Entrevista a Pedro Varela

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Nas malhas do Rock pedro varela em entrevista

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Tendo a década de 1980 como cenário, a série portuguesa Os Filhos do Rock, estreada a 8 de Dezembro do ano passado, chega agora ao seu Lado B, tal e qual como um disco de vinil. As músicas tocadas na série foram escritas de propósito por Pedro Vidal (guitarrista dos Wraygunn), o director musical que foi recomendado por Rui Veloso, também ele retratado na série. A Metropolis conversou com Pedro Varela, realizador e o autor de Os Filhos do Rock, sobre as particularidades da série.

TATIANA HENRIQUES Quais foram as inspirações para a criação de Os Filhos do Rock? Não existiram inspirações directas. Na verdade, tudo me inspira quando chega a hora de escrever, de começar do zero. Esse é o desafio mais interessante. Mas foi fundamental mergulhar numa série de músicas, livros e filmes. De recuar a algumas memórias. Quando era miúdo, vivia num bairro onde o boom do rock português se sentiu, havia pessoal a ensaiar em garagens e sótãos. Eram todos uns anos mais velhos que eu, mas eu lá ia com o meu irmão e sentava-me num canto. Lembro-me de organizarem concertos, lembro-me de ter tido nas mãos alguns dos discos daquela altura. Aos doze anos, eu brincava às rádios no meu quarto, usava o gira-discos e um gravador de cassetes. Tocava os discos que havia lá por casa e o que gravava da rádio e passava no meu “programa”. Um dia, fui à Rádio Comercial da Linha (pirata na altura) e fiquei fascinado, cheguei a pensar que um dia teria um programa meu no ar. Isso nunca aconteceu e o “Dias de Rock” ficou adiado... No que diferem o Lado A e o Lado B da série? O Lado A é o lado aspiracional da série, a vontade de chegar ao topo a qualquer preço e sem conhecer realmente as regras do jogo. O Lado B adensa-se e é mais negro, representa a ressaca

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do boom, daqueles anos de euforia. As personagens entram em zonas mais sombrias e a narrativa beneficia de tudo o que já tivemos oportunidade de mostrar no Lado A. Um dos poucos benefícios de uma série de média/longa duração é podermos usar o passado como trunfo. Vêm aí grandes surpresas e de difícil previsão para o espectador. Como foi feita a escolha dos actores? O elenco principal foi decidido antes de começar a escrever. Mais do que escrever personagens para encaixar em certos actores eu faço o contrário, divirto-me a criar-lhes desafios e eles ainda se entusiasmam mais. E também tive muitas surpresas agradáveis no processo de filmagem, ganhei mais uns cromos preferidos para a minha caixinha de actores. Mas este método não é normal no nosso mercado, e essa é uma das vantagens e uma das razões que dificilmente outra produtora nacional, além da Stopline Films, poderia fazer uma série como Os Filhos do Rock. Um projecto desta envergadura, de grande ambição artística e orçamento reduzido, duplica o risco. O orçamento parece que fica mais curto e os dias passam a correr. Além de autor, foi também realizador da série. Como foi conciliar estas duas tarefas? A certa altura foi impossível, no Lado B afasteime mais da escrita e concentrei-me na realização. Traçámos objectivos e depois só fiz a revisão e versão final dos guiões, deixei a escrita nas mãos muito responsáveis do Tiago R. Santos, do João Tordo e do Vicente Alves do Ó. Mas é um privilégio escrever e filmar o nosso próprio material, é um exercício difícil de auto-critica constante. Há sempre um em mim a querer ser melhor que o outro, é uma merda. Sendo também actor, de que forma é que isso poderá ter influenciado a forma como dirigia os actores? Passei muitos anos do lado de lá, sei exactamente o que os move ou o que os irrita, o que os atrapalha em vez de ajudar. Os actores são a alma de qualquer projecto, são eles os que sofrem mais, são eles que carregam as coisas boas e as coisas más que um dia me lembrei de escrever. Às vezes nem falamos, trocamos um olhar e aquilo dispara. Outras vezes nem por isso, a coisa torna-se mais física, é quase sexual, e

