roberto Cardoso de Oliveira chamaria de “alienação identitária”58 em relação à capacidade deles

58 “Já as comunidades de comunicação constituídas por indivíduos membros de segmentos sociais, tais como as classes ou as etnias, guiadas exclusivamente pelo senso comum ou por ideologias de classe ou étnicas [...], em comunidades de comunicação desse tipo os seus membros tendem, num extremo, a se assumirem com um alto grau de etnocentrismo; já num outro extremo, por sua vez, sempre se poderão constatar coletividades, como certos grupos étnicos, por exemplo, no interior dos quais é possível identificar segmentos altamente alienados, destituídos de um consenso mínimo capaz de fazê-los ‘pensar em grupo’, isto é, que obedeçam a regras intersubjetivamente aceitas. Esse

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mesmos assumirem as rédeas dos processos de formulação de iniciativas próprias. Trata-se, aqui, de hipóteses explicativas que mereceriam ser etnograficamente examinadas.

CONSIDERAÇÕES AVALIATIVAS FINAIS 7

A experiência de coordenar o curso e ao mesmo tempo atuar como instrutor foi um grande aprendizado para todos os que participaram como instrutores, principalmente aqueles poucos que, até então, nunca haviam trabalhado diretamente com povos indígenas e/ou com turmas multisseriadas – como foi o caso de João Paulo, Emanuel, Eleonice e os monitores de informática. Quiçá os brancos aprenderam mais do que os próprios cursistas ao ter que lidar com os dilemas e os desafios postos pelo curso. Para alguns desses, contudo, o caráter de semi-internato do curso propiciou uma convivência multicultural inédita, ao passo que, para outros, principalmente alguns povos de Rondônia, essa convivência se dá no cotidiano de aldeias multiétnicas – principalmente na região do rio Guaporé. Um dos mais importantes desafios foi passar a concepção de projeto como ação coletiva organizada e sistemática para a resolução de problemas reconhecidos, priorizados e analisados pelas comunidades de modo autônomo, visando sua superação. A ideia de que os instrutores foram orientados para formar gestores indígenas de projetos concebidos por indígenas – o predicado indígena, portanto, aplicando-se tanto aos gestores quanto aos projetos – foi metodicamente enfatizada e trabalhada – o que não significa dizer plenamente internalizada. Isso porque, de um lado, ainda está profundamente enraizado, após anos de prática assistencial e tutelar, o atrelamento às agências de contato e suas pautas (entre as quais,

fenômeno de alienação identitária, que chamei certa vez de ‘caboclismo’, pude examiná-lo na pesquisa que realizei com os índios Tükúna no alto rio Solimões, no estado do Amazonas e que se mostrou ser uma categoria social estratégica para a interpretação de identidades limite: entre ser e não ser índio” (Cardoso de Oliveira, 2000, p. 216).

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evidentemente o autor se inclui), que fundamenta a noção de projeto como uma lista de compras e materiais a ser demandada de ou oferecida por uma instituição de natureza colonial. De outro lado, aporta-se uma lógica “alternativa”, mas no fundo baseada numa racionalidade burocrática de adequação entre meios e fins – o que coloca desafios para esse tipo de público. A noção – expressa no PPP original do curso – de que “o perfil desejado para um gestor é de um profissional (ou agente de transformação) dotado de conhecimentos específicos, que articula esses conhecimentos com outros saberes produzidos no seu meio social e é capaz de encaminhar sua ação para transformar positivamente a realidade e o meio em que atua” (MMA, 2004, p. 16, grifos no original), dotado de um amplo conjunto de capacidades, demanda uma profunda transformação da subjetividade dessa pessoa que se quer transformar em agente de transformação. Essa mutação talvez esteja além da possibilidade de um curso nesse formato, com a rotina de trabalho intensivo adotada em regime de semi-internato e com os conteúdos trabalhados durante o curso, por mais qualificado que fosse. Às vezes colocava-se o questionamento de se, obtendo sucesso por meio desse novo regime de subjetivação (o “gestor indígena de projetos indígenas”), não se estaria, ao final, inibindo a própria possibilidade de eles promoverem o almejado diálogo com o seu “meio social”. Some-se a isso o fato de se falar em profissional, o que logo gera a expectativa de remuneração fruto de colocação estável em uma instituição formal. Isso pode ajudar a entender os destinos mais variados que os cursistas tiveram após encerrada a atividade – a grande maioria dos quais não emplacou como “gestor de projetos indígenas” no sentido estrito. Não obstante o ensejo de estudo e formação, bem como o de ampliação dos conhecimentos trabalhados no curso, motivou alguns a prosseguir na busca por ampliar as oportunidades de qualificação; enquanto outros retomaram os seus afazeres. Embora não tenha sido feito um levantamento sistemático e organizado do destino dos egressos, pois não havia recursos previstos para tal, pode-se destacar a seguir alguns desdobramentos que foram conhecidos por vias informais.

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Dois jovens, um Apurinã e uma Djeoromitxí, concluindo o seu ensino médio, deram prosseguimento à sua formação em nível superior, aquele no curso de direito, em São Paulo, e esta em medicina, na Bolívia.

Dois outros jovens, um Zoró e uma Aruá, deram prosseguimento à sua formação como professores, não mais no magistério indígena, mas em nível superior, entrando para o curso de licenciatura em educação básica intercultural da Unir Campus de JI-Paraná – tendo ela se casado com um Suruí que conheceu aí e se mudado para a terra do marido.

Três jovens, um Tupari, um Jiahui e um Suruí, galgaram posições no âmbito de suas respectivas associações: o primeiro saindo do Conselho Fiscal para ser coordenador da Associação Wãypá; o segundo sendo eleito na chapa como tesoureiro da Associação do Povo Indígena Jiahui (função da qual acabou se afastando com o tempo); e o terceiro se posicionando como estagiário e assessor para mídias e redes sociais.

Um jovem Suruí com ensino médio completo liderou a constituição de uma nova associação indígena de base local e se articulou ao grupo de pesquisa da professora Eleonice (Unir) para tentar viabilizar um projeto em torno de plantas medicinais.

Um jovem Cinta Larga concluiu o ensino fundamental e hoje orbita em torno do Conselho Cinta Larga como uma espécie de assessor ad hoc das iniciativas dessa associação.

Outros deram continuidade às atividades que já desempenhavam antes do curso – mantidas durante os módulos –, como foi o caso do agente de saúde Mamaindê, do professor Tenharim, do servidor Apurinã da Prefeitura de Pauini, do cacique Oro Nao e do tesoureiro da Associação Pareci. Há indicações, não confirmadas, de que o jovem Mamaindê teria conseguido emplacar o projeto que desenvolveu no curso – cujo objetivo era combater a desnutrição infantil na aldeia Capitão Pedro – no âmbito das medidas compensatórias de um Plano Básico Ambiental relativo a um empreendimento que impactaria a TI Vale do Guaporé.

Na roda de conversa com alguns coordenadores e representantes de diretoria de associações indígenas que vieram a Cacoal prestigiar a certificação de seus indicados, estes

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reconheceram e assumiram sua parcela de responsabilidade em relação às ponderações levantadas pelos cursistas em diferentes momentos do curso. Essa roda de conversa, realizada a título de avaliação final com as lideranças e os cursistas que ainda estavam presentes, reiterou o quadro geral de: falta de condições para apoiar o trabalho dos cursistas na associação e nas comunidades; desconfiança em relação às competências e habilidades que os jovens estavam desenvolvendo; dificuldade de compreender a “nova” lógica de projeto que estava sendo trabalhada com eles no curso, orientada para a promoção da autonomia das associações e comunidades, a partir de um levantamento dos seus próprios recursos e potencialidades. Alegaram que tudo aquilo era muito novo para eles e não conseguiram lidar com as situações promovidas pelo curso. Destacaram, ainda, a motivação, a proatividade e o compromisso dos cursistas com o curso e com as atividades, mas reconheceram que não lograram responder à altura. Isso sugere que a estruturação e a força institucional das associações é um elemento crítico para o êxito de iniciativas de formação como essa. Aliás, a própria insolvência do Fórum Paiter Suruí ao longo do processo do curso, já referida, é um sintoma claro da vulnerabilidade das associações nessa região. Essa situação parece indicar que o investimento na formação indivíduos/pessoas, por mais articuladas e conectadas que estejam com suas comunidades e associações, talvez não seja o caminho mais eficaz para promover transformações positivas na direção da autonomia, e nem para enraizar uma concepção menos dependente e clientelista de projeto social. Se o curso tivesse contado com a colaboração de monitores – que pudessem atuar em escalas microrregional e local, apoiando, orientando e acompanhando os cursistas em suas atividades nos períodos entre os módulos e promovendo aprendizados coletivos, interações e dinâmicas imprevistas junto às associações e comunidades – o curso teria sido mais eficaz em seus objetivos e o processo de aprendizagem teria transcendido seus limites. Contudo, isso é apenas uma hipótese. Por relatos informais dos próprios cursistas, foi possível perceber, de modo ainda sutil, que essa nova identidade e/ou papel social – o de gestor de projeto – foi percebido e apropriado

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de modo muito diferente nos distintos contextos nos quais os cursistas estavam inseridos. Trata-se de algo que mereceria uma investigação etnográfica densa nas diferentes situações e que deveria fazer parte obrigatória de um componente de gestão do conhecimento de iniciativas similares, contando com recursos financeiros para tal – tais como bolsas para apoiar pesquisas sobre a inserção desses egressos em seus contextos de origem. Para concluir, algumas considerações sobre a articulação e a parceria entre as organizações indígenas e não indígenas responsáveis pela realização do curso. Por um lado, para algumas organizações – notadamente o IEB e a Unir –, foi doloroso ter que aprender ao longo do processo sobre a difícil situação em que o Fórum Paiter se encontrava, sem que fosse possível fazer muita coisa, posto que os recursos do projeto estavam todos rubricados e não poderiam ser redirecionados para outros fins que não a realização de atividades diretamente relacionadas ao curso. Esse foi o limite da já referida atitude flexível e compreensiva adotada na gestão do projeto a partir do momento em que as coisas no fórum começaram a desandar. Aliás, essa foi uma dimensão bastante enfatizada nos módulos 3 e 4: recursos do projeto são recursos para o projeto; e não havia como enfatizar uma coisa com os alunos nas aulas e se comportar de modo diferente fora destas. Além disso, essa foi uma postura pedagógica para o próprio fórum. De todo modo, o conhecimento adequado, transparente e recíproco sobre as respectivas situações financeiras e administrativas das associações parceiras é condição sine qua non para a boa condução de iniciativas consorciadas. Caso houvesse transparência acerca dessa situação ao tempo em que aconteceu a interpelação pelo Fórum, talvez este autor tivesse pensado duas vezes antes de assumir o desafio. Por outro lado, o curso deixou um legado importante para as associações indígenas da região em que ocorreu e para o IEB: a parceria com a Unir – em geral e não só o Campus de Cacoal. Esta chegou a considerar a possibilidade de internalizar o curso como uma linha de ação permanente da sua política de extensão, que dialogaria com a experiência – também pioneira – do curso de licenciatura em educação básica intercultural no campus vizinho

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de JI-Paraná. Isso não avançou, mas o IEB teve a oportunidade de desenvolver mais dois cursos de curta duração para indígenas (atividades econômicas sustentáveis e monitoramento de projetos) no âmbito de outros consórcios que não o Paisagens Indígenas Brasil, que contaram com a participação de professores da Unir e o respaldo institucional desta, que os definiu como ações de extensão, certificando assim seus participantes. O desafio, portanto, é o de se consolidar essa parceria para instituir iniciativas mais estruturantes e permanentes que apoiem os povos indígenas da região na formulação e execução de projetos autônomos, colaborem para a sua autonomia e melhoria de qualidade de vida.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fábio Vaz Ribeiro de (Org.). Guia para a formação em gestão de projetos indígenas. Brasília: Paralelo 15, 2008. ALMEIDA, Fábio Vaz Ribeiro de; SOUSA, Cássio Noronha Inglês de. Políticas viabilizam protagonismo indígena. In: RICARDO, Carlos Alberto; RICARDO, Fany (Org.). Povos Indígenas no Brasil 2006-2010. São Paulo: ISA, 2011. p. 142-146. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA). Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas: Projeto Pedagógico. Manaus: Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI). Brasília, 2004. Mimeo. OLIVEIRA, R. C. Ação indigenista, eticidade e o diálogo interétnico. Estudos Avançados, São Paulo, v. 14, n. 40, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v14n40/v14n40a18.pdf>.

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CURSO DE GESTORES INDÍGENAS DE PROJETOS INDÍGENAS DO NORTE DO PARÁ E AMAPÁ ­– APITIKATXI Jurandyr Carvalho Ferrari Leite59

1

INTRODUÇÃO

Durante a oficina que costurou a proposta do Curso de Gestores Indígenas de Projetos para os indígenas do Norte do Pará e Amapá, realizada em 2008, ficou definido que não seria exigido o ensino médio completo para os alunos, como estabelecido em outros cursos. O posicionamento significava que o curso perderia a possibilidade de conceder um certificado formal reconhecido pela Secretaria de Educação do Estado e seriam perdidos alguns apoios na área de educação, mas reforçava a necessidade de formação de novos quadros, uma vez que a exigência de ensino médio completo seria um impedimento para a participação dos vários grupos indígenas que têm Macapá como polo de atuação e assistência. As lideranças ali presentes, defendendo a necessidade do curso para todas as áreas e etnias, definiram cotas de participação por área e povos e a indicação de nomes pelas lideranças e organizações específicas e não pela inscrição individual. Essa distribuição é apresentada no quadro 1.

59 Instrutor (módulos 1 a 3) e coordenador pedagógico (módulos 4 , 5 e 6) do Curso de Gestores Indígenas de Projetos indígenas do Norte do Pará e Amapá; instrutor e apoio no Curso de Manaus (módulos 3, 4 e 5). Preparação do texto básico do Guia do Curso de Gestores.

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QUADRO 1 - Distribuição de vagas do curso Área

Participantes

Povos

Oiapoque

12

Galibi Kali'na Palikur Karipuna Galibi Marworno

Tumucumaque

12

Apalai / Waiana (Leste) Tiriyó / Kaxuyana (Oeste)

Wajãpi

6

Elaboração do autor.

Nos critérios para definir os nomes a serem indicados ressaltava-se o “compromisso com a comunidade” e o compromisso de “não individualizar o conhecimento adquirido durante o curso”; expressando desde logo o sentido social e político do curso. Ao levantar-se o perfil dos alunos no primeiro módulo, notavase que a maioria dos indicados pelas lideranças para o curso eram moradores de comunidades e com pouco trânsito na cidade. O levantamento realizado pela coordenação junto aos alunos naquele momento inicial mostrou que apenas 41% tinha o nível médio completo e 25% tinham fundamental incompleto. Três não haviam frequentado escola formal ou indígena e seis frequentaram apenas escola indígena. A dificuldade de leitura e escrita na língua portuguesa era apontada por 61%. Mas, de fato, para a maioria, havia dificuldade de comunicação em português, sendo a língua indígena usada regularmente no cotidiano: Tiryó, Wajãpi, Wayana; Apalai; Patuá, Palikur. Durante os três primeiros módulos, atuei como instrutor, o primeiro sozinho e nos outros dois com apoio da antropóloga Nadja Havt Bindá. Os módulos deveriam seguir a ordem de temas do Guia para a formação em gestão de projetos indígenas, manual produzido pelo Projeto Demonstrativo de Povos

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Indígenas (PDPI) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para dar suporte aos cursos de gestores indígenas. O primeiro módulo – o mais complexo de todo o guia – mostrou que o desafio inicial seria enfrentar a dificuldade de comunicação em português, que se potencializava em assuntos (e termos) com os quais a quase totalidade dos alunos não tinha tido contato anterior. Apesar de lançar mão de tradução simultânea e de exercícios de tradução coletiva dos tópicos mais importantes, era impossível superar o fato de que, para um curso de gestores de projetos indígenas, era fundamental que este fosse realizado em português, idioma no qual os futuros gestores deveriam dialogar com financiadores e parceiros. Nos dois módulos seguintes, o trabalho fluiu um pouco mais, não só porque o problema inicial com o português ia gradativamente sendo superado, mas porque os temas mais ligados a ações práticas, como o diagnóstico, facilitavam a compreensão. A maioria dos alunos escolhidos para o curso não tinha vivência de projetos e não estava vinculada a uma organização indígena. A maior parte deles não era sequer atuante em sua aldeia. As escolhas foram feitas na expectativa de que o curso pudesse trazer e formar novos quadros locais e ampliar o alcance das organizações indígenas no estado. Essa inexperiência não pode ser vista como deficiência, mas como uma característica do curso que precisava ser assumida na sua condução, já que foi intencional. Ela exigiu, por parte dos instrutores, em primeiro lugar, um esforço de formação, já que tanto as características do projeto como os aspectos que os envolvem (a política indigenista, o movimento indígena etc.), eram novidades e abstrações para os envolvidos. Essa característica exigiu também formas alternativas de apresentação do conteúdo, ainda que procurando não simplificar em excesso. Este era um problema complexo, que só foi detectado com a chegada dos alunos. Soluções como a de ter aulas de português poderiam ser adotadas, desde que realizadas com o conteúdo do próprio curso, já que o tempo era

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exíguo. A solução foi fazer leituras coletivas e interpretação dos textos com os alunos, como parte do repasse dos conteúdos, mesclando o trabalho. Pode parecer estranho, mas muitos alunos traziam a visão passiva da participação em projetos e organizações, isto é, o projeto era tomado como sendo uma ação dos outros – órgãos públicos, ONGs, organizações indígenas – ou dos de fora. Foi um desafio confrontá-los com os problemas e dificuldades da articulação entre organização e projetos/financiadoras, entre organização e comunidade, e construir a ideia de que projeto indígena deve, para ser um elemento de construção da autonomia, apoiar-se na participação e envolvimento dos comunitários (aldeias/povos). A característica participativa dos projetos sociais foi enfrentada de forma diferente no caso de alunos que já tinham experiência de projetos (como entre os alunos em Manaus e alguns poucos do Amapá) e os que estavam sendo apresentados ao tema. Em ambos, observamos a necessidade de melhorar a qualidade da participação e trabalhar projeto como um processo participativo. Se para aqueles que tinham experiência nos projetos era necessário enfrentar certo voluntarismo, que coloca o projeto como iniciativa da organização e da liderança; no caso do curso no Amapá, o desafio estaria em motivá-los a tornarem-se membros participantes da vida da sua comunidade e das organizações, além de ensinar-lhes sobre projetos. Foi possível observar, entre os alunos, avanços significativos nesta direção, que eles próprios reconheceram durante o curso e traziam para as avaliações. Mas a inexperiência trouxe problemas para realizar o trabalho da dispersão, em campo. Dos motivos individuais para não apresentar o trabalho conforme programado, observou-se: •

timidez, falta de iniciativa;

dificuldade de se impor, dificuldade e medo de conduzir reuniões;

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insegurança por estar fazendo algo novo;

isolamento (“não tem ninguém para conversar, trocar ideias”);

a visão de algumas lideranças e comunitários, que entendem o curso como um benefício pessoal do aluno e não como um conhecimento que reverterá para a comunidade; e

falta de serem apresentados e legitimados por alguém de maior prestígio.

