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Apresentação Para falar aos jovens na faixa etária de 15 a 24 é preciso ousar na linguagem. Ainda mais quando o assunto é espinhoso. Por isso, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde lança diversas estratégias de comunicação para alcançar esse público. Umas delas, a Revista AZT, foi pensada para dialogar com os jovens sobre prevenção às DST, aids e hepatites, por meio de relatos inspiradores da realidade de jovens que passaram a enfrentar o vírus da aids. A AZT é uma ferramenta para ser utilizada no ambiente escolar e familiar ou simplesmente nas mãos de um jovem, por trazer em si profundas vivências de superação de dificuldades, aprendizado do respeito, busca de apoio e redescoberta da sexualidade. Os jovens que aqui contaram suas experiências com o HIV/aids começaram a ver a vida de uma outra forma pós-HIV. Perceberam o significado do preconceito, aprenderam a rotina dos médicos e medicamentos e também vivenciaram na pele a alegria da solidariedade. A AZT traz as lições de vida de indivíduos que superaram muita coisa ainda jovens. Pessoas que descobriram que não estão sozinhas, que estão amparadas pela sociedade e pelo Estado brasileiro. E é dessa forma que gostaríamos que você, leitor, encarasse a leitura dessa revista, uma motivação para que, diante de grandes desafios, você possa superá-los e ir além nesse difícil e tortuoso caminho de alguém que quis ser livre e sobreviver. Dirceu Greco Diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais
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Viver para contar José Rezende Jr.
O que você faria se abrisse um envelope, e dentro dele encontrasse um papel, e nesse papel estivesse escrito “HIV” e “positivo”? Pois os autores destas crônicas sentiram, primeiro, o mundo ruir diante das duas palavras contidas no envelope, mas respiraram fundo e fizeram a coisa certa: escolheram viver. Viver e, agora, contar. Neste número 2 da AZT, você vai conhecer oito jovens que vivem e convivem com aids. Vencedores do segundo concurso “Vidas em Crônica”, eles saíram de vários lugares do Brasil para participar em Brasília de duas oficinas simultâneas, de literatura e artes plásticas. Durante três dias, entraram em contato com diferentes técnicas narrativas e de ilustração. O resultado está aqui. Com vocês, em palavras e imagens: Jene Khelly, que com apenas sete anos de idade tomou para si a responsabilidade de salvar a mãe – e salvou. Maria, que mudou sua vida e encontrou João. Carina, que aprendeu a contar histórias dos outros, até criar coragem para contar a sua. Bela, que relata o aprendizado com esse “vírus mutável e que realmente muda tudo por dentro e por fora”. Pablyto, que não tem HIV no sangue, mas tem no coração: há cinco anos encontrou o amor da sua vida, e ele tem aids, e isso não tem importância. Ariel, que dois anos depois de abrir o envelope aprendeu a ver o vírus como “um divisor de águas, um portão separando um lugar de outro, uma fase de outra, uma vida de outra”. Marina, que depois de definhar, perder os cabelos e quase morrer de aids, tristeza e angústia, hoje vê no espelho uma moça bonita, amada e feliz. Eduardo, um psicólogo ainda jovem, mas que já se sente realizado, porque trabalha com adolescentes soropositivos, e “todos têm planos e perspectivas, e nenhum deles pensa em se entregar ao vírus”. Estas são as histórias de oito jovens que decidiram não se entregar. Ou melhor: que decidiram se entregar à vida.
Sumário
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João e Maria
Remédios que curam o preconceito
Muito além
A tarde primaveril
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Redenção pela palavra
Mãinha, a senhora consegue!
Meu coração minha vida
Um jovem psicólogo no mundo do HIV
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João e Maria por Maria
Esta história não foi contada
pelos irmãos Grimm, tampouco
pelo Chico Buarque. Esta é a
minha história. Talvez ela tenha alguns pontos em comum com os contos de fadas e a canção,
como as presenças de uma bruxa malvada e da pergunta: o que é que a vida vai fazer de mim?
