Coro das Vontades / 56 Manifestos

Page 1

Dia do Manifesto 14 julho 2012

Coro das Vontades 56 manifestos

www.teatromariamatos.pt



Dia do Manifesto 14 julho 2012

Coro das Vontades 56 manifestos


índice Introdução 7

Coro das Vontades

8

Libreto 9

56 Manifestos

15

Manifesto 16 Agripina Costa Marques As Múltiplas Dimensões da Crise Contemporânea 16 Álvaro Fonseca Manifesto 18 Amador Malta I LIKE RULES, SO COME HERE AND PUNCH ME 19 Ana Brás Manifesto 21 Ana Filipa Fernandes O Poder e a Crise 22 André Carapinha Manifesto Lindbergh 23 André de Almeida Fialho Manifesto 27 André Gomes Peixoto Mudar o Mundo 28 Andreia Azevedo Moreira Manifesto pela Desarrumação Social 29 Manifesto 30 Arlindo Jesus Costa A falta que nos faz sermos gente grande… 30 Bruno Santos, Pedro Beleza, Sandra Guerreiro Dias O meu anseio de vontades 33 Carla Bernardino Manifesto 33 Cátia Domingues Manifesto 34 Célia Maria Santos Manifesto 34 Clarissa Vaughn Manifesto 35 Colectivo Manifesto Urbano Manifesto 36 Daniela Barata Manifesto 36 Diana Dionísio Manifesto 37 Elisabete Cardoso Manifesto 38 Elisabete Xavier Gomes Manifesto do Desassossego 39 Fabrice Pinto e Pedro Azevedo Manifesto 41 Fernando Jorge Manifesto 41 Fernando Torgal Manifesto para Cidadãos Leitores do Mundo 41 Firmino Bernardo Vontades para o século XXI 43 Firmino Bernardo


Manifesto da Arquitetura Consciente 44 Francisco Portugal e Gomes Do Rossio para o mundo 45 Inês Lago Manifesto a favor da utilização 46 Inês Leitão dos transportes públicos Manifesto pela saída de emergência 47 Inês Leitão Manifesto 48 João Silveira Manifesto 49 Lia Nunes Manifesto 49 Liga dos Amigos do Jardim Botânico Manifesto 50 Lucinda Augusta Silva Manifesto 50 Luísa Rodrigues Árvores para o Bairro de Campo de Ourique! 50 Maria Augusta Pereira Manifesto pela união dos muitos 51 Mariana Ferreira Monteiro Manifesto 51 Marisa Figueiredo Manifesto 52 Manuel Festas Franco Manifesto 53 Mónica Amaral Ferreira Manifesto de palavras escritas 53 Nádia Nogueira Manifesto da Baixa 54 Narciso Antunes Manifesto dos 500€ 55 Narciso Antunes Manifesto 56 Paula Varanda O que é um coro? …e um coro de vontades? 56 Paulo Carvalho Acordai — Manifesto 57 Paulo Lima Manifestejo Batente 57 Rafael Vieira Manifesto 58 Rede de Cidadania de Montemor‐o‐Novo Manifesto 59 Ricardo Ávila Manifesto 59 Ricardo Ramos Ma-ni-fes-to 60 Rosa Azevedo Manifesto 60 Rui Mendes, a partir de Paulo Mendes da Rocha Manifesto 60 Sandra Silvado Manifesto 61 Susana Domingos Gaspar Manifesto em Pretérito Profético 62 Teresa Gabriel Sorriso desnudo 62 Vânia Chagas



introdução Em 2005, os artistas finlandeses Tellervo Kalleinen e Oliver Kochta-Kalleinen organizaram o primeiro Complaints Choir (Coro de Queixas) na cidade de Birmingham. O sucesso foi imediato e, em vez de patentear a ideia, os artistas decidiram disponibilizar o conceito na Internet em open source. Os coros de queixas começaram a emergir em todo o mundo: Helsínquia, Hamburgo, São Petersburgo, Melbourne, Jerusalém, Budapeste, Chicago, Florença, Vancouver, Singapura, Copenhaga, Filadélfia, Milão, Hong Kong, Tóquio, Roterdão… O Coro de Queixas verbaliza as queixas reais dos habitantes de uma cidade. No contexto do tema Manifesto, o Teatro Maria Matos resgatou a ideia e transformou-a: o que queríamos cantar não eram queixas, mas sim vontades. Passámos da queixa à exigência, do descontentamento à formulação de alternativa. Lançámos um convite para a escrita de manifestos: “O que queremos para nós próprios? O que queremos para o nosso prédio, para o nosso bairro? O que queremos dos nossos políticos, artistas, juízes, administradores, cientistas, professores? Quais são as visões do futuro que nos mobilizam?...” Esta publicação apresenta os 56 manifestos originais que nos foram enviados ao longo do mês de janeiro de 2012 e o libreto do Coro das Vontades, destilado a partir deste material por Tiago Sousa e Joana Rosa.

7


música

Coro das Vontades Tiago Sousa & Joana Rosa

Sala Principal sábado 14 julho 2012 20h30 M/3 Neste espetáculo, quisemos enfatizar o potencial da vontade. Pretendemos opor à tendência autocrática existente na subjugação da vontade do outro à nossa vontade a emancipação de todas as vontades em equilíbrio e igualdade. Fazemo-lo usando como veículo um concerto cuja base conceptual parte de uma série de manifestos que nos foram enviados no início do ano. Este espetáculo é, acima de tudo, o resultado da relação entre a parte e o todo. Apresentamo-lo como um espetáculo político na medida em que, através da expressão artística, tomamos como motor propulsivo o pensamento político. Não entendemos, no entanto, conceitos como arte ou política na perspetiva da especialização que tende para a noção da intelectualidade enquanto um desafio posto às elites, e cuja racionalidade tentam impor à sociedade. Queremos antes promover a relação que cada um experimenta no seu dia a dia ao ver-se confrontado com as questões éticas sobre como edificar a sua vida individualmente e sobre as potenciais formas que poderemos construir para a organização coletiva do quotidiano. Compreende-se assim a obra de arte como um produto em que a autoria não é apenas atribuída pela marca da individualidade mas antes emana da relação dialética entre o indivíduo e a sociedade. Este espetáculo não segue, por isso, a dialética hegeliana na sua aspiração à síntese, pretende apenas deixar um contributo que possibilite manter em devir a discussão. piano e composição Tiago Sousa guião Joana Rosa viola João Camões violoncelo Ulrich Mitzlaff voz Beatriz Nunes declamadora Inês Nogueira uma encomenda Maria Matos Teatro Municipal produção Maria Matos Teatro Municipal agradecimentos Os autores agradecem aos amigos, familiares e a toda a equipa do Teatro Maria Matos pelo contributo dado na realização deste espetáculo. Em especial a Mark Deputter e Pedro Santos. Por fim, agradecem a todos os que contribuíram com os seus manifestos e ideias. 8


Libreto A Terra Treme

a partir do original de Mónica Amaral Ferreira A Terra Treme (a casa cai)

Walden Pond’s Monk Tiago Sousa

Primeiro Movimento

Manifesto a favor da utilização dos transportes públicos Inês Leitão

Fonte Sonora A Faço questão do autocarro público, das pessoas contra o meu corpo, de ir para o trabalho a achar que eu sou os olhos e as mãos de todos os que passaram por mim, de todos os que me tocaram inocentemente, ostensivamente, luxuriosamente. Faço questão dos seus olhos a fitarem os meus: dos seus olhos, de como se abrem e fecham tão rapidamente sem que eu compreenda o fenómeno do fechamento das pálpebras cansadas e da densidade das sobrancelhas. Faço questão de os ver dormir quando o cansaço os agarra e de os ver despertar para sair, automáticos e autónomos. Gosto de dar atenção às suas expressões, àquilo que a sua cara diz quando se silenciam sozinhos e falam para dentro onde eu não oiço. Faço questão dos dedos, de lhe contar os pelos da pele das mãos, de lhes conhecer perfeitamente as mãos sem que se apercebam dos meus olhos na sua pele. Faço questão do tamanho das unhas, do contorno da barba, do desenho do queixo na anatomia total do corpo a que pertencem. Faço questão que o autocarro chegue cheio e quente de gente e que o vapor se instale na janela para eu poder desenhar e escrever. Faço questão de desenhar e escrever no vapor deles. Faço questão do número de senhoras da minha idade, de lhes analisar as ancas e adivinhar quantas pessoas lhes dormiram no útero durante nove meses de gestação. Faço questão das roupas que usam de manhã e que trazem no fim do dia. Faço questão de pensar neles sem roupa (o ato de vestir é o mais terrível ato de egoísmo individual sobre a humanidade) e faço questão da transpiração. 9


Faço questão das gotas de água a saírem de poros invisíveis e audaciosos, faço questão do milagre do suor do corpo quando somos tantos no mesmo espaço, tantos a respirar o mesmo ar, tantos a suar os mesmos medos. Faço questão do barulho do motor do autocarro, de me agarrar a ferros mornos de gente para resistir à queda. Faço questão de sentir o ferro e de invejar a sorte da sua condição de ferro de autocarro público: tão tocado por tantos. Faço questão de não esquecer (não esquecer um só) e de me sentir feliz sempre que os vejo chegar à hora certa (a perturbação invade-me e as minhas mãos tremem ao pensar no que pode ter causado a ausência) Faço questão que o autocarro venha cheio de corpos para eu poder entrar de lado e jurar a todos com licença. Faço questão de gravar as suas vozes na minha memória para poder reproduzi-las quando me deito e penso que a cidade de Lisboa é muda à noite (só à noite) quando não há ninguém nem nada de novo a acontecer nas paredes do meu quarto. Faço questão do cheiro do champô deles no autocarro, do desodorizante, dos perfumes, dos roupeiros (tantos, tantos, tantos). Faço questão de me encostar aos seus corpos de propósito, de aproveitar os instantes das travagens abruptas do autocarro para poder tocar-lhes e olhar cada um nos olhos a suplicar perdão pelo toque usurpador — com licença, desculpe, senhora, o seu perdão Faço questão de repetir o transtorno — com licença, por favor, desculpe vezes sem conta, — perdão, senhor, perdão por todos os corpos presentes, até ser a minha vez de tocar para sair, triste e em tropeço, agarrando as mãos ao ferro como uma despedida de dor com cheiro a aço, colocando o dedo na campainha com a certeza de que os meus ouvidos ouvirão — dlim-dlão dlim-dlão

Manifesto pela saída de emergência Inês Leitão

Fonte Sonora B

2. Contra o rating, contra a precariedade e contra o capitalismo desenfreado, plim.

1. Contra o vento do metro na minha cara quando eu vou trabalhar, contra o Jornal de Negócios no degrau do escritório de manhã, contra todas as saídas de emergência desta cidade, plim.

3. Contra o BPN, o BPP, a Standard & Poor, plim. 10


4. Contra mim, contra o meu corpo carregado de precariedade, plim.

12. Contra o meu corpo, contra a ideia de esmagar a minha cabeça na parede com muita força até a abrir e tudo se tornar irreversível, plim.

5. Contra o que podemos comer e contra o que não podemos comer, plim.

13. Contra o mundo todo, contra todos os movimentos pela paz, plim.

6. Contra todo o tédio, contra a minha cara numa entrevista de emprego falhada e contra a alma do meu avô, sindicalista antes de 1974, plim.

14. Contra o Ghandi, contra o Luther King e contra o Mick Jagger, plim. 15. Contra o José Luís Goucha, contra a Júlia Pinheiro e contra a saliva do Sr. Silva, plim.

7. Contra a minha vagina, contra a precariedade da minha vagina e contra as pilas que já passaram por ela sem a olhar, plim.

16. Contra os carros, contra os pneus dos carros e contra as bicicletas que não poluem, plim.

8. Contra a raiva que tenho entre os dentes à laia de cárie dentária que levo na boca até à cadeira do meu trabalho, plim.

17. Contra a morte de Saramago e contra os ecos do livro de Lobo Antunes na minha cabeça, plim plim.

9. Contra a pele dos meus lábios a queimar à beira da chávena de uma bica demasiado quente às 08:46 da manhã antes do serviço, plim.

18. Contra a minha cabeça, plim.

10. Contra a pequena janela que tenho à minha frente e contra os meus dedos a bater com violência na chapa plástica do teclado do meu computador, plim.

19. Contra a cabeça da minha mãe e do meu pai, plim. 20. Contra a violência da solidão e o cheiro da urina seca num beco de Lisboa, plim.

11. Contra o meu carro na oficina há três meses por falta de pagamento, contra a ideia de ter de comer o meu chefe para subir de escalão e ganhar mais do que os meus colegas: contra aquilo que a minha boca não diz e a minha cabeça pensa, plim.

21. Contra o ar condicionado e contra a escravatura do clima controlado, plim. 22. Contra o blazer preto e contra o inverno, plim. 23. Contra a chuva, contra o medo e contra os fascistas da Faculdade de Letras em 2006, plim. 11


24. Contra o temor, contra o Mário Crespo e o pânico na cara dos outros, plim.

28. Contra o mundo todo e todos os mundos, contra a vida que levamos e aquilo que corremos, plim.

25. Contra a violência, o despudor, contra as gralhas do jornal da SIC, plim.

29. Contra a resistência dos resistentes, contra a sobrevivência dos malditos: contra o meu umbigo e contra a democracia que temos, plim.

26. Contra o engano, contra as baratas e contra os escaravelhos amigos escondidos de mim, plim.

30. Contra mim, que tenho 30 anos, e contra a geração fon-fon-fon: contra ti e contra aquilo que nos tornámos os dois multiplicados por tantos, plim.

27. Contra os que tropeçam e caem em balsas quando os barcos se afundam com pessoas presas lá dentro, contra o mau tempo no canal, plim.

A favor de todas e quaisquer saídas de emergência intencionais e criteriosas que nos levem daqui para fora, dlim-dlão, dlim-dlão

Sentados nas pernas Joana Rosa

As pernas cruzadas Freiam a alma Ignotas do uso Desconhecem acreditar E do pensamento só saía O espanto de um corpo Que não se sentia A vontade tocando Não existia Alguém — Quem? Lavou e torceu Esse pano Para secar

12


Samsara Tiago Sousa

Segundo Movimento

Antígona Joana Rosa

Quando erguidos e retos Descobriremos insurretos Antiga Antígona Primeira lei interior Anterior às leis dos homens

O que é um coro? … e um coro de vontades?

Se de vivos falamos, o todo é infinitamente mais pequeno do que as partes. O todo — a civilização (ocidental ou oriental), o continente, o país, a classe, a multidão, a instituição, o partido, o gang, a turma, o género, a família… — são as verdadeiras partes, meras ideias (ainda que armadilhadas), estilhaços de violência implícita, prontas a serem arremessadas ou defendidas, ameaças distantes ou baluartes próximos, que nada são quando comparadas contigo, que és imensidão, que não és parte (ainda que participes), porque não és um triângulo de vidro ou peça de puzzle que se encaixe ou solde. Não és um soldado, ainda que te solidarizes. Também não és inteiramente sólido. Partes só e esburacado para o encontro, encontras-te só e esburacado depois dele. O vento passa dentro desses buracos e no interior dos buracos do encontro. Infinito, entre infinitos, és tu, sou eu. Se te afastas, sentes frio; se te aproximas demais, corres o risco de sufocar. E eu contigo. Não nos conhecemos, conhecemos reações, alquimias a que damos nomes grandes (pelo medo de não sabermos). Infinito é apenas um dos nomes do mistério que te habita e que és. Que me habita e que sou. Foi por isso que, antes dos nomes, a voz sobreveio ao mutismo do corpo. A tua no teu, a minha no meu, a dele no seu. E a primeira forma da voz foi o grito. E o grito, assim fora do corpo, atemorizava. E foi para vencer esse medo que o tímpano — a primeira fonte do medo — se tornou fino e, muito antes da afinação, procurou a afinidade. E, desde então, cada voz existe na distância em que outra a deixa ser. É, pois, o tímpano que marca a distância: pela escuta. Da tua voz, da minha. E da terceira voz, a dele. E assim nasce o canto plural, que já não é só voz, mas cada voz unida a outras vozes singulares modelando os gritos: as vontades na distância exata — que nunca é exata, ou que o é apenas na procura do tom comum. O coro já não é um todo, difusa ideia a combater ou a defender, é a convergência de vozes singulares em ação.

