O outro através - Práticas para olhar e não ser visto - Victoria Arenque

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O outro através

Práticas para olhar e não ser visto



Victoria Arenque Orientador: Prof. Marcelo Drummond Lage

O outro através

Práticas para olhar e não ser visto

Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais 2014



À Sofia, pelos momentos de descontração Ao Guilherme, pela paciência À dona Elisabete, pelo zelo Ao Professor Marcelo, pelo apoio Obrigada.



Índice Apresentação

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Citações

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O observador: algumas considerações

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Janelas Frestas

Referências Imagens

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Apresentação Todo o texto desta monografia versa a respeito de três trabalhos práticos, tais quais as séries de vídeos Janelas (2013) e Frestas (2014) e a série de fotomontagens Citações (2014). Estes foram reunidos aqui por manterem relações inevitáveis uns com os outros e com questões que envolvem, não apenas os trabalhos em si, mas todo o processo de criação proveniente de uma maneira específica de olhar para as coisas. A pesquisa O outro através: práticas para olhar e não ser visto, abriga indagações que surgiram com o processo de criação das imagens em questão e lida com maneiras sensíveis de traduzir o olhar para a linguagem imagética, ou até mesmo textual. Para o desenvolvimento dos questionamentos presentes no decorrer dos textos, foram necessárias análises iconográficas dos trabalhos em questão e das imagens agregadas a eles. Além de descrição dos respectivos

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processos de criação e estabelecimento de relações com trabalhos de artistas e teóricos, modernos e contemporâneos, importantes para a história e crítica de arte, como Sophie Calle, Gordon Matta-Clark, Marcel Duchamp, Georges Didi-Huberman, Marilena Chauí, Michel de Certeau, Sandra Rey, entre outros. Fotografias feitas com câmeras pinhole que acompanham a monografia, foram produzidas durante o percurso de pesquisa funcionando como um desdobramento natural das questões aqui presentes. Elas são estudos visuais sobre maneiras de ver as coisas, através de aparatos - como em janelas, frestas, e lentes - e através da própria imagem. Pode-se inferir de todo o processo de pesquisa, afinal, que à medida em que reflexões a respeito da produção artística ganham corpo, mais e mais perguntas surgem e desdobramentos tornam-se possíveis. Sendo assim, é necessária uma continuação do processo, para que cada vez mais questões possam ser respondidas (ou, ao menos, desenvolvidas) a fim de dar mais consistência e importância ao trabalho.

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Janelas A série Janelas é de uma sequência de registros videográficos de curtíssima duração feitos a partir de situações corriqueiras no cotidiano de pessoas escolhidas ao acaso, que se deixam ver através da janela de suas casas. Em um ambiente noturno em que se ouve apenas o som dos carros nas ruas e as vozes das crianças nas casas vizinhas, estas pessoas aparentam não se dar conta de que estão sendo observadas enquanto praticam ações comuns ao seu ambiente doméstico. Em uma das janelas, há um homem sem camisa perambulando em frente a uma televisão ligada. Ele para e escora na sacada de seu apartamento, entra em casa, desaparece, aparece com o que aparenta ser uma garrafa em sua mão, entrega a garrafa a alguém; Em outro prédio há uma varanda com as luzes acesas, onde acontece uma festa. Podemos ver as pessoas que estão dentro do apartamento através de uma janela. Os convidados da festa aparentam ser pessoas mais

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velhas, alguns deles bebendo em taças, nenhum deles dançando. Também não se ouve música... Estas situações são registradas em imagens e acompanhadas por textos, que avançam como legendas, mas não o são já que rotulam e transformam pessoas em personagens através de especulações a respeito da situação em questão. Trata-se, portanto, de representações das respectivas situações referentes às intimidades alheias, circunscritas pelas janelas das casas correspondentes. Diz-se “representações” uma vez que são eleitas algumas possibilidades de reais ocorrências que poderiam representar a cena avistada através da janela, para depois resignificar esta cena. Os reais cidadãos se tornam personagens de situações como as que Jeffries1 observava de sua janela: rotinas diárias alheias que ganham outra dimensão a partir da observação constante de alguém que espia. E as especulações são muitas – tantas, que ocorrem em três níveis de importância: 1) diante da própria janela; 2) diante do monitor do computador; 3) diante das palavras. Porque ao posicionar-se diante da janela de seu vizinho (nível 1), o observador se encontra em situação tão vulnerável quanto a do observado já que, mesmo no escuro da noite, corre o Personagem de Rear Window, de Alfred Hitchcock, 1954 - Ao quebrar a perna em um de seus trabalhos, o fotógrafo se vê “confinado” em sua própria casa. Com dificuldade de lidar com a necessidade de repouso, Jeffries passa a observar seus vizinhos, como hobbie, e acaba suspeitando de que um deles tenha cometido um assassinato.

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risco de ser flagrado (afinal, não estava por trás de cortinas ou fresta que o camuflasse). Por isso, não há tempo hábil para registros textuais, além do fato de que as ações capturadas podem parecer, em um primeiro momento, irreconhecíveis diante da pequena tela da câmera, posicionada há certa distância da janela em questão (aliás, havia naquele momento uma preocupação com a manipulação do aparato videográfico também, fazendo com que os olhos tivessem que se voltar quase que exclusivamente para a telinha da máquina). Nesta hora surgem muitas dúvidas e nenhuma suposição ou hipótese2. No entanto, ao transportar os vídeos para o computador (nível 2) e revê-los em um ambiente privado, sem a iminência de ser surpreendido e/ou repreendido, aquele que antes observara e registrara a cena ao vivo, pode, por fim, apropriar-se oficialmente daquelas imagens, com direito a fazer cortes, manipular o áudio, adicionar textos, etc. Aqui, então, surge espaço para questionamentos e associações que aumentam em quantidade à medida que as cenas são revisitadas. Estas serão, posteriormente, registradas em textos especulativos (nível 3), as ditas cujas “legendas” que, como citado anteriormente, rotulam e transformam as situações filmadas. “O olhar apalpa as coisas, repousa sobre elas, viaja no meio delas, mas delas não se apropria.” (CHAUÍ, Janela da alma, espelho do mundo. P.40)

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O texto, enfim, passa por seleção e edição, definindo o tom contemplativo do trabalho devidamente “finalizado”. Nota-se aqui que não houve sequer intenção de enfrentamento do hiato que divide o observador do observado e impede o contato físico dos dois sujeitos. O interesse não era descobrir/revelar o que realmente estava havendo no contexto em questão, e sim tratar o aparato opaco que circunscreve o vão da janela (a parede) como se fosse um par de elementos gráficos que delimitam um determinado texto para encaixá-lo em outro.