A superação desses problemas é apenas em parte desafio pessoal. O contexto social e político que deveria abrigar os novos gestores precisa também estar funcionando de forma articulada. O que se tentou passar aos alunos é que um gestor ou agente de projeto não se forma na sala de aula, com informações e aprendendo a escrever um projeto: é preciso mesclar isso com experiências e vivência na participação, comprometimento, legitimidade, na discussão dos problemas e no acompanhamento dos projetos. Seria preciso que esse aluno desenvolvesse a capacidade de falar em público, sistematizar ideias, incentivar a participação e tomar decisões com base nas informações de momento. Embora o curso e a coordenação, bem como as aulas, possam ter um importante papel nesse sentido, era imprescindível o envolvimento das organizações e das lideranças locais nessa absorção e integração dos novos agentes. Não contribuía para isto a situação de momento da maioria das organizações no Amapá/Norte do Pará, limitadas na obtenção de projetos e recursos por problemas trabalhistas. Estas organizações, que teriam importante papel na inserção e participação dos alunos, enfrentavam problemas. Durante a coordenação pedagógica no quarto módulo, após uma negociação da Apitikatxi com o PDPI, foram propostas algumas alterações no andamento do projeto. Não havia mudança de conteúdo para o 4o módulo, ficando mantidas as aulas programadas sobre implementação e monitoria, tal como previsto no programa geral do curso preparado pelo PDPI. O andamento no conteúdo previsto para os módulos presenciais não aparecia como um problema, e estavam em dia, conforme o planejamento inicial e o guia do PDPI. Cumprir o conteúdo

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e observar uma evolução nas aulas e exercícios, porém, não significava que o curso estava caminhando de forma suficiente para formar “gestores indígenas de projetos”. O curso tinha pontos muito positivos, e o número pequeno de abandono, apesar das dificuldades iniciais, foi um sintoma disto. Mas a pergunta que nos fizemos ao assumir a coordenação foi: o curso está sendo capaz de formar gestores ou agentes que possam elaborar, executar e acompanhar projetos? Que sejam capazes de multiplicar o conteúdo? Estamos caminhando no sentido dos resultados esperados – e não apenas no cumprimento do curso – após mais da metade deste em andamento? Na ideia de reajustar o andamento do projeto do curso, voltamos aos seus objetivos: Objetivos gerais: • capacitação para ficar menos dependentes do homem branco; •

capacitação em gestão de projetos;

capacitação de indígenas para elaborar, executar e acompanhar projetos;

formação de indígenas na elaboração e gestão de projetos, para fortalecer as comunidades e organizações indígenas; e

intercâmbio entre alunos dos cursos realizados nos vários estados.

Resultados esperados para os objetivos gerais: a. alunos indígenas preparados; b.

apoio das lideranças, comunidades e organizações ao trabalho dos alunos;

c.

formação de novos alunos, continuidade da formação e capacitação;

d.

outras organizações indígenas da região assumindo responsabilidades na continuidade da formação;

e.

alunos atuando para multiplicar o conteúdo aprendido;

f.

apresentação dos relatórios de execução e prestação de contas do projeto; e

g.

elaboração e distribuição de material de divulgação do projeto.

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Evidentemente que o resultado mais específico do curso é “alunos indígenas preparados” para a “elaboração e gestão de projetos”. Mas seu objetivo final é o de fortalecer (e tornar mais autônomas) as comunidades e organizações. Para isso, espera-se o envolvimento “das lideranças, comunidades e organizações ao trabalho dos alunos”, os alunos funcionando como multiplicadores dos temas tratados e as organizações assumindo a continuidade da formação. Independentemente de se alcançar ao final a formação de “gestores de projetos” de excelência, o curso deveria não perder o foco de formar novos quadros para atuar nas áreas, mantendo seu vínculo com as comunidades de origem. Foram feitas várias modificações na sistematização e planejamento dos trabalhos, para enfrentar o que pareciam ser os maiores problemas do curso: a falta de inserção e iniciativa dos alunos, espelhados nos trabalhos tímidos realizados em campo. Mas foram incluídas propostas também para reforçar o papel multiplicador do aluno, pouco trabalhado até então, e o envolvimento das lideranças e organizações indígenas na formação de quadros. As principais alterações são listadas a seguir. •

O projeto do curso e os encaminhamentos propostos foram debatidos com os alunos no 4o módulo, que, coincidentemente, tinha como tema principal Implementação, Monitoria e Avaliação. Essa iniciativa era importante para que se mantivesse vivo o debate sobre o papel do gestor indígena de projeto, trabalhado no primeiro módulo, e uma perspectiva crítica sobre a formação que estava em andamento.

Foi realizada uma reunião do conselho de organizações proposto para acompanhar o curso, no qual foi sugerido: incluir os alunos em discussões e atividades em andamento nas organizações; reforçar a importância do curso na formação de quadros e no fortalecimento destas organizações; e acompanhar e legitimar a entrada em área da coordenação para o quinto módulo, para que esta não fosse tomada como uma atividade de fora.

Foi promovido debate e conscientização sobre o papel de multiplicador dos alunos do curso, com a proposta de

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preparação, com os alunos, de uma cartilha sobre projetos para ser usada pelos alunos formados. •

Definiu-se um melhor acompanhamento do projeto a ser apresentado por cada aluno como trabalho final, para que este pudesse ser de fato um ponto de discussão e referência para a inserção destes alunos.

Estabeleceu-se a ida da coordenação para apoiar o trabalho em campo (o que não estava previsto e dependeria de viabilizar com os parceiros).

Tardias, algumas iniciativas renderam menos do que se desejava, mas foram importantes para a evolução do trabalho com o grupo de alunos e foram fundamentais para a posição crítica com que os alunos chegaram ao seminário integrador, apontando erros e sugerindo desdobramentos. A avaliação do curso foi extremamente positiva ao final, mas seu impacto só poderia ser medido depois. Sabe-se que alguns alunos estão hoje nas organizações indígenas, até em posição de destaque, outros permaneceram em área, e sua atuação é menos visível. Um levantamento mais detalhado está por ser realizado. Das avaliações e propostas feitas para os últimos módulos, destacam-se alguns tópicos do curso que poderiam gerar outra dinâmica, potencializar seus resultados e dar a ele maior substrato social, uma vez que aulas e exercícios formais tendem a fortalecer o desempenho individual. Em certa medida, esses aspectos estão relacionados à situação encontrada no curso no Amapá e norte do Pará, mas que, certamente, podem ajudar a pensar outras situações.

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A COMPLEMENTARIDADE DO MÓDULO PRESENCIAL E O TRABALHO DE CAMPO 2

A característica dessa proposta de curso de gestores indígenas de projetos é a combinação e complementaridade entre os módulos presenciais e a prática em campo. Durante os três primeiros módulos, o conteúdo destes foi concatenado com o exercício em campo, sempre com no mínimo um dia dedicado à preparação do exercício. Em função de pouco conhecimento sobre projetos de que os alunos dispunham, no primeiro módulo (Desafio do Gestor Indígena/O Lugar dos Projetos Indígenas), foi proposto um exercício em grupo, por área de origem, para que fossem listados os agentes e agências que atuam nas áreas e os projetos existentes. Com base nesse exercício, foram preparados os formulários a serem usados pelos alunos para um levantamento simples em campo, na sua aldeia. No segundo módulo, foi proposto que os alunos fizessem uso de algumas técnicas de diagnóstico em suas aldeias, as quais foram exercitadas em sala. No terceiro, solicitou-se a definição do projeto: problema que pretende enfrentar e como enfrentar, se possível colocando as informações em um diagrama oferecido como base para preencher o formulário de projetos. Depois de apresentar o exercício, foram feitas conversas com todos os alunos, ouvindo as propostas e sugerindo ações. Para todos esses exercícios, foram indicadas atividades que envolviam consultas e/ou reuniões com pessoas da comunidade, fortalecendo o caráter participativo dos projetos. O que se notou foi que o andamento dos exercícios propostos para o período de dispersão não era adequado e os trabalhos entregues estavam, em grande medida, fora ou muito aquém do que havia sido pedido.

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As dificuldades de realização dos exercícios foram trabalhadas com os alunos, e entre as que afetavam a grande maioria dos alunos, algumas são listadas a seguir. •

Em virtude da falta de planejamento/programação para as atividades propostas em campo e quebra na continuidade no trabalho, os alunos saíam do módulo presencial com o trabalho na cabeça e animados, mas, na volta para a aldeia, depois de uma ausência prolongada, a atenção era obrigatoriamente desviada para outras atividades (a roça, a família, o descanso etc.). Passado esse período inicial, retomar o trabalho proposto no curso era difícil e tudo ficava para a última hora, quando o que foi discutido já não estava tão fresco na mente.

O fato da maioria dos alunos não serem lideranças ou pessoas envolvidas nas organizações deixavam-nos distantes das discussões dos problemas e prioridades das suas aldeias.

O curso era visto pela comunidade e lideranças como um problema do aluno (apesar da expectativa de que gerasse benefícios comunitários). Isso dificultava as atividades, que, em sua maioria, envolviam reuniões, consultas e conversas com a comunidade. Sem o apoio das lideranças para abrir espaço para esses trabalhos, sem experiência para propor e conduzir um trabalho com o perfil antes descrito, este ficava inviabilizado.

Os alunos tinham dificuldades de realizar trabalhos que, embora “ensaiados” no curso, tinham perfil prático e os alunos não estavam acostumados a fazer: levantamento de informações, reuniões com as aldeias, sistematização de informações, redação de textos. Com o apoio e a troca durante as aulas, essas atividades eram realizadas; contudo, sozinhos e sem ninguém para conversar na aldeia muitos travavam.

Há aí um problema relacionado à proposta do curso, que previa aulas a serem ministradas por diferentes instrutores (dada a diversidade de temas) e uma coordenação pedagógica. Não era claro o papel da coordenação como articuladora dos conteúdos ministrados pelos instrutores, visando à coerência e ao objetivo do curso. Como também não estava clara a necessidade de que

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o coordenador pedagógico fizesse o acompanhamento e tivesse a função de orientar os projetos e exercícios dos alunos. Um coordenador pedagógico talvez seja adequado para a formalização do curso, mas é preciso pensar que um curso como esse deve ser acompanhado, principalmente, por uma pessoa experiente em projetos e suas técnicas. Além disso, deve ser uma pessoa que se disponha a acompanhar e orientar os alunos nas suas experiências de exercitar e conhecer os projetos. O 5o módulo foi substituído (já que o projeto previa um 6o) pelo acompanhamento em campo. Com reuniões em grupo de alunos nas áreas, o acompanhamento local visava aproximar a comunidade do curso e apoiar particularmente cada aluno, entendendo melhor as especificidades locais. Esta mudança também serviu para reduzir o alto custo do translado, que estava inviabilizando o projeto. Para a viagem da coordenação para as áreas, foram acionados novamente os parceiros locais, aproveitando outras atividades programadas por estes. Por exemplo, a realização de uma reunião em que o autor deste texto participaria como consultor para o Projeto Mosaico de áreas protegidas do Amapá e Norte do Para do Iepé juntamente com os caciques Wayana e Apalai, viabilizou o deslocamento dos alunos para o local da reunião e mais três dias em campo para avançar nos trabalhos. Os alunos apoiaram e participaram do encontro com o amplo apoio dos caciques. Ao final de cada dia, foram feitas reuniões com os alunos para avaliação, e estes ficavam responsáveis por abrir os trabalhos do dia seguinte apresentando um resumo do que havia sido feito até então. No Oiapoque, para onde este autor foi exclusivamente para as reuniões com os alunos em quatro aldeias, houve o apoio da Apiwata, Apio e Funai, sobretudo para o deslocamento. Infelizmente, não foi possível cumprir, no tempo disponível, a visita a todas as áreas – não por rompimento de parcerias, mas pelo pouco tempo entre o 4o e 5o módulos. No caso do Tumucumaque Oeste, houve o adiamento de duas atividades

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do Iepé-Programa Tumucumaque e da ACT, que permitiriam a ida para a aldeia da Missão (o deslocamento intra-aldeias seria coberto pelo projeto PDPI/Apitikatxi). No primeiro caso, por falta de repasse do financiador que iria cobrir a atividade; no segundo, por mudanças nas agendas. Na área Wajãpi, não houve problemas de translado, mas de agenda. Foram programadas atividades do Iepé-Programa Wajãpi com dois dos alunos (que ficariam em um curso por cerca de um mês) à época da viagem deste autor. No mesmo período, dois alunos estavam em Macapá. Optou-se, então, por adiar a ida ou fazer o encontro antes do início do 6o módulo, sem o mesmo resultado esperado. Fica claro que, se o acompanhamento em campo tivesse sido programado desde os primeiros módulos, teria sido possível articular a ida (até mesmo mais de uma vez) às áreas, combinando, sempre que possível, as atividades de orientação com as atividades de projetos dos parceiros. A presença do coordenador do curso na aldeia, apoiando os trabalhos locais, contribuiu com o diálogo aluno-comunidade e aluno-lideranças locais.

O REFORÇO AO PAPEL “MULTIPLICADOR” DO GESTOR 3

No primeiro módulo do curso, frente à grande dificuldade com o português e com a linguagem técnica, propôs-se um exercício para os alunos – agrupados conforme o idioma falado –, pedindo que preparassem uma definição para projeto em sua língua, como se estivessem contando para seus parentes na aldeia. A dificuldade do tema, a timidez do primeiro módulo e o cansaço dos vários dias de leituras e repetidas explicações foram substituídos por apresentações mais soltas, algumas engraçadas, outras longas e todas com intervenções dos falantes na mesma língua. Embora tenham tentado traduzir parte do que estava sendo dito, não era o conteúdo o ponto a ser destacado, mas a necessidade permanente dessa tradução

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– que faz parte do papel do gestor – e que era um desafio que precisava ser enfrentado. O papel do gestor poderia ser pensado como o de um tradutor: Deve ser capaz de traduzir as necessidades e desejos da sua comunidade em uma forma de projeto aceito pelo financiador; e traduzir as regras, exigências e mecanismos dos projetos para uma forma compreensível para o seu povo, para que ele possa cada vez mais interferir neste processo (Leite, 2007).

Aprender a falar – de forma crítica, acrescente-se – sobre projetos é um requisito para o gestor no enfrentamento de cada etapa do ciclo de projetos. Note-se que é preciso considerar sempre o gestor como alguém que procura envolver cada vez mais pessoas e facilitar a sua participação, e não como aquele que procura encaminhar solitariamente as soluções. Esta capacidade de “falar sobre” deveria ter sido trabalhada de forma sistemática durante o curso, com atividades específicas, de modo a fortalecer esse como um perfil desejado para o gestor. O papel de multiplicador do conhecimento sobre projeto é permanente durante sua preparação e execução, mas pode se dar de forma mais sistemática em uma aula, por exemplo. No 4o módulo, apresentou-se a proposta de montar uma cartilha que servisse como base para os alunos usarem na função de multiplicadores do conteúdo do curso. Foi apresentado e discutido em aula um roteiro de itens, que seria desenvolvido pela coordenadoria, e o resultado seria discutido no último módulo. Não era a melhor solução, mas não haveria tempo para desenvolver esse instrumento de modo mais participativo. O texto ficou grande, pois recuperava os principais tópicos trabalhados no curso e acabou por servir de base à revisão feita no último módulo. Foram sugeridas modificações e testes de aplicação em área, mas não foi possível saber como foi utilizado. Desde o primeiro módulo do curso, poderiam ser incorporadas mais dinâmicas para sistematização de tópicos, trabalhadas com a perspectiva de “como você falaria deste assunto em uma

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reunião em sua aldeia?”. O resultado dessas dinâmicas poderia compor um conjunto de anotações e apresentações por tópicos sobre as diversas etapas e temas do projeto, que seria a base para uma (ou mais de uma) cartilha sobre projeto.

PARA ALÉM DAS AULAS E DOS EXERCÍCIOS 4

A experiência do curso mostrou a necessidade de mapeamento e contatos antes e durante o curso, para viabilizar o intercâmbio e a construção de uma agenda, com instituições técnicas de assistência e apoio ao desenvolvimento, tais como Embrapa, universidades e ONGs. Um exemplo: dos 28 projetos montados pelos alunos, seis tratavam de criação ou manejo de peixe. Teria sido fundamental uma visita a projetos desse tipo, e que os alunos pudessem ouvir os técnicos responsáveis para esclarecer suas dúvidas. A todo o momento, tentou-se reforçar a necessidade de buscar suporte técnico aos projetos, conhecer experiências, pesquisar e conversar com pessoas. Por meio de pesquisas na internet (quando o sinal permitia), a turma teve acesso a vídeos da Embrapa. Mas essas iniciativas tinham mais a função de exemplo, e não estavam claramente direcionadas aos interesses dos alunos. Mais uma vez, reforça-se o perfil do coordenador como um orientador e facilitador. O contato direto com experiências de projetos comunitários e de uso de determinadas tecnologias, embora com algumas tentativas, não foi viabilizado por esta coordenação. Na realidade as visitas aos projetos ou visitas de técnicos ao curso deveriam ter sido preparadas com mais antecedência, como parte da atribuição da coordenação, uma vez que demandam conhecimento do campo de instituições que trabalham na região e certo cuidado na escolha das técnicas e projetos a serem apresentados. É preciso considerar, ainda, que essas alternativas implicariam abertura de brechas no cronograma do curso ou em ampliação da estadia de um ou

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outro grupo, que os altos custos do projeto executado em Macapá não permitiam. Essas iniciativas deixariam claro, porém, uma das afirmações reiteradas durante o curso: que os projetos, sobretudo aqueles que se propõem a realizar algo novo para a comunidade ou terra indígena, devem construir parceiros técnicos, além das alianças logísticas, que permitam dar sustentabilidade ao trabalho.

O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DE GESTORES 5

Mas é o envolvimento das organizações indígenas e indigenistas – cujo apoio não foi negado na parte política e logística do curso – que tem fundamental importância em cursos com o perfil do que esteve à frente a Apitikatxi. O envolvimento dos alunos em reuniões de outros projetos, como a realizada na aldeia Bona, no Tumucumaque, poderia ter sido programado desde o primeiro módulo, indicando os alunos para apoiar a reunião e a sistematização de seus debates e resultados; ajudar nos trabalhos dos projetos e na logística; e assumir o compromisso de relatar à coordenação as atividades de que participaram. Com as dificuldades por que estavam passando as organizações, talvez não fosse possível pensar em estágio, que seria o desejado, mas certamente algumas atividades teriam sido possíveis. Embora pareça, à primeira vista, uma ideia simples de ser colocada em prática, a formação permanente e regular de novos quadros não é praticada na maioria das organizações, e estas não estão preparadas para receber e trocar com os estagiários. Desse modo, um apoio da coordenação do curso também seria necessário. A composição, estrutura e rotina da organização interferem diretamente na definição dos projetos e na forma de atuação.

