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QUEM É PABLO ZORZI?
O autor nasceu em 1987, em Chapecó, Santa Catarina, onde vive ainda hoje. Publicado em 2019, seu primeiro romance — uma ficção científica intitulada WOW! O primeiro contato — esteve entre os mais vendidos do estande do Grupo Editorial Record na 19ª Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Antes disso, em 2017, já havia participado do projeto Fim de Semana do Terror, com a produção de um conto para publicação ao lado de Raphael Montes e Ilana Casoy. No ano passado, lançou seu primeiro suspense policial, O homem de palha, publicado pela Astral Cultural. É membro da Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror (ABERST).
O primeiro livro que leu: Tenho quase certeza de que foi algum da coleção Salve-se Quem Puder, provavelmente A maldição do ídolo perdido, de Gaby Waters e Graham Round.
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O livro que está lendo: A incrível viagem de Shackleton, de Alfred Lansing.
O livro que mudou a sua vida: Sapiens – uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari.
O livro que gostaria de ter escrito: Sobre meninos e lobos, de Dennis Lehane.
O último livro que o fez rir: A incrível viagem de Shackleton.
O último livro que o fez chorar: O homem de palha (livro de autoria do próprio Zorzi).
O livro que não conseguiu terminar: A paciente silenciosa, de Alex Michaelides.
O nazismo e o Brasil na Segunda Guerra
Uma curiosa subtrama de Colheita de ossos revela a presença da ideologia nazista na América Latina; a seguir, descubra mais detalhes sobre o tema
Oromance Colheita de ossos, do escritor Pablo Zorzi, possui uma curiosa subtrama. Enquanto, na trama principal, Hugo e Álvaro esforçam-se para decifrar um crime, uma das pistas do caso leva a outra história. O policial recebe em casa um embrulho de papel pardo que guarda um misterioso diário. Ao perceber que está escrito em alemão, recorre a Lívia, médica do IML (Instituto Médico Legal) e parceira de investigação fluente na língua. Ele descobre que a frase da capa, Die Natur ist grausam, significa “a natureza é cruel” — uma frase de Mein Kampf, ou Minha luta, livro escrito por Adolf Hitler que contém os elementos de sua teoria racista e antissemita.
O diário narra a vinda de um oficial nazista para o Brasil em 1945, fugindo da Alemanha com a família diante da iminente derrota. O nazista refugiou-se em Santa Catarina, para onde levou consigo uma prisioneira polonesa e judia, Helena. Um ano depois, ela conseguiu se libertar ao ser ajudada por um imigrante húngaro, autor do diário. Ele acabou descobrindo que o oficial fora ajudado a sair da Alemanha por uma célula do Partido Nazista na América do Sul.
“Depois disso, não pude deixar de pensar que essa mesma célula foi responsável pela chegada do médico nazista Josef Mengele no Brasil, em 1949”, escreveu no diário.
Muitas vezes, a ficção é inspirada na realidade. De fato, Mengele viveu no Brasil. O médico que enviou milhares de judeus para câmaras de gás e fez experimentos cruéis em bebês viveu protegido no Brasil por 17 anos. Além disso, em função da imigração alemã, especialmente ao Sul do Brasil no século XIX e começo do XX, a associação com a presença do nazismo no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul é inevitável. É fundamental, porém, ressaltar que os alemães imigrantes e seus descendentes não eram, necessariamente, nazistas.
Segunda Guerra Mundial
A pesquisadora Ana Maria Dietrich, na sua tese de doutorado Nazismo tropical? O partido nazista no Brasil, defendida na USP (Universidade de São Paulo), aponta que o Brasil tinha a maior célula do partido nazista fora da Alemanha, com 2.900 filiados. Porém, ao contrário do que se possa esperar dos estados sulistas, o maior número de integrantes estava em São Paulo, com 785 membros. Depois, apareciam Santa Catarina (528), Rio de Janeiro (447), Rio Grande do Sul (439) e Paraná (185).