,,,[...],,, Porque assim é possível usar o espaço entre vãos a favor da imaginação, de forma que o ato de criar se dê a partir da manipulação da informação visual da qual se trata. Letícia Lampert, designer e mestre em Poéticas 3 Visuais , em sua dissertação intitulada Conhecidos de vista: a cidade revelada através de olhares, janelas e fotografias, trata do atravessamento do olhar por entre os vãos das janelas de maneira distinta: ela põe o corpo também em ação, de forma a enfrentar o tal “abismo” que separa as janelas 3

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Pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013.


dos apartamentos de sua cidade. E sua pesquisa teve início4 justamente quando decidiu ir até o sobrado do qual conseguia avistar a janela que dava de encontro à sua, para registrar o ponto de vista que os moradores daquele lugar mantinham da janela de seu apartamento. A bem-sucedida experiência fez com que a artista se motivasse a visitar mais alguns lares e registrar em fotografias e vídeos a relação de “intimidade” que cada morador mantinha quase involuntariamente com seu vizinho, devido à extrema proximidade em que os prédios se encontravam uns com os outros no centro de Porto Alegre. A pesquisa de Letícia expõe a relação que as pessoas têm com a observação da rotina de seus respectivos vizinhos e a importância que cada um acaba por atribuir aos atos banais dos outros, como a pessoa que, quando a artista perguntou se conhecia os moradores da casa da janela em frente, respondeu: Naquele apartamento da frente mora uma senhora idosa, e eu cuido dela daqui. Todo o dia de manhã eu olho se ela abriu a janela pra saber se está tudo bem. Se um dia ela não abrir a janela é porque alguma coisa aconteceu.5

Na verdade, sua pesquisa começara com experimentações mais simples, como as da série Avessos (2012, fotografias, 120 x 90 cm) em que fotografara paredes de ambos os lados, porém sem ainda pensar na relação entre ver e ser visto através das janelas na cidade. 5 Depoimento de uma pessoa entrevistada por Letícia Lampert e registrado em vídeo disponível no sitio <http://vimeo. com/71093109>. 4

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Afinal, essa pesquisa se baseia em recolher depoimentos alheios, não os da própria artista. Ao mesmo tempo em que Letícia entra em cada um dos apartamentos, enfrentando assim os obstáculos para o corpo, hesita em olhar para seus vizinhos já que retrata uma situação que está perto, mas que ela própria não vivencia. Seus questionamentos, portanto, são outros; são a respeito das relações dos outros, da cidade e da arquitetura. Os trabalhos de Gordon Matta-Clark também dizem respeito à arquitetura – e suas tendências na época em que viveu – e a revelar o que há por trás das paredes de casas, prédios e galpões. Quando o arquiteto trabalhou com colagens de fotografias que mostram os cômodos de uma casa sem a quarta parede que os cercam6, ou quando abriu, com suas próprias mãos e força física, vãos em imóveis a beira da demolição, externalizando sua arquitetura interior7, Gordon não estava interessado em revelar/ descobrir a intimidade alheia ou refletir sobre as relações entre observador e observado. Mas é como se violasse um espaço privado e vazio para torná-lo público, extravasando a abertura da janela e usando seu próprio corpo para “enfrentar” o concreto. O que acaba por fazer é abrir várias

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Splitting, 1974 – collage of gelatin silver prints Conical Intersect, 1975 – building cuts


“aspas” (ou colchetes, parênteses ou chaves) que delimitam vazios.

...[ ]... ...[ ][ ]... ...[ ][ ]... A questão central na série Janelas é a de realocar contextos a fim de criar novos. É a exposição de um ponto de vista de alguém que não se interessa especificamente em delatar a realidade sobre a vida alheia, mas que se interessa na possibilidade de criar novas realidades a partir da falta de informação a respeito das cenas observadas através das janelas. A série se baseia em um caso semelhante aos das pessoas entrevistadas por Letícia Lampert, mas o interesse não é o de violar, como Matta-Clark o faz ao recortar vãos na arquitetura. O objetivo é criar a partir do que “não se sabe”.

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Frestas Frestas é uma série de quatro vídeos de curtíssima duração, que mostram breves acontecimentos corriqueiros filmados por detrás de aberturas estreitas e longitudinais em plena luz do dia, capturados na escola de Belas Artes da UFMG. São ações mínimas, sem pretensão alguma, em que o observador filmou o local eleito até que viu transitar alguém por ali. Em um dos vídeos, por exemplo, a cena é a de um ambiente externo, nublado, com chuva fraca, um carro estacionado na rua e árvores se movimentando com o vento; uma pessoa, então, passa andando com uma sombrinha aberta sobre a cabeça e sai do campo de visão da lente da câmera em poucos segundos; em seguida, outra pessoa passa pelo mesmo lugar, segue em direção contrária a da primeira e também sai da zona de captura rapidamente. Toda a ação descrita