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nesse campo a confiança um no outro é a chave. Gosto muito deles e fico feliz que eles gostem de mim. Alguns dos músicos retratados na série são também consultores, como Rui Veloso e Jorge Palma. De que forma a sua participação tem ajudado ao projecto? Foi óptimo poder conversar e vasculhar um bocado na vida de cada um. Descobrir coisas tão simples como onde viviam na altura, se tinham carro, se tinham namorada, o que é que faziam com o dinheiro que ganhavam. Se tinham o apoio da família ou não. Tanto o Rui como o Palma são enormes, é incrível o que atingiram,


o talento que têm e a paixão e vontade que ainda demonstram. Os mais novos que ponham os olhos neles. E tive alguns almoços muito agradáveis com o Luís Filipe Barros, que é um senhor e uma verdadeira bíblia, não só do rock mas do futebol e afins. Quais são as dificuldades inerentes ao tratar-se de uma série de época? Em Portugal, todas. Sem orçamento não há roupas, não há mobiliário, não há carros, não há ruas fechadas para poder filmar. O lado bom é que ganhamos uma capacidade de resolver e uma ginástica criativa que, se um dia formos filmar nos Estados Unidos, nem sabemos o que have-

mos de fazer com o dinheiro. Aliás, se a indústria americana sabe disso, rouba-nos os poucos produtores e directores de produção que andam por aí a fazer milagres. No início de Os Filhos do Rock, há uma prolepse, um recurso pouco comum em séries. A que se deveu esta opção? Sempre gostei da narrativa não linear, permite descobrir e construir layers muito interessantes. Esse tipo de estrutura talvez seja menos comum na televisão, mas o cinema usa e abusa, e quando é bem feito funciona sempre como um extra narrativo. E escrever dessa forma também é um desafio interessante, devia ser usado em

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aulas de guionismo. Começar por escrever o terceiro acto e voltar ao primeiro pode resolver o bloqueio inicial, lançar desafios e abrir portas muito interessantes. O Lado B da série começa da mesma forma, viajamos até aos anos de 84 e 85 para depois regressar a 1982. Esta viagem no tempo vai enriquecer a nossa interpretação do presente e de alguma forma aproximar-nos do fim. Porquê o título “Os Filhos do Rock”? Já não me recordo como cheguei a esse título, tinha uma lista enorme. Mas a sua justificação é muito clara. O Rock nasceu nos anos cinquenta nos Estados Unidos e mais tarde chega ao Reino Unido, e foi esse som que vinha de fora que inspirou o resto do mundo. Somos portanto, filhos e não pais. Sente-se também um filho do rock? Não, nem por isso. Sou demasiado eclético para encaixar esse título. É verdade que os actores que interpretaram os elementos da banda Barões ensaiavam nos intervalos das gravações? Pensa que poderá até haver 92 metropolis abril 2014

um futuro musical para os seus intérpretes? Eles ensaiavam sempre que tinham tempo livre na rodagem. Mas os Barões nasceram enquanto banda ao mesmo tempo que eu escrevia os primeiros episódios, quando começámos a filmar eles já ensaiavam juntos há vários meses. O João Tempera é músico com trabalhos editados, o Cristóvão Campos sempre teve bandas. O Eduardo Frazão aprendeu a tocar para a série e agora não quer outra coisa. Eles criaram uma amizade forte que sobreviveu para além da ficção, e se os Barões foram e são esse veículo têm todo o meu apoio. Eles são muito guerreiros, foram o pilar desta série, são um exemplo de talento e dedicação, são os meus três mosqueteiros. Eduardo Frazão e Filipa Areosa venceram os Lumen Revelação, justamente pelo seu trabalho em Os Filhos do Rock. Como viu esta vitória? Soube e fiquei muito feliz por eles, eles merecem e muito. E não, não tive a oportunidade de ver, ao que sei deu bastante tarde. Mas vou fazer como o resto do país tem feito com Os Filhos do Rock, está gravado na box e vou ver noutro dia... tenho a certeza que vou adorar. * Os Filhos do Rock em exibição na RTP


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