Revista Internacional techITT | Vol.11 | Issue 32 | 2013

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UMA PUBLICAÇÃO:

REVISTA INTERNACIONAL

TECH ITT

by Construlink

ESTRUTURAS E CONSTRUÇÃO • ESTRUCTURAS Y CONSTRUCCIÓN

Vol.11 Número

32


REVISTA INTERNACIONAL

TECH ITT 03

EDITORIAL João Negrão Portugal

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Director: Prof. Fernando Branco fbranco@civil.ist.utl.pt

Tiago Morgado, João R. Correia, Fernando A. Branco, Francisco Nunes, Cristina López, Carlos Tiago Portugal

20

Coordenador editorial: João Ramôa Correia Edição da revista: Pedro Vaz Paulo Edição de artigos: Cátia Marcelino

Contactos: Tel: +351 213 155 265 Fax: +351 210 064 616 E-mail: info@gatewit.com Website: www.techitt.com tech ITT Press: • Revista Internacional tech ITT ( 3 X Ano ) • Monografias

SISTEMA DE INSPECÇÃO, DIAGNÓSTICO E REABILITAÇÃO DE REVESTIMENTOS POR PINTURA EM FACHADAS REBOCADAS Rita Pires, Jorge de Brito, Bárbara Amaro Portugal

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PROPOSTA DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO M. P. Rocha, A.Soeiro Portugal

Publicidade: Pedro Paulo Publicado por: Gatewit Avenida da Liberdade, nº 136, 4º, 5º e 6º 1250-146 Lisboa

COMPORTAMENTO AO FOGO DE VIGAS DE COMPÓSITO DE GFRP

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A IMPORTÂNCIA DOS VÃOS ENVIDRAÇADOS NA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA DE EDIFÍCIOS - APLICAÇÃO AO DECIVIL-IST Cláudio R. Faustino, M. Glória Gomes, Fernando Branco Portugal

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DESEMPENHO TÉRMICO DA PAREDE DE TROMBE: ESTUDO EXPERIMENTAL A. Briga-Sá, A. Paiva, J.C. Lanzinha, J.Boaventura-Cunha Portugal

Assinatura: Custo: 50 Euros / Ano Grátis para autores de artigos publicados.

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ISSN 1645-5576

EDITORIAL No passado mês de Dezembro de 2012, realizou-se o Congresso Nacional da Construção, organizado pela Universidade de Coimbra, através do Departamento de Engenharia Civil, do Centro de Investigação em Ciências da Construção e do Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da Construção (ITeCons). O Congresso contou com a participação de inúmeros profissionais do sector da construção, bem como de docentes, investigadores e estudantes de diversas instituições de ensino superior, nacionais e estrangeiras, muito em particular brasileiras. No total, realizaram-se 5 sessões plenárias, 1 sessão técnica plenária e 41 sessões paralelas, tendo sido apresentados mais de 210 trabalhos nas seguintes áreas: acústica do ambiente construído; argamassas sustentáveis para a reabilitação do património construído; avaliação da sustentabilidade da construção; BIM; comportamento sísmico de edifícios e elementos da construção; comportamento térmico da envolvente de edifícios; contributos das construções antigas para a construção sustentável; gestão e economia da construção; inspecção, diagnóstico, conservação e reabilitação de edifícios; materiais de construção e sustentabilidade; novas perspectivas para a aplicação de betões; e patologia e reabilitação. A Comissão Científica da RIC – Revista Internacional Construlink seleccionou alguns dos trabalhos apresentados no Congresso Construção 2012 para publicação neste número e nos próximos números da RIC. Esperamos que aprecie este volume da RIC. Prof. João Ramôa Correia (Coordenador Editorial da RIC)

CORPO CIENTÍFICO: Argentina: Prof. Raúl Husni (Univ. Buenos Aires) husni@arnet.com.ar Brasil: Eng A. Quallarini (UFRJ - Rio de Janeiro) qualharini@all.com.br Prof. Paulo Helene (PPC-EPUSP - S. Paulo) helene@pcc.usp.br Prof. Ubiraci Souza (POLI-USP - S. Paulo) ubisouza@pcc.usp.br Chile: Prof. Alfredo Serpell (PUC - Santiago) aserpell@ing.puc.cl Prof. Ernesto Cruz (PUC - Santiago) ecruz@ing.puc.cl Colômbia: Prof. Jairo Uribe Escamilla (Escuela Colombiana de Ingeniería - Bogotá) juribe@escuelaing.edu.co Cuba: Prof. J. Salvador (ISPJAE - Cuba) rlourdes@civil.ispjae.edu.cuba Espanha: Prof. Enrique Mirambell (UPC - Barcelona) enrique.mirambell@upc.es Prof. Antonio R. Marí (UPC - Barcelona) antonio.mari@upc.es Prof. Antonio Aguado (UPC - Barcelona) antonio.aguado@upc.es Prof. Carmen Andrade (Instituto Eduardo Torroja – Madrid) andrade@ietcc.csic.es México: Prof. Pedro Castro (Centro de Investigación y Estudios Avanzados del IPN - Mérida) pcastro@mda.cinvestav.mx Moçambique: Engª. Alexandra Neves (UEM - Moçambique) almapane@zebra.uem.mz Paraguai: Prof. Luis Alberto Lima (Facultad de Ingeniería de la UNA - Asunción) luislima@edan.edu.pv Portugal: Prof. Fernando Branco (IST - Lisboa) fbranco@civil.ist.utl.pt Prof. Júlio Appleton (IST - Lisboa) cristina@civil.ist.utl.pt Prof. António Reis (IST - Lisboa) antonio.reis@grid.pt Inv.José Catarino (LNEC - Lisboa) jmcatarino@lnec.pt Prof. A. Adão da Fonseca (FEUP - Porto) adaodafonseca@afaconsultores.pt Prof. Joaquim Figueiras (FEUP - Porto) jafig@fe.up.pt Prof. Victor Abrantes (FEUP - Porto) va.consultores@mail.telepac.pt Prof. António Tadeu (FCTUC - Coimbra) tadeu@dec.uc.pt

