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1 euro || Dezembro de 2009 || Ano 1 || Número 1 || www.actual.pt || Director: Tatiana Henriques

Islândia convoca referendo sobre reembolso a Holanda e Reino Unido. O Presidente vetou a proposta de lei devido à oposição do povo islandês || PÁG. 5

Descobertas do Guilherme Estrella elevaram o Brasil a uma referência na p ro d u ç ã o p e t ro l í f e r a mundial. A mesma tecnologia será aplicada em Portugal. || PÁG. 4

Entrevista aos gémeos Filipe Pinto e Pedro Oliveira Pinto: “Similar é eufemismo” || PÁG. 8

Autismo: apenas mais uma maneira de ser normal O autismo pode complicar uma vida, mas não a torna impossível. Comprovar esta premissa é o objectivo do projecto "Caminhando contra a (in)diferença". Conheça melhor esta perturbação.

|| PÁGS. 2-3

Street Self Defense: surge uma nova modalidade do Porto. O objectivo é ensinar técnicas para que se saiba defender num confronto de rua. || PÁG. 7

O compositor austríaco Mahler é o grande homenageado da programação da Casa da Música para 2010. A participação da Vienna Art Orchestra e a estreia da violinista Midori são alguns dos destaques. || PÁG. 14

Presidente do Sindicato dos Jornalistas considera que a concentração actual condiciona a actividade jornalística. Para Maia, há “'um pendor excessivo do lucro” por parte dos grupos económicos. || PÁG. 11


1 DESTAQUE Autismo: apenas mais uma maneira de ser normal

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com

Viver com autismo significa conviver com condicionantes cognitivas e emocionais. Contudo, tal condição não implica a separação nas vivências e nos afectos. Desenvolver competências que possibilitem a abertura à sociedade, com todas as dificuldades e impedimentos, mas sobretudo a procura da aceitação e um tratamento não diferenciado socialmente: estes são os baluartes de um projecto diferente que tentou mudar o modo como a sociedade vê o autismo. No decorrer de um habitual conselho de turma surgiu a ideia de envolvimento com o autismo e a procura de novas soluções para interagir com jovens autistas. O desafio foi aceite por duas professoras que agarraram o projecto de corpo e alma. Assim, no âmbito da disciplina de Área de Projecto, o Externato Pedro Nunes (em Vila Nova de Gaia) estabeleceu um protocolo com a APPDA Norte (Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo).

Trabalho conjunto entre autistas e alunos do Externato 2

- 7 Janeiro 2010

O projecto consistiu na transformação de um dos contos do livro “Contos Soltos”, escrito por André Vilaça, num texto dramático para ser representado por todos em Maio. De Janeiro a Maio de 2009 os alunos da APPDA mantiveram contacto com os alunos de 12º ano de Área de Projecto, no Externato. Participaram em diversas actividades, como pintar, colar, recortar e principalmente conversar. O objectivo era sobretudo “sensibilizar a sociedade sobre o autismo e trabalhar a interacção, sem ser de uma forma preconceituosa”, salienta Lígia Santos, professora do Externato e responsável pela disciplina de Área de Projecto. O resultado prático do processo em Maio foi de extrema importância para o grupo, pois os participantes ficaram orgulhosos de si próprios, o que aumentou a sua motivação para novos desafios. Lígia Santos exalta tal momento, descrevendo-o como “algo de indescritível, porque ultrapassou tudo aquilo que qualquer um de nós pensava ser capaz de fazer”. Natália Correia é professora do Externato Pedro Nunes e colaboradora na área da Educação Física da APPDA. Esta “dupla-personalidade” como a própria assume, tornou-a no elo de ligação entre as duas instituições. A professora percebeu desde cedo o SUSANA ALMEIDA

potencial do projecto, já que “uma parceria entre as duas instituições traria benefícios óbvios para todos os intervenientes”. Natália realça a importância do projecto para os seus alunos no Externato: “penso que este projecto os fez crescer como pessoas, passaram a perceber que ser “normal” é só mais uma maneira de ser, entre tantas outras”.

O Autismo visto por dentro

Inês Freitas é terapeuta da fala e trabalha directamente com crianças autistas, o que considera como uma actividade de “grande emoção e expectativa constante, já que ainda há muito o que descobrir sobre o autismo, o que torna o nosso trabalho ainda mais fascinante”. Tal implica “muita dedicação e calma, respeito e muita força de vontade, não apenas por parte dos terapeutas e, claro está, das próprias crianças”. Fernanda (nome fictício), mãe de uma dessas crianças aponta os problemas que constatava antes do contacto com a terapeuta: “O meu filho não me olhava nos olhos, chorava quando lhe pegávamos ao colo, não respondia quando o chamávamos e não dizia uma única palavra. Ele foi para a terapia com cerca de um ano e meio”. Agora com seis anos, as diferenças são evidentes: “o seu desenvolvimento está a ser notório e nós como pais estamos muito satisfeitos com a sua evolução”. Por outro lado, Marta Colim, auxiliar de acção directa da APPDANorte é quem acompanha os jovens (sobretudo durante o período nocturno) que estão institucionalizados e realça a existência de um carácter especial de quem tem autismo porque “não são doentes fáceis, não gostam que se quebrem as rotinas. Facilmente tornamse obsessivos com algumas das actividades que realizamos”. Inês Freitas concorda com esta especificidade, já que “cada caso é um

O que é o Autismo? O Autismo é uma perturbação do desenvolvimento global da criança, caracterizada pela presença simultânea de uma tríade de perturbações (tríade de Wing). “É uma condição ou estado de alguém que apresenta alheamento da realidade exterior e que se concentra nele próprio”, como explica Inês Freitas. Revela-se nas dificuldades na interacção social e a nível da comunicação, dificuldade no jogo simbólico (em brincar, jogar ou imaginar) e na aprendizagem. “Alguns são muito afectivos, embora alguns evitam o toque, o que acaba por ser o mais comum”, explica Marta Colim. Podem apresentar estereotipias (movimentos repetitivos) e doenças relacionadas como a epilepsia, a esquizofrenia, a hiperactividade e o síndrome de Asperger (distingue-se do autismo clássico por não influenciar negativamente no desenvolvimento cognitivo ou da linguagem do indivíduo, verificando-se essencialmente um défice na capacidade comunicação) – este é o caso do de André Vilaça. O Autismo manifesta-se precocemente e é mais frequente no sexo masculino. Aliás, a relação homem mulher é de 4 para 1. Na maioria dos casos é possível estabelecer um diagnóstico entre os 18 e os 36 meses. A doença passa por diferentes graus: o completamente autónomo em que as perturbações não são tão fortes, o moderado e o profundo que requer cuidados especiais e muito específicos. A origem do autismo ainda está por esclarecer mas admite-se que o Defeito Básico seja provocado por uma disfunção cerebral, seja ele definido a nível neurosifisiológico, neuro-patológico ou psicológico.


DESTAQUE

caso e para cada criança, uma história de vida diferente”, por isso põe em prática um plano terapêutico muito direccionado, pensado para cada criança individualmente. Contudo, nem sempre é fácil estabelecer comunicação com as crianças autistas. Conseguir, de facto, fazê-lo, é para a terapeuta da fala uma grande conquista pela qual vale a pena l u t a r. N ã o o b s t a n t e , a imprevisibilidade nas suas atitudes pode levar a situações de exigente controlo. Marta Colim conta que apesar de estes jovens serem muito medicados, as crises são frequentes e, por vezes, muito surpreendentes, “já fui agredida por alguns deles durante estas crises”. A responsável justifica os actos mais violentos devido às fortes dores que sentem, mas que, devido ao seu défice de comunicação não conseguem transmitir, reflectindo “um sofrimento retraído e que eles não conseguem explicar devidamente”. Por outro lado, a agressão nem sempre é externa, resultando em auto-agressões que por vezes chegam a provocar a cegueira, já que ferem os olhos constantemente. Pais e técnicos sentem-se impotentes perante esta situação. “Esta é talvez uma das maiores dificuldades no meu trabalho diário, porque não sei como ajudá-los. É frustrante”, lamenta a auxiliar.

SUSANA ALMEIDA

Representação em palco da peça

A evolução no autismo é feita sem ânsia de resultados imediatos, pois não vale a pena exigir a estas crianças o que nem sempre podem dar. Inês Freitas valoriza esta gradação no desenvolvimento, mesmo que seja sentida em pequenos momentos de contacto, “qualquer evolução é significativa e irá ajudá-las a integrarem-se na sociedade”. A importância de uma aposta no desenvolvimento logo nos primeiros anos de vida é essencial para que os resultados sejam mais visíveis e permanentes. Tal implica um auxílio dos técnicos de saúde e de educação em geral de modo a que “mais potencialidades sejam dadas à criança

para que esta se possa desenvolver da melhor maneira possível e envolverse na sociedade”, ressalta Inês Freitas. Mas a pouca capacidade para comunicar e o atraso no desenvolvimento cognitivo não significam necessariamente a completa apatia destes jovens perante a sociedade e o processo de aprendizagem. Marta Colim conclui que estas crianças “são muito inteligentes. Ensinam-nos coisas só com o olhar ou sorriso, pedem beijos. Ninguém pense que um autista é burro, pelo contrário”. A responsável não esquece também a discriminação que por vezes observa

em relação aos jovens autistas que acompanha, já que “durante as saídas que fazemos as pessoas olham muito para eles e também para nós. Olham com desagrado e isso irritame profundamente”. Minimizar esta sensação de diferença na sociedade era também um dos objectivos que este projecto contemplava. E segundo Lígia Santos, tais objectivos não podiam ter tido resultados mais favoráveis: “Sem presunção, penso que, mesmo pelas opiniões auscultadas no fim, os anseios i n i c i a i s f o r a m l a rg a m e n t e preenchidos, levando-me ao espanto. Nenhum dos envolvidos continuou a mesma pessoa”.