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Um projeto, sobretudo na sua execução, terá a cara da organização. Nesse sentido, o tema “organização indígena e projeto” foi tratado no curso, mas não há no guia um tópico específico que o destaque. Evidentemente, a incorporação dessas novas preocupações no curso poderia implicar rearranjo nos conteúdos dos módulos, mas, certamente, tornaria o curso mais interessante e aplicado.

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COMENTÁRIO FINAL

Para terminar, cabe um comentário sobre o guia. Um dos motivos para aceitar o convite para atuar como instrutor no curso foi o fato de ter preparado a primeira versão do Manual para formação de gestores (indígenas) de projetos indígenas para o PDPI. À época, foi-me passado um conjunto de textos (artigos, trechos de livros, manuais) sugeridos ou usados pelos diversos instrutores no primeiro curso, realizado em 2004, em Manaus, bem como uma estrutura de módulos com temas predefinidos intercalados por exercícios para o período de “dispersão”. Ao ler o material, sugeri que o manual deveria tratar os múltiplos temas do ponto de vista do projeto. Assim foi feito, por exemplo, com a história do indigenismo e a abordagem de culturas. Aprofundamentos e outras versões poderiam ser feitas com a adoção de outros textos, que o instrutor considerasse pertinentes. O importante seria dar ao manual um fio condutor, que não era possível transparecer na multiplicidade e especificidade temática dos textos que foram apresentados. A essa estrutura previamente definida, foi acrescida uma introdução intitulada “O desafio do gestor indígena de projetos”, que tratava especificamente do que era projeto e projeto indígena, e apresentava a ideia de “ciclo de projeto”, que orientava os módulos do curso. O guia é um bom roteiro de temas para o curso de formação de gestores. Mas seria um bom plano de curso? Penso que a ordem

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de apresentação poderia ser mudada, assim como a opção de apresentação por uma técnica de diagnóstico não listada, a inclusão de novos tópicos ou o destaque de temas pouco trabalhados, conforme o perfil dos alunos. No caso do curso em Macapá, o início pelos conceitos e temas gerais e transversais aos projetos representou uma séria dificuldade. A opção por introduzir o curso com etapas mais práticas parece que teria sido mais adequada. Embora não programada e quase sempre articulada poucos dias antes do início de cada módulo, a repetição dos instrutores nos primeiros módulos permitiu pontes entre os conteúdos de etapas anteriores, a revisão de temas e os exercícios para a etapa de dispersão. Isso permitiu minimizar o impacto quanto ao conteúdo do primeiro módulo. A versão impressa só ficou acessível um dia antes do início do curso, e não havia muita diferença no texto final em relação à versão preliminar. Considero que a publicação precisaria passar por uma boa revisão e adequação. Mas foram os erros de diagramação, mudança de lugar de boxes; omissões de sumários e intertítulos que prejudicaram seriamente a leitura e o melhor uso do guia, sobretudo quando há dificuldades de leitura do português.

REFERÊNCIAS LEITE, Jurandyr C. F. Manual para formação de gestores (indígenas) de projetos indígenas – versão preliminar. Manaus: [s.n.], 2007.

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FORMAÇÃO DE GESTORES DE PROJETOS INDÍGENAS PARA O CORREDOR CENTRAL DA AMAZÔNIA: EXPERIÊNCIA BEM-SUCEDIDA QUANDO SE RECONHECE A IMPORTÂNCIA DO INESPERADO Maria Helena Ortolan Matos60 Andrea Borghi Moreira Jacinto61 Deise Lucy Oliveira Montardo62 Inara do Nascimento Tavares63

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INTRODUÇÃO

A oportunidade de publicar as experiências do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia, oferecido pelo Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI) do Ministério do Meio Ambiente (MMA),64 invocou, mais uma vez, a proposta de reunir a Coordenação Pedagógica do curso: duas docentes da Universidade Federal do

60 Professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 61 Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). 62 Professora da UFAM. 63 Mestre em antropologia social pela UFAM. 64 Pelo curso ter sido reconhecido como curso de extensão universitária, utilizase neste texto os termos aluno e professor, em vez de cursista e instrutor, como tem sido utilizado pelo PDPI/MMA.

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Amazonas (Ufam), as antropólogas Maria Helena Ortolan Matos e Deise Lucy Oliveira Montardo, e uma docente da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), a antropóloga Andrea Borghi Moreira Jacinto, acompanhadas, na época, de uma discente em ciências sociais, Inara do Nascimento Tavares, incorporada como assistente da coordenação e que, mais tarde, no mestrado, defendeu dissertação sobre tal experiência (Tavares, 2012). Desde as primeiras reuniões de formatação do curso com os representantes do PDPI/MMA, em Manaus, no ano de 2008, dirigentes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP), com lideranças de organizações indígenas, foi reconhecido o valor da iniciativa de envolver as duas maiores universidades públicas no Amazonas (Ufam e UEA) na implementação do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia. Mais do que recursos humanos, essas universidades ofereceram espaço físico (sala de aula, laboratório de informática, sala da Coordenação Pedagógica), equipamentos (computadores do laboratório de informática), logística (transporte da universidade, alimentação dos alunos no refeitório universitário) e, principalmente, o reconhecimento acadêmico da formação indígena (certificado de curso de extensão). As várias instituições articuladas pelo PDPI/MMA para realização do curso assumiram diferentes papéis conforme sua posição no campo indigenista. Enquanto organizações indígenas, o Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) foram responsáveis, respectivamente, por serem proponente e executora do curso. As universidades, por sua vocação acadêmica e, no caso específico das profissionais contatadas, pela competência antropológica, foram acionadas para compor a Coordenação Pedagógica com o intuito de promover o ensino-aprendizagem dos conteúdos do Guia para a formação em gestão de projetos indígenas.65 Coube à Coordenação

65

O Guia para formação em gestão de projetos indígenas foi organizado por Fábio Vaz

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Pedagógica elaborar o plano pedagógico voltado ao público-alvo específico do curso: representantes de organizações indígenas do Corredor Central da Amazônia. Ao terem sido convidadas antropólogas para compor a Coordenação Pedagógica, os organizadores do curso consideraram o desafio, nada fácil, de promover o diálogo intercultural entre as lógicas específicas dos grupos étnicos dos alunos e a lógica própria de projeto, que constitui suas diferentes fases: planejamento e elaboração, execução, acompanhamento e avaliação. Para gerenciar a implementação do curso, foi criada uma Coordenação Operacional, sediada na COIAB e formada por meio de contratação de um coordenador-geral, uma assistente de projeto, com o apoio de uma discente do Curso de Letras da Ufam.66 Como apoio técnico-administrativo e financeiro foi designado o assessor financeiro e contábil do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP), de Brasília (DF).67 Com tantos agentes envolvidos (alunos, organizações indígenas, coordenadores do curso, professores, financiador), não foi fácil planejar e executar o curso, o que demandou esforço de todos para garantir o cronograma proposto e as atividades programadas visando à formação de gestores indígenas. A Coordenação Pedagógica costumava lembrar os alunos de que a realização do curso era a experiência viva da implementação de um projeto, incluindo suas várias etapas. Nessa vivência, concentravam-se os principais aprendizados do curso, entre eles a necessidade de superar as dificuldades na interação entre o agente financiador e o executor. Inicialmente, havia a proposta de realização dos módulos do curso nas regiões dos alunos, no entanto, não foi possível sua viabilização. Perdeu-se a oportunidade de prestar uma

Ribeiro Almeida, membro do PDPI/MMA, com a consultoria para elaboração de conteúdo de Jurandyr Carvalho Ferrari Leite. 66 Assumiram as funções, respectivamente, o indigenista Francileudo Gabriel da Costa, a indígena da etnia Arapaço Rosimere Teles e Jeane. 67 André Elifas Vieira prestou apoio à Coordenação Operacional do curso sediado no escritório do CINEP em Brasília, por isso, o acompanhamento nem sempre foi possível de imediato.

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importante contribuição para fortalecer a presença indígena em contextos políticos locais e regionais, além de ampliar o entendimento das instituições locais sobre o tema. Mesmo assim, existiram ganhos e aprendizagens com a execução do curso na cidade de Manaus, sobretudo para as duas universidades públicas do estado do Amazonas, que não tinham histórico de parceria desse tipo. A realização conjunta do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia do PDPI/MMA trouxe para ambas aprendizado institucional de como conjugar interesses comuns e promover atividades conjuntas, superando disputas políticas locais entre esferas governamentais federal e estadual. Para a Ufam, local das aulas presenciais, a presença de alunos indígenas nos espaços da universidade permitiu que universitários e professores não indígenas tivessem oportunidade de conviver com indígenas da região do Corredor Central da Amazônia, criando novas perspectivas de experiências e trocas entre eles. Outra contribuição significativa foi o envolvimento e o interesse da Pró-Reitoria de Extensão da Ufam na realização do curso de gestores indígenas, que abriu um novo espaço de discussão na própria universidade para pensar uma política indigenista mais sistemática e integrada da universidade junto aos povos indígenas. Para a UEA, o principal ganho veio da participação de mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental nas atividades de monitoria, nas fases de dispersão com os alunos indígenas. Para vários deles, foi primeira experiência de trabalho de campo e de vivência com povos indígenas – contribuição fundamental a seus próprios projetos de pesquisa e, principalmente, à sua formação como juristas e pesquisadores do direito, para construção de um formação jurídica mais plural e de maior respeito à diversidade.

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SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE REALIZAÇÃO DO CURSO 2

O Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia do PDPI/MMA foi realizado no período de fevereiro de 2009 a março de 2010, reunindo 38 alunos indígenas das etnias Baré, Tikuna, Kokama, Kambeba, Mayoruna, Mura, Sateré-Mawé e Pira-Tapuia:68

Região

Kokama

Alto Solimões Tikuna

Kambeba

Médio Solimões

Alunos (município, organização)

Etnia1

Tikuna Sateré-Mawé Mayoruna Kokama

Antones Carvalho Januário (Santo Antônio do Içá – Jutaí); Edelmar dos Santos de Sousa (Amaturá, ACMA); Francisco M. Moçambite (Tonantins, OGCCIPC) Alfredo Honorato Mendes (Tabatinga, OTMM); Aldeni Saturnino (Sto. Antônio do Içá, CACIB); Bruno Souza Luciano (Benjamin Constant, ACTPE); Deuzo de Almeida André (Benjamin Constant, OCIF); Danilo da Silva Macário (São Paulo de Olivença, AMTICTOM); Helena Lito Amaro (São Paulo de Olivença; ACISPO); Izabel Francisco Fernandes (Benjamin Constant, OGMITAS); Jussara Jesuino Salvador (Santo Antônio do Içá, CACIB); Manoel Júnior Araujo (São Paulo de Olivença, CGTT); Marines Cardoso Mourão (Benjamin Constant, OGPTB); Maria Guerreiro Coelho (Benjamin Constant, MITT); Maria Cida Moçambite dos Santos (Benjamin Constant, OGMITAS); Osvaldo Honorato Mendes (Tabatinga, IDASSI); Tertuliano Francisco Mendes (Tabatinga, Eware/ACIU); Valdino Coçambite Martins (Benjamin Constant, ACTPE). Adriano da Silva Arantes (Jutaí, Acibe); Mariano Fernandes Cruz (Alvarães, Cija) Adenilson dos Santos Cavalcante (Tefé, ACPIMSA); Silverio Rosendo Bastos (Tefé, ACPIMSA); Neire Rosa de Melo Rabelo (Tefé) João da Silva Freitas (Iranduba/Manacapuru, AISA) Midas dos Santos Oliveira (Alvarães, ACAMPM) Cristovão Carvalho da Silva (Jutaí, AMAAC); Osmar Gomes Marinho (Jutaí, ACIBE); Gerson Clay Braga Rabelo (Tefé, ACPIMSA)

68 Entre parênteses, há informações sobre o município do aluno e a organização indígena que o indicou.

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Região

Etnia1

Baré Médio e Baixo Rio Negro Pira-Tapuya Mura Baniwa

Alunos (município, organização) Alessandro dos Santos Cruz (Santa Isabel do Rio Negro, ACIR); Alcemir Melgueiro Brazão (Barcelos, Asiba); Ângela Maria Lima Moraes (Barcelos, Asiba); Edenir Silva Brazão (Santa Isabel do Rio Negro, ACIR); Cleocimara Reis Gomes (Santa Isabel do Rio Negro, Acir); Jaqueline Pimenta Sanches (Santa Isabel do Rio Negro, ACIMRN); Perpetua Cruz (Santa Isabel do Rio Negro, ACIMRN) Ilma Fernandes (Santa Isabel do Rio Negro) Jonas Reis de Castro (Rio Preto da Eva) Valter da Silva Monteiro (Santa Isabel do Rio Negro, Baniwa, ACIMRN)

Nota: 1 A predominância de alunos indígenas da etnia Tikuna, da região do Alto Solimões, justifica-se pelo maior número de vagas oferecido à região do Alto Solimões, por critério previsto no edital de seleção dos candidatos.

Diferentemente de outros cursos de formação de gestores promovidos pelo PDPI/MMA, este foi implementado por demanda induzida por conjugação de políticas ambientais e indigenistas destinadas a povos situados na área de relevância ecológica do Corredor Central da Amazônia (CCA)69 que compõem o Projeto Corredores Ecológicos (componente do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil- na época PPG7).70 Portanto, havia condições específicas a serem cumpridas, de acordo com a Cartilha Corredores Ecológicos: experiências em planejamento e implementação (Brasil, 2007). O desafio do PDPI, no caso da implementação dos projetos na área do CCA, é não apenas propiciar a gestão ambiental dessas terras, de modo a melhorar também a qualidade de vida das

69 De acordo com o Projeto do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas – Corredor Central da Amazônia (Parte I), elaborado em 2008: “Dentro da área do Corredor Central da Amazônia situam-se 63 terras indígenas, espalhadas pelas calhas dos rios Solimões (alto e médio) e Negro (médio e baixo), o que corresponde a 20% das terras indígenas da Amazônia Legal. Essas terras são habitadas por mais ou menos 16 povos indígenas, o que representa uma grande diversidade étnica e cultural.” 70 A política ambiental de corredores ecológicos foi concebida com a finalidade de conectar áreas protegidas, mantendo ou restaurando a conectividade da paisagem e facilitando o fluxo genético entre populações por meio de alternativas para o desenvolvimento de práticas de pouco impacto nas áreas de interstícios (Brasil, 2007).

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populações que ali habitam, mas fazê-lo de forma integrada à concepção de corredor ecológico (Brasil, 2007, p. 53) Neste contexto específico de política pública, o curso de gestores do Corredor Central da Amazônia não participou da seleção pública lançada para a implementação dos demais cursos.71 Mesmo assim, seguiu certos critérios exigidos para aprovação das propostas ao edital público, como apresentar uma carta demonstrando o interesse de seus parceiros em compor o curso e a forma de sua participação. Atendeu também à expectativa de que organizações indígenas proponentes dos cursos articulassem parcerias com universidades locais para obter certificação dos gestores indígenas. Os candidatos ao Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia passaram por um processo de seleção definido em edital divulgado para organizações indígenas da região de abrangência do Corredor Central da Amazônia (alto e médio Solimões, médio e baixo rio Negro). Os critérios para inscrição e seleção dos candidatos foram definidos em reunião a partir de acordos entre os agentes idealizadores e realizadores do curso (PDPI/ MMA, COIAB, Ufam, UEA) e representantes de organizações indígenas da região do Corredor Central da Amazônia. As antropólogas da Coordenação Pedagógica tiveram uma participação limitada, a fim de que as organizações indígenas atuassem de forma mais decisiva e atuante. Além do número de vagas por região, também foi acordada a aplicação de ação afirmativa para gênero. Pelo edital, foram oferecidas quarenta vagas para indígenas, sendo vinte para o alto Solimões, dez para o médio Solimões e dez para o médio e baixo rio Negro. Das vagas ofertadas, 30% foram destinadas às mulheres, uma decisão tomada consensualmente pelos representantes

71 Conforme arranjos acordados e apresentados na Nota Técnica no 76/2008 Carteira Indígena/PDPI/SEDR/MMA (Brasil, 2008), a realização de dez cursos seria feita por meio de edital público para envio de cartas proposta de organizações indígenas interessadas em executar o curso de Formação de Gestores Indígenas. A comissão de avaliação das propostas foi composta por membros do PDPI/MMA, da COIAB e do órgão de Cooperação Técnica Alemã GTZ (atual GIZ).