13



56 Manifestos


Manifesto

Agripina Costa Marques

D

os políticos exijo inteligência, cultura, ética, integridade. Que não sejam subservientes em relação ao estrangeiro (consequência da sua mediocridade) e que sejam, sim, solidários para com os patriotas que, afinal, lhes deram a oportunidade de chegar ao poder. Sem o voto dos compatriotas seriam zero. E chegados ao poder, sem qualquer competência para o exercer, serão mais que zero? O mesmo se aplica a alguns juízes, magistrados e afins.

As Múltiplas Dimensões da Crise Contemporânea – Um Manifesto Álvaro Fonseca

O

momento de ansiedade e incerteza que atravessamos é visto pela maioria como a consequência da crise económico-financeira que deflagrou nos finais de 2008. No entanto, não só a crise foi antecipada por muitos é consequência da ganância impune de alguns, como a sua natureza não é meramente económica. Tratou-se na verdade apenas de um sintoma de algo bem mais complexo e profundo: uma confluência de crises de valores, de perceção e de modelo de sociedade. O aparente fulgor económico dos países ditos “desenvolvidos”, que se exacerbou a partir de meados dos anos 80 do século XX com a globalização do capitalismo liberal e da economia de mercado, conduziu a uma aparente subida do nível médio de vida das populações, mas à custa de uma agudização inaudita das desigualdades sociais, bem como do agravamento da exaustão irreversível dos recursos naturais e da destruição dos ecossistemas. Paradoxalmente, os índices de felicidade desses mesmos países não aumentaram proporcionalmente ao aumento do PIB. Acresce que aquele crescimento económico, impelido pela abundância de fontes de energia baratas — combustíveis fósseis —, só foi possível graças a um aumento inusitado do consumo das famílias, estimulado por campanhas de marketing agressivas e manipuladoras e pelas facilidades de crédito insustentáveis, e a uma alteração profunda dos sistemas de produção de alimentos e de outros bens de consumo, muitos deles controlados por grandes corporações multinacionais. As consequências ambientais e sociais desse crescimento são no mínimo desastrosas e põem em causa o bem-estar das próximas gerações. A obsessão com o crescimento económico e a noção de riqueza ligada ao dinheiro e aos bens materiais alimentaram um sistema financeiro ganancioso que singrou graças à conivência de políticos e economistas e com o apoio dos órgãos de informação, eles próprios controlados por grandes grupos empresariais. O paradigma económico vigente baseado em parâmetros e modelos propostos por uma autoproclamada elite de especialistas (criticado por muitos) foi-se desligando da realidade e empurrando os estados para uma situação de bancarrota eminente, que por sua vez está a conduzir os países mais frágeis (p.ex.: PIGS) a impor medidas de austeridade profundamente injustas. A saída deste imbróglio passa, a meu ver, por uma urgente tomada de consciência por parte dos cidadãos da sua responsabilidade individual e coletiva, no sentido de encontrar as soluções que 16


aqueles que, por ignorância, egoísmo ou desfaçatez, nos conduziram a esta situação e não são capazes, nem estão interessados, em implementar. De facto, assistimos a uma flagrante atitude de negação por parte dos poderes instalados que insistem em prolongar a todo o custo um sistema económico caduco, agonizante e profundamente nefasto. Esta situação tem conduzido a um grande pessimismo e à desmobilização de grande parte da população, agravados pelo descrédito da classe política e pela deterioração dos sistemas de educação e de justiça. Existe uma ideia profundamente enraizada de que a iniciativa individual ou coletiva é impotente perante um sistema de poderes intocável e imutável. Há que inverter rapidamente esta situação e transformar os indivíduos, convertidos em meros consumidores, em verdadeiros cidadãos. Isso consegue-se informando, mobilizando e apelando à consciência e responsabilidade individuais perante os seus contemporâneos e as gerações vindouras. A natureza humana não é caracterizada apenas por instintos baseados no egoísmo, comodismo e competição, como ouvimos dizer repetidamente, mas também pelo altruísmo, a generosidade e a solidariedade. É necessário mostrar que a capacidade de mudar o rumo dos acontecimentos está de facto nas nossas mãos e pode começar por mudanças de atitude individuais ou em pequenas comunidades: alterar a noção de status, os padrões de consumo, o modo como se encara e se usa o dinheiro; retomar e fortalecer a participação cívica na comunidade. Para tal é fundamental compreender e fazer compreender que o atual paradigma do crescimento é insustentável e irracional. Há que fazer ver que já existem novos modelos económicos e movimentos sociais que encaram o inevitável Decrescimento — ou seja, a redução da produção, do consumo, do ritmo de trabalho, etc. — com grande naturalidade (p.ex., o movimento de Transição, já com alguma expressão no nosso país). E não se trata de um regresso às origens ou a modelos de sociedade primitivos, mas sim da re-humanização das sociedades baseada na cooperação e na valorização das capacidades produtivas, intelectuais, artísticas, etc., dos seus cidadãos que conduzirão a uma recuperação do seu verdadeiro bem-estar e autoestima, permitindo-lhes viver de novo em equilíbrio com o ambiente em que se inserem e do qual dependem. Uma outra mudança de atitude indispensável tem que ver com o modo como consumimos e como usamos o dinheiro. Existem propostas sensatas e moderadas, como deixar de consumir bens supérfluos, consumir produtos locais e alimentos da época, ou depositar o dinheiro em bancos éticos (para saber mais sobre o conceito de Ethical banking ver p.ex.: www.gabv.org/). No entanto, com o agudizar das tensões geradas pelas recentes medidas de austeridade há quem proponha levantamentos em massa do dinheiro dos bancos com vista ao seu colapso. Infelizmente, estes movimentos parecem não estar a par da existência dos bancos éticos, das iniciativas de moedas locais ou das moedas virtuais. A questão fundamental que é preciso não escamotear e que temos de encarar fria e urgentemente é que se não fizermos nada para mudar o atual sistema então continuaremos a caminhar para um cenário de colapso social generalizado. E não são apenas os catastrofistas e adeptos do apocalipse que o dizem: há muitos estudiosos e pensadores de várias áreas (historiadores, sociólogos, filósofos, cientistas) que o afirmam de forma séria e fundamentada. Se queremos uma alternativa a este cenário de rutura iminente temos de ser nós a construí-la aproveitando a sabedoria de muitos que já andam a pensar ou a agir há mais tempo e analisar as propostas que apresentam. É fundamental divulgar a informação relevante e debater em conjunto no sentido de construir uma cidadania informada, ativa e criativa que constituirá o movimento de base (grassroots/bottom up) que poderá transformar e refundar a sociedade do futuro. 17


Manifesto

Amador Malta

Vontade Vontadinha… Não sejas só minha! Ai esta vontade que me invade de tanto e tanto… às tantas que não seja só vontade e que se Exiga: _Que Portugal seja um país que conte com as suas gentes não como números… mas como Cidadãos _Que Portugal caminhe no cumprimento de todo o círculo progressivo da sua Constituição _Ai esta vontade de dizer Não! Mas dizer Não em União. _Não ao poder instalado que desgoverna Portugal _Não ao agravamento social e económico em Portugal _Não ao fosso existente na sociedade portuguesa _Não aos privilégios das classes encostadas ao poder… Não aos Tachos!! …Não aos que afundam milhões da economia nacional a favor das suas Explorações _Não aos ricos continuarem mais ricos e os pobres mais pobres _Não a mais desempregados… Sim à construção dum melhor país para todos _Sim na vontade duma Solidariedade e Fraternidade sem mais hipocrisias _Sim a um progresso consistente construído com Justiça e Igualdade _Sim aos direitos e deveres iguais para todos …A Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação, Liberdade… …Liberdade a sério _Que haja Produção numa boa Governação _Que haja Vontade de valorizar a Democracia …Ai esta vontade de Rigor e Ética… Ética! Rigor! _Sim na Vontade de Tribunais de Contas, Contas com Rigor e Ética _Responsabilidade… e Transparência bens precisos na gestão de tanta desgovernação _Não às armadilhas demagógicas… Sem vontade do verdadeiro Serviço Público mas que se governam com a política de privatizações e que se enchem de milhões as contas de senhores Barões da Alta Finança _Sim ao combate e penalizações dos sanguessugas que se alimentam da corrupção _Sim ao combate contra os que retiram a nossa Soberania _Sim ao combate aos que utilizam o poder soberano em proveito próprio _Sim para que se cumpra a Constituição _Sim pela boa e forte Razão _Sim pela e em defesa do Património Cultural _Pela Vontade de ver Portugal e os portugueses a lucrar com Saber e Conhecimento _Não se fique só pela fonte do Sol como mais-valia do tempo! 18


I LIKE RULES, SO COME HERE AND PUNCH ME Ana Brรกs


01 — GOSTO.

03 — REGRAS PARA QUE VOS QUERO.

É OFICIALMENTE PERMITIDO O USO DE REGRAS SEM EMBARAÇO E SEM MEDO DE SER ESPANCADO IDEOLOGICAMENTE. A tipografia não tem que ser entendida como um manual de boas maneiras; a tipografia não é psicótica, mas pressupõe princípios que não devem ser motivo de pejo para o designer; a tipografia pode ser vista com uma saia abaixo do joelho; a tipografia seduz e o designer pode excitar-se com essa inocência aparente e presença recatada; a tipografia pode ter que ser muita coisa, talvez nunca seja uma dançarina exótica, mas ainda assim é permitido apreciar-lhe o rigor. A TIPOGRAFIA EXISTE PARA HONRAR O CONTEÚDO E NÃO HÁ DESONRA NISSO. É PERMITIDO GOSTAR DE REGRAS E É PERMITIDO NÃO GOSTAR.

NÃO EXISTEM RECEITAS EM TIPOGRAFIA COMO NÃO EXISTEM NO DESIGN. Eventualmente e na melhor das hipóteses, existem princípios que são entendidos como regras, logo entendidos como algo maligno. ISTO ESTÁ UM POUCO ERRADO E É UM TUDO-NADA LIMITADO ENQUANTO PRESUNÇÃO. Os princípios podem e devem ser adaptados (ou não) ao contexto gráfico focado pelo designer. O conceito de princípio não tem a rigidez de um bacalhau seco, em algum ponto servirá para cozinhar qualquer coisa, mesmo sem receita. Nesta lógica pode existir para o designer, no sentido daquilo que são princípios básicos de determinadas áreas disciplinares, algo dentro do entendimento da sinalética, útil para quem está perdido e que poderá fazer a diferença entre o pânico total e o pânico em suaves prestações.

02 — AS REGRAS NÃO FAZEM DE MIM ESTÚPIDO.

04 — O RESPEITO É MUITO BONITO.

Parece existir uma regra que faz dos seguidores de regras menos ousados do que aqueles que as contrariam. Estes congratulam-se pela transgressão, pela afronta ou por qualquer coisa que cuspa vigorosamente sobre a regra. É promovida a abstinência de regras como uma atitude salutar digna da condição de designer, em que as regras ficam para todos os outros bananas, em teoria, tão menos brilhantes, tão menos capazes. HÁ QUALQUER COISA DE IMBECIL NA EXPRESSÃO: EU FAÇO AS MINHAS PRÓPRIAS REGRAS, não a expressão em si no contexto da tipografia ou do design gráfico em que o entendimento da regra serve propósitos mais ou menos liberais. De qualquer forma, o sentido da expressão para muitos designers imberbes é gritado e embebido em toda a arrogância e energia marginal possíveis.

Mesmo que não se considere o conceito de regra ou a princípio, não é de todo prejudicial conhecer e sobretudo respeitar os cabelos brancos que ostentam orgulhosamente, quanto mais não seja pelo prazer redobrado de os entender e de mesmo assim, os contornar de forma deliberada e consciente. Ainda assim, convém manter por perto alguns princípios- -base contra a ignorância. “Salvar” um bom princípio da extinção pode não ser o mesmo que salvar um golfinho do Sado, mas é sem dúvida substancialmente mais positivo para a tipografia e para o design. É hoje mais importante pensar estas questões não como afrontas à liberdade criativa, mas como doseadores da liberdade criativa. DA URGÊNCIA DO DIA DE HOJE VIVE A EVOLUÇÃO DO DESIGN GRÁFICO.

20


05 — MAKE RULES NOT WAR

É IMPORTANTE QUE FAÇAMOS COISAS QUE “SIRVAM”, É IMPORTANTE O SENTIDO DE REGRA SEM QUE EXISTAM REGRAS ESPECIFICAMENTE, É IMPORTANTE SER CONSEQUENTE, É IMPORTANTE USAR A TIPOGRAFIA COM CONSEQUÊNCIA, É IMPORTANTE QUE NÃO ESCOLHAMOS SÓ UM LADO, É IMPORTANTE DEFINIR REGRAS MESMO QUE NÃO VALHAM PARA MAIS NINGUÉM, É IMPORTANTE CONHECER E RESPEITAR REGRAS, MESMO QUE EM TEORIA NÃO NOS “CAIBAM”.

Apesar de parecer que tudo se divide ideologicamente, não existe só um lado para ver a mesma questão. Em segundo lugar e em boa verdade, é possível e desejável que façamos regras nossas e para outros, que valorizem a tipografia na sua convicta transparência, que valorizem a tipografia mesmo que não seja entendida como transparente e muda. O uso leviano da tipografia revela qualquer coisa de inconsequente, que não se cruza com irreverência, com elegância, com vanguarda, com legibilidade. A inconsequência não tem que ver com nada e por isso não serve de muito.

Manifesto

Ana Filipa Fernandes

Q

uero uma vista desafogada sobre a minha vida, sem prestações suaves, como se de um vale profundo e imensurável se tratasse. É do que se trata, na verdade. Nesse vale vive tudo e moram todos. Em conjunto, portanto. Façamos em conjunto. Caiam os preconceitos, Revelem-se os amadores. Abracem-se os estranhos, Despertem-se, sonhadores! Quero construir uma família que não hibernou na crise e que, apesar dela, se fez.

21


Quero que a minha família, a minha profissão e a minha atuação façam a diferença todos os dias, em cada encontro. De mim, espero não desistir e dar o meu melhor. Espero…. Propósito dos doutores. Dos artistas, um alerta para o que eu não vi. Para os professores, respeito, e deles, a descoberta do melhor de cada um. Da ciência, quero esperança e futuro. Dos políticos, quero novos, nunca antes vistos e que não conheçam a corrupção como um mal-entendido, nem a austeridade como a inevitável solução. Gostava que a minha geração erguesse o sorriso da liberdade e da responsabilidade. Ruas sem cocó, onde o carro não manda tanto. Vizinhos que não baixam os olhos. Reconhecimento superior a três dígitos para os que arriscam, projetam, se entregam e assumem posições. Famílias que durante a semana desfrutam juntas da cidade e que não fogem para casa às 18h. Novas fórmulas e formas. Preconceito como um remoto passado que não queremos repetir. É preciso mudar… dentro para conseguir concretizar fora. Mudar dentro da cabeça e do coração, encurtar a distância entre os que são diferentes e não ouvem a mesma música que eu, esbater o limite entre a aparência e os muros altos que ela consegue erguer. Definir melhor o que é estar farto disto tudo. Não perder mais tempo a fingir que não temos medo de mudar, porque temos, e o medo existe para ser transposto e nos fazer avançar.

O Poder e a Crise André Carapinha Homenagem a Foucault

O

Poder é o campo e a fábrica. O Poder é o chicote e a máquina, a jorna e o salário, o crucifixo e o corão, são caravelas em demanda dos infiéis, e são os infiéis. O Poder é Sodoma e Gomorra, Abel e Caim, Moisés e Ramsés, David e Golias. O Poder é a dona-de-casa, é o papá e a mamã, a escola primária, a secundária, o Poder é acima de tudo a Universidade. O Poder é o Correio da Manhã e o The New York Times. O Poder é a cerveja, o café e o maço de tabaco, são as férias na neve, o BMW e o ecrã de plasma, e o que se vê nesse ecrã de plasma. O Poder é poder. A crise é o orgasmo feminino.