APPDA-Norte A APPDA-Norte nasceu da necessidade de um grupo de pais de autistas em criar uma associação que apoiasse os seus filhos, contribuindo para o seu desenvolvimento, já que estes jovens não conseguem integrar-se no sistema regular de ensino. A instituição comemora em 2009 o seu 25º aniversário. Esta associação oferece vários serviços como o Centro de Estudos de Apoio à Criança e à Família (CEACF); o Grupo de Autonomia e Socialização em Contexto (GASC) e o Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) que desenvolve diversas actividades. Entre as quais destacam-se as cozinhas pedagógicas, terapia ocupacional, idas ao cinema, desporto em espaço próprio e em parceria com a FCEDF (Faculdade de Ciências de Desporto e de Educação Física do Porto). Além destas ofertas, existe ainda o Lar Residência que tem capacidade para vinte utentes, onde estão os jovens institucionalizados. Marta Colim considera que estes “estão integrados nas residências, apesar de ter sido difícil para alguns a adaptação, já que eles não gostam que se quebrem rotinas”. Inês Freitas atribui importância a esta associação pois “contribui de forma significativa para as crianças e familiares de crianças com perturbações do desenvolvimento do espectro autista; são um apoio fundamental”. Fernanda refere que a APPDA encaminhou o seu filho para as terapias e agora convocam os pais para palestras e reuniões sobre alguns dos temas que os preocupam. Contudo, não deixa de salientar as necessidades no investimento de mais técnicos, “pois as listas de espera para as terapias são muito longas e há muitas crianças que ficam sem apoios”. - 7 Janeiro 2010

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2 NACIONAL Universidade do Porto atribui doutoramento Honoris Causa a Guilherme Estrella Serralves apresenta conferências s o b re I n d ú s t r i a s C r i a t i v a s

Reitor da Universidade do Porto e Guilherme Estrella

LUÍSA MARINHO

Serralves será o palco das conferências

TATIANA HENRIQUES

TATIANA HENRIQUES

tatehenriques@gmail.com As descobertas do geólogo brasileiro elevaram o Brasil a uma referência na produção petrolífera mundial. A mesma tecnologia será agora aplicada em Portugal. Foi pelo seu profissionalismo e "indiscutível mérito e competência" que Guilherme de Oliveira Estrella, director de exploração e produção da petrolífera brasileira Petrobras desde 2003, recebeu, esta sexta-feira, o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto. As palavras são de Manuel Ferreira de Oliveira, presidente executivo da Galp Energia, que proferiu o elogio ao 75.º Doutor Honoris Causa pela UP. O administrador referiu ainda a persistência do geólogo que, "incentivado pelo insucesso", nunca deixou de aplicar a sua “garra, competência técnica e ambição" nos projectos em que participava. Guilherme Estrella sempre acreditou que o Brasil tinha potencialidade para atingir a autosuficiência energética, o que acabou por se tornar realidade em Abril de 2006 com a entrada em produção da plataforma P-50 na Bacia de Campos (180 mil barris diários). Nesse mesmo ano, dá-se a descoberta do Pré-Sal, que revela "as maiores acumulações de petróleo encontradas no mundo".

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PETER FLICK/FLICKR

tatehenriques@gmail.com

Descobrir petróleo em Portugal A petrolífera portuguesa tem um consórcio empresarial com a Petrobras. Juntas vão aplicar as mesmas tecnologias deste novo projecto brasileiro para explorar a camada présal da costa portuguesa. O objectivo é descobrir as primeiras reservas portuguesas de petróleo em Portugal. Guilherme Estrella realçou, no seu discurso de agradecimento, esta parceria, louvando a união dos dois países para "desenvolver essas novas riquezas". O geólogo lembra que durante a sua vida profissional "as decisões nunca foram tomadas" em isolamento, sendo esta uma das características principais do seu sucesso, já que "não se faz nada na vida sozinho". Estrella diz-se também honrado por ser consagrado pela Universidade do Porto, "a mais importante em Portugal e que tanto tem contribuído para o desenvolvimento da ciência".

Pré-Sal Pré-Sal na Geologia do Petróleo no Brasil: Unidade de rocha-reservatório de composição calcária ligada a acções microbianas, posicionada sob espessa camada de sal (que funciona como selo) nas bacias da margem sudeste brasileira. É considerado o exemplo ideal para a acumulação de óleo e gás natural. Os primeiros sinais de petróleo foram descobertos na Bacia de Santos.

A fundação Serralves promove um conjunto de conferências para empresários e profissionais no sector das Indústrias Criativas. A iniciativa realiza-se nos dias 3, 10 e 17 de Novembro. A primeira conferência realiza-se esta terça-feira e tem como tema os "Incentivos QREN dirigidos ao empreendedorismo". Os oradores são Maria João Marques e Maria Manuel do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI). O responsável pela área das Indústrias Criativas da Fundação de Serralves, Miguel Veloso, esclarece que esta iniciativa tem como objectivo "fornecer elementos essenciais às empresas do sector". Tendo em conta que a fundação Serralves se "posiciona entre a criatividade, cultura e economia", o organização do ciclo está orientada para "questões muito específicas": "financiamento e propriedade intelectual". "Apercebemo-nos do potencial destes dois mundos [economia e cultura]", acrescenta, sendo essa a razão da criação do IN Serralves e o objectivo do debate sobre Indústrias Criativas. O tema "Propriedade Industrial / Intelectual" vai ser abordado no dia 10 de Novembro, com o orador Paulo Pelayo de Sousa (representante da Arlindo de Sousa, Marcas e Patentes, Lda). A última conferência dedica-se a "Business Angels - Investidores Informais de Capital de Risco", tendo como orador Ricardo Luz (Invicta

Angels, Associação de Business Angels do Porto) e realiza-se a 17 de Novembro. Todas as sessões deste ciclo, que conta com o apoio do IAPMEI, têm lugar às 18h00 na IN Serralves. A participação nas conferências é gratuita, mas a inscrição é obrigatória até dois dias antes de cada sessão.

IN SERRALVES recebe novas empresas A incubadora de Indústrias Criativas "IN SERRALVES", da fundação, vai receber quatro novas empresas. A primeira empresa a ganhar autonomia da incubadora foi a , que desenvolve projectos educativos nas artes plásticas, expressão corporal, ambiente e arquitectura e alcançou a independência em Setembro. Das empresas que tomam o lugar deixado vago pelas quatro que saíram do projecto, duas estão em fase de incubação (By GG e Há Coisas do Cartão) e outras tantas em fase de pré-incubação (Alter.Ego e Segtour).


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INTERNACIONAL

Novas medidas de segurança aérea originam protestos Islândia convoca referendo sobre reembolso a Holanda e Reino Unido

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com

RALPH ORLOWSKI / REUTERS

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com Os Estados Unidos da América passaram a exigir revistas corporais obrigatórias aos passageiros pertencentes a uma lista de 14 países (ou que lá façam escala) e que tenham destino qualquer cidade americana. As autoridades norte-americanas aumentaram ainda o controlo aleatório a todos os viajantes. Contudo, a lista não foi divulgada pela Administração de Segurança nos Transportes (TSA), que foi quem anunciou a medida. Não obstante, os jornais norte-americanos referem que tais países tratam-se de Cuba, Irão, Sudão, Síria, Afeganistão, Argélia, Iraque, Líbano, Líbia, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Somália e Iémen. Tendo em vista estas medidas, o aeroporto de Schipol, em Amesterdão, encomendou 60 scanners corporais. Todos os passageiros que viajem para os EUA terão de passar obrigatoriamente por estas máquinas. Cada custa mais de 100 mil euros, o que pode encarecer o preço das viagens de avião. Este aeroporto e os de Heatrow e Manchester (Inglaterra), Narita (Japão) e Bem Gurion (Israel) já testavam os scanners. Mas não eram usados devido às queixas de invasão de privacidade. Aliás, a sua adopção na União Europeia foi proibida, no ano passado, pelo Parlamento Europeu.

Mas as preocupações com a privacidade mantêm-se, mesmo com as garantias de que o operador do scanner vê as imagens num local fechado, sem acesso a algum equipamento de gravação e possibilidade de contacto com os passageiros. A questão é que as imagens mostram detalhes médicos como próteses ou implantes. Além disso, há quem argumente que estas máquinas não sejam assim tão eficientes, pois não mostram itens que possam estar escondidos em cavidades corporais.

A proposta de lei que concedia o reembolso aos dois países foi vetada pelo Presidente da Islândia, Olafur Grimsson. O valor é de 3800 milhões de euros e era relativo ao montante que Holanda e Reino Unido pagaram aos seus cidadãos aquando da falência financeira da Islândia. Foram cerca de 300 mil os cidadãos que perderam as suas poupanças com o colapso financeiro islandês. As reacções dos governantes holandês e britânico foram de muito desagrado. Um porta-voz do Ministério das Finanças britânico pediu à Islândia que “assuma os seus compromissos”. Por outro lado, Ruut Slotboom, portavoz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Holanda assume que o governo ficou “extremamente decepcionado” com o veto islandês.

A proposta de lei havia sido aprovado pelo Parlamento islandês em Novembro e necessitava agora da ratificação do Presidente. Contudo, Olafur Grimsson recebeu entretanto uma petição assinada por cerca 40 mil pessoas (um quarto dos eleitores islandeses), que não concordam com este pagamento. Em consequência, o Presidente vetou e submeteu a lei a um referendo, deixando “à consideração do país” a decisão, como afirmou ontem, num discurso à população. Este é um procedimento natural no país, já que pela legislação islandesa quando uma lei é vetada tem de ser submetida a referendo nacional.

O colapso financeiro aconteceu em Outubro de 2008. A Islândia ficou a dever cerca de 40% do seu PIB anual. A proposta de lei previa um pagamento a longo prazo, de forma faseada, e tinha como data limite 2024. Se o reembolso for, de facto, recusado, uma das consequências possíveis é o bloqueio das negociações por parte de Holanda e Reino Unido à integração da Islândia na União Europeia.

ROBERT REYNISSON / REUTERS

Embaixada americana no Iémen reabriu A representação norte-americana tinha sido encerrada há dois dias devido às ameaças da Al-Qaeda. A decisão foi tomada após uma operação antiterrorista bem sucedida das forças iemenitas no norte da capital, Sanaa. Nesta operação foram mortos dois presumíveis membros da Al-Qaeda.

A decisão do Presidente Olafur Grimsson pode ter graves consequências para o futuro económico do país. - 7 Janeiro 2010

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2 ECONOMIA Países europeus criam nova rede eléctrica com recurso às energias renováveis

PAULO PIMENTA

BES é um dos 30 bancos mais eficientes do mundo TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com Após o fracasso da Cimeira de Copenhaga, surge agora um projecto para uma rede de abastecimento ultramoderna que vai ter como único recurso as energias renováveis. Este novo plano é proposto por nove países da União Europeia e está avaliado em 30 mil milhões de euros. A notícia é do jornal alemão “Sueddetusche Zeitung”. Farão parte desta rede 65 centrais energéticas da Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Irlanda, Luxemburgo, Noruega e Reino Unido. O projecto tem como um dos objectivos equilibrar e evitar oscilações no abastecimento recorrendo a energias renováveis, nomeadamente eólica, hídrica e solar. A nova rede precisa que milhares de quilómetros de cabos submarinos sejam estendidos nas costas alemã e britânica nos próximos dez anos. Estes cabos vão permitir o transporte da energia eólica que estes países recolhem, além de energia hídrica da Noruega, do Mar do Norte, até ao coração da Europa. Esta nova rede energético-ambiental surge pois a actual rede não possui as condições necessárias para o armazenamento da energia eólica, necessitando de uma reformulação urgente. 6 - 7 Janeiro 2010

Serão as empresas privadas que vão suportar a maior parte dos custos desta rede. Daí a presença de responsáveis de grandes consórcios energéticos europeus logo nas primeiras negociações.