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de instituições indígenas envolvidos nas discussões sobre a seleção dos alunos. A seleção dos alunos foi realizada por um comitê formado por representantes do CINEP, da COIAB, do PDPI/ MMA e da Coordenação Pedagógica do curso, a partir dos seguintes critérios previstos no edital: experiência de trabalho com projetos comunitários indígenas; engajamento no movimento indígena; vínculo com seu povo ou comunidade de origem; potencial de trabalho junto às organizações indígenas após finalização do curso; ensino fundamental completo (critério desejável); domínio da língua portuguesa; e conhecimentos básicos de matemática. Tais critérios seletivos correspondiam ao perfil desejado para ser gestor indígena, seguindo orientações do PDPI/MMA, constituindo um tipo ideal de candidato (Tavares, 2012). Assim, para fazer o curso de formação de gestores de projetos, o candidato deveria ter certos conhecimentos prévios para poder aprender o conteúdo que seria ministrado. Para exercer bem este papel, o “gestor indígena”, de um lado, precisará conhecer cada vez mais a linguagem dos projetos e as várias técnicas: apurar o conhecimento da língua portuguesa, da legislação, das linhas de financiamento, a história de outros projetos, as exigências de prestação de contas, o ciclo do projeto, da monitoria etc. (ALMEIDA, 2008, p. 27) Atribuições fundamentais para execução do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia foram designadas à Coordenação Pedagógica: i) construir, em conjunto com a equipe técnica do PDPI/MMA, a proposta operacional do curso, identificando professores para os diferentes módulos; ii) coordenar o processo de ensino-aprendizagem, planejar cada uma das etapas do curso, organizar materiais a serem utilizados e orientar os docentes de cada módulo; iii) articular relações entre a equipe técnica do PDPI/MMA, o corpo docente e os discentes do curso; iv) acompanhar o desempenho do corpo docente durante o desenvolvimento dos módulos presenciais,

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com discussões prévias às aulas sobre os conteúdos; v) promover articulação e desenvolvimento curricular dos diversos módulos, de forma a conferir-lhes maior unidade e coerência; vi) fazer a conexão entre os módulos em termos de conteúdo e exercícios, suprindo a ausência do professor do módulo anterior; vii) receber e discutir os trabalhos produzidos pelos alunos nos períodos de dispersão (trabalhos de campo), propondo-lhes alterações e aprofundamentos quando necessários; viii) elaborar caderno ou ficha individual para cada aluno com objetivo de registrar seu processo de aprendizagem, seus avanços e as dificuldades encontradas; ix) acompanhar e orientar os trabalhos de conclusão dos alunos; x) organizar o registro, análise e disseminação das experiências ao longo do curso (ajudar a organizar a memória ou dossiê das atividades), destacando o processo vivido e os produtos obtidos no seu desenvolvimento; xi) servir de referência para a resolução de questões logísticas e organizativas do curso; xii) acompanhar o trabalho dos alunos durante os módulos de campo; e xiii) indicar, orientar e acompanhar as ações dos monitores. A Coordenação Operacional ficou responsável pelas atividades administrativas do curso, trabalhando juntamente com a Coordenação Pedagógica, com o desafio de manejar recursos (financeiros, humanos, institucionais) disponíveis, ao longo de cinco módulos, lidando com diferenças étnicas dos alunos e de suas regiões de origem, como também com os interesses específicos de suas organizações e agentes envolvidos. As coordenações reuniam-se, frequentemente, para tomadas de decisões conjuntas sobre organização dos módulos e também resolução de problemas. Nas etapas vivenciadas ao longo do curso, foram muitas as preocupações envolvendo planejamentos políticos e institucionais. Para cada módulo, impunha-se o desafio de dar conta dos objetivos do curso nas condições reais (financeira, logística e de tempo), que se transformavam, várias vezes, ao longo do percurso. Durante a implementação do curso, nas fases presenciais e de dispersão, a vida sempre extrapolou as atividades planejadas pelos coordenadores para os alunos indígenas: casamentos e

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nascimentos aconteceram, doenças surgiram, alunos ficaram divididos entre outros interesses e projetos, festas e consumo indevido de bebidas nos fins de semana dispersaram alguns alunos, alunas trouxeram filhos pequenos às aulas presenciais, e ocorreram tensões em sala de aula por disputas interétnicas. Ou seja, os aprendizados sobre projetos e gestão ultrapassaram o conteúdo programático do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia e articularam outras experiências de vida também fundamentais para formação do gestor indígena. Os alunos tiveram oportunidade de conhecer outras realidades e pensamentos indígenas; refletir sobre os atuais planos de vida dos alunos e de suas famílias; constituir parcerias entre colegas do mesmo grupo étnico e também de povos diferentes e estabelecer relações com diversas organizações indígenas e agentes do Estado. A vivência dessas experiências e relações, com certeza, teve um peso significativo para os alunos obterem maior compreensão sobre projetos e o campo das relações interétnicas nas quais estão inseridos, com seus vários agentes.

SOBRE EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO PRESENCIAL E NA DISPERSÃO 3

O Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia foi organizado com objetivo de capacitar indígenas em habilidades técnicas, políticas e culturais necessárias à elaboração, implementação e execução de projetos junto às suas comunidades e organizações. Para obtenção de certificação dos alunos, a Coordenação Pedagógica apresentou o curso como extensão universitária e conseguiu sua aprovação da Ufam e da UEA, as quais reconheceram o curso como atividade universitária de extensão (os certificados foram oferecidos com a chancela de ambas). O plano pedagógico do curso foi elaborado a partir de um processo aberto, em permanente construção durante

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sua implementação, a partir de um diálogo coletivo das coordenadoras pedagógicas com a equipe da Coordenação Operacional, os monitores e professores. As orientações pedagógicas extrapolaram o Guia para a formação em gestão de projetos indígenas, ao incorporar visões e perspectivas diversas, mesmo contrastantes e críticas à própria lógica dos projetos e aos conceitos (como o de participação). Ter uma proposta pedagógica que permitisse incorporação de posições dissonantes foi um dos méritos do curso, por oferecer aos futuros gestores indígenas, mais do que um treinamento em projetos, uma formação crítica sobre como elaborá-los e implementá-los. O curso foi estruturado em cinco módulos, compostos por fases presenciais (com duração de três semanas cada fase) intercaladas por fases de “dispersão” (dois meses a cada intervalo presencial, com aproximadamente duas semanas de monitoria). As fases presenciais foram realizadas na Ufam, que disponibilizou sua infraestrutura de salas de aula, equipamentos de informática e restaurante universitário para os indígenas. Os módulos de dispersão foram realizados nas comunidades e municípios das regiões do alto e médio rio Solimões e médio e baixo rio Negro, organizados com a participação dos alunos, com a expectativa de que suas organizações indígenas e comunidades os apoiassem em contrapartida à oferta do curso. No entanto, nem sempre foi possível contar com essa contrapartida, o que limitou o aproveitamento da monitoria pelos alunos. A metodologia e conteúdos programáticos do curso seguiram o Guia para a formação em gestão de projetos indígenas, manual elaborado pelo PDPI/MMA a partir das experiências da primeira versão do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas, realizado de maio 2004 a maio de 2005, pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), juntamente com instituições envolvidas no atual curso (COIAB, UEA e Ufam), além da Secretaria de Estado para Povos Indígenas (SEIND) e da Cooperação Técnica Alemã GTZ (atual, GIZ). Os conteúdos dos módulos tratavam de noções operacionais que, sob a lógica de projetos, formatam metodologias para alcançar os

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objetivos dos projetos indígenas.72 Foram abordadas as seguintes temáticas do guia: i) O Lugar dos Projetos Indígenas; ii) Processos e Diagnósticos Participativos; iii) Negociação e Elaboração de Projetos; e iv) Implementação de Projetos. Embora a responsabilidade de elaborar as ementas e conteúdos programáticos pertencesse à Coordenação Pedagógica, cada docente participante dos módulos do curso teve flexibilidade para montar seu plano de aula conforme o conteúdo programático a ser ministrado por ele. Para garantir os objetivos do curso, coube à Coordenação Pedagógica escolher, orientar e supervisionar os docentes. Os professores dos módulos presenciais foram escolhidos considerando suas especializações profissionais e seus conhecimentos sobre os temas abordados no curso. Assessores de organizações indigenistas, advogados, antropólogos, peritos de cooperação técnica internacional assumiram o perfil de professor no contexto de ensinoaprendizagem do curso, reorganizando sua relação com os povos indígenas a partir do espaço social de sala de aula na universidade. O Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia não consistiu em uma simples capacitação técnica em gestão de projetos, mas, sim, em uma formação mais crítica sobre o processo atual de implementação destes junto aos povos indígenas. Tanto a Coordenação Pedagógica como os professores tiveram autonomia na promoção das atividades em sala de aula, utilizando diversos recursos didáticos: projeção de slides com os conteúdos das aulas, confecção de painéis, trabalhos de grupo, dramatizações e produção de texto. A dinâmica de sala de aula variou conforme cada professor, o que enriqueceu a experiência de ensinoaprendizagem do curso. Muitos materiais produzidos pelos alunos ficaram à disposição da Coordenação Pedagógica para avaliação: painéis, mapas e relatórios, vídeos.

72 Tavares (2012) ressalta a reflexão de Almeida (2008) sobre a manualização, ou seja, apropriar-se de léxicos como participação, etnia, gênero, gestão, incorporando-os à burocracia dos projetos, sem reflexão nas implicações dessas categorias nos agentes sociais e na possibilidade de transformações mediante contingências históricas.

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A etapa de dispersão foi concebida como etapa essencial do processo de ensino-aprendizagem, por ser o momento em que os alunos retornam às suas aldeias e/ou organizações para exercitar junto às suas comunidades o que aprenderam nas aulas. As atividades a serem desenvolvidas foram propostas pelos professores, de acordo com o conteúdo desenvolvido na sala de aula, ao final de cada fase presencial. As atividades de dispersão foram realizadas sob a orientação de monitores universitários escolhidos pela Coordenação Pedagógica entre discentes dos Programas de Pós-Graduação em Direito Ambiental (UEA) e em Antropologia Social (Ufam). Por não haver condições de os monitores se fazerem presentes em todas as localidades de origem dos alunos, o acompanhamento da dispersão foi implementado de forma estratégica, agrupando os alunos de uma mesma região em localidade mais central e com logística mais apropriada. Em seus relatórios de dispersão, os monitores narraram dificuldades recorrentes entre eles: problemas de logística devido às distâncias e dificuldades de deslocamento para o local da monitoria; limitação de recursos; falhas de comunicação entre a equipe do curso, organizações indígenas e alunos; tempo reduzido planejado para o desenvolvimento das atividades da dispersão e falta de priorização na agenda dos alunos para participar da dispersão. Tais dificuldades tiveram que ser superadas para cumprir o papel fundamental da monitoria de acompanhar os alunos de forma mais próxima, obtendo maior entendimento dos limites, dificuldades e avanços do curso.

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FASES PRESENCIAIS

O primeiro módulo do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia iniciou com uma mesa de abertura composta pelos representantes das instituições envolvidas na realização do curso. Em seguida, foi proferida aula inaugural por Gersem Baniwa, na época, doutorando em antropologia na Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas

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(CINEP). Na ocasião, os coordenadores do curso e os alunos se apresentaram publicamente. Nesse módulo, foram abordados os seguintes temas: ciclo do projeto; características de um projeto social; o que é específico nos projetos indígenas; projetos e política; histórico da ação pública junto aos povos indígenas; mapeamento das agências e suas ações. Para introduzir os temas, as antropólogas Andréa Borghi e Deise Lucy Montardo ministraram aulas sobre Povos Indígenas no Contexto das Relações Interétnicas, refletindo com os alunos conceitos fundamentais como: cultura, alteridade, identidade, etnocentrismo, relativismo e temas sobre dinamicidade cultural e interpretações indígenas do contato. Nessas aulas, os alunos foram convidados a expor seu entendimento sobre projetos e suas expectativas. Os alunos também tiveram aulas sobre a história da ação pública indigenista, ministradas pelo advogado Fernando Antônio de Carvalho Dantas, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da UEA, que abordou os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, as diversas constituições brasileiras, a questão do direito à terra indígena e a sociodiversidade dos povos indígenas. Nas aulas ministradas pelas antropólogas Maria Helena Ortolan Matos (Ufam) e Márcia Maria Gramkow (Cooperação Técnica Alemã – GTZ), foram feitas abordagens reflexivas sobre projeto, política e gestor indígena: desafios do gestor, o próprio conceito de projeto, as políticas públicas e o lugar do agente indígena no encontro entre estes dois mundos. Por meio da análise de um caso e também do mapeamento de situações trazidas pelo grupo, Serguei Aily Franco de Camargo, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da UEA, trabalhou sobre as atuais agências e agentes com ações nas comunidades indígenas. Além desses conteúdos, também tiveram aulas de informática e português. Os alunos tiveram aulas no Laboratório de Informática da Ufam, ministrada por Luiz Fernando Vieira de Oliveira, técnico de informática da universidade que, com sua experiência em acompanhar discentes no laboratório, produziu material didático específico para o curso de gestores. As aulas de português foram dadas pela linguista Eneida Alice Gonzaga dos Santos, especialista em ensino de português para indígenas,

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que promoveu a integração do conteúdo de sua disciplina aos objetivos mais gerais do curso. Ambos foram mantidos nos módulos seguintes. O segundo módulo do curso teve como principal tema Processos e Diagnósticos Participativos. Seguindo orientação do Guia de formação de gestores de projetos indígenas, este módulo abordou o processo de discussão e construção de projetos a partir do diagnóstico de uma situação e da definição de prioridades. Suas primeiras aulas foram destinadas à apresentação dos painéis desenvolvidos pelos alunos durante a primeira etapa de dispersão, descrevendo as atividades que realizaram e seus primeiros exercícios de pesquisa de campo. Todos os professores, monitores, bem como a equipe do curso, foram convidados a participar, com a perspectiva de articular os dados e questões trazidas pelos alunos ao ensino-aprendizagem do conteúdo dos módulos. A apresentação dos alunos foi mediada pela equipe pedagógica do curso. A abordagem sobre diagnóstico participativo foi iniciada com uma discussão conceitual, considerando o debate existente sobre participação – suas bases socioculturais e políticas, as dificuldades, armadilhas e expectativas em torno dessa ideia, particularmente em contextos indígenas. As tensões conceituais e as diferentes abordagens foram incorporadas no conteúdo e nas atividades desenvolvidas durante o módulo. A Coordenação Pedagógica ministrou duas aulas introdutórias, nas quais os alunos tiveram oportunidade de refletirem sobre conceitoschave: participação, diagnóstico e projeto. Após essa introdução, três experiências distintas de implementação de projetos foram apresentadas aos alunos, cada uma delas trazendo seus métodos e perspectivas específicos: a Fundação Vitória Amazônica (FVA), os Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI) e o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA). Pela FVA, a aula foi dada por Carlos Cézar Durigan, coordenador executivo da fundação, que ofereceu aos alunos o relato sobre duas experiências distintas envolvendo diagnósticos participativos. Sérgio Pedreira Pereira de Sá, ex-técnico do PDPI, discutiu em

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sua aula sobre o acompanhamento de projetos que realizaram diagnósticos participativos com apoio do PDPI. Pelo Projeto Nova Cartografia, Emmanuel de Almeida Farias Junior e Glademir Sales dos Santos apresentaram a proposta geral da Nova Cartografia Social, discutindo casos de elaboração de mapas com grupos específicos, o que permitiu aos alunos traçarem paralelos com suas realidades locais. Na ocasião, houve visita dos alunos do curso à sede do PNCSA, no centro de Manaus, onde puderam conhecer fundamentos do uso do GPS. O conteúdo do Guia de formação de gestores de projetos indígenas pertinente ao segundo módulo foi ministrado pelo geógrafo e cientista social Jurandyr Carvalho Ferrari Leite, profissional experiente em políticas públicas pra povos indígenas.73 As aulas no Laboratório de Informática da Ufam prosseguiram com Luiz Fernando Vieira de Oliveira, assim como as aulas de português continuaram sendo ministradas por Eneida Alice Gonzaga dos Santos. Fechando o módulo, na última aula, a equipe da Coordenação Pedagógica procurou construir com os alunos uma síntese das diferentes experiências relatadas, preparando-os para a atividade de dispersão e para o início da formulação de seus projetos. Ainda no encerramento, foi feita uma avaliação geral do módulo, onde se discutiram em grupo as dificuldades e avanços da etapa e os meios para aperfeiçoar o trabalho conjunto. O terceiro módulo do curso tratou de Negociação e Elaboração de Projetos, abordando os seguintes temas: organizando as ideias para o projeto; marco lógico; o momento da negociação: as especificidades dos projetos; projeto: formulários e a hora da escrita. Jurandyr Leite foi o professor escolhido para prosseguir com as aulas, considerando sua boa atuação no módulo anterior e a oportunidade pedagógica de dar continuidade ao trabalho de ensino-aprendizagem entre os módulos. Houve necessidade de retomar alguns temas abordados no segundo módulo para

73 Entre suas muitas atividades, Jurandyr Leite trabalhou na Cooperação Técnica Alemã (GTZ, atual GIZ) na Funai e também no Projeto Estudos sobre Terras Indígenas no Brasil (PETI) do Museu Nacional – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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melhor entendimento e também a necessidade de refazer o exercício da dispersão (“árvore de problemas”). A explicação sobre elaboração de projeto prosseguiu com o prof. Jurandyr, refletindo junto com os alunos a lógica de constituição da proposta. As aulas de informática e português foram mantidas e ministradas, respectivamente, pelos professores Luis Fernando e Eneida Alice G. dos Santos. Nesse módulo, também foi ministrada aula de Documentação Audiovisual pelo linguista Denny Moore, professor do Museu Paraense Emílio Goeldi (PA) e renomado pesquisador (doutor em linguística e antropologia cultural pela City University of New York, Estados Unidos). As aulas foram bastante proveitosas para os alunos tomarem contato com uma variedade de técnicas de registro, equipamentos eletrônicos e recursos da informática que possam apoiá-los em seus projetos, por exemplo, de valorização cultural (uma das linhas de projetos indígenas mais recorrentes nos últimos anos). Ainda no terceiro módulo, Viviane de Oliveira Rabelo, técnica financeira com anos de experiência em implementação de projetos indígenas, apresentou institucionalmente o PDPI/ MMA e as atuais possibilidades de financiamento de projetos indígenas para as terras localizadas na área do Corredor Central da Amazônia. A apresentação do PDPI/MMA nesse módulo foi acordada com a Coordenação Pedagógica como estratégia de motivação dos alunos à elaboração de projetos, deixando bem claro os trâmites institucionais do processo de avaliação e aprovação/reprovação dos projetos enviados. O quarto módulo abordou temas que tratam diretamente da implementação do projeto: Monitoria e Avaliação; OrçamentoPlanejamento, Execução dos Gastos do Orçamento; Prestação de Contas; e Associativismo na Execução de Projetos. O primeiro tema foi tratado pela antropóloga Nadja Bindá, acompanhada pelo professor Jurandyr Leite, que fez a interação do conteúdo do módulo anterior. Viviane de Oliveira Rabelo (PDPI) ministrou aulas temáticas de orçamento e prestação de contas. Sua participação no curso foi

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fundamental, pela sua experiência de trabalho na identificação das principais dificuldades dos indígenas na implementação financeira dos projetos. O assunto financeiro requereu uma reflexão e discussão sobre o associativismo na execução de projetos, para abordar este tópico foi convidado um dos alunos indígenas formados no primeiro curso de gestores (2004), Zuza Mayoruna, com experiência de atuação na Fundação Estadual de Política Indigenista (Fepi), atualmente Secretaria de Estado para Povos Indígenas (SEIND). Os alunos fizeram exercício prático de cotação de preços no centro de Manaus, com levantamento de preços em pelo menos três estabelecimentos diferentes. No Laboratório de Informática da Ufam, os alunos preencheram planilha eletrônica. Como encerramento do Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia, no quinto módulo, foi realizado o Seminário Integrador e a Formatura dos Gestores de Projetos Indígenas, com a finalidade de promover o diálogo dos futuros gestores com os possíveis financiadores de seus projetos. O seminário representou o momento de introduzir os alunos diretamente no universo da política indigenista no Brasil, ou em parte dela, no que diz respeito à promoção de projetos indígenas. A realização do seminário teve que ser adiada algumas vezes devido ao atraso no repasse financeiro, o que causou problemas em sua execução. A Coordenação Pedagógica teve que se esforçar bastante para garantir a realização do Seminário Integrador, conforme a sua proposta original: trazer instituições específicas de relevância às temáticas dos projetos dos alunos, de forma a promover a interlocução entre eles para viabilizar sua implementação. As mudanças de datas envolveram renegociação com os representantes institucionais, mas alguns dos convidados já confirmados acabaram desistindo de participar por não poderem comparecer na data redefinida. O atraso no repasse financeiro também trouxe consequências negativas para as atividades de monitoria na fase de dispersão prevista para acontecer após o término do quarto módulo, justamente quando os alunos iriam finalizar a elaboração dos projetos.

