Especial - «Birdman»

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Birdman - O renascimento do herói «Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)» é uma comédia negra realizada pelo mexicano Alejandro González Iñárritu. Contando a história da tentativa de reaparecimento de um actor falhado, a obra inova pelo modo como foi filmada, obrigando os actores e toda a equipa a elevarem a fasquia. Neste especial, fique a saber os detalhes do filme de que todos falam. tatiana henriques

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iggan Thomson (Michael Keaton) é um actor frustrado que alcançou a fama após ter interpretado, muitos anos antes, um icónico super-herói. Contudo, agora vive atormentado pelo super-ego dessa personagem, Birdman, além de um sentimento permanente de mediocridade e fracasso. Para tentar alterar este panorama, Riggan monta uma peça na Broadway, baseada no conto «What We Talk About When We Talk About Love», de Robert Carver, para que assim possa recuperar a sua credibilidade profissional e a sua antiga glória para com o público. Todavia, quando o espectáculo está prestes a estrear, Riggan sofre um acidente e precisa ser rapidamente substituído, pelo que o protagonista relutantemente contrata Mike Shiner (Edward Norton) para o lugar, seguindo, assim, as sugestões da actriz Lesley (Naomi Watts) e do produtor Jake (Zach Galifianakis). Como se não bastasse, Riggan ainda tenta melhorar as suas relações familiares, que se resumem à sua actual namorada, Laura (Andrea Riseborough), a sua filha e assistente pessoal, Sam (Emma Stone), e a sua ex-mulher, Sylvia (Amy Ryan).

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Alejandro González Iñárritu O cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu já deixou a sua marca no Cinema mundial com filmes como «Amor Cão» (2000), «21 Gramas» (2003), «Babel» (2006) ou «Biutiful» (2010), contando já com duas nomeações aos Óscares. Após completar 50 anos, Iñárritu considerou que estava na altura de arriscar… e assim surgiu «Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)», um prodígio cinematográfico quanto à quebra de regras. «Era um novo território e estava definitivamente fora da minha zona de conforto», afirmou Iñárritu, que é simultaneamente produtor, argumentista e realizador da obra. O protagonista de «Birdman» é profundamente inseguro. Questionado pelos jornalistas se também tem algumas vozes de insegurança na sua mente, o realizador respondeu da seguinte forma: «O meu processo criativo pessoal é cheio de dúvidas, a toda a hora, portanto há muitas vozes de insegurança. Questionarmos o nosso próprio processo é uma necessidade. Se não nos questionamos a nós próprios é impossível melhorar. É um processo torturante para mim e a voz que tenho na minha cabeça é a de um ditador, um tirano horrível. Chamo-o de O Inquisidor. Tenho meditado nos últimos cinco anos, o que me ajudou a identificar esta voz que realmente me torturou a vida toda. Agora que a identifiquei, acho-a incrivelmente interessante. De certa forma, esta é a semente sobre aquilo de que este filme fala. Todos têm a sua própria versão do Inquisidor», afirmou.

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Foto: Alejandro González Iñárritu com Edward Norton e Michael Keaton

O realizador acrescentou que consegue rever-se «perfeitamente nesta história e foi uma oportunidade óptima para explorar os próprios demónios e o meu próprio ego. Quando estávamos a escrever o argumento, eu e os argumentistas rimo-nos sobre isso. Rirmo-nos de nós próprios é um exercício saudável». Há, assim, uma profunda ligação entre esta voz inquisidora que questiona a todo o instante e aquilo que é retratado no filme. «Há uma disparidade entre o que pensamos que conseguimos alcançar e aquilo que realmente conseguimos alcançar. Esta é basicamente a essência do humor neste filme. Penso que o ego é um pouco trapaceiro, porque, às vezes, lisonjeia-nos – diznos que somos um rei, que não deveríamos permitir que as pessoas nos desrespeitassem porque somos especiais, somos os melhores e eles não nos entendem porque somos um génio… Dois minutos depois, vai dizer-nos ‘és o maior idiota, és uma fraude’. É um ditador bipolar e eu queria explorar isso», revelou Iñárritu. O argumentista, que confessa que adora «as personagens que sejam imperfeitas, incertas, guiadas por dúvidas e contradições», considera que Riggan é «profundamente humano. Via-o como uma espécie de Don Quixote, onde o humor resulta da disparidade e da permanente desarticulação das suas majestosas ambições e da realidade ignóbil que o rodeia. Basicamente é a história de todos nós. Ao longo da sua vida, Riggan tem confundido amor com admiração.