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Pois é, a bruxa malvada foi a aids, e eu é quem não sabia o que fazer da vida. Fui pega de surpresa, como a maioria das mulheres, visto que ainda hoje muitas não se percebem em risco. Não! As mulheres não são burras; a história da aids, sim, é que foi um engano. A “peste gay” ou os tais “grupos de risco” nunca existiram: a aids, desde o início, atingiu homens e mulheres, mas demoramos a perceber. Para voltar à minha história, um exemplo dessas mulheres que achavam que aids era coisa de gay ou de gente promíscua, irei direto ao momento da descoberta, que já começou mal, porque o exame foi entregue ao meu pai. Ora! Eu era maior de idade, por que não o entregaram a mim? Mais um desses enganos. Quando meu pai chegou com o resultado foi como se eu já soubesse que era positivo, mas acho que é normal a gente se preparar para o pior, na tentativa de sofrer menos. Só não sei se ajudou, porque aquele momento foi tão desconcertante... As lágrimas escorriam sem parar e mil coisas passavam pela minha cabeça, tantas dúvidas e a certeza de que a vida não seria a mesma. Nos olhos do meu pai, da minha mãe e também da minha irmã, um desespero que eu nunca tinha visto. De um lado, eles tentando me acalmar; do outro, eu tentando me controlar para não desesperá-los ainda mais. O clima em casa era de tristeza e a impressão que eu tinha é que eles estavam com um pouco de pena de mim, mas não era isso, era preocupação, era falta de informação sobre a doença. Eles não sabiam que é possível levar uma vida normal e viver bem, como eu vivo hoje, mesmo sendo portadora do HIV. Naquele instante, a solução encontrada por mim foi colocar a cabeça no travesseiro e apagar a luz. Eu não queria ver ninguém e nem falar com ninguém, o que eu queria era poder controlar os meus pensamentos, queria esvaziar a cabeça para aliviar a dor. E entre lágrimas, suspiros e alguns calmantes, eu buscava tranquilidade bem no fundo de mim mesma, tranquilidade essa que eu já duvidava existir – mas que encontrei. Fiquei tão arrasada e tão indignada ao mesmo tempo... Pensava: “Como pude vacilar assim?”. Eu que sempre fui uma pessoa informada, que sabia o que era aids, que sabia como evitar... Mas aconteceu. Sofri muito e sofri calada, porque esse é
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o tipo de coisa que não dá para sair gritando por aí. O preconceito existe e o pior é que ele existe dentro da gente... E como dói admitir isso. Aos poucos fui me libertando, até perceber que o preconceito é uma doença muito pior do que a aids, mas o bom é que para esse mal existe a cura. E a cura é sermos mais humanos, mais tolerantes. Com o tempo eu fui me acostumando e passei a me olhar de um jeito diferente, afinal de contas a minha vida não se resumia a um vírus, eu era e sou muito mais do que isso. E foi assim que eu percebi o quanto gostava de viver e o quanto é bom estar vivo para poder ir atrás dos nossos sonhos. Então eu decidi que não ia chorar pelos cantos e iria fazer coisas que nunca tinha feito. Aprendi a nadar, pratiquei ioga e passei treinar mais corrida, meu esporte preferido: em pouco tempo corri duas meias-maratonas. Além disso, troquei um emprego de que não gostava por outro muito melhor; decidi fazer outra faculdade, e também passei a ser mais atenciosa com as pessoas – até mesmo com aquelas que eu não conhecia. No entanto, mesmo diante das mudanças e dos planos, algo me entristecia: achava que nunca mais teria um namorado. Eu tinha 26 anos, era jovem e bonita e mesmo com os conselhos do médico dizendo que mais cedo ou mais tarde eu encontraria alguém, eu não acreditava. Achava que pelo menos nesse sentido o mundo havia acabado: “Ninguém quer namorar uma pessoa que tem HIV”. Mas a gente se engana e é aí que entra o João nesta história. Apenas um ano depois de me descobrir soropositiva eu conheci o João, que por sinal não tem
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HIV. Nessa época, eu já cursava Ciências Sociais e estava feliz da vida, como nunca havia estado. Momentos de tristeza todo mundo tem, e por que não eu? Somos todos iguais. Mas seria tão maravilhoso se fosse simples assim: o príncipe encantado apareceu e eles viveram felizes para sempre. Não, o príncipe poderia virar sapo quando eu contasse que era soropositiva. E foi aí que o drama começou. O tempo foi passando, eu fui me apaixonando e aquela sensação de estar enganando alguém surgiu. Eu precisava contar para ele que era soropositiva, mas tinha medo de perdê-lo, nós estávamos tão felizes... Dia e noite eu conversava com quem soubesse da minha situação e eram tantas opiniões diferentes: conta logo, não conta, espera mais para contar, é certo, é errado, é tão difícil... E foi mesmo, cheguei a pensar em desistir e terminar o namoro antes de contar para o João. Era como se a cada dia o peso sobre mim aumentasse. Eu fui ficando triste, com dores de cabeça, insônia, enxaqueca. Os exames que mediam minha imunidade, antes ótimos, ficavam cada vez piores. E o médico dizia: “Desse jeito você vai morrer de angústia e não de aids, é melhor contar o quanto antes, vai terminar por quê? Sem saber no que vai dar?”. Nesse meio tempo, o João já me achava uma pessoa estranha, volta e meia dizia: “Nossa, você é tão esquisita, fala umas coisas que eu não entendo...”. Um dia conversávamos por telefone e ele me perguntou se eu tinha algo para contar e eu disse que sim, mas não por telefone. E ficou combinado que no dia seguinte nos encontraríamos na faculdade para conversar. Foi uma noite que durou uma década; eu mal preguei os olhos. Quando chegou a hora, minhas pernas me puxavam para trás, eu me sentia fraca, parecia que ia desmaiar. Era tudo ou nada, mas me livraria da-
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quele peso. E estávamos lá, nós dois frente a frente, eu sentada e ele em pé me perguntando aonde iríamos para conversar. Mas onde é que se conta uma coisa dessas para alguém? Em casa? Não, não queria que ninguém me visse aos prantos. Em um bar? Não, para todos ao redor ouvirem a minha história e o chororô? E, então, sugeri que buscássemos o carro no estacionamento. A ideia era que no caminho eu pensasse em algum local. Mas não deu tempo. Aquilo tudo foi me consumindo de tal forma que quando entrei no carro eu logo comecei a falar. E falei, falei até os soluços não deixarem mais. Foi horrível: eu ali me desmanchando e ele colado no banco do carro, com os olhos arregalados. Mas o João é educado e foi assim que ele reagiu: me fez um carinho e algumas perguntas e sugeriu que tomássemos um café. Durante o café, o silêncio já previsto e um medo imenso de que tudo acabasse ali. Mas não acabou. Ele foi capaz de entender e de superar o preconceito, o medo ou qualquer outro sentimento que o afastasse de mim. Eu fui para casa leve. Aquela conversa tirou de mim um peso que não tem medida, e em pouco tempo a vida voltou ao normal. A história não acabou, mas esse episódio teve um final feliz. O namorado que era impossível apareceu e estamos muito felizes; a segunda faculdade que estava tão distante também aconteceu. Além disso, atuo como voluntária em uma ONG que presta assistência a famílias com crianças soropositivas. Eu posso até dizer que sou um exemplo de perseverança para as mulheres que participam dessa ONG. Hoje me sinto mais forte, mais humana. E depois de tantos altos e baixos, a única coisa que eu posso dizer é que tudo é possível. Só não é possível deixarmos de sonhar, de sorrir e, principalmente, de amarmos a nós mesmos.