22


Manifesto Lindbergh André de Almeida Fialho

S

e me encontro neste momento a escrever estas palavras não é por um bom motivo, é porque cheguei à conclusão de que tenho de falar, que algo tem de mudar, a sociedade está numa balbúrdia e ninguém se entende, o mundo atravessa uma das maiores crises de sempre e ninguém tem respostas para esta crise, as manifestações são diárias e as pessoas estão fartas de austeridade, de FMI e de falta de esperança, por que é que não há esperança? Porque ninguém sabe em que ter esperança, o barco está a ir ao fundo e ninguém tem uma tábua a que se agarrar. É necessária uma nova forma de olhar para a sociedade, aliás não lhe chamemos nova, chamemos-lhe apenas uma reformulação do que já existe e uma simplificação de toda a filosofia que é importante mas inacessível por enquanto à maioria das pessoas. Os problemas atuais são: a falência das sociedades capitalistas e dos mercados financeiros, o racismo, a discriminação e o uso da violência em todos os sentidos possíveis, houve e continua a haver uma desumanização social. As medidas que ouvimos todos os dias são: cortes nos salários, nas pensões, nos subsídios, na educação, na saúde, medidas de austeridade, injeção de capitais na banca, revitalização económica, que, contudo, só se dá após o equilibrar das finanças públicas e para isso são precisas mais medidas de austeridade, despedimentos em massa para salvar as grandes cadeias económicas, aumento dos impostos, sejam eles diretos ou indiretos, como, por exemplo, as novas medidas para o IRS, o aumento do IVA, aumento do valor dos bens essenciais, menos apoios sociais, apoia-se a emigração só com palavras mas com dinheiro só se for através de esmolas que se peçam nas portas das igrejas, diminui-se e complica-se o acesso às bolsas escolares e, como não podia deixar

de ser, baixam-se os valores das mesmas, mais de 100 000 alunos já tiveram de desistir do ensino, as taxas moderadoras passam para o dobro, fazem-se menos cirurgias para se poupar dinheiro, paga-se metade a pessoas que fazem horas extra mas despedem-se mais pessoas obrigando os funcionários a fazer mais horas extra, acaba-se com a cultura, pois presumo que se queira voltar ao lema fascista “um povo estúpido e inculto é um povo feliz”. Bem, mas não quero estar aqui a dizer ao pinheiro que ele é feito de madeira, pois todos sabemos a situação em que nos encontramos e o que foi dito acima é apenas um pequeno resumo do que se passa, que serve como ponto de situação para daqui podermos ver o problema exato e poder discuti-lo encontrando uma solução mesmo que esta seja incómoda e estranha para muita gente. Muito bem, existe uma conclusão que não é nova mas que é a única possível para a situação atual, somos escravos do dinheiro, e escravos uns dos outros, e é isto que tem de mudar, o que tem sido feito até agora é reformar o sistema económico para que ele sobreviva mais uma dúzia de anos e volte a cair e a deixar-nos sem nada. O dinheiro em si é completamente absurdo, visto que ele não tem valor real, ele tem o valor que lhe damos, mais nada, o ouro, a prata, a pedra, tudo tem o valor que nós lhe damos, não existem leis económicas de valorização, de desvalorização porque não existe valor no mundo material apenas a nossa interpretação do que temos, é como as cores, que está comprovado que não existem no mundo material, são uma criação do nosso cérebro, fazem parte da nossa evolução como seres humanos, servem para a nossa compreensão do mundo e para nos facilitar a distinção do que existe, isto serve apenas como um exemplo de que coisas que 23


tomamos como dadas são apenas uma criação da nossa cabeça, a diferença é que uma é uma consequência da evolução humana a outra não passa de uma construção social que nos foi levada a acreditar como sendo incontornável, o que não é verdade, porque se se abolir a máquina financeira o que se termina é a troca de dinheiro por serviços, e a desigualdade de acesso aos mesmos, o que fica são os serviços que, em vez de troca, são prestados para a evolução da sociedade, continua a existir comida e bem essenciais porque continua a haver terra cultivada, mas como isto pode ser difícil de perceber vamos entrar em detalhe. Se hoje em dia por exemplo numa cidade existem vários tipos de trabalhos, todos eles diferentes mas com um sentido de servir a sociedade, não há trabalho que não tenha como objetivo servir a sociedade, por isso as pessoas são divididas pela atividade social, e depois são pagas conforme a atividade que exercem, por exemplo um varredor de ruas recebe quatrocentos e oitenta e cinco euros, independentemente de ser verídico ou não vamos supor que sim, e um médico recebe dois mil euros por mês, a senhora das limpezas recebe quinhentos euros e um agricultor quatrocentos e sessenta euros, por fim o presidente da câmara recebe cinco mil euros, pois bem estas pessoas recebem salários diferentes não pela prestação de serviços que fazem mas sim pelo prestígio que o seu cargo tem, ou seja, estamos a pagar as pessoas pela forma como as vemos e não pelo que fazem, no entanto, todos eles têm a mesma necessidade de ter comida na mesa, de ir à escola, de serem vistos por um médico, de poderem enviar uma carta, de se sentirem em segurança, isto quer dizer, que não importa o que se faz, ou quanto se recebe porque na base social todos temos as mesmas necessidades mesmo que possam variar em quantidade, elas existem, porque falamos de necessidade humanas, e é este o problema do sistema financeiro, especialmente o

capitalista em que não existem seres humanos, existem números e classes em que se organizam os números, o problema é que os números nem sequer batem certo, e mesmo que batessem não se resolveria o problema porque rapidamente voltaríamos aos mesmo, a história já nos provou isso, se nenhuma das pessoas nessa cidade fosse paga, com isto não fosse diferenciada e tivesse livre acesso a tudo o que a cidade tem para oferecer então a pessoa poderia ter muito mais escolha, é claro que teria deveres como o de fazer a sua atividade social com a maior responsabilidade, pois já não a estaria a fazer por dinheiro mas para construir um mundo melhor e ajudar os seus camaradas que dão algo ao coletivo, ao contrário do que já foi defendido eu não acredito que o coletivo se sobreponha ao individual, e que se o indivíduo colocar em causa o coletivo deve ser silenciado, o coletivo é a soma dos indivíduos cada um deles vai contribuir para o geral e esse geral será o melhor coletivo de sempre porque é um coletivo humano e não abstrato. Portanto, nesta cidade, se ninguém fosse pago, o agricultor cultivava o que tinha a cultivar, depois todos os agricultores doavam as colheitas ao centro municipal de distribuição justa dos alimentos, e este centro por sua vez fazia as contas para saber quanto é que cada pessoa pode receber para se certificar que ninguém passa fome e que não há falta de alimento, o que sobrar além do essencial deve ser colocado em lojas para quem precisar de mais produtos, e assim as pessoas podem ir a essas lojas e tirarem o que precisam, mas isto tem de ser acompanhado com medidas de produção muito precisas, as terras deixam de ter donos e passam a ser distribuídos os agricultores pelas terras para as cultivarem, assim a dona de casa, o médico, ou o presidente tem o que comer independentemente do que fazem, por sua vez em troca prestam serviços, por exemplo, o agricultor mesmo que não tenha produzido 24


o pão específico que o médico que o atende comeu, prestou um serviço social e agora tem direito a receber outro serviço que é o cuidar da sua saúde, sobre esta lógica toda a organização social sem dinheiro está explicada não falta nada a ninguém, as coisas existem por si só, nós não precisamos de dinheiro continuaremos a conseguir construir casas, e a poder plantar e semear a comida, porque só precisamos destes dois elementos, o homem e a matéria de produção, mas temos ainda de falar da industrialização e dos problemas da mega produção. No plano das empresas de produção devem terminar-se com as grandes indústrias que devem ser substituídas por pequenas e médias oficinas em que o ser humano recupera o seu lado humano e está envolvido na criação do produto seja ele qual for, e não se limita a cumprir uma função como acontece hoje em dia em que se carrega num botão ou coloca um selo, com a mudança os funcionários deixam de o ser e passam a ser criadores de produtos tornando-os mais conscientes das sua importância social, é por isso que as pessoas hoje em dia não gostam dos trabalhos nas fábricas, é que para além de serem escravas do dinheiro cumprem funções e ficam sem tempo para mais nada, assim neste tipo de sociedade, também se deve dar valor ao pensamento e à cultura sendo que as pessoas devem ter tempo para pensar e para ter acesso à cultura, para irem aos teatros, ao cinema, para ler, para ir a concertos, bailados, para ir ao parque tempo de reflexão e tempo de convívio social. Chegámos ao ponto em que quem quer trabalhar paga multas por trabalhar mais do que o permitido, quem rouba é posto em liberdade, quem produz mais e contribui para o país é ignorado ou mal tratado, quem mata e viola anda anos a encher manchetes de jornais, chegámos ao tempo da desumanização, chegámos ao ponto de não sabermos o que vale a pena, ao tempo de por em causa a vida, as tradições,

dizem que não devemos negar as tradições, se quando nascemos já cá encontrámos o dinheiro então não podemos fazer nada em relação a isso, mas esse é o mesmo motivo pelo qual raparigas na Somália são mutiladas nos genitais, só porque existem tradições não quer dizer que nós tenhamos de viver subvertidos à sua vontade porque muito facilmente deixam de ser tradições e passam a ser modeladores sociais, e depois realidades dogmáticas. Se isto é algo recorrente no ser humano ou se são apenas exemplos isolados, não sei, o ser humano ainda é muito novo para poder responder a essa pergunta e ainda viveu muito pouco, e experimentou muito pouco, mas uma coisa eu sei, nós somos um ser com um nível de consciência muito elevado e com racionalidade, mas sabemos pô-los de parte quando precisamos, e sabemos desligar o racional e o consciente para podermos ver do prisma do irracional e da violência. Talvez não sejamos tão evoluídos e racionais como pensamos, ou pelo menos como poderíamos ser, se usássemos a nossa racionalidade a 100% não existia fome por causa do egoísmo, não existia exploração, e também não havia guerra, governamo-nos pela solidariedade e companheirismo, mas se achamos que somos racionais porque nos organizamos em guerra, porque inventamos armas cada vez mais destruidoras, porque estamos a um passo de criar inteligência artificial que nos poderá substituir, então isso é racionalidade? Desculpem-me mas para mim isso não nos torna mais do que num conjunto de chimpanzés habilidosos que conseguiram evoluir nas suas habilidades mas não na verdadeira consciência e racionalidade. Governos, Heróis, Deuses e Semi-Deuses na Terra, Queridos Líderes, Chefes Militares, Organizações Financeiras, se eu acho que deveriam deixar de ser mencionados? Não. Se eu acho que se deveriam esquecer? Não. Acho que seriam quadros muito bonitos para ficarem no passado, nos livros de história, 25


acho que se pode falar deles, que podem aparecer na cultura da sociedade avançada, acho que não devem ser temidos, pois uma sociedade em que não exista dinheiro também terá a capacidade de se distanciar e saber avaliar todos estes tipos de quadros que já nos causaram tanta destruição.

a história é que as mentalidades só mudam depois de a realidade mudar, depois de algo acontecer, só assim é que as mentalidades mudam, por adaptação, tal como os ursos se tornaram brancos ao chegar ao Polo Norte, ou como os leopardos têm pintas para ser mais fácil caçar, nós, como seres que nos enquadramos neste grande quadro natural, adaptamo-nos às realidades e aos ambientes, não é por acaso que temos cores de pele diferentes, fisionomias diferentes, nós e a nossa mente adaptamo-nos à realidade, uma sociedade melhor sem dinheiro e com solidariedade tem de passar a ser uma realidade, nem eu sei como me adaptaria mas sei que prefiro tentar do que ser mais um subvertido às tradições e ao sistema capitalista. Ninguém sabe o que é liberdade, todos anseiam por ela, mas ninguém sabe o que ela é realmente, e quando se dá um pouco mais de liberdade as pessoas confundem-na com libertinagem, mas se não tentamos ser realmente livres, se não tentamos ser felizes e se por causa disso nos subvertemos, então é como querer correr na maratona, mas como pensamos que nunca vamos ganhar decidimos cortar as nossas pernas e viver sem pernas numa cadeira de rodas para sempre. Eu não quero cortar as minhas pernas, eu quero correr, quero cair, quero ter vontade de desistir, e quero cortar a meta em último lugar e ver a cara daqueles que disseram que eu devia era cortar as pernas porque nunca ia ganhar, não ganhei esta corrida mas cruzei a primeira meta, a partir de agora a minha vida vai ser correr maratonas, numa corrida com a morte, no final eu sei quem vai ganhar mas por enquanto sou eu, e um dia ainda hei de mostrar que o que importa não é cruzar a meta mas sim termos a coragem de correr a maratona. Viva a revolução, Viva a revolução Humana, Socialista, Anarquista, A linda revolução do Diálogo da Cultura, De Todos nós.

Quando eu ler este Manifesto eu já sei quais vão ser as reações: – Isso é impossível; – São só utopias; – As pessoas não estão preparadas para viverem assim; – O ser humano é naturalmente explorador; – O dinheiro nunca vai acabar porque os poderosos não deixam; – Etc.… Poderia fazer uma lista gigante mas não vale a pena, eu só sei que se vamos estar à espera de estarmos prontos para mudarmos a sociedade, então a sociedade nunca mais vai ser mudada, é como ser pai, se estamos à espera de estarmos preparados para que venha alguém mexer com a nossa realidade nunca seremos pais, se estivéssemos à espera para lutar contra o racismo até as mentalidades mudarem e as pessoas serem menos racistas, ainda hoje viveríamos com o apartheid, se estamos à espera que os colonizadores mudassem a sua mentalidade ainda hoje viveríamos com meia dúzia de países a controlar o mundo com as suas colónias e com a exploração, se estivéssemos à espera que os monarcas mudassem a sua mente assim como os seus súbditos ainda hoje toda a Europa viveria sob um conjunto de monarquias, entre absolutistas e constitucionais, se estivéssemos à espera que as pessoas mudassem a sua forma de pensar em relação ao casamento homossexual e aos homossexuais hoje ainda haveria muito mais discriminação do que a que existe, se há alguma coisa que podemos aprender com 26


Manifesto

André Gomes Peixoto

M

anifesto-me porque ainda não é clarividente que com este rumo se augure qualquer luz ao fundo do túnel. Este carregar dos céus, divinizações de instituições e outros agentes de poder profetizados, que querem pintar com misticismo para que haja um novo dispositivo pelo qual se devam fazer mais esforços, de modo a que o sistema instalado e que não nos convém se perpetue. Há que nos libertarmos destes dispositivos, criar novas palavras, dobrar as que hoje existem, para encontrar algo de novo. Que local melhor para vincar tal desejo, que num manifesto? As profecias de fim de mundo, perda de valores e cataclismos são um cliché da sociedade ocidental. Este falso mercado livre só nos tem esganado cada vez mais; o que nos ofereciam junto com a globalização e o neoliberalismo afinal só afunila ainda mais as correntes. Há que voltar à Economia Política em vez da Política Económica. Há que fazer jorrar outro discurso que traga a politica de novo à Ágora, com a introdução dos círculos uninominais, entre outras alterações que venham dar caras e corpos novos à Política, que tragam soluções fora das caixas pelas quais os nossos governantes se deixem sintonizar e pelas quais emitam as opiniões e desejos de outros. Há que desejar mais e melhor. Sendo um manifesto tem desejo e sangue, se preciso for que o desejo se torne pulsão, ganhando a força necessária para sacudir as palavras ocas e objetos que só nos enchem. Há que batalhar pelo regresso da palavra, guerrear com ela e por ela. Criar outras linhas nas dobras ganhas ao forçar o virar da página.