Portugal é o segundo país do mundo que mais contribui com energia eólica A Redes Energéticas Nacionais (REN) publicou ontem os dados referentes à produção de energia eléctrica em Portugal, em 2009. Os resultados são de que houve um aumento de 31,6 % em relação a 2008. Por cada 100 Watt de electricidade consumidos pelos portugueses, 15, 03 tiveram origem no vento. Portugal eleva a sua posição a nível mundial, passando de terceiro para o segundo lugar, à frente de Espanha. A liderar está a Dinamarca. Contudo, o valor de base é 35,9 %, ainda aquém dos 45 % que José Sócrates pretende para 2010.

O BES é considerado o 28º banco mais eficiente num ranking onde estão presentes os 100 maiores bancos mundiais. O ranking é da autoria do jornal espanhol “Expansión”, com base nos dados do primeiro semestre de 2009 e reunindo os 100 maiores bancos em todo o mundo. Na lista estão presentes dois bancos portugueses, o Banco Espírito Santo (BES) e o Banco Comercial Português (BCP). Mas é o BES que se destaca, figurando no top 30 mundial. Por outro lado, o BCP ocupa um dos derradeiros lugares da lista: a 96ª posição. A crise mundial em 2009 teve inequívocas consequências na situação das instalações financeiras. Uma das obrigações para resistir à crise passou por controlar os custos, diminuindo a despesa e gerando receita. Tal estratégia mostra a eficácia ou não na gestão financeira de cada banco. O ranking em questão pretende aferir o rácio de eficiência, chegando aos 100 maiores da banca mundial.

O rácio de eficiência é medido por quanto menor for a percentagem que o banco gasta a partir das receitas obtidas. Neste ranking, o BES, banco liderado por Ricardo Salgado, mostra um rácio de eficiência de 44,16%, ou seja, em cada 100 euros de receitas, o banco gastou 44 euros. Já o BES apresenta um rácio de 77,42%. O Banco Chinês de Pequim é quem lidera o ranking, com um rácio de 30 %. A fechar a lista encontrase o Banco Japonês de Yokoama, que gasta 78% das suas receitas. Entre outros bancos presentes no ranking assinalam-se o espanhol La Caixa ou os norteamericanos JP Morgan e Goldman Sachs.


2 DESPORTO Nova modalidade desportiva tem origem no Porto

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com Armando Cunha ensina ao aluno Renato Presas uma das técnicas do Street Self Defense Se alguém o atacar na rua, como é que se defende? Não reage? Resiste? Ou foge? É a resposta para estas perguntas que o Street Self Defense tenta oferecer. O SSD é uma nova modalidade desportiva que quer munir os seus praticantes de técnicas básicas de defesa. Pretende tornar as pessoas mais capazes de defenderem-se perante um confronto de rua, inesperado mas real. No Street Self Defense tudo é permitido, porque na rua também não há limites. Por isso, entra neste sistema cabeçadas ou golpes nos genitais. Os praticantes podem até morder-se. O único limite é a integração física de cada atleta. Neste sentido, assemelha-se muito ao Vale Tudo, uma modalidade brasileira conhecida pela agressividade nos combates. Contudo, o SSD ainda não está presente em nenhuma competição. Não foi feita para a prática no ringue, como a maioria das artes marciais. Pode ser praticado na Maia, Porto e Vila Nova de Gaia. O fundador e instrutor-chefe do Street Self Defense é Armando Cunha, guarda prisional e mestre das artes marciais. Pratica Karaté Goju Ryu, Muay Thai e Kick Boxing. Foi também a experiência nestas modalidades que contribuiu para a criação das técnicas do Street Self Defense. Esta modalidade é considerada a verdadeira auto-defesa

de rua, que no fundo é o “ringue” mais perigoso de todos. Armando Cunha surpreende-se com o aumento do número de participantes: “inicialmente não pensei que fosse crescer tanto”. Armando Cunha refere ainda a grande procura de mulheres nesta modalidade, para as quais “não há diferença no ensino”. São sete as máximas do SSD: coragem, respeito, honra, empenho, honestidade, disciplina e humildade. Armando Cunha realça estas valores: “A minha filosofia é treinar com potência máxima e com muito realismo”. Para ele, este não é um desporto violento, já que “a violência lá fora é pior do que a que treinamos cá dentro”. Os actuais 60 praticantes vestem um kimono negro com o símbolo vermelho da Associação Portuguesa de Street Self Defense. As aulas são divididas em treinos para Forças de Segurança, SSD Kids, onde as crianças aprendem a ter mais disciplina e Elite que é um treino personalizado para os melhores atletas. Renato Presas, vigilante de 23 anos, é um desses casos: “gosto de treinar assim, até ao limite”.

A base técnica do SSD é a mistura do Karaté Goju Ryu e Muay Thai. O Goju-ryu é de origem japonesa. É um estilo de Karaté que procura ser suave mas resistente. O pressuposto é conseguir desviar-se dos obstáculos a partir de golpes curtos e circulares, com muita flexibilidade e controlo na respiração. O Muay Thai é de origem tailandesa e é considerada uma das mais duras e violentas artes marciais. Os golpes passam pelo uso dos punhos, cotovelos e joelhos. São movimentos certeiros em locais vitais do corpo. O Street Self Defense procura ser a junção destas 2 artes marciais. Usando o controlo do Karaté Gojuryu e a rapidez e eficácia do Muay Thai. Contudo, no Street Self Defense não há restrição de movimentos, típica das artes marciais tradicionais. As técnicas de SSD pretendem ser de aprendizagem rápida, directa e simples de forma a que seja fácil a sua concretização. Mas também exigem muita prática e treino, como salienta Renato Presas: “É necessário trabalhar bastante para adquirir algumas sequências”. O “Street Self Defense” é transversal. Pode ser praticado desde um cidadão comum até a um agente de forças de segurança. Aliás, a maioria dos seus praticantes são vigilantes ou seguranças, como Vasco Couto, um segurança de 32 anos: “É um tipo de exercício que pode dar para a minha actividade e para a minha defesa”.

TATIANA HENRIQUES

A Associação Portuguesa de Street Self Defense garante um seguro aos seus praticantes. Como garantias oferece retorno financeiro aos familiares em caso de morte ou incapacidade permanente, despesas de tratamento ou funeral. Estas garantias estão designadas em todos os dojos, estágios, demonstrações e treinos realizados pela Associação. Há alguns casos de ferimentos dos praticantes durante as aulas. Mas para Renato Presas, este facto não é motivo para desistir, pois “uma pessoa raramente se aleija. E é normal quando tal acontece. Faz parte do processo de endurecimento”. Uma das técnicas específicas do Street Self Defense é a Gestão de Stress ou de Pânico. Consiste num exercício de luz apagada que tenta simular o mais possível uma situação real. Um dos praticantes tenta esquivar-se dos outros, que o atacam até ao mestre mandar parar. E é aqui que fica patente um dos principais objectivos do SSD. O praticante foge dos outros, mas não fica no local para tentar vencer a batalha. Afinal, nunca sabemos o que o nosso atacante pode ter guardado, como uma faca ou arma. Por isso é aconselhado apenas a auto-defesa. Uma vez a salvo, devese fugir do local o mais rapidamente possível.

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FOTO: SITE SSD

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3 ENTREVISTA

TATIANA HENRIQUES

“Somos muito cúmplices nas histórias que contamos” (Filipe Pinto) “Foi um pouco dramático para mim, porque não queria trabalhar em televisão” (Pedro Oliveira Pinto) “Tenho televisão no quarto mas é quase como um aquário” (Filipe Pinto)

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- 7 Janeiro 2010

Perfil: Nasceram juntos, estudam juntos, partilham vivências e gostos… juntos. O jornalismo foi a profissão escolhida por ambos para materializar a vontade de comunicar. Gostam de contar histórias e também de criá-las, que são posteriormente transportadas para as telas do cinema. Prova retumbante de desafio cumprido são os prémios que têm ganho à conta destes textos: FNAC Novos Talentos Cinema, Fest e Cine Port (todos em 2006), Lisbon Village Film Festival (2007) e Arouca Film Festival (melhor argumento – “Frio”, com direcção de Artur Serra Araújo). Também é no teatro que os diálogos modelados pelos gémeos ganham vida, como aconteceu nas peças “Chavela” (2007), “Mil Olhos de Vidro” (2008) e o monólogo “Janis e a Tartaruga” (2009), representado no Teatro Constantino Nery e São Paulo, no Brasil. As suas vidas confundem-se, na paixão pela música, no encantamento pelo cinema, em gostar de ir ao ginásio ou sair com os amigos. Pedro e Filipe parecem inseparáveis, na história de vida e nos sonhos partilhados que pretendem realizar juntos, como não poderia deixar de ser.


3 ENTREVISTA TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com São gémeos verdadeiros, no corpo e na alma. Tornaram-se jornalistas pelo gosto em contar histórias, reais e inalteráveis. É na RTP, onde trabalham após o fim da NTV, que preparam a melhor forma de as relatar. Agora também criam outras, mas desta vez sem o rigor incontornável do real. Os “manos Pinto”, como são chamados por quem se esquiva a confundi-los, relembram o passado e arquitectam o futuro, que passa inequivocamente pelo cinema, numa entrevista em que o “eu” se funde com o “nós” a todo o instante. São jornalistas há 9 anos. Por que escolheram esta profissão? Filipe: Não tinha o sonho de querer ser jornalista. Sabia que queria ter uma profissão relacionada com a comunicação e que queria comunicar algo às outras pessoas. E o jornalismo veio como um caminho natural neste processo, sendo quase uma escolha natural. Pedro: No meu caso foi muito relacionado com o processo de escrita porque inicialmente tinha muito a ideia que a minha profissão teria de passar por um processo criativo ao nível da expressão escrita e o jornalismo é um expoente bastante abrangente a esse nível. O que mais destacam nestes anos de profissão e que momentos interessantes viveram? Pedro: Sobretudo a partilha de informação que me estaria vedada de outro modo. Poder contactar com pessoas que de outra maneira nunca teria oportunidade de ter contactado. Experienciar realidades completamente distintas do meu quotidiano. E sobretudo contar essas histórias através do meu olhar, com toda a subjectividade que isso possa acarretar, mas tentando ser honesto a esse nível. Por exemplo, ter passado quatro dias ao bordo de um navio da Green Peace num protesto que o movimento fez em Portugal. Foi uma experiência interessante e que nunca me tinha passado pela cabeça, nem nos meus sonhos mais bizarros. Ainda entrevistar José Saramago que na altura em que entrevistei era uma pessoa que admirava ou também passar uma semana num hospital psiquiátrico para fazer uma grande reportagem sobre a esquizofrenia e conhecer pessoas maravilhosas.