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COMPORTAMENTO AO FOGO DE VIGAS DE COMPÓSITO DE GFRP TIAGO MORGADO

JOÃO R. CORREIA

FERNANDO A. BRANCO

CRISTINA LÓPEZ

CARLOS TIAGO

FRANCISCO NUNES

Instituto Superior Técnico / ICIST, Universidade Técnica de Lisboa

RESUMO Neste artigo são apresentados os resultados de um estudo sobre o comportamento ao fogo de perfis pultrudidos de GFRP com secção tubular. O programa experimental incluiu a realização de ensaios de calorimetria diferencial de varrimento (DSC – Differential Scanning Calorimetry) e termogravimetria (TGA – Thermogravimetric Analysis) e ensaios de resistência ao fogo em vigas de GFRP, em que foi estudada (i) a eficácia de diferentes sistemas de protecção contra o fogo bem como o efeito (ii) do número de faces expostas ao fogo e (iii) do nível de carga. Para a exposição ao fogo apenas numa face e com um nível de carga correspondente a uma flecha a meio vão de L/400, enquanto a viga não protegida colapsou após 36 minutos de ensaio, as vigas protegidas contra o fogo apresentaram tempos de resistência ao fogo que variaram entre 51 e 120 minutos. Para o mesmo nível de carga e exposição ao fogo em três faces, a viga não protegida colapsou após apenas 8 minutos de ensaio, enquanto as vigas protegidas apresentaram tempos de resistência ao fogo que variaram entre 9 e 46 minutos. Para uma exposição a uma face e um nível de carga correspondente a uma flecha a meio vão de L/250, as vigas não protegida e protegida colapsaram após 31 e 66 minutos, respectivamente. Em geral, a rotura das vigas de GFRP ocorreu por compressão longitudinal da face superior e/ou por compressão transversal e corte nas faces laterais.

PALAVRAS-CHAVE Perfis de polímero reforçado com fibras de vidro (GFRP), materiais compósitos, ensaios experimentais, resistência ao fogo, sistemas de protecção contra o fogo.

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1. INTRODUÇÃO Os polímeros reforçados com fibras (FRP) têm vindo a ser cada vez mais utilizados em aplicações da engenharia civil, por apresentarem diversas vantagens em relação aos materiais tradicionalmente utilizados neste sector, nomeadamente, o reduzido peso próprio, a elevada capacidade resistente, as boas propriedades isolantes, os reduzidos custos de manutenção e a durabilidade. Contudo, para além do comportamento frágil e da elevada deformabilidade, estes materiais compósitos apresentam um deficiente comportamento ao fogo, o que condiciona consideravelmente a sua aplicação prática, em particular em edifícios [1]. Quando expostos a temperaturas moderadamente elevadas (100 200 °C), os materiais FRP amolecem e as suas propriedades mecânicas são consideravelmente reduzidas. Quando estes materiais compósitos são expostos a temperaturas ainda mais elevadas (300 500 °C), a matriz polimérica decompõe-se, libertando calor, fumo, fuligem e gases voláteis tóxicos [2]. As fibras de vidro são as fibras de reforço mais utilizadas em materiais FRP. As fibras de vidro do tipo E, que presentemente são as mais utilizadas (80-90% dos produtos comercializados) [3], começam a amolecer e tornam-se viscosas apenas para temperaturas próximas de 830 °C, apresentando uma temperatura de fusão que ronda os 1070 °C [4]. Na prática, é a matriz polimérica que acaba por condicionar o comportamento dos materiais FRP a temperaturas elevadas. Os materiais construtivos utilizados em edifícios têm que ter um adequado comportamento ao fogo, evitando a ignição, a propagação de chamas e a excessiva produção de fumo. Os materiais utilizados em elementos estruturais devem ainda apresentar uma adequada resistência ao fogo, de modo a evitar o colapso estrutural aquando de uma situação de incêndio. Embora os materiais FRP não apresentem um adequado comportamento ao fogo, estes materiais compósitos possuem uma boa capacidade de isolamento térmico e esta característica é muito importante para retardar a propagação de um incêndio num edifício. Quando comparados com o aço, os materiais compósitos apresentam melhor comportamento corta fogo, criando uma barreira que impede a propagação de chamas, de calor, de fumo e de gases tóxicos. Para além disso, podem ser aplicadas várias soluções de protecção contra o fogo de modo a melhorar o comportamento dos elementos FRP em situação de incêndio [5]. Wong et al. estudaram a resistência à compressão de colunas de GFRP sujeitas a temperaturas elevadas. Os ensaios realizados demonstraram que ocorrem significativas reduções na resistência à compressão para temperaturas de 60 e 90 °C, sendo que a resistência para estas temperaturas correspondeu apenas a 63% e a 31% da resistência à compressão medida à temperatura ambiente, respectivamente [6]. Correia [7] estudou o comportamento ao fogo de perfis pultrudidos de GFRP expostos ao fogo apenas numa face, a inferior. Uma viga de GFRP não protegida colapsou após 38 minutos de ensaio, enquanto vigas com sistemas passivos de protecção apresentaram tempos de resistência ao fogo que variaram entre 65 e 76 minutos e uma viga na qual foi testado um sistema de refrigeração com água não colapsou mesmo após 120 minutos de exposição ao fogo. Nestes ensaios, o modo de colapso das vigas de GFRP ocorreu por compressão longitudinal da face superior e por compressão transversal e corte das faces laterais. Massot [8] analisou o comportamento ao fogo de duas lajes, uma em compósito e outra em aço. A laje em compósito era constituída por três vigas unidas entre si através de um sistema de encaixe e a laje metálica possuía uma estrutura semelhante à laje de GFRP. A duas lajes foram colocadas uma ao lado da outra e expostas simultaneamente ao fogo, tendo sido aplicado igual nível de carga em ambas as lajes. Observou-se que a deformação de laje de aço foi muito superior à verificada na laje de GFRP. A laje de aço foi descarregada após 15 minutos de ensaio devido às deformações observadas, enquanto que a de GFRP foi descarregada após 41 minutos, momento em que se iniciou a propagação de chamas e a produção de fumo. O principal objectivo do programa experimental apresentado neste artigo foi avaliar a resistência ao fogo de vigas de GFRP expostas em diferentes faces e submetidas a diferentes níveis de carga, avaliando a eficácia de diferentes sistemas de protecção contra o fogo. A campanha experimental foi dividida em três séries experimentais, contendo vigas não protegidas e protegidas. Na primeira série, foram testadas vigas expostas ao fogo apenas a uma face e sujeitas a uma carga correspondente a uma flecha a meio vão de L/400. Na segunda série, foram ensaiadas vigas expostas ao fogo em três faces e sujeitas a igual nível de carga. Na terceira série, foram testadas vigas expostas ao fogo em apenas uma face e sujeitas a uma carga correspondente a uma flecha a meio vão de L/250. O programa experimental incluiu ainda a realização de ensaios de calorimetria diferencial de varrimento e termogravimetria (DSC/TGA) em amostras do material GFRP e dos materiais de protecção contra o fogo utilizados. Os ensaios DSC/TGA realizados permitiram efectuar a caracterização termo física dos materiais. 2. MATERIAIS As vigas ensaiadas na presente campanha experimental são constituídas por perfis pultrudidos de GFRP, com secção tubular de dimensões 100×100×8 mm, produzidos e fornecidos pela empresa Fiberline. Este material é constituído por mechas de filamentos contínuos unidireccionais (rovings) de fibras de vidro-E na zona central dos laminados e por duas camadas de fibras contínuas dispostas aleatoriamente (continuous stand mats) que envolvem a camada central. O compósito apresenta na sua constituição 69% de material