27


Mudar o Mundo

Andreia Azevedo Moreira

Q

uero mudar o mundo. Começo pelo mais difícil. Por mim. Viro o indicador na minha direcção e disparo: Cala-te. Não critiques os outros. Cala-te. Não fales das vidas alheias. Cala‑te. Se não percebes o que te contam. Ouve. Descobre como escutar. Constrói com as mãos, o que puderes. Não destruas com língua afiada. As palavras que amas? Armas brancas, quando com malignidade lançadas. Cultiva o perdão. Como queres acabar com guerras maiores se te agarras, até ao sabugo, às merdas que te fazem? Não vires a cara. Sê solidária. Cala-te com o “não me importo”. Diz sim. Desaprende o não. Participa enquanto cidadã. Votar não basta. Informa-te. Questiona. Concorda. Destoa. Toma posições. Luta se crês. Grita. (E depois sussurra para que te ouçam melhor.) Aceita, com naturalidade, os golpes dos que não se te assemelham. Que a tua pele seja urdida a ética e a justiça. Admite que erras. Não te envergonhes quando falhas. Aprende. Faz a tua parte, ainda que ao redor estejam todos a cuspir papéis para o chão. Constrói a sociedade que queres, a partir de ti. Estás só? Ri-te. (Exagera.) Olham-te com estranheza? Gargalha e continua. Chega de comer carne, ou usar produtos que não verificas se são, ou não, testados em animais. Partilha o que sabes. Aprende com todos os que se cruzam contigo. Lê os livros das tuas estantes e os das bibliotecas em que, até agora, não entraste. Compra os demais nas pequenas livrarias, para que outra(s) Trama(s) não feche(m). Escreve o livro, parado há três anos. Poupa água e eletricidade. Agradece o privilégio de as ter à mão. Recicla sempre. Ainda que se trate, tão-só, de um iogurte do lanche no escritório. Estaciona a viatura. Anda a pé e de bicicleta. Voluntaria-te. Não tens tempo? Inventa minutos, horas, dias. Forja vida antes que se te acabe o fôlego. Abdica do medo de perder. O que guardas, com ardor, não é deveras teu. Aprende a dar. Estende as mãos. Ajuda outrem a ter acesso à Cultura. Confessa os amores que te consomem. (Os platónicos também.) Abraça a diferença, ainda que te agrida. Esforça-te por observar quaisquer circunstâncias sob outros pontos de vista. Cuida dos teus e dos que não têm quem os afague. Cala-te com o “sou só uma”, “sou pequena”. Se quiseres, podes. Se quiseres muito, não deixas que o cansaço te vença. Se quiseres mesmo, és polvo com tentáculos a chegarem a tudo quanto te proponhas. Não tentes mudar os outros. Preza a liberdade de todos, sem exceção. Sê para o teu filho um exemplo de tolerância. Aplaude de pé concertos, peças de teatro e filmes que te falem por dentro. Fode muito que te faz bem à pele e à alma. Diz “foder” se gostas do vocábulo, sem t(r)emer (com) o que pensem de ti. Guarda o pudor no bolso para usar q.b. A autocensura é o primeiro passo para viveres refém e agrilhoares quem te rodeia. Dança e corre, quando te sentires alegre. Que a felicidade se espalhe à tua volta. Não impinjas o teu modo de pensar. Tens a mania de o fazer. Corrige-te. Continua a escrever à mão. Finge que não existe o Acordo Ortográfico de 90 que te roubou um “c” a ACÇÃO. Continua a acreditar. Não desistas. Age. Este é o teu lugar. Fala: quero mudar o mundo, torná-lo mais respirável e quero que as pancadas de Molière voltem a soar com solenidade, nos palcos dos teatros que amo, antes de cada peça que beijo.

28


Manifesto pela Desarrumação Social

E

screvo em defesa de uma revolução social “suja”, que não só não arrume corpos em arquivos mortos de gavetas de velhas escrivaninhas como desarrume tudo e todos como única possibilidade de realizar uma política emancipatória. A primeira das tarefas consiste em abalar as ordens inabaláveis de arquivamento social — a ordem sindical é a ordem alfabética da sociedade contemporânea e merece a maior das desarrumações imediatas. As divisões por tipo e local de trabalho está por detrás do grau de organização que terá sido bem sucedido contra o capital industrial, mas nada pode contra o capital financeiro, global e selvagem. A política de entrincheiramento social, que beneficia apenas quem se sustém na falta de agregação de revoltas, de coagulação de indignações, de articulação de potencialidades de emancipação. Há todo um mundo social que o formato de sindicalismo tradicional abomina e segrega: quem não tem trabalho, quem o tem precariamente, quem o faz numa cadeia de produção de valor há muito afastada da anterior proletarização e do proletariado por si criado. Desarrumar a gaveta dos sindicatos é levá-los a abandonar um enquadramento que permita a leitura de que são as organizações dos que possuem empregos mais ou menos seguros contra os que gostariam de ascender a empregos independentemente da segurança dos mesmos — perpetuando, de certa forma, as fundações do sistema económico-social a que, em princípio, aquelas organizações se oporiam. Têm de sair de uma concertação social à mesa das negociações para uma concertação social nas ruas da indignação, misturando-se com os conteúdos das outras gavetas, incluindo o daquela que, existindo, não sabe ainda que existe ou não soube, por enquanto, assumir que os seus ficheiros não existem em número suficiente para levar adiante uma mudança real: os trabalhadores cognitivos. O reconhecimento da sua força passa pela humildade perante a sua insuficiência. A reformulação e reorganização noutros termos destes mundos engavetados será a demonstração do óbvio: há muito que esta escrivaninha deveria ser somente décor no corredor da história.

29


Manifesto

Arlindo Jesus Costa

E

ra abril, a noite (leia-se a ditadura) tinha terminado e acabado de nascer uma linda menina chamada liberdade. O povo saiu à rua para festejar e, pela primeira vez na minha vida, vi toda a gente feliz. Abril era a primavera da democracia, Lisboa e o resto do nosso País encheu-se de cravos vermelhos, a minha felicidade era a felicidade de todos. Porém, passado pouco tempo, e com o 25 de novembro chegou o outono da democracia, os cravos foram substituídos por rosas mais ou menos alaranjadas e aos poucos, aquela que fora uma linda menina, cheia de alegria e esperança, foi-se transformando numa senhora cheia de espinhos e feia (uma espécie de democracia)… e assim chegámos ao inverno da “democracia”. Desde então, permanece um céu carregado de nuvens esquisitas de um tom rosa alaranjado, chove desemprego e miséria por todo o País, o povo sangra, os vampiros estão de volta e o sol de abril ofuscou. Enfim, Portugal foi demasiado pequeno para a grandeza dos homens e mulheres que lutaram pela liberdade e justiça social. É urgente que os cravos floresçam de novo e com eles a esperança do sol e da primavera do futuro. Viva abril!

A falta que nos faz sermos gente grande com “g” pequeno de geração idiota e escrever um coro de excelsas vozes sobre coisas que não têm futuro

(um manifesto de três amigos imaginários acompanhados ao piano de vez em quando)

Bruno Santos, Pedro Beleza, Sandra Guerreiro Dias dedicado aos que andam nas florestas descalços nas noites às escuras (e ao amigo M. que apareceu entretanto sem deixar rasto)

notas antes da cena — entre [parênteses retos] os que disseram — a luz a contracena — uns estão calados outros não — dizer tudo muito a preceito — usar dos gestos que escangalham muito o futuro um manifesto mais ou menos da autoria de: Bruno Santos (contribuiu com uma grande parte) Pedro Beleza (é como o futuro, não sabemos se sim ou não) Sandra g.d. (escangalhou em parte e fez umas notas na margem) 30


acompanhados ao piano pelo pianista das noites escuras (faz a diferença, com ou sem piano) concordo contigo Mário — ó Mário, 37 anos acabados de fazer que tu tens — e mesmo agora, quando já não tens bem essa idade e caem ovos estrelados do céu em cima das nossas cabeças, [uns quantos, os que não ficaram em casa] é preciso dizer: [todos] a tua canção desses 37 anos tão atrasados — como bem dizes — dizemos, continua atual, só não te dou os parabéns, ainda, [o da bandeira vermelho azul dourada ateada no escuro] que [este aquele outro que tem pouco que fazer] ainda vamos a tempo porque ainda temos tanto que fazer que é ir a tempo de dizer, assim: [todos] quando já estás tão perto do início dos 70 anos — (fazes em maio — só não te dou já os parabéns porque isto é para entregar até 31 de janeiro e dar os parabéns adiantados dá azar) — agora! e o final dos 70 a meio ali tão perto já não ficam à mão — e os 80, ficam — diria mesmo — um bocado fora de mão e por isso não dá jeito fazer a democracia, só cá ficámos com o sufixo demo [estes aqueles outros que ainda aí estão] Ó Mário, ó Mário! Concordo contigo, pá! Mário! [todos] bom — pelo menos parcialmente — ó Mário —, diz lá que isto de concordar sempre totalmente acaba por ser um bocadinho totalitário e para isso já nos basta o PCP a defender a Coreia e a China e Cuba e assim isso é que não, que deve ser por todos os países terem um C no início de palavra e o PCP só ter um C de cu em segundo lugar — ainda por cima atamancado no meio de dois PP — é a censura do capital, ó Mário, — o P-Cu-P nunca conseguiu ultrapassar este facto traumatizante e ultrajante e outros antes mais, mas mais que isso, fazem anos os anos a medo da democracia dizias, [alguns] ó Mário, pá, concordo contigo — mas não é em tudo, pá, que nos faz falta discordar e disdiz que é um prefixo para dizer por exemplo que é preciso [esses assim-assim antes de chegar] Pre-dizer-antes-de-dizer-o-que-quer-quesseja, ó Mário, [todos] por exemplo: hoje a queixa, sempre a queixa, é a queixa das almas jovens — está certo — mas mais certo seria — se me permites, Mário — colocar lá umas palavrinhas mais — mais dois dedos de conversa — seria bom se trocássemos dois dedos de conversa sobre o assunto [os mais adiantados no assunto] se puder ser, ó Mário — só se puder ser, vê lá tu — dois dedos de conversa é a queixa que não está a mais nisto tudo que quando dói é para doer e dizer que mais a mais, as almas já 31


não são tão jovens, assim tão jovens, pois vê que ficam até aos 35 na casa dos pais — e não têm culpa, nem a alma dos filhos, nem a alma dos pais — já dizia a outra — casa — ó pá tu casa! — onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão — ou, ó pá tu vai p’ra casa, tu vai pr’a rua, Mário — se quisermos — vai tu, se quiseres, vou eu e vais tu, p’ra rua [quase todos] dizes tu, assim está bem: e a casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem pão na mesma, que à mesma estamos todos na mesma [os dali adiante na rua] onde estamos, Mário, mas, a falar de discutir e não de ralhar — e essa é mais ou menos a diferença entre queixa e ação — agora se isso quer dizer que as almas são censuradas — eh lá, coro das almas censuradas — a palavra censurada está fora de moda, usa outra e tira a mesma — diriam as novas esquerdas atómicas por contraposição às velhas esquerdas atónitas — mas que os há, há — ahah — irónico, é irónico, Mário, e às almas atormentadas com o futuro não sobre futuro nenhum à esquerda nenhuma [quase nenhuns] e sempre a merda do futuro é que é, Mário — a merda que há de ser o futuro quando não houver mais nada, nem reforma, nem pão na mesa dos que ralham com razão e ninguém for para rua, nem o pão, nem a mesa, e do lado esquerdo da mesa só nos sobrar o futuro que à esquerda não há mais nenhum [os que ainda não acreditam no futuro] e isso tudo assim que também é, Mário, a merda do futuro, escangalhe-se a merda do futuro e as almas em coro lá para o futuro adiante, diante do futuro digam como tu te adiantaste em dizer [quase todos aqueles outros] adiante-se o conceito e entenda-se o futuro, para as almas censuradas, o conceito é quântico, isto é, a merda está nos outros mas também em nós. o futuro escatológico é também o escatológico passado, seja a merda bem passada ou mal passada e nós as almas do futuro censurado se é que não houver queixa delas que vão para a rua, então vão. [os que ainda acham que pr’aí estão] notas depois da cena: recolhe-se o pano, o pianista afina o teclado e os três amigos acendem uma clareira imaginária que faz de conta que é o futuro, todos dançam, mas só os que quiserem.

32


O meu anseio de vontades Carla Bernardino

H

oje tenho vontade de dizer que não me quero manifestar no sentido de contestar. Hoje tenho vontade de dizer que quero revelar o que anseio desejar. Que todos se deitem bem. Que todos acordem melhor. Que o nascer do dia seja epifania. Que cada um de nós acredite no futuro que vem em cada instante da vida. Eu, tu, aquele e além o outro, sejamos o presente de forma coerente. E o verdadeiro, sempre em modo pioneiro. Perseguir a alegria, não estar em letargia. Que possamos sempre ser. Que o nascer do dia nos faça renascer. Acreditar até o bem desabrochar. E nesta caminhada onde nada é perfeito, conseguir a natureza do respeito. Criar o abrigo para ninguém viver em perigo. Que o nascer do dia traga a união. Viver a expressão da compreensão. Ser a esperança na contradança. Fazer com que o horizonte não seja uma miragem. E aqui manifesto o meu protesto contra aquele que não é honesto. Mas não quero protestar. Quero estar.confiar.errar.acertar.Sentir, surgir, permitir, regredir, evoluir. Ir e vir. Que todos se deitem bem. Que todos acordem melhor. Retorno ao anseio.

Manifesto

Cátia Domingues

S

oltem as amarras do Galeão, que a vontade de rasgar o oceano é grande. A História e o Oráculo já me ensinaram a navegar à vela e à bolina Tenho uma maleta toda escrita a giz com a minha morada, vai cheia de memórias e amor. As mangas já estão arregaçadas, as mãos cheias de cuspo, calejadas mas prontas para puxar as velas, enferrujadas pela apatia do tempo que foi. Se o Galeão não voltar. Se eu não voltar, que devolvam a maleta à terra onde deixei a esperança ancorada. Porque, como já dizia o outro, acredito que existe praia por debaixo das pedras da calçada. Sou de Portugal. 33


Manifesto

Célia Maria Santos

P

orque o medo de chegar a velho é tão forte que tentamos com todas as nossas forças mantermo-nos jovens até ao dia em que nos dizem, amanhã já não vens trabalhar, já és reformado, estás velho, cansado, as tuas mãos tremem quando escreves ou pegas num objeto, o teu cabelo branco é triste, os teus olhos não sorriem, estás trôpego e cais com facilidade, a tua memória falha e as tuas palavras são ditas em surdina porque não tens força para falar, porque tens medo, e tudo isto porque sabes que a partir de hoje já não te respeitam, não te consideram uma pessoa comum, és apenas um velho. Um velho que não quer ser deixado no hospital porque não o querem, que não quer que o ponham num qualquer lar e nunca mais veja os seus filhos e os seus netos, que não quer ser considerado um cidadão de segunda, que não quer ser arrumado, que não quer ser lamentado, humilhado, desconsiderado. Que não quer ser o riso dos que passam, a troça dos miúdos, o abandonado, o coitadinho, o abandonado. Por isso quando chegar o meu tempo e porque nada mudou, quero indignar-me e juntar-me a tantos outros que, como eu, não querem ser postos no lixo. Quero ir para as ruas gritar que sou um cidadão deste país e mereço, quero, o respeito a consideração e dignidade a que tenho direito.

Manifesto

Clarissa Vaughn

Q

uero voltar a encontrar o amor. Quero mudar todos os dias para novos pontos de vista. Quero trabalhar por paixão. Quero viajar. Quero escrever. Quero estar absolutamente acordada. Quero ser menos tímida e insegura. Quero fazer rir quem sofre. Quero poder apoiar os meus sobrinhos. Quero que as empresas apoiem os artistas. Quero participar na melhoria das condições de vida de todos os seres da minha comunidade. Quero que este projeto tenha muitas e boas participações! 34


Manifesto

Colectivo Manifesto Urbano

N

o dia 21 de junho de 2010, criámos o coletivo Manifesto Urbano. Constitui-se enquanto espaço informal de reflexão e desenvolvimento do pensamento crítico na geografia. O objetivo genérico que elegemos como elemento aglutinador do Manifesto e das suas atividades centra-se na compreensão da importância do espaço nos processos sociais, com destaque para os contextos urbanos. Somos informais porque não exigimos vinculação dos participantes, nem pagamento de quotas. Nascemos de uma iniciativa de um grupo de docentes e estudantes de doutoramento e mestrado, apoiada pelos núcleos NETURB e NEST do CEG, mas queremos envolver tod@s os que queiram participar. Somos reflexivos porque pensamos que a reflexão teórica é uma atividade fundamental para a pesquisa científica de qualidade e porque, infelizmente, os propósitos excessivamente imediatistas e “produtivistas” de muitos projetos de investigação contemporâneos nem sempre deixam tempo suficiente para lhe dedicar. Afinal, e contrariamente ao que defendem muitos investigadores, contra “factos” só existem argumentos. Somos apologistas do pensamento crítico pois consideramos, por um lado, que a dúvida e a inquietação são peças fundamentais do processo de questionamento que conduz ao avanço dos saberes e da ciência e, por outro, que a investigação geográfica deve estar ao serviço da transformação social e da satisfação das necessidades humanas, comprometendo-se com um futuro mais justo. Se partilhas as ideias acima enunciadas, junta-te ao Manifesto Urbano e vem ajudar a (re)pensar a geografia do século XXI. Como objetivos específicos temos: i) Apresentação e discussão de textos sobre o papel dos espaços nos processos sociais, com o propósito de promover o pensamento crítico na geografia; ii) Realização de debates com especialistas convidados de outras escolas, geógrafos e não geógrafos, sobre o papel dos espaços nos processos sociais, com o propósito de fomentar a partilha de perspetivas e de gerar inteligência coletiva; iii) Apresentação e discussão de trabalhos dos participantes no Manifesto, que incluem artigos e comunicações, capítulos e projetos de dissertação, teses e elementos de projetos de investigação, visando, não só o debate coletivo, mas também a geração de contributos que possam ser úteis ao(s) autor(es) da apresentação; iv) Estimular a difusão das reflexões e dos trabalhos individuais e coletivos apresentados e desenvolvidos no âmbito do Manifesto (em comunicações, artigos, obras coletivas, working papers, exposições, filmes…). 35


Manifesto

Daniela Barata

Q

uero cultura. Quero um país onde não brilhem na televisão as novelas com enredos mais do que estereotipados, as casinhas de segredos e companhia e os lixos televisivos. Quero programas que nos ponham a sonhar. A ler. A ouvir. A pensar. É tao raro e tão simples. Quero ouvir música portuguesa. Quero ligar o rádio e deixar de ouvir o bè-á-bá de canções com letras fast food. Quero sentir cada palavra sem precisar de traduzir no dicionário. A emoção da língua de Camões, de Pessoa, dos portugueses. Quero uma classe política sem regalias. Em que quem queira ingressar ganhe tanto como um padeiro, ou uma administrativa. Talvez aí só pertença quem queira realmente lutar por um país melhor. Quero esta bandalheira de corruptos presos e pobres. Quero ver um país que pune todos os corruptos sem exceção de classes. Quero tolerância. Andamos todos tão intolerantes com o próximo, que podemos não ver que está a sofrer e culpá-lo sem saber o que se passa. O mundo precisa de muita tolerância entre todos! Principalmente entre família, amigos, laços. Afetos. Quero passar da demagogia à ação. Que comece em cada casa e rapidamente tenha um efeito dominó. Quero que se desliguem as redes sociais. As vidas estão cá fora para ser vividas, não para se por um gosto numa foto a sorrir em Punta Cana, com o cocktail e a praia ao longe. Desligar o PC e viver na tua realidade, que tem de ser construída por ti. Quero que se feche a visão saudosista e do fado que têm todos os portugueses e que se incuta a esperança, a força de viver, a intensidade do sol e não o viver embalado na tristeza e no “podia ser pior, cá vamos indo”. Quero que se valorizem os pequenos mas tão simples pormenores da vida que hoje parecem estar perdidos aos tropeções pelos shoppings, consolas, ginásios, modas, trabalhos stressantes e sem tempo.

