SAULO TIRONI SILVA
DESLOCAMENTOS ARTÍSTICOS CICLÍSTICOS
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Colegiado de Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Habilitação: Artes Gráficas Orientadora: Professora Elisa Campos
Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2014
AGRADECIMENTOS Agradeço aos grandes deuses, santos, divindades da natureza, rezadeiras e rezadeiros, benzedeiras e benzedores e pessoas de muita fé que me abençoaram em suas orações. Aos meus pais José e Marlene, que me deram a grandeza do amor e da simplicidade. À minha irmã Lu, lua e sol. Ao Breno, que me aprende várias coisas, à minha linda namorada, artista, modelo, companheira Dri <3. Ao povo da roça, do interior, à cachaça lá de Saulo. Aos Antônios, Picos, Teodoras, Marianas e Flávios. Agradeço imensamente às minhas vós Marias, Luzias, Zinhas, Narcisas, Negas e Clarices, bença! E os vôs Juca, Tinhô, Tiriziu e Zé Lau. Agradeço a toda maravilhosa e gigantesca família (madrinhas, padrinhos, tios, tias, primos e primas, sogra, cunhados e agregados) - Tironi e Silva e Souza e Dias e Alves e Martins e Pereira e Santana e Pinto e Rocha e Lara e por aí vai - pelo apoio, carinhos e caronas; aos queridos amigos e amigas (é muito importante ter amigxs), aos colegas, à professora Elisiária e demais professores e mestres populares pelas trocas de saberes ao longo destes anos, às milhares de pessoas que conheci nestas minhas andanças e pedaladas e que se lembram de mim, lembro de todas! Às experiências inesquecíveis. Às boas risadas. Aos esparrados momentos compartilhandu bom. Às bicicletas que tive. Muito obrigado. Só força. Deus abençoe. Amém.
HOJE Nテグ QUERO PENSAR SOBRISSO NEM A KILO
SUMÁRIO
DESLOCAMENTOS
ARTÍSTICOS CICLÍSTICOS
PRIMEIRAS PEDALADAS 1
GRAFISMOS
PARA ACESSO AÇÃO COLETIVA 01 8
MÃE À PRAIA AÇÃO COLETIVA 03 19
PRÁTICAS
INVOLUNTÁRIAS PARA DEMARCAÇÃO DE FUTEBOL DE RUA AÇÃO COLETIVO 02 13
UMA BROA
HISTÓRIA
AÇÃO COLETIVA 04 26
OBSERVÃNÇAS
DE PEDAL 32
LEMBRETE Este trabalho é composto por seis ‘capítulos’ com desenhos, anotações, frases, poesias, palavras estranhas e imagens em movimento!
CINCO MESES SOBRE BICICLETA
DESLOCAMENTOS ARTÍSTICOS CICLÍSTICOS
PRIMEIRAS PEDALADAS
A
diversificação dos modos de transitar nas cidades é imensa: ônibus, cadeiras de rodas, bicicletas, carroças puxadas por animais ou por pessoas, motos, skates, patins, diferentes invenções com rodas, além, é claro, do modo à pé. As pessoas tendem a se virar como podem para realizarem seus deslocamentos. Nas pesquisas, ações, anotações, desenhos, fotos e observações que demonstrarei aqui, a bicicleta, popularmente conhecida no mundo todo, é peça chave para entender e problematizar as formas de deslocamento, de subsistência e de organização dos itinerários de cada usuário. Ainda que seu uso mais comum, no Brasil, seja para o lazer, tratase de um veículo que ganha notoriedade como meio alternativo de transporte para enfrentar os crescentes problemas do tráfego urbano. De baixo custo, não-poluente e saudável (tanto para o ciclista quanto para o meio ambiente), a bicicleta torna-se símbolo de uma postura política, uma busca por liberdade, por possíveis mudanças, um modo de tecer outras relações com as pessoas e com a cidade. Uma transformação nas atitudes, no deslocamento de nossos corpos, no modo como observamos a sociedade.
Tentarei abordar de forma simples as ideias, às vezes confusas, que levam às reflexões sobre o uso da bicicleta como “objeto social”, e o pedalar como proposição em arte. Parte das ações e ideias que apresentarei surgiram andando de bike. As anotações foram feitas em cadernos, mesas, paredes ou no para-lama da própria bicicleta. Usarei aqui gírias, dialetos, ditados populares, a poesia do cotidiano, notificando o linguajar de nosso tempo, de outras pessoas, fora da academia, observando comportamentos e posições políticas que descubro nos percursos por onde passo, encontrando um rico campo de pesquisa artística pelas perambulações nas ruas e experiências do dia-a-dia. Esta pesquisa, que ganha corpo e projeção no ritmo de lentas e constantes pedaladas, não focaliza somente o uso tradicional das bicicletas, pois tem certa inspiração nas pessoas que a usam como “ferramenta de sobrevivência”, como ciclistas ambulantes, ou somente como ambulantes. Pessoas que constroem, reaproveitam, dão sentido a objetos e se constituem como corpo vivo e em movimento na cidade. Serão abordadas reflexões acerca da mobilidade, dos afetos, da sustentabilidade, histórias não contadas, sobrevivências, liberdades, gambiarras, improvisos, saberes populares, prazer em pedalar, respeito ao outro e uso sem limites da criatividade. Assim faço minhas observações numa participação quase direta sobre o caminhar do outro, nas nossas caminhadas, para que as diferentes velocidades exercidas, no caminhar e no pedalar, sejam inspiradoras na problematização de um fazer artístico que se alimenta do constante deslocamento.
(...) por meio do lugar e do cotidiano, o tempo e o espaço, que contém a variedade das coisas e das ações, também incluem a multiplicidade infinita de perspectivas. Basta não considerar o espaço como simples materialidade, isto é, o domínio da necessidade, mas como teatro obrigatório da ação, isto é, o domínio da liberdade. (SANTOS, p. 39. 1997)
Para escrever sobre os deslocamentos, seja de bicicleta ou caminhando, e sobre meu percurso artístico, é preciso voltar um pouco no tempo: num passado não muito distante, vejo em meus pais os primeiros “movimentadores de lugares”, já que, ainda em sua juventude, saíram da zona rural para se estabelecerem na pequena cidade de Saulus1. Crescer na periferia de uma cidade de interior, naquele tempo, era sentir a liberdade de ser criança a cada momento, sem se dar conta de que provavelmente estariam os mais perfeitos instantes de pura felicidade. Uma infância aventureira sem tempo, sem lugar, sem medos.
Saulus substitui poeticamente a cidade de Cláudio, MG, onde meus pais se conheceram na década de 80 e onde nasci e morei até meus 18 anos. A cidade é nacionalmente conhecida como a ‘Cidade dos Apelidos’, e recentemente, pela notícia da estranha construção de um aeroporto (pista de pouso) por candidato 1
à presidência da república, além de várias outras histórias mal contadas.
