Caderno 1 Carla Diacov e Paulo Barros (Bp)
Título: Encontro no Escuro - antologia de sonhos Ano: 2015 Editora: ISSUU plataforma de leitura e edição independente Local: Brasil Idioma:Português Número de Páginas: 25 Literatura Brasileira: poemas Autores: Tânia Amares Bueno (organizadora) Poetas participantes: AdmilsonSilva Adriana Anelli Costa Lagrasta Adrienne Myrtes Antonio Claudio Zamagna Bianca Velloso Carla Diacov Carmen Silvia Presotto Carvalho Junior Denise Lyrio Pacheco Diovani Mendonça Eder Asa Homem Arara Inês Monguillot Inês Santos Josmar Divino Ferreira Luciano Lopes MarceloNovaes Marcia Barbieri Marcílio Godoi Maria Marta Nardi de Godoy Milla Carol Mirza Sanches Nadja Abreu Neuza Ladeira Quimera Araucária Paulo Bp Paulo Paterniani Lourença Lou Paulo Paterniani Leila Silveira Lourença Lou
Agradecimentos: A esses amigos maravilhosos que embarcaram comigo nessa viagem em busca de um pouco de poesia e de aventura. Em meio a tantos acontecimentos do final de um ano (2014) um grupo de poetas parou comigo para sonhar. Vivendo crises econômicas, guerras civis, protestos, confrontos, sequestros de alunas adolescentes na Nigéria, naufrágios, canonizações, eleições, abdicações, copa do mundo, prêmio nobel pela luta contra exploração infantil (a paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Stayarthi ), reeleição da Presidente Dilma e as acirradas disputas partidárias, o pouso de um robô sobre um cometa, onda de calor no Paquistão, seca no Brasil, epidemia de Ebola na África, protestos contra crimes raciais, um grupo de pessoas ainda sonha. Imersos nas lutas cotidianas e particulares de cada mãe ou pai, jovem ou idoso, homem ou mulher, de cada pessoa mergulhada em sua sexualidade, seus amores e desamores, seu corpo e alma, perdas e conquistas, mortes, nascimentos, esperas e desesperos, em meio à vida há sonho. Sonhos sonhados por escrito, sonhos para conquistar amigos. Obrigada aos que participaram e também aos que agora podem nos ler através desses sonhos. Aos que iniciam a conjugação de um novo verbo" ressonhar". acompanhar nossas aventuras. O humano insiste no amor à vida, apesar da morte. A escrita insiste em marcar o tempo, apesar da destruição da História.
tania amar
Dezembro de 2014. Lanço na rede entre os amigos do Facebook uma proposta: Quem quer participar de um amigo secreto online? Minha mãe internada na UTI, eu me afundando numa crise depressiva, afastada do trabalho tentando entender a vida, a morte, o amor e as lutas de tantos egos em tantos corpos fortes e fracos. Inicialmente uma ampla adesão. Muitos queros precipitados chegaram sonoros e foram motivo de uma contagiante alegria. No entanto, um amigo secreto online não seria tão fácil. Era preciso manter o segredo. Ninguém poderia saber com quem falava e a proposta era falar, escrever, fazer poemas. Bem, como toda fantasia e toda movimento para a ação que surge, há antes o impulso. Os meus acontecem bem dissociados de qualquer racionalização. Viveria eu num conto de fadas? Digamos que não exatamente, bruxas e dragões talvez. Enfim, lançada a idéia era preciso operacionalizar. Como criar o escuro, o lugar onde ninguém veria o rosto ou a foto de ninguém ? Como inventar uma terra de avatares desconhecidos ? Era preciso um mediador. Só uma pessoa saberia as verdadeiras identidades e seria responsável por reencaminhar as mensagens a seus destinatários sem revelar nada, sem quebrar a magia que faz do sonho um lugar de surpresas. O mediador seria o responsável pela sustentação do desejo de sonhar. Bem, inventora do brinquedo, dei-me a regalia de tentar fazer a mediação. Eu tinha tempo para isso. Receberia cada mensagem e a reencaminharia a partir do meu avatar de pomba-correio. Uma pomba absolutamente ciente de sua função de mensageira. Era preciso formar pares para as trocas de mensagens. Tentei numerar as pessoas e fazer um sorteio para que cada um tivesse um parceiro(a) aleatório. Não deu certo. As pessoas começaram a desistir e a se defrontar com o medo do desconhecido. Precisava também criar as regras do jogo. Seria um jogo poético e pensei na possibilidade de cada jogador vivenciar ao mesmo tempo o papel de musa e de poeta. Cada jogador teria dois parceiros e viveria dois papéis simultaneamente, cada um seria musa e poeta. A proposta complicou-se um pouco mais com o surgimento das regras. A compreensão no mundo virtual ganha uma quantidade extra de ruídos, além dos que são comuns a qualquer comunicação. A leitura ganha diversos ambientes, casas barulhentas, interrupções mil, atenção dispersa, focos divididos, comprometimento difuso. Entre isso tudo, consegui estabelecer que o jogo teria que ser assim: 1- Cada participante teria dois pares: um poeta e uma musa 2- Cada participante escreveria com um pseudônimo para seu poeta e com outro para sua musa 3- Todos os participantes receberiam suas mensagens em suas caixas de correio normais do facebook. 