Crédito:
O Brasil assumiu seu lado na Segunda Guerra Mundial em 1942, decidindo se opor ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e apoiar os Aliados (entre eles Estados Unidos e União Soviética). Na ocasião, em uma reunião com todos os países americanos, apenas Chile e Argentina optaram por não romper relações com o Eixo.
A proximidade do Brasil com a Argentina gerou o temor de uma possível invasão nazista no Brasil caso a Alemanha vencesse a guerra. É importante ressaltar que, na época, as autoridades precisavam cogitar todos os cenários — os riscos não eram infundados.
“Quando o Brasil toma partido contra a Alemanha, abre espaço para que seus inimigos e os aliados dos seus inimigos reajam. Assim, há uma ameaça real”, explica à TAG Micael Alvino da Silva, professor de História das Relações Internacionais na UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana).
O professor ressalta, todavia, que essa ameaça real não tinha a forma do alemão ou descendente, muitas vezes pobre, do meio rural. O perigo eram os espiões, que poderiam entrar mais facilmente pelas fronteiras com a Argentina, que perpassa todos os estados do Sul.
“Houve casos de espiões descobertos, por exemplo, fotografando o movimento de navios no Porto de Santos para dizer quais navios de guerra circulavam por aqui e na base de navios norte-americanos no Nordeste. Era o tipo de informação que poderia dar um ganho de preparo aos nazistas contra uma investida dos Aliados, gerando um perigo real de perda do elemento-surpresa, tão importante nas operações”, explica Silva, autor do livro A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira: a vigilância aos “súditos do Eixo” alemães e italianos (EDUNILA, 2021).
Integralismo
No Brasil, além do partido nazista, existia o movimento integralista, também de cunho fascista e inspirado em Benito Mussolini, líder fascista da Itália na Segunda Guerra. Não raramente, os simpáticos ao nazismo também eram integralistas. Na sua tese, a pesquisadora Ana Maria Dietrich chama o integralismo de “fascismo à brasileira”. A Ação Integralista Brasileira tinha como lema “Deus, pátria e família”, o mesmo adotado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (2019–2022).
Materiais da Ação Integralista Brasileira. Crédito: Arquivo público do Rio de Janeiro.
Dietrich escreve que “o anauê que muitos teuto-brasileiros declamavam nas ruas de Blumenau, Harmonia e Rio do Sul, em Santa Catarina,” é entendido por ela como uma reação “tropical” ao nazismo original, “que não admitia os miscigenados em suas fileiras”.
O escritor catarinense Marcelo Labes é autor de um romance que trata da temática, Deus não dirige o destino dos povos (2023). Assim como em Colheita de ossos, um diário chega às mãos do protagonista do livro de Labes, que acaba revelando a história fascista e integralista no Vale do Itajaí no período da guerra.
O lado pobre da imigração alemã em Santa Catarina é um tema que inquieta Labes e já foi abordado em seus outros livros. Nesse romance, ele reflete sobre o quanto essas pessoas poderiam estar cientes da gravidade do nazismo. “Quem tinha ideia dessas coisas todas era sobretudo quem tinha grana para manter contato com a Alemanha, acesso aos periódicos etc. Então, a gente pode pensar mais no industrial do que naquele pequeno produtor de batata, que estava mais preocupado com a subsistência do que com a hegemonia branca no planeta”, provoca Labes.
Ainda assim, quando o assunto é o neonazismo — movimento contemporâneo que resgata o nazismo —, Santa Catarina acaba aparecendo no noticiário com fatos que variam desde uma governadora cujo pai era simpático ao nazismo até o professor que tinha uma suástica desenhada no fundo da piscina. Em Colheita de ossos, o protagonista, Hugo, passa em frente a uma livraria e pensa em Mein Kampf, referenciado no diário encontrado. “Sentiu-se trouxa por pensar que o encontraria ali. Quem iria querer comprar? Embora soubesse que o Sul do Brasil era o lugar com a maior concentração de neonazistas do país, não imaginava que eles fossem estúpidos o bastante para comprar a bíblia do nazismo numa livraria”, conta o narrador.
Como bom policial, Hugo certamente sabia: no Brasil, apologia ao nazismo pode ter pena de até cinco anos de prisão.