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito escaleno. – Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas… E se riu. Você não é de bugre? – ele continuou. Que sim, eu respondi. Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas – Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma. Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática. (BARROS, p. 87. 1997)
Por volta dos seis anos ganhei minha primeira bicicleta, pequena, usada, modificada com peças de outras bicicletas, toda colorida. Uma bicicleta única. Achei o máximo. Nunca dei muita importância nas originalidades das coisas. Na verdade o que mais me interessa sempre é o uso da criatividade para refazer, dar outros sentidos aos objetos, inventá-los e reinventá-los, afinal, “as coisas que não existem são mais interessantes”, como já dizia o poeta Manoel de Barros.
Este conjunto de peças reutilizadas para outra “maravilhosa” bicicleta era admirado por todos os “re-inventores” populares e pessoas que gostavam ou tinham a necessidade de criar seus próprios objetos. Aos dez anos ganhei uma bicicleta com marcha, sem muitos acessórios, bons freios, um dos melhores presente da minha vida. Reunia-me com meus amigos para andar de bicicleta... adorávamos sair depois da chuva, procurar as terras barrentas, criar nossos próprios ralis, nossos circuitos, botar a imaginação para funcionar pedalando. Barrancos eram rampas para saltos, poças d’água escondiam segredos do tombo. Escorregar, cair, levantar era normal. Estas aventuras ciclísticas duraram até minha adolescência e tiveram seu fim quando tive que abandonar a bicicleta e depositar minhas energias como vendedor que vai de porta em porta oferecendo de rosca caseira, pastel, picolé. Mas não demorou muito para que conciliasse trabalhos e pedaladas. Fazendo cobranças financeiras de bicicleta (ciclista cobrador, office-biker), conheci outros lugares e caminhos da cidade, passava horas sobre a bike indo de casa em casa, cobrando o pagamento de contas atrasadas. De “magrela” - carinhoso apelido nacionalmente dado à bicicleta -, experimentei outros espaços da cidade de Saulus: tinha interesse em descobrir novos lugares, ruas pelas quais nunca havia passado, casas e pessoas que não conhecia. Não permaneci muito tempo nesta função, o dinheiro era pouco e as necessidades maiores.
A bicicleta ainda foi fiel companheira em mais dois momentos em minha vida, e auxiliou para não me atrasar com os pontuais horários nos empregos de lanterneiro e metalúrgico. Em 2007, mudei-me para outra cidade do interior e acabei me afastando dos pedais, por um bom tempo (ou falta de tempo) a bicicleta ficou esquecida, apagando os bons momentos que tive ao seu lado. Meu retorno à constante prática ciclística e seu uso como meio de transporte na cidade de Belo Horizonte se deu somente em 2010. Serviu tanto para fugir da dependência do transporte público, e elevado valor das passagens, como para realizar uma atividade física. Transitar pelas ruas da pequena cidade de Saulus, nos anos noventa, era muito diferente de pedalar na grande metrópole belo-horizontina, mas conhecer as possibilidades e outros meios para nos deslocarmos e o saudável retorno físico e mental das pedaladas, revigorou o processo criativo, alimentando a energia vital, construindo uma revolução interna, uma mudança nas relações com as pessoas, com a cidade, com o meio ambiente, trazendo assim uma mudança na qualidade de vida. A incessante vontade de tornar as cidades melhores para as pessoas, constitui o ideal do bem comum. Relembrar os bons tempos e aventuras ciclísticas na cidade de Saulus inspira meus deslocamentos em Belo Horizonte. Alio-me às outras pessoas que buscam, cada um à sua maneira, as formas de realizar as transformações necessárias em direção a uma sociedade que seja mais igualitária, horizontal, onde reine o respeito e a democracia.
Tenho certeza que estas experiências influenciaram minhas posturas, meu desenvolvimento criativo, minha relação com a arte e como observo o mundo ao redor. Nesse “mix” de informações procuro meu espaço, adentrando nos lugares, misturando, criando atritos e atalhos para compor meus pensamentos.
Referências SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional. Editora Hucitec. São Paulo, 1997. BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 4. Ed. Rio de Janeiro: Record, 1997. Documentário: Só dez por centro é mentira - Manoel de Barros, 2008. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=XCMczEBuII4. Acesso em: abril de 2013.
GRAFISMOS PARA ACESSO AÇÃO COLETIVA 01
P
rocurar os espaços nos quais podemos nos inserir, buscar em outros lugares nossos desejos, aproveitar as oportunidades é criar conexões e escolher nossos caminhos. Este transitar, do qual participo, faz parte da vida das pessoas que se interessam pelos deslocamentos, por outras visões de mundo, pelo inesperado, pela vontade de sair do óbvio e de se movimentar. Faço estas deambulações de bicicleta e observo a cidade de uma altura e velocidade diferente, sinto o caos do trânsito por outros ângulos, vejo as pessoas e imagino suas vidas, percebo o sofrimento e a vitalidade perdida no trânsito, filtro as conversas e faço minhas reflexões. O transitar na cidade é sempre colocado em pauta nas reivindicações da população. Foi justamente por um aumento de R$0,20, no aumento da passagem de ônibus em São Paulo, em 2013, que uma grande manifestação que exigia mudanças e melhorias se espalhou e contaminou todo o país. Milhares de pessoas tem no serviço de transporte público sua única opção para se locomoverem. Assim torna-se compromisso dos governos e do Estado um investimento nesse setor contemplando de forma viável toda a população.
Por não termos transportes públicos dignos, o que notamos é o crescente número de veículos que, de forma desorganizada, tomam cada vez mais os espaços, ruas e calçadas. Por inúmeros interesses se comercializa mais automóveis, e as estruturas das cidades continuam a acolher maior número de veículos, abrindo avenidas, desapropriando comunidades para a construção de viadutos, que são recursos sempre temporários, para resolverem os problemas de trânsito, entretanto fadados ao fracasso, mostrando que as cidades estão sendo planejadas para os veículos e não para as pessoas. Os caminhos viciosos que enfrentamos cotidianamente devido ao tráfego urbano nos deixa ‘cegos’ perante problemas reais. Inserir estes desconfortos na formulação de trabalhos artísticos torna-se realidade através de uma consciência crítica, com a intenção de provocar a reflexão e, se possível, uma mudança de atitude. Nossos próprios modos de locomoção e alcance das informações estabelecem alguns posicionamentos sobre como pensamos a sociedade. De bicicleta, reconheço meu papel como sujeito fora da cultura do automóvel, questionando outras formas do direito de ir e vir. Em minhas derivas, percebo os lugares, as pessoas, as maneiras que encontram em meio ao transtorno das grandes cidades, para caminhar e se deslocar e como fazem suas mobilidades. Conversar e escutar estas pessoas faz parte de meu processo de criação em arte. É fruto inspirador, poesia sem vaidades. Após longas conversas sobre mobilidade, descaso e a falta de rampas de acesso com o amigo Cristiano, cadeirante que vive cotidianamente a dificuldade de fazer seus percursos, comecei a reparar mais atentamente o que conecta as pessoas aos lugares.