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A dinâmica do seminário que encerrou o curso consistiu na exposição dos projetos pelos próprios alunos, que tiveram que arguir sobre os objetivos, atividades e recursos propostos com agentes governamentais e não governamentais, convidados como seus possíveis financiadores. Em um primeiro momento, os alunos, praticamente gestores formados, assumiram a mesa de expositores, enquanto esses diversos agentes permaneceram na plateia para conhecer as propostas indígenas. Somente após a exposição dos indígenas, foi permitido aos convidados falar publicamente sobre como suas instituições poderiam apoiar os projetos apresentados e também fazer sugestões para adequar as propostas às linhas de financiamentos disponíveis. O seminário deu oportunidade aos indígenas para iniciar negociações com órgãos governamentais e não governamentais que apoiam iniciativas indígenas, trocando informações com eles e também estabelecendo redes com agências e agentes da lógica dos projetos.

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FASES DE DISPERSÃO

Entre os intervalos dos quatros módulos, os alunos ocuparam-se com as atividades de dispersão. Superar as dificuldades com a logística não foi o maior desafio para a Coordenação Pedagógica. O maior esforço foi conseguir que os alunos se concentrassem nas atividades propostas para as fases não presenciais, ao retornarem para suas comunidades. Os alunos também tiveram problemas para cumprir suas tarefas de dispersão, principalmente por faltar apoio das próprias comunidades no cumprimento dos exercícios de elaboração de projetos, os quais deveriam ser feitos mediante discussão coletiva. A monitoria do primeiro módulo de dispersão foi composta por quatro monitores, cada um responsável pelo acompanhamento de um grupo de alunos divididos por região: no alto Solimões, atuou Andrei Sicsú de Souza, discente do Programa de PósGraduação em Direito Ambiental (UEA); no baixo rio Negro, atuou Sheilla Dourado, discente também do Direito Ambiental (UEA); no médio Solimões, atuou Inara do Nascimento Tavares;

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em Manacapuru e rio Preto da Eva, atuou Luciano Cardenes Santos, aluno do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (UFAM). Na segunda fase de dispersão, aproximadamente um mês depois que os alunos retornaram às suas localidades de origem, os monitores iniciaram seus trabalhos de acompanhamento e avaliação dos trabalhos dos alunos. Foram feitas reuniões com grupos de alunos de cinco polos regionais: em Benjamin Constant, com a monitoria de Antônio Edílson de Castro Sena, mestrando em Direito Ambiental (UEA); em Tabatinga, com Josinete Sousa Lamarão, mestranda em Direito Ambiental (UEA); Santa Izabel do Rio Negro, com Inara do Nascimento Tavares; em Tefé, com Kalinda Félix de Souza, mestranda do PPGAS (Ufam); e em Manacapuru e rio Preto da Eva, com Lana Elisa Matos Gomes, mestranda em Direito Ambiental (UEA). O trabalho da monitoria foi fundamental para incentivar aqueles alunos que ainda não haviam começado seu exercício, para esclarecer e tirar dúvidas, como também para oferecer sugestões. Por meio dos monitores, a Coordenação Pedagógica recebeu notícias sobre os alunos, as condições e o desenvolvimento de seus trabalhos. A apresentação dos resultados do exercício proposto nessa dispersão foi que deu início, posteriormente, ao terceiro módulo do curso. O exercício da terceira fase de dispersão demandou dos alunos novas reuniões com a comunidade ou organização referencial para elaborar e trazer para o quarto módulo o quadro do(s) problema(s) discutido(s) coletivamente (a chamada “árvore de problemas”, contendo causas, consequências e outras observações importantes) e um marco lógico para o projeto a ser desenvolvido. Para apresentação na fase presencial do quarto módulo, cada aluno deveria trazer preenchido o formulário de apresentação de projeto, com base no marco lógico. As atividades de dispersão geraram relatórios dos alunos. Na quarta fase de dispersão, não houve condições financeiras para envio dos monitores. Para contornar a dificuldade em cumprir com as atividades planejadas, a Coordenação

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Pedagógica foi obrigada a refazer a programação, trazendo os alunos para Manaus dias antes do seminário para poder acompanhar a finalização de seus projetos. Uma verdadeira força-tarefa, composta pela Coordenação Pedagógica e por alguns monitores, foi organizada para apoiar os alunos a corrigir seus projetos: verificação dos cálculos do orçamento e das atividades planejadas; correções gramaticais e ortográficas do texto dos projetos; elaboração de slides com fotografias e de banners com o resumo dos projetos para exposição no seminário; treinamento dos alunos para sua apresentação pública no seminário.

SOBRE OS PROJETOS DOS ALUNOS/FUTUROS GESTORES 6

Os projetos elaborados pelos alunos, concebidos no decorrer dos módulos do curso e apresentados no seminário, abordaram os mais variados problemas, como acúmulo de lixo nas aldeias e produção e escoamento de produtos agrícolas e agropecuários. Conforme a metodologia orientada pelo Guia de formação de gestores de projetos indígenas, os projetos indígenas deveriam ser concebidos para dar soluções a causas ou consequências de um problema. Por meio da metodologia identificada como árvore de problemas, os alunos foram orientados a elaborar seus projetos de acordo com: as necessidades de sua comunidade, as atividades propostas, a disponibilidade da comunidade em assumir o projeto e os recursos necessários para implementá-lo. Os projetos deveriam ser elaborados a partir do princípio fundamental de participação das comunidades, por meio de escolhas e decisões acordadas coletivamente, para que pudessem gerir e executar as ações propostas com responsabilidade coletiva. Elaborados no Formulário de Projetos do PDPI, os projetos dos alunos abrangeram diversas temáticas: fiscalização de terra indígena e gestão territorial; agricultura, manejo e piscicultura; valorização cultural, artesanato e turismo; e

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medicina tradicional. A diversidade temática demonstra a multiplicidade de situações escolhidas pelos indígenas para serem tratadas por meio de projetos, por exemplo: Alternativas Socioeducativas e Esportivas para os Pré-Adolescentes e Jovens Kokama do Município de Amaturá; Fortalecimento da Agricultura para Consumo e Geração de Renda na Comunidade Kokama, Barrerinha; Aldeia Sahu-Apé para o Mundo Ver e Visitar; Fiscalização e Vigilância da Terra Indígena Estrela da Paz (Bugaio). O desafio do exercício de elaboração de projeto era promover o engajamento dos futuros gestores indígenas e de suas comunidades e organizações na execução do projeto, sem perder de vista as responsabilidades de cada instituição e cada agente. Outro desafio do exercício era obter adequação ao perfil exigido pelos possíveis financiadores, ressaltando elementos como participação indígena e ações sustentáveis. Alguns dos projetos elaborados priorizavam atividades de grande porte consideradas pouco sustentáveis e tendiam a ser uma “lista de compras”, por isso precisaram ser revistos. O exercício gerou uma importante discussão: os indígenas, por vezes, apareciam nos projetos mais como seus beneficiários do que seus protagonistas. As atividades das fases de dispersão visavam exercitar os alunos na definição e elaboração de projetos coletivos com suas próprias comunidades, promovendo a participação delas nas etapas de diagnóstico, de definição de um problema e de prioridades, de definição de objetivos e metas. Para traçar seus projetos de maneira mais participativa, os alunos empenharamse em criar ou aproveitar situações de reunião e encontro, o que gerou expectativas nas comunidades e nos próprios alunos de conseguir financiamentos para seus projetos. Durante o curso, os alunos receberam a informação de que somente alguns projetos poderiam ser selecionados e financiados pelo PDPI/MMA. A promoção do Seminário Integrador no final do curso, com os alunos estabelecendo contato com possíveis financiadores ou apoiadores de seus projetos, foi uma tentativa de lidar e responder à expectativa gerada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS 7

Pode-se afirmar que o processo de ensino-aprendizagem sobre gestão de projetos implicou em diferentes apropriações, interpretações e usos pelos alunos indígenas. Para abordar os conteúdos de gestão de projetos indígenas, foi necessário tratar também da diversidade de linguagens, políticas, racionalidades, tecnologias e relações sociais que os alunos trouxeram de suas comunidades de referência para dentro da sala de aula. Os objetivos, os conteúdos e as habilidades a serem ensinadas não foram apropriados pelos alunos da forma prevista pelos agentes implementadores do curso, o que implica que os parâmetros de avaliação do curso devam ser bem mais amplos do que os indicados antecipadamente. Estimar a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos pelos alunos é uma avaliação bastante complexa, porque envolve conhecimentos de várias ordens, não só técnicos, mas também políticos, afetivos, linguísticos, culturais. Pelos parâmetros da lógica administrativa da gestão de projetos, para saber se o curso cumpriu suas metas e objetivos, o indicador mais objetivo seria se os projetos elaborados com apoio dos alunos conseguiriam ser aprovados pelos financiadores. Outro indicador seria se os alunos conseguiram se manter na função de gestores após voltar para suas comunidades ou mesmo para suas casas nas sedes do municípios. Pode-se afirmar que há muito mais a ser considerado nas trajetórias dos gestores indígenas para atestar o sucesso do investimento feito com o curso do que os indicadores citados anteriormente. Sobre os conhecimentos e habilidades aprendidos na formação de gestores, eles se revelam para além de suas aplicações imediatas, mensuráveis por indicadores precisos aos objetivos previsíveis do curso. Podem significar muito mais coisas e com inusitadas aplicações, em momentos e circunstâncias também

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diferenciados. É o que ficou claro com o trabalho de pesquisa de Inara de Nascimento Tavares (2012). Esta extrapolação de indicadores de resultados pode ser mais bem compreendida considerando-se que o Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia foi promovido pela confluência de interesses indigenistas e indígenas. Ou seja, a realização deste curso foi viabilizada não apenas por iniciativa isolada do PDPI/MMA para os povos do Corredor Central da Amazônia, mas também por ser uma demanda do movimento indígena contemporâneo por mais capacitação para atuar nas políticas públicas implementadas no Brasil. Seguindo esse pensamento, o sucesso do aluno como gestor indígena está diretamente relacionado à dinâmica da política indígena e à sua trajetória pessoal no campo político das relações interétnicas. Os alunos selecionados para fazer o curso não foram escolhidos apenas pelos critérios do edital, também foram selecionados no contexto local da política indígena e indigenista. Nesse sentido, os que indicaram candidatos ao edital de seleção do curso também constituíram expectativas de resultados de sua formação. Muitos dos gestores formados no curso já possuíam funções relevantes em suas organizações e comunidades; alguns deles já tinham participado de outros processos de formação. Eram professores indígenas, agentes de saúde, funcionários públicos (Funai, Sesai) e lideranças com cargos em organizações indígenas (secretário, vicepresidente, tesoureiro ou outras funções). Portanto, as múltiplas possibilidades de atuação do gestor são constituídas pelas trajetórias dos alunos, os quais recorrem a mecanismos individuais ou coletivos para exercer essa função. Criaram-se, assim, diversas referências e, com elas, distintas expectativas sobre o papel a ser desempenhado pelo gestor indígena (Tavares, 2012). Nas relações indigenistas, o gestor seria um mediador com a função de traduzir as regras, as exigências e os mecanismos dos projetos de forma compreensível a suas comunidades e organizações indígenas. Nas relações indígenas, o gestor atuaria como representante das demandas indígenas

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para que elas orientassem as ações indigenistas, o que incluiria aprovação de projetos. Com este capítulo esperamos ter contribuído para além do registro histórico das experiências vivenciadas no Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia. O interesse era também compartilhar as lições aprendidas pela Coordenação Pedagógica com a implementação do curso e as análises antropológicas sobre o vivenciado.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fábio Vaz Ribeiro (Org.). Guia para a formação em gestão de projetos indígenas. Brasília: MMA, 2008. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cartilha Corredores Ecológicos: experiências em planejamento e implementação. Brasília: MMA, 2007. Disponível em: <http://www. corredoresecologicos.es.gov.br/publicacoes/Experienciasplanejamento-Implementacao.pdf>. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Nota Técnica no 76/2008. Carteira Indígena/PDPI/SEDR/MMA. Brasília: MMA, 2008. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/es/ noticias?id=57277>. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Curso de Formação de Gestores de Projetos Indígenas do Corredor Central da Amazônia – CINEP/COIAB-PDPI/MMA-UFAM-UEA (Primeiro, Segundo, Terceiro, Quarto, Quinto Módulos). [S.l.], 2009-2010. (Relatórios de Atividades da Coordenação Pedagógica) TAVARES, Inara do Nascimento. Formar gestores indígenas e fazer trajetórias: configurações das políticas indígenas e indigenistas no Médio Solimões. 2012. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2012.

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CURSO DE FORMAÇÃO DE GESTORES E GESTORAS INDÍGENAS DE MATO GROSSO

André Luis Alves74 Deroní de F. L. Mendes75 Francisca Navantino P. Ângelo76

Estamos começando a articulação em torno da nossa terra e lutar pela melhoria da nossa vida e os conteúdos do curso serviu para levantar os problemas e vão servir para buscar nossas caminhadas. João Tobias, liderança indígena Xavante, aluno do curso de Gestores Indígena.

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INTRODUÇÃO

A participação adequada das comunidades indígenas nas decisões sobre políticas que interferem em suas vidas, a construção da sustentabilidade da vida nas aldeias e terras indígenas e o fortalecimento do movimento indígena envolvem ações de curta, média e longa duração, que ultrapassam em muito os de um projeto ou de um curso. Foi partindo desse

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Jornalista e consultor de comunicação. Geógrafa e coordenadora administrativa do projeto. Coordenadora de Formação do Instituto Maiwu.

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pressuposto que, em 2008, um grupo de lideranças indígenas das quatro regiões de Mato Grosso formou o grupo de trabalho que elaborou o projeto do Curso de Formação de Gestores Indígenas de Mato Grosso. Para eles, o importante era formular uma proposta de formação inicial com critérios claros quanto à seleção de alunos e distribuição de vagas, visando ampliação do quadro de indígenas formados e capacitados e com articulação interinstitucional capaz de assegurar a continuidade do curso de formação e capacitação de futuros gestores e gestoras indígenas após o fim do apoio do PDPI. A ideia é que, com o curso, esses indígenas se tornassem capazes de fortalecer as instituições locais e consequentemente suas comunidades. O projeto foi elaborado por lideranças indígenas do Mato Grosso e, para que a proposta atendesse às demandas e especificidades locais, foram levantados os principais aspectos do contexto social, político, fundiário de qualificação de indígenas para assumirem a execução e gestão de serviços como educação, saúde, meio ambiente, gestão das associações e projetos, participação efetiva em conselhos e outras instâncias de definição, implementação e controle social de políticas públicas no qual se insere a demanda pela realização deste curso. Também foi definido o perfil do gestor e as demandas que deve atender com a sua atuação, além dos objetivos, atividades, recursos necessários e resultados que se espera alcançar com o curso. O projeto de formação de gestores abriu espaços e possibilitou aos participantes o acesso a conhecimento e informações necessários para que possam interferir de modo mais qualificado e eficiente nas tomadas de decisão acerca de assuntos, temas e ações que afetem diretamente a organização social, cultural e econômica dos povos indígenas. O Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisas de Mato Grosso é uma organização sem fins lucrativos, fundado por lideranças de Mato Grosso para promover ações, estudos e

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pesquisas visando à defesa da proteção ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como a defesa dos direitos e interesses dos povos e comunidades indígenas de Mato Grosso na perspectiva de sua autonomia. Desde a sua fundação, o instituto desenvolve ações que visam ao fortalecimento político e a inclusão social dos povos indígenas de Mato grosso para a construção de políticas públicas diferenciadas para os povos indígenas. O Projeto de Formação de Gestores e Gestoras Indígenas, executado pelo Instituto Maiwu com o apoio financeiro do Ministério do Meio Ambiente (MMA) através do Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI), foi realizado no período compreendido entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011. As informações contidas foram coletadas a partir da análise e sistematização das atividades e conteúdos propostos durante os cinco módulos, registros fotográficos, depoimentos dos beneficiários (indígenas) além do acompanhamento contínuo do desempenho do participante. Conduzido pela diretoria, coordenações e parceiros do Instituto Maiwu de forma participativa e colaborativa, a realização do curso foi resultado da articulação do movimento indígena de Mato Grosso na busca por maior autonomia e protagonismo indígena na gestão de suas associações e projetos para atender às demandas e anseios internos e locais dos povos indígenas. Embora, de uma etapa para outra, alguns alunos tenham ficado com trabalhos da fase de dispersão pendentes por motivos de doenças ou luto na comunidade, o desempenho dos cursistas em cada etapa presencial foi satisfatório. A metodologia utilizada teve como norte o princípio do respeito às diferenças culturais, por meio de uma linguagem técnica adaptada a realidade indígena. Assim, durante todo o processo, a metodologia empregada, além de participativa, dialogava com

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o universo étnico dos povos envolvidos visando à participação efetiva dos cursistas tanto no debate quanto na análise e compreensão do conteúdo estudado. Destacam-se as explanações de situações concretas da realidade indígena na prática das aldeias e a partir do diálogo com as comunidades. O monitoramento e a avaliação foram constituídos em espaços participativos diretamente vinculados à compreensão e deliberação compartilhadas entre as coordenações, diretoria, instrutores, parceiros e cursistas. Por meio de reuniões durante os módulos, avaliou-se conjuntamente o desenvolvimento das atividades, em função das quais, algumas tiveram que ser replanejadas e readaptadas para que os objetivos fossem alcançados satisfatoriamente. Ressalta-se que essas avaliações e monitoramento foram realizadas com a participação ativa dos cursistas levandose em consideração itens como: participação nas aulas, comprometimento com as comunidades, capacidade de observação, escuta, proposição e intervenção. Deve-se destacar que as parcerias institucionais articuladas pelo Instituto Maiwu foram fundamentais na realização do curso. A parceria com a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) possibilitou que o curso de gestores indígenas realizado pelo instituto fosse o primeiro a ser reconhecido e certificado por uma universidade. Outra instituição importante nesse processo foi a Funai, que, além de apoiar com o deslocamento dos cursistas para os locais dos cursos, contribuiu com a coordenação pedagógica do curso, auxiliando e orientando os cursistas no desenvolvimento de suas atividades e projetos. Assim também a Secretaria de Educação do Mato Grosso (SEDUC/MT) contribuiu nessa parceria liberando seus profissionais para o acompanhamento do processo de formação e o apoio financeiro.

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O INSTITUTO MAIWU

O Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisas de Mato Grosso é uma organização sem fins lucrativos, criado em 2005 por lideranças e profissionais indígenas de área da educação, visando fortalecer os povos indígenas para atuar na elaboração e monitoramento de políticas públicas sob a perspectiva da valorização da cultura indígena e da autonomia e melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas de Mato Grosso. Entre os seus objetivos, o Maiwu apoia as iniciativas comunitárias dos povos e suas comunidades na formação educacional e profissional, bem como promovendo o intercâmbio com outras organizações. Sua criação foi motivada pela necessidade de rearticular o movimento indígena de Mato Grosso, uma vez que o estado é o segundo do Brasil em diversidade étnica, e existem muitos obstáculos a serem superados no que se refere a demandas comuns. Entre essas demandas estão a necessidade de uma melhor gestão das associações das comunidades, além de melhorias na atuação de membros dessas associações, assim como uma maior participação na formulação e acompanhamento de políticas públicas. O Maiwu é membro do Conselho de Educação Escolar Indígena do Mato Grosso filiado ao Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD). Além disso, desde 2007 coordenou e desenvolveu o projeto Haiyô (2007-2011) de Formação de Professores para o Magistério Intercultural em parceria com a SEDUC/MT. Desde 2008, o instituto também trabalha na mobilização e capacitação dos indígenas em relação às questões socioambientais, culturais, educacionais e econômicas que impactam as comunidades indígenas, especialmente na discussão do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Mato Grosso (ZSEE/MT) e da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI).