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Remédios que curam o preconceito
por Marina Sophia
Em 1996, eu tinha três anos de idade. Naquele período estava doente, debilitada e perdendo peso. Todos achavam que eu tinha câncer. Uma tia me levou ao médico, foram feitos vários exames e um deles comprovou que eu estava com o HIV. Logo após a descoberta, começaram as internações, que duraram até os 14 anos. As minhas lembranças da infância estão ligadas à solidão dos quartos de hospitais. Não conhecia detalhes da minha doença. Apenas parecia que definhava, os cabelos caíam e estava cada vez mais magra. Nessa fase tinha aversão a espelhos. A minha imagem era uma mistura de tristeza e angústia. Temia ver a sombra da morte que se aproximava. Acho que todo o medo era fruto do preconceito da minha família. O desconhecimento sobre a doença fez com que me isolassem, não deixando que brincasse com meus primos, separando e marcando o meu copo, prato e talheres. Toda essa segregação fazia do quarto, mais uma vez, o meu único refúgio. Na casa dos meus avós, utilizei o mesmo dormitório em que minha mãe havia permanecido antes de morrer com o vírus da aids. Fui a única dos quatro irmãos que contraiu o HIV. Cheguei a sentir raiva da minha mãe, mas ela se foi há 14 anos e hoje sei que também sofreu com o preconceito que é, sem dúvida, a pior doença, pois provoca feridas na alma.
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Até os 10 anos de idade, alternei a minha estadia entre a casa dos meus avós e os hospitais. Depois desse período, minha família me entregou para uma instituição que cuidava de portadores do HIV, alegando que tomar conta de mim era algo trabalhoso. Essa experiência de rejeição fez com que eu perdesse a confiança nas pessoas que me cercavam. Esse quadro começou a mudar quando conheci uma voluntária que me ajudou a ver um outro lado da vida: a aceitação de quem sou eu. Hoje faço parte de uma grande família que convive com crianças e jovens soropositivos. Somos unidos e cuidamos uns dos outros. Hoje o espelho não é mais o vilão. Pelo contrário, adoro me arrumar, usar maquiagem e cuidar do meu cabelo. Acho que sou uma garota vaidosa. Gosto de acessar a internet, ir ao cinema e conversar com as colegas da escola. Fico feliz quando recebo a visita da minha irmã e das minhas primas. É bom manter o vínculo com familiares que me amam como sou. A última vez que estive internada, há alguns anos, os médicos acharam que eu não sobreviveria, pois os meus pulmões quase não funcionavam; contudo, me foi dada uma segunda vida, que agarrei com todas as forças. Por enquanto, só posso afirmar que a maior das minhas vitórias é olhar para as pessoas sem medo e, sobretudo, olhar para mim mesma e ver que sou capaz, amada e feliz.
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Muito além... por Bela
Liguei o rádio na “Voz do Brasil” e ouvi a
notícia do concurso “Vidas em Crônica”. Seria minha oportunidade de escrever a respeito de um assunto que ainda
gera incalculáveis sentimentos ruins e provoca tantos julgamentos, mas que faz parte da minha história, da minha vida; faz parte de mim.