Mesmo sabendo que, “lugar de bicicleta é na rua”, optei em pedalar cuidadosamente por calçadas, para pesquisar a falta destas rampas e os projetos que não consideram os cadeirantes. Ao pensar em deslocamentos, amplio as reflexões sobre mobilidade e as relaciono, não somente ao trânsito, lugares, cidades, mas ao “bem comum”, às oportunidades, aos direitos básicos de sobrevivência, às ocupações dos espaços, às liberdades de escolha. O uso da criatividade – com liberdade – no espaço urbano sempre apresenta uma alternativa para desdobramentos e reflexões. Assim problematizo estes pensamentos e vivências através dos trabalhos do coletivo baiano GIA1 que insere, constrói de maneiras simples, aleatórias, com humor e reflexões sobre a vida cotidiana, novas formas de observar e usar o espaço. Elaborando singulares intervenções, transformam o ambiente local, enfrentando às vezes problemas que se repetem no espaço urbano, construindo um novo momento. Entre as ações que serão apresentadas ao longo deste trabalho, o desenvolvimento de Grafismos para acesso, potencializou o discurso sobre o pedalar e criar. Foi o primeiro momento em que a bicicleta se estabelecia na problematização das ideias artísticas. Se constituiu como importante objeto na construção do pensamento, ferramenta para o transporte dos materiais guardados na caixa acoplada na garupa e experimentação. O Grupo de Interferência Ambiental – GIA – é um coletivo artístico formado por artistas visuais, designers, arte-educadores e (às vezes) músicos que tem admiração pelas linguagens artísticas contemporâneas e sua pluralidade, mais especificamente àquelas relacionadas à arte e ao espaço público. A estética GIA, baseada na simplicidade e ao mesmo tempo na ironia, procura mostrar, portanto, que a arte está indissoluvelmente ligada à vida. 1
DEGRAU DO GIA
Uma pedalada tranquila é um bom momento para pensar. Tenho todo tipo de ideia para bicicletas, produtos e soluções para a vida em geral durante passeios curtos. As grandes soluções, muitas vezes, aparecem depois de vinte minutos, mas você terá alguns em cinco; [...] As soluções e ideias não aparecem durante os passeios de velocidade, nem naqueles em que você luta a cada pedalada. Apenas em passeios tranquilos. (PETERSEN2, p. 17. 2013)
Nos estudos e pedaladas por várias calçadas, os bloqueios e impedimentos encontrados às mobilidades de transporte serviram como teste e ampliação do projeto Grafismos para acesso. Nele, calçadas quebradas que causavam obstrução ou risco, foram livremente sinalizadas com tinta amarela, chamando a atenção dos passantes. Quando o fazer artístico é desprovido de julgamentos entre o que é correto, belo, bom ou ruim, ampliam-se os campos de criação e o envolvimento direto com a sustentabilidade, com o reaproveitamento de materiais, o uso de quaisquer objetos coletados, pesquisados, podem se reconectar com os lugares e situações onde foram encontrados e assumindo outras funções.
Grant Petersen é um designer de bicicletas norte-americano fundador da Rivendell Bicycle Works, (loja especializada na fabricação de bicicletas personalizadas visando tradição, conforto e durabilidade). É conhecido, na comunidade ciclística, por se opor aos projetos e produtos de bicicletas para competições de velocidade. Foi autor de dois livros: Roads to Ride, de 1984 e Just Ride (Vá de bike), publicado em 2012. 2
Em Grafismos para acesso, 2013, rampas e demarcações feitas com tinta amarela, foram construídas em alguns lugares dentro da Universidade Federal de Minas Gerais e em seus arredores, onde Cristiano se locomovia. Com a ajuda da companheira artística Dri Santtana, utilizamos madeiras, canos, pedras encontradas próximas às calçadas quebradas ou onde deveriam existir as rampas. Assim um novo objeto se configurou, neste caso uma “simbólica” rampa, uma possível e plausível maneira de conectar lugares e pessoas. Obviamente a falta de acesso nos deixa com algumas mazelas e medos que se refletem em nossas vidas socioculturais. Observamos que quando determinados pontos de ligação, que funcionam como pontes de informações e conectividades são obstruídas, nossas chances de vivenciar diferentes e reveladoras experiências são esvaziadas. Refletir sobre como podemos construir novos acessos, outros caminhos, histórias, modificando e dando outros sentidos, seja pelo uso de materiais ou através de nossas próprias posturas como cidadãos é algo que se instaura no processo entre arte e vida.
Referências SCHETINO, André Maia. Pedalando na Modernidade: a bicicleta e o ciclismo na transição do século XX. Rio de janeiro: Apicuri, 2008. GIA: Disponível em: www.giabahia.blogspot.com.br - Acesso em: março de 2013. PETERSEN, Grant. Vá de bike: um guia radicalmente prático para você andar de bicicleta; tradução Bruno Casotti. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Odisseia, 2013.
PRÁTICAS INVOLUNTÁRIAS PARA DEMARCAÇÃO DE FUTEBOL DE RUA AÇÃO COLETIVO 02
O
ciclista urbano tem que se preparar mentalmente e fisicamente para se aventurar pelas ruas da capital mineira, visto que a cultura da bicicleta, com ciclovias, estacionamentos próprios e incentivo para seu uso, ainda é pouco difundido pelo poder público.
Algo comum entre os adeptos do uso da bicicleta como meio de transporte ou simplesmente por seu uso esporádico aos finais de semana, é a intensa relação com a qualidade de vida. Muitos destes ciclistas buscam e refletem em suas pedaladas o respeito com a cidade, com o trânsito, com as pessoas, com o meio ambiente e com a busca por uma alimentação saudável. Fazer conecções com pessoas que compartilham estas ideias é quase natural. No meu caso, procuro dividir e aprender saberes pelas atividades que trabalham com o coletivo, seja através das pedaladas, pela prática do futebol, capoeira, ioga, e a dança. Todo este interesse, sobre qualidade de vida, refletindo sobre as mudanças políticas e sociais necessária para uma renovação do bem estar social, motiva os meus trabalhos e pesquisas em arte e arte/educação.
Vivenciar a importância do coletivo, da junção de pessoas e seus saberes, às vezes escondidos, em busca de possíveis modos de conhecer a cidade e ser cúmplice nas relações com o outro, transforma-se em energia criativa. Saber escutar e observar como pode ser inspirador e potente o encontro com o desconhecido. O artista belga radicado na Cidade do México, Francis Alys é um grande observador, colecionador, viajante que utiliza das caminhadas em sua prática artística. Trabalhando com diversas mídias, da pintura à performance, se insere-se no caos das cidades por onde passa, como um “turista profissional”, observando as manifestações sociais, a memória coletiva e individual, optando pela livre criação no cotidiano, misturando realidade e ficção, humor crítico aos problemas sociais. Em “Turista”, trabalho de 1995, junta-se aos trabalhadores que oferecem ‘mão-de-obra’, com intuito de conseguirem algum serviço, afirmando sua situação como passante, observador, que tem a função, e no seu caso profissão, de perambular pela cidade. Alys faz das suas andanças e viagens uma “razão de ser, um fim em si mesmo, um trabalho”. (DAVILA, 2002.) Pedalar sem rumo, virar na próxima esquina, parar debaixo de viadutos, conversar com pessoas, analisar as placas, as escritas feitas à mão, as pichações, mensagens, levar uma câmera, um celular, caderno de anotações ou algo que registre esta “metodologia sem métodos fixos”, sem códigos, e que são parte do processo de pesquisa em arte, dando importância ao acaso, aos erros, numa desorganização “provocada”.