Manifesto Diana Dionísio

E

u tenho é vontade de não ter medo de pintar uma parede a dizer: quero gostar de viver não quero trabalhar demais quero encher o meu tempo de palavras e jornais de caminhos de teatros e refregas — com os outros que também terão tempo

para encher de conversas com pincéis e com ideias com beliscões e areia e forças de vontade. Eu tenho é vontade de não ter medo de desafiar a pessoa ao lado no meio dos balanços do metro a olhar para as outras nos olhos sem redomas nem receios com os olhos 36


e fazer vibrar as cordas vocais para o ponto ou para a vírgula exclamação interrogação para um espaço ou reticências — andamos todos cá e eu nunca soube o nome do homem do talho. Eu tenho é vontade de não ter medo de uma discussão de uma questão que obrigue a pensar de um diálogo que tem mesmo de durar seis horas — que impossíveis as demoras! defendemo-nos do difícil do espírito crítico da opinião da toma da palavra do raciocínio da liberdade de expressão. Eu tenho é vontade de não ter medo de pendurar à janela um cartaz a dizer: sou mulher e sinto-me mal quando me querem sempre bela e mãe e pai e secretária e cozinheira, costureira, enfermeira, precetora, parteira e hospedeira a última e a primeira a que sabe e a que não sabe a que faz e que não faz a que serve a que é crua a que sua.

Eu tenho é vontade de não ter medo de ser apanhada nas malhas do individualismo nas teias da alienação nas redes do lucro nas tramas dos poderes para poder dar-me à luta com todos os poros com garra e com gana poder dar-me à minha vida sem a saga comprida das altas contas para pagar da privatização do ar poder respirar. Eu tenho é vontade de não ter medo de assobiar no elétrico de refilar com o chefe de me sentar de pernas abertas de cantar As Carbonárias de colar um cartaz de vir para a rua gritar de tocar no parceiro do lado de dizer que sei latim de pedir pezinhos de salsa de experimentar dançar a valsa de aprender de escrever de dizer de fazer.

Manifesto

Elisabete Cardoso

N

ós, os jovens precários e desempregados, que estivemos juntos nas manifestações em 2011, continuamos a viver dias de incerteza e desespero. Com salários mínimos, por vezes em atraso ou a recibos verdes, sem trabalho, sem perspetivas e sem estabilidade nenhuma, estamos aqui para protestar contra o conformismo e afirmar que continuamos determinados na criação de um futuro em Portugal que permita pelo menos pagar as contas básicas. 37


As expectativas que legitimamente criámos ao acreditar que mais educação e trabalho seriam sinónimo de um futuro melhor não estavam e não estão erradas. Foram abaladas, mas não morreram. Não podem morrer! É preciso continuar a lutar, caso contrário: a) Desperdiça-se o passado, tudo o que foi investido em nós e por nós na busca de uma vida melhor. b) O presente é nada. c) Hipoteca-se o futuro de gerações vindouras e do próprio país. Acreditamos nas nossas ideias e no nosso potencial para ajudar a alterar esta situação. Estamos disponíveis para, em conjunto, encontrar e apontar soluções de futuro. Como? Partilha e conversa as tuas dificuldades e anseios com amigos, na rua e nas redes sociais. Não tenhas vergonha! “Grita” os teus problemas a quem não os quer ouvir e prefere olhar para o lado ou fingir que não existem. Os problemas de uns são problemas de todos, embora possa não parecer. Escreve o que queres do futuro em manifestos, a instituições e aos meios de comunicação social. Ou então transforma tudo o que estás a passar em arte, “uma arma carregada de futuro”, talvez estas intenções se tornem mais presentes e urgentes para os cidadãos deste país e as coisas mudem. Assim seja!

Manifesto

Elisabete Xavier Gomes

Q

uero…

desconfiar umas das outras; que eu e todos possamos trabalhar e gostar e viver do nosso trabalho;

viver acima das minhas possibilidades; um país justo e solidário e plural;

ocasiões e lugares para estar e ser com os outros;

que a educação deixe de ser imunização e burocratização e exclusão e passe a ser acontecimento e existência humana;

um país sem culpabilidades arrasadoras, sem complexos de inferioridade abissais, sem temores seculares interiorizados;

nunca perder a virgindade das emoções; viver num Portugal intenso no que pensa e no que faz, na expressão dos afetos e na espontaneidade dos desejos;

ser capaz de discordar e dissidir e resistir; brindar o José Gil por estas e outras ideias, e também o Gert Biesta, a Hannah Arendt e a minha filha.

um país que goste de si porque as pessoas gostariam mais de gostar do que de 38


Manifesto do Desassossego Fabrice Pinto e Pedro Azevedo

A

qui e agora nos apresentamos. Nestas linhas deixamos o nosso manifesto. Iniciaremos um novo movimento; um movimento de reflexão, um movimento que desperta consciências, um movimento de intervenção, um movimento social. Não partimos de teorias assumidas, mas sim de convicções fortes. Aqui não existem formas de expressão que, sobranceiramente, se sobrepõem a outras. Cada uma tem a sua importância, na parte que representa. Aqui não nos fechamos entre quatro paredes. Vivemos numa era em que, a cada dia, a cada hora, a cada instante, a arte se redefine. Nos últimos anos assistimos ao nascimento de algumas novas formas completamente ocas, sem mensagem alguma, levando a que estas deixem de ser uma expressão social, em que o artista exprime as suas convicções culturais, sociais ou os seus ideais, para se colocarem numa esfera sociocultural, dita, superior, na qual os artistas e seus seguidores se inserem numa “socialite”, tornando a arte numa forma de discriminação social. Opomo-nos à arrogância elitista de muitos artistas. Acreditamos que eles devem servir a comunidade e não o contrário. A arte é liberdade. A arte é escolha de técnica, forma e mensagem. Apelamos ao uso de qualquer técnica artística, sem nunca esquecer que sem mensagem não existe arte. Defendemos que a liberdade é uma obrigação social e como tal deverá sempre ser defendida pelos artistas.

Afirmamos que a publicidade, quando virada para a obtenção de lucro e resultados, não poderá ser classificada como uma forma de arte, pois é corrompida pela ideia da obtenção de riqueza, não prestando um serviço à comunidade. As formas como a publicidade chegam ao público evoluíram e, em muitos casos, transformaram-se em meios de venda violentos e sem escrúpulos, onde o que importa é somente o lucro, mesmo tendo a noção que poderão estar a sobrevalorizar e a deturpar produtos ou serviços, enganando, descaradamente, o público, mesmo que, em certos casos, esses mesmos produtos e serviços prejudiquem o consumidor. Opomo-nos àqueles falsos mensageiros da comunicação social que, não sendo especialistas nas matérias que abordam, dão-se ao direito de proclamar o que melhor lhes convém, enganando o recetor leigo, que não está preparado para se defender contra tal violência informativa. Aqui falamos dos falsos jornalistas, dos falsos comentadores ou apenas daqueles que têm direito de antena sem mais valia. Aqui falamos das mensagens transmitidas, cujo único objetivo é falsificar, enganar, atrair ou vender. Aqui falamos daqueles canais de comunicação que já não informam e educam, mas enganam e lucram. Somos contra a ditadura cega da economia, dos grandes banqueiros e dos grandes empresários que financiam as campanhas eleitorais de quem nos representa, em proveito próprio, deturpando os valores essenciais da democracia. Somos contra a ditadura cega da economia, dos grandes banqueiros e dos 39


grandes empresários que controlam o social pelo poder monetário e pelo medo, que apenas analisam números e percentagens, mas não o essencial: as pessoas. É certo que a globalização trouxe benefícios, no entanto, manifestamo-nos contra a extinção das identidades pessoais, assim como contra a total homogeneização sociocultural, que cria um mundo onde o povo perde a sua identidade local, transformando-se num polo capitalista, igual a qualquer outro. Pensar global, agir local para a obtenção de lucros, mesmo que inclua a destruição das identidades locais. Manifestamo-nos contra a hipocrisia moral daqueles que, de forma escandalosa, apelam a falsos valores divinos para enganar, violentar e usar. Muitos usam a religião em seu proveito desvirtuando os próprios valores em que estas se baseiam (a paz, a harmonia, o amor, a compaixão, a ajuda ao próximo, o bem da humanidade). Somos contra as novas tendências religiosas baseadas na mentira fácil, que visam, apenas, a obtenção do lucro instantâneo. Opomo-nos a eles! Valorizamos a consciência pela luta social e pela luta ecológica. Opomo-nos às ideias do “deixa acontecer” defendidas pela maioria, quando a maioria está bem consciente dos seus erros e daquilo que deve modificar para o bem do meio socio-ecológico onde se insere. Valorizamos a luta pela igualdade absoluta, universal. Também queremos dizer que o Homem não se pode julgar como um “Criador” na Terra. Como qualquer outra espécie viva, o Homem tem o seu espaço individual e global. Assumindo tais premissas, não podemos esquecer-nos de que somos apenas uma fase na evolução, nem somos o produto final, nem ideal, aliás, visivelmente estamos ainda bem longe disso.

Como tal, não somos donos da Natureza. Como tal a Natureza, ela sim, é dona da humanidade. Estagnamos na nossa evolução quando deixamos de dar importância ao nosso desenvolvimento e ao bem-estar social para sobrevalorizar os ocos cultos da “fama” e do “dinheiro”. Durante o curso natural das coisas, tornamo-nos pessoas que têm como único objetivo desperdiçar, sem ter qualquer preocupação com o próximo. Obviamente que a sociedade perfeita não é aquela onde reina o poder monetário, nem a mentira. Obviamente que a sociedade perfeita não é aquela onde são gastas fortunas em armamento e conflitos, quando deve prevalecer a paz e a diplomacia e quando existe uma imensa precariedade em áreas como a saúde, a educação e o emprego. Obviamente que a sociedade perfeita não é aquela que esconde os seus problemas por detrás da enganadora comunicação social, que nos satura com toda a sua imprensa, dita cor-de-rosa, cheia de nada. Obviamente que a sociedade perfeita não é aquela que se dirige vertiginosamente para a autodestruição. Por tudo isto, iniciaremos um novo movimento; um movimento de reflexão, um movimento que desperte consciências, um movimento de intervenção, um movimento social onde não há fronteiras para a arte, mas em que esta tem uma mensagem fundamental e um papel ativo no desenvolvimento da sociedade que, neste momento, se encontra moribunda e necessita de despertar. Aqui e agora emergimos.

40


Manifesto

Fernando Jorge

De entre as muitas vontades que tenho para Lisboa, resolvi escolher esta para vos enviar — por razões óbvias. A casa onde nasceu a lisboeta que dá nome ao vosso/nosso teatro municipal está nestas condições. Que no futuro próximo esta morada seja resgatada da ruína para que parece estar a caminhar fruto do esquecimento de todos nós.

Manifesto

Fernando Torgal

Q

uero políticos verdadeiramente interessados no bem comum e não nos interesses privados e egoístas. A nossa cidade está a ser destruída em grande parte porque os nossos autarcas não defendem o interesse público. Em vez disso, são demasiadas vezes serviçais deste ou daquele grupo económico e/ou político. Não quero viver numa cidade assim! Quero uma cidade que defende e salvaguarda sem compromissos a sua história, o seu património. Quero uma cidade que tenha a ambição de aumentar o número de árvores e espaços verdes por habitante. Quero uma cidade mais limpa e bem organizada. Quero uma cidade mais inclusiva e justa. Quero uma Lisboa mais Lisboa.

Manifesto para Cidadãos Leitores do Mundo Firmino Bernardo

1. O objetivo máximo de qualquer comunidade deve ser o alcance da Felicidade individual e coletiva. Todas as pessoas têm o direito e o dever de participar nessa busca, sem nunca prejudicar terceiros com ela.

estar presente em todas as esferas da vida política. 3. Os culpados pela atual crise económica e financeira devem ser responsabilizados criminalmente pelos seus atos. A insolvência dos bancos deve ser resolvida recorrendose primeiramente aos bens dos responsáveis

2. A Ética deve ser ensinada a todos e deve ser a base de toda a organização social, devendo 41


12. Deve valorizar-se quem trabalha Bem, não esquecendo que trabalhar Bem nem sempre é sinónimo de trabalhar muito.

diretos, depois aos bens dos responsáveis indiretos e só depois imputada ao Estado. 4. Deve ser redigida uma nova Constituição, que devolva o poder aos cidadãos e limite o poder dos mercados. A Constituição deve ser redigida respeitando a Ética, os Direitos Humanos e o bom senso e deve contar com a contribuição de partidos políticos, entidades coletivas e de todos os cidadãos que o desejarem.

(Em homenagem ao Código de Hamurábi, este Manifesto não tem número 13)

14. As pessoas devem ser protegidas na doença, na velhice, no desemprego ou em quaisquer outras circunstâncias. 15. O salário mínimo nacional deve servir de referência apenas para as empresas com lucros mais baixos. Para as empresas com lucros mais altos, o salário mínimo deve ser superior.

5. A Constituição e as demais leis e normas devem ser redigidas com clareza suficiente para serem compreendidas, sem quaisquer ambiguidades, por qualquer cidadão medianamente instruído.

16. Numa mesma empresa, o salário mais alto não deve exceder dez vezes o salário mais baixo.

6. Se os detentores de cargos públicos tomarem medidas contra o interesse público devem ser despedidos com Justa Causa e responsabilizados criminalmente. O mesmo — deve acontecer a todos os que proponham, aprovem ou promulguem medidas que violem a Constituição ou os Direitos Humanos.

17. Ninguém deve auferir pensões superiores a cinco vezes o salário mínimo nacional. 18. A Educação deve dar importância às Artes, às Letras, às Ciências e à Cultura. A memorização de conteúdos não basta, é preciso que os jovens aprendam a ser cidadãos capazes de ler o mundo.

7. O Estado tem o dever de apoiar a Educação, a Cultura, a Justiça, o Sistema Nacional de Saúde, a Segurança Social.

19. As línguas oficiais de Portugal — o português e o mirandês — devem ser acarinhadas pelo Estado e ensinadas na escola. Também deve haver um reforço na divulgação das culturas regionais de Portugal.

8. A existência de entidades privadas ligadas à Educação, à Saúde, à Cultura ou à Solidariedade Social é bem-vinda. Contudo, tal existência não pode servir de pretexto para que o Estado abdique das suas obrigações.

20. Os espaços públicos devem ter mais bancos de jardim e também mais mesas e cadeiras, para que as pessoas possam sentar-se a confraternizar.