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Confesso que senti um misto de contentamento e de medo. Feliz, por poder fazer o que amo: escrever para alguém. Temente, pensando no fato de vencer o concurso e de alguma forma ter a necessidade de expor minha imagem perante uma sociedade ainda engessada pelo preconceito. Venci mais um fantasma, e estou aqui para contar um breve resumo da minha história. Uma história que mudou muito desde que, há oito anos, fui diagnosticada soropositiva -- e que hoje, aos 28 anos de idade, ainda me faz temer certas coisas, mas também me faz lutar por outras. Primeiro, o desespero; depois o medo, a revolta, a descrença e o grande vazio diante de minha nova condição. Dentro do envelope, junto com o resultado do exame, uma “bagagem” muito pesada, que teria que carregar pelo resto da vida. Um vírus mutável e que realmente muda tudo por dentro e por fora, inclusive o modo de sentir, viver e aprender. Como se não bastassem as transformações físicas que mais cedo ou mais tarde virão, ele traz arraigado em sua existência um histórico de julgamentos e preconceitos que infelizmente perdura até hoje. Preconceito que, da forma mais fria e desumana, insiste em pesar ainda mais sobre o estado psicológico do portador do vírus. Criado com bases em opiniões infundadas, egoístas e julgadoras, como se mais nada tivesse razão de ser, senão a própria falsa convicção. Como eu gostaria de expor minha situação aos quatro cantos do mundo, em rede internacional, e poder dizer do fundo da minha alma o quanto somos vulneráveis, o quanto somos humanos, e o quanto nos esquecemos disso. Mas na mesma proporção dessa vontade, eu sinto dentro de mim a impotência, talvez pelo fato de ser apenas uma em meio a bilhões de pessoas, muitas delas inflexíveis. Ou talvez seja simplesmente porque tenho a certeza de que não conseguimos mudar uma opinião alheia quando o próprio dono da opinião não quer que ela mude. Cada um tem seu tempo, cada um tem seus amores e suas dores.
Apesar de algumas mudanças inevitáveis, não modifiquei meus valores e convicções depois que descobri minha sorologia; ao contrário, me sinto mais forte diante das dores da vida. Parece uma vacina, um antídoto que me fortalece espiritualmente. Penso que na vida teremos sempre dois caminhos a seguir, e o mais belo nem sempre será o melhor. Muitas vezes teremos que enfrentar tempestades antes de sentir o calor do sol no rosto; teremos que tropeçar em grandes pedras, para molhar os pés na água límpida de uma cachoeira. A vida é mesmo um presente, sem direito a devolução ou troca, um presente que nos foi dado sem que merecêssemos tanto; nos resta agradecer, e a melhor forma para isso é simplesmente fazendo, ou pelo menos tentando fazer, o melhor para as pessoas e para nós mesmos. E esta sou eu, uma garota bela e jovem, cheia de sonhos, otimista, extremamente confiante na evolução da espécie humana. Isso não mudou, continuo assim, são características que felizmente ninguém poderá mudar se eu não permitir. Graças a Deus, nossos princípios e valores são verdadeiramente nossos, e inabaláveis diante dos furacões de negativismos. Claro, não sou perfeita, deito e choro, às vezes incessantemente, até que uma parte da minha dor saia pelos meus olhos, ou pelo menos lave um pouco minha alma diante disso tudo. Sofro também por outros vazios resultantes dessa situação (história para outro momento), mas que também enfrento e refaço todos os dias, para que não sejam mais fortes do que os bons acontecimentos. Continuo acreditando na vida. Creio que um dia, em algum momento dessa existência, tudo será mais leve, e o ser humano poderá dar uma chance a si mesmo, uma chance de simplesmente ver as coisas de outra forma. Perceber que uma sorologia não faz uma pessoa melhor ou pior; não é o físico que a transforma num ser superior ou inferior. Ao contrário, somos aprendizes nessa jornada, somos volúveis e abertos às mudanças. Muito além do corpo físico, está nossa capacidade de amar, de respeitar e de aprender uns com os outros nessa grande viagem. Tudo, com certeza, vem para nos amadurecer e nos transformar em seres mais evoluídos, capazes de compreender o verdadeiro mistério da vida. Torço por isso, luto por isso, espero por isso!
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graรงa, desgraรงada.
ou mesmo uma brincadeira sem
algo surreal, um pesadelo macabro
Parecia um sonho vertiginoso,
por Ariel A.Vidal
A tarde primaveril
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A tarde do dia 3 de outubro de 2008 descortinava-se agora como algo sem nomeação, sem cor, sem voz, sem som, apenas com o silêncio gritando em meus tímpanos, a secura da minha garganta represando um soluço, paradoxalmente querendo dar vazão a algo – dor, choro, medo ou seja lá o que for – naquele instante daquela tarde, entre risos distantes e abafados das diversas pessoas da universidade ao longe, fora daquela sala. Era uma sexta-feira qualquer até aquele horário, até aquele teste para HIV/aids. Eu estava no segundo ano do curso de fisioterapia. Tinha 19 anos. O silêncio e a imobilidade poderiam me definir naquele momento. O enfermeiro que me deu o resultado continuava falando; entretanto, naquele momento eu não consegui prestar atenção. Não consegui discernir e compreender suas palavras, de tão preso e perdido em minhas próprias considerações: planos e futuros desfeitos. Racional e milimetricamente, eu listava e via mentalmente os meus sonhos e projetos, traçados para os anos seguintes, ruírem. O trabalho em hospitais, como profissional de saúde, a realização de um mestrado e até mesmo a própria conclusão do curso de graduação que começara recentemente. Sim, por mais que se fale que o portador de HIV/aids pode ter uma vida depois do resultado, naquele momento eu não pensei nisso. Não pensei nas campanhas que havia visto. No pouco que já aprendera sobre HIV/aids na faculdade. O que me vinha à mente era apenas destruição, ruína.