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FORMAÇÃO DE GESTORES É UMA NECESSIDADE PARA COMUNIDADES INDÍGENAS 3

Para Audecir Arara, presidente do Instituto Maiwu, existem muitos editais e fontes de financiamento disponíveis para ajudar as comunidades, inclusive as indígenas, porém, o que falta são cursos de formação e fazer com que essas informações cheguem nas aldeias. “Existem muitos projetos, mas nem sempre as comunidades acessam os editais por falta de comunicação a informação. O Maiwu quer fortalecer a nossa rede de contato para repassar melhor e mais informações às comunidades indígenas”, esclarece. Vários povos já desenvolvem projetos em suas comunidades através das associações e parcerias com organizações indigenistas e órgãos governamentais (como é o caso dos índios Zoró, Rikbaktsa, Karajá e os próprios índios Arara, da região Noroeste de Mato Grosso), mas essa ainda não é a realidade da maioria dos povos indígenas de Mato Grosso. As lideranças do Instituto Maiwu acreditam que as comunidades, ao desenvolverem projetos, fortalecem atividades econômicas e terão condições de melhorar outras áreas como a saúde e a educação. “Hoje, índio na aldeia, é professor, ou é agente de saúde, ou trabalha com artesanato, ou ainda trabalha para fora. Nós queremos alternativas de desenvolvimento econômico para mudar essa realidade para melhor”, finaliza Audecir Arara.

PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO CURSO 4

Para se atingir os resultados esperados, os conteúdos curriculares e metodologias utilizadas no desenvolver do curso orientaram-se pelos seguintes princípios:

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respeito e valorização da cultura e da realidade específica de cada cursista e de cada povo (língua, valores, conhecimentos, alianças etc.);

valorização dos conhecimentos adquiridos anteriormente pelos cursistas a partir dos saberes tradicionais e de suas vivências na interlocução com a sociedade regional ou nacional como ponto de partida para os conhecimentos e práticas a serem desenvolvidos no curso;

postura crítica frente aos conhecimentos, práticas e argumentos considerados “certos” ou “definitivos”, e uma atitude dinâmica e criativa na busca de novos conhecimentos;

integração de conhecimentos técnicos e metodologias que possibilitem a formação de profissionais aptos para lidar com projetos em diferentes campos de atividade;

os gestores de projetos indígenas são atores sociais cuja formação e ação deve contribuir para a concretização do Plano de Vida de um povo ou comunidade, entendido como o conjunto das suas aspirações coletivas, expresso em indicadores tais como a qualidade de vida, a garantia territorial e o fortalecimento cultural, entre outros;

os projetos são entendidos como ferramentas estratégicas e, como tal, devem orientar-se por valores éticos e políticos que afirmem os direitos humanos, o respeito à diferença, a solidariedade, a austeridade, o convívio pacífico e o direito a autodeterminação dos povos; e

o gestor de projetos deve priorizar o modo de ação participativo, que supõe o envolvimento efetivo das comunidades e/ou povos em todas as fases do desenvolvimento de um projeto, fortalecendo as associações indígenas como organizações autônomas, identificadas com os anseios das comunidades e com as formas tradicionais de organização de seu povo.

Na realização de cada módulo, buscou-se, por meio da metodologia e do conteúdo utilizado, dar ênfase à concepção de projetos em seus múltiplos aspectos, destacando a importância da participação indígena em todas as suas fases: definição das prioridades, localização, elaboração, busca de financiadores, planejamento e administração dos recursos e das

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ações, acompanhamento, avaliação, registros etc. Destaca-se a importância do protagonismo indígena, porém reconhecendo a importância de manter uma relação de diálogo com todos os atores sociais e com todas as instâncias do poder público. Com isso, deve-se se ressaltar que não se trata de buscar um protagonismo excludente, mas, sim, aberto a todos os que desejam compartilhar e contribuir com o fortalecimento do movimento indígena na construção de uma sociedade humana mais justa, saudável e sustentável. O Maiwu reconhece que, para a autonomia e sustentabilidade dos povos indígenas, é imprescindível articular o conhecimento técnico (gestor indígena) com o conhecimento tradicional e a participação ativa da comunidade envolvida através dos projetos elaborados e implementados nas aldeias. Os módulos presenciais I, II, V e o Seminário Integrador ocorreram no Campus da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), no município de Barra do Bugres (MT). Os módulos II e IV foram realizados na sede do Centro de Tecnologia Alternativa (CTA) em Pontes e Lacerda (MT), um centro de formação e campo experimental em agroecologia criado e administrado por agricultores familiares de municípios do Vale do Guaporé. No CTA, os cursistas tiveram palestras sobre a implantação de sistemas agroflorestais e sobre os entraves e êxitos da criação e gestão do CTA pelos agricultores familiares. Os módulos de dispersão foram realizados nas comunidades onde cada cursista reside.

5

A ESTRUTURA DO CURSO

A formação de gestores indígenas é uma aspiração antiga e recorrente do movimento indígena do estado, esperando que essa experiência venha a se tornar política pública para a necessária continuidade de formação dos gestores, em

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benefício do fortalecimento institucional das associações e da autonomia indígena na elaboração, gestão e prestação de contas de seus projetos. Com o projeto, o Maiwu iniciou em Mato Grosso a formação política e técnica inédita de trinta gestores e gestoras indígenas, visando à melhoria da qualidade de vida das comunidades e ao fortalecimento do movimento e das organizações indígenas. Para alcançar os objetivos propostos, o Curso de Formação de Gestores e Gestoras Indígenas do Mato Grosso foi estruturado – de acordo com o projeto-piloto realizado pelo PDPI, sistematizado no Guia para a formação em gestão de projetos indígenas – em cinco módulos presenciais, intercalados por módulos de dispersão, em que os conhecimentos e técnicas adquiridos são exercitados pelos alunos junto às suas comunidades e associações. Nas cinco etapas presenciais, foram discutidos e aprofundados os conceitos e conteúdos (técnico e teórico) necessários para a formação desse novo ator social denominado gestor de projetos e organizações indígenas. Complementarmente, os cursistas tiveram a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos em língua portuguesa durante o módulo 4, uma deficiência apontada por eles mesmos já no primeiro módulo do curso. Nos períodos intermediários, ocorridos entre uma etapa presencial e outra, foram realizadas as atividades e pesquisas dialógicas e colaborativas junto às suas organizações de base e/ ou comunidades e no contexto em que atuam. Tais atividades foram sistematizadas e apresentadas por eles e avaliadas na etapa presencial subsequente. O resultado das atividades intermediárias realizadas entre o quarto e o quinto módulo foram sistematizadas em formato de projetos, e os cinco melhores foram apresentados durante o seminário integrador, que contou com a presença de lideranças indígenas, representantes de organizações da sociedade civil e órgãos governamentais convidados, parceiros do projeto.

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Divididos em cinco grupos, os alunos elaboram e apresentaram cinco projetos de atuação, com base nos conhecimentos adquiridos nos módulos do curso, além de discutir perspectivas futuras juntamente com suas comunidades. Cada módulo teve a duração de quinze dias, nos quais foram discutidos, analisados amplamente e depois apresentados os trabalhos elaborados pelos alunos tendo como eixo norteador os temas relacionados na seção a seguir. O detalhamento da realização e os resultados de cada módulo serão explicitados posteriormente.

O CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO CURSO 6

O curso teve a duração de 888 horas, divididas entre etapas presenciais, etapas intermediárias e seminário integrador. Com base no conteúdo programático e na duração do curso, a UNEMAT, uma das instituições parceiras do projeto, expediu certificado como curso de extensão da universidade. No módulo introdutório, o tema foi a Realidade Indígena Brasileira. Nele foi apresentada, em linhas gerais, uma análise da realidade indígena no mundo contemporâneo, destacando-se assuntos da conjuntura atual, especialmente do estado do Mato Grosso. Entre os assuntos tratados, citam-se: organização do movimento indígena, legislação, direitos, políticas públicas, patentes, conhecimentos tradicionais, patrimônio imaterial, papel e importância das associações como organização das comunidades e povos indígenas etc. Como é a conjuntura atual da realidade indígena brasileira, em especial a de Mato Grosso? Como é a organização do movimento indígena? Quais são seus direitos? Quais políticas públicas lhes atendem? Qual é o papel das associações indígenas para melhorar essa realidade? Essas e outras perguntas foram o pano de fundo do primeiro módulo do curso de Formação de Gestores e Gestoras Indígenas do Mato Grosso, realizado na UNEMAT de Barra dos Bugres,

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realizado entre 11 e 23 de janeiro de 2010. A proposta do módulo foi refletir sobre a situação dos povos indígenas e suas organizações, a partir de um olhar indígena desde a década de 1970. O instrutor desse módulo foi o professor Gersem José dos Santos Luciano. No módulo 2, o instrutor foi o professor Luís Eustórgio Pinheiro Borges, que trabalhou dois temas: Controle Social de Políticas Públicas e Orçamento Público; e Papel das Organizações Indígenas – Objetivos, Funcionamento e Aspectos Legais. Esse trabalho despertou bastante o interesse por parte dos cursistas, particularmente devido às implicações e problemas na parte da gestão financeira dos projetos. No módulo 3, a instrutora foi a professora Sandra Maria Silva de Lima, que trabalhou os Direitos e Legislação Indigenista e Ambiental, destacando as legislações gerais e específicas que regem a política indigenista no âmbito ambiental, regional e nacional. O módulo intermediário 1 propôs a discussão analítica e o mapeamento das situações políticas internas, intercomunitárias e regionais. O módulo 4, Diagnóstico Geral de Projetos, que teve como instrutor Dagmar Rejane Cremer, trouxe para o debate as questões conceituais relativas a projetos sustentáveis e a elaboração de diagnósticos participativos de âmbito regional e local. O principal destaque do módulo foi as ferramentas para identificação e análise dos problemas e aspirações das comunidades indígenas para a priorização na elaboração de projetos, valorizando as potencialidades (recursos existentes na própria comunidade) e as diferentes oportunidades para a captação de recursos, incluindo nelas os projeto. Na sequência, o módulo intermediário 2 propôs a realização de diagnóstico e planejamento nas comunidades. O módulo 5 trouxe como tema a Formulação, Apresentação e Negociação de Projetos, e tinha como instrutor Luís Eustórgio Pinheiro Borges. O foco central deste módulo foi a elaboração participativa de projetos a partir do diagnóstico participativo e do Plano de Vida

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construído no módulo anterior junto às comunidades indígenas. Além dos elementos básicos de um projeto, tratou também do marco lógico dos diferentes formulários, além da prospecção de financiadores para os projetos de acordo com o objetivo, área de abrangência e público-alvo. O módulo intermediário 3 consistiu na elaboração de projetos nas comunidades. Por sua vez, o módulo 4, Implantação, Acompanhamento e Avaliação de Projetos, também teve como instrutor Luís Eustórgio Pinheiro Borges, e tratou da implementação, monitoramento e avaliação de projetos em termos físicos e documentais. Foram exercitadas a elaboração de relatórios financeiros e de atividades, parciais e finais, além de metodologias de monitoramento, com ênfase nas participação. O módulo intermediário 4 consistiu na realização de análise da execução de projetos nas associações e verificação dos métodos de monitoramento. O módulo 5, que compreendia a Avaliação e Conclusão, bem como a realização do Seminário Integrador, teve como instrutoras Francisca Navantino (Paresi) e Mariléia Taiwa (Bakairi). Durante este módulo, foram oferecidas orientações à elaboração dos trabalhos de conclusão do curso e realizada a avaliação final do curso. No Seminário Integrador, foram apresentados e discutidos cinco trabalhos monográficos produzidos em grupo pelos cursistas. Ao final, conferiu-se certificação aos participantes que cumpriram os requisitos estabelecidos pelo curso.

7

O PÚBLICO DO CURSO

Deve-se destacar que o projeto atendeu apenas a uma pequena parte das demandas por formação de gestores apresentadas pelas associações indígenas do Mato Grosso. Espera-se que

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outros cursos sejam promovidos futuramente para dar continuidade ao processo iniciado pelo Instituto Maiwu. Considerando a capacidade operacional e financeira do Maiwu e do projeto, a proposta foi promover a formação de trinta indígenas indicados por suas associações, representantes de povos das seis regiões do Mato Grosso: noroeste, norte, oeste, Baixada Cuiabana, Araguaia e Xingu. Nesse sentido, considerando que a intenção era atingir o maior número possível de terras, povos e comunidades indígenas no Mato Grosso, e considerando, ainda, a grande demanda por vagas, ficou definida a adoção, para fins de distribuição de vagas, o mesmo critério utilizado no Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso, que cruza a distribuição regional com os povos. Com isso, o projeto considerou a distribuição dos alunos de acordo com os povos indígenas de Mato Grosso em seis regiões, divididas conforme o quadro 1. Para cada região foram destinadas cinco vagas, e as comunidades puderam se articular, visando à indicação de participantes de acordo com os seguintes critérios: ser maior de 18 anos; saber ler e escrever; ser proveniente de uma comunidade indígena; ser um articulador dentro da comunidade; ter compromisso, responsabilidade e disponibilidade para cumprir todas as etapas do curso; possuir bom relacionamento na comunidade; ter conhecimento de movimentos indígenas; ter participação efetiva na comunidade; apresentar carta de recomendação de uma ou mais comunidades; apresentar as fichas de inscrição do candidato e da comunidade; não ter participado de outros cursos de formação em gestão.77

77 Destes, os seguintes critérios eram verificados por meio de documentação comprobatória correspondente: ser maior de 18 anos; saber ler e escrever; apresentar carta de recomendação de uma ou mais comunidades; e apresentar as fichas de inscrição do candidato e da comunidade.

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QUADRO 1 - Alunos do curso de Formação de Gestores Indígenas de Mato Grosso, por região Região 1 – Noroeste (Juína): Cinta Larga, Erikbaktsa, Enawenê Nawê, Apiaká, Kayabi, Arara, Myky, Munduruku, Zoró

1

Nome do cursista Danilo da Silva Cinta Larga

Povo Cinta Larga

2

Carilene Oknani

Rikbaktsa

3

Jocineide Feitoza de Souza

Arara

4

Tiago Kapawandu Zoro

Zoró

Organização Associação Eterepuya Associação Indígena Rikbaktsa (ASIRIK); e Associação Indígena das Mulheres Rikbaktsa (AIMURIKI) Associação Comunidade Boa Esperança Associação do Povo Indígena Zoró Pangyjej (APIZ)

Região 2 – Norte (Colider): Kayapó, Panará, Kayabi, Terena, Apiaká, Iudja, Tapayuna, Trumai

Nome do cursista

Povo

Organização Associação Comunitária da Aldeia Indígena Mayrob (ACAIM)

1

Edilson Krixi Morimã

Apiaká

2

Nokere Tapayúna Suya

Tapajuna

3

Paimu Muapep Trumai Txucarramãe1

Mebengokre

4 5

Sokren Panará1 Pysy Panará1

Panará Panará

Iakio Iakio

6

Taravy Kayabi2

Kayabi

Associação Indígena Kauaip Kayabi (AIKK)

7

Iré Kayabi2

Kayabi

Organização de Mulheres indígenas de Mato Grosso (TAKINÁ)

Associação Escolar do Povo indígena Mebengokrê

Região 3 – Oeste (Tangará da Serra): Pareci, Nambikwara, Manoki

Nome do cursista

Povo

Organização

1

1

Ivanilce Naezokerô

Paresi

Associação One Tiholazere

2

Juscilio Zekezomae1

Paresi

Pequenos Produtores Indígenas Haliti

Região 4 – Baixada Cuiabana: Umutina, Guató, Chiquitano, Bororo, Bakairi

1

Nome do cursista Karine Alves de Arruda

Povo Guató

2

Jurandi Irureu

Bororo

3 4 5

Sebastião Mendes Arruda Laélcio Amajunepá Lindomar Iuxi Pacuare1

Chiquitano Umutina Kurã Bakairi

6

Marcelo Manobaro

Bororo

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Organização Associação Indígena Bororo de Córrego Grande Associação Otoparé AKURAB- Associação Indígena Kurâ-Bakairi Associação Indígena Bororo de Córrego Grande


7

Valdevino Harison Amajunepá

Umutina

Associação de Mulheres Indígenas Otoparé

8

Alexandra Mendes Leite

Chiquitano

Organização de Mulheres Indígenas de Mato Grosso - Takiná

Região 5 – Araguaia: Tapirapé, Karajá, Krenak, Maxakali, Xavante

Nome do cursista 1

Edmilson Paxewai Tapirapé

2

Kuanadiki Ahuwera Karajá

3 4

Aléssio Tseredzati Tsiruwewe João Tobias Wahone Tserenhimi’rãmi

Povo Karajá/ Tapirapé Karajá

Organização Associação de Mulheres Indígenas (AMI) Departamento das Mulheres Iny Karajá

Xavante

A’uwe Uptabi

Xavante

ONGTEX - Organização Itehudu Xavante

5

Oparamy’i Tapirapé

Tapirapé

6

Mawysi Karajá

Karajá

7

Severiá Maria idioriê Xavante

Karajá

8

Vilmar Tserero

Xavante

Associação do Povo Indígena da Nação Unida Tapirapé (APINUT) ACISIM - Associação Comunidade Santa Isabel do Morro Aliança dos Povos do Roncador Associação Indígena BO’U

Região 6 – Xingu: comunidades do baixo, médio e alto Xingu, que habitam a Terra Indígena Parque do Xingu (Kamaiurá, Mehinako, Kuikuru, Waurá, Suiá, Yawalapiti, Nafukwá, Ikpeng, Juruna, Kayabi, Kalapalo, Aweti etc.)