Foram situações que vivi e que me preencheram enquanto repórter. Filipe: São já muitas histórias, até já lhes perdi a conta. Mas destaco um episódio, até um pouco trágico, que foi o da maré negra na Galiza. Foram nove dias a percorrer uma costa completamente devastada pelo crude. Aprendi muito durante esse tempo. Foi um trabalho muito intenso mas também muito gratificante porque consegui contar às pessoas da forma o mais objectiva e justa possível o desenrolar de um acontecimento que estava a afectar-nos a todos. Também pelo cruzamento ao nível da comunicação social, já que foi o episódio noticioso onde se concentraram mais meios de comunicação social diferentes (daqueles que vivi), vindos de todos os pontos do globo e onde pude trocar muitas experiências. Fazem trabalhos juntos ou individualmente? Filipe: Numa primeira fase da NTV o trabalho era feito individualmente. Cada um fazia a sua reportagem, uma vez que éramos jornalistas multimédia: filmávamos, entrevistávamos, fazíamos o papel de jornalistas (no sentido mais restrito) e também editávamos as peças. Cada jornalista era uma equipa. Numa segunda fase da NTV, mudouse um pouco de estratégia e os jornalistas saíam acompanhados por um cameraman contratado ou da casa ou então eram mesmo dois jornalistas (um fazia papel de jornalista e outro de repórter de imagem). Nesse período, que terá durando um ano e meio, desenvolvemos muitas histórias em conjunto. Depois na RTP isso nunca mais voltou a acontecer, sendo que o nosso trabalho apesar de ser muito independente um do outro, acaba por ter a participação dos dois, porque somos muito cúmplices nas histórias que contamos. Pedimos sempre uma opinião crítica, e eu sei que do meu irmão vou ouvir sempre a verdade absoluta. Ele nunca vai dizer que gosta sem gostar – e eu faço o mesmo com ele. É quase um compromisso de honra que temos um com o outro e acho que isso tem-nos ajudado muito a crescer e a evoluir na profissão, porque detectamos os erros um do outro, sendo claros e honestos (mesmo que isso às vezes possa ferir). A escolha sempre recaiu em televisão? Filipe: Especializámo-nos em Imprensa e nunca quisemos televisão. Curiosamente, nenhum dos dois. Acontece que no último ano de

faculdade a NTV fez um casting na Escola Superior de Jornalismo num pré-período de emissão, onde praticamente todos os alunos participaram. Sempre mostrámos muita resistência em fazer o casting porque não era mesmo aquilo que queríamos. O nosso objectivo era Imprensa, porque gostávamos particularmente de escrever, partilhamos também esse gosto comum (entre muitos outros). No dia do casting, quisemos ser os primeiros para “arrumar” um assunto que para nós estava dado como perdido. Mas os castings foram-se sucedendo até ao dia em que ligam-nos para dizer que estávamos na NTV. A escolha sempre recaiu em televisão? Filipe: Especializámo-nos em Imprensa e nunca quisemos televisão. Curiosamente, nenhum dos dois. Acontece que no último ano de faculdade a NTV fez um casting na Escola Superior de Jornalismo num pré-período de emissão, onde praticamente todos os alunos participaram. Sempre mostrámos muita resistência em fazer o casting porque não era mesmo aquilo que queríamos. O nosso objectivo era Imprensa, porque gostávamos particularmente de escrever, partilhamos também esse gosto comum (entre muitos outros). No dia do casting, quisemos ser os primeiros para “arrumar” um assunto que para nós estava dado como perdido. Mas os castings foram-se sucedendo até ao dia em que ligam-nos para dizer que estávamos na NTV. Pedro (interrompe): Esse dia foi um pouco dramático para mim, porque não queria trabalhar em televisão. Mas era quase como uma passagem obrigatória para não receber críticas por não estar a experimentar uma oportunidade. Na altura, quando me comunicaram a decisão, confesso que não fiquei muito contente. Depois de terem saído do curso, foi muito difícil ingressar no mundo do trabalho? Pedro: Sim, porque estive oito meses parado mas estava a acontecer um processo de escolha para a NTV. Por isso na verdade, nunca chegamos a estar sem horizontes na verdade. Tudo isto se deve a um momento circunstancial: a abertura de uma televisão regional no Porto. Se tal não tivesse acontecido, tenho a certeza que o meu caminho teria sido bem mais difícil. Portanto senti dificuldades porque vi muitos dos nossos colegas em largos períodos

de desemprego e que ainda hoje não estão a trabalhar no mundo do jornalismo. Por outro lado não, porque oito meses depois tive a sorte de estar num projecto novo de televisão em Portugal. Escrevem argumentos para teatro e cinema. Como surgiu esta oportunidade? Filipe: Isto começa com uma brincadeira com um amigo nosso que sabia que gostávamos de escrever e de contar histórias. Um dia passa pela Fnac e vê um anúncio para um prémio para jovens talentos em cinema. O trabalho proposto era escrever uma curta-metragem para cinema que mais tarde iria ser realizada. Aceitámos o desafio desse amigo e escrevemos um pouco à pressa. O certo é que vencemos e a partir daí começou um processo de escrita mais assíduo, neste caso para o teatro. Em três anos escrevemos três peças de teatro que foram levadas à cena. E o que sentiram ao ver o vosso trabalho materializado na peça com a representação dos actores? Filipe: É sempre uma angústia enorme. Quando o guionista ou dramaturgo escreve algo tem uma perspectiva muito pessoal sobre aquilo que escreve, que vai ser dado a um olhar externo, muitas vezes estranho a nós próprios. Devoconfessar que quase nunca o resultado final é aquilo que perspectivámos no início. Mas isso faz parte do processo de criação porque o guionista é aquele que começa o trabalho e é o primeiro a abandoná-lo. E é sempre muito interessante ver que há perspectivas diferentes sobre aquilo que pensamos, escrevemos e passamos para o papel. Têm sido experiências absolutamente fantásticas porque é sempre interessante ver actores e actrizes com historial e peso na sociedade a dizer as nossas palavras. Claro que é um orgulho. E mostra que sou capaz de contar histórias, que é aquilo que sempre gostei de fazer. É mais um capitulo na senda de comunicar. Pedro: Para mim essa estranheza que o meu irmão fala nem sempre é negativa. Às vezes, é até muito positiva. Por exemplo, ouvir a Filomena Cautela ou a Fernanda Lapa a contracenarem num diálogo que nós os dois criámos numa tarde qualquer é sempre entusiasmante. Claro que o resultado não é igual. Eu ficarei preocupado no dia em que aquilo que eu escrevi for exactamente o resultado mimético da representação mental que está naquele texto. Mas - 7 Janeiro 2010

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3 ENTREVISTA no fundo é um pequeno milagre. E a primeira sensação que tive era pensar que aquelas palavras deixaram de ser minhas. E de facto não o são, mas de outra pessoa qualquer. Escrevem juntos? Filipe: É um processo interessante. Escrevemos juntos muitas vezes, escrevemos separados outras tantas vezes. Somos jornalistas, por isso temos horários muito complicados e nem sempre é possível estarmos juntos. O que fazemos antes de iniciar qualquer processo de argumento é falarmos muito sobre aquilo que queremos comunicar e que histórias queremos contar. Definimos estratégias, o rumo da história e todos os aspectos da narrativa. E a partir daí sempre que podemos estar juntos, desenvolvemos o texto em conjunto. Mas muitas vezes temos um trabalho solitário de escrita que depois é confrontado. E aí conseguimos extrair o nosso melhor para dar origem a um texto diferente mas que resulta da soma daquilo que cada um foi escrevendo. Por vezes, é um pouco caótico. Trocamos e-mails ou mandamos mensagem por telemóvel com pedaços de textos. Não é uma conclusão fácil. Nunca nos chateámos a sério, mas quase. Pedro: quase… (risos de ambos). Há algum paralelismo entre a concepção dos argumentos de ficção e as peças jornalísticas? Pedro: Todos os paralelismos possíveis. Estamos agora a fazer um mestrado em cinema na ESAP e temos um professor de argumento que perguntou se alguém já tinha tido alguma experiência na escrita de argumentos e eu respondi: “faço um por dia”. Claro que isto não pode ser levado à letra, mas, no fundo, fazer uma peça jornalística é estruturar um pensamento, contar uma história. Há diálogos que são transmitidos pelos vivos, pelas declarações dos intervenientes. Há a ideia de construir uma narrativa concreta, com princípio, meio e fim. Embora no jornalismo seja muito mais comum começar pelo fim, pelo resultado mais importante e empolgante e só depois ir dando os detalhes. De qualquer modo, os processos são semelhantes, a diferença é que no argumento as histórias são minhas e no jornalismo as histórias são dos outros e eu não posso ter a veleidade de contar uma história que inventei. A história existe por si só e tem de ser a melhor possível. 10

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Receberam alguns prémios pelos argumentos. Estavam à espera? Filipe: De maneira nenhuma. Foi uma surpresa quando o “Frio” começa a concorrer as festivais e a ganhar vários prémios tanto em Portugal como no estrangeiro. O filme tem feito um percurso interessante, sendo que não é uma obra minha, mas de um realizador que deu um olhar sobre um texto que eu escrevi. Obviamente que tenho uma quota parte no resultado final daquela obra, mas os prémios não são para mim, mas para o filme. São gémeos e tiveram sempre uma vida similar. Que principais semelhanças e diferenças há entre vocês? Filipe: Similar é eufemismo. Realmente a nível profissional tivemos um percurso muito idêntico. Partilhamos os mesmos gostos desde criança, não só a nível da profissão mas também gostos estéticos (como na música). O percurso profissional foi-se desenrolando de uma forma muito paralela – por nossa vontade ou não. Os desafios são colocados aos dois. É óbvio que desenvolvemos um trabalho independente, sobretudo ao nível do jornalismo, mas no restante sempre que podemos trabalhar juntos, gostamos muito de trabalhar em equipa. Acho que nunca encontrarei uma pessoa que me entenda tão bem quanto o meu irmão e que me critique tão bem como ele faz porque criticar não é um acto negativo, pode ser um acto de grande justiça. Sinto que com ele formo uma equipa que funciona. Tem sido muito similar porque também nos agarramos muito um ao outro, até ao nível da criação. Pedro: em jeito de conclusão do que ele ia dizendo, uma vez tive um convite para escrever um livro sobre uma grande reportagem que desenvolvi (sobre um paraplégico que fez uma travessia em Portugal de Norte a Sul em cadeira de rodas para simbolicamente chamar a atenção da sociedade para os problemas dos deficientes motores, mas não só). Acabei por fazê-lo e devo dizer que faltou-me a “muleta” da presença do meu irmão durante aquele período de criatividade. Realizei o trabalho, que até resultou de algum modo, mas teria sido mais confortável com a ajuda do meu irmão.