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inorgânico e as fibras de vidro encontram-se embebidas por uma matriz de resina de poliéster. Ensaios de análise mecânica dinâmica (DMA) anteriormente realizados neste perfil mostraram que o mesmo tem uma temperatura de transição vítrea (Tg) de cerca de 140°C. Nos ensaios de resistência ao fogo, foram aplicados nas vigas de GFRP seis sistemas diferentes de protecção. Os materiais de protecção contra o fogo utilizados nesta campanha experimental foram os seguintes: placas de aglomerado de cortiça (AC), fornecidas pela empresa Robcork (25 mm de espessura); placas de lã de rocha (LR), fornecidas pela empresa Rockwool (25 mm de espessura); placas de silicato de cálcio (SC), produzidas pela empresa Promatec (tipo H, 25 mm de espessura); manta intumescente (MI), fornecida pela empresa Technical Fibre Products Lda (Tecnofire 60853A, 2 mm de espessura); tinta intumescente (TI), fornecida pela CIN (C-THERM HB). Foi ainda utilizado um sistema de protecção ao fogo activo por arrefecimento com água (AA), consistindo numa lâmina de água com 8 mm de espessura e com um caudal de 0.4 m3/h. 2.1. Ensaios DSC/TGA Os ensaios de calorimetria diferencial de varrimento e termogravimetria (DSC/TGA) foram realizados em amostras do material GFRP e dos materiais de protecção contra o fogo utilizados, de modo a determinar a variação da massa e a energia libertada/absorvida em função da temperatura. Estes ensaios permitiram a determinação da temperatura de decomposição (Td) do material compósito em estudo. Os ensaios de DSC/TGA foram realizados num equipamento Perkin Elmer STA6000 do Departamento de Engenharia Química e Biológica do Instituto Superior Técnico (IST). Este ensaio consiste em colocar uma pequena amostra do material que se pretende estudar num forno, o qual sofre um aquecimento em condições de temperatura e atmosfera controladas. Os ensaios foram efectuados tendo como gases de purga o ar atmosférico e o azoto, ou seja, as amostras foram aquecidas em dois ambientes distintos. Na Tabela 1 é apresentado o programa experimental realizado.

Tabela 1: Ensaios DSC/TGA.

Material GFRP AC LR SC MI TI

Gás de purga Ar/Azoto Ar/Azoto Ar/Azoto Ar/Azoto Ar/Azoto Ar/Azoto

Taxa de aquecimento [ºC/min] 5, 10, 15 e 20 (em cada atmosfera) 10 (em cada atmosfera) 10 (em cada atmosfera) 10 (em cada atmosfera) 10 (em cada atmosfera) 10 (em cada atmosfera)

Na Figura 1 são apresentados os resultados obtidos nos ensaios de DSC/TGA realizados em amostras do material GFRP, utilizando como gases de purga o ar atmosférico (GFRP-O) e o azoto (GFRP-N). Atendendo aos resultados obtidos, determinou-se que a temperatura de decomposição (Td) do material GFRP utilizado é aproximadamente 370 °C, considerando que a mesma é definida como sendo a temperatura para a qual a percentagem de perda de massa corresponde a metade da percentagem de perda de massa inicial. A variação entre as percentagens de perda de massa inicial das diferentes amostras de GFRP deve-se à heterogeneidade do material e à muito reduzida dimensão das amostras. As curvas de fluxo de calor em oxigénio e azoto mostram o carácter exotérmico e endotérmico das reacções decomposição em ambiente oxidativo e redutor, respectivamente.

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Figura 1: Resultados dos ensaios DSC/TGA do material GFRP: percentagem de perda de massa vs. temperatura e fluxo de calor por unidade de massa vs. temperatura.

Na Figura 2 são apresentados os resultados obtidos nos ensaios DSC/TGA realizados em amostras dos materiais de protecção contra o fogo utilizados nos ensaios de resistência ao fogo. Estas figuras mostram que os materiais de protecção ao fogo apresentam comportamentos muito distintos, quer no que se refere à percentagem de perda de massa (mínima na lã de rocha, LR, e máxima no aglomerado de cortiça, AC) e respectiva evolução com a temperatura, quer no que se refere ao fluxo de calor e à natureza das reacções de decomposição nos diferentes ambientes.

Figura 1: Resultados dos ensaios DSC/TGA do material GFRP: percentagem de perda de massa vs. temperatura e fluxo de calor por unidade de massa vs. temperatura.

3. ENSAIOS DE RESISTÊNCIA AO FOGO 3.1. Objectivos Os ensaios de resistência ao fogo tiveram como objectivos principais a determinação dos tempos de resistência ao fogo, a monitorização das temperaturas (resposta térmica) e dos deslocamentos verticais a meio vão das vigas (resposta mecânica) e a observação dos respectivos modos de rotura. Neste trabalho experimental foi estudada (i) a eficácia de diferentes sistemas de protecção contra o fogo para as vigas de GFRP e o efeito sobre o tempo de resistência ao fogo (ii) do número de faces expostas e (iii) do nível de carga. 3.2. Programa experimental Nos ensaios de resistência ao fogo foi estudado o comportamento em situação de incêndio de vigas de GFRP com/sem protecções e com diferentes tipos de exposições e níveis de carga aplicados. Na campanha experimental foram ensaiadas quinze vigas, agrupadas em três séries experimentais. A primeira série foi constituída por nove vigas, expostas ao fogo apenas numa face (a inferior) e com uma carga de serviço equivalente a uma flecha a meio vão de L/400, com diferentes sistemas de protecção contra o fogo. Na segunda série foram ensaiadas quatro vigas, expostas ao fogo em três faces (a inferior e as laterais) e com um nível de carga igual ao aplicado na primeira série. Na terceira série foram ensaiadas duas vigas, expostas apenas numa face (a inferior) e com uma carga de serviço equivalente a uma flecha a meio vão de L/250. Foram utilizados os seguintes seis sistemas de protecção contra o fogo: (i) placa