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acima fora filmada por alguém com uma câmera posicionada por trás de uma persiana fechada, que cobria quase inteiramente uma janela de vidro do segundo andar da Escola, a não ser por uma fresta. As pessoas passaram na rua, a um andar abaixo da janela, e em nenhum momento olhavam em direção àquela cortina, por detrás da qual alguém as observava. Duas outras ações também foram filmadas do alto (por detrás de frestas entre muros), tal como uma espécie de observatório, mantendo distância das cenas, pois o observador não queria ser avistado; ele se mantivera protegido em seu Skopé – termo mencionado por Marilena Chauí em seu texto “Espelho do mundo, janela da alma”, no qual escreve: Quem olha, olha de algum lugar. Skópos se diz daquele que observa do alto e de longe, vigilante, protetor informante e mensageiro. Pratica o skopeuô (observar de longe e do alto, espiar, vigiar, espionar) alojando-se no skopé, o observatório (como o cientista soberano e também o policial, no panopticon de Bentham). Por isso, sua prática não é apenas vigiar e espiar, mas significa,

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ainda, refletir, ponderar, considerar e julgar, tornando-se skopeutês: aquele que observa , vigia, protege, reflete e julga, situando-se no alto. 1

Nos vídeos, é possível ouvir também vozes de pessoas conversando em ambientes com profusão de sons – sons estes gravados em uma situação de proximidade com os sujeitos que falavam e que, por isso, não poderiam representar as cenas filmadas, que aconteceram “embaixo”, longe da câmera. O som está claramente fora da zona de alcance da situação capturada. Em apenas um dos casos a conversa entre os que falam diz respeito à situação exposta, mas os assuntos sobre os quais pessoas conversam durante os outros momentos não têm relação sequer com o fato de estarem na presença de alguém que espia, com uma câmera nas mãos. É como se a conversa das pessoas também estivesse sendo “espiada” – e na série de vídeos, é como se o áudio narrasse breves histórias; são “micro-histórias” que narram acontecimentos corriqueiros, vivenciados por pessoas comuns em sua rotina diária. Aqui, mais uma vez, não houve intenção em buscar identificar essas pessoas ou saber o que elas estavam realmente fazendo, para onde estavam indo ou com quem estavam 1

CHAUÍ, Janela da alma, espelho do mundo. P. 35.

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conversando, como uma pesquisa científica. Estas histórias visam provocar associações entre espectador da obra e sujeito filmado, já que ambos estão submetidos à linguagem ordinária que representam naquelas imagens. [...] o homem ordinário presta ao discurso o serviço de aí aparecer como princípio de totalização e como princípio de reconhecimento: permite-lhe dizer “é verdade a respeito de todos” 2

Pressupõe-se que ver à distância remete a uma relação de poderes entre observador skopeutês e observado, na qual o primeiro trata o segundo como seu “objeto de estudo” uma vez que cogita não estar sendo visto por aquele sujeito ou por outro. Porém, sendo o observador um “homem ordinário”, pode ele também estar sendo espionado por um outro skópos. A respeito disso, é possível tomar como exemplo a obra de Sophie Calle, uma artista que fundamenta seus trabalhos nas consequências do desconhecimento que algumas imagens fotográficas, tomadas à distância, remetem ao espectador. As “presenças incompletas”3 das pessoas desconhecidas que fotografa, ocupam o lugar de conceito central dos trabalhos da artista. Em sua obra CERTEAU, A invenção do cotidiano. P. 62 ENTLER, Entre a memória e o esquecimento:o realismo da obra de Sophie Calle. P. 1

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“La Filature” (1981), por exemplo, Sophie pediu à sua mãe que contratasse um detetive particular para espioná-la por um dia e construir um relato sobre suas atividades, sem contar a ele que a artista sabia estar sendo vigiada. Ela não sabia, no entanto, quem era o detetive, mas pediu a uma terceira pessoa que fotografasse as ações de qualquer um que parecesse segui-la. O trabalho é, portanto, uma reunião das fotografias feitas pelas duas pessoas contratadas e dos relatos produzidos por ela, pelo detetive e pela terceira pessoa a respeito de seu dia, que incluiu atividades corriqueiras da rotina de alguém comum. Aqui, o detetive pensou situar-se no “alto” do evento em questão quando, na verdade, a própria Sophie Calle assumiu o papel de Skopeutês – apesar de ter servido de “objeto de estudo” para o primeiro. Afinal, os três sujeitos estiveram inseridos em um todo onde as relações de poder pressupostas entre o fotógrafo (observador) e o fotografado (observado) se confundiram. Na série Frestas estas mesmas relações se tornam evidentes e inevitáveis quando, em um dos vídeos, o observador (e sua câmera) se coloca no mesmo nível de altura com o sujeito vigiado, ao se esconder por trás de livros em

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uma estante da biblioteca da Escola de Belas Artes para capturar em frames dois brevíssimos momentos em que uma pessoa passa pelo lado oposto daquela estante. E o áudio do “curtíssima-metragem” delata a situação de duas pessoas que pareciam esperar por aquele momento, como se o “detetive” daquele evento fossem aquelas vozes – vozes que são também “sujeito observado” a partir do momento em que um espectador tem acesso ao vídeo final. Os aparatos que circunscrevem as frestas são estáticos; os movimentos de cada cena acontecem apenas em filetes de imagens, que, em alguns casos, de tão estreitos, comprometem a nitidez das ações filmadas. Este comprometimento da imagem cinética confere importância diferenciada a estes casos já que, em um primeiro momento, tudo o que o espectador consegue identificar são formas cambiantes entre muros. A intenção aqui é ativar o interesse deste sujeito para o que virá a seguir, quando provavelmente haverá mais elementos para subsidiar a especulação sobre o que são aquelas formas que se movimentam e a identificação com aquelas situações.

]:[ ];[ ]![

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Ao fazer análise comparativa entre esta situação e aquela apresentada no capítulo anterior, pode-se dizer que fresta e janela têm movimentos opostos em sua funcionalidade: a janela é pensada para “deixar entrar”, como um convite ao atravessamento, arquitetado estrategicamente nas casas e apartamentos para que entre ar e luz, e para que seja possível ver através.