9. O Estado deve deter serviços básicos como as águas, a eletricidade, os transportes públicos, gasolineiras ou bancos. Não significa que o Estado deva deter monopólios, mas deve ter o poder de impedir o aumento exponencial dos custos de bens básicos e de bens cujos preços podem influenciar toda a Economia.

21. As faltas de civismo devem ser gravemente penalizadas. 22. Todas as pessoas devem ter direito a manifestarem-se, a fazerem greve e a criticarem o poder.

10. É preciso abolir todas as parcerias público-privadas. Não faz sentido manter um sistema em que o Estado se responsabiliza pelos custos e as entidades privadas recolhem os lucros.

23. A censura deve ser proibida e todos os que a praticarem devem ser criminalmente responsabilizados. 24. Deve desenvolver-se uma cultura de entreajuda nas comunidades locais.

11. A escravatura deve ser proibida sob todas as formas. Proíbam-se os falsos recibos verdes, as empresas de trabalho temporário, os estágios não remunerados de mão de obra qualificada.

25. O Homem deve respeitar os animais e a Natureza.

42


Vontades para o século XXI Firmino Bernardo

(Manifesto livremente inspirado no “Decálogo” biblico)

O

lharás para a Felicidade, individual e coletiva, como o objetivo máximo do ser humano e das comunidades. Viverás e deixarás viver, na certeza de que a busca pela Felicidade, sem prejudicar ninguém e seguindo a Ética, é um Direito e um Dever.

—  Não ficarás satisfeito com a infelicidade alheia. —  Não deixarás os teus preconceitos interferirem na Felicidade do Próximo. —  Respeitarás a escolha religiosa do teu Próximo ou a ausência de Religião na sua vida. Não deixarás que a Religião seja motivo de discórdias, guerras, fome, tirania, resignação ou qualquer outra coisa nefasta ao ser humano. —  Respeitarás e lutarás pela laicidade do Estado, não deixando que os poderes políticos sejam apropriados ou influenciados pela Religião, seja ela qual for. —  Entenderás que a Democracia, apesar das suas imperfeições, é o melhor dos sistemas e o mais favorável para todos os cidadãos. —  Respeitarás e defenderás a Democracia, a Constituição e os Direitos Humanos. —  Não aceitarás que nenhum poder tente enfraquecer a Democracia ou desobedeça à Constituição ou à Declaração Universal dos Direitos Humanos. —  Não usarás em vão palavras como Democracia, Cidadania, Produtividade, Progresso, Educação ou Cultura nem deixarás que os poderes instituídos as utilizem como forma de obter o contrário do que elas significam. —  Respeitarás as minorias e compreenderás que a Democracia não é a ditadura da maioria. —  Contribuirás para a melhoria do país e da comunidade local através do teu trabalho, das tuas ideias, dos teus valores, da tua luta, do teu sentido cívico. —  Não aceitarás que te tratem nem ao teu Próximo como seres descartáveis. Lutarás por um trabalho digno, com remuneração justa, com direitos e com respeito por ti. —  Lutarás pelo direito à proteção no desemprego, na doença e na velhice. —  Lutarás pelo direito ao descanso. Guardarás os dias reservados para o mesmo, respeitarás e farás respeitar os feriados. —  Honrarás os teus pais e educarás os teus filhos. —  Respeitarás os mais velhos e lutarás para que tenham uma vida digna com qualidade. —  Respeitarás os teus antepassados, conhecerás o Património Cultural que te legaram e falarás a(s) sua(s) língua(s). —  Respeitarás o Ambiente, a Natureza e os Direitos dos Animais. Não usarás a morte de animais como forma de espetáculo nem de vaidade. —  Não esquecerás que “é necessária uma aldeia para educar uma criança” e darás o teu contributo para a educação dos mais jovens. —  Lutarás por uma Educação que valorize as Artes, as Letras, as Ciências e a Cultura, que não se limite a impor a mera memorização de conteúdos “centrais”, mas que desenvolva o ser humano como um todo, que forme profissionais, mas também cidadãos capazes de ler o Mundo. —  Não matarás nem tornarás indigna a vida do Próximo. 43


—  Não aceitarás que o ato sexual serve apenas para procriar. Encará-lo-ás como uma forma de partilha de amor e prazer. —  Não violarás nem obrigarás ninguém a ter relações sexuais contra a sua vontade. —  Não praticarás a pedofilia nem abusarás sexualmente, ou de outra forma, de pessoas que não saibam ou não possam defender-se. —  Não roubarás nem reterás ou danificarás os bens do próximo. Renunciarás à usura, à corrupção e a todas as formas de exploração do teu semelhante. —  Pagarás os teus impostos no país em que vives e trabalhas. —  Estarás atento à forma como o Estado utiliza o dinheiro dos teus impostos e lutarás para que este seja sempre utilizado de acordo com o interesse público. —  Se dirigires instituições públicas, servirás com competência e diligência o interesse público e não interesses privados próprios ou alheios. —  Não deixarás que o Estado privatize os bens públicos essenciais, de forma a não colocar em risco a sua qualidade e o seu baixo custo. —  Combaterás a corrupção, em pequena, média ou grande escala. —  Não levantarás falsos testemunhos. —  Não cobiçarás as coisas alheias, incluindo as que forem propriedade do Estado. —  Não invejarás os bens ou a vida do Próximo. —  Não discriminarás ninguém e lutarás por uma sociedade Fraterna, com oportunidades Iguais para todos e que respeite as Liberdades de cada um.

Manifesto da Arquitetura Consciente Francisco Portugal e Gomes

N

o século XXI, a Arquitetura deve ser livre. Dizer não à construção pode ser o primeiro ato em Arquitetura. O arquiteto como principal agente da Arquitetura tem o direito de manifestar sem reservas a sua oposição à construção do insignificante e tem o direito de contrariar a banalidade das formas arbitrárias e desenraizadas. O arquiteto deve ser o primeiro a questionar a pertinência da construção. A cada instante, deve sempre colocar a questão: para que serve a Arquitetura? O exercício da Arquitetura acarreta a responsabilidade de contribuir para a resolução de problemas, incluindo os de ordem ambiental, social e económica.

O arquiteto deve assumir um papel consciente na transformação do presente sem comprometer o futuro do futuro. O arquiteto deve ainda participar empenhadamente no processo de gestação da Arquitetura, deve acompanhar a sua evolução e deve ser responsável pela obra finalizada.Autoria é responsabilização consciente. A obra de Arquitetura tem como fundamentos principais a sustentabilidade, o tempo histórico, a memória coletiva, o contexto, a paisagem, a tradição e a inovação, e revela-se quando a beleza e a individualidade nascem da sensibilidade, da coexistência tolerante e da criatividade consciente. 44


A Arquitetura afirma-se como exercício do pensamento crítico, como disciplina de conhecimento e como fator essencial ao desenvolvimento sustentável; não se deve impor, nem deve demitir-se de afirmar os seus valores. A Arquitetura encontra-se na relação harmoniosa entre conteúdos diversos que se ligam em cada síntese construída e

manifesta-se através da própria linguagem arquitetónica, quando esta pretende expressar uma unidade entre Tempo, Natureza e Cultura. A Arquitetura que nasce da criatividade consciente pode suscitar no indivíduo o sentimento íntimo de harmonia do ser com o coletivo, o natural e o transcendente.

Do Rossio para o mundo

Inês Lago

f

alemos então de agruras das contendas dos cinismos dos acampamentos

dos egos de marinheiro dos pés dos caminheiros dos mapas de todos os eus do mundo

(há quem faça da revolta uma tenda)

chega. já chega, por favor.

por quem sois? por quem somos? o que tememos?

afundem-se os barcos afoguem-se as estradas

(eu sempre montei tendas para dormir nelas)

não se reinventem sequer os caminhos

falemos porém das estacas das cordas das amarras

e se não deixem-me estar soube há muito que o desejo do cocktail com chapeuzinho de papel e palhinha colorida se enseja frequentemente bombástico molotov arremessado contra a mesma falta de cor do sempre com a mesma falta de cor de sempre

(já isto me vai lembrando os navios que nos levam à terra nova, a desejada) não há razão nem paixão para invocarmos as velhas barracas é que as velas sopradas ao vento tanto se tornam fogueira como se fazem bolina

há que inundar a rota e entretanto haja paciência para o globo olhos para o horizonte asas, guelras, espelhos haja pais e ciência para o globo pois há quem queira inventar um flamário não por oposição ao aquário mas para que um dia entre os dois não consigamos encontrar diferença alguma

(e como nos arde o caminho) o que te traz? o que te leva? falemos de nós dos nós dos incêndios 45


Manifesto a favor da utilização dos transportes públicos Inês Leitão

Faço questão das roupas que usam de manhã e que trazem ao fim do dia. Faço questão de pensar neles sem roupa (o ato de vestir é o mais terrível ato de egoísmo individual sobre a humanidade) e faço questão da transpiração. Faço questão das gotas de água a saírem de poros invisíveis e audaciosos, faço questão do milagre do suor do corpo quando somos tantos no mesmo espaço, tantos a respirar o mesmo ar, tantos a suar os mesmos medos. Faço questão do barulho do motor do autocarro, de me agarrar a ferros mornos de gente para resistir à queda. Faço questão de sentir o ferro e de invejar a sorte da sua condição de ferro de autocarro público: tão tocado por tantos. Faço questão de não esquecer (não esquecer um só) e de me sentir feliz sempre que os vejo chegar à hora certa (a perturbação invade-me e as minhas mãos tremem ao pensar no que pode ter causado a ausência) Faço questão que o autocarro venha cheio de corpos para eu poder entrar de lado e jurar a todos com licença. Faço questão de gravar as suas vozes na minha memória para poder reproduzi-la quando me deito e penso que a cidade de Lisboa é muda à noite (só à noite) quando não há ninguém nem nada de novo a acontecer nas paredes do meu quarto. Faço questão do cheiro do champô deles no autocarro, do desodorizante, dos perfumes, dos roupeiros (tantos, tantos, tantos). Faço questão de me encostar aos seus corpos de propósito, de aproveitar os instantes das travagens abruptas do autocarro para poder

O Manifesto a favor da utilização dos transportes públicos e o Manifesto pela saída de emergência devem ser lidos em simultâneo. Leitor A

F

aço questão do autocarro público, das pessoas contra o meu corpo, de ir para o trabalho a achar que eu sou os olhos e as mãos de todos os que passaram por mim, de todos os que me tocaram inocentemente, ostensivamente, luxuriosamente. Faço questão dos seus olhos a fitarem os meus: dos seus olhos, de como se abrem e fecham tão rapidamente sem que eu compreenda o fenómeno do fechamento das pálpebras cansadas e da densidade das sobrancelhas. Faço questão de os ver dormir quando o cansaço os agarra e de os ver despertar para sair, automáticos e autónomos. Gosto de dar atenção às suas expressões, àquilo que a sua cara diz quando se silenciam sozinhos e falam para dentro onde eu não oiço. Faço questão dos dedos, de lhe contar os pelos da pele das mãos, de lhes conhecer perfeitamente as mãos sem que se apercebam dos meus olhos na sua pele. Faço questão do tamanho das unhas, do contorno da barba, do desenho do queixo na anatomia total do corpo a que pertencem. Faço questão que o autocarro chegue cheio e quente de gente e que o vapor se instale na janela para eu poder desenhar e escrever. Faço questão de desenhar e escrever no vapor deles. Faço questão do número de senhoras da minha idade, de lhes analisar as ancas e adivinhar quantas pessoas lhes dormiram no útero durante nove meses de gestação. 46


tocar-lhes e olhar cada um nos olhos a suplicar perdão pelo toque usurpador — com licença, desculpe, senhora, o seu perdão Faço questão de repetir o transtorno — com licença, por favor, desculpe vezes sem conta, — perdão, senhor, perdão

por todos os corpos presentes, até ser a minha vez de tocar para sair, triste e em tropeço, agarrando as mãos ao ferro como uma despedida de dor com cheiro a aço, colocando o dedo na campainha com a certeza de que os meus ouvidos ouvirão — dlim-dlão dlim-dlão

Manifesto pela saída de emergência Inês Leitão Leitor B

1.

Contra o vento do metro na minha cara quando eu vou trabalhar, contra o Jornal de Negócios no degrau do escritório de manhã, contra todas as saídas de emergência desta cidade, plim.

2. Contra o rating, contra a precariedade e contra o capitalismo desenfreado, plim.

3. Contra o BPN, o BPP, a Standard & Poor, plim.

4. Contra mim, contra o meu corpo carregado de precariedade, plim.

5. Contra o que podemos comer e contra o que não podemos comer, plim.

6. Contra todo o tédio, contra a minha cara numa entrevista de emprego falhada e contra a alma do meu avô, sindicalista antes de 1974, plim.

7. Contra a minha vagina, contra a precariedade da minha vagina e contra as pilas que já passaram por ela sem a olhar, plim.

8. Contra a raiva que tenho entre os dentes à laia de cárie dentária que levo na boca até à cadeira do meu trabalho, plim.

9. Contra a pele dos meus lábios a queimar à beira da chávena de uma bica demasiado quente às 08:46 da manhã antes do serviço, plim.

10. Contra a pequena janela que tenho à minha frente e contra os meus dedos a bater com violência na chapa plástica do teclado do meu computador, plim. 11. Contra o meu carro na oficina há três meses por falta de pagamento, contra a ideia de ter de comer o meu chefe para subir de escalão e 47

ganhar mais do que os meus colegas: contra aquilo que a minha boca não diz e a minha cabeça pensa, plim. 12. Contra o meu corpo, contra a ideia de esmagar a minha cabeça na parede com muita força até a abrir e tudo se tornar irreversível, plim. 13. Contra o mundo todo, contra todos os movimentos pela paz, plim. 14. Contra o Ghandi, contra o Luther King e contra o Mick Jagger, plim. 15. Contra o José Luís Goucha, contra a Júlia Pinheiro e contra a saliva do Sr. Silva, plim. 16. Contra os carros, contra os pneus dos carros e contra as bicicletas que não poluem, plim.


17. Contra a morte de Saramago e contra os ecos do livro de Lobo Antunes na minha cabeça, plim plim. 18. Contra a minha cabeça, plim. 19. Contra a cabeça da minha mãe e do meu pai, plim. 20. Contra a violência da solidão e o cheiro da urina seca num beco de Lisboa, plim. 21. Contra o ar condicionado e contra a escravatura do clima controlado, plim. 22. Contra o blazer preto e contra o inverno, plim.

23. Contra a chuva, contra o medo e contra os fascistas da Faculdade de Letras em 2006, plim. 24. Contra o temor, contra o Mário Crespo e o pânico na cara dos outros, plim. 25. Contra a violência, o despudor, contra as gralhas do jornal da SIC, plim. 26. Contra o engano, contra as baratas e contra os escaravelhos amigos escondidos de mim, plim. 27. Contra os que tropeçam e caem em balsas quando os barcos se afundam com pessoas presas lá dentro,

contra o mau tempo no canal, plim. 28. Contra o mundo todo e todos os mundos, contra a vida que levamos e aquilo que corremos, plim. 29. Contra a resistência dos resistentes, contra a sobrevivência dos malditos: contra o meu umbigo e contra a democracia que temos, plim. 30. Contra mim, que tenho 30 anos, e contra a geração fon-fon-fon: contra ti e contra aquilo que nos tornámos os dois multiplicados por tantos, plim.

A favor de todas e quaisquer saídas de emergência intencionais e criteriosas que nos levem daqui para fora, dlim-dlão, dlim-dlão

Manifesto João Silveira

P

orque a arte é uma coisa que caiu e se partiu, porque a arte são restos de comida na borda de um prato, porque a arte é uma noite mal passada na cama de alguém e os artistas são coisas pálidas que cedem o espaço para os outros passarem, baixando a cabeça e pedindo desculpa, e porque os artistas não são “os artistas” mas antes pessoas sozinhas umas contra as outras, uma sombra que apenas se lamenta: Os artistas são animais de colo, são estofos coçados de um sofá, são o bolso das calças cheio de talões, são figuras com medo, são bandeiras rasgadas, são um lençol usado, uma manta para os joelhos, são uma boca articulada dizendo nada, uma boca constante dizendo “sim”, são um baú de desculpas, explicações, são uma carta registada nunca levantada, são crianças ofendidas pregando rasteiras, são altares de si mesmos, são memória gasta, são o que outros foram. 48


São o fim e o que resta depois disso. Porque os artistas são ilhas. Porque, num momento qualquer, lhes passou a vontade de correr à frente dos outros, lhes fugiu a vontade de não terem de agradar, lhes caiu no colo o medo de qualquer coisa inexistente. E porque escrever ou tocar ou dançar, representar ou pintar e construir enormes desastres em aço deixou de ser um punho, deixou de ser uma porta ou janela para se tornar um tapete, uma vitrina. Porque os artistas só obedecem e só reagem. Porque se tornaram apenas pessoas quaisquer num sítio qualquer, sem peito para reclamarem um espaço, para se juntarem num gume afiado e rasgarem o véu da vida dos outros. Porque, assim, são apenas os outros. Não há nada realmente a perder. Não há sítio marcado onde tenham de estar. Não há quem lhes possa dar ordens. Não há políticos, não há governos. Não há desculpas.