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de aglomerado de cortiça com 25 mm de espessura (viga AC); (ii) placa de lã de rocha com 25 mm de espessura (viga LR); placa de silicato de cálcio com 25 mm de espessura (vigas SC); (iv) manta intumescente com 2 mm de espessura (viga MI); (v) tinta intumescente com 2 mm de espessura (viga TI); e (vi) sistema activo (accionado aquando da detecção do incêndio) de arrefecimento com água (vigas AA). Na Tabela 2 são apresentadas as três séries experimentais referidas anteriormente. Faz-se notar que nas séries 2 e 3 foi utilizado como sistema de protecção passiva apenas o silicato de cálcio, pelo facto de na série 1 este material se ter mostrado o mais eficaz na protecção ao fogo dos perfis de GFRP. Tabela 2: Campanha experimental para os ensaios de resistência ao fogo.

Série experimental

Série 1

Série 2

Série 3

Designação da viga

Protecção contra o fogo

NPCT-S1

-

Nível de carga -

NP-S1

-

-

NPST-S1

-

AC-S1

Aglomerado de cortiça

LR-S1

Lã de rocha

SC-S1

Silicato de cálcio

MI-S1

Manta intumescente

TI-S1

Tinta intumescente

AA-S1

Arrefecimento com água

NPCT-S2

-

NPST-S2

-

SC-S2

Silicato de cálcio

AA-S2

Arrefecimento com água

NPST-S3

-

SC-S3

Silicato de cálcio

Exposição ao fogo

1 face L/400

3 faces

1 face

L/400

L/250

O programa experimental incluiu cinco vigas não protegidas, duas com tampa(s) (vigas NPCT) e três sem tampa (vigas NPST). Nas vigas NPCT foram realizadas aberturas (aproximadamente na zona central das vigas) de modo a permitir a colocação de termopares nas superfícies interiores das faces inferior e lateral. 3.3 Preparação das vigas A preparação das vigas foi realizada no IST e consistiu essencialmente em três tarefas: (i) o corte dos perfis de GFRP de modo a obter vigas com 1.6 m de comprimento; (ii) a colocação de termopares nas vigas, o que envolveu a preparação dos termopares, a execução de furos nos perfis e a instalação dos termopares; e (iii) a aplicação dos sistemas de protecção contra o fogo. A instalação dos termopares, que permitiu a monitorização das temperaturas no perfil de GFRP, foi realizada através da execução de furos com 2 mm de diâmetro, garantindo deste modo que os termopares seriam posicionados de acordo com a instrumentação previamente definida (Figura 3). Para fixar os termopares no interior dos furos foi utilizada resina de poliéster.

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Figura 3: Posicionamento dos termopares na secção de meio vão: (a) vigas não protegidas (séries 1 e 3); (b) vigas não protegidas (série 2); (c) vigas protegidas (séries 1, 2 e 3); e (d) viga NP-S1. Na Figura 4 é ilustrada a colocação dos termopares nas vigas não protegidas (NPCT-S1 e NPCT-S2). Enquanto na viga NPCT-S1 foi removida uma tampa na face superior, na viga NPCT-S2 foram removidas duas tampas, uma na face superior e outra na face lateral.

Figura 4: Preparação da viga NPCT-S1: (a) remoção da tampa e (b) colocação dos termopares na face inferior; Preparação da viga NPCT-S2: (c) colocação dos termoparesnas faces inferior e lateral e (d) colagem da tampa pertencente à face lateral. A Figura 5 ilustra a colocação dos termopares nas vigas protegidas e nas vigas não protegidas (NPST).

Figura 5: Colocação dos termopares nas faces (a) superior, (b) lateral e (c) inferior das vigas protegidas e das vigas não protegidas (NPST).

Nas vigas protegidas com aglomerado de cortiça (AC) e com silicato de cálcio (SC), as protecções foram aplicadas utilizando um mástique refractário e, adicionalmente, foi utilizado um sistema de fixação mecânica com alças metálicas. Na viga protegida com lã de rocha (LR), a protecção foi aplicada utilizando uma argamassa fornecida conjuntamente com o material. Na Figura 6 é ilustrada a preparação das referidas vigas.

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Figura 6: Preparação das vigas (a) AC-S1, (b) LR-S1, (c) SC-S1 e SC-S3 e (d) SC-S2. Na viga protegida com manta intumescente (MI, Fig. 7(a)), a protecção foi cortada com uma tesoura e, posteriormente, colada ao perfil de GFRP utilizando uma resina de poliéster (produzida pela empresa Polyfix). Na viga protegida com tinta intumescente (TI, Fig. 7b), a tinta foi aplicada com um rolo de modo a perfazer uma espessura de 2 mm. Nas vigas arrefecidas com água, os termopares foram colocados tal como descrito anteriormente nas vigas não protegidas (NPST) e como ilustrado na Figura 5. Os topos das vigas arrefecidas com água foram selados utilizando duas tampas metálicas, as quais possuíam um orifício que permitia a entrada/saída da água que arrefecia a face inferior (exposta ao fogo) das vigas tubulares (Fig. 7c). Nas restantes vigas, os topos foram vedados com blocos de lã de rocha, de forma a prevenir a circulação de ar na direcção longitudinal.