4- Todas as mensagens deveriam ser encaminhas para mim para que eu, como pomba-correio, as redirecionasse. 5- Todos os participantes deveriam enviar diariamente duas mensagens, uma para o poeta e outra para a musa. 6- As mensagens poderiam ser poemas, cartas, músicas, imagens desde que não se revelasse a identidade de quem as enviava. 7- Os participantes deveriam tentar descobrir durante o jogo quem eram seus pares através do estilo, das escolhas ou de alguma característica peculiar das mensagens recebidas. 8- Em dia marcado para o final de dezembro, antes do natal, os jogadores ficariam sabendo com quem haviam se correspondido durante o tempo do jogo. 9- Pensamos um encontro para os que pudessem se deslocar ou algo parecido no campo virtual, uma vídeo conferência festiva. 10- As trocas de mensagens formariam um conteúdo poético a ser publicado em forma de livro. Começamos então a brincadeira. Sorteados os números e iniciadas as trocas, pessoas desistiram e eu me vi responsável pela continuidade do que eu achava que era um presente de natal. Eu precisava manter as pessoas brincando. Comecei a refazer os pares e a convidar mais pessoas e algumas mensagens começavam com um parceiro e depois trocavam de endereço. Além das desistências, as mensagens não chegavam na mesma velocidade. Alguns escreviam bastante, outros escreviam muito pouco. Meu dia a dia virou uma operação de emergência. Precisava encontrar um par que correspondesse de forma agradável com o seu par desconhecido que alimentava expectativas. Avisei aos participantes o que estava contecendo e pedi um pouco de paicência até que os pares se estabilizassem. Toda essa confusão inicial desestimulou mais ainda os que já haviam se deparado com o medo de brincar no escuro. No entanto, muitos permaneceram e cultivaram seus sonhos e brincaram. E como é gostosa uma brincadeira saudável num clima de suspense! Afinal, a vida é assim, inesperada, frustrante, contagiante e recompensadora. Tudo ao mesmo tempo. Pensei em preparar algo como um estudo sobre o Encontro como um aprofundamento na psicologia dos desejos, na fantasia na imaginação versus seu inimigo fatal: a realidade. Estamos no meio do ano de 2015 e isso não aconteceu. Minha idéia era reunir os participantes para uma conversa, trocar idéias sobre a publicação, ouvir e dizer impressões sobre o jogo e o jogar. Comecei imaginando a possibilidade a partir do carnaval, pensando em festas para reunir, divertir e, por que não? Conversar. Eu pensava em tornar reais os laços do mundo virtual. Não consegui no carnaval, tampouco em outra tentativa de um Sarau do Abraço em minha casa. A realidade é mesmo vilã. Os lugares são longe, as possibilidades são poucas e as complicações, minhas e de todos, estão sempre presentes e falam alto. Falam alto as dores momentâneas, as paixões, as razões e os pensamentos. Falam alto as preocupações. Os encontros são mais rápidos do que deveriam ser, mas barulhentos do que um foco pediria que fosse, menos programáveis do que um ideal gostaria que fosse. São encontros humanos e cheios maravilhosamente cheios de símbolos. E eu ainda não sei tanto assim e sambo, sambo bonitinho no meio das pessoas e de seus maravilhosos símbolos voadores. E como diz nossa companheira de sonhos Carla Diacov, "amanhã alguém morre no samba". Não consegui muitas e muitas coisas. Não aprofundei a temática do Encontro, do Real e da Fantasia. Não me esforcei para resgatar o jogo com os participantes, não sustentei meu próprio sonho. Mas sonhei, ah sonhei sim. E antes que eu perca todas as informações do nosso jogo, que eu perca todas as mensagens dos brincantes e as possibilidades de novas brincadeiras e melhores organizações, decidi publicar, ainda que em ebbok e numa plataforma de leitura apenas, nossos sonhos, nossas palavras, nossa tentativa de superar o mau humor que o Real banca em cima da Fantasia. Não sou muito boa em revisões, e aviso que segue a publicação virtual com erros que podem ser corrigidos e tudo pode ser refeito e aprimorado assim que for possível. Ou não. A seguir, os pares e suas mensagens trocadas totalmente no escuro. Sem que um soubesse quem era o outro. Tudo aconteceu no último mes do ano, antes do natal.