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Nos meses seguintes, eu quis desistir de tudo, da faculdade, dos amigos e até da família. Sumir de todos que eu conhecia e ir parar em algum lugar, sem rumo, sem destino, planos ou sonhos, estipulando para mim mesmo uma espécie de contagem regressiva, pensando sempre no pouco tempo de vida que os primeiros portadores da epidemia tinham, quando descobriram o HIV/aids. Foi apenas com o tempo, nesses quase dois anos de soropositividade, que comecei a realmente enxergar o HIV na minha vida – não que ele já manifeste algum sintoma, mas porque eu fui deixando a ficha cair, aceitando o que os exames diziam. Um divisor de águas, um portão separando um lugar de outro, uma fase de outra, uma vida de outra. É assim que hoje em dia vejo o HIV na minha vida. Ele veio provocar questionamentos que antes eu não ousava externar, dizer, perguntar-me: o que eu quero da/na minha vida? Quais momentos eu quero viver? O que eu quero buscar a partir de agora, futuro adentro? Esses e muitos outros questionamentos me perpassam a cabeça quando penso na dupla “minha vida e o HIV”. Sou um jovem normal, que apenas tenta estudar, namorar, aprender sempre coisas novas e boas, planejar – pois a vida não para nunca –, sonhar e, principalmente, viver. Viver sem estipular tempo restante de vida, mas simplesmente viver, concretizando plano de ontem, organizando metas para o amanhã e assim sucessivamente: como um jovem.
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Redenção pela palavra por Carina Penha
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Minha relação com o HIV
começou há quatro anos e de
lá para cá não vivo no mundo das pessoas “normais”.
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Pelo menos em minha cidade, as pessoas ainda têm preconceito em relação à doença, o que acabou me colocando, involuntariamente, em um mundo à parte. Bem antes disso, há uns oito anos, tive um relacionamento. O namoro não andava bem, por vários motivos. Após uns 15 dias sem nos falarmos, por causa de uma briga, resolvi procurá-lo e descobri que ele estava hospitalizado. Meningite, foi o que disseram. Tentei visitá-lo, mas não foi permitido. Nesses dias precisei fazer exames de rotina e constatei que estava infectada pelo HIV. Senti um enorme vazio, acompanhado de uma sensação de impotência nunca antes vivenciada. Lembro, como se fosse hoje, do medo que experimentei ao ter de contar aos meus pais. Incrivelmente, não fui rejeitada; pelo contrário, tive apoio e carinho naquele momento difícil. Voltei a procurar meu namorado, buscando encontrar explicações para o que vivia. Dessa vez conseguimos conversar, mas ele agiu friamente, reafirmando sua meningite. Não se abalou com a notícia de que eu estava com aids e respondeu, ironicamente, que, se meus pais não me expulsaram de casa, não tinha com o que me preocupar. Depois de um tempo me procurou, convidando-me para sair. Nessa ocasião, admitiu que era soropositivo e que havia me infectado. Mas nem tudo estava às claras, ainda. Uma semana depois um rapaz veio até mim e falou que tinha encontros sexuais com meu namorado, havia um ano e meio. Terminamos o romance, obviamente, mas não me recuperei do baque. A partir desse momento, nunca mais consegui me relacionar com ninguém. Não posso esconder minha
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situação, não posso fazer o que fizeram comigo, por mais que eu esteja ressentida com o mundo. Só que, toda vez que conheço uma pessoa e conto sobre o meu drama, ela desaparece. É como se eu fosse amaldiçoada. O sorriso só voltou a fazer parte do meu rosto há cerca de um ano. Após concluir um curso sobre contação de histórias, fui contratada pela biblioteca pública da minha cidade para a função de contadora. A emoção, a sensibilidade e a humanidade que a literatura proporciona fizeram com que me sentisse viva outra vez. E tenho a chance de passar isso aos ouvintes das minhas contações. Nem é preciso dizer que o que mais gosto de contar são histórias sobre preconceito e discriminação. É a forma que encontrei de ajudar, nem que seja um pouquinho só. É a minha pequena vingança contra o que passei, contra a ignorância da qual fui e continuo sendo vítima. É minha redenção, minha forma de mudar o mundo. Não foi nada fácil escrever estas linhas. Não é simples falar desse problema, me expor, assim, desse jeito. Mas agora, ao finalizar o texto, percebo também o poder catártico da escrita. Sinto-me mais pura e mais leve agora.
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M達inha, a senhora consegue! por Jhene Kelly Costa Barbosa
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Olá! Eu sou a Jhene
Kelly, tenho 16 anos e
vou contar uma história. Vocês podem pensar o
que quiserem. Podem até achar que é apenas um
conto de fadas, mas eu já vou avisando: para mim, é um milagre.