Tenho gosto pelas errâncias, pelos descobrimentos, pelas experimentações, pela liberdade de criação, tendo nas crianças uma fonte inspiradora. Ir ao encontro destes universos, faz expandir minhas experiências na arte urbana, escolhendo pedalar e pensar o fazer artístico pela velocidade da bicicleta. Durante minha infância, com a bicicleta colorida, dividia o tempo pedalando e jogando bola. Em vários momentos a bicicleta perdeu espaço para “jogar bola na rua”. Como muitas crianças, sonhava em ser jogador de futebol, preferia a rua, mas na quadra de futebol, no campinho de terra, na garagem, em qualquer espaço, era prazeroso. Driblar, dar o passe, criar jogadas, momentos de criatividade no drible ou a inusitada jogada de gol, era o que fazia todos os dias. Treinava em Escolinhas de Futebol, acompanhava os principais campeonatos, observava os jogadores profissionais e os “peladeiros”. As andanças e percursos da vida me levaram para outro lugar, desisti da tentativa de ser jogador profissional. Hoje meu interesse em acompanhar futebol diminuiu, devido à transformação dos clubes em grandes empresas, a guerra entre as torcidas organizadas e os gastos exorbitantes. Mas ainda pratico o “futebol de fim de semana”. Compreendendo as coisas que mais gostava de fazer, andando de bicicleta pude relembrar os momentos em meios aos amigos e desconhecidos que se juntavam para jogar bola. O futebol, como a bicicleta, tem a potencialidade da democratização, o prazer em juntar pessoas de diferentes classes sociais, ideologias e religiões numa mesma situação.
Nestas pedaladas sem rumo, encontrei próximo onde morava, no bairro Caiçara em Belo Horizonte, um grupo de garotos que usava a rua como campo “imaginário” para o futebol, pois no futebol de rua geralmente não tem marcações e medidas do campo, nem tampouco traves e redes para o gol. O que predomina é a invenção, marcar os gols com o que está próximo, seja chinelos, pedras, caixas de papelão. Imaginar o campo em um acordo entre o tamanho da rua e a quantidade de participantes. O juiz ou árbitro são os próprios jogadores e o dono da bola tem seus “privilégios”. Fazer parte daquele jogo, me entusiasmou à provocação em arte. Naquela rua, estava o que considero o verdadeiro futebol, o dito “futebol arte”, o improviso, a imaginação e o brincar como formas de troca de saberes. Para registrar aquele momento das metodologias do pedalar, amarrei a câmera fotográfica no guidão da bicicleta com gominhas de elástico, fui até o futebol de rua, posicionei a bicicleta para que pudesse filmar as “estrelas” em campo. Deste modo, a bicicleta tornou-se um suporte, o “fotógrafo” documentando o jogo. Entrar em “campo”, foi uma volta a lembranças adormecidas do tempo de infância. Tudo se parecia com minha rua, os vizinhos, a moça sentada no passeio, as crianças pequenas brincando no meio da rua/campo, as senhoras que passavam com suas sacolas, o filho da senhora, louco para jogar também, os dribles feitos tabelando a bola com o meio-fio, o gol medido pé a pé (normalmente seis pés enfileirados é um bom tamanho), a bola que só saia quando tocava o muro ou ultrapassava os limites do campo.
Estes improvisos que estão guardados em meus pensamentos, vindo dessas experiências de substituir coisas, dando vida às outras, é algo familiar nas invenções encontradas nas ruas. A artista Gabriela Gusmão1, escreveu em seu livro Rua dos Inventos, de sugestivo título, o que é criar nas ruas. A necessidade, repita-se, provoca o surgimento de engenhos, objetos, artefatos, obras, ferramentas, instrumentos, improvisos, feitos, peças, manufaturas, troços, traquitanas, utensílios, modelos, cópias, originais, geringonças, descobertas e re-descobertas. Coisas, enfim. (GUSMÃO, p. 25, 2002)
O campo de futebol de rua é uma grande espaço de imaginação, uma convenção compartilhada por todos ali, onde as regras são inventadas na hora, e os jogadores sem pátrias e empresários, entram e saem quando quiserem. Quando observo o caráter imaginativo empregado nos instantes nos quais participei, o futebol de rua torna-se um “campo” de poesias e pesquisas, de trocas, de compartilhamentos, brigas e amizades.
Gabriela Gusmão é artista visual, com intervenções voltadas para fotografia e filmagem em suporte digital e analógico. Mestre em estruturas ambientais urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP e graduada em Comunicação Visual pelo Departamento de Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio. Realizou diversas intervenções urbanas em espaços públicos e idealizou o projeto Urbanário. É autora do livro Rua dos Inventos e Vírgula no Infinito. 1
Meu intuito era simplesmente jogar bola. Em Práticas involuntárias para demarcação de futebol de rua, 2013, as marcações de um campo com outros limites, foram feitas posteriormente, por meios digitais, pois não consegui executar a pintura na rua/campo. Pouco tempo depois mudei deste bairro e não sei mais como estão as partidas de futebol por lá. Percebo entretanto que, cada vez menos as crianças brincam nas ruas, a violência gera o medo e as afugenta dos espaços públicos. Elas estão agora conectadas aos vídeos-games, jogos e brincadeiras virtuais onde a imaginação é fabricada por outras pessoas.
Referências PEREIRA, Gabriela de Gusmão. Rua dos Inventos: ensaio sobre o desenho vernacular. Rio de janeiro: F. Alves, 2002. Sobre os livros de Gabriela Gusmão: www.ruadosinventos.com.br - www.virgulanoinfinito.com.br DAVILA, Thierry. Marcher, créer. Déplacements, flâneries, derives dans lárt de la fin du XXe siècle. (Caminhar, criar. Deslocamentos, flanagens, derivas na arte do fim do séc. XX) Paris: Editions du Regard, 2002.