Nome do cursista

Povo

1

Iré Kayabi2

Kayabi

2

Kuiaiu Yawalapiti1

Yawalapiti

3

Txonto Ikpeng

Ikpeng

4 5

Daikir Waurá3 Tani Kayabi3

Waurá Kayabi

Notas:

Organização Organização de Mulheres Indígenas de Mato Grosso - Takiná IPEAX - Instituto de Pesquisa Etnoambiental do Xingu AIMCI - Associação Indígena Moygu Comunidade Ikpeng

Cursistas que desistiram no decorrer do curso Cursistas que desistiram do primeiro módulo para o segundo e foram substituídos por outro pela organização que representava. 3 Cursistas que foram indicados pelas organizações, no entanto, por problemas de saúde, às vésperas do primeiro módulo, não puderam participar do curso e não foram substituídos. 1

2

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Na aula inicial, as lideranças indígenas participantes receberam um leque de informações e aprendizados que julgaram imprescindíveis à boa gestão das organizações em que atuam, bem como à melhoria e sustentabilidade da vida das populações indígenas. Na ocasião, Jurandi Irureu, cursista do povo Bororo, pontuou que “esse curso chegou na hora certa. Vamos montar uma associação do povo Bororo. A expectativa é ter experiência, fazer projetos bem feitos”. Dentro desta perspectiva, observou-se que em linhas gerais, os cursistas consideraram que um projeto é “uma ideia, uma proposta, algo que se planeja, um meio para trazer recursos. É uma solicitação, uma reivindicação. É construído pela união de pessoas que estão precisando de alguma coisa para resolver um problema de sua comunidade, tem como objetivo responder a determinadas necessidades. Um projeto não se inicia individualmente, mas coletivamente”. Além disso, em suas falas durante as apresentações, os cursistas afirmaram categoricamente que projetos são comunitários e que pretendiam a partir do curso aprender: • “Mais noção da gestão. Aprender um pouco mais”. •

“Como fazer uma planilha de recursos. Fazer orçamento. Saber um pouco o que é projeto e como fazer. Casar as atividades com os recursos”.

“Aprender um pouco o que é projeto. É muito difícil trabalhar com projeto. Aprender e levar uma boa informação para a comunidade”.

“Tem tudo a ver com meu sonho, que é aprender a elaborar projetos e tudo o que está no edital. Espero que todos aproveitem o curso, que é muito importante para nós. É só através dos projetos que a associação consegue as coisas com o governo”.

“Para aprender sobre os projetos e não esperar dos outros, mas a própria associação fazer. É muito interessante para mim. Espero que o curso seja avançado”.

“Estamos aqui pra aprender a parte da gestão e prestação de contas. Espero que o que a gente aprender, possa mostrar pra comunidade”;

“Ter mais conhecimento, saber como elaborar um projeto, fazer prestação de contas”.

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“Ganhar mais conhecimento sobre projeto e ajudar meu povo da melhor forma possível”.

“Ter proveito desse conhecimento. É uma oportunidade para todos nós. Conhecer melhor pra colocar dentro de nossa comunidade”.

Dentro dessa perspectiva e com o intuito de saber o conhecimento e experiência prática dos cursistas sobre a execução de projetos, foi feita a seguinte pergunta: “Qual a experiência que você tem sobre projetos?” Os depoimentos demostraram que muitos já haviam acompanhado de forma direta ou indiretamente a gestão de algum projeto em suas associações.

O PERFIL DO GESTOR E GESTORA INDÍGENA 8

Nas últimas décadas ocorreram significativas transformações no perfil idealizado para os gestores de políticas públicas, como também de empresas e de projetos específicos. O campo de atuação prioritário do gestor indígena é o lugar da realização dos projetos e a sua principal estratégia de ação será o envolvimento das comunidades e a participação das associações indígenas. Portanto, o gestor de projetos que se buscou formar através do curso foi, acima de tudo, um agente dinamizador de conhecimentos necessários para a rearticulação interna das comunidades e destas com o seu entorno. Ao estimular a participação, mediar interesses e viabilizar projetos, ele passa a identificar-se e ser identificado como um protagonista da organização e reorganização socioeconômica e cultural das comunidades em que atua. Um gestor é um agente de transformação social dotado de conhecimentos específicos, capaz de articular o conhecimento técnico e teórico com outros saberes produzidos no seu meio social, capaz de encaminhar a sua ação para transformar positivamente a realidade e o meio em que atua, ou seja, a comunidade em que vive.

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Dentro dessa perspectiva, para o fim específico de gerir projetos indígenas, o Maiwu procurou estimular as associações indígenas para que indicassem lideranças com as seguintes capacidades: •

articulação de projetos específicos com o Plano de Vida do povo ou das comunidades;

respeito aos espaços de atuação, às organizações e às lideranças existentes;

conhecimento sobre o limite das negociações – entender que os limites não podem ser determinados apenas por ele, pelos financiadores ou mesmo pela burocracia do Estado, mas pela decisão coletiva da comunidade ou povo indígena;

inserção e compromisso com o movimento indígena e com as comunidades;

articulação entre conhecimentos técnicos e habilidade política para lidar com todas as fases de realização dos projetos: diagnóstico da comunidade, elaboração, negociação, implantação, monitoramento, avaliação, prestação de contas, produção de relatórios, divulgação dos resultados, definição de novas demandas etc.;

disposição para repassar os conhecimentos adquiridos a outras lideranças (possíveis gestores) em sua região; e

capacidade para escutar os diversos interesses e ser capaz de atuar na busca de soluções que os conciliem.

Com base nessas perspectivas, ainda nesse ano, teve início a execução do projeto, tomando-se todas as providências necessárias para a realização do curso de janeiro e novembro de 2010. O curso de Formação de Gestores e Gestoras Indígenas do Mato Grosso tem como objetivo iniciar a formação política e técnica de gestores e gestoras indígenas, visando à melhoria da qualidade de vida das comunidades e o fortalecimento do movimento e das organizações indígenas.

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AS PARCERIAS E CONTRAPARTIDAS 9

A busca de parceria institucional para a realização do projeto iniciou já na sua elaboração. Assim, no primeiro momento, o Maiwu dialogou com instituições governamentais com atuação junto aos povos indígenas e conseguiu o compromisso de apoio na implementação das ações dos seguintes órgãos: Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), Secretaria de Estado de Educação (SEDUC/MT), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Com base nos diálogos preestabelecidos, estas instituições comprometeram-se a fortalecer a contrapartida do projeto com recursos humanos e financeiros, distribuídos conforme detalhado a seguir. •

A UNEMAT forneceu apoio logístico à realização dos módulos custeando hospedagem de palestrantes, instrutores, cursistas e coordenadores durante dezesseis dias a cada módulo. Além da aquisição de material e a administração dos módulos, contribuiu com honorários do pessoal de serviços gerais; itens de limpeza, alimentação e material para cozinha das etapas presenciais; bem como custeio de parte da produção do material de divulgação (publicação de material e trabalhos, camisetas, banner, folder, boletins informativos e edição dos trabalhos dos alunos).

A SEDUC/MT originalmente se comprometeu a subsidiar parte do apoio logístico à realização dos módulos, custeando passagens terrestres e combustível para alunos e coordenadores do curso; aquisição de material didático; honorários de palestrantes; e produção dos materiais de divulgação.

A Funai apoiou através de algumas regionais, fornecendo passagens terrestres, frete terrestre e combustível para o deslocamento (ida e volta) aldeia/cidade/Unemat/aldeia, além de custear a produção do folder do projeto.

A Funasa comprometeu-se a colaborar com diárias para motorista e enfermeiro durante todo o curso, incluindo o

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seminário integrador; contudo, o acordo foi cumprido em apenas um dos módulos.

A viabilização dessas parcerias durante o processo de implementação das ações do projeto foi prejudicada devido à mudança na direção de alguns desses órgãos, como foi o caso da Funasa e da Funai; e também à incompatibilidade de agendas de atividades, como foi o caso da UNEMAT. Tais problemas demandaram solicitação de remanejamento de recursos ao PDPI, para que não houvesse prejuízo às etapas do curso e os resultados esperados fossem alcançados satisfatoriamente.

A PARCERIA COM A UNEMAT E A SEDUC/MT 10

“A parceria do Instituto Maiwu com a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) foi muito importante, porque foi a primeira vez que isso aconteceu no Estado”. Esta afirmação é do dr. Elias Januário, coordenador da Faculdade Indígena Intercultural da UNEMAT, do Campus de Barra do Bugres. Para ele, essa experiência abre mais um espaço de diálogo e parceria com organizações indígenas. “O curso de extensão para formação de gestores, com carga horária de 880 horas, fortaleceu o nosso trabalho com a comunidade indígena, ainda mais por se tratar de uma área que nós ainda não havíamos atuado”, explica. Para Januário, após essa experiência exitosa, surgiu a necessidade de abrir novas parcerias para os cursos de extensão. Entre as propostas que estão sendo desenhadas estão os cursos de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas e Gestão Educacional, para atender a demanda das escolas indígenas no campo da gestão escolar, em nível de graduação. “Essas áreas têm uma demanda muito grande e que precisa de indígenas para atuar na realidade que está posta”, complementa. São reivindicações das comunidades e suas organizações indígenas já encaminhadas para esta Universidade. “Quero continuar a parceria com as organizações

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indígenas de Mato Grosso, afinal, o êxito das formações só é possível graças à participação dos povos indígenas no processo”. As condições para essa parceria, que foi fortalecida com o curso, deve-se em grande medida a atuação da Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso (OPRIMT), como organização que defende os interesses dos profissionais da educação escolar indígena, bem como devido à atuação de professores indígenas como diretores e coordenadores nas escolas localizadas nas terras indígenas. Essa sensibilidade foi o que possibilitou a parceria do Instituto Maiwu e a realização do curso de gestores. De acordo com Félix, coordenador da Educação Escolar Indígena da SEDUC, “a vinda dos gestores será uma força para somar com os professores para a comunidade indígena no que tange aos seus projetos de vida. Os indígenas estão sendo chamados para trabalhar as suas problemáticas e encontrar uma saída. Com este curso eles passam a enxergar um novo horizonte”.

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A DIVULGAÇÃO DO PROJETO

Originalmente, estava prevista no projeto a elaboração produção de materiais gráficos para divulgação do projeto, como banners, folder, boletim informativo, camisetas, bonés, bolsas e uma publicação final. No entanto, no decorrer das atividades, o valor disponível para a produção de tais produtos se mostrou insuficiente, devido às dificuldades de viabilizar os recursos referentes a contrapartidas por parte dos parceiros. Assim, foram necessários alguns ajustes e remanejamento dos recursos previstos. No decorrer do projeto, foram elaborados os seguintes produtos para a divulgação das ações do projeto: folder, banners, bonés, camisetas, bolsas e três edições do boletim informativo Watsi Manhari Da’ra Hã Bododina Rada (na língua Xavante, Nossa formação é o inicio do caminho).

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Tanto para os alunos quanto para o Instituto Maiwu, o boletim informativo foi o mais importante produto de divulgação e fortalecimento do projeto, pois, através dele, o curso ficou conhecido em Mato Grosso e em outros estados. Ele foi distribuído digitalmente via e-mail, e os textos de cada edição foram postadas na íntegra no blog do Instituto Indígena Maiwu. A primeira edição trouxe uma apresentação do curso e seus conteúdos programáticos, bem como a do PDPI, e do Maiwu. Já a segunda edição do boletim informativo trouxe textos escritos pelos cursistas sobre a importância do aprendizado do curso para sua atuação na comunidade onde vive e na instituição em que atuam. A 3a edição do boletim teve versão impressa e digital e contou com depoimentos de cursistas, parceiros e executores. Trouxe também um resumo sobre cada um dos projetos selecionados e apresentados no seminário integrador.

SEMINÁRIO INTEGRADOR E APRESENTAÇÃO DOS PROJETOS DOS CURSISTAS 12

A última atividade do curso de Formação de Gestores e Gestoras foi a realização de um seminário para a apresentação de seis projetos desenvolvidos nas etapas anteriores, consolidando o aprendizado iniciado no primeiro módulo, realizado em janeiro de 2010. Esses projetos foram trabalhados em grupo, misturando diferentes etnias, com a proposta de que todos pudessem analisar as falhas e potencialidades dos trabalhos. Os projetos foram considerados pela coordenação do Maiwu como passíveis de aprovação por entidades que apoiam a causa indígena, ainda que necessitassem de adequações. Quem coordenou esta etapa pedagógica foi a indígena Mariléia Taiwa, que, devido a sua experiência em outros trabalhos, pôde acompanhar com mais habilidade.

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Os resumos de alguns projetos são apresentados a seguir, no quadro 2. Tratam de diferentes temas: de informática à produção audiovisual; de fortalecimento da agricultura às alternativas ao lixo; da revitalização da língua materna à proteção e vigilância de suas terras. QUADRO 2 - Resumos dos projetos apresentados no Seminário Integrador Título

Revitalização da Língua Materna do Povo Indígena Arara do Rio Branco

Curso em Audiovisual para Registro do Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas de Mato Grosso com Perspectiva de Garantir o Respeito à Diversidade Cultural

Capacitação de Jovens Cinta Larga na Área de Informática

Entidade proponente/ executora

Associação Oimecrekanaz

Alunos responsáveis

Resumo

Danilo Cinta Larga, Carilene Rikbaktsa, Laelcio Umutina

A proposta deste projeto é promover ações para revitalizar a língua materna do povo indígena Arara do Rio Branco, localizado em Aripuanã (883 km de Cuiabá). Para realizar este objetivo, trinta jovens da aldeia serão capacitadas por meio de um curso de um ano dividido em oito oficinas. A expectativa é incentivar os Arara a realizar pesquisas e registro da língua com apoio técnico de um linguista, promovendo o intercâmbio entre o povo Arara e outros povos de família linguística semelhante. Junto a isso, o projeto prevê a elaboração e publicação de materiais didáticos como cartilhas e dicionários com o significado das palavras na língua materna.

Organização de Mulheres Indígenas Takiná

Divulgar os conhecimentos tradicionais, riquezas artesanais, artefatos, cantos, rituais. Esta é a proposta do curso de audiovisual, voltado para Alexandra vinte mulheres indígenas, de diferentes etnias, Chiquitano, para ajudar no fortalecimento de suas identidades Karine Guató, étnica e cultural, combatendo o preconceito e a Sebastião desinformação sobre a população indígena do Chiquitano estado de Mato Grosso. O projeto prevê, além da e Romildo realização do curso, que contará com cinco etapas Apiaká de duração de dez dias cada ao longo de doze meses, a produção de material das diferentes etnias que participarem da seleção para divulgação.

Associação Indígena Eterepuya

O projeto de capacitação dos jovens Cinta Larga na área de informática tem como objetivo atender a uma necessidade cada vez maior de diversos Eleniuldo povos indígenas, uma vez que a informática é cada Kayabi, importante para o fortalecimento de associações, Jocineide além de auxiliar no ensino escolar. Ao todo, deverão Arara, Vilmar ser capacitados trinta jovens, com idade entre 15 Xavante, e 19 anos, garantindo pelo menos dez vagas para Mawysi Karajá jovens indígenas, das seguintes aldeias: Capivara, Serra Dourada, Rio Furquim, Rio Seco e Aldeia Vinte e Um. 237


Título

Tuyay Maming – O Trabalho do Rato

Fortalecimento do Cultivo da Plantação Tradicional do Povo Karajá (Aldeia Krehawa – Terra Indígena Krehawa)

Agente Ambiental Indígena Bororo: Atuação em Práticas de Monitoramento Territorial

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Entidade proponente/ executora

Alunos responsáveis

Resumo

O objetivo do projeto Tuyay Maming visa minimizar esses efeitos ao promover ações de Educação Ambiental nas comunidades Arayo e Moygu. Valdevino Entre as ações previstas estão: a promoção Umutina, de conscientização sobre o lixo nas aldeias, a Associação Edilson implantação de pontos de coleta seletiva em locais Indígena Moygu Apiaká, estratégicos da comunidade e a promoção da da Comunidade Marcelo reciclagem de lixo. Estão previstas três oficinas, cada Ikpeng (AIMCI) Bororo, uma com duração de cinco dias. A primeira para João Tobias falar sobre os riscos do lixo. A segunda será para a Xavante produção de um livro sobre lixo escrito na língua para ser usada na escola Ikpeng. Já a terceira e última oficina será para avaliação e finalização do livro. A proposta do projeto é melhorar as roças indígenas utilizando-se do sistema de irrigação por gotejamento. Espera-se com isso, aumentar a oferta da produção alimentar indígena, que inclui banana, melancia, feijão de corda, batata doce, abacaxi, mamão e outros. Os Karajá têm o rio Araguaia Txonto Ikpeng, Instituto como um eixo de referência mitológica e social. Kuanadiki Indígena Maiwu O território do grupo é definido por uma extensa Karajá, de Estudos e faixa do vale do rio Araguaia, a ilha do Bananal, Edmilson Pesquisa de Mato que é a maior ilha fluvial do mundo, medindo cerca Tapirapé, Grosso de dois milhões de hectares. Suas aldeias estão Tiago Zoró preferencialmente próximas aos lagos e afluentes do rio Araguaia e do rio Javaé, assim como no interior da ilha do Bananal. Cada aldeia estabelece um território específico de pesca, caça e práticas rituais demarcando internamente espaços culturais conhecidos por todo o grupo. A proximidade de grandes frentes de produção agrícola e das grandes cidades como Cuiabá e Várzea Grande tornam ainda mais graves as Instituto ameaças externas à aldeia Córrego Grande e Indígena Maiwu outras da TI Tereza Cristina. Entre as reais ameaças de Estudos e Jurandi estão caças e pescaria nos limites da comunidade Pesquisas de Bororo, bem como a extração ilegal de madeira. Não é raro Mato Grosso/ Severiá os Bororo encontrarem estranhos em sua terra, Comunidade da Xavante, os quais causam constrangimentos à liberdade e Aldeia Córrego Aléssio integridade dos moradores. Essa realidade exige Grande, TI Tereza Xavante um esforço maior de monitoramento territorial Cristina, Santo e Nokere para inibir e coibir essas práticas. O projeto Agente Antonio do Tapayuna Ambiental Indígena Bororo pretende formar quinze Leverger, Mato jovens e adultos para o monitoramento da aldeia, Grosso onde moram cerca de 400 índios. Os Bororo pertencem ao tronco linguístico Jê e na aldeia são organizadas tradicionalmente em dois clãs: Ecerae e Tugarege, ambos divididos em vários subclãs.

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DESAFIOS PARA OS POVOS INDÍGENAS 13

Durante as etapas da formação, um dos desafios que pautou as discussões foi o modelo de associações que existe hoje. Muitas organizações foram criadas para atender a projetos imediatistas de suas comunidades, mas depois tiveram problemas na gestão administrativa e financeira e, por conta disso, tiveram que paralisar suas atividades. O modelo hierárquico, onde o poder se concentra no presidente, principalmente nas tomadas de decisões, e até para assinar documentos financeiros sozinho, é muito perversa. Atendendo muitas vezes a necessidades que não foram planejadas, traz prejuízos às finanças das associações. É difícil ser bom e fazer só o que a comunidade pensa. Ele assina cheque quando, para quem e de quanto ele quiser. O projeto, com as atividades todas definidas previamente, é um problema também, pois a comunidade pode mudar de ideia depois. A burocracia é difícil de aprender e mais difícil de praticar. É muito diferente da nossa tradição (fala de um aluno).

