Entrevista - Jessica Hausner

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Jessica Hausner entrevista de tatiana Henriques

«Amor Louco» conta a história de um poeta que pretende pôr fim à sua vida fazendo desse momento uma prova de entrega ao amor elevado. O plano é bom, falta-lhe apenas convencer alguém para lhe fazer companhia… Inspirado na vida do poeta alemão Heinrich von Kleist (1777-1811) o filme arrecadou o Prémio de Melhor Filme no Lisbon & Estoril Film Festival, além de ter estreado na secção “Un Certain Regard” do Festival de Cinema de Cannes. A METROPOLIS conversou com a cineasta austríaca, Jessica Hausner, que escreveu e realizou esta singular obra. Trabalha no cinema há muitos anos. O que mais a encanta na Sétima Arte? Comecei quando era bastante nova, com talvez 15 ou 16 anos. Comecei por fazer pequenos vídeos e costumava escrever pequenas histórias. Na verdade, naquela altura, planeava tornar-me uma escritora (risos). Mas encanteime com o facto de que, para mim, era mais real fazer os vídeos do que escrever uma história. O facto de haver inclusão de pessoas reais tornou-se mais fascinante para mim. Naquela altura, intrigava-me a autenticidade do real, o modo como isso se traduz numa cena de um filme, algo que não é possível expressar com palavras. Aquelas acções e imagens são modos de expressão e estão para lá das palavras. Entretanto, continuei a fazer vídeos e depois candidatei-me à Academia de Cinema, em Viena, e comecei lá o trabalho de realização. Depois disso, comecei uma produtora com alguns dos meus colegas da Academia, que continuam a fazer parte da produtora. Continuei a fazer pequenos filmes e depois comecei com as longas-metragens. E quais são as suas principais influências? Diria que a pintura e as artes visuais no geral.

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Aliás, é algo que se pode ver em «Amor Louco»… Sim, sim. A história deste filme é bastante invulgar e curiosa. Como começou este projecto? Comecei com uma ideia simples: duas pessoas que tentam matar-se juntas e que não são bem-sucedidas. Há dez anos, fiz uma primeira tentativa de contar a história e, nessa altura, a trama desenrolava-se na actualidade e era sobre dois jovens que tentavam matar-se juntos. Lembro-me que nessa história havia alguma dessincronia no final, um morre e o outro não. A ideia principal já lá estava, quando escrevi o argumento, há dez anos, mas parecia-me uma tragédia pesada e não fiquei satisfeita, por isso não continuei, pu-la de parte. Depois de fazer outro filme, voltei àquela história e encontrei um artigo que falava sobre Heinrich von Kleist, no qual eram relatados alguns detalhes que eram muito intrigantes para mim. Além disso, achei-o bem-humorado e ri-me porque estava escrito que ele pediu a diferentes pessoas para morrer com ele, tendo levado algum tempo para que encontrasse a pessoa certa. Por isso, era o oposto daquilo que se esperaria normalmente de uma comédia romântica, terminando com um duplo suicídio. Pensei que seria bom ter essa biografia como inspiração. Ia justamente perguntar-lhe se pensa que seria possível que esta história acontecesse actualmente. Havia alguns detalhes que eu não poderia transpor para os dias de hoje como, por exemplo, a situação médica. Naquela altura, eles não investigavam de forma tão precisa a saúde feminina, nem eram autorizados a tocar no corpo, portanto, seja o que fosse que pensassem que existisse internamente seria muito vago. O diagnóstico, bem como o tratamento, não estavam muito desenvolvidos. Assim, toda esta questão e escuridão sobre a sua doença não poderiam acontecer actualmente.

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Quais foram os seus maiores desafios na realização deste filme? Provavelmente a pesquisa histórica, porque não queria fazer um filme histórico pela parte histórica (risos). Usei a biografia de Kleist e também a época para contar uma história que me interessava e, tal como disse, poderia ser transposta para os dias de hoje. Penso que levo isso para todos os meus filmes, preciso ter algo que me dê alguma distância, porque tento não ver apenas uma história individual mas o grupo ou a sociedade que serve de pano de fundo para essa história. Para fazer isso preciso de encontrar lugares, histórias ou algo que me permita dar um passo atrás e ver de fora. Se estiver muito inserida naquilo sobre o qual estou a escrever torna-se sentimental, não sei. Foi bom e difícil ao mesmo tempo porque reuni imensos detalhes históricos para conseguir, talvez, pô-los de lado novamente e criar o meu próprio estilo, que é baseado numa história verídica mas é também uma parábola, um conto de fadas, uma história que poderia acontecer naquela altura como agora. Como é que foi feita a escolha dos actores? Foi um longo processo de casting. Não dei muito espaço na história para explicar as personagens, dando detalhes biográficos das mesmas, normalmente não faço isso, provavelmente porque é uma espécie de conto de fadas que crio. As personagens são mais estereotipadas, o destaque não está na história individual mas no papel que representam no grupo. Este é o ponto de vista que tenho nos meus filmes. Quando escolho os actores, procuro pessoas que têm uma aura forte ou que dão algo que seja bom para a personagem sem palavras, mas apenas a partir da expressão. O modo como lêem as suas linhas dá-te uma pista de quem aquela pessoa poderá ser e levou muito tempo até encontrar actores que realmente encaixavam como uma luva nos papéis. O filme estreou no Festival de Cannes. Como foi a experiência? Como sempre acontece em Cannes (também

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amor louco (2014) tive outros filmes lá), é stressante mas também é fantástico. É um Festival enorme, há muita atenção, muitos críticos e distribuidores, pessoas do mundo cinematográfico. Foi stressante e exaustivo. Como definiria «Amor Louco»? Uma comédia, drama, ambos? Não sei, é difícil… Não sei se colocaria «Amor Louco» na categoria de comédia, mas também não é um drama. Provavelmente, um drama com humor negro. Como vê actualmente o cinema austríaco? Penso que, na verdade, há coisas interessantes a acontecer. Há realizadores originais e penso que, às vezes, o lado artístico da realização é interessante no cinema austríaco. Penso que não há uma tradição relativamente a longas-metragens, mas há uma tradição em filmes experi-

mentais na Áustria. Tenho a impressão de que há uma abordagem interessante. Há também documentaristas austríacos que fazem bons filmes, entre eles algumas realizadoras femininas, o que também acho estimulante. Está a correr bastante bem. Que projectos tem para o futuro? Planeio um novo filme e, como sempre, começo com uma ideia pequena e depois continuo e reúno algum material, como imagens, histórias, entrevistas, ideias. Quando tenho um número suficiente, começo a construir a história e a escrever. Portanto, ainda estou no processo da recolha.

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