Que histórias engraçadas viveram por ser gémeos? Pedro: Por exemplo, pessoas que nos confundem no trabalho porque andamos por aí fora, contactamos com milhares de pessoas por ano e, claro, as pessoas estão à espera de ver uma pessoa na televisão mas não de ver uma segunda igual. Muita gente pensa que é uma mentira ou brincadeira e, por isso, ficam muito retraídas inicialmente. Além disso, aconteceu uma história engraçada na faculdade. Sentávamo-nos quase sempre juntos, mas nem sempre. E um professor teve a “proeza” de só reparar a meio do semestre que éramos gémeos. Mas, de resto, aqueles mitos de fazer testes pelo outro, trocas de namoradas, isso não existe… entre nós. Nos outros não sei, mas acho que são mais mitos do que outra coisa. E quais são os próximos projectos? Querem seguir mais a área do cinema em particular? Filipe: Isso é uma incógnita. Não gosto de fazer grandes planos para o futuro. A RTP é onde estou agora e onde quero continuar, tendo em conta o momento presente. Sinto-me muito bem a fazer o que faço mas nunca fecho a porta a outras saídas porque é uma forma de evoluir. Neste momento aprendo muito na RTP e tenho a noção de que ainda tenho a aprender. Mas se um dia chegar à conclusão de que tal já não acontece, sairei para fazer outras coisas. E o cinema é realmente uma paixão e talvez uma evolução natural daquilo que eu gostaria de fazer na vida. Pedro: Estou empenhado em contar as minhas histórias – mais do que contar as histórias dos outros. Não é que estas não sejam fascinantes e extraordinárias mas sinto que também tenho algumas histórias para contar. O meu objectivo era poder conciliar as duas coisas. É difícil fazer cinema em Portugal porque é uma actividade subsídio-dependente. Mas o meu objectivo principal no futuro é fazer um filme. Mas é só na área da escrita ou também querem passar pela área da realização? Pedro: Quero conciliar as duas coisas porque eu já escrevo, o meu desafio agora é saber até que ponto consigo aproximar-me da figura do realizador. Gostava e vou lutar por isso. É um desejo que agora se coloca com mais acuidade.

E é um objectivo partilhado? Filipe: sim, é dos dois. Provavelmente seremos corealizadores (risos de ambos). Pedro: não é estranho. Porque não faltam aí exemplos de irmãos a pegar na câmara de filmar como os irmãos Cohen. Filipe (interrompe): ou os irmãos Lumière. Estão a escrever algum argumento? Pedro: Neste momento estamos a escrever argumentos mas não como antes. Explicando, escrevemos sempre por encomenda, como no caso das peças de teatro. Actualmente estamos a escrever para um portefólio próprio, (também no âmbito do mestrado que estamos a desenvolver). É um processo mais desafogado, desinteressado e livre. Mas a verdade é que não paramos de escrever.

Hábitos: Ouvem o mesmo tipo de música? Pedro: sou um pouco mais fanático que o meu irmão nesse aspecto. Normalmente, cabe-me a mim o processo de descoberta e depois o meu irmão ouve aquilo que eu acho que é melhor. E filmes? Filipe: Sou muito melodramático, gosto mais de dramas. Detesto comédias (no sentido mais esteoreotipado). Não pago o bilhete para ver. Como somos Capricórnio, nós dizemos que nascemos velhos e morremos crianças. Portanto, talvez ainda vou acabar a rir-me com comédias – e espero bem que sim. E televisão? Vêem televisão? Filipe: devo confessar que tenho televisão no quarto mas é quase como um aquário, nem sei se funciona, já não ligo há muito tempo. Acabamos por ser muito absorvidos pela profissão. Vejo televisão na internet onde selecciono muito, só vejo o que me interessa. Não fico em casa a ver televisão. Já trabalho em televisão e acaba por saturar. Pedro: os programas de informação são obrigatórios. Claro que quando há uma grande entrevista eu preciso de ver porque faz parte do meu background profissional. Quando vejo séries, alguém me empresta os dvd’s e eu faço uma maratona para ver aquilo, porque não gosto de estar à espera do próximo episódio.


MEDIA Azeredo Lopes: "Não pode haver liberdade de imprensa real se não houver regulação"

NUNO DE NORONHA

Alfredo Maia: "Há um clima de medo nas redacções"

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com

O Presidente do Sindicato dos Jornalistas considera que a concentração actual condiciona a actividade jornalística. Para Maia, há “'um pendor excessivo do lucro” por parte dos grupos económicos.

Alguns jornalistas têm a percepção de que o seu local de trabalho está em risco”, o que faz com que “haja reportagens tabus nas empresas e grupos”. “Hoje há um clima de medo na maior parte das redacções”. É esta a opinião do presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ), , que, esta terça-feira, deu uma conferência no curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto sobre "As implicações da concentração da propriedade dos media". Para Alfredo Maia, os profissionais sentem-se condicionados, optando por não abordar assuntos relativos ao grupo económico a que pertence o órgão de comunicação em que trabalham, por receio de sofrerem sanções como o despedimento. O responsável salienta que este é um dos perigos da "forte presença das sociedades financeiras nos sector media”. Por isso, para resistir à concentração actual, Maia sugere que os jornalistas se unam em cooperativas de “'maneira de romper o cerco”. Desta maneira, conseguiriam "assegurar o trabalho e garantir o rendimento". Maia refere as restantes consequências negativas da concentração actual no mercado: o risco de excesso de intervenção no processo de recolha de informação e um maior controlo do mercado de trabalho. Os grupos regem-se pelo "pendor excessivo do lucro", "detendo um monopólio" e controlando "as regras de acesso, permanência e exclusão

os trabalhadores”, alerta o responsável. Como consequência, forma-se na opinião pública a ideia de que há interesses obscuros das empresas no controlo da comunicação social. Maior diversidade de meios não garante pluralismo Apesar de haver uma maior diversidade de meios, tal “não é sinónimo de diversidade informativa”. Aliás, pelo contrário. A informação é vista como “uma mera mercadoria para ser facilmente distribuída, em vários meios”, cujo resultado é "a mesma informação a ser distribuída por diferentes plataformas”. Os mesmos artigos são reutilizados noutras publicações, “o que pode levar à concretização de uma redacção única, onde o profissional funciona como jornalista multi-usos, usando diferentes recursos electrónicos”. O presidente lamenta que isto conduza a um “apelo ao consumo e à formatação dos gostos”. No entanto, Alfredo Maia não deixa de assinalar os aspectos positivos do fomento das sinergias, como a rentabilização das infraestruturas (conjugação de diferentes sectores num único edifício) e a aplicação de uma economia de escala, que permite obter equipamentos a baixo custo.

Lei do Pluralismo A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) propôs a (Lei da Concentração). O Presidente da República vetou pela segunda vez esta lei a 20 de Maio. O primeiro veto aconteceu a 2 de Março, depois de ter sido aprovado a 23 de Janeiro pela maioria socialista, com os votos contra de todas as bancadas da oposição. Esta lei impedia que os órgãos de comunicação social pertencessem ao Governo, governos regionais ou autarquias (à excepçção do serviço público de rádio e televisão).

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com

Para o presidente da ERC, Portugal é um dos países mais atrasados no desenvolvimento da regulação. O responsável destaca ainda a necessidade de uma "estrutura de auto-regulação". As questões que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) trata são "fundas e difíceis", pois "envolvem a consciência". Mas, na dúvida ao tomar uma decisão, "opta pela liberdade", como afirmou, esta terçafeira, numa conferência no curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto sobre "A regulação dos media em Portugal". O professor entende que "a liberdade de imprensa é um instrumento que deve ser acarinhado, sem o qual não há um estado de direito." No entanto, "não pode haver liberdade de imprensa real se não houver regulação". O professor salienta que "o poder jornalístico pode ser fantástico para o estado de cidadania", mas também "pode ser devastador". Para Lopes, "o jornalismo tem o dever de esmiuçar o que é a sociedade de hoje". Por isso, e para desenvolver a regulação em Portugal, é necessária a criação de uma "estrutura de autoregulação", algo que a ERC pretende estimular. Salvaguardar direitos fundamentais como o direito de resposta é outra das preocupações apontadas, já que "este direito tem uma função de reequilíbrio fundamental e as pessoas desconheciam-no." O presidente da ERC assume que um dos objectivos que gostava de atingir ainda antes do fim do seu mandato, em 2011, era conseguir que a "imprensa saísse da estrutura de hetero-regulação", fazendo com que a "ERC fosse usada apenas em última recurso".

ANA XAVIER

"A regulação seria feita pelos pares e esse é o problema em Portugal, precisamente por não se aceitar ser julgado por um par", lamenta Lopes. E apesar da "classe jornalística estar unida em torno de um ideal - a autoregulação - , também está estilhaçada em relação à sua concretização". Para Lopes, esta é uma "espécie de amor platónico”.

ERC já condenou mais vezes o Governo do que os media Para o presidente do Conselho Regulador da ERC, "não há pluralismo no comentário político nacional". "Foram precisos dois anos para que fosse lançado um programa com os restantes representantes dos partidos" e não apenas do PS e PSD, diz Azeredo Lopes. Segundo o professor "tem de haver igualdade nos espaços de opinião, senão é necessário suspender os espaços ocupados pelos candidatos". O professor considera ainda que "o Partido Comunista é o mais prejudicado em termos de expressão de ideias". Em resposta às críticas da acção da ERC em relação a vários órgãos de comunicação, Azeredo Lopes salienta que a ERC já condenou mais vezes o Governo do que os próprios media, mas que "curiosamente, isto raramente é noticiado".

Jornalistas não têm conhecimento do seu Estatuto Como o próprio refere "as regras dos jornalistas estão espelhadas em vários documentos", nomeadamente na Lei de Imprensa e no Estatuto do Jornalista. Na sua opinião, alguns jornalistas não "têm conhecimento desse Estatuto", algo que descreve como "extraordinário". Uma das ideias base da regulação é a de que "os jornalistas são titulares de uma liberdade qualificada, não têm superioridade ética sobre o cidadão". - 7 Janeiro 2010

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A+ FOCO || CULTURA "O Avarento" de Molière estreia no TeCA

Cinanima: cinema animado da Europa de Leste em destaque TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com O cinema de animação feito no leste europeu é o protagonista da 33ª. edição do Cinanima. O Festival realiza-se de 9 a 15 de Novembro, em Espinho.