Figura 7: Preparação das vigas (a) MI-S1, (b) TI-S1 e (c) AA-S1 e AA-S2. 3.4. ESQUEMA DE ENSAIO, INSTRUMENTAÇÃO E PROCEDIMENTO 3.4.1. Forno Os ensaios de resistência ao fogo foram realizados num forno vertical, com dimensões exteriores de 1.35 m de comprimento × 1.20m de largura × 2.10m de altura, o qual possui uma abertura no seu topo, permitindo o ensaio de elementos horizontais. O forno é constituído por seis queimadores a gás que são controlados por uma unidade de controlo, a qual lê as temperaturas no interior do forno (através de três termopares) e ajusta a intensidade dos queimadores de modo a garantir que a curva de temperaturas do forno se aproxime o melhor possível da curva de temperatura pretendida (curva objectivo). 3.4.2. Curva de aquecimento Os ensaios de resistência ao fogo foram realizados adoptando a curva de incêndio padrão definida pela norma ISO 834 [9]. A curva referida é descrita pela seguinte expressão:

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onde T (em °C) corresponde à temperatura do forno, t (em minutos) corresponde ao tempo e T0 (em °C) é a temperatura inicial do forno. 3.4.3. Esquema de ensaio Nas séries 1 e 3, as vigas de GFRP foram expostas ao fogo em apenas uma face, o que foi conseguido através de uma cobertura superior constituída por quatro módulos (Figura 8). As vigas de GFRP foram ensaiadas com um vão livre entre apoios de 1.3 m, tendo sido apoiadas em dois pontos, um fixo e um móvel, que permitiam a rotação e impediam o deslocamento vertical e, num dos apoios, também o deslocamento horizontal. As vigas foram instaladas deixando uma distância de 50 mm entre as faces inferiores das vigas de GFRP e os topos das paredes do forno, de modo a permitir a livre deformação das vigas durante os ensaios.

Figura 8: Módulos utilizados nos ensaios das séries 1 e 3 (vista lateral do forno).

Na série 2, as vigas de GFRP foram expostas ao fogo nas três faces, o que foi conseguido através de outro conjunto de tampas concebido para este mesmo fim, constituído por quatro módulos, dois deles móveis (módulos 2 e 3), que vedavam lateralmente o topo das vigas, tal como apresentado na Figura 9.

Figura 9: Módulos utilizados nos ensaios da série 2 (vista lateral do forno). 3.4.4.

Sistema de carregamento

As vigas de GFRP foram ensaiadas à flexão em quatro pontos com um vão livre entre apoios de 1.3 m. Nas séries 1 e 2, as vigas foram carregadas com uma carga total de 11.7 kN aplicada em duas secções (Figura 10). Na série 3, as vigas foram carregadas com uma carga total de 18.7 kN. Os pesos utilizados para carregar as vigas foram materializados através de elementos de betão e sacos de cimento. Os referidos pesos foram elevados através de dois cadernais e fitas de nylon. As cargas aplicadas de 11.7 e 18.7 kN corresponderam a valores da flecha a meio vão de L/400 e L/250, respectivamente.

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Figura 10: Esquema de ensaio utilizado nos ensaios de resistência ao fogo (vista frontal do forno). 3.4.5. Sistema de arrefecimento com água O sistema de arrefecimento com água, esquematizado na Figura 11, utilizado como sistema activo de protecção, é constituído pelos seguintes elementos: (i) mangueiras de borracha flexíveis; (ii) fluxómetro; (iii) válvula de regulação de caudal; e (iv) duas tampas metálicas. As vigas AA-S1 e AA-S2 foram arrefecidas através de uma lâmina de água com 8 mm de espessura e com um caudal de 0.4m3/h que arrefecia a face inferior das vigas de GFRP. Em cada um dos topos das vigas de GFRP foi colada uma tampa metálica fixada com mástique refractário. Cada uma das tampas metálicas possuía um orifício, localizado 8 mm acima da superfície interior da face inferior, que permitia a entrada/saída de água. 3.4.6. Instrumentação No meio vão das vigas foi fixado um deflectómetro de fio da marca TML (modelo CDP-500), com 500 mm de curso e precisão de 0.01mm, que permitiu medir a flecha das vigas. As vigas foram também instrumentadas com termopares do tipo K, os quais permitiram monitorizar as temperaturas na secção de meio vão. Como referido, os termopares foram colocados a diferentes profundidades, o que permitiu a leitura das temperaturas nas faces superior, lateral e inferior. As temperaturas nas faces superiores das vigas de GFRP foram monitorizadas através dos termopares T1, T2 e T3, instalados a profundidades de 2.0 mm (T1), 4.0 mm (T2) e 6.0 mm (T3).

Figura 11: Esquema do sistema de arrefecimento com água.

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As temperaturas nas faces laterais foram monitorizadas através dos termopares T4, T5 e T6, os quais foram instalados a 4.0 mm de profundidade e distribuídos ao longo da altura do perfil. As temperaturas nas faces inferiores das vigas não protegidas com tampa (vigas NPCT) foram monitorizadas através dos termopares T7 (com 1.0 mm de profundidade), T8 (3.0 mm), T9 (5.0 mm) e T10 (7.0 mm). As temperaturas nas faces inferiores das vigas protegidas foram monitorizadas através dos termopares T7 (com 0.5 mm de profundidade), T8 (2.0 mm), T9 (4.0 mm), T10 (6.0 mm) e T11 (7.5 mm). 3.4.7. Procedimento O procedimento de ensaio foi idêntico em todas as séries experimentais. Primeiramente, era montado o esquema de ensaio associado à viga a ensaiar. Depois de posicionada a viga sobre os apoios, ligavam-se ao datalogger os termopares da viga, o deflectómetro de fio e um termómetro que media a temperatura ambiente durante o ensaio. O datalogger, por sua vez, era ligado a um computador que permitia monitorizar os dados e guardá-los para posterior análise. As vigas de GFRP só foram ensaiadas quando o material se encontrava a temperaturas (iniciais) que variavam entre 15 e 25 °C. Após iniciar a leitura das temperaturas e do deslocamento a meio vão, as vigas foram carregadas, descarregadas e carregadas novamente para se verificar se as duas flechas medidas eram consistentes. Em seguida, as vigas de GFRP permaneceram carregadas durante pelo menos 10 minutos para que se confirmasse se as deformações das vigas se mantinham aproximadamente constantes, tal como recomendado na ISO 834 [9]. Durante esse período de tempo, eram colocadas mantas ignífugas em redor do esquema de ensaio de modo a proteger as vigas contra o vento (e para garantir semelhantes condições de exposição em todos os ensaios) e eram ligados o sistema de extracção dos gases e o forno. Quando as vigas atingiam a rotura ou após um determinado período de tempo (como aconteceu nas vigas NPCT-S1, NPCT-S2 e AA-S1), retiravam-se as vigas de GFRP, desligava-se o forno e o sistema de extracção de gases.