E é quando percebe a irrelevância da segunda que começa dolorosamente a aprender a amar-se a si próprio e aos outros», acrescentou. Apesar da universalidade da obra, que pretende chegar a todos, foram escolhidos os actores para retratar esta luta interna entre homem e ego. Para o realizador, tal deve-se também ao encanto que nutre por estes profissionais: «A estranha natureza dos actores é impossível de entender, já que para serem bons ou bem-sucedidos, têm de ser extremamente honestos. E, para serem honestos, à frente de tantas e tantas pessoas, têm de ser honestos sobre algo que não existe e não serem eles próprios. Por isso, é uma espécie de projecção extraordinária – deixar que sejas julgado como outra pessoa que, na verdade, és tu. Penso que isso é fascinante». Edward Norton, um dos protagonistas, também realça o carácter universal que a obra pretende abarcar: «O Alejandro disse-me, no início, que não queria que o filme fosse só sobre actores ou mesmo sobre artistas. Ele queria que fosse sobre algo com que qualquer um se pudesse relacionar». Alejandro Iñárritu sempre se habituou a trabalhar com orçamentos reduzidos. «Birdman» não foi excepção e exigiu uma real dedicação do cineasta, que se entregou insofismavelmente ao projecto: «Nós [argumentistas] e também os actores trabalhámos basicamente de graça e temos de fazê-lo num filme como este. Isto foi um acto de amor, paixão e crença. Honestamente, o filme custoume dinheiro, tendo em conta os dois anos que dediquei. Alguns dos actores receberam o mínimo. Houve muitos favores aqui. Todos trabalhámos porque gostámos do filme, portanto foi uma decisão financeira estúpida. Não poderia conceber a ideia de fazer um filme só por causa do dinheiro. Para mim, seria um inferno. Como poderia desistir de dois anos da minha vida somente por causa de dinheiro? Não conseguiria fazê-lo», confessou. O cineasta procurou preencher a obra com uma realização única e totalmente comprometida com o desenvolvimento do argumento. Iñárritu elucidou um pouco sobre este processo: «Sabia que era intrínseco à

natureza, forma e substância. Queria que as pessoas entrassem realmente na pele deste homem. A perspectiva, para mim, é sempre um dos aspectos mais importantes e queria que esta fosse uma perspectiva radical. A câmara está sozinha. Reduzi os corredores. Há esta sensação de um espaço estreito, labiríntico e sujo. Todas as paredes estão a fechar-se nele e eu queria essa sensação a nível visual». Os actores tiveram um período de ensaios de três meses, já que «tiveram realmente que entender o que eu estava a fazer – cada momento, cada passo, cada virar de rosto estava prédecidido e meticulosamente coreografado. Nada foi improvisado», revelou Iñárritu.

Michael Keaton, o Birdman Há seis anos que Michael Keaton não interpretava o papel de um protagonista. O anterior havia sido «The Merry Gentleman» (2008), filme que também realizou. Tal como a sua personagem, também Keaton alcançou a fama mundial através da interpretação de um super-herói. No caso, foi Batman em «Batman» (1989) e «Batman Regressa» (1992). Todavia, as parecenças terminam aqui. «Nunca me identifiquei tão pouco com uma personagem como com Riggan, mas compreendi-o em muitos aspectos, porque ele era muito visceral e um humano verdadeiro e de partir o coração», revelou Michael Keaton. Curiosamente, o actor não é o único elemento do elenco que já fez parte de filmes de super-heróis. Ora, Edward Norton interpretou Bruce Bunner em «O Janeiro 2015 metropolis 57