[...]

].[

A fresta – abertura estreita e longitudinal que permite a espionagem – é uma ocorrência. O atravessamento do olhar não é um propósito para a fresta, e inclusive se alguém se dispõe a “olhar através”, vivenciará uma experiência individual, já que não cabem quatro olhos em uma fresta – diferente da janela que proporciona uma experiência potencialmente coletiva de observação, com possibilidades de troca entre quem está “dentro” e quem está “fora”. Sendo assim, ambas circunscrevem situações que dizem respeito ao contexto alheio. Se portam quase como as aspas de um texto, que tem a função de contextualizar situações e vozes diferentes entre si. Afinal, quando são

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inseridas citações em uma determinada produção textual, é como se houvesse mistura entre dois contextos para produzir um terceiro. A proposta inicial para a exposição da serie Frestas foi a de fazer deste trabalho uma vídeo instalação, na qual seriam projetados cada um dos vídeos próximos ao lugar onde foram respectivamente filmados. Assim, além da possibilidade de identificação do espectador com a situação representada nas projeções, os espaços em questão poderiam ser ativados caso a curiosidade de presenciar novas situações através daquelas frestas surgisse neste sujeito. Afinal, estariam acontecendo ali, simultaneamente, ações passadas e registradas em vídeo, e ações no presente de quem estivesse observando por entre a fresta em questão. Funcionaria como um convite ao outro para que observasse também através de frestas, se percebendo ao mesmo tempo como uma parte de um todo e um potencial skópos, que pode estar sendo observado por alguém. No entanto, estes vídeos foram postados na web4, o que modifica completamente a proposta do trabalho. Afinal, em uma rede em que é possível ter fácil acesso a infinitas imagens e vídeos, de estatutos variados e que <www.vimeo.com/peixevic> Acesso em 04 de novembro de2014

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delatam, em diferentes graus de detalhe, atitudes e ações de vidas alheias, qual o propósito de acessar imagens “incompletas”? É como se a intenção fosse tornar virtual e pública uma experiência secreta e normalmente possível apenas em terceira dimensão – assim como fizeram várias pessoas ao criar sítios que possibilitam desde tours virtuais por museus de arte5 até simulações de ventiladores em funcionamento.6 Além disso, a identificação com o lugar onde foram filmadas as cenas não é mais tão óbvia, uma vez que os vídeos estão agora acessíveis para pessoas do mundo inteiro e não só para pessoas que passam próximas àquelas frestas. Portanto, não há mais convite para ativar lugares ou associar imagens produzidas em um passado com acontecimentos que ocorrem no momento da exibição do trabalho. A proposta é mostrar que houve um corpo que se posicionou por trás de aparatos opacos que o escondia, para filmar ações de pessoas que não sabiam estar sendo observadas. Mostrar, portanto, as relações entre observador e observado possíveis quando se trata de um “viver em sociedade”.

5 <http://www.louvre.fr/en/visites-en-ligne> Acesso em 04 de novembro de 2014 6 <http://ventiladoronline.com/> Acesso em 04 de novembro de 2014

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Citações O trabalho denominado Citações reúne séries de fotomontagens (criadas digitalmente) em que a figura feminina retratada por renomados artistas pintores, importantes na história da arte, é vislumbrada nua ou seminua através de uma fresta. As pinturas são: • As três idades do homem e a morte, 1541-1544, de Hans Baldung. Nela a mulher que representa a juventude fita o observador, intentando escapar do olhar daquela que figura a velhice, e segura suas vestes para que a idosa não a exponha completamente a esse destino inevitável e indesejado; • A Odalisca, 1740-1749, de François Boucher, em que a mulher está retratada em uma posição desajeitada ao pretender mostrar seu traseiro ao espectador, mas não direciona seu olhar a ele – como se não quisesse estar ali; • A Banhista de Valpinçon, 1808 (que posiciona seu corpo

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como se não quisesse estar sendo observada em momento de intimidade e, por isso, sequer olha em direção ao observador como que para guardar sua identidade) e A grande Odalisca, 1814 (que tenta preservar sua nudez ao se deitar de costas para o observador, mas olha em direção a ele com expressão sedutora), ambas pintadas por Jean-Auguste Dominique Ingres; • Olympia, 1863, de Édouard Manet, que, ao mesmo tempo em que se expõe completamente, guarda uma tensão e, de certa forma, um alerta para aquele que a olha, como se negasse seu sexo ao espectador; • E a Moça com cachorro branco, 1951, de Lucian Freud (que, timidamente, mostra um dos seios enquanto protege o outro com a mão direita e encara o observador com um cachorro em seu colo, como que para protegê-la de algo). Cabe ressaltar que todas estas pinturas foram produzidas por artistas homens, o que evidencia uma tendência histórica de produção de imagens em que a mulher nua é representada a partir de um olhar masculino e de ideais de beleza vigentes nas respectivas épocas e sociedades em que viveram estes pintores. Essas imagens fizeram

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parte de um processo em que a exposição da nudez feminina nas paredes de museus, galerias e casas de pessoas socialmente influentes, ajudou a determinar a sexualidade e comportamentos das mulheres ao longo da história, transformando este tipo de representação em um ícone da cultura ocidental. Mesmo quando o tema retratado nas pinturas representava alegoria ou mito, a imagem feminina que se popularizou – e tornou-se modelo – foi a de passividade e submissão a partir do olhar masculino, naturalizando e legitimando o corpo da mulher como objeto de desejo e contemplação. Ao posicionar estas mulheres, por detrás de aparatos que só deixam ver uma pequena parte de cada pintura através de estreitas frestas, muda-se, de certa forma, o estatuto dessas imagens: algumas das personagens têm sua nudez acentuada uma vez que a situação convida o espectador para tomar o lugar de um voyeur, frisando o modelo feminino historicamente constituído; outras assumem o papel de voyeur, como se observassem o espectador, anulando a atitude passiva da mulher idealizada e tão frequentemente retratada em pinturas na arte ocidental. Pode-se dizer então que cada uma das fotomontagens demonstra uma situação particular, a saber:

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• A jovem moça das três idades do homem percebe e encara seu observador com uma expressão aborrecida. É como se, apesar de ser a representação do ideal de beleza clássica, a moça não quisesse ser observada (e objetalizada) e tenta cobrir o corpo com suas vestes – que a velhice tenta arrancar apesar de o espectador não conseguir perceber; • Mademoiselle O’Murphy (a Odalisca de François Boucher) parece apontar seu quadril em direção à fresta, como se tirasse sarro da situação; • A Banhista de Valpinçon está de costas para a fresta; parece não perceber que está sendo observada, o que remete à situação primeira em que se imagina a atuação de um voyeur. Neste caso a passividade feminina se mostra presente e a nudez da banhista acaba por sobresair-se, ilustrando uma situação evidentemente fetichista; • Não se pode ver muito da imagem da Grande Odalisca em decorrência da estreiteza da fresta. Ao que parece, a mulher aproxima seu corpo da pequena abertura de forma que pretende espiar o espectador. A mulher tornase, assim, o voyeur da situação – uma função ativa;

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• Olympia se encontra bem de frente à fresta e encara seu espião com uma expressão serena, porém séria. No entanto, não parece oferecer resistência e deixa que o outro veja um de seus seios. É como se tentasse atrair o espectador e “enganar o bobo fetichista”1; • E a Moça com seu cachorro branco parece, também, espiar porque é possível perceber um de seus olhos passeando pelo que se apresenta através da fresta (se pode ver, inclusive, um dos olhos de seu fiel companheiro como se o cachorro também espiasse). A escolha dessas pinturas foi feita em decorrência, justamente, da iconicidade do nu feminino na cultura ocidental. E as citações foram arquitetadas de forma a remeter questões relativas à sedução e ao desejo: uma vez que o aparato que constrói cada fresta dificulta a possibilidade de contato entre observador e observado, o desejo de acessar todo o contexto do que está por trás da fresta vem à tona, porque ele surge a partir daquilo que o olhar procura; a partir daquilo que o olho não vê. Tal como acontece em Étant Donnés, 1944-1966, de Marcel Duchamp, que propõe um jogo ilusório-imagético, com sobreposição de imagens e objetos (trompe-l’oeil2), o qual só pode ser visto através “Cada uma delas [mulheres] sempre mantém a esperança secreta de enganar melhor [...] nesse jogo que faz do charme, da sensualidade, do próprio corpo bem escondido e bem revelado o fetiche da mulher.” (KEHL, Masculino/feminino: o olhar da sedução. 1988. P. 419) 2 Recurso técnico-artístico empregado com a finalidade de criar uma ilusão de ótica, como indica o sentido francês da expressão: tromper, “enganar”, l’oeil, “o olho”. Seja pelo emprego de detalhes realistas, seja pelo uso da perspectiva e/ou do claro-escuro, a imagem 1

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de dois pequenos orifícios que mais parecem um efeito temporal de degradação na madeira antiga e carcomida da porta onde se encontram. O artista cria um cenário que alude a um “conto de fadas” – por ser, ao mesmo tempo, irreal e tão nítido – e remete à memória de forma que cria possíveis soluções para aquela cena enigmática e fantasística. Através dessa abertura, no plano mais próximo, como primeiro plano de uma paisagem, está o corpo nu de uma mulher sobre um monte de gravetos, com as pernas impudicamente abertas, o sexo sem pêlos e o rosto escondido de modo a só deixar ver uma madeixa de cabelo ruivo. Na mão esquerda eleva-se uma lâmpada de gás de iluminação. Tudo isto numa suave e, ao mesmo tempo intensa, atmosfera luminosa que cria a sensação de um espaço simultaneamente irreal e extraordinariamente nítido.3

Aqui o observador também toma lugar de voyeur, já que só consegue acessar a imagem caso se atreva a bisbilhotar através das pequenas aberturas na porta. O ato de olhar através de uma fresta retoma uma situação em que o aparato que impede a passagem do corpo e emoldura a abertura longitudinal e estreita, é tridirepresentada com o auxílio do trompe l’oeil cria no observador a ilusão de que ele está diante de um objeto real em três dimensões e não de uma representação bidimensional. O objetivo do procedimento é, portanto, alterar a percepção de quem vê a obra.[...] (Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br > Acesso em: 10 jun 2013.) 3 OLAIO, Ser um indivíduo chez Marcel Duchamp. 2005. P. 89-90

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mensional, e a imagem que se vê através apresenta-se em vários planos, também tridimensionais. A bidimensionalidade não é situação que remonta literalmente à ocasião de bisbilhotar por uma fresta. Por que, então, a escolha da fotografia/ fotomontagem como suporte para este trabalho? Primeiramente, porque a imagem fotográfica mantém relação pontual com seu referente, permitindo, assim, que outros campos (filosófico, sociológico, cultural, perceptivo) possam ser explorados teoricamente a partir dela. Afinal, algumas referências são diretas e universais (como a fresta) e ocupam lugar de mediação entre as ideias do proponente da mensagem visual e a percepção, reflexão e compreensão do público espectador.4 No caso da imagem digital, em razão de ser conjunto de números binários codificados de forma a permitir alterações, permanentes ou não, a fotografia se apresenta ainda como suporte de criação – uma janela – que pode representar tanto um produto final, quanto um trabalho infinitamente em processo. Sendo assim, esta imagem permite investigar a instauração de outras percepções de realidade, através da desconstrução do centro organizacional da mesma5, sobreposição de camadas, retirada e/ ou adição de COUTO, A imagem conceitual: uma contribuição ao estudo da arte contemporânea. P. 33-34. 5 REY, A instauração da imagem como dispositivo de ver através. 4