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A história começa no dia 16 de março de 2002. Parecia um dia comum, cheio daquelas alegrias simples de criança. Meu irmão e eu nem imaginávamos o que estava por vir, quando vovó chegou do médico e disse que nossa mãe estava muito, muito doente. Passamos dois dias aos prantos, até que parei pra pensar que mãinha não precisava de lágrimas, mas sim de muito amor, carinho e, acima de tudo, da família unida. Eu tinha sete anos; meu irmão Jhonathan, cinco. Não entendíamos bem o que era HIV, aids... Mas sabíamos que mãinha precisaria muito de nós dali em diante. Os dias iam passando e ela cada vez mais doente, sentindo muitas dores. Para nosso desespero, os próprios “amigos’’ que iam vê-la faziam da visita uma despedida. Diziam: “Que pena... Tão jovem... Mas vai tranquila, porque Deus precisa de você lá no céu’’. A única coisa que mãinha respondia era: “Quero morrer, não aguento mais tanta dor, Deus, me leva de uma vez!”. Até que um dia eu chamei o Jhonathan no quarto, coloquei ele sentadinho na minha cama e disse: “Agora somos só eu, você e vó. Nós sempre estivemos do lado de mãinha e não vai ser agora que vamos abandoná-la. Você tá comigo?’’. Fiquei muito feliz quando ele, com cinco aninhos, disse com toda a certeza do mundo: “Pode contar comigo pro que der e vier!’’. Ao passar dos dias, começamos a notar que ela estava melhorando. Já não ouvíamos aquela frase terrível: nossa mãinha chorando, dizendo que queria ir embora logo porque não aguentava mais. Ela estava se acostumando com os remédios, mas o organismo às vezes ainda os rejeitava. Quando nossa vó saía pra trabalhar, eu e Jhonathan ficávamos responsáveis pelos medicamentos, pra não passar da hora. Colocávamos os comprimidos em sua boca e cuidávamos pra que ela não vomitasse. A gente sempre dizia: “Mãinha, a senhora consegue!”. Quando pensávamos que estava tudo bem, ela contraiu uma doença oportunista e todo o sofrimento começou novamente. Mãinha, que pesava 53 quilos, passou a pesar 40. Ficamos muito tristes, mas não desistimos, nem deixamos mais nenhum “amigo” dizer que Deus queria ela no céu. A frase que ela mais ouvia era: “Mãinha, a senhora consegue’’.
Depois de seis meses, mãinha já estava andando, comendo, tomando os remédios sozinha. Nossas esperanças iam se multiplicando, mas nós sabíamos que ela ainda ia precisar de muita saúde e coragem para enfrentar o mundo lá fora, um mundo injusto e preconceituoso. Primeiro, eu, Jhonathan e vó nos fechamos com ela no nosso mundo, onde só existia amor, carinho, fé e esperança. Depois, quando já estávamos mais fortes, saímos caminhando pelo resto do mundo, tentando conquistá-lo aos pouquinhos, levando o amor, o carinho, a fé e a esperança que existiam no nosso mundo. E quem deu o maior exemplo foi mãinha: assim que sarou, saiu pela cidade, batendo de porta em porta, contando o que tinha acontecido com ela e o que cada um precisava fazer para não passar pelo mesmo sofrimento. Conviver com mãinha é o maior orgulho que tenho. Ela sempre diz: “O coquetel de medicamentos é a gasolina, eu sou o carro: tenho que me abastecer todos os dias”. Mãinha se cuida, sabe que não pode exagerar em algumas coisas, e nós respeitamos o seu espaço. Ela compra prestobarba de cores diferentes, já sabemos que o rosa é de mãinha, e assim também nos cuidamos. Mãinha é guerreira, anda bonita, enche a casa de alegria, parece mais irmã do que mãe; é amiga, companheira, me orienta no que preciso. Eu sei que tudo o que aconteceu em nossas vidas seria, para muita gente, motivo de desistência, ou de vergonha. Mas não para nós. Somos felizes por não tê-la abandonado. Ela nos ensinou que a vida foi feita para ser vivida e não sofrida; que nada é o fim, mas apenas um novo começo. E sempre diz, olhando bem nos olhos da gente: ‘’A beleza da vida é como o sol, brilha mesmo em dia nublado’’. Hoje, seguindo o exemplo de mãinha, eu e Jhonathan fazemos parte da Comissão Jovem DST/Aids do município, que forma adolescentes multiplicadores. Sabemos que não conquistamos TODO o mundo, mas, graças a ela, aquele mundo de amor, carinho, fé e esperança já não cabe só na nossa casa. E este é o meu conto de fadas favorito. Mais do que isso: o meu milagre favorito.
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Meu coração, minha vida... por Jeferson e Pablyto
Meu nome é Jeferson, e a história que
vou contar começa em 2002, um ano
de mudanças e novas esperanças. Descobri que era soropositivo e que
iria viver com o vírus pelo resto de minha vida. Não foi fácil aceitar
essa companhia indesejável, mas
já que ela estava ali, correndo nas
minhas veias, não tive escolha. Passei
a pesquisar sobre o HIV e a tentar
aceitar meu novo “companheiro”.