Incrível Hulk» (2008) e Emma Stone desempenhou o papel de interesse romântico do Homem Aranha, a Gwen Stacy de «O Fantástico Homem-Aranha» (2012). Sobre Riggan, Keaton diz que considera que a sua essência está nas «suas contradições. Ele sente-se como um cometa num momento e, dois segundos depois, está completamente devastado. Isso e muito mais poderia acontecer numa única cena. Nunca estive num filme ou peça em que, de um a dois minutos, se passe de algo realmente divertido para algo retorcido, depois de regresso ao divertido, depois muito triste, e, finalmente, alguma loucura, num espaço tão reduzido de tempo». Emma Stone acrescenta que «encontramos o Riggan num beco sem saída, no meio da tentativa de um regresso à sua carreira, guiada sobretudo pelo seu desejo em ser importante. A minha personagem ensina-o bastante sobre redes sociais e a nova natureza da fama, que é algo que ele deliberadamente desconhece. O modo como se acede aos actores agora é muito diferente daquele que existia quando Riggan apareceu como Birdman, 20 ou 30 anos antes. Ele quer significar alguma coisa, mas também quer ser adorado e respeitado como artista». De forma peremptória, Michael Keaton afirma que este «foi o filme mais difícil que fiz», além de que está «muito contente» por ter trabalhado com o realizador mexicano. A recíprocidade parece ser verdadeira, ten58 metropolis Janeiro 2015

Fotos: Michael Keaton e Emma Stone (pág. dir.) Naomi Watts e Edward Norton (pág. esq.)

do em conta as palavras de Iñárritu: «O Michael é muito talentoso e um actor impressionante, que domina a arte da comédia e do drama como ninguém que tenha visto ou com quem tenha trabalhado. Ao mesmo tempo, ele é um dos poucos que verdadeiramente vestiram aquela capa. Ele é o avô das sagas esmagadoras de banda desenhada que assistimos agora, portanto era a escolha perfeita. Quando aceitou, sabia que o filme seria exactamente o que queria porque ele não só iria reflectir e projectar uma realidade mais forte por causa do seu passado e referência, mas também por causa da sua incrível profundidade de talento. O Michael interpretou-o com uma honestidade e verdade absolutas. Devido ao modo como filmei o filme, exigia-se que ele fosse absolutamente preciso fisicamente no andar e no ritmo, mas também que tivesse uma extraordinária habilidade em transitar para diferentes territórios sem um grão de ironia. Ele chegou a lugares muito profundos. Não sei como o fez, mas foi magnífico de observar», conclui. Não obstante, Iñárritu alarga os seus elogios ao restante elenco, composto de estrelas muito conhecidas de Hollywood: «Penso que a escolha dos actores é uma das maiores decisões enquanto realizador. Tentei escolher actores que não


fizessem uma caricatura destas personagens, mas que entendessem a sua humanidade e lhes dessem profundidade, mesmo quando as circunstâncias são absurdas. Sei que o nosso elenco é composto por grandes actores, mas também sei que eles têm uma consciência notável e foram capazes de viver o momento, de se comprometerem com a narrativa do filme».

Naomi Watts A actriz inglesa Naomi Watts já havia trabalhado com Alejandro González Iñárritu em «21 Gramas», numa participação que fez com que fosse nomeada pela primeira vez para o Óscar de Melhor Actriz. É desta forma que descreve o realizador: «Ele é como um cirurgião, que sabe retirar de cada um, com uma precisão microscópica, o que quer. Qualquer emoção, qualquer expressão, chega da forma em que ele nos pede. E é como se fosse um actor: intenso, bastante intenso.

A minha experiência com ele foi sensacional e a sua visão foi enriquecedora para mim. Penso que sou uma actriz mais bem moldada e mais completa graças a ele», reconhece. Relativamente à sua personagem, a actriz disse, em entrevista, que «a Lesley está tão desesperada pela sua grande oportunidade, para chegar à Broadway, que é o seu sonho de infância. Ela está muito concentrada nisso e não vai deixar que nada se intrometa no seu caminho». Devido à particularidade de como o filme foi filmado e pelo mesmo se passar num teatro, Naomi Watts salienta as dificuldades inerentes da obra: «Tenho os típicos pesadelos de estar no palco: esquecer as minhas deixas, ficar nua. O elevado nível de intensidade no filme é emblemático daquilo que é estar no palco».