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elementos, alteração de cores e texturas, dentre muitas outras possibilidades. Em resumo, na bidimensionalidade também é possível haver “profundidade”. Em Citações, o espectador consegue, por fim, perceber não só uma espécie de profundidade da imagem – no caso, um tipo de desorientação, “experiência na qual não sabemos mais exatamente o que está diante de nós e o que não está” 6 porque imagem pintada e imagem fotografada podem confundir-se –, como pode também “ver através” uma vez que o referente, sendo pontual como é, pode vir a estimular o espectador a buscar situações referenciais de acordo com seu repertório pessoal e enxergar além do que está posto ali. E qual o estatuto de uma pintura inscrita na fotografia? Ao mesclar imagem pintada com imagem fotografada em meio virtual, ambas adquirem o papel de suporte sobre o qual criar-se-á uma obra “finalizada” (uma vez que impressa). Além disso, já que é possível selecionar elementos específicos da pintura para serem usados na composição fotográfica, há mudança também na cena que a imagem originalmente apresenta: parte dela passa a compor uma nova situação que, por sua vez, conta uma nova 6 REY, A instauração da imagem como dispositivo de ver através. 2004. P. 48

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história. Não é propriamente intenção criar uma fotomontagem realista que confunda o espectador quanto à veracidade do que vê ali. Ao contrário, a mescla de diferentes tipos de imagem é o que interessa e é, pode-se dizer, o que dá nome à série. Assim como o trabalho Frestas, que lida com a fresta como ocorrência que circunscreve situações do contexto alheio a fim de recontextualizar imagens e sons, Citações evoca uma ocorrência textual: às aspas.

“|” Ao lidar com apenas um filete da imagem pintada, é como se estivesse selecionando apenas o trecho do (con) texto que se relaciona com a fotografia – que, no caso, é autoral. E nessa fotografia é estipulado um intervalo para o posicionamento daquela imagem, como uma citação em um texto. Aliás, assim como a citação, como norma textual, precisa ser sinalizada através de aspas ou formatação diferenciada, as mulheres que aparecem por trás das frestas contam com a diferença de linguagem – pictórica versus gráfica – para se destacar. Porém, em Frestas, assim

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como em Janelas, a câmera serviu como aparato que registrou uma ocorrência real. Portanto, apesar do processo da pós-produção, que envolveu cortes de cena, alterações feitas no áudio e adição de legendas nos vídeos, a apresentação da imagem não foi arquitetada como ocorreu em Citações, onde a situação foi criada, não registrada. Pode-se dizer que as fotomontagens serviram como forma de materialização de conceitos pré-concebidos acerca de um tema específico. Já os vídeos, serviram de subsídio para a construção do tema sobre o qual a criação das fotomontagens se debruçou.

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O observador Algumas considerações

Nota-se, em todo o processo de criação sobre o qual discorri nas partes anteriores, que meu olhar se volta sempre para o outro. Eu sou o observador que segurou a câmera diante de janelas e de frestas e que filmou cenas durante a noite ou por trás de aparatos opacos para tentar estar fora de alcance da vista do outro. Diferentemente de Gordon Matta-Clark que, durante os anos 70, criava seus recortes geométricos em casas e galpões com força física, submetendo seu próprio corpo ao enfrentamento de paredes e muros, eu não pretendia, ao fazer Janelas, Frestas e Citações, delatar interiores de ambientes privados ou mesmo vidas alheias. Sequer me interessava descobrir o real contexto em que as pessoas que filmei se encontravam no momento da filmagem, como fez Letícia Lampert em seu trabalho fotográfico que deu origem à sua pesquisa de mestrado. Talvez possa comparar-me à forma de olhar

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de Sophie Calle, para quem o desconhecimento a respeito das pessoas é, de certa forma, o que deve tê-la interessado durante a produção de algumas de suas obras, criadas nos anos 80. Estive sim presente em corpo nos trabalhos, claro. Basta notar que o aparato que emoldura as frestas está ali, ostensivo, antecedendo a imagem emoldurada e demonstrando que um corpo se colocou, em algum momento, naquele lugar para olhar através. Ou que estive ali, diante da câmera, procurando, enquadrando e, por fim, filmando a janela de pessoas desconhecidas sob o risco de ser delatada. Mas não levei meu corpo, essencialmente, ao enfrentamento destes tais obstáculos – diga-se o muro, o tapume, a janela, o hiato que distancia uma janela da outra – para descobrir verdades, porque, como Sophie Calle, interessavam aqui as presenças incompletas que aquelas imagens, circunscritas por concreto ou outro material, permitiam. Ao permitir e aceitar que partes de realidades objetivas se encontram ocultas por anteparos visuais, tomo o desconhecimento a respeito das pessoas como uma potência de criação. Afinal olhar é desejar conhecer, e se dá a partir do que não conseguimos ver. Mas antes de conhecer, especulamos e então criamos. Assim, vemos através das

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coisas, como fazia Fernando Pessoa “ele mesmo”1 em alguns de seus poemas, onde também especulava a respeito das relações entre olhar e ser olhado. “Seu olhar se coloca imediatamente fora das coisas: para além delas, já que busca por detrás delas algo oculto, invisível e essencial [...]”2, diz Leyla Perrone Moisés a respeito do trabalho do poeta, em seu texto Pensar é estar doente dos olhos.3 De acordo com a autora, Fernando Pessoa buscou, nas obras assinadas com seu nome, sempre proteger-se do olhar alheio através de veladuras que o tornavam invisível ao outro. Como se também estivesse em um tipo de skopé. E ao que parece, o escritor se colocava nesse lugar porque os olhos dos outros lhe davam um trabalho insano4. Mas, apesar disso, seu interesse nestas pessoas era claro, como fica evidente em um trecho de seu poema Análise: “Tão abstrata é a ideia do seu ser Que me vem de te olhar, que, ao entreter Os meus olhos nos teus, perco-os de vista, E nada fica em meu olhar, e dista Teu corpo do meu ser tão longamente, E a ideia do teu ser fica tão rente Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me Enquanto poeta, o português passou sua vida escrevendo sob múltiplas personalidades, seus heterônimos. Tais quais Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. 2 PERRONE-MOISÉS, Pensar é estar doente dos olhos. P. 329 3 Texto do livro O olhar, publicado pela Companhia das Letras e organizado por Adauto Novaes. 4 PERRONE-MOISÉS, Pensar é estar doente dos olhos. P. 332 1