FOTO: DR

Emília Silvestre e Jorge Pinto contracenam na peça “O Avarento”

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com Rogério de Carvalho encena uma nova adaptação de um dos textos mais conhecidos de Molière. A peça estreia sexta-feira no Teatro Carlos Alberto e está em cena até 20 de Dezembro. A companhia Ensemble reconstrói o texto de Molière, de 1668, considerado a "comédia mais dura" do autor. A avareza é o fio condutor de "uma peça extraordinária", como afirma a actriz e assistente de encenação Emília Silvestre. Segundo Emília Silvestre, "os jogos de linguagem que são tradicionais em Molière", representam a tónica da peça que assim "incide mais no trabalho dos actores" do que em outros elementos cénicos. Contudo, a peça não deixa de reflectir a avareza do enredo através do cenário (são só usados mantas de retalhos e cadeiras) e figurino em tons de preto e branco "com o objectivo de criar simplicidade cromática". Nesta nova adaptação procurouse "não seguir a linha do riso fácil, porque afinal é uma tragédia". "A avareza contamina todas as personagens, mostrando um lado muito trágico das relações familiares", afirma Emília Silvestre. Este pecado está personificado no protagonista, cuja "vida é muito doentia, pois não tem amor pelos filhos, apenas pelo dinheiro". 12

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Jorge Pinto, o actor que interpreta o protagonista Harpagão, recorda que, nesta história, "não há bons nem maus. São todos uns aldrabões". A escolha de Molière foi feita pelo encenador Rogério de Carvalho, que sugeriu este texto sobretudo a pensar em Jorge Pinto no papel principal. O actor explica que "além da idade que conta - também o estado de preparação foram factores importantes". Mas, para Jorge Pinto, o maior desafio na concepção desta peça foi "alterar um texto antigo". Daí que a tradução (da autoria de Alexandra Moreira da Silva) tenha sido feita de novo, para que não se afaste da actualidade.

Nesta edição, o Festival Internacional de Cinema de Animação destaca, na sua programação, o que melhor se faz nesta área no leste europeu, incluindo uma viagem pela cinematografia da Roménia e a apresentação dos filmes produzidos pela Kratky Film Praha (República Checa) sobre a arte das marionetas. O festival, que decorre, a partir de segunda-feira, no Centro Multimeios de Espinho, no F.A.C.E. (Fórum de Arte e Cultura de Espinho) e na Junta de Freguesia de Espinho, volta a apresentar uma secção internacional competitiva e não competitiva, sendo que, a concurso, vão 81 curtas e médias e 5 longas metragens, representando 17 países. A competição nacional apresenta duas sessões: uma para o concurso prémio António Gago/Prémio Fnac (a que concorrem 13 filmes) e outra para o prémio jovem cineasta português (que conta com 10 filmes).

Workshops e Palestras para todos os gostos Mas nem só de cinema vive o Cinanima. O festival apresenta, ainda, actividades paralelas à competição, como workshops, palestras e exposições (com destaque para o trabalho de Vasco Granja). A componente formativa está focada para o universo dos "storyboards" e os workshops são orientados por Marius Legge. As duas palestras que pautam o festival vão ter como oradores Lara Ermacora, António Loja Neves, Costa Valente e Jayne Pilling. A cerimónia de abertura deste festival conta com a exibição de "Life Without Gabriella Ferri" de Priit Pärn (Estónia) e "A Matter of Loaf and Death" de Nick Park (Reino-Unido). O festival apresenta, também, mostras de premiados de outros festivais de cinema de animação: Cartoon D'Or, E-Magiciens e British Animation Awards. As escolas merecem especial destaque para a organização, que disponibiliza vinte sessões especiais aos alunos.

Nesta peça participam actores estagiários da Escola Superior de Música e Espectáculo e da Academia Contemporânea do Espectáculo. Segundo Emília Silvestre, a companhia Ensemble "preocupa-se em abrir portas aos alunos, pois sabemos que é muito difícil arranjar emprego depois de terminar o curso. Além disso, eles aprendem muito numa produção profissional". "O Avarento" estreia esta sextafeira no Teatro Carlos Alberto (TeCA) e vai estar em cena até 20 de Dezembro.

"Malban", curta-metragem francesa, marca presença na edição 2009 do Cinanima

FOTO: DR


2 Entrevista a Joana Melo: “Asas na voz... e na alma”

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com Foi o programa televisivo “Operação Triunfo”, em 2003, que a tornou conhecida. Ficou em terceiro lugar no concurso, o que lhe permitiu entrar em estúdio e produziu algo de nome próprio. Gravou “Mar Confidente”, um disco intimista que contou com a participação de autores renomados da música portuguesa. Depois de vários projectos, as atenções viramse agora para o grupo “Lisboa Não Sejas Francesa” e para o lançamento do novo álbum, agendado para o início do próximo ano. Nesta entrevista Joana Melo relembra momentos do passado e revela projectos do futuro. Operação Triunfo Foi a mãe quem a inscreveu na “OT”, em 2003. Além de ter de aprender a lidar com as câmaras, também foi difícil “estar em cima de um palco, interpretar e cantar temas que normalmente não fariam parte do meu reportório e a ginástica todos os dias de manhã”. Quando as luzes do programa se apagaram, a verdade tornou-se mais clara, como a própria cantora afirma: “Pintaram as coisas muito coloridas, é verdade, mas rapidamente me apercebi que as coisas não eram assim e que havia um longo percurso a percorrer e muito trabalho pela frente. Mas quem corre por gosto não cansa”. “Mar Confidente” Entretanto, Joana Melo grava o seu 1º álbum, “Mar Confidente”, em cerca de mês e meio. Produzido por e Nuno Faria, contou com a colaboração de artistas como , , os e o grupo algarvio (que também a acompanharam nos espectáculos). Vendeu perto de 10 mil cópias, chegando a disco de prata, o que surpreendeu em muito a cantora. Para Joana o álbum “não tem um estilo definido, tem um bocadinho de fado, música tradicional e pop. É um disco que me deixou portas abertas para todos os estilos”.

“Lisboa Não Sejas Francesa” Actualmente é vocalista de um novo grupo musical, os “Lisboa Não Sejas Francesa”: “foi um convite que o Miguel Majer e o Ricardo Santos, produtores do grupo , me fizeram. Achei o projecto muito interessante e não hesitei”. O grupo deu-se a conhecer ao público no , concorrendo com a música “Porto de Encontro”, mas “nós já existíamos antes do festival. Aceitámos o convite da RTP visto ser uma boa maneira de fazermos um tema original, já que somos uma banda de versões e para dar-mos a conhecer o nome da banda, pois era tudo muito recente, estávamos juntos há um/dois meses”. Futuro Joana Melo acabou de gravar o seu 2º álbum a solo, um disco que “no fundo será o meu primeiro disco”, pois será “um disco muito mais coerente e muito mais meu”. Segundo palavras da cantora, este disco vai ter “uma concepção diferente”, apesar de também poder contar com a colaboração de vários compositores, mas não terá a participação da cantora na escrita ou na composição dos temas - por enquanto. A relação com os fãs mantém-se: “Continuo a manter contacto com muitos dos meus apoiantes da altura da OT” que continuam a acompanhá-la para onde quer que vá e aplaudindo-a a cada novo projecto. Aos 25 anos, Joana Melo continua a voar nas asas da sua voz, encontrando-se cada vez que pisa o palco. É algo que considera “indescritível. É uma sensação de felicidade, de prazer”. Para o futuro espera “conseguir concretizar todos os meus sonhos e pisar muitos palcos nacionais e internacionais”. Joana Melo não desiste de adoptar um estilo pessoal e diferente, seguindo sempre os seus instintos e construindo novos rumos para a música portuguesa. 01 Joana Melo canta “Crying” numa das galas do programa televisivo da RTP “Operação Triunfo”

PAULO RAIMUNDO

Perfil Ser uma das vencedoras da “OT” foi apenas o primeiro passo que Joana Melo trilhou no seu caminho pela música. Reencontra as raízes da música tradicional portuguesa na gravação do seu 1º álbum a solo, “Mar Confidente”. As suas capacidades vocais foram ainda reconhecidas em Outubro de 2004 com o “Prémio Melhor Voz do Ano” atribuído pela Rádio Central FM na XII Gala da Central FM. Joana, a menina que sempre sonhou cantar integrou o elenco do musical “Cabeças no Ar”, de Carlos Tê, em 2005. No mesmo ano arriscouse na apresentação com o programa da RTP “Desafio 12-25”, um programa para jovens, especialmente dedicado às potencialidades do Cartão Jovem. O seu mais recente desafio é ser vocalista do projecto musical “Lisboa Não Sejas Francesa”. O primeiro palco do grupo foi o Festival da Canção e o reconhecimento chegou em Outubro de 2008 com o prémio de "Revelação do Ano", na , atribuídos pelo e Rádio Central FM.

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02 O primeiro álbum a solo: “Mar Confidente” 03 Em 2008 torna-se vocalista do grupo “Lisboa Não Sejas Francesa” - 7 Janeiro 2010

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Casa da Música: Áustria é o país em destaque no próximo ano

FOTO: JPN

O compositor austríaco Mahler vai ser alvo de homenagens durante todo o ano

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com O compositor austríaco Mahler é o grande homenageado da programação da Casa da Música para 2010. A participação da Vienna Art Orchestra e a estreia da violinista Midori são alguns dos destaques. No ano em que celebra o seu 5.º aniversário, a Casa da Música já tem mais de 160 espectáculos confirmados para o próximo ano. Para assinalar a data, realiza-se a 9 de Abril o concerto "A Quinta Sinfonia" de Tchaikovsky. A grande aposta da instituição para 2010 passa por "investir em espectáculos com capacidade multimédia, audiovisuais e electrónica", como afirmou António Jorge Pacheco, director artístico e de educação, na apresentação da nova programação, que decorreu esta terçafeira. O tributo a John Cage "4'33" (23 de Março) e o projecto cénico multimédia dedicado ao "Livro do Desassossego", semi-heterónimo de Fernando Pessoa (9 de Fevereiro), são alguns dos pontos altos da programação para o próximo ano.

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Mas o grande destaque da programação da Casa da Música para o próximo ano prende-se com a celebração dos 150 anos do nascimento do compositor Gustav Mahler . O país de origem de Mahler, a Áustria, será o país-tema de 2010. Depois de Espanha, Países Nórdicos e Brasil, chegou a vez do "país da música por excelência" ser homenageado pela Casa da Música. A Orquestra Nacional do Porto, que celebra dez anos de existência em 2010, dedica-lhe a Integral das Sinfonias do compositor austríaco, num desafio inédito que é uma "grande oportunidade para mostrar as suas capacidades", como afirmou Andrew Bennett, coordenador da orquestra.

