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Muito mais que um nome bonito

Ser filho de Stephen King não deixa de ser um problema daqueles caso você também queira ser um escritor, mas Joe Hill, nosso nome do mês, tirou esse desafio de letra. Pode acreditar.

Joe Hill em Creepshow

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Você talvez já conheça Joe Hill há muitos anos – apenas não lembra, em especial se gosta dos filmes de horror baseados em histórias de Stephen King. Filho do meio de Stephen e Tabitha King, nascido em 4 de junho de 1972, o jovem Joseph Hillström King fez uma participação em Creepshow (1982), filme dirigido por George Romero e baseado em histórias escritas por Stephen. Ele é a criança que aparece no prólogo e no encerramento do filme: proibido de ler quadrinhos por seu pai autoritário, ressurge no final com uma vingança, causando dores por meio de um boneco de vodu. Participar de Creepshow foi um evento definidor na

vida do jovem Joe: mais até do que a influência do pai, foi a convivência com o técnico em efeitos especiais Tom Savini que despertou nele a paixão pelo horror. Como o próprio Joe recorda no prefácio de Carrossel sombrio e outras histórias, foram sete dias assistindo Tom "assassinando pessoas artisticamente e inventando monstros deformados e inesquecíveis" – um deles o próprio Stephen King, transformado em criatura do pântano em um dos segmentos do filme. "Savini foi meu primeiro rock star", recorda Joe e, com uma inspiração dessas, não surpreende que o garoto de dez anos tenha mesmo se embrenhado nas trilhas do horror.

Ser filho de uma lenda da literatura não é um problema quando você está disposto a aprender a escrever histórias. Quem não gostaria de ter alguém com tamanho currículo lendo seus primeiros esforços literários? No entanto, as coisas ficam complicadas quando você toma coragem e decide publicar suas obras. Disposto a provar que era capaz de ser um escritor consagrado pelos próprios méritos, John Hillström King virou Joe Hill – um nome pouco chamativo, incapaz de apontar a ligação entre o autor novato e o escritor multimilionário. Uma estratégia que não é inédita ao próprio Stephen King: por anos ele publicou obras sob o pseudônimo Richard Bachman – algo que deu tão certo que revistas literárias escreveram que Bachman era o melhor nome do horror a surgir desde… Stephen King.

O primeiro livro de Joe Hill, Fantasmas do século XX (2005), foi publicado originalmente por uma editora independente e com tiragem limitada. Mas o pequeno número de cópias não foi suficiente para que a obra passasse despercebida: ganhou o prestigioso Bram Stoker Award de "melhor novidade no horror", concedido pela Horror Writers Association a escritores promissores do gênero, e foi alvo de honrarias semelhantes por parte do International Horror Guild e do British Fantasy Awards. Sem que ninguém soubesse da linhagem de Joe, o escritor começou uma trajetória ascendente na literatura fantástica – uma promessa que logo mostrou a que veio.

O primeiro romance, Heart-shaped box (2007), lançado no Brasil com o título A estrada da noite, consolidou Joe Hill na linha de frente do horror contemporâneo. A história de Judas Coyne, roqueiro cinquentão que coleciona objetos macabros e adquire um fantasma em um leilão na internet, tornou-se um best-seller, foi licenciada em mais de 20 países e teve direitos para cinema vendidos para ninguém menos que a Warner Brothers – o filme acabou parando nas etapas iniciais de produção. História semelhante ao sucesso de Stephen King, que estourou no romance de estreia, Carrie, e sinal de que Joe não precisava do sobrenome famoso para se destacar.

Foi nessa época que o pedigree literário do autor revelação se tornou de conhecimento público: após alguns anos de especulações, a verdade surgiu na imprensa. Até então, nem mesmo os editores de A estrada da noite sabiam do parentesco. Joe Hill aceitou a revelação sem maiores dramas: reconheceu a verdade em entrevistas, lamentando apenas não ter conseguido manter o segredo por mais tempo.

Depois do reconhecimento pelos livros, Joe Hill partiu para os quadrinhos. Entre 2008 e 2013, foi o roteirista da HQ Locke & Key, ilustrada por Gabriel Rodríguez e que narra a jornada da família Locke. Em sua mansão mágica, as chaves têm poderes mágicos e abrem portais para entidades perigosas. Em 2011, Joe conquistou o Eisner de melhor roteirista, uma das maiores honras do mundo dos quadrinhos. Depois de anos debatendo a possibilidade de uma trilogia para cinema, a história de Locke & Key chegou à Netflix em fevereiro deste ano.

Os livros seguintes, O pacto (2010) e NOS4A2 (2013, trocadilho simplificado em inglês para Nosferatu), agarraram o público leitor pelo pescoço. Em ambos, a imaginação do escritor une horror, fantasia e observação cotidiana: em O pacto, um jovem acusado de estuprar e matar a namorada precisa usar seus poderes paranormais (concentrados nos chifres que surgem em sua testa) para revelar a verdade, enquanto NOS4A2

Fotografia:

Lawrie Photography

Quer ler uma entrevista exclusiva com Joe Hill? Vá até bit.ly/JoeHillTAG e aproveite! reinventa as histórias de vampiros ao opor Vic, mulher capaz de viajar magicamente de bicicleta a qualquer lugar do mundo, e Charlie, que se deleita aterrorizando crianças em sua Terra natal. O primeiro desses livros (agora com o título Amaldiçoado) chegou ao cinema em 2014, com Daniel Radcliffe no papel principal; o segundo deve virar série televisiva em breve. Seu quarto romance é O mestre das chamas (2016), que alcançou o topo da lista de mais vendidos do The New York Times. A obra trata de uma pandemia global de combustão espontânea e da única figura capaz de controlar as labaredas. No ano seguinte, Hill lança seu segundo volume de contos, Tempo estranho, que reúne quatro novelas. Tudo isso sem parar de se destacar nos quadrinhos: Joe assina revistas como Wraith (2014), Basketful of heads (2019) e Dying is easy (2020). Desde o fim de 2019, passou a ser curador do selo Hill House, da editora DC Comics, voltado para histórias de horror. Carrossel sombrio e outras histórias é o livro mais recente de Joe Hill. A coletânea reúne desde histórias antigas até outras concluídas poucos meses antes da publicação. Ao todo, são treze narrativas de temáticas variadas, passeando por horror, ficção científica e fantasia – unidas, é claro, pelo estilo vibrante, direto e, por vezes, de peculiar sutileza do autor. Em dois contos, Hill e King trabalham juntos, décadas depois de Creepshow: ambos dividem a assinatura em Alta velocidade (releitura de Richard Matheson que coloca o confronto entre pai e filho em cima de motocicletas envenenadas) e Campo do medo, que virou filme homônimo e pode ser assistido na plataforma Netflix.

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