Manifesto Lia Nunes

Q

uero fazer História! Quero mudar o mundo, o meu mundo! Quero que a política, a civilização, a cidadania sejam parte do nosso quotidiano, transformadas da podridão de que as revestiram nas verdadeiras práticas de valores como a honra, a lealdade, o respeito e a defesa do bem comum! Quero ter um filho e ver no mundo dele o resultado das ações que eu, conscientemente, realizei! Quero que ele seja mais consciente, informado, e ativo do que eu alguma vez serei!

Manifesto

Liga dos Amigos do Jardim Botânico

L

isboa precisa de mais espaços verdes, de mais jardins, de mais ruas arborizadas (já repararam como ainda há centenas de ruas sem árvores?). Mas Lisboa precisa também de cuidar melhor dos espaços verdes que já tem porque muitos deles estão votados ao abandono ou para lá caminham — como é o caso do nosso Jardim Botânico. 49


Manifesto

Lucinda Augusta Silva

Q

uero chamar a vossa atenção para um problema que se tem vindo a agravar em Lisboa. Estou a falar de obras ilegais efetuadas nas fachadas de edifícios de arquitetura do século XX. Fico chocada ao ver como todos os meses se efetuam obras ilegais sem que a CML ou a Polícia Municipal intervenham. Na maior parte dos casos, os proprietários efetuam a demolição parcial da fachada do prédio a que corresponde o seu apartamento. Motivo? Fechar as varandas com envidraçados de alumínio, as bem conhecidas “MARQUISES”. O resultado é o que se pode ver: ruas e avenidas, onde existiam bonitos prédios das décadas de 40, 50 e 60 do século XX desfiguradas com marquises de alumínio e caixas de estores. O Bairro de Alvalade e do Areeiro são dos mais afetados. A Av. de Roma, a Av. de Paris, a Praça Pasteur, a Av. João XXI, a Av. dos EUA são exemplos chocantes de como em Lisboa existe pouco respeito pela lei, já para não falar da falta de respeito pela arquitetura.

Parem de desfigurar a Av. João Crisóstomo N.º 3!

Não é obrigação da CML, em conjunto com a Polícia Municipal, fiscalizar estas obras ilegais de alteração de fachadas? Desde 2006 que envio alertas para o Pelouro do Urbanismo mas nenhuma das obras foram embargadas. A Polícia desloca-se ao local, a ilegalidade é confirmada mas as obras são concluídas! Se a CML e a Polícia Municipal nada fizerem para repor a legalidade nas fachadas de Lisboa estaremos a contribuir para uma cidade cada vez mais feia e visualmente caótica. LISBOA tem de resolver este problema!

Manifesto

Luísa Rodrigues O meu país está a ficar sem cinemas.

Árvores para o Bairro de Campo de Ourique! Maria Augusta Pereira

P

resentemente, há um grande deficit de árvores em Campo de Ourique. Só dois arruamentos (Rua Saraiva de Carvalho e Rua Ferreira Borges) estão arborizados. Isto é, apenas 10% das ruas de Campo de Ourique têm árvores. Solicito que seja implementado um projeto municipal de plantações nas restantes 15 ruas onde não há uma única árvore. Campo de Ourique foi projetado com a entrada do Eng.º Frederico Ressano Garcia na CML em 1874. Com desenho ortogonal,

ruas relativamente amplas e três praças (uma delas com jardim), Campo de Ourique é um Bairro à espera de ser arborizado pela CML desde os finais do séc. XIX! Desde 2008 que os cidadãos pedem à CML para que arborize as ruas do bairro mas até hoje nada foi feito nesse sentido. Em contrapartida, vários investimentos têm sido realizados na construção de parques de estacionamento. Que prioridades tem esta nossa cidade!? 50


Manifesto pela união dos muitos

Mariana Ferreira Monteiro

Q

ue se unam os muitos que choram de indignação, Que se unam os de vontades gémeas mas ainda assim raramente partilhadas. Que se unam vozes, armas e corações irmãos. E lutem! Defrontem de peito aberto a gente pequenina, Essa gente pequenina que nos diz governar, empregar e cuidar na velhice e na doença. Eu não gosto de gente pequenina, De microcéfalos e de acéfalos, Daqueles que medem aos palmos quão fundo vai o bolso, Daqueles que matam quem ousa crescer para lá de números bancários. Os homens pequenos não merecem Romeu nem Julieta, Nem o menino que ousa extrair de um violino o mais maravilhoso som, Nem o poeta que enobrece as almas, Nem o cientista que arrisca para lá da razão, Nem o agricultor que cheio de amor à terra alimenta o mundo, Nem a prodigiosa altura de todos os que combatem o vazio com sonhos. Um Homem só é tão grande quanto a distância que vai entre a realidade e o fim da sua imaginação. E só é tão fraco quanto se pensa distante dos seus irmãos igualmente grandes. Encontremos em nós e entre nós os muitos homens grandes que tão dormentes estão e unamo-los a todos numa só vontade. Na vontade dos muitos. Dos muitos que são homens grandes.

Manifesto

Marisa Figueiredo Mude-se!

Transforme-se!

Mudemo-nos nós próprios da corja envergonhada e acomodada a que pertencemos. Mudemos a televisão de sítio, de preferência para o balde do lixo. Mudemos a vontade de beber, sem questões, a opinião de opinion makers nascidos nos meios de comunicação social. Mudem-se os meios de comunicação social, façam-nos mais plural, menos histéricos.

Transformemo-nos. Não aceitemos tudo o que nos dizem. Não aceitemos a inevitabilidade e o “porque sim” só porque sim. Transformemos o rabo no sofá numa andança frenética pelo caminho da vida. Transformemo-nos! Façamos o que achamos mais justo, fincando o pé a quando nos pisam e nos tomam como rebanhos de carneiros.

51


Avance-se!

carneiros. Nem lobos. Somos sim uma matilha de mulheres e homens — e tudo o mais nos entretantos — que só quer amor, humanidade e justiça. E agora que mudámos, transformámos e avançámos… não há ninguém que nos possa parar!

Avancemos! Vamos lembrar-nos de que somos humanos, que somos plural. Vamos lembrar-nos de que somos mais do que pensamos que somos. Não somos

Manifesto

Manuel Festas Franco

“C

itizens of the United States, We are Anonymous. This is an urgent emergency alert to all people of the United States. The day we’ve all been waiting for has unfortunately arrived. The United States is censoring the internet. Our blatant response is that we will not sit while our rights are taken away by the government we trusted them to preserve. This is not a call to arms, but a call to recognition and action! The United States government has mastered this corrupt way of giving us a false sense of freedom. We think we are free and can do what we want, but in reality we are very limited and restricted as to what we can do, how we can think, and even how our education is obtained. We have been so distracted by this mirage of freedom, that we have just become what we were trying to escape from. For too long, we have been idle as our brothers and sisters were arrested. During this time, the government has been scheming, plotting ways to increase censorship through means of ISP block aides, DNS blockings, search engine censorship, website censorship, and a variety of other methods that directly oppose the values and ideas of both Anonymous as well as the founding fathers of this country, who believed in free speech and press! The United States has often been used as an example of the ideal free country. When the one nation that is known for its freedom and rights start to abuse its own people, this is when you must fight back, because others are soon to follow. Do not think that just because you are not a United States citizen, that this does not apply to you. You cannot wait for your country to decide to do the same. You must stop it before it grows, before it becomes acceptable. You must destroy its foundation before it becomes too powerful. Has the U.S. government not learned from the past? Has it not seen the 2011 revolutions? Has it not seen that we oppose this wherever we find it and that we will continue to oppose it? Obviously the United States Government thinks they are exempt. This is not only an Anonymous collective call to action. What will a Distributed Denial of Service attack do? What’s a website defacement against the corrupted powers of the government? No. This is a call for a worldwide internet and physical protest against the powers that be. Spread this message everywhere. We will not stand for this! Tell your parents, your neighbours, your fellow workers, your school teachers, and anyone else you come in contact with. This affects anyone that desires the freedom to browse anonymously, speak freely without fear of retribution, or protest without fear of arrest. Go to every IRC network, every social network, every online community, and tell them of the atrocity that is about to be committed. If protest is not enough, the United States government shall see that we are truly legion and we shall come together as one force 52


opposing this attempt to censor the internet once again, and in the process discourage any other government from continuing or trying. We are Anonymous. We are Legion. We do not forgive censorship. We do not forget the denial of our free rights as human beings. To the United States government, you should’ve expected us.” Onde se lê Citizens of the United States deve ler-se “Citizens of the world”.

Manifesto

Mónica Amaral Ferreira TerraeMotus. A terra treme, a casa cai.

Manifesto de palavras escritas Nádia Nogueira

M

anifesto porque se não se pode demonstrar nem o sentido metafísico, nem o sentido ético, nem o sentido estético da existência (segundo Nietzsche) torna-se mais difícil defendê-los. Há que dar voz a estes sentidos porque eles existem. A arte é o sentido metafísico, ético e estético da nossa existência. Vamos dar sentido a estes manifestos, discutindo-os na rua, nos jardins, nas casas uns dos outros. Vamos espalhar sementes, vamos encontrar os nossos amigos e conversar sobre a vida, sobre o que nos move, sobre o sentido daquilo que nos acontece. Vamos criar formas de encontro onde a palavra e a ação sejam elos férteis para a construção de novas realidades. Vamos construir o mundo que queremos com aqueles que partilham connosco o que nos acontece agora. As causas para nos manifestarmos são as causas de agora e só vale a pena lutar no presente. Por isso, vamos fazer dos espaços públicos espaços férteis para o pensamento e para o diálogo. Vamos acabar com as praças sem vida e os jardins sem movimentos. Vamos melhorar estes espaços comuns. Não vamos permitir que se construa a nossa cidade à revelia, porque aquilo que se constrói fica lá durante muito tempo e, por isso, tem de ser responsável, consciente e dialogante. Manifesto-me pelo encontro, pelo diálogo, pelo pensamento, pela ação, pelo espaço comum e criativo. Manifesto-me por aquilo que quero fazer com a minha vida. Manifesto-me pela liberdade do pensamento que não depende de ratings. Manifesto-me pela liberdade de sentimentos que não depende de ratings. Manifesto-me pela liberdade de expressão que não depende de ratings. Manifesto-me pela liberdade da minha existência que não depende de ratings. Manifesto-me pela liberdade do meu movimento que não depende de ratings. Manifesto-me pela liberdade da minha voz que não depende de ratings. Manifesto-me pela arte que não depende de ratings. Eu não dependo de ratings! 53


Manifesto da Baixa Narciso Antunes

C

omo é possível que, enquanto a Baixa apodrece, o redor de Lisboa cresce, cresce, cresce? Ajudada pelas construtoras, esta cidade cresceu tanto, que está agora de joelhos, vergada pelo seu próprio peso de betão armado. Tem mais casas agora que gente e ainda assim, não para de crescer! Para fora, para os lados, para longe… Abandonastes as casas, os prédios centenários, os bairros mais lisboetas de toda a cidade. Para quê? Para se perder horas e horas no meio do trânsito, para ter uma casa gigante da qual não se precisa ou um jardim a que ninguém dá uso? Esquecestes-vos dos jardins secretos, das vielas onde crescestes e dos recantos da nossa/vossa cidade que decai e se corrompe debaixo do esquecimento. As paredes brancas da vossa infância foram ficando cinzentas, como as vossas almas: cansadas, aborrecidas e desgastadas por ação do tempo e da chuva que cai no para-brisas, no caminho de casa. Preocupais-vos em ser ecológico, em separar o lixo, em ser verde… Digo-vos também que ser verde não é só isso. Ser verde não é só fechar a água da torneira. Ser verde é não fazer uma casa de raiz, de tijolo e argamassa! Ser verde é também aproveitar as pedras, a madeira e o suor que fizeram estas casas. Eles sobem os preços dos transportes, da gasolina, do petróleo! Sobem tudo! Subam os transportes e as taxas! Subam tudo e desçam os preços das casas antigas! Em vez de licenças para se fazerem prédios de pechisbeque, em arrabaldes cada vez mais longínquos, que se deem subsídios para reconstruir casas no centro! Aprendam com a Europa, que não deixou morrer a alma das suas cidades. Voltem, voltem para as baixas. Repovoai o que é vosso por herança! O tempo, meus caros, é o vosso recurso mais precioso e desperdiçam-no em engarrafamentos, filas, semáforos, obras no asfalto… O dinheiro também! Pouparão dos dois se voltarem para a parte antiga da nossa Lisboa, para Alfama, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa… Anseio pelo dia em que as luzes desta cidade velha continuarão acesas depois da hora do fecho das lojas! Sonho em ver os lençóis estendidos às janelas. Acredito em dias futuros em que as ruas voltarão a cheirar a comida acabada de fazer. Espero que estas ruas se voltem a encher de catraios a correr de um lado para o outro. E há de vir o dia em que as fachadas vão voltar a estar limpas e alvas como a neve que Lisboa não conhece. E que os magníficos azulejos das ruas da Baixa voltem a brilhar debaixo do sol de junho.

54


Manifesto dos 500€

Narciso Antunes

E

studastes a vida toda! Desde o berço que andais com os livros às costas!   De aula em aula, de setembro em setembro, de propina em propina, chegastes ao fim do percurso e encontraste 500€ e o trabalho do vosso futuro, que não vos permitirá ter um! Quantas florestas que se cortaram, para nelas se escreverem rios de livros, livrinhos e livralhões. Para quê? Para nada? As falésias de giz foram arrancadas e as montanhas de ardósia estripadas da Mãe Terra. Para quê? Para nada? O sofrimento dos nossos pobres pais; o sacrifício de noites mal dormidas; a preocupação de não saber se ia haver dinheiro para manter os filhos a estudar… Para quê? Para nada? Queimaram-se horas e puxaram-se cabelos à frente dos livros. Para quê? para nada? Para nada, não! Para uma fortuna de 500€ de uma vida empenhada. Volvidos todos este anos e todas estas vidas, pergunto-me o que será melhor: um trabalhador mal formado ou um doutor desempregado? Ou emigrado? Emigrado não! Para nada não! Para 500€ de migalhas. 500€ de sem futuro. 500€ de sapatos rotos. 500€ de pão duro. O sonho americano para todos, menos para nós! E somos tão ou mais pobres que os nossos avós! Não podemos deixar esta terra, que é a nossa, entregue àqueles que a deixaram assim! Para isto! Não os podemos ter deixado morrer em vão! Não podemos e NÃO! Não aceitemos de braços baixos ao que nos condenam! Também somos herdeiros de 900 anos de História, de lutas, rios de sangue e lágrimas, de conquistas e derrotas, de reis, rainhas e tantos homens e mulheres de valor! Não herdámos apenas dívidas de meia dúzia que andou a encher os bolsos, a atirar este país para o fim da Europa, para o fim do mundo! Não aceitemos a punição de crimes que não cometemos! Trabalharemos se nos deixarem! Trabalharemos se nos ajudarem! Conquistaremos outras terras! Descobriremos e traremos novos mundos ao mundo! Mas para isso, deixem-nos crescer! Não nos matem à nascença! E não nos mintam! Não nos digam que para se ter futuro é preciso ser doutor! Que 500€ compram tudo. Tudo menos o que se pode para se viver. Não nos vendam. Não nos troquem. Não nos deem para outras paragens, para outros sítios, para servirmos a outros senhores e outros reis. Precisam mais de nós do que nós de vocês. Mas também precisamos de mais 500€! Para crescer, para vencer, para trabalhar, para pôr esta terra, este murcho jardim à beira mar plantado a andar! Deem-nos os remos para a mão e chegaremos a bom porto! E voltaremos vitoriosos! Se nos deixarem, se nos ajudarem, se nos encaminharem. Foi para isso que estudámos. Foi para isso que nos sacrificámos! É para isso que vivemos! É para lá que iremos!