Clubbing estende-se ao espaço Suggia Este ano o Clubbing vai, também, utilizar o espaço Suggia, continuando "a ser importante para a instituiç'ão" pelo desafio que coloca de "descobrir os espaços do edifício". Recorde-se que o Clubbing realiza-se todos os meses, excepto no Verão. Outra das novidades deste ano é o evento "Terça Fim de Tarde", um novo segmento destinado aos jovens valores da Música de Câmara, Jazz e Fado. Um dos objectivos é "suprir a falta de concertos à semana para os estudantes que estudam na cidade". Os festivais "Casa Portuguesa" e "Mestiço", que fazem parte dos quatro festivais sazonais ou temáticos da instituição vão ser distribuídos ao longo do ano, de modo a aumentar a oferta. O fadista Fausto apresenta-se a 1 de Maio, no âmbito do festival "Música & Revolução", que enaltece o compositor Jorge Peixinho.

O festival Suggia, especialmente dedicado ao violoncelo, sai para a cidade em concertos que terão lugar espaços emblemáticos do Porto, como nos cafés da baixa. Os dias 9 e 16 Outubro estão reservados para recitais de 30 minutos.

Nova data para espectáculo de Maria João Pires O concerto de Maria João Pires, cancelado por motivos de saúde da pianista, já tem nova data. O recital realiza-se a 20 de Fevereiro na Casa da Música. Os bilhetes adquiridos para o concerto que se iria realizar dia 28 de Outubro são válidos para o novo espectáculo.

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4 TEATRO

C R Í T I C A S

Emilia Galotti É a língua frívola da sedução, subtil e ardente que invade toda a textura desta tragédia. “A força da sedução é a verdadeira violência”, pois esta é indisfarçável e intensa, tal como o impacto dos diálogos e a interacção física dos actores. Lessing, o autor considerado como o grande reformador do teatro alemão, renovou a tragédia clássica, usando uma morte em palco e relevando a figura feminina. Contudo, é Marinelli, o servo do protagonista, que tece racionalmente todos os fios de uma trama passional preenchida pela tentação e desejos irrealizáveis. Mas como “querer pecar já é pecado”, como diz a certa altura Emilia, é a imaginação e a permanência do enigma que são os imperativos, deixando para segundo plano a explanação dos acontecimentos. Daí que estes não sejam mostrados ao público. Tal dá azo a que o espectador faça a sua própria interpretação e idealize o que terá, de facto, acontecido em alguns momentos, num conjunto de verdades que não são ditas, apenas sentidas nas cenas consequentes. A inquietação musical e a conjugação da luz contribuem para este ambiente de mistério indesvendável... Emilia Galotti consegue envolver o espectador até ao último momento de tensão inesperado. Fica apenas por explicar o contexto político que persegue o enredo, embora tal seja compensado com a vivacidade e dinamismo textual. O figurino simplista contrasta com a densidade dos jogos psicológicos das personagens, materializados na expressividade irrepreensível dos actores que lhes dão vida. TATIANA HENRIQUES

MÚSICA

Estranha forma de música Há bandas que transformaram a música. Outras transformaram-se em ícones de um determinado estilo musical. Há bandas capazes de encherem estádios, de ocuparem as ondas de rádio à toda a hora. Mas poucas, diria mesmo muito poucas, são capazes de nos transformar a vida, de serem ícones de um determinado momento temporal, de uma emoção, bandas capazes de encher a nossa alma, e de ocuparem um espaço só delas na nossa memória. Uma dessas bandas é para mim os The Durutti Column. Isto a propósito de no passado dia 15 de Novembro ter saído a público uma colectânea que acompanha os anos de 2001-2009 e de em Janeiro/Fevereiro de 2010 sair mais um album: "A Paean To Wilson", 30 anos depois de ter saído o primeiro álbum "The Return of The Durutti Column" editado pela mítica Factory de Manchester. Se para mim "LC" de 1981 continuará sempre a ser o álbum especial (um dos meus três álbuns preferidos de sempre), é com imenso agrado que verifico que os últimos anos da banda de Vini Reilly não trazem nada de novo. A guitarra mágica e acordes únicos continuam lá, a atmosfera típica e inclassificável também. O experimentalismo sempre fez parte da música dos DC, por vezes temos músicas que expandem o universo denso e em algumas partes mágico, com a inclusão de algumas e modernas tendências da música electrónica (sobretudo em "Everyone Loves Papa"). Dizem que Vini Reilly inventou de certa forma o chillout, e que é de certa forma impossível de qualificar e enquadrar a sua música num determinado estilo musical. É essa ausência de determinismo que faz da música dos The Durutti Column ser ao mesmo tempo tão própria e por outro lado, tão lata no seu experimentalismo. Não é música alternativa, é talvez a melhor alternativa para o silêncio. NELSON ALEXANDRE

CINEMA

As Horas O Tempo. A Vida. As Histórias. É um cruzamento de existências o que nos propõe o filme “As Horas”, realizado por Stephen Daldry e baseado no romance da fabulosa escritora Virginia Woolf, “Mrs. Dalloway”. Em tempos de crise, económica e de valores, por que não, ver ou rever, um filme que propõe ao espectador 110 minutos de autoreflexão e introspecção. Percorrendo a pena de Virginia Wo o l f , c o n h e c e m o s a v i d a atormentada da mulher escritora, feminista assumida, nos inícios dos anos 20, perseguida por uma existência dupla – “She has the life she’s living and also the book she’s writing”. A psicose que sofre fica patente no romance “Mrs. Dalloway” que, nos anos 50, Laura Brown lê, no intuito de encontrar o caminho para a almejada felicidade. E, como a literatura é vida, acima de tudo, é na Nova Iorque dos nossos dias que encontramos a encarnação da Mrs. Dalloway de Virginia: Clarissa. A mulher que vive para e por os outros, – “That’s what we do. We stay alive for each other!”-, como afirma. Assim, três épocas, três mulheres, três olhares se intersectam, se conhecem, se encontram, numa cumplicidade que não exige um contacto visual explícito. Uma linha comum traça o destino que estas mulheres se atrevem a questionar, a desenhar, a alterar. Elas procuram muito mais que a Felicidade. Elas questionam o que é a Felicidade? E descobrem-na quer através do renascimento da alma, quer através da morte, como metáfora duma outra etapa. A vida num segundo. Bebida em goles sequiosos. “As Horas” mostram-nos o amor pela vida, o olhar, ingénuo, sobre a Natureza, quase infantil; apresenta o vazio da existência, a ignorância humana, a angústia desta constatação. A Arte como única fuga a essa realidade, a evasão vital, o cálice de serenidade que apazigua o caos. “To look life in the face. Always to look life in the face. And to know it for what it is. And last to know it. To love it for what is. And then to put it away”. TERESA CAMPOS DOS SANTOS - 7 Janeiro 2010

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4 OPINIÃO Crónica

Crítica literária “Cartas a um jovem jornalista”: missivas de conselhos e preocupações

Medo do medo

O livro “Cartas a um jovem jornalista”, da autoria do jornalista espanhol Juan Luis Cebrián revela as verdades e dificuldades de uma classe profissional movida pela busca da verdade.

O que é o medo? Insegurança, receio, desassossego? Sem dúvida, é algo que nos deixa alerta, à espera de que algo de errado possa acontecer, a qualquer momento. A reacção pode ser de fuga, luta ou de pura inércia, consciente ou inconsciente. Medos fúteis, reais ou incontornáveis. Não interessa a sua natureza, mas a força que exerce sobre nós e o alcance nas nossas acções. Medos pontuais ou perenes, que nos acompanham desde a infância e cujos verdadeiras razões até desconhecemos. Apenas sentimos e aprendemos a viver com isso, ao longo do tempo.

A obra reúne as cartas de Cebrián a um presumível jovem jornalista, Honório. Aqui conta-lhe sucessos e fracassos da profissão, a importância do jornalismo para a sociedade, mas sem esquecer os erros que causa, por vezes, e a consequência dos mesmos. O sensacionalismo, o desrespeito no tratamento com as fontes e as implicações da concentração de empresas são algumas das preocupações que Cebrián explana ao longo das missivas. O autor refere que a vocação é talvez o motor principal na actividade de um jornalista. São tantos os obstáculos para exercer a profissão que só com muita perseverança e um pouco de teimosia é possível a sua concretização. Mas não esquece também o desconcerto, a dúvida, curiosidade e a defesa da honra como elementos essenciais para se ser jornalista. Cebrián, que foi um dos fundadores do jornal espanhol “El Pais”, considerado um jornal de referência, não esquece que o futuro já chegou e que o jornalismo começa agora a alterar-se. E a existência de novos meios pode abalar as raízes da Imprensa, colocando em causa a sua sobrevivência. O autor chega mesmo a falar de algo que hoje é já uma realidade: o “Daily Us”, um jornal personalizado, feito por cada um, à medida dos seus gostos e preferências.

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Não obstante, os jornais de hoje não deixam de ser o lixo de amanhã. A questão temporal é inseparável do jornalismo, bem como o seu carácter efémero. O tempo é implacável e Cebrián viveu-o na pele, sendo esta uma das histórias que conta ao jovem jornalista. Cebrián sabe quais o que os jovens jornalistas têm de enfrentar actualmente. Apesar das melhores condições (que o próprio autor não teve), as oportunidades são menores. Por isso, a pertinência ou não da formação em jornalismo é um dos temas abordados. Cebrián teme que as faculdades se tornem em “fábricas de desempregados”. Daí também a necessidade de uma reforma em profundidade do mercado de trabalho. Mas Cebrián não deixa de transpor a sua paixão e vontade pela sua actividade. São cartas sinceras, verdadeiras, que são interessantes de ler. E de aprender. É um livro indispensável para todos os jovens jornalistas, para que saibam mais sobre a profissão que querem abraçar, mas que nem todos sabem qual a real dimensão desse abraço. Mas também pode ser importante para o cidadão comum, para que assim perceba melhor o funcionamento do jornalismo, indubitavelmente relevante na sociedade e na manutenção da democracia. TATIANA HENRIQUES