Nesse espírito de debates e discussão, reconhece-se a necessidade de se fazer uma adaptação das associações para uma organização mais próxima da tradição indígena. Existem organizações dirigidas por indígenas com formação universitária, mas esse diferencial não torna a gestão distinta ou melhor que aquelas que não possuem membros com formação graduada. Então, entende-se que o nível de escolaridade ou mesmo a graduação não define o sucesso de uma gestão administrativa e financeira. O segundo desafio refere-se a como articular as ações da organização indígena com os regulamentos institucionais dos financiadores, que, na maioria das vezes, são os governos por meio de seus editais. Às vezes o surgimento de uma organização indígena acontece apenas para atender o financiamento de um projeto ou para receber recursos financeiros de algum repasse governamental ou para atender a programas e ações pontuais de governo, interessado em trabalhar em parceria. Nesses casos de organizações que surgiram para responder a agendas

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e apoio governamental, principalmente no campo financeiro, nem sempre o interesse dos indígenas é atendido. Essa tem sido a reclamação das comunidades e suas lideranças, que criticam o privilégio dessas agendas em detrimento das agendas indígenas. Tem-se, ainda, casos de indígenas que, atraídos pelos benefícios como diárias, hotéis e restaurantes pagos pelo governo paga, parecem virar funcionários do governo. “O problema não é só participar das reuniões sem discutir com as bases, o problema é levar a sua ideia e não a da comunidade e discutir políticas erradas, que o povo não concorda” (fala de um aluno). Entre as reflexões que surgiram durante as etapas de formação, foram apontados ainda outros desafios. Uma dificuldade enfrentada na articulação e mobilização dos povos indígenas numa agenda comum é a imensidão dos territórios indígenas. É difícil organizar uma articulação nacional, representando um desafio de comunicação e de financiamento. A criação de organizações que não levem em conta esses desafios estará fadada ao fracasso. A dependência de recursos financeiros externos e de apoios institucionais para a infraestrutura das organizações tem sido um dos problemas a serem superados. Algumas questões foram colocadas como desafio, na visão de dependência. O Instituto Maiwu, para funcionar, dependeu inicialmente de uma sala cedida pelo governo. Para realização de uma capacitação no curso de gestores, contou-se com o apoio do Ministério do Meio Ambiente. A dependência estende-se também aos recursos humanos: especialistas, técnicos e outros profissionais. No caso do atendimento da Saúde Indígena, por exemplo, quando é preciso contratar um médico, a maioria dos profissionais não indígenas não quer trabalhar nas aldeias. Como resolver essa dependência? Assim, de acordo com a fala de um aluno, é preciso “discutir em Brasília uma coisa que nos interessa, dependemos de recursos dos outros pra ir. Precisamos pensar em como sair dessa dependência, ter os próprios recursos. É um desafio enorme. Eu não tenho uma solução. Se eu tivesse, não só diria, mas aplicaria nas organizações onde eu trabalho”.

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Outro desafio é a participação indígena. O governo lança seus programas e cria espaços de participação indígena, que, muitas vezes, são apenas para legitimar suas propostas governamentais. Mas a experiência mostra que, salvo raras exceções, essa participação nem sempre considera as propostas indígenas. Devido à dificuldade no entendimento da linguagem técnica dos documentos governamentais, o diálogo torna-se problemático. De acordo com um aluno: Por isso, sentimos necessidade de uma capacitação mais técnica; não podemos contribuir para aquilo que não entendemos. O Estado brasileiro é baseado na representatividade: elegemos deputados, senadores, etc. Eles vão perguntar pra nós em quem vamos votar? Não, eles fazem do jeito que eles quiserem. Os povos indígenas não aceitam mais isso! Nossos povos não delegam poder para ninguém. Quem está nos conselhos não tem poder nenhum, não está representando ninguém. Para os povos indígenas tem que se discutir com as bases. Mesmo que sejam indicados os pelas comunidades.

Outra questão é a cidadania. Para os povos indígenas, a cidadania foi garantida na Constituição Federal em 1988, nos diferentes artigos e incisos que asseguram o direito de ser de cada povo indígena e o sentimento de pertencimento. No entanto, a cidadania promovida pelo governo é ligada a leis e regras do país destinadas aos indivíduos, contrariando, no caso dos povos indígenas, a cidadania coletiva: Pra nós indígenas, estas leis, muitas vezes, contrariam os nossos direitos coletivos, e sentimos os reflexos disso nos programas e ações dos governos (fala de um aluno). Temos nossas próprias leis, cultura e muitas vezes temos que fazer opções, pois as suas cidadanias e suas regras se chocam com as nossas leis, conhecimento e filosofia de vida (fala de um aluno).

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Algumas reflexões são muito importantes para pensar as práticas e responsabilidades de cada povo e suas organizações. Um dos exemplos é a Comissão Nacional de Políticas Indigenista (CNPI), criada por decreto presidencial em 2007, que elaborou a proposta do Projeto de Lei para a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. Encaminhado para o Congresso Nacional via governo, será um espaço de diálogo, discussões e principalmente de decisões sobre as políticas públicas e demais ações que afetem os povos indígenas. No caso de Mato Grosso, serão duas vagas para representantes do Mato Grosso. Durante o debate, questionou-se se os futuros representantes estão preparados para integrar esse conselho, se terão capacidade técnica e política nas decisões e no embate com os representantes do governo, na mesma condição de entendimento. É uma questão a ser pensada, refletida e definida a partir dos contextos indígenas. Destaca-se que os esforços de reflexão sobre esses desafios foram importantes para os debates acerca da autonomia e da sustentabilidade dos povos, e sobre como as organizações indígenas devem atuar, nos diferentes níveis, fortalecendo as ações e iniciativas comunitárias de cada povo indígena.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa experiência de formação no campo da gestão foi muito importante para as associações indígenas e para o Instituto Indígena de Estudos e Pesquisas Maiwu, enquanto instituição indígena responsável por sua implementação. Participaram do curso um total 32 cursistas, representando os povos: Xavante, Chiquitano, Paresi, Mebengokrê, Panará, Rikbaktsa, Kayabi, Apiaká, Umutina, Tapayuna, Arara, Karajá, Tapirapé, Ikpeng, Bororo, Cinta Larga, Guató e Zoró. Destes, 24 concluíram o curso e foram certificados pela UNEMAT. Às vezes, houve atraso na chegada dos cursistas por vários fatores, entre eles: falta do repasse da ajuda de custo e das passagens pela Funai; doença de ente familiar; e participação

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em eventos paralelos. Esses fatores interferiram no rendimento de alguns cursistas. Os conteúdos foram trabalhados sempre com a preocupação de estarem em diálogo com a realidade local e global dos povos indígenas. Conferiu-se destaque aos impactos das mudanças no contexto político, econômico e social nacional e regional. Foram considerados os efeitos decorrentes do aumento da pressão no entorno das terras indígenas, protagonizado pelo agronegócio, o setor energético e a construção de estradas. Esse é o maior desafio enfrentado e a ser enfrentado pelos povos indígenas. Essas transformações têm direcionado parte das ações dos indígenas em atividades voltadas para a formação e articulação política de suas comunidades, para que elas compreendam minimamente o processo em curso, de maneira que tenham condições de participar e de se posicionar efetiva e adequadamente diante dele. Nesse sentido, o curso alcançou os objetivos propostos, tanto na formação dos processos de gestão das organizações indígenas, como também e fundamentalmente na promoção da reflexão crítica direcionada a salvaguardar o patrimônio cultural e natural. A melhoria da qualidade de vida nas comunidades indígenas, a intervenção efetiva na elaboração de políticas públicas, a gestão autossustentável de projetos e suas organizações depende de investimento contínuo na formação das lideranças indígenas. É imprescindível união e parceria entre o poder público e os movimentos sociais para atuar junto aos povos indígenas a fim de que estes alcancem autonomia. É com esse propósito que o Instituto Indígena Maiwu continuará sua atuação, pois esta tem sido uma das demandas reais e urgentes dos povos indígenas de Mato Grosso e precisa ser trabalhada. O PDPI contribuiu muito para a capacitação dos representantes indígenas, que, juntamente com o Instituto Indígena MAIWU, acreditaram na força desse programa. O programa lançou também uma reflexão sobre os modelos de gestão territorial e ambiental nas terras indígenas, assim como propiciou um olhar

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indígena mais atento às ações e programas governamentais que afetam os povos indígenas. Além de lançar novas perspectiva de formação em parceria com a universidade, a implementação de um curso de Formação em Gestão Territorial e Ambiental nas Terras Indígenas possibilitou a experimentação de novos caminhos para a sustentabilidade e de instrumentos técnicos e políticos visando um melhor desempenho dos gestores e gestoras indígenas nas suas organizações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES Ricardo Verdum


Aqueles e aquelas que fizeram a leitura do conjunto das contribuições e conteúdos aportados pelos diferentes autores aqui reunidos certamente saíram da experiência com muitas ideias e outro tanto de dúvidas sobre o que foi e sobre o que pode vir a ser intentar experiência semelhante de organização e implementação de cursos voltados à formação de gestores indígenas de projetos. Sem dúvida, foi uma iniciativa arrojada, ancorada em uma realidade concreta de necessidade sentida no cotidiano da implementação da estratégia e dos pressupostos que conformaram a criação do PDPI, que, como se viu, passou a ser configurado institucionalmente em meados de 1997. Com algumas variações, em quase todos os relatos questionouse a que fim último se destina essa “formação”. Depreendese da leitura dos relatos que, nos diferentes processos, questões de fundo – de fundo crítico, diga-se de passagem –estiveram presentes, tanto da parte dos cursistas quanto dos responsáveis e instrutores dos cursos. Como exemplo, cite-se o relato institucional do alto rio Negro, quando afirma que “os participantes desses cursos estão instrumentalizados para realizar análises situacionais dos principais problemas e transformar isso em um documento para solicitação de recursos”. Ou seja, pairava no ar uma questão que não queria calar: a que se destina, afinal, a formação de gestores indígenas de projetos? Isso porque, como dito no relato do projeto implementado no Sul do Amazonas e Rondônia, “ainda temos profundamente enraizado, após anos de prática assistencial e tutelar, o atrelamento às agências de contato e suas pautas (entre as quais, evidentemente nos incluímos), que fundamenta a noção de projeto como uma lista de compras e materiais a ser demandada de ou oferecida por uma instituição de natureza colonial; e, de outro, o que aportamos é uma lógica ‘alternativa’, mas, no fundo, baseada numa racionalidade burocrática de adequação entre meios e fins – o que coloca desafios para esse tipo de público”.

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Isso acaba tendo seus efeitos do outro lado. Como ressaltado da experiência empreendida no norte do Pará e Amapá, “muitos alunos traziam a visão passiva da participação em projetos e organizações, isto é, o projeto era tomado como sendo uma ação dos outros (órgãos públicos, ONGs, organizações indígenas) ou dos de fora”. O que, como é sabido, não é uma percepção destituída de razão. Como assinalado pelas autoras do relato do curso realizado no Corredor Central da Amazônia, estimar a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos pelos alunos é uma avaliação bastante complexa, porque lidamos com conhecimentos de várias ordens, não só técnicos, mas também políticos, afetivos, linguísticos, culturais. Pelos parâmetros da lógica administrativa da gestão de projetos, para saber se o curso cumpriu suas metas e objetivos, o indicador mais objetivo seria se os projetos elaborados com apoio dos alunos conseguiriam ser aprovados pelos financiadores. Outro indicador seria se os alunos conseguiram se manter na função de gestores após voltar para suas comunidades ou mesmo para suas casas nas sedes do municípios. Pode-se afirmar que há muito mais a ser considerado nas trajetórias dos gestores indígenas para atestar o sucesso do investimento feito com o curso do que os indicadores citados anteriormente. Sobre os conhecimentos e habilidades aprendidos na formação de gestores, eles se revelam para além de suas aplicações imediatas, mensuráveis por indicadores precisos aos objetivos previsíveis do curso. Podem significar muito mais coisas e com inusitadas aplicações, em momentos e circunstâncias também diferenciados.

Considerando a possibilidade de haver outros cursos num futuro próximo, e dado o caráter inovador da ação, as questões aí levantadas são bastante oportunas; e sendo necessário pensar em como operacionalizar meios de avaliar os resultados alcançados até aqui.

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A tese da necessidade desse tipo de avaliação é reforçada pela afirmação do responsável do projeto de formação desenvolvido no sul do Amazonas: “a grande maioria dos quais não emplacou como ‘gestor de projetos indígenas’ no sentido estrito. Não obstante o ensejo de estudo e formação, bem como o de ampliação dos conhecimentos trabalhados no curso, motivou alguns a prosseguir na busca por ampliar as oportunidades de qualificação; enquanto outros retomaram os seus afazeres”. Sem negar a possibilidade de se chegar a indicadores universais ou generalizações mais abstratas, seguramente, esses indicadores deverão considerar as situações concretas e adotar uma abordagem mais qualitativa, que considere as trajetórias de vida dentro das respectivas realidades social e cultural. Deverão ser construídas sob uma perspectiva intercultural, assim como intergêneros, que, por sinal, foi um aspecto muito pouco considerado nas reflexões que compõem esta publicação.

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SIGLAS E ABREVIATURAS


AAFI ABA ACIPK ACT Brasil AMA ANA APIB APIO APIR APITIKATXI APITU APIWATA ARPA ATER ATL BID BIRD BNDES C&T C&T&I CABC CAFI CAIARNX CAIMBRN CAIMRN CCC CCE CCPY CE CE CEAPS CECISA CEPPAC CGTT CI CIM CIMI CINEP CINTER

Agentes agroflorestais indígenas Associação Brasileira de Antropologia Associação das Comunidades Indígenas Putyra Kapuamu (Ilha das Flores) Equipe de Conservação da Amazônia Projeto de Apoio ao Monitoramento e Análise Agência Nacional de Águas Articulação dos Povos Indígenas do Brasil Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque Associação dos Povos Indígenas de Roraima Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txihuyana Associação dos Povos indígenas do Parque do Tumucumaque Associação dos Povos Indígenas Waiãpi Triângulo do Amapari Projeto Áreas Protegidas da Amazônia Assistência técnica e extensão rural Acampamento Terra Livre Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Mundial Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Ciência e tecnologia Ciência e tecnologia e inovação Coordenadoria das Associações Baniwa e Coripaco Centro Amazônico de Formação Indígena Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Rio Xié Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro Coordenadoria do Médio Baixo Rio Negro Comissão de Coordenação Conjunta Comissão da Comunidade Europeia Comissão pela Criação do Parque Yanomami Comissão Executiva Corredores Ecológicos Centro de Estudos Avançados em Promoção Social e Ambiental Centro de Estudos de Ciências Socioambientais Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas Conselho Geral da Tribo Tikuna Carteira Indígena Conselho Indígena Mura Conselho Indigenista Missionário Centro Indígena de Estudos e Pesquisas Conselho Indígena do Território de Roraima

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CIR CNPI CNUMAD COAPIMA COGER COIAB COIAM COICA COIDI COITUA CONDEF CPI‐Acre CTA CTI CUNPIR DEX DFID DMI DRP ECAM EMATER Embrapa FAOR FASE FEPI FOCCITT FOIR FOIRN FORMAD FUNAI FUNASA FUNATURA FVA FVPP GAP GAPEP GTA GTZ

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Conselho Indígena de Roraima Comissão Nacional de Políticas Indigenista Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira Confederação das Organizações Indígenas e Povos do Amazonas Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê Coordenadoria das Organizações Indígenas do rio Tiquié, Uaupés e Afluentes Conselho Deliberativo e Fiscal Comissão Pró‐Índio do Acre Centro de Tecnologia Alternativa Centro de Trabalho Indigenista Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e Noroeste do Mato Grosso Departamento de Extrativismo Department for International Development (agência britânica de cooperação) Departamento das Mulheres Indígenas Diagnóstico rural participativo Equipe de Conservação da Amazônia Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Fórum da Amazônia Oriental Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional Fundação Estadual de Política Indigenista (atualmente Fundação dos Povos Indígenas do Amazonas) Federação das Organizações dos Caciques e Comunidades Indígenas da Tribo Tikuna Federação das Organizações Indígenas de Rondônia Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento Fundação Nacional do Índio Fundação Nacional de Saúde Fundação Pró-Natura Fundação Vitória Amazônia Fundação Viver, Produzir e Preservar Grupo de Análise de Projetos Grupo de Apoio para Elaboração de Projetos Grupo de Trabalho Amazônico Cooperação Técnica Alemã

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HUTUKARA IAG IBASE IBAMA IBGE IEA IEB IEPÉ IFAM INESC INPA IPHAE IPHAN ISA KANINDÉ KfW MAIWU MAPKHA MEC MDA MMA MPF NORAD OMIR OMIRAM ONG OPIAC OPIR OPRIMT PDA PDPI PETI PHRD PNCSA PNGATI PPG7 PPP PPTAL ProExt

Hutukara Associação Yanomami Grupo de Assessoria Internacional Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Instituto Brasileiro de Estatística Instituto de Estudos Amazônicos Instituto Internacional de Educação do Brasil Instituto de Pesquisa e Formação Indígena Instituto Federal do Amazonas Instituto de Estudos Socioeconômicos Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia Instituto de Pré-História, Antropologia e Ecologia Instituição de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Instituto Socioambiental Associação de Defesa Etno-Ambiental Kreditanstalt für Wiederaufbau, (Banco Alemão de Desenvolvimento) Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa de Mato Grosso Manxineryne Ptohi Kajpaha Hajene Ministério da Educação Ministério do Desenvolvimento Agrário Ministério do Meio Ambiente Ministério Público Federal Agência Norueguesa de Cooperação Internacional Organização das Mulheres Indígenas de Roraima Organização das Mulheres Indígenas de Rondônia e Sul do Amazonas Organização não governamental Organização dos Professores Indígenas do Acre Organização dos Professores Indígenas de Roraima Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso Subprograma Projetos Demonstrativos (Categoria A) Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas Projeto Estudos sobre Terras Indígenas no Brasil (Museu Nacional) Policy and Human Resources Development Trust Fund Projeto Nova Cartografia Social Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas Programa-Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil Projeto Político-Pedagógico Projeto Demarcação de Terras Indígenas na Amazônia Legal Programa de Extensão Universitária

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RESEX RMA SAFs SCA SEDUC SEIND SEMA SEMEC ST STF TR TI TNC UEA UFAM UFMG UFMT UFPE UFRR UG UnB UNEMAT UNI/Tefé UNIR USAID WYTY CATË

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Reserva Extrativista Rede Mata Atlântica Sistemas Agroflorestais Secretaria de Coordenação da Amazônia Secretaria de Educação Secretaria de Estado para os Povos Indígenas Secretaria de Meio Ambiente Secretaria Municipal de Educação Secretaria Técnica Supremo Tribunal Federal Termo de Referência Terra Indígena The Nature Conservancy Universidade do Estado do Amazonas Universidade Federal do Amazonas Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Mato Grosso Universidade Federal de Pernambuco Universidade Federal de Roraima Unidade de Gerenciamento Universidade de Brasília Universidade do Estado de Mato Grosso União das Nações Indígenas de Tefé Universidade Federal de Rondônia United States Agency for International Development Associação Wyty Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins

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