MÃE À PRAIA AÇÃO COLETIVA 03
E
ntre outubro de 2013 a março de 2014, participei de um programa de mobilidade estudantil entre a UFMG e a UFPE. Este tempo passado no Recife (capital do estado de Pernambuco), ocorreu numa busca de algo que não sabia ao certo o que era, mas sempre povoou meu imaginário. Recife é por excelência uma cidade contemplada por vários segmentos no campo das artes, são tantos artistas e seus trabalhos se espalham de tantas formas que seria difícil canalizar e filtrar estas informações em meus projetos, assim me apeguei a meus desenhos, e mais um vez, à bicicleta. Por ser uma cidade com grande área territorial plana, o uso da bicicleta é comum e utilizado de diversas formas. Pude observar, sem bicicleta, a mobilidade, os seus diversos usos e os modos como as pessoas faziam seus deslocamentos.
Tentei conhecer a cidade, pelas andanças à pé, ônibus e metrô, indo em lugares turísticos e aceitando os convites aos acasos, que me levavam aos lugares que não estavam nos mapas e também a rotas turísticas, e todos esses circuitos foram de grande importância, como por exemplo as feiras ao ar livre. Nos encontros aqui e conversas ali, afim de adquirir uma bicicleta, tive notícias de uma feira que acontecia aos sábados, ao ar livre, no Bairro Cordeiro em Recife. Nesta feira de objetos, roupas, móveis, o conhecido “mercado de pulgas” disposto no chão, acontece uma grande movimentação de compra e troca. A calçada e a rua são ocupadas, o trânsito funciona quase normalmente, e em meio ao caos instalado, os valores são sempre negociados. Quase no fim da feira encontrei uma grande quantidade de bicicletas de todas as cores, tamanhos, formatos, para venda ou troca. Imaginava adquirir uma bike com um freio que funcionasse e uma garupeira, pois já havia conseguindo uma caixa para acoplar na bike. Depois de umas conversas e valores negociados, um aperto no freio e um conserto na corrente, saí pedalando da feira com um enorme bem-estar. Essa sensação de liberdade, de poder pedalar, de me deslocar e observar a cidade de modos diferentes, algo que trouxe mais entusiasmo e criativismo1 para circular pela cidade.
Até então minha relação com a bicicleta em Recife, limitava-se aos momentos em que eu pegava bicicletas emprestadas por amigos ou compartilhadas pelo programa BIKE PE2. Agora poderia pedalar por diversos lugares, não dependeria tanto do transporte público, criaria meus circuitos e pedaladas de errância. Estes deslocamentos de errância, e também do uso das rotineiras caminhadas ou pedaladas como produção em arte faz parte do trabalho de alguns artistas. Uma grande referência é Paulo Nazareth, artista mineiro, que se auto denomina um “fazedor de coisas”. Ele tem em suas caminhadas o foco fundamental de pesquisa e trabalho. O artista tido como o ‘reinventor da performance’ é um caminhante por excelência. Questiona as relações raciais, étnicas e a própria arte contemporânea, evidenciando as vozes de índios e negros, algo quase inexistente dentro da arte contemporânea. Assim, em suas andanças, atravessa outras culturas, constrói ou reconstrói histórias não contadas ou apagadas pelo tempo.
Criativismo é um termo usado pelo artista recifense Galo de Souza, que em minha interpretação pode ser uma possível junção das palavras criatividade e ativismo; uma corrente artística dos “ismos” da arte; criatividade + criatividade=abundância criativa. 1
BIKE PE é o mesmo programa de compartilhamento de bicicletas implementado em Belo Horizonte pelo Banco Itaú, e que já está instalado em várias capitais brasileiras. 2
NOTÍCIAS DE AMÉRICA
Em seu trabalho “Noticias de América” de 2011, em que percorreu a pé e de carona de Belo Horizonte a Nova York, produziu por onde “caminhou” uma série de fotografias, anotações, desenhos, revelando uma América pouco conhecida e muitas vezes abandonada. Encontro em minhas pedaladas em lugares desconhecidos algo próximo da qual o artista Paulo Nazareth fala em seu livro, o interesse em ‘coisas e gentes’. Cada lugar novo, cada pessoa que conhecia nesta criativa e pulsante cidade nordestina, percebia as misturas que naturalmente faziam parte da construção cultural de Recife. Um povo de luta e muita alegria que inventa, reinventa e compartilha de forma generosa sua visão de mundo. Mistura as coisas, ocupa os lugares, poetiza, junta a arte “popular” brasileira com a arte conceitual, os sons das periferias com as escolas de música clássica. Vivenciei expressivas situações e reflexões com as quais me identifiquei. Pedalar, ter a bicicleta como meio de transporte, junto com várias pessoas, compartilhar as coisas, viver de forma simples e pensamentos elevados, ter uma conexão maior com as religiões e arte a afro-brasileiras, com os saberes produzidos por pessoas comuns. Sendo assim, deixar de lado o acúmulo destas intensas vivências, é negar os projetos de vida que acredito, misturar as pessoas e seus saberes, produzir simplicidades com alta tecnologia, falar gírias e sobrepor os dialetos, inventar palavras, ter no humor um jeito para fugir da vida chata, sentir-se artista.
Das ações realizadas, trabalhando de forma coletiva, seja através das pessoas com quem compartilhava os projetos, seja pelo simples caminhar/pedalar carregando placas com a palavra MÃE, a ação “mãe à paia” foi destes típicos momentos de entrega poética, aos sentimentos mais íntimos sobre o amor entre mãe e filho, sobre admiração. Ir com “mãe à praia”, pedalar por vinte e poucos quilômetros, passear, apresentar os lugares, perambular pelo centro da cidade de Recife até chegar ao mar, foi uma produção artística e intelectual diferente das outras ações. Nestas pedaladas, a bicicleta é parte integral do trabalho, sendo impossível de se realizar sem sua presença. Foi transporte, tripé, colaboradora e extremamente necessária para tais deslocamentos, revelando mais uma as metodologias do pedalar, nesses diferentes usos que a bicicleta se presta em cada ação. Toda esta situação foi registrada por pessoas que ao longo do caminho conheci. Contei a minha história, de onde vinha e que levava “mãe para dar um rolé”. Ao longo do percurso e mesmo quando estava na praia, pedi para que as pessoas (desconhecidas) registrassem estes momentos com mãe. Em algumas situações me perdi na grandiosidade da palavra mãe, mas o envolvimento e conversas com estes desconhecidos foi fundamental na continuação do processo e nas reflexões sobre arte na esfera pública.
Assim foi construída esta ação, com a participação de desconhecidos, fotógrafos anônimos, pessoas comuns. Voltei para casa com poucos registros, mas ao mesmo tempo importando-me pouco com as imagens, pois o prazer que tive em passar uma tarde e perambular com mãe por Recife foi maior. Um trabalho, uma ação em arte pode ter o caráter participativo direta ou indiretamente, seja através da ação com pessoas desconhecidas ou com companheiros da arte. Relacionei esta minha busca de transmissão artística3 e sentimentos a uma esfera que já não podia medir, apenas refletir a respeito. Se cada vez mais os trabalhos produzidos no espaço público estão condicionados aos bombardeios fotográficos, visto o grande número de celulares com câmera fotográfica, além da fácil aquisição de uma câmera fotográfica, por que não inserir imagens de desconhecidos em nossos trabalhos? São questões para serem discutidas, mas que não adentrarei neste momento. Esta experiência e as ocupações dos espaços urbanos trazem estas problematizações em seus contextos e em alguns casos a força com que o trabalho alcança facilmente modifica os caminhos e interesses na produção artística.