Medo de furar o pneu numa estrada deserta. Medo de desistir. Medo da humilhação e da vergonha. Medo de cair na passerelle da vida e não conseguir levantar depois. Medo que o pára-quedas não funcione. Medo de estarmos sozinhos, seja no sótão mais sombrio ou no meio da multidão. Medo de perder alguém. Medo da verdade, total e incontornável e que muda toda a nossa história. Medo de sofrer. Medo de gaguejar nas apresentações em público. Medo de nos perdermos em algum labirinto veneziano e não conseguir encontrar o caminho de regresso. Medo de deixar de sonhar. Medo de ficar sem água no deserto. Medo do erro e, sobretudo, de não conseguir consertá-lo. Medo que os boatos errados se tornem notícias verdadeiras. Medo que nos pintem de outra cor e não aquela que desejamos. Medo do desprezo. Medo de ver quem amamos a sofrer e não poder fazer nada para aliviar a sua dor. Medo de tropeçar nas escadas e não saber as consequências da queda. Medo que o amor da nossa vida saia porta fora, ou pior ainda, nunca encontrá-lo.Medo que só as notícias más preencham o nosso telejornal. Medo que a vela apague numa noite

sem luz. Medo do equívoco. Medo de ficar para sempre numa cama de hospital. Medo de perder o comboio, que nos aproxima do aconchego e nos afasta da solidão. Medo de ver a partir quem gostamos nesse ou noutro comboio qualquer. Medo de não ter medo, de nos tornarmos imprudentes e despreparados. Medo da incerteza do futuro. Medo do fim imprevisto e infeliz. Frankin Roosevelt disse uma vez que “a única coisa que devemos temer é o próprio medo”. Possivelmente tinha mesma razão. E quem tem medo do medo torna-se a mais temerosa das criaturas, pois este amarra, aprisiona, limita. Impede-nos de reagir e enfrentar os obstáculos. Perdemos a nossa racionalidade e deixamos a emoção comandar as nossas acções. E nem sempre este é o melhor caminho. Se assim não fosse, muitas das nossas atitudes seriam tomadas por instinto e impensadamente, como raramente fazemos, na verdade. Com o medo a coragem diminui e a reacção deixa de ser tão eficiente. Viver sem medo é quase impossível porque temos sempre algo a perder e é por isso que o medo nos assusta tanto. A verdade é que sentimos medo desde pequenos, a partir do momento em que nascemos e em que damos conta que já não estamos tão protegidos. E sentimos medo até morrermos, quando percebemos que já não poderemos proteger ninguém. É inevitável, mesmo com muito esforço. E esta é a nossa medonha verdade. TATIANA HENRIQUES


4 OPINIÃO EDITORIAL Liberdade a quanto obrigas Foi falhado, mas aconteceu. Um novo atentado terrorista à nação americana envolvendo, de novo, os transportes aéreos. Trouxe à memória o trauma do 11 de Setembro de 2001, o ataque mais forte à defesa dos EUA, uma nação poderosa e considerada, por muitos, (quase) inabalável. Não o foi, e agora poderia também não ter sido. Outra vez. Depois dos convívios familiares e a tradicional troca de prendas natalícia, a ameaça voltou. O nigeriano Farouk Abdul Muttallab, de 23 anos, accionou um engenho explosivo num avião da Northwest Airlines. O destino era Detroit, Michigan. Mas o objectivo terrorista não chegou a ser concretizado. Impediram-no a tempo de evitar o pior. Apenas o próprio ficou ferido, com queimaduras graves na perna. A tentativa, apesar de falhada, reacendeu as preocupações com a segurança, que já não eram poucas. O Presidente dos EUA e actual Nobel da Paz preocupa-se – e com razão. Afinal está em causa a segurança dos seus cidadãos e a imagem que o seu país defende perante o mundo. E as reacções não se fizeram esperar. As medidas de segurança estão agora mais apertadas e volta-se agora a falar de scanners corporais. Mas, até que ponto é que estas novas máquinas, que tudo (ou melhor, quase tudo) vêem, podem invadir a nossa privacidade? Será que estamos, de facto, protegidos aos olhares indiscretos humanos? Alguns garantem que sim, outros duvidam e muito. Além disso, não se comprova a eficácia destes scanners, pois não detectam objectos que estejam em cavidades corporais, possibilitando na mesma o transporte de explosivos.

Assim, será que vale mesmo a pena deixar que nos examinem, até aos últimos pormenores? Estaremos perante um “strip digital” todas as vezes que necessitemos passar por um aeroporto? Não obstante, já há quem refira que estes novos mecanismos violam as leis de protecção de crianças, pois fornecem imagens demasiado explícitas dos corpos infantis. A verdade é que vivemos tempos difíceis. A crise invade as instituições, o desemprego não pára de crescer e a criminalidade aumenta. Dificilmente encontramos uma sociedade tão insegura como a de hoje. Ao mesmo tempo, as tecnologias evoluem de uma forma imparável. E parece que podem ser estas as nossas próximas aliadas. Além dos scanners corporais, não podemos esquecer as tão polémicas câmaras de vigilância nas cidades. Servem para vigiar ou para espiar? Identificar os criminosos ou controlar os inocentes? Como em tudo, há aspectos positivos e negativos nestes novos mecanismos. Tanto os scanners como as câmaras de vigilância podem ser bem ou mal usados. A chave do sucesso parece ser, uma vez mais, o bom senso. Defendemos a liberdade, mas que esta seja segura, para que possamos sair de casa sem receio de nunca mais lá voltar. Os riscos são cada vez maiores, bem como os cuidados a ter. Convém convencernos: o preço a pagar pela liberdade passa cada vez mais por esquecer os nossos velhos padrões de privacidade. As exigências continuarão a ser a salvaguarda dos nossos direitos e até segredos. E esses é que não podem ser “vasculhados” por uma qualquer máquina examinadora.

Comentário Cidadania invasora Recentemente passou no rodapé de um dos telejornais matinais o seguinte pedido: “Se tiver imagens do sismo, envie-nos”. A verdade é que esta não foi uma solicitação pontual. Além disso, é recíproca, com uma resposta retumbante, aliás. Sem dúvida, é notória uma participação mais assídua do público nos jornais. O jornalismo tem como principais funções dar voz aos problemas dos cidadãos e assumir o papel de vigilante (watch-dog) perante a acção política. Mas, até agora, o cidadão era apenas um espectador daquilo que os jornalistas realizavam. Contudo, com o passar do tempo e a imparável evolução tecnológica, o cidadão deixou de só ver para também participar. E, assume, algumas vezes, um papel fundamental na produção noticiosa. São já muitos os vídeos amadores que acompanham as notícias, em situações inesperadas e onde não estava nenhum jornalista presente. Tais documentos acabam por revelar-se material único, que complementa verdadeiramente o trabalho jornalístico. A verdade é que hoje em dia é fácil tirar uma fotografia ou gravar um vídeo e enviá-lo no mesmo momento. As novas tecnologias são cada vez mais eficientes e céleres, além de estarem ao acesso de quase todos. Não obstante, as redes sociais emergem na importância da comunicação actual. Os próprios jornalistas já se renderam a estes novos “apelos” da rede. Alguns possuem também blogues. Mas não são os únicos, como é óbvio. E são este tipo de meios que preocupam os órgãos noticiosos. Afinal, possibilitam que qualquer um exerça o papel de jornalista ou comentador sobre qualquer assunto. A notícia deixa de estar, por completo, nas mãos do jornalista.

É o chamado “jornalismo do cidadão”, criticado por alguns mas de inequívoca ascensão, que integra cada vez mais o jornalismo actual. Afinal, o objectivo do jornalismo é informar, e o mais cedo e completa possível. A participação dos cidadãos pode auxiliar neste propósito, pois fornece aos jornalistas material que, de outra forma, não conseguiriam obter. Contudo, a qualidade do jornalismo fica ou não afectada por esta ligação? Não esqueçamos que as redacções são compostas por jornalistas, editores, directores. Ou seja, as equipas jornalísticas têm como base uma hierarquia, que vigia os erros e instiga ao aperfeiçoamento. Pelo menos, seria assim idealmente. Ora, se nos blogues ou em qualquer outra rede social cada um escreve o que quer, como se pode garantir, de alguma forma, a qualidade dos seus conteúdos? Contar com a ajuda do cidadão comum pode ajudar a mostrar momentos em que o jornalista, que não é omnipresente, não pôde chegar. Mas não se pode confiar demasiado nesta fonte que, às vezes, só quer aparecer. Se o jornalismo vive uma situação de pouca credibilidade perante o público e de dificuldade de afirmação, necessita de mais independência. Aproveitar as novas tecnologias mas reforçar os baluartes do jornalismo, que justificam a sua criação e a razão para que nunca tenha deixado de existir. Mas quem faz as notícias são os jornalistas e é a eles que cabe tomar verdadeiramente o comando na produção jornalística. TATIANA HENRIQUES

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7 JANEIRO 2010 QUINTA-FEIRA WWW.ACTUAL.PT 1

Destaque:

2

Desporto:

3

Media:

Porto recebe o melhor do cinema francês

Autismo: apenas mais uma maneira de ser normal || P.2

Street Self Defense: Nova modalidade tem origem no Porto || P. 7

Alfredo Maia: “Há um clima de medo nas redacções” || P. 11

A+ Media: Entrevista a Joana Melo: “Asas na voz ... e na alma” || P. 13

4

Opinião: Crónica “Medo do medo”|| P. 16

Ficha técnica: Director:Tatiana Henriques Redactores:Tatiana Henriques || Nelson Alexandre || Teresa Campos dos Santos Design Logótipo:Nelson Alexandre

TATIANA HENRIQUES tatehenriques@gmail.com A selecção dos melhores filmes franceses vai ser exibida de 20 a 25 de Outubro. Destaque para homenagem à realizadora Agnès Varda e a presença do português Pedro Costa. Depois de Lisboa e Almada, a 10 ª Festa do Cinema Francês, organizada pelo Instituto Franco-Português, chega ao Porto para cinco dias do melhor cinema francófono. As exibições dos 19 filmes vão dividir-se entre o Museu de Serralves e os Cinemas Cidade do Porto, sendo que nem todos os filmes presentes no cartaz têm distribuição prevista em Portugal.

Este ano, parte da programação é dedicada à realizadora belga ,Agnès Varda, de 81 anos, com a exibição de algumas das suas obras durante o festival. A cineasta vai estar presente terça-feira no Museu de Serralves para a apresentação de "Les Plages d'Agnès", o seu mais recente filme, que inicia o ciclo no Porto.

O realizador português Pedro Costa vai também marcar presença neste ciclo, estando presente no domingo no Museu de Serralves. O documentário "Ne Change Rien" marca o encerramento das exibições na cidade do Porto. A actriz e cantora francesa , a figura principal do filme, acompanha o realizador nesta sessão.

Entre as restantes obras que serão apresentadas, destacam-se o drama "Clèo de 5 à 7", de Agnès Varda, a comédia de espionagem "Le Plaisir de Chanter" de Ilan Duran Cohen, "Le Bal des Actrices" de Maïwenn Le Besco, e ainda o drama histórico "Eden à L'ouest" de Costa-Gavras.

A 10.ª Festa do Cinema Francês prossegue em Guimarães, Faro e Coimbra, onde encerra definitivamente a 10 de Novembro.


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