4. RESULTADOS DOS ENSAIOS DE RESISTÊNCIA AO FOGO 4.1. Resposta térmica 4.1.1. Série 1 Na primeira série, para comparar as temperaturas obtidas nos diferentes ensaios de resistência ao fogo, foram determinadas as temperaturas médias em cada uma das faces, fazendo uma simples média aritmética das temperaturas medidas em cada superfície. Na Figura 12 são apresentadas as temperaturas médias medidas nas faces superior (T-m-FS) e lateral (T-m-FL) da secção de meio vão das vigas de GFRP ensaiadas na série 1.

Figura 12: Temperaturas médias nas faces superior (T-m-FS) e lateral (T-m-FL) – série 1.

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As temperaturas médias registadas nas vigas não protegidas (NPCT-S1 e NPST-S1), quer na face superior, quer na face lateral, apresentaram curvas muito semelhantes, aumentando de uma forma aproximadamente linear ao longo da exposição ao fogo e apresentando as temperaturas mais elevadas registadas nesta primeira série experimental. A viga NPST-S1 colapsou após 36 minutos de exposição ao fogo, quando a temperatura média na face superior se encontrava próxima da temperatura de transição vítrea (Tg) do material. As temperaturas registadas pelos termopares instalados na face inferior da viga NPCT-S1 não foram coerentes atendendo às temperaturas registadas nas vigas protegidas, tal como se pode observar na Figura 13. Assim, foi ensaiada uma outra viga de GFRP não protegida, a viga NP-S1, em que foram monitorizadas as temperaturas na face inferior da viga não protegida. Nesta viga, os termopares foram posicionados a meio da espessura da face inferior através de furos efectuados na direcção perpendicular ao fluxo de calor, tal como ilustrado na Figura 3d). Os resultados obtidos no ensaio da viga NP-S1, apresentados na Figura 13, permitem concluir que as temperaturas na face inferior da viga não protegida foram muito semelhantes às observadas na viga protegida com tinta intumescente (o pior sistema de protecção contra o fogo, pelo menos no que se refere à protecção térmica).

Figura 14: Temperaturas médias nas faces superior (T-m-FS), lateral (T-m-FL) e inferior (T-m-FI) e temperaturas no forno (T-Forno) – série 2.

As curvas de temperaturas médias nas faces lateral e inferior da viga não protegida (NPCT-S2) foram, tal como seria expectável, muito semelhantes, o que está de acordo com o facto de as vigas ensaiadas nesta série terem sido expostas ao fogo em três faces (a inferior e as laterais). A viga NPST-S2 colapsou após apenas 8 minutos de ensaio, não tendo sido possível obter registos consistentes de temperatura nas faces inferior e lateral desta viga, pelas que as temperaturas monitorizadas nestes laminados desta viga foram desprezadas. Comparando as temperaturas médias nas faces superiores das vigas protegida (SC-S2) e não protegida (NPCT-S2, em que os registos de temperatura foram consistentes), observou-se que as temperaturas registadas na viga protegida foram significativamente inferiores, considerando igual tempo de exposição ao fogo. A viga protegida com silicato de cálcio colapsou após 46 minutos de ensaio. A viga arrefecida com água (AA-S2) colapsou após 9 minutos de ensaio, traduzindo a perda de eficácia deste sistema de refrigeração quando as vigas são expostas a três faces. Nos ensaios da segunda série, as curvas de temperatura do forno foram todas elas muito próximas da curva de incêndio padrão definida pela norma ISO 834 [9], tal como se pode observar na Figura 14.

____________________________________________________________________________ 1

Valor de temperatura obtido através da viga NP-S1.

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4.1.3. Série 3 As temperaturas médias (T-m) registadas na secção de meio vão das vigas de GFRP ensaiadas na série 3 são apresentadas na Figura 15.

Figura 15: Temperaturas médias nas faces superior (T-m-FS), lateral (T-m-FL) e inferior (T-m-FI) e temperaturas no forno (T-Forno) – série 3. Como esperado, a viga protegida (SC-S3) apresentou temperaturas muito mais reduzidas quando comparada com a viga não protegida (NPST-S3). Importa referir que na viga NPST-S3 apenas foram colocados termopares nas faces superior e lateral. Assim, a curva das temperaturas médias na face inferior da viga não protegida (apresentada na Figura 15) foi obtida através dos resultados obtidos no ensaio da viga NP-S1. Os tempos de resistência ao fogo das vigas NPST-S3 e SC-S3 foram 31 e 66 minutos, respectivamente, moderadamente inferiores aos das vigas correspondentes da série 1. 4.2. Resposta mecânica 4.2.1. Série 1 Na Figura 16 são apresentados os deslocamentos medidos a meio vão das vigas ensaiadas na série 1 em função do tempo de ensaio. Os deslocamentos iniciais nas vigas variaram entre 3.3 e 4.1 mm, apresentando alguma variação relativamente ao deslocamento previsto de 3.25 mm (L/400), o que se poderá dever a heterogeneidades no material e/ou ao efeito do sistema de ensaio, em que pode ter havido algum efeito dinâmico aquando da aplicação da carga, embora se tenha procurado minimizar este efeito. Como se pode observar na Figura 16, aquando do início da exposição ao fogo, verificou-se um aumento nos deslocamentos a meio vão na viga NPST-S1, o qual foi mais rápido numa fase inicial, sofreu de seguida um abrandamento entre aproximadamente os 5 e os 15 minutos de ensaio e se desenvolveu depois a uma taxa velocidade sensivelmente constante até aos minutos finais do ensaio, altura em que os deslocamentos voltaram a aumentar a uma taxa exponencial.

Figura 16: Deslocamentos registados a meio vão das vigas pertencentes à série 1.

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Nas vigas protegidas, em geral, observou-se que, durante a maior parte do tempo de exposição ao fogo, os deslocamentos a meio vão aumentaram linearmente, apresentando diferentes taxas de deformação (diferentes declives). Comparando os resultados obtidos na série 1, verificou-se que, tal como era expectável, a taxa de deformação na viga não protegida foi superior às restantes observadas nas vigas protegidas. Importa ainda referir que, instantes antes da rotura, foi observado um considerável aumento nos deslocamentos a meio vão em todos os ensaios, tal como se pode observar na Figura 16. A viga arrefecida com água deformou-se consideravelmente durante os primeiros 20 minutos de ensaio, contudo, após este período inicial, a deformação manteve-se sensivelmente constante durante o restante tempo de exposição ao fogo. 4.2.2.