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Sabendo que tu és, que só por ter-me Consciente de ti, nem a mim sinto. [...]”5

Mas quem seria o “outro” para quem eu, Sophie Calle, Fernando Pessoa e Letícia Lampert direcionamos o olhar? Se, de acordo com o teórico francês Georges Didi -Huberman, o que vemos também nos olha, no sentido de que tudo o que vemos é contaminado por fatores momentâneos, como odores, sons, ambiente, temperatura, estado de espírito, olhares alheios, etc. É portanto, fruto de um repertório de vivências pessoais, este “outro” é o espelho que reflete nossa própria imagem e semelhança. Didi-Huberman exemplifica essa proposição com a figura do túmulo, que é apenas uma caixa grande e vazia, mas para a qual atribuímos diversos significados de acordo com nossa cultura, medos e recordações. Também lidando com este tema, Iberê Camargo escreve, no texto O Duplo, 1994, sobre uma situação em que viu, sentado em um ônibus, alguém semelhante a ele, porém com roupas e gestos diferentes, o que anulava a possibilidade de estar olhando para seu próprio reflexo. Narra que ficou aterrorizado, pois faltou-lhe coragem para enfrentar o outro que vivia fora de si. E para Leyla Perrone Moisés “Ver-se vendo, olhar-se Disponível em <http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/51.php> 5

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olhando, é deixar de olhar e de ver o que se olha e vê fora de si, para tentar captar, no sentido inverso, o próprio ponto de onde o sujeito olha”.6 Durante o processo da pesquisa, que versa sobre obras resultantes dessa maneira de olhar para as coisas, surgiram mais questões do que consegui, por fim, tratar aqui. Afinal, o que interessa nas ações corriqueiras dos outros? Quais relações são possíveis quando tratamos de interior versus exterior e público versus privado? Pode-se considerar a lente da câmera (fotográfica ou videográfica) um dispositivo para observar através? Qual a relação do meu trabalho com o princípio de “série” na arte contemporânea? Além disso, há indagações referentes à produção de imagens em si, o que acarreta em possibilidades de desdobramentos visuais para o trabalho, como, por exemplo, qual a relação que estabeleceríamos com a fresta ao excluir da imagem o aparato que a circunscreve? E qual o estatuto destas imagens (fotografias de janelas e frestas) transferidas para as páginas de um livro? Questionamentos estes que, creio eu, têm potência suficiente para serem respondidos na prática artística , gerando mais fotografias, vídeos e páginas, que não findam por aqui. 6

PERRONE-MOISÉS, Pensar é estar doente dos olhos. P. 329

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Referências DIDI-HUBERMAN, Georges. A Inelutável Cisão do ver. In.: O que vemos o que nos olha. São Paulo, SP. Editora 34 Ltda, 1998. Tradução de Paulo Neves. DIDI-HUBERMAN, Georges. O evitamento do vazio: crença ou tautologia. In.: O que vemos o que nos olha. São Paulo, SP. Editora 34 Ltda, 1998. Tradução de Paulo Neves. CAMPOS, Elisa. Planos de clivagem: uma abordagem sobre o olhar. In.: Concepções contemporâneas da arte. Belo Horizonte, MG. Editora UFMG, 2006. Organizado por Luiz Nazario e Patricia Franca. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Pensar é estar doente dos olhos. In.: O olhar. São Paulo, SP. Companhia das letras, 1988. Organizado por Adauto Novaes. CHAUI, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. In.: O olhar. São Paulo, SP. Companhia das letras, 1988. Organizado por Adauto Novaes.

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KEHL, Maria Rita. Masculino/feminino: o olhar da sedução. In.: O olhar. São Paulo, SP. Companhia das letras, 1988. Organizado por Adauto Novaes. REY, Sandra. A instauração da imagem como dispositivo de ver através. Porto Alegre, RS. Porto Arte, v. 13, n. 21, 2004. LAMPERT, Letícia. Conhecidos de Vista: a cidade revelada através de olhares, janelas e fotografias. Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Artes Visuais pela UFRGS, área de concentração: Poéticas visuais. Porto Alegre, RS. 2013. Disponível em <http://hdl.handle.net/10183/80522>, acesso em 15 de novembro, 2014. CERTEAU, Michel de. Um lugar comum: a linguagem ordinária. In.: Invenção do cotidiano - artes de fazer. Petrópolis, RJ. Editora Vozes Ltda, 1998. Título original: L’invention du quotidien – 1ª arts de faire. Traduzido por Ephraim Ferreira Alvez. BARRETO, Nayara Matos. Do nascimento de Vênus à arte feminista após 1968: um percurso histórico das representações visuais do corpo feminino. Ouro Preto, MG. 9º Encontro Nacional de História da Mídia, UFOP. 2013.

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COUTO, Ronan Cardozo. A imagem conceitual. In.: A imagem conceitual: uma contribuição ao estudo da arte contemporânea. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Artes. Belo Horizonte, MG. CIFUENTES, Adolfo. A pulsão fotográfica na arte contemporânea. Belo Horizonte, MG. 2012. OLAIO-A, António. Ser um indivíduo chez Marcel Duchamp. Coimbra, PT. 2005. Disponível em <http://br.monografias. com/trabalhos-pdf902/ser-um-individuo/ser-um-individuo.pdf> Acesso em 15 de novembro, 2014. ENTLER, Ronaldo. Sophie Calle: testemunho e ficção. In.: Entre a memória e o esquecimento:o realismo da obra de Sophie Calle. Disponível em <http://www.studium.iar.unicamp.br/22/05.html>, acesso em 15 de novembro, 2014. <http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/51. php> Acesso em 15 de novembro, 2014.

