o ah tazio zambi
o ah _ 201 1
tazio zambi
Alguns direitos reservados Esta obra está licenciada com uma Licença Pública Creative Commons - Atribuição Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/ Este livro não foi financiado por nenhum programa de incentivo à cultura.
a tristeza dos poetas brasileiros (1 905), de olavo bilac
algo.co.cc issuu.com/algolab taziozambi@gmail.com
NĂŁo tem jeito que dĂŞ jeito
Raimundo Soldado
4
a.
Ha muito tempo se diz e se escreve que são tristes todos os nossos poetas, que é triste toda a nossa poesia: a ponto que os críticos, quando estudam a nossa litteratura poética, nunca deixam de armar-se, não só de um conta-syllabas, mas também de um conta-lagrimas.
b.
E possa eu contribuir para libertar a poesia brasileira d'essa triste fama de se ter organisado em syndicato monopolisador de melancolias, formando o trust de todas as lagrimas do universo, e imitando nisso o desembaraรงo com que a Rio Light acaba de aรงambarcar todas as companhias de bonds do Rio de Janeiro.
6
c.
Antes de tudo, que é a tristeza? Quando passageira, é um estado normal. Quando contínua e invencível, é uma enfermidade. Um homem equilibrado e forte, dotado de saúde physica e moral, em plena pujança de vida, não pôde ser constantemente e inalteravelmente triste, como não pôde ser constantemente e inalteravelmente alegre.
d.
Dae-me um macambuzio, um homem fundamentalmente e pavorosamente triste: um pouco de massagem muscular, um pouco de exercício, algumas distrações, alguns banhos electricos, um pouco de peptonato de ferro, ou ainda algumas transfusões sub-cutaneas de um soro artificial podem facilmente dar cabo da tristeza d'esse homem...
8
e.
Se admittirmos sem hesitações a “theoria do meio”, reconheceremos que não ha no Brasil um só motivo para que cada brasileiro seja um cypreste humano, sempre debruçado sobre a cova em que jaz sepultada a sua alegria.
f.
Para estudar e comprehender a tristeza de um poeta, de um grupo de poetas, de uma litteratura, é preciso, antes do mais, comprehender que um poeta alegre pôde ser um homem pouco dado à alegria, e que um homem jovial pôde ser um poeta triste. Entre o homem e o escriptor, — ou, melhor: entre o homem-machina, que come, digere e dorme, e o homem-pensamento, que imagina, concebe e executa, — ha muitas vezes, ha quasi sempre um largo abysmo.
10
g.
A emoção, todos os homens a podem ter, — todos, com excepção dos cretinos: não há homem normal, que não seja capaz de sentir e comprehender a belleza de uma paizagem, a belleza de uma mulher, a belleza de um acto moral.
h.
A legitima creação poética nunca é instantânea: é sempre separada, por uma phase mais ou menos dilatada, do abalo moral que a produziu.
12
i.
Um poeta estudante, bohemio, em fim de mez, no pobre quarto da republica em que mora... Para illudir o estômago, que pede um almoço... impossível, esse poeta está escrevendo versos. Versos de amor, versos lyricos, versos tristes, cheios de ais, cheios de suspiros, e cheios de tantas lagrimas, que, se ellas fossem reaes, o papel, o tinteiro, a mesa, o poeta ficariam nadando num vasto mar de pranto. De repente, batem á porta: é um carteiro. Uma carta registrada... É a mezada! é dinheiro! O estudante dá um salto, beija o vale postal, beija o carteiro, e põe-se a rodopiar pelo quarto, numa valsa infernal. Vae sahir, vae almoçar, vae forrar da miséria o estômago... Mas lembra-se do soneto inacabado: e, apezar de estar alegre como um dia de sol, acaba o soneto no mesmo tom, com os mesmos ais, os mesmos suspiros, as mesmas lagrimas. O homem está contente, porque tem dinheiro, e vae almoçar: mas o poeta continua a ser triste, porque é poeta.
j.
A Tristeza, filha da agonia sem nome das almas que vivem a esbarrar contra a muralha do Mysterio que as rodeia, é uma concentração, é uma rebellião, é um protesto das almas fortes contra a hostilidade e a ferocidade do incognoscivel; — e isso não pôde ser confundido com o choramigar infantil e impertinente dos vates de aldeia, que se queixam da ingratidão das suas namoradas, como se queixariam de uma dor de ouvido ou de uma dor de dente.
14
k.
Assim, quando o poeta alarga o âmbito da sua inspiração, e começa a preoccupar-se, já não com o seu amor unicamente, mas com o vasto soffrimento humano que o cerca, — a sua poesia é triste, porque é pessimista.
l.
Houve, no século XVIII, no Brasil, minhas senhoras e meus senhores, um poeta, que só escreveu versos alegres. Versos alegres? — versos rancorosos! versos satânicos! versos que tinham em cada syllaba uma gotta de veneno e em cada rima uma frécha de ponta acerada! Esse poeta foi Gregorio de Mattos, um demônio humano, que viveu em guerra aberta contra o céo e contra a terra, ferindo todos os ridículos, criticando todos os costumes, invectivando todos os seus contemporâneos... Achaes que são alegres os versos de Gregorio de Mattos? Pensae bem, e reconhecereis que elles são mais tristes do que todos os versos gemedores de Casimiro de Abreu... São mais tristes, porque são uma explosão de revolta e de ódio, porque são as lavas de uma erupção de descontentamento e de cólera!
16
m.
Os poetas são estuários, em que se vêem confundir as torrentes de idéias e de sentimentos que agitam as Idades; são espelhos, em que se vêem reflectir e concentrar os feixes de raios ardentes em que se abraza e consome o Ideal Humano. E, como o mundo será sempre triste, porque a vida será sempre um mysterio, — também os poetas serão sempre tristes, porque serão sempre os interpretes d'esta grande e dolorosa duvida humana, d'esta curiosidade insaciável, d'esta desesperadora ignorância do que somos e do que seremos...
Este livro foi composto em Futura LT e Minion Pro para formato digital com os softwares livres Gimp, Inkscape, OpenOffice e Scribus em plataforma Linux.