Série 2

Na Figura 17 são apresentados os deslocamentos medidos a meio vão das vigas ensaiadas nesta série. Os deslocamentos iniciais nas vigas variaram entre 2.5 e 3.6 mm, apresentando alguma variação relativamente ao deslocamento previsto de 3.25 mm (L/400) pelas razões já apontadas.

Figura 17: Deslocamentos registados a meio vão das vigas pertencentes às séries 1 e 2. Após 20 segundos de exposição ao fogo, os deslocamentos a meio vão da viga NPST-S2 começaram a aumentar, apresentando, como expectável, uma taxa de deformação mais elevada quando comparada com a viga NPST-S1. Quanto aos resultados obtidos nas vigas SC-S1 e SC-S2, os deslocamentos monitorizados em ambos os ensaios foram muito semelhantes (Figura 17). Os deslocamentos registados na viga AA-S2 foram semelhantes aos observados na viga NPST-S2. Comparando as vigas AA-S1 e AA-S2, observou-se que a exposição ao fogo em três faces causou um evidente aumento nas deformações. 4.2.3.

Série 3

Na Figura 18 são apresentados os deslocamentos medidos a meio vão das vigas ensaiadas nesta série. Os deslocamentos iniciais nas vigas variaram entre 6.3 e 6.8 mm, apresentando alguma variação e sendo relativamente superiores ao deslocamento previsto de 5.2mm (L/250).

Figura 18: Deslocamentos registados a meio vão das vigas pertencentes às séries 1 e 3.

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Após 60 segundos de exposição ao fogo, os deslocamentos a meio vão da viga NPST-S3 começaram a aumentar, apresentando, como expectável, uma taxa de deformação mais elevada quando comparada com a viga NPST-S1. Quanto aos resultados obtidos nas vigas SC-S1 e SC-S3, as variações dos deslocamentos monitorizados em ambos os ensaios foram muito semelhantes, tal como se pode observar na Figura 18. 4.3. Observações visuais e modos de rotura Todas as vigas colapsaram de um modo frágil e sem qualquer pré-aviso. A viga não protegida (NPST-S2), exposta ao fogo em três faces, apresentou uma rotura por corte das almas, com abaulamento das faces laterais e uma fissura na face superior na secção de meio vão, tal como ilustrado na Figura 19 (a). A rotura na viga arrefecida com água (AA-S2), exposta ao fogo em três faces, foi muito semelhante à observada na viga NPST-S2.

Figura 19: Rotura na viga NPST-S2: (a) abaulamento nas faces laterais e (b) fissura na face superior. As restantes vigas colapsaram por compressão longitudinal da face superior e/ou por compressão transversal e corte das faces laterais, tal como observado na Figura 19(b). Importa ainda referir que a viga arrefecida com água (AA-S1), exposta ao fogo na face inferior durante 120 minutos, não colapsou. 5. DISCUSSÃO 5.1. Resposta térmica vs. resposta mecânica Os resultados obtidos nos ensaios de resistência ao fogo permitiram observar que a deformação das vigas de GFRP (resposta mecânica) está intrinsecamente relacionada com as temperaturas registadas nas vigas (resposta térmica). Constatou-se ainda que o aumento da temperatura acarreta significativas reduções ao nível das propriedades mecânicas deste material compósito. O aumento nas deformações está associado ao aquecimento do material GFRP e à consequente perda de rigidez observada no mesmo. Na primeira série, as temperaturas registadas na viga não protegida (NPST-S1) foram superiores às observadas nas vigas protegidas e, como expectável, a viga NPST-S1 apresentou maiores deformações que as vigas protegidas. Nas vigas protegidas, observou-se que as diferentes taxas de aquecimento registadas causaram diferentes taxas de deformação nas vigas de GFRP. Na segunda série, o aumento de temperaturas nas vigas não protegida (NPST-S2) e protegida (AA-S2), expostas ao fogo em três faces, induziu um rápido aumento nos deslocamentos a meio vão, causando também um colapso mais rápido. As temperaturas registadas na viga protegida (SC-S2) foram inferiores às observadas nas vigas NPST-S2 e AA-S2 e a taxa de deformação observada na viga SC-S2 foi inferior às registadas nas referidas vigas. Na terceira série, as temperaturas monitorizadas nas vigas de GFRP ensaiadas foram muito semelhantes às observadas na primeira série. No que diz respeito às deformações, observou-se que nesta terceira série os deslocamentos medidos foram superiores aos registados na primeira série, o que se justifica pelo facto de o nível de carga aplicada nesta terceira série ter sido superior.