emma stone Emma Stone interpreta Sam, uma jovem que acabou

de sair de uma clínica de reabilitação e que está furiosa com o seu pai, Riggan. Acaba por aceitar, embora relutantemente, ser sua assistente na montagem da peça, mas sente-se negligenciada e relegada com as tarefas rotineiras que lhe são atribuídas. A relação entre ambos é tensa, também devido ao sucesso propiciado pela personagem Birdman, que fez com que Riggan estivesse muito ausente no período de adolescência da filha. Emma Stone considera que «ela comete um enorme erro ao trabalhar com ele. Não ajuda que ele não se consiga ligar a ela no início e que tenha de fazer recados braçais. A relação não começa bem, mas, depois, ela começa a perceber que eles são muito parecidos. A Sam é uma das poucas personagens no filme que não é actor, que não está na peça. Isso foi interessante de interpretar, ela está do lado de fora e testemunha tudo o que está a acontecer sem estar no tornado do

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palco com todas aquelas pessoas loucas». Sobre o seu trabalho no filme, a experiência foi auspiciosa: «Aprendi tanto. Foi tão motivador viver e respirar a personagem em toda a extensão da cena. E o Alejandro atenta tanto aos actores, ele sabe o que vai na nossa cabeça deixa por deixa, às vezes, melhor do que nós próprios».

Birdman e os seus desafios incomensuráveis «Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)» tem uma característica única e peculiar: está editado como se fosse uma cena contínua, mostrando alguma similitude com a obra «A Corda» (1948), de Alfred Hitchcock. A tarefa era hercúlea, mas necessária, como conta o produtor Jim Skotchdopole: «A continuidade era essencial no processo do Alejandro para explorar o caminho interno do Riggan; é o que suporta o filme. A fragmentação do espaço e do tempo são a base do cinema». «Aqui não houve oportunidade para esconder ou manipular nada. O que vemos é verdade», salienta Iñárritu. O cineasta contou que jantou com o realizador Mike Nichols, em Nova Iorque, duas semanas antes de começarem as gravações do filme. Na altura, Iñárritu contou-lhe o seu propósito de gravar como se fosse um longo take. Nichols advertiu-o que tal seria um desastre porque a impossibilidade de cortar as cenas iria coarctar o carácter cómico da obra. Tal encontro não fez com que Iñárritu desistisse da sua ideia, como agora se sabe, mas o cineasta considerou que foi útil para que elevasse o seu nível de consciência da dificuldade daquilo que pretendia fazer.

torres gémeas do World Trade Center, em 1974. Uma espécie de equilibrismo era também o que os esperava ao longo das gravações.

Tal propósito acarretou vários desafios para toda a equipa, desde o realizador até aos actores, como conta Naomi Watts: «Foi a coisa mais difícil que já fiz porque é como uma cena ininterrupta, muitos actores, de cenário para cenário e 15 páginas de diálogo. Não podemos confundir-nos. Normalmente, gravamos diferentes ângulos de uma cena e repetimos as deixas que não tenhamos gostado. Temos muita liberdade para nos salvaguardarmos ou melhorar. Mas não neste caso. Devido ao modo como gravámos, é o momento de todos a toda a hora. Aliás, não apenas para os actores. Havia muitas pessoas na borda do penhasco connosco – adereços, duplos e, especialmente, a equipa de filmagem. Estamos constantemente conscientes do trabalho de equipa», concluiu, além de referir que, «apesar de ter sido excruciante, foi um grande desafio e estava muito entusiasmada por experimentar algo novo».

Inesquecível também na obra é o trabalho de fotografia, assinado por Emmanual Lubezki, que Iñárritu considera ter sido o melhor companheiro que poderia ter tido. «Ele não é só um mestre da luz, como poucos directores de fotografia seriam capazes de lidar com os requisitos técnicos deste filme. Não pudemos trabalhar a luz com os actores da forma tradicional – quando fazemos a cobertura convencional, iluminamos cada ângulo e temos tempo para isso. Ser capaz de proceder à iluminação sem comprometer o visual do filme acarretou uma incrível habilidade e penso que apenas o Chivo [Lubezki] seria capaz de fazê-lo», afirmou.