55


Manifesto

Paula Varanda

Sou contra a pobreza artística e a riqueza futebolística Precisamos de paz, saúde, habitação, família, natureza e liberdade Acho que a melhor tática é a da paixão, do amor e da compaixão Assim juntas podem parecer iguais mas não o são Acredito que funcionam São anticorrupção, antiguerra, antissegregação Gosto muito do mundo visto através da arte Desejo dançar para sempre Referência: “Só há liberdade a sério quando houver, a paz, o pão, habitação, saúde, educação.” (Sérgio Godinho, 1974) http://www.youtu.be/KpFEn24TyuA

O que é um coro? …e um coro de vontades? Paulo Carvalho

S

e de vivos falamos, o todo é infinitamente mais pequeno do que as partes. O todo — a civilização (ocidental ou oriental), o continente, o país, a classe, a multidão, a instituição, o partido, o gang, a turma, o género, a família… — são as verdadeiras partes, meras ideias (ainda que armadilhadas), estilhaços de violência implícita, prontas a serem arremessadas ou defendidas, ameaças distantes ou baluartes próximos, que nada são quando comparadas contigo, que és imensidão, que não és parte (ainda que participes), porque não és um triângulo de vidro ou peça de puzzle que se encaixe ou solde. Não és um soldado, ainda que te solidarizes. Também não és inteiramente sólido. Partes só e esburacado para o encontro, encontras-te só e esburacado depois dele. O vento passa dentro desses buracos e no interior dos buracos do encontro. Infinito, entre infinitos, és tu, sou eu. Se te afastas, sentes frio; se te aproximas demais, corres o risco de sufocar. E eu contigo. Não nos conhecemos, conhecemos reações, alquimias a que damos nomes grandes (pelo medo de não sabermos). Infinito é apenas um dos nomes do mistério que te habita e que és. Que me habita e que sou. Foi por isso que, antes dos nomes, a voz sobreveio ao mutismo do corpo. A tua no teu, a minha 56


no meu, a dele no seu. E a primeira forma da voz foi o grito. E o grito, assim fora do corpo, atemorizava. E foi para vencer esse medo que o tímpano — a primeira fonte do medo — se tornou fino e, muito antes da afinação, procurou a afinidade. E, desde então, cada voz existe na distância exata em que outra a deixa ser. É, pois, o tímpano que marca a distância: pela escuta. Da tua voz, da minha. E da terceira voz, a dele. E assim nasce o canto plural, que já não é só voz, mas cada voz unida a outras vozes singulares modelando os gritos: as vontades na distância exata — que nunca é exata, ou que o é apenas na procura do tom comum. O coro já não é um todo, difusa ideia a combater ou a defender, é a convergência de vozes singulares em ação.

Acordai — Manifesto Paulo Lima

É

tempo de acordar e relembrar Que a luta ainda agora começou Virar a página sem esquecer O que o passado nos ensinou E ter a força de uma só canção Que se solta da garganta E se crava no coração

É tempo de acordar e repensar No que o futuro não concretizou Renascer das cinzas voltar a queimar Ser a corrente que nunca quebrou E ter a raiva de uma só nação Nos cinco dedos de uma mão Nas palavras de um refrão

É tempo de acordar e rejeitar O que o presente nos reservou Caminhar lado a lado com o braço no ar Porque o caminho jamais separou E ter a esperança num só coração Que nos salta pela boca E nos enche de paixão

Acordai! Sentir que vale a pena contestar Acordai! Fazer um esforço e participar Trazer de um poço a força do mar Sentir que vale a pena contestar Acordai! Fazer um esforço e participar Trazer de um poço a força do mar

Acordai!

Manifestejo Batente Rafael Vieira

Z

angão de zangado e farto acumulado. De contas de cabeça e cargo amontoado. Fado-macaco contando trocados, para um vinho que seja; cheio, raso, largo. F-a-r-t-o. De estar farto de. A cada gota que transborde, exéquias e uma lástima. País-jangada recoberto de colinas prenhas minadas de ratos, puta de vida forca, miragens de tiro ao lado, palheiro n’agulha perdido a dias. E então é o caco do carro, a água do cano, o tabaco enrolado, o arroz engasgado, caros os tomates, isto aqui é um frasco. Farto, incho; trago. Vinho cheio meio a medo, papel duma face, massa d’arroz ao dente, fome de bobo e cara de bolo, sobejar era uma vez e o resto é arte de jantar repartido repetido de açorda de sobras de roupa velha. 57


Comprimido me sinto e a cada cabeça uma sentença prescrita. De morte lenta ficar por aqui assim, não; cada filho que brote comerá a passa que o Inimigo amassa. Este estado prescreveu, passou o prazo, trespassa-se com gente dentro em enxerto europeu, amamenta-se de mim. E então é a função púbica, créditos débitos fétidos de pagamentes, contas a contagotas, prestações a tiracolo, filhos a prazo, gente adiada, relações porquinho-mealheiro e frango-da-horta em dias santos. Estou farto e cheio de estar farto de. Inspiro. Transpiro. O Dantas já vive assalariado p’los Antípodas. Pau!

Manifesto

Rede de Cidadania de Montemor‐o‐Novo

O

que é? Uma rede de cidadãos aberta, diversa, democrática e apartidária, que pretende exercer a sua cidadania participativa para a construção de um futuro mais solidário, sustentável e próspero em Montemor-o‐ Novo.

e credibilidade junto da sociedade civil de Montemor‐o‐Novo. “A Carta da Terra é um amplo reconhecimento, declaração e consenso global sobre ética e valores para um futuro sustentável. Desenvolvido ao longo de um período de dez anos, no que foi chamado o mais extenso processo de consulta global associada a uma declaração internacional, a Carta da Terra foi formalmente aprovada por mais de 2500 organizações, incluindo instituições globais como a UNESCO e a União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN).“ Está traduzida em mais de 40 línguas e disponível em: www.earthcharterinaction.org/content/pages/ Read‐the‐Charter.html

Porque existimos? Queremos assumir responsabilidade na condução dos nossos destinos e qualidade de vida, para nós e para as futuras gerações promovendo localmente o diálogo e a dinamização de projetos nas áreas económica, social, cultural e ambiental. Como vemos o nosso futuro? Maior autonomia da comunidade local com o aumento da capacidade de resposta a acontecimentos locais ou globais, como são hoje a estagnação da economia, a exclusão social, os problemas ambientais e a excessiva dependência dos combustíveis fósseis e outros recursos não renováveis.

O que pretende esta rede ou movimento? Objetivos: •Chamar a população de Montemor-o-Novo à participação, contando com o interesse, paixão e responsabilidade de cada um para que, em conjunto, possamos iniciar um novo ciclo de cidadania. •Dinamizar a consciência coletiva para as questões da sustentabilidade. •Formular propostas concretas e desenvolver ações para a sua implementação, nos diferentes domínios e de acordo com as competências reunidas.

Quais são os nossos princípios de atuação? Temos por base a Declaração Universal dos Direitos do Homem e os Princípios da Carta da Terra que defendem os valores pelos quais esta rede de cidadãos se irá reger no decorrer da sua existência, honrando a ética, a honestidade, a transparência e a humildade para assim construir confiança 58


Manifesto Ricardo Ávila

Q

ue os professores troquem de cadeira com os condutores de autocarros que, mediante entrevista, demonstrem sensibilidade para deseducar todos os alunos escolarizados. Que os políticos dos partidos dominantes cumpram a pena através de prestações de serviço ao público, por exemplo, a recolha de lixo urbano, nas mesmas circunstâncias laborais em que o fazem agora os respetivos trabalhadores (espero que a opção pelo termo “trabalhadores” não me rotule com cores políticas com que simpatizo mas que não envergo).

Manifesto Ricardo Ramos

q

uero mais que História lecionada cronologicamente, que nas escolas se ensine a respeitar e tirar conclusões da história. quero uma cultura que não se baseie em tertúlias de eleitos, em conhecidos bem posicionados. quero uma educação que não procure prolongar a ignorância. quero que para além do horário de trabalho seja imposto um horário de lazer. que se assuma a relação entre a inexistência deste com fenómenos como a delinquência juvenil, taxas de absentismo, abandono, isolamento na terceira idade,… quero uma justiça que não esteja à venda. equitativa. quero ver a corrupção severamente punida. quero sopa de legumes. quero salários mais baixos na assembleia. governar é um privilégio, não um luxo. quero que os votos em branco se traduzam em lugares vazios nessa assembleia. quero andar de carrocel sem pagar quero o fim do uso do serviço público como bode expiatório para tudo quero jornalistas e repórteres a sério e quero-os muitos e com diversas opiniões quero a prostituição legalizada quero o interior do país à mesma distância a que estava antes das portagens. não! quero o fim das portagens em todas as SCUT que não apresentam alternativa viável e o fim da merda das obras na IP3. se a ponte é para cair mande-se abaixo de uma vez! quero que o representante máximo do país seja obrigado a um mês de serviço comunitário a ser distribuído por instituições de apoio à pobreza e toxicodependência e serviços hospitalares. quero que os meus filhos não estejam sujeitos a uma escola que obedece a caprichos de jogos partidários e critérios economicistas, que se preocupa mais com uma estatística que com uma geração criativa, crítica e autossustentável. quero uma sandes de queijo da serra, presunto e tomate e um copo de tinto. obrigado. 59


Ma-ni-fes-to Rosa Azevedo

C

ontra o poder das palavras de-co-ra-das. O desvio do cérebro em detrimento dos olhos. Contra o deleite puro. O engano da arte. A distração da arte. Manifesto contra a arte como distração. Engodo. Em favor da luxúria. Das tremuras. Das tonturas. Da revolta. Da ternura. Do amor. Contra o corpo agrilhoado, a favor da paixão. Contra as palavras de-co-ra-das. A favor do arrependimento, do irrefletido, da névoa nos olhos e do discernimento. Por palavras que te encalham em vergonha alheia, em embaraços, em tintas na parede e nas mentes, que te fazem agir e reagir. Re-agir. Pelas palavras que te fazem reagir, que te fazem reagir, que te fazem reagir, que te fazem reagir, em loop ascendente. Manifesto pelas palavras de amor que nos fazem amar quem desconhecemos. Que nos fazem embarcar em viagens alheias. Pela surpresa, o desconhecido e outra vez a surpresa. Pelas palavras que pertencem a quem não sabe ler palavras. Que não são palavras. Pela reação. Pela surpresa. Pelo poder do manifesto da reação.

Manifesto

Rui Mendes, a partir de Paulo Mendes da Rocha

A

ENERGIA VITAL QUE EXISTE ENTRE A IDEIA E A COISA. A VISÃO DE UMA DESEJADA CIDADE PARA TODOS.

Manifesto Sandra Silvado

M

AIS ÁRVORES! É este o meu desejo para a Lisboa onde nasci. Gostava de quando morrer, saber que Lisboa tinha mais árvores do que aquelas que existiam quando eu nasci. Mas o que vejo é o contrário. Cada vez menos árvores, cada vez mais betão e carros. Porquê?

60


Manifesto

Susana Domingos Gaspar

Q

uero que à minha volta haja árvores para poder respirar; quero ter a possibilidade diária de correr a abraçar-me a elas ou passar-me por elas e dizer bom dia sem falar. Desejo que em Lisboa cresçam árvores durante tantos anos como aquela que vi em São Brás de Alportel; que fiquem tão velhas que uma pessoa se sinta impelida a parar e admirar. E imaginar o passado de uma azinheira. Criava um sistema educativo onde fosse imperativo descobrir uma atividade profissional que se ama. Mas essa descoberta teria de ser feita pelo educando e nunca, jamais, pela orientação do professor. Criava um sistema educativo onde primeiro se aprendesse a amar e só depois se aprendesse a aprender. E dele se saísse apenas aprendiz, nunca professor. Que cada professor fosse substituído por pessoas que gostam tanto de aprender que não podem viver sem transbordar, sem partilhar esse conhecimento sempre a crescer e a ser destruído. Quero médicos que me ouçam falar da doença, que me toquem onde me dói e me abracem se o diagnóstico for pesado. E depois choramos. E depois voltamos a rir. E saio para a vida. Saio do seu gabinete para a vida. Quero dar a volta ao mundo mas não como o Willy Fog. Em muitos mais dias. Nova Iorque, Nova Orleães, Irlanda, Rússia, Moçambique, Hawai, Brasil, Japão, Paris, Montpellier, Sicília, Galiza, Mar Báltico, Islândia, vulcões, Índia e Paquistão, África do Sul e o que eu ainda não ouvi dizer que era maravilhoso. Açores durante um mês. Quero ser lenta. Quero ir ao cinema, aos teatros e aos museus, sobretudo quando estou à rasca e deixo de beber uma bica para comprar um pacote de leite. Quero uma casa velha, mas muito bem reconstruída (sem meio centímetro de corrente de ar em cada janela). Quentinha no inverno. Sonho com o dia em que cada um é líder espiritual de si próprio. Pensa, fala e age na mesma linha de movimento. Confessa-se ao seu magma interior, todos as noites ao deitar. Ouve o futuro do dia no duche matinal. E Deus descansa, finalmente. Quero que as pessoas tenham o direito de aprender a foder. E a oportunidade de fazer amor pelo menos uma vez na vida. Quero ter direitos laborais, ser paga condignamente e matar a minha condição de trabalhadora independente, se o que estou a fazer é um trabalho sob a direção ou orientação de outrem e após a encomenda desse ou outro outrem. Quero ser uma trabalhadora em geral (em vez de especificamente precária). Morte ao Primeiro Ministro. Morte ao Presidente da República. Quero que as pessoas tenham a coragem de voltar a perceber de política. Quero a REVOLUÇÃO. Uma revolução com a duração de 20 anos, para dar tempo de mudar muito e profundamente. Vamos todos tirar 20 anos para mudar. Cada um muda-se a si. E, nos intervalos, todos mudamos tudo.

61


Manifesto em Pretérito Profético Teresa Gabriel

A

nsiando uma Manhã que nunca chega um grito que escuta em cada olhar ansiando uma explosão que não tem rastilho e todas as tormentas sopram neste aguardar o turbilhão dos turbilhões o futuro em clarões Incendiar Incendiar olhos cegos de luzes que assediam bebendo pó, respirando a fuligem ignorando os sinais que nos guiam com nossas almas sedentas de origem séculos, séculos, cegos, cegos Incendiar Incendiar Sonhos levados no vento e na bruma Despidos Sonhos forjados do tempo e da espuma despojados de tudo o que já não interessa, porque já nada resta… Incendiar… Incendiar…

Sorriso desnudo Vânia Chagas

N

utria na ponta do sorriso um brilho translúcido, quase infantil, que se desnudava nas calçadas abertas e nos olhares dos outros viventes. Era com ele que transmutava os dias rocambolescos e conseguia mirar a simplicidade da luz citadina que se derrama ante a luxúria dos telhados. Isso fugiu, o sorriso… entre os dedos das mãos que ficaram vazias. Quedou-se talvez na fímbria do ombro onde descansava nas noites insones. São pululantes e várias as queixas mundanas, retorcem-se no externo dos passeantes. Eu sinto falta, simplesmente, desse sorriso que se aquecia por detrás do coração. Esse é o meu manifesto, o seu retorno, somente.

62



Dia do Manifesto Programa apoiado pela Junta de Freguesia de Alvalade e UNICER

Equipa diretor artístico Mark Deputter programador música Pedro Santos programadora crianças e jovens Susana Menezes assistente de programação Laura Lopes gestora Andreia Cunha adjunta de gestão Glória Silva diretor de produção Joaquim René adjunta direção de produção Mafalda Santos produtora executiva Ana Gomes produtora crianças e jovens Rafaela Gonçalves diretora de comunicação Catarina Medina gabinete de comunicação Rita Tomás imagem e design gráfico Luciana Fina e Moritz Elbert diretora de cena Rita Monteiro adjunta direção de cena Silvia Lé camareira Rita Talina diretor técnico Zé Rui adjunto direção técnica Luís Duarte técnicos de audiovisual Félix Magalhães, Miguel Mendes e Rui Monteiro técnicos de iluminação/palco Catarina Ferreira, Luís Balola, Manuel Martins e Paulo Lopes bilheteira/receção Diana Bento, Rosa Ramos e Vasco Correia frente de sala Complet’arte — Isabel Clímaco (chefe de equipa), Sérgio Torres, Ana Paula Santos, Fernanda Abreu, Cristina Almeida, Diogo Fonseca, Palmira Silva e Joaquim Torres


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.