Poeta: Carla Diacov (pseudônimo: Lejan)
Musa Paulo Bp (pseudônimo:Lancilua)
Lejan escreve: não abria a janela porque o medo não abria a boca o armário tudo era janela e medo abrir a vagem porque o feijão também o medo a geladeira e o forno e a esta hora em algum lugar em Massachusetts alguém estará correndo um enorme perigo ao abrir os olhos porque o mundo e porque o mundo imensa janela para um mundo campo de janelas com feijões dentro pavoroso, pavoroso Lancilua responde: Tua voz teu vulto asombram-me as noite em claro sonhando minhas mãos se assentam em meus vales aquosos como a musa do castelo imaginário fico em sobressalto a espera do teu sinal que me vem assim num libelo de beleza e vapor tantos rostos sem face hace falta um sopro um calor uma dor que fosse que me desse um mundo sem ter que ir por caminhos soltos sem ter que pular o fosso do desconhecido abismo dentro que é como coentro no centro.... esse sabor infindo Lejan terá ombros inacabados a esperar do meu queixo, das minhas queixas e o certo é que terá quinas brutas órgãos por fazer ombros inacabados (soturno virá se incorporando virá livre de recompensas) Lancilua rasgar a flor, mostrar a dor, estraçalhar o rancor, tirar a cor de tanto esfregar teu sexo, mostrar o amor, não ser condutora, me deixar levar nesse torpor
Lejan ao meio eu me perdia leitoa absurda meia capa de meio porco absurdo me perdia um bicho absurdo uma luva absurda lenta ao meio da mesa ao lado do cutelo
Lancilua Me diz onde, por onde entras Por onde me invades É claro no me tiras da cama inerte Liberte meu eu do desejo de sangue traga bons ventos areja meu odor de mangue Lejan insulta a cadeira vazia ver-te, ter-te tomado do café os suspiros no tempo da água, quando quente. hoje parece Domingo, diria um louco insultando ao dia pretendido. senta-te já e te conto dos grãos mais graúdos. senta-te na pedra. não na cadeira. na cadeira, não. Lancilua Nos dias assim de manhãs de sóis deixa-me em meias saias a sós e sonho a tua rígida presença que não me entra completo-me de mim mesma minhas mãos frenéticas, com a falta das tuas executam-me e desmaio a tua espera.. Lejan de indecência e de feiura é que eu sou esta outra passo minha outra mão no cabelo desigual porque deixo passar-se o ar entre minhas outras pernas bambas porque ninguém substitui convém porque sou paisagem nova mas de memória irretocável com urubus entre os dentes da frente Lancilua Desço as pernas torneadas à rua escura as mulheres o sabem, escureceu não se está segura mas a vertigem, tontura dos boys sarados a desfilar seus músculos torneados não me retenho atenho-me a visão doce do prazer vou, arrisco quero todos os petiscos"
Lejan já pela metade estou estendida nem meia música e sou o bafo do trompetista sou pertencente é não tenho rosto sou meias pernas e estúpida amante sou quase meio osso na boca do que for brutal sou pertencida e com alguma sorte estou a cair do que me prende do que me resta torço para ser líquida com sorte rezo rezo para ser aquela pequena fatalidade no fim do espelho do fim da música no corredor atrás do palco no fim da fatalidade que falo
Lancilua Anseio por uma corda que me balance como assim fosse um solo de uma fender de Jimy lancinante como o hino americano em Woodstock ao amanhecer com camisinhas esquecidas sobre a grama enlameada de amores feitos num sonho impossível (humanos) Lejan Um corpo em órbita circular Ou um cometa em linha reta à órbita da minha testa Herdará o elo da Vida e a realidade do mundo Dividindo meu suspense renunciarei à pretensão de ser única Estreitamente rústica. Eu. Tentando trazer teu gesto seus próprios pensamentos uma multidão de obrigações limítrofe autoridade em acordo com a gravidade foi quando eu comecei a ter visões do espaço. Desde que comecei a cair do planeta azul. Lancilua A lua inunda minha cama me alça à janela me põe nua à rua escura * A lua me diz sou tua mas fria nao me aquece o corpo nao conhece Liria nao me aponta o Porto * Deixa-me assim a a torto nem direito me diz quem sou se vou ou se apenas estou a sonhar que sou branca e sua ahhh a lua..