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5.2. Temperaturas vs. modos de rotura Na série 1, observou-se que, no instante da rotura, as temperaturas médias registadas nas faces superiores das vigas foram muito próximas da temperatura de transição vítrea do material, como se pode observar na Tabela 3. Com excepção da viga arrefecida com água, as vigas colapsaram de um modo instantâneo, apresentando um comportamento frágil e uma rotura por compressão longitudinal da face superior e/ou por compressão transversal e corte das faces laterais. Na série 2, como mencionado, os modos de rotura nas vigas não protegida (NPST-S2) e protegida (AA-S2) foram diferentes dos restantes modos de rotura observados. Nesta série, a análise dos resultados experimentais não permitiu retirar conclusões claras nem em relação às temperaturas médias na rotura, nem em relação aos modos de rotura. As vigas NPST-S2 e AA-S2 colapsaram devido ao amolecimento da resina, apresentando uma rotura por abaulamento das faces laterais e uma fissura na face superior. Este modo de rotura sugere a existência de tensões de corte elevadas na alma da viga, onde as temperaturas variam consideravelmente ao longo da altura. A viga protegida (SC-S2) apresentou uma rotura muito semelhante às roturas observadas na série 1. Actualmente, está em curso o desenvolvimento de modelos numéricos que permitirão estudar o comportamento destas vigas em maior profundidade, nomeadamente relacionando a sua resistência (e modos de colapso) com as temperaturas registadas nos diferentes laminados. Na série 3, no instante da rotura, as temperaturas médias registadas foram ligeiramente inferiores às observadas nas vigas da série 1. Nesta série experimental, observou-se que os tempos de resistência ao fogo nas vigas NPST-S3 e SC-S3 foram inferiores aos observados nas vigas NPST-S1 e SC-S1, tal como seria expectável já que o nível de carga aplicado foi superior. 6. CONCLUSÕES Embora as superfícies dos perfis de GFRP sejam muito pouco rugosas, todos os sistemas de protecção contra o fogo apresentaram uma razoável aderência ao material e, como tal, constatou-se que a aplicação destas protecções é viável. Apesar de todos os sistemas de protecção terem permitido melhorar o comportamento ao fogo das vigas de GFRP, os materiais de protecção mais eficientes foram o aglomerado de cortiça (AC), a lã de rocha (LR) e o silicato de cálcio (SC). Importa também referir que, quando a exposição ao fogo ocorre apenas em uma face, a solução de arrefecimento com água foi claramente o sistema de protecção contra o fogo mais eficaz, tendo o respectivo tempo de resistência ao fogo ultrapassado 120 minutos. A exposição ao fogo de perfis pultrudidos de GFRP demonstrou que os mesmos são mais vulneráveis à compressão e ao corte do que à tracção, o que é característico deste tipo de material. Embora as temperaturas registadas nas faces inferiores das vigas ensaiadas tenham sido bastante superiores à temperatura de decomposição (Td) do material GFRP, nunca ocorreu rotura por tracção nas faces inferiores, por estas sofrerem menor redução do desempenho mecânico com a temperatura e, possivelmente, pelo facto das suas zonas de ancoragem permanecerem a temperaturas mais reduzidas. Na maior parte dos ensaios, observou-se que o colapso das vigas ocorreu por compressão longitudinal da face superior e/ou por compressão transversal e corte das faces laterais. As vigas não protegida (NPST-S2) e protegida (AA-S2), expostas ao fogo em três faces, apresentaram uma rotura diferente das restantes vigas, tendo sido observado um mecanismo de colapso por corte com abaulamento das faces laterais, acompanhado por uma fissura na face superior. A campanha experimental realizada permitiu observar que nas vigas de GFRP expostas ao fogo apenas na face inferior, em que a rotura ocorreu no banzo superior e/ou na parte superior das almas, existe uma forte correlação entre: (i) o tempo de resistência ao fogo e (ii) o tempo decorrido até que as temperaturas na face superior se encontrem próximas da temperatura de transição vítrea do material (Tg). A comparação entre os resultados obtidos nas séries 1 e 2 permitiu concluir que o tipo de exposição ao fogo a que as vigas estão sujeitas, nomeadamente em 1 ou 3 faces, influencia de uma forma muito significativa os respectivos tempos de resistência ao fogo – na série 2 verificaram-se reduções da resistência ao fogo de 78% e 45%, respectivamente na viga não protegida e na viga protegida. A comparação dos resultados obtidos nas séries 1 e 3 permitiu observar que o aumento no nível de carga aplicada (cerca de 60%) causou uma redução moderada nos tempos de resistência ao fogo das vigas de GFRP – neste caso, verificaram-se reduções da resistência ao fogo de 14% e 20%, respectivamente na viga não protegida e na viga protegida. No que respeita à classificação do comportamento ao fogo, as vigas NPST-S1 e NPST-S3 foram classificadas como REI 30, as vigas TI-S1 e SC-S2 foram classificadas como REI 45, as vigas AC-S1, LR-S1, SC-S1, MI-S1 e SC-S3 foram classificadas como REI 60 e a viga AA-S1 foi classificada como pelo menos REI 120.

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7. REFERÊNCIAS [1] – J.R. Correia, “Materiais compósitos de matriz polimérica”, em Ciência e Engenharia dos Materiais de Construção (Editoras: F. Margarido e M.C. Gonçalves), IST Press, Lisboa, 2012. [2] – J.R. Correia, “Perfis pultrudidos de polímero reforçado com fibras de vidro (GFRP). Aplicação de vigas mistas-GFRP betão na construção”, Dissertação de Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, 2004. [3] – A. Samanta, M.R.E. Looyeh, S. Jihan, J. McConnachie, “Thermo mechanical assessment of polymer composites subjected to fire”, The Robert Gordon University, Aberdeen, 2004. [4] – A.P. Mouritz, A.G. Gibson, “Fire properties of polymer composite materials”, Springer, Dordrecht, 2006. [5] – J.R. Correia, F.A. Branco, J.G. Ferreira, Y.Bai, T. Keller, “Fire protection systems for building floors made of pultruded GFRP profiles. Part 1: Experimental investigations”, Composites Part B, 41, 617-629, 2010. [6] – P.M.H. Wong, J.M. Davies, Y.C. Wang, “An experimental and numerical study of the behavior of glass fibre reinforced plastics (GRP) short columns at elevated temperatures”, Composite Structures, 63, 33–43, 2004. [7] – J.R. Correia, “GFRP Pultruded Profiles in Civil Engineering: Hybrid Solutions, Bonded Connections and Fire Behaviour”, Tese de Doutoramento em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, 2008. [8] – J.J. Massot, “Glass Reinforced Plastics Heavy Load Flooring for Offshore Platforms”, In Proceedings of Composite Materials in the Offshore Industry, Institut Français du Pétrole: Rueil-Malmaison, France, 1994. [9] – ISO 834, “Fire resistance tests. Elements of building construction”, International Standards Organization, Genève, 1975.

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SISTEMA DE INSPECÇÃO, DIAGNÓSTICO E REABILITAÇÃO DE REVESTIMENTOS POR PINTURA EM FACHADAS REBOCADAS RITA PIRES

JORGE DE BRITO

BÁRBARA AMARO

Mestre em Eng. Civil (IST) Lisboa

Professor Catedrático IST/UTL Lisboa

Mestre em Eng. Civil (IST) Lisboa

SUMÁRIO No presente artigo, introduz-se um método de reabilitação que consiste na sistematização da inspec-ção, diagnóstico e reparação, através da compilação e estruturação da informação incluída na normalização actual e em publicações científicas, aplicada à patologia de tintas sobre fachadas rebocadas. Deste modo, sintetizam-se terminologias, técnicas e procedimentos num único sistema inovador que permite a inequívoca realização de acções de inspecção e intervenção em tintas, diminuindo o nível de especialização do inspector nesta matéria. O sistema é composto por várias ferramentas de apoio, nomeadamente listas classificativas, matrizes de correlação e fichas individuais que compilam a informação sobre patologia, diagnóstico e repara-ção. A metodologia de aplicação das ferramentas é, também, exposta no presente artigo. Para validação e ajuste do sistema proposto, fez-se a sua aplicação a uma