Edward Norton atesta a criatividade do realizador: «O Alejandro tentou fazer algo incrivelmente excitante, que foi criar uma literal interligação ao longo do filme». E Emma Stone também realçou as inerências deste tipo de filmagens: «Tudo é extremamente técnico, mas também temos de estar presentes e vivos, porque todos os momentos em que estamos à frente da câmara vão estar no filme, sem cortes”. Não obstante, Michael Keaton enalteceu a opção de Iñárritu em mostrar aos actores uma foto do equilibrista francês Philippe Petit, que andou entre as

Outro aspecto que não foi obliterado foi o da banda sonora, como refere o realizador: «Ao editar, conseguimos alterar o ritmo. Não ter essa ferramenta na comédia pode ser algo extremamente desafiante. Por isso, considerei que os tambores dariam ao filme não só uma boa vibe, mas

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também me ajudariam a encontrar a batida que precisava». Para tal, foi escolhido o baterista mexicano Antonio Sanchez, que Iñárritu considera «um dos melhores do mundo», além de ter sido alugado um estúdio durante uma semana ainda antes das gravações, no qual Sanchez gravou 60 faixas baseadas nas emoções que o filme aborda. «Isso ajudou-me enormemente e, por vezes, usei-o no palco para os actores entenderem o ritmo da cena. O ritmo é tudo no cinema», esclarece o realizador.

A peça sine qua non de Birdman As filmagens duraram 30 dias e tiveram lugar num verdadeiro teatro da Broadway, o St. James, no coração de Times Square. Na obra, é escolhida para ser adaptada a peça «What We Talk About When We Talk About Love», de Raymond Carver. Iñárritu explica as razões desta escolha: «Desde adolescente que sou um grande fã de Raymond Carver e esta história é um clássico. Escolhi-a para «Birdman» porque, na verdade, era uma ideia muito má. Sempre pensei que, para uma personagem e alguém como Riggan, alguém que não pertence ao teatro, montar uma peça baseada num conto de Raymond Carver seria extremamente desafiador e quase absurdo. Aos poucos, ele torna-se na personagem que está a interpretar, um homem desesperado, que vai para um quarto de motel, pedindo para ser amado. Fui muito sortudo pela Tess Gallagher [viúva de Carver], ter sido generosa o suficiente para confiar em mim e dar-me os direitos da história para isto. Estou muito grato», reconheceu. Na obra, o local de gravações tem uma importância acrescida, como revela o produtor John Lesher: «A cidade e a Broadway são também personagens. Para tornar o filme o mais autêntico possível, que melhor lugar do que Nova Iorque? O melhor é que há um conjunto tão talentoso de artistas, técnicos e actores em Nova Iorque, justamente o equilíbrio certo de palco e pessoas de cinema que o Alejandro queria”. «Birdman» foi escrito por quatro argumentistas, o que por exemplo acarreta inerentes complicações logísticas. Iñárritu conta um pouco da experiência: «Estivemos juntos em diferentes locais – Nova Iorque, México ou Los Angeles. Trabalhámos durante dois anos, através do Skype. Foi uma colaboração bela e divertida, uma das mais incríveis experiências de escrita que já tive. O nosso desafio era encontrar o ritmo interno da peça sem perder a narrativa», asseverou. Nicolas Giacobone, outro dos argumentistas, afirmou ainda que «os argumentos são, muitas vezes, jornadas estranhas e uma colaboração entre quatro homens tornou isso ainda mais complicado, mas tornámo-nos

realmente uma equipa e foi um processo extremamente agradável».

A doce ignorância O subtítulo de Birdman é a «Inesperada Virtude da Ignorância». Nicolas Giacobone dá o seu ponto de vista: «Diria que é sobre um ego que normalmente ganha na situação em que achamos que sabemos o que estamos a fazer. Criamos uma montanha que escalamos e sentimos que estamos no controlo, até que chegamos a um ponto de desespero no qual percebemos que não temos controlo algum. Tudo é maior do que nós próprios e tornamo-nos em algo fraco e ignorante. Esse momento de ignorância é belo». Iñárritu ajunta que «o subtítulo surgiu depois. O que acontece com esta personagem é que ele é um actor e, para ser mais bemsucedido, tem de deixar de ser ele próprio. Esse é o conjunto mais incrível de contradições, a ideia de que temos de deixar de ser nós próprios para sermos bons. No momento em que Riggan Thompson tenta, de forma pretensiosa e ignorante, provar que é algo que, na verdade, não é, quando se rende a isso, quando os críticos dizem ‘vou matar-te’, quando a sua filha o rejeita e ele percebe que perdeu tudo, nesse momento – imediatamente antes do acto de clímax no palco –, ele não está a interpretar. Ele é real e é por isso que a crítica responde a essa performance. Ele quebra as regras do jogo. E, por se render a essa realidade, ele alcança a inesperada virtude da ignorância. Há beleza nisso».

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