Entendo essa transmissão artística como uma busca de tocar o outro com o trabalho, de aproximar arte, artistas às pessoas levando à reflexão de todos os participantes (artista/público). Não interessado em um produto final, mas nas reverberações destes encontros. 3
Numa ação que durou quase um dia todo, usufruindo de um diálogo possível “de mãe pra mãe”, pedi proteção à rainha do mar Yemanjá, para que fortalecesse o espirito e a fé de minha mãe e abençoasse as demais. Nessa mistura entre arte, pessoas desconhecidas, pedaladas, registros anônimos, fé e amor, compreendi que o fazer artísticos, totalmente ligado às nossas condições ‘espírito-atuais’, nos leva a diversos caminhos e significados que traduzem o indizível. Como um ciclo que não tem fim, perpetuando o gesto de compartilhamento instaurado por ela em todas as ações e trajetos percorridos e ativados artisticamente, esta bicicleta foi doada para a Escola Comunitária do bairro Macaxeira que está sendo construída na periferia de Recife, tornando-se assim uma proposta artística que permanece viva sem necessariamente continuar uma existência artística, mas de alguma forma sendo também elevada à condição de ser e de servir à outros.
Referências CRIATIVISMO. Disponível em: www.galodesouza.blogspot.com.br BIKE BH: Disponível em: www.mobilicidade.com.br/bikebh/ NAZARETH, Paulo. Paulo Nazareth: arte contemporânea/ LTDA. Rio de Janeiro. Cobogó. 2012. Mais sobre Paulo Nazareth: - www.artecontemporanealtda.blogspot.com.br - www.latinamericanotice.blogspot.com.br - www.cadernosdeafrica.blogspot.com.br
UMA BROA HISTÓRIA AÇÃO COLETIVA 04
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este contínuo interesse em trocar conversas, falas, histórias com pessoas em espaços do cotidiano, ocorreu a ação ‘Uma broa história’. Este trabalho foi produzido pelo coletivo Chapados1, e tinha como ponto chave questões sobre as trocas de saberes e as oralidades. Foram documentados em audiovisual, os depoimentos de pessoas que relacionavam histórias e saberes transmitidos através da fala, das afetividades, numa atenção às coisas sensíveis encontradas na simplicidade. Aos interessados em participar desta troca, era feito o convite de contar uma história, uma receita, um causo, sendo este um modo de escutar o que as pessoas têm a dizer sobre suas culturas, recebendo em troca de uma broa caseira e um cafezinho.
Coletivo Chapados foi criado por membros da exposição Chapados, realizada nos meses de junho/julho de 2014 no Centro Cultural da UFMG. A exposição surgiu nas discussões da disciplina “Arte nas relações étnico-raciais”, oferecida pelo curso de Licenciatura em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG. É composto por Adriana Santana, Saulo Tironi, Rodrigo Marques, Stepanhie Cunha, Lilian Brandão, Laís Rodrigues, Isabela Carolina, Hortência França, Adriano La Idea, Leticia Proença, Murari Submundo, Marcos Chagas, Carol Marques, José Bueno, Ana Luiza Emerich, Alexandre Fagundes, e a exposição contou com curadoria de Henrique Teixeira e Marcos Hill. 1
Os ambulantes tem sido sempre uma inspiração: compartilho seus hábitos de apropriação de algo que muitas vezes se transforma num prolongamento de seu corpo, o fiel escudeiro que os auxilia em suas caminhadas como caixas, carrinhos, cestas, bolsas etc. Em meu trabalho, aproprio-me de caixas, seja de madeira, metal ou plástico, como ferramentas singulares na concretização das ações. Acopladas à bicicleta, são parte importante nas pedaladas, sendo imprescindíveis para os desdobramentos artísticos, pois guardam os objetos encontrados, camuflam projetos que devem permanecer na clandestinidade, fortalecem as ideias e carregam ações. Assim conecto esta ação com os ‘artistas ambulantes’ que manifestam suas ideias para uma democratização da arte, e desenvolvem seus trabalhos em espaços públicos, aproximando o fazer em arte ao cotidiano, ocupando as ruas, ampliando o uso dos lugares e conectando pessoas. Esses artistas incomodados com o fechamento do circuito artístico dentro de galerias e museus, optaram por “libertar” a arte dos vícios e dos distanciamentos entre artista e público. Apropriar os espaços da cidade, juntar e misturas os saberes e ideias, mostrar o quanto que a arte fora dos espaços domesticados tende a abranger um número maior de espectadores, desdobrando projetos e levando mais pessoas à reflexão sobre o fazer artístico.
“A rua é a eterna imagem da ingenuidade”, escreveu João do Rio. Nos dias de hoje, será romantismo compreender as ruas como território do possível, do permitido, do ócio e da ingenuidade? Talvez seja necessário introduzir novos termos àquela concepção literária das ruas – termos como cidadania, coletividade, autonomia e compartilhamento – capazes de revelar a cidade como território de uma negociação necessária e fortalecendo a imaginação cotidiana através das possibilidades de uma “estética da rua” atualizada. (MARQUEZ, p. 13. 2011)
Dentre tantos artistas que fazem destes outros lugares um campo de exploração em artes, trago como exemplo os trabalhos de Breno Silva e Louise Ganz, com seus Kits Ambulantes2, modificando os espaços vagos e criando interações diversas. Seus objetos ambulantes se desdobram e ganham corpo para movimentar, imaginar e criar novas arquiteturas. Os kits ambulantes, para serem utilizados em qualquer lugar, também foram mostrados em galerias e nesse contexto trouxeram também seus questionamentos, já que instituíam uma outra forma de interação com o público, convidando-o para diversificadas ações e colocando a arte numa fronteira ambígua com o jogo, o ritual/ performance, o trabalho, o laser, todas circunstâncias que traziam a arte para uma abordagem irônica e crítica. Os KITs Ambulantes para uso em espaços vagos são incríveis equipamentos para intensificar seu dia-a-dia nas cidades. Com eles você potencializa o uso temporário de espaços que não estão sendo aproveitados como: passeios, vagas de carro nas ruas, terrenos baldios, quintais de casas, marquises, postes, árvores públicas e muitos outros...Usando os KITs nesses espaços você pode prestar serviços, divertir-se, descansar, cultivar plantas, criar animais e muito mais... 2
Para ‘Uma broa História’, proposta como um trabalho coletivo que contava com estudantes dos cursos de Artes Visuais, Biologia, Ciências Econômicas, Teatro e Psicologia da UFMG, resolvemos que cada participante auxiliaria como pudesse na sua construção, sendo produzido a “várias mãos” e dando oportunidades e escutando a diversidade de opiniões. Como metodologia de trabalho, foram divididos grupos com tarefas diferentes: as broas e o cafezinho foram feitos pelos estudantes/ artistas/ cozinheiros; outro grupo registrou com suas câmeras fotográficas, celulares e gravadores as histórias; a instalação do trabalho foi feita por um terceiro grupo de participantes. A caixa de madeira acoplada à bicicleta foi transformada em uma pequena mesa e uma placa com os dizeres “Uma broa história”. Oferecendo café e broa, as interações com o público se faziam, nos levando a adentrar em outras histórias, outras culturas. Diferente das ações e deslocamentos comentado anteriormente, desta vez a bicicleta com sua caixa, reinava sozinha e estática no espaço urbano, era a grande atração, configurando-se em um objeto social, que potencializava a interação de pessoas e lugares. Pelo certo estranhamento criado, a própria ação em si, era dotada de um tempo diferente, convidando ao inesperado café na rua, à outras relações possíveis no caos urbano. Na exposição Chapados, esta ação mostrada através da bicicleta, da caixa, das fotografias e do registro das conversas e histórias que podiam ser ouvidas através da sintonia via celular de uma rádio “pirata” que funcionava próximo à instalação.