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Imagens

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Do ponto de vista Ă vista do ponto - LetĂ­cia Lampert, 2012



Cartaz do filme Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock


Splitting - Gordon Matta-Clark, 1974


La Filature - Sophie Calle, 1981



Conical Intersect - Gordon Matta-Clark, 1975


As trĂŞs idades do homem e a morte Hans Baldung, 1541


A grande Odalisca - Jean-Auguste Dominique Ingres, 1814



A Odalisca - Franรงois Boucher, 1740


A banhista de Valpinรงon - Jean-Auguste Dominique Ingres, 1814


Olympia - Édouard Manet, 1863



Moรงa com seu cachorro branco - Lucian Freud, 1951


Étant Donnés - Marcel Duchamp, 1944


vídeo 1 | duração: 03’ -

O cômodo parece uma sa O homem sem camisa qu parapeito. Fica por lá um zinha, e abre um armário em algum lugar). Vai até o de óculos. Põe os óculos n Caminha pela sala, passa sentou em frente à TV.

vídeo 2 | duração: 02’1

É uma festa no terraço do Ninguém dança, mas algu À distância a que se está, Alguém acaba de chegar

vídeo 3 | duração: 02’2

Um homem com uma cam alguma coisa. Se abaixa e Parece ser uma esteira el Ele a desdobra e a posicio

vídeo 4 | duração: 01’2

Uma mulher vai até a jane onde estava amarrada. Fe


- Postado na web

ala de TV. Com uma grande TV ligada. ue estava em frente à tela, decide ir até a sacada do apartamento e se escora no m tempo e volta para dentro do cômodo. Vai até outra sala, que parece ser uma coo ou geladeira. Volta para a sala e bebe algo. Depois entrega algo a alguém (ou põe o vão da porta que liga os dois cômodos avistáveis e pega o que parece ser um par no rosto. a em frente à TV, vai até o outro cômodo e volta à sala. Desaparece. Parece que se

14’’ - Postado na web

o apartamento de alguém. uns parecem se divertir. Alguns se abraçam, outros apenas seguram taças. , não se houve música nem vozes. na festa e cumprimenta várias pessoas com abraços.

26’’ - Postado na web

misa branca perambula em frente à janela. Pára e olha para alguma coisa. Mexe em e levanta com algo nas mãos. létrica. ona como prefere.

22’’ - Postado na web

ela, abre o vidro e retira o que parecia ser uma sacola plástica das grades da janela echa o vidro e se vai.


SĂŠrie Janelas - Victoria Arenque, 2013 www.vimeo.com/peixevic


vídeo 5 | duração: 05’40’’ - Postado na web Há, ali, dois homens: um no andar de baixo e outro no andar de cima do que parece ser um apartamento duplex, ou triplex. Um deles desce até o primeiro andar e ambos entram na casa. Alguém passa em frente à porta de vidro rapidamente. Os dois voltam para o terraço – um deles segurando algo – e sobem as escadas rumo ao segundo andar. Parecem procurar um bom lugar na parede para posicionar aquilo que seguram nas mãos. Conversam, posicionam a coisa e descem as escadas. Um deles abraça o outro por trás e ambos andam assim, abraçados, até o interior do apartamento. Fecham a porta de vidro, as cortinas e apagam as luzes.

vídeo 6 | duração: 29’’ - Postado na web Diante desta janela há alguém que só deixa ver sua cabeça. A pessoa perambula por onde parece ser uma cozinha. Sai do cômodo e apaga as luzes.

vídeo 7 | duração: 02’09’’ - Postado na web Por trás desta janela há alguém de costas que faz um movimento contínuo de vai-e-vem para os lados. Sua cabeça some na textura do vidro e reaparece diante do vão da janela. A pessoa se vira e sai do cômodo. Volta e continua o movimento. Sai do cômodo novamente e apaga as luzes.


vídeo 1 | duração: 51’’ - Postado na web Entre duas partes que não se encostam de um muro, há uma imagem. A cena é irreconhecível - até que algumas pessoas passam por ali. A fresta se movimenta durante alguns instantes.

vídeo 2 | duração: 54’’ - Postado na web Entre duas partes de uma persiana, avista-se algumas árvores e um carro. Passa uma pessoa andando para a esquerda, com a sombrinha aberta sobre a cabeça - Passa outra pessoa, andando para a direita, com a sobrinha aberta sobre a cabeça.


vídeo 3 | duração: 01’05’’ - Postado na web Entre livros, em uma estante cheia deles, avista-se a cabeça de alguém que passa rápido. Tempo depois, a pessoa torna a passar - fica quatro segundos, e sai.

vídeo 4 | duração: 01’06’’ - Postado na web Da fresta que se forma em outra área de encontro entre muros, vê-se uma pessoa sentada. Ela se mexe todo o tempo, mas continua sentada. Enquanto isso, passam outras pessoas andando. Alguém senta do lado da pessoa que já estava lá.



SĂŠrie Frestas - Victoria Arenque, 2014 www.vimeo.com/peixevic


A jovem moça das três idades do homem por trås da fresta Fotomontagem



Mademoiselle O’Murphy por trås da fresta Fotomontagem



A Banhista de Valpinรงon por trรกs da fresta Fotomontagem



A Grande Odalisca por trรกs da fresta Fotomontagem



Olympia por trรกs da fresta Fotomontagem



A Moรงa com seu cachorro branco por trรกs da fresta Fotomontagem



Esta monografia foi impressa em papel Chamois Dunas, 80 g/m2, e papel CouchĂŞ fosco 170 g/m2, em novembro de 2014.




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