Disse a ele que seríamos bons amigos. 49
A princípio fiquei muito preocupado com o que minha família e meus amigos iriam pensar. Fiz várias perguntas a mim mesmo: por que comigo? Como vai ser agora, para namorar e trabalhar? Será que posso ter uma vida normal? Não tive como reagir de imediato, minha cabeça estava confusa e meu corpo acabou adoecendo. Passei por momentos ruins, emagreci muito, fiz vários exames, fiquei internado. Perdi meu trabalho, meu chão, mas nunca deixei que o HIV me dominasse por inteiro. Ele estava em meu corpo, mas quem o comanda sou eu. Basta acreditar, ter fé e ir em frente. Resisti e logo me recuperei. Tive o apoio da minha família, dos amigos. Senti que tudo o que estava ocorrendo comigo era passageiro, serviria para crescer. Jamais pensei em desistir. Apesar do corpo frágil, minha cabeça estava boa. Mas me faltava algo muito importante: o amor. Queria namorar, mas tinha medo de não encontrar alguém que aceitasse minha condição de soropositivo. O tempo foi passando, e busquei primeiro o trabalho; precisava de uma ocupação, algo que traria minha autoestima de volta. O namorado teria que ficar pra depois. No próprio hospital onde faço tratamento surgiu a oportunidade de um trabalho voluntário. Foi um presente, e agradeço sempre às pessoas que me deram essa chance. Cresci, aprendi, e hoje posso repassar para outros minha experiência de vida, mostrar a eles que viver com HIV é possível e que tudo depende de como queremos conduzir nossas vidas. Minha saúde estava boa. Meus exames estavam controlados. Todos os dias aprendia um pouco mais que a vida é boa e que estamos aqui para fazer a diferença. Mas ainda faltava o
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amor. Eu precisava dividir minhas conquistas, alegrias e tristezas com alguém. Sempre gostei de viajar e ir ao cinema, e acompanhado é bem melhor. Saía com meus amigos e minha família, mas sentia falta de um namorado. Foi quando o amor entrou em minha vida. Nós nos conhecemos por acaso, na rua, perto do hospital onde trabalho. Nossos olhos se cruzaram e paramos pra conversar por alguns minutos. Trocamos telefones. Ele me ligava quase todos os dias, mandava mensagens. Mas eu havia decidido que não levaria aquilo adiante. Ele era bem mais novo, e eu ficava pensando: “Imagina falar para um rapaz de 19 anos que tenho HIV! Ele vai sair correndo e nunca mais vai querer me ver!”. Tive medo. Não queria passar por isso. Mas um belo dia ele enviou uma mensagem: queria me encontrar. Aceitei o convite e o levei à festa de aniversário de um grande amigo meu. Nosso encontro foi divertido, passamos praticamente o dia inteiro juntos. Há muito tempo não tinha algo assim em minha vida. Decidi que iria esperar um pouco para ver no que ia dar. Eu estava interessado, mas com medo de me decepcionar, de sofrer com o preconceito e, claro, decepcioná-lo também. Saímos algumas vezes, mas nada muito sério. Sentia sua falta e queria estar com ele mais vezes. Finalmente, depois de dois meses, tomei a decisão de contar sobre o HIV. Não queria mais adiar esse assunto. Liguei várias vezes nesse dia, e marcamos um encontro. Lembro-me perfeitamente de tudo o que conversamos, mas a partir de agora quem vai contar a história para vocês é ele: o meu amor.
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Meu nome é Pablyto, e eu não
tenho HIV no sangue, mas tenho no coração. Quando digo isso, algumas
pessoas se assustam. Mas é a pura verdade. Namoro há cinco anos e meu parceiro é soropositivo. E isso
nunca nos separou. Pelo contrário: nos uniu ainda mais.
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Começamos a namorar em 2005. Eu estava com 19 anos e ele com 30. Com dois meses de namoro conversamos sobre o HIV. Ele foi falando aos poucos, fazendo rodeios, até que eu disse: “Você quer me dizer que tem aids, é isso?”. Ele ficou mudo, surpreso com minha reação. Dei-lhe um grande abraço e disse: “Isso não vai mudar nada, vamos ser felizes do mesmo jeito”. Na verdade, eu não sabia nada sobre ele, mas já conhecia pela internet o que era o HIV. Foi tranquilo para mim, não apenas porque o amo, mas por conhecer o assunto. As pessoas que não conhecem o HIV são as que mais têm preconceito, e isso prejudica muito quem vive com o vírus. Eu sempre digo que graças ao HIV pude abrir mais meu coração e ver a vida com outros olhos. Conheci pessoas maravilhosas. Pessoas que me ensinaram o verdadeiro valor da vida, pessoas que com as barreiras conseguem construir um castelo de sonhos, esperanças e realizações. Eu e meu companheiro vivemos super bem. Somos pessoas participativas e estamos sempre procurando repassar aos outros o que vivemos. Viver e conviver com o HIV não é fácil, mas é enfrentando as dificuldades que alcançamos os melhores resultados. Precisamos mostrar a todos que viver com o vírus é possível, e que a vida é bem mais gostosa sem preconceitos. Nossas famílias se conhecem e se respeitam. Somos um casal normal, que trabalha, estuda, briga, se respeita e se ama muito. O HIV está entre nós, mas aprendemos juntos a conviver com ele. Aprendemos também a brincar com coisa séria para tornar a vida mais fácil e mais doce, mas lembrando sempre que a prevenção é o melhor remédio – juntamente com o amor, esse sentimento que não tolera preconceito.
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Um jovem
psicĂłlogo no
mundo do HIV
por Eduardo
Aprendi muito com as pessoas que vivem
com
HIV/aids;
suas
mais
diversas formas de enfrentamento, olhares,
perspectivas,
sonhos
por
vezes estremecidos – mas cada um buscando sempre fomentar a vida.