MONTAGEM DA MESA PRO CAFÉ
Dos registros, receitas e causos, alguns foram surpreendentes e de valor histórico, como por exemplo o de “Seu João”, quilombola, que nos contou brevemente sua história de luta e sofrimento em manter sua cultura viva e pelo belo “causo” de amor por sua esposa descendente indígena, que abandonou sua “tribo” para viver ao seu lado. Como esta ação acontecia durante a Copa da FIFA, havia muitos turista na cidada, como o casal de guatemaltecos que, a passeio em Belo Horizonte, não entendeu muito o que se passava naquela tarde com aquela bicicleta, mas achou interessante o ‘modo’ de convivência dos cidadãos belo-horizontinos. São histórias como estas de pessoas comuns, com culturas e oralidades distintas, que transformam o fazer nos espaços públicos nas questões relativas a um universo sensível que a arte consegue tão bem problematizar. Cultura popular implica modos de viver: o alimento, o vestuário, a relação homem-mulher, a habitação, os hábitos de limpeza, as práticas de cura, as relações de parentesco, a divisão das tarefas durante a jornada e, simultaneamente, as crenças, os cantos, as danças, os jogos, a caça, a pesca, o fumo, a bebida, os provérbios, os modos de cumprimentar, as palavras tabus, os eufemismos, o modo de olhar, o modo de sentar, o modo de andar, o modo de visitar e ser visitado, as romarias, as promessas, as festas de padroeiro, o modo de criar galinha e porco, os modos de plantar feijão, milho e mandioca, o conhecimento do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir e de consolar…(HILL, p,5. 2013)
Ações, projetos que convidam pessoas à participação trazem à tona o convívio na coletividade, em como podemos e devemos negociar nossos seguros projetos individuais com projetos em que possamos compartilhar nossas energias, conhecimentos e desejos com demais pessoas. Arte como transformação do e no corpo social, onde sempre deverá existir as histórias dos outros, aproximando as pessoas e os lugares do comum.
Referências Kits ambulantes: Disponível em: www.kitsambulantes.blogspot.com.br - Acesso em: março de 2013 ARROY O, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. HILL, Marcos. Arte Africana Contemporânea: relações possíveis e interesses comuns com a realidade brasileira. Palestra SESC, 2013. MARQUEZ, Renata. CANÇADO, Wellington. Atlas Ambulante: Antônio Lamas, Osmar Fernandes, Robson de Souza, Jefferson Batista, Marlene e Agnaldo Figueiredo. Belo Horizonte: Rona Editora, 2011.
PANFLETO DISTRIBUIDO NO DIA DA EXPOSICテグ
OBSERVÃNÇAS DE PEDAL
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ndar de bicicleta, desenhar, produzir em arte, são prazerosas e saudáveis atividades que realizo. Ao analisar as ações feitas nos últimos anos percebo o quanto a adoção da bicicleta em meu cotidiano modificou o meu olhar sobre a cidade e as pessoas, algo próximo do que vivenciam um grupo de ciclistas curitibanos: [...] Em Curitiba, o grupo Bicicleta inseriu a nomenclatura em 1982. A Bicicletada, desde 2005, politizou o conceito, exigiu que se tornasse política pública – a bike é meio de transporte. Em tempos de fim de mundo ela representa autonomia, liberdade, não-poluicão e convivialidade. (Catálogo da Exposição – MOB 11, p. 06. 2011.)
Mergulhar dentro do campo da imaginação e problematização em arte, neste caso, trazendo discursos sobre transportes, mobilidades, educação, inventos, afetos, gambiarras, convivialidade, desenhos etc. me leva também ao auto reconhecimento e à percepção do meu lugar na sociedade. Ao optar pela bicicleta, também questionei o modo como fazia minhas ‘anotações’ de mundo: em alguns momentos, substitui a câmera fotográfica por um caderno. Os desenhos e anotações que fiz, demostraram maior abertura para inventariar as coisas que me tocavam quando pedalava.
Seja neste caderno, que me acompanhou, em papelões, paredes e demais suportes, organizei (desorganizando) formas e composições com maior liberdade imaginativa, como um cronista que se interessa pelos deslocamentos de pessoas, por outros ‘bicicleteiros’ que pedalam por pedalar, pelos ambulantes sem destino. Estes ambulantes adentram minhas ‘observãnças’ e aprendizados, pois são pessoas que fazem das ruas seu lugar de trabalho, seu “ganha pão”, atuando do jeito que podem para ter um espaço na cidade. Driblam táticas de desapropriação e higienização para permanecerem circulando, ainda que para isso precisem camuflar suas formas e necessidades de sobrevivência. Se a rua é a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas, como escreveu o jornalista João do Rio1, a bicicleta é o objeto social que a acompanha na democratização do viver. Ao pedalar pelas ruas e ‘escutar’ o que elas tem a dizer, filtrando as informações e as conduzindo para o pensamento artístico, é impossível não ser afetado pelos problemas sociais que as atingem, seja por seus moradores, pelo excesso de lixo, pelo medo instaurado, pela falta de cuidado que temos com a cidade, com suas belezas naturais e com as pessoas.
João Paulo Emílio Cristóvão S. C. Barreto (Rio de Janeiro 1881-1921), mais conhecido como João do Rio, foi um jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro, que escreveu diversas obras literárias. As ruas e o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro do início do século XX, foram sua grande inspiração. Entre os vários livros escritos, o de maior destaque é “A alma encantadora das ruas”, de 1908. 1
O medo, o controle e a violência afastam as pessoas das ruas, e de frequentar certas regiões e lugares. Neste ponto a arte é uma grande aliada para pensar as diversas maneiras de modificar tais circunstâncias. A convivialidade é necessária para que, compartilhando estes espaços, ocupando-os, possamos sentir o quanto somos iguais. O improviso, que está presente em grande parte dessa pesquisa e das ações artísticas empreendidas, são fruto destas observações e experiências diversas de querer ocupar e provocar pessoas e lugares.
