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começo algo novo, tudo o que sei é o que vou escrever no primeiro capítulo”
Em conversa com a TAG, Pablo Zorzi detalha a concepção de Colheita de ossos, avalia o consumo do gênero policial no Brasil e compartilha referências literárias e cinematográficas
JÚLIA CORRÊA, LAURA VIOLA E SOPHIA MAIA
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Como surgiu a ideia de escrever Colheita de ossos?
A cena inicial, ambientada na fazenda, foi o ponto de partida para a história?
A ideia surgiu após um desafio feito por outro escritor para que eu escrevesse uma história que se passasse no Brasil. Na época, todos os livros escritos por mim se passavam fora do país, em lugares reais ou fantasiosos. Vale ressaltar que essa opção por usar o exterior como cenário sempre foi escolha minha, pois, como costumava dizer: “Eu só me sinto bem escrevendo se eu conseguir viajar junto com a história. E não consigo viajar para lugar nenhum contando algo que se passa embaixo do meu nariz”. Apesar disso, posso dizer que escrever Colheita de ossos foi mais prazeroso do que imaginei que seria, pois pude utilizar nele linguajares, ocasiões e situações que apenas um bom brasileiro conseguiria descrever. Sobre a cena inicial ser o ponto de partida, a resposta é sim. Como sempre digo a quem me acompanha, eu não uso escaletas para criar histórias, de modo que, quando começo algo novo, tudo o que sei é o que vou escrever no primeiro capítulo. Todo o resto é mágica de escritor e, com o tempo, acaba vindo naturalmente — às vezes, nem tanto. Acredito que ser escritor seja isto: ter a capacidade de criar uma história inteira que faça sentido a partir do nada.
Entre os vários mistérios presentes em Colheita de ossos, um bem curioso remete aos tempos da Segunda Guerra Mundial, com a presença nazifascista no Brasil. Você fez muitas pesquisas para abordar esse tema? Como foi o processo de construir esse cenário mais histórico?
A pesquisa é importante para abordar qualquer tema que seja tratado em um livro, principalmente quando esse tema tem lastro histórico, como a Segunda Guerra, a fuga dos nazistas borra-botas para a América do Sul ou mesmo a não tão atual propagação de células que compactuam com esse absurdo por cidadãos brasileiros com cérebro de minhoca, que seriam jogados em câmaras de gás na época pelo simples fato de serem brasileiros. Sobre o processo de construção, não foi difícil, pois apenas uma pequena parte da história se passa nesse cenário. No entanto, tudo o que está escrito nesses pequenos trechos foi fruto de diversas pesquisas sobre o tema.
No decorrer da leitura, encontramos várias menções a outras produções de suspense policial. Pode nos contar quais são as suas principais referências do gênero? Além disso, qual é a sua avaliação sobre a produção brasileira atual, pensando também em termos de recepção do público? Acredita que há um interesse renovado por esse tipo de narrativa? Eu preciso confessar uma coisa e respeitosamente peço que não me cancelem por isso: eu leio menos do que deveria. Shame on me! Eu sou apenas um rapaz apaixonado por séries e filmes, de modo que a esmagadora maioria de minhas referências são obras desse tipo: True Detective, Se7en, O silêncio dos inocentes, Sobre meninos e lobos, Zodíaco, Ilha do medo (quatro deles, inclusive, baseados em livros que me orgulho em dizer que li) e as atuais The Sinner e Mare of Easttown. Sou otimista com respeito ao interesse do público por esse tipo de narrativa, acreditando que tudo sempre tende a melhorar. Com honestidade, acho que estamos longe do ideal, embora estejamos melhores do que ontem. Se conseguirmos produzir, editar e publicar obras de valor que alcancem o leitor e tornem o amanhã melhor do que o hoje, então estamos andando para a frente e, em breve, o ideal vai ser alcançado. E, como a pergunta diz respeito a produções policiais atuais, não posso deixar de citar quatro autores nacionais do gênero que tive o prazer de ler, conhecer e trocar experiências, que são o Gustavo Ávila, a Ilana Casoy, o Raphael Montes e o Victor Bonini. A literatura policial brasileira está em boas mãos.
A doença de Hugo é um elemento que se destaca na história. O seu objetivo era intensificar a tensão da trama a partir da inclusão desse drama vivido pelo personagem?
A princípio, a doença do Hugo tinha sido adicionada somente para intensificar o apego do leitor ao personagem, mas isso acabou se tornando quase uma “estaca moral” na história, com várias decisões sendo tomadas pelo personagem se baseando na doença. Uma curiosidade interessante é que a ideia surgiu tardiamente, quando eu já estava capítulos à frente na história. Ou seja, ela foi acrescentada depois, apenas com a intenção de intensificar o apego, e acabou se tornando peça fundamental na história.
Para criar um suspense policial, você precisa conhecer bem os mecanismos de investigação. Como você se aprofundou nessas questões para garantir verossimilhança ao seu romance? Pesquisa policial. Para conhecimento geral, eu moro em uma cidade pequena — alguns até diriam que ela é minúscula —, onde todo mundo se conhece pelo nome. Dessa forma, tenho acesso facilitado a policiais militares, investigadores, delegados, juízes, promotores, médicos, agricultores e afins. Durante a escrita do livro, perdi a conta de quantas vezes recorri a algum deles para tirar dúvidas sobre como proceder, sobre como o personagem agiria em determinada ocasião, sobre como a leucemia age no corpo, sobre quantos pés de soja crescem em um hectare de terra, sobre como é feita uma autópsia, sobre quase tudo para o que eu não tinha respostas. Os nomes de alguns deles, os que mais suportaram minhas perguntas sem me mandar “pra aquele lugar”, estão na página de agradecimentos do livro.
Há alguns pontos que não se fecham por completo no final da história, deixando margem para especulações. Como você encara essa proposta de deixar certos aspectos de modo mais sugestivo para a imaginação dos leitores? “Nunca duvide da inteligência do leitor.” Essa é uma das melhores frases que ouvi nos últimos anos. Eu concordo com ela, de modo que não sinto necessidade de explicar algumas coisas no decorrer da história e no final dela. Posso estar errado? Posso! Para mim, o excesso de explicações chateia. Por que Ted Bundy matava mulheres? Ah, porque ele tinha ódio ao sexo feminino por causa de sua mãe, de modo que escolhia apenas meninas que possuíssem semelhança física com ela. Chato demais. Matava porque tinha um parafuso a menos. Simples assim.
Adoraríamos saber um pouco mais de seu processo criativo. De um modo geral, como é a sua rotina de escrita?
Não tenho rotina e deveria ser coroado como o Rei da Procrastinação. Eu demoro para escrever e, somado a isso, tenho outras atividades que me tomam mais tempo do que eu gostaria. Enquanto alguns autores escrevem um livro em quinze dias, eu preciso de dois anos pelo simples fato de que sempre deixo para depois. Quem nunca? Costumo dizer que escrevo quando quero e, quando não quero, não escrevo. E admito que não quero escrever a maioria do tempo. Isso pode soar estranho, mas, para mim, funciona. Minha agente (beijo, Alba) pega no meu pé aqui, cobra um prazo ali, e assim a locomotiva segue. Vou melhorar, prometo. Colheita de ossos está aí e, logo mais, tem novidade. Já estou melhorando.
Crédito: Acervo pessoal