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Minha incursão no mundo do HIV/aids deu-se, a princípio, totalmente ao acaso. Um ano antes, eu havia sido aprovado num concurso público em minha cidade, para o cargo de psicólogo. Somente no momento da nomeação, avisaram-me que eu trabalharia no ambulatório do Programa Municipal de DST e Aids. De súbito, fui acometido por um misto de preocupação (meus conhecimentos teóricos sobre o assunto eram irrisórios) e dúvidas quanto ao tipo de trabalho que me esperava. Lembro-me de que comecei a ler e salvar tudo o que encontrava na internet sobre o assunto, mas o tempo não foi suficiente para essa empreitada, pois o dia de iniciar minhas atividades estava perto. Para aumentar minha insegurança, ao mesmo tempo, uma tia descobriu-se soropositiva. Hoje ela está bem, graças ao tratamento com antirretroviral, mas, naquele momento, o fato deixou meus familiares em polvorosa. Desespero e raiva eram os sentimentos expressos pelos meus parentes. No entanto, o que me fez titubear, logo no início do meu trabalho, foi ver o olhar de uma criança infectada. Uma criança que sequer podia se responsabilizar por suas atitudes. Fui buscar supervisão com professores experientes, participei de eventos e congressos. Precisava aprender e entender, mais e mais. O tempo passa, as coisas se transformam, o conhecimento se amplia e hoje, há mais de um ano trabalhando no Programa com psicoterapia individual e em grupos, percebo o quanto outrora eu era ignorante sobre as condições atuais de vida de uma pessoa soropositiva. Também pude constatar que muitos dos que se complicavam psicologicamente não tinham esclarecimentos claros sobre suas reais possibilidades, não conseguindo compatibilizar o fato de ser soropositivo com seus desejos e projetos de vida. Com persistência, juntamente com minha equipe multiprofissional, conseguimos organizar um grupo de adolescentes e jovens soropositivos. E é impressionante ver a força e o empenho deles, tanto nas discussões, quanto nas ações. Eles próprios tecem uma participação ativa, e até mesmo o vínculo com a equipe do Programa vem melhorando gradativamente, bem como a adesão ao tratamento como um todo. Antes desse trabalho, convivíamos com queixas de não adesão aos antirretrovirais e de ausência de adolescentes e jovens no Programa. A página está sendo virada. Vê-los se apropriando corretamente das reais condições do diagnóstico do HIV/aids, e fazê-los sujeitos do seu próprio projeto e desejo de ser, é de suma importância para todos nós.
Ao mesmo tempo, temos auxiliado aqueles que não sabiam de sua sorologia a enfrentarem a revelação, e nos colocamos como suporte para toda a família. A partir daí, eles são integrados ao grupo de adolescentes e jovens soropositivos e encontram no protagonismo dos demais a possibilidade de melhor lidar com a situação. Essa iniciativa é recente e muito temos a avançar, mas já é gratificante vê-los com uma outra atitude frente ao diagnóstico. Todas as atividades propostas foram e são pensadas em conjunto com os adolescentes e jovens, e o trabalho sempre objetiva viabilizar o projeto de vida de cada um. Hoje, me sinto feliz em dizer que alguns deles estão se tornando líderes e multiplicadores, e se engajando no trabalho da equipe técnica do Programa. Mais do que isso, todos têm planos e perspectivas – e nenhum deles pensa em se entregar ao vírus. Já temos nossa primeira jovem que se inscreveu no ENEM, como caminho para chegar ao ensino superior, fato que outrora talvez fosse impossível para alguém que nasceu soropositiva. Trabalhar com essas pessoas é uma nova forma de me apropriar da vida. A cada sorriso, a cada abraço, a cada olhar ou a cada lágrima, sempre faço alguma coisa do que fizerem de mim, como diria meu bom filósofo e psicólogo Sartre. Dessa forma, sigo meu trabalho, meu dia a dia, ciente de que não sou mais o Eduardo lá de trás e de que também não serei o de hoje no amanhã. Cada protagonista soropositivo que conheci me fez mudar um pouquinho. Para melhor.
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A oficina
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Produção e Execução Vigilância, Informação e Pesquisa do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde Realização Dario Almeida Noleto José Rezende Jr. Taty Fonseca Oficinas de Textos José Rezende Jr. Oficinas de arte Fábio Oliveira “Crânio“ (www.flickr.com/cranioartes) Ricardo Akeni (www.flickr.com/ricardo_akn) Tiffani Gyatso (www.tiffanihr.com) Revisão Angela Gasperin Martinazzo Telma Sousa Projeto gráfico e diagramação Taty Fonseca Fotografia Magda Fernanda Produção Alexsandro Almeida Ana Luiza Paiva Gomes Ana Luisa Nepomuceno Silva Barbara Graner Dedé Mendes Fernanda Almeida Hércules Barros Letícia Alves Borges Márcia Uchoa Nara Vieira Nelson dos Ramos Correia Renato de Oliveira Fernandes Salete Saionara Barbosa
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Mais informações MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais SAF Sul, trecho 2, bloco F, torre 1, Ed. Premium CEP: 70070-600, Brasília – DF Tel: (61) 3306 7051/ 7024/ 7010/ 7016 Site: www.aids.gov.br E-mail: imprensa@aids.gov.br Disque Saúde / Pergunte Aids: 0800 61 1997
Ligue 0800 61 1997 ou acesse o site www.aids.gov.br/fiquesabendo para saber qual o melhor local para você fazer o teste de aids e sífilis.
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www.aids.gov.br/vidas