(pneugrafia urbana, 2014)
Compreendo a cidade pedalando, atento às normas de segurança, mas optando por circular sem o uso de capacete, luvas, joelheiras, faço parte dos ciclistas que adotam uma postura de pedalar como instrumento do trabalho artístico, que também está ligado a ideia de contemplação e diversão, mas não só. O lazer é uma instância possível do uso da bicicleta, mas acho que no meu caso, se amplia quando penso esse veículo muito mais presente como corpo na cidade, que impõe certa vulnerabilidade, mas também uma sensibilidade e atenção aguçada para a cidade e para aqueles que a habitam.
Certa vez assistindo um documentário sobre pessoas que adotaram a bicicleta como meio de transporte, numa das entrevistas, uma senhora de uns sessenta e poucos anos, dizia que se ‘libertou’ de remédios, doenças e principalmente do estresse depois que voltou a andar de bicicleta, sua fala transmitia a agradável sensação de alguém que novamente reencontrava a alegria de viver. Resolvi escrever na caixa de madeira acoplada à bicicleta o termo ANTI-ESTRESSE. Logo o incorporei em minhas lentas pedaladas pela cidade e em minhas anotações. O termo contraria a imposição da velocidade com a qual estamos acostumados, trazendo reflexões à prática de pedalar, por um silencioso convite para uma possível mudança de atitude, uma possível solução para o fim do problemático estresse do dia-a-dia. Nestas parcerias, minha relação de carinho com a magrela, juntos na chuva, no frio, no sol, nas madrugadas, nas ações, tendem a ser as mais sinceras possíveis: “Estudar suas formas, seus desenhos, suas linhas, seus contornos, entender seus sentimentos, conversar, conhecer seus problemas – Será que está triste porque não a lavo há dias? Não ressaltei sua boa forma e seus enxutos pneus? Fiz piada com suas verrugas de remendos? Não lubrifiquei suas veias de fio de aço ou seu pastoso excremento da corrente sanguínea? No fundo, até gosto desse seu jeito bambo que tem quando te empurro morro acima. Jamais esqueço de elogiá-la quando desvia de um buraco, pula um obstáculo ou auxilia nas ações e coletas de objetos. Valeu, magrela!”
EXPERIMENTOS PARA MORADIA OU ALGO PARECIDO
Muito tem se perdido no cotidiano da população sobre nossa potência imaginativa e sobre a qualidade de vida que podemos ter. Estamos cada vez mais acostumados às coisas prontas, vivemos um cansaço mental e físico com tanta “correria”. Esta correria, adorada por uns e odiada por tantos outros, vem sendo discutida por pessoas que acreditam em outras formas de ser e estar no mundo. Fazer parte da vida das grandes cidades nos leva a isso também: a esse momento em que nos sentimos perdidos diante de tamanha complexidade. Perante o modo tímido e sonhador em que por vezes compartilhamos uma otimista visão de mundo. Fico me perguntando se o caos me fortalece, ou se sou apenas mais uma pessoa que, imersa nessa lógica do sistema e do excesso de informação, pouco tenho a acrescentar. Concordo que sozinho faço pouco, mas junto, no coletivo da cidade, indo e vindo nos lugares, discuto nas ações que proponho nossos direitos e deveres como cidadãos. Exigindo respeito às opções e necessidades de cada um, tenho o trânsito como exemplo de lugar onde somos iguais, com desejos parecidos de nos locomover, onde um ciclista na sua “velha” bicicleta de pneus carecas é tão importante quanto o cidadão em um carro importado. Estas anotações textuais, que aqui ganham contornos de uma finalização e conclusão de um trabalho, não é de forma alguma um fim, é um longo campo de pesquisa sobre pedalar e criar em arte, sobre os saberes circulantes do cotidiano.
Amplio a cada investigação meu processo de produção artística e meu interesse por uma arte que tenha maior envolvimento com as mudanças que acredito, seja através da sustentabilidade, da busca pela qualidade de vida e pela convivialidade esquecida, mudanças necessárias para a quebra da hegemonia e vigências políticas implantadas por um pensamento opressor capitalista. “Pedalo até aqui, pois o interessante nisso tudo, é perceber que as “rodinhas de apoio da bicicleta” ficaram de lado há tempos atrás, e que, apesar dos pneus gastos, não intento chegar a um fim, mas continuar pedalando pelos meios”. Anotações das ruas: Perambulagem / Modificar coisas dadas/ Bicicleta símbolo de qualidade de vida/ Brincar com imagens/ Tangências populares/ Inesperado, estranho/ Olho observador/ Linguajar contemporâneo/ Bicicleta como ferramenta honesta/ Como uma enxada do trabalho ordinário/ Nessa criatividade do povo que resolve sozinho as coisas, dá-se um jeito/ Outro discurso não somente por mobilidade, mas por seus benefícios na produção de maneiras de sobrevivência/ Grafias urbanas/ O olhar na altura da bicicleta, diferente quando estamos dentro de carros, caminhando, nos ônibus./ Vida na cidade de ambulantes/ Rastro por onde passamos, fazer conexões com as várias pessoas que perambulam, muitas vezes sem rumo/ Posicionamento político poético/ Apropriar a cidade/ Arte relacional/ Que vem do interior.
Referências Catálogo da Exposição – MOB 11, que aconteceu no Museu da Fotografia em Curitiba, de 16 de março a 22 de maio de 2011. Produzido por MOB. Disponível em: www.artebicimob.org “MOB nasceu como Arte Bicicleta Mobilidade em setembro de 2007 (Curitiba). Intervenções, mostras, debates e ações políticas marcaram o 1° ciclo de atividades do ‘mês da bicicleta’. A pergunta era algo como: Arte e política são duas coisas diferentes? A política não é a expressão máxima da arte? A arte não almeja a política? (2° parágrafo do texto: MOB como História, MOB como Práxis, de Goura Nataraj. Disponível no catálogo da Exposição – MOB 11. Curitiba, 2011.)” O livro “A Alma encantadora das ruas”, de João do Rio, está disponível para domínio público em: www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm. do?select_action=&co_obra=2051. Acesso em: outubro de 2014. GEERTZ, Clifford. O SABER LOCAL, Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. BORTOLUS, Marcos Vinícius. Transdiciplinaridade e processos criativos. Relações entre a criatividade xacriabá e a brincadeira dos deuses hindus. UFMG, 2012.
Esta instalação aconteceu na exposição de formandos em 2014 no Centro Cultural UFMG, posteriormente a entrega do TCC, com o título de “Observãnças de Pedal”. Foi realizado com base em um desenho do caderno “Desenhos cotidianos“ de 2013.
SAULO TIRONI SILVA saulotironi@gmail.com
BELO HORIZONTE, 2014