Lejan Carregava atônita meu gesto de gostos nossos... Porque dizia coisas que nem sei. Boca que berra beirando o nó do ridículo. Já fui uma mulher. Uma louca. Um relógio de parede parado em manutenção ao suspiro eterno duma morte. Fui a fêmea do cuco e poderia abrir os olhos do tempo mas não pude o temor gravado na vida em manutenção passou mas não apaga o drama do tempo que não fui Hora de dormir Trabalhar Pernas que me percorram apaixonadas cismas o concreto armado e o amado mas nunca esqueci do rudimentar do cheiro do sono dos corpos e dos corpos celestes da tua vinda na minha manutenção noturna. LanciLua A multidão massacra-me os sentidos Como planetas enormes Giram voltas em mim Giram e tiram-me o ar Sufocam-me Tampam-me lábios, braços, meu corpo todo amarrado Por fios germânicos Assépticos Que aos poucos penetram-me a carne macia Até desaparecem envoltos domesticados tal como coroa de espinhos em volta do coração-pedra carregado de rubis 21 ao todo Funcionando como um relógio frio repetido teu sexo nao tem cor teu beijo arde talvez dor ao fim ao termino desse ínfimo micro tempo não sinto, não temos nada talvez só temor de não mais ser um móvel antigo na sala sem tempo Lejan não tem nome a experiência da minha amiga ainda não é um inferno de linda molha a barra dos meus vestidinhos a barra da minha língua ainda não tem nome ainda assim ela se chama experimenta-se o tempo todo deverá lascar o dedinho no que digo a minha amiga é um inferno de linda
Lancilua Sou de lua De tempos em tempos escondo-me... Atrás das nuvens Alguém me vê Do outro lado Nua Inteira Faceira Sorrio então pra esse... Outras vezes minguo Mas no crescente Permito Alguém cantar pungente Uma esperança Por amor de uma moça Que como eu pode ser tua Toda Lua
Lejan pesava o tigre albino de prata amansava o bicho escovava a pelagem subia a escada para polir os dentes do bicho morria por segundos quando dos bigodes descia em rastros abstratos morta por segundos em rastros metálicos uma porção abstrata um tanto azul pesando nada fica cativa da doçura (meia lágrima de vaca tendendo a refinada taça) o refinamento o refinamento (fica nua e cava meia lua e cabaz sobe o teu rosto corrompe tua testa) fica cativa a doçura o refinamento que dura a formosura e a joça fica cativo o que dói Lancilua Cativas a própria verve que pouco te serve não vês amor só plantas a dor Ao semear essa tamanha flor em rimas desfeitas em rasgos de desejo e torpor para que amor?
A troca de mensagens-poemas entre Lejan (Carla Diacov) e Lancilua (Paulo Bp) era intensa, quase frenética. A ponto de fazer com eu me sentisse cada vez mais sem fôlego para dar conta, mais perdida entre tanta beleza vertida em palavras nas encruzilhadas. Quase me afoguei e me entreguei como oferenda ao santo entre as esquinas. Achei que tinha perdido as mensagens, confundido a ordem e, atônita, mergulhei na minha desordem. Não é uma operação simples mediar Carla e Paulo fazendo poemas no escuro. Não, uma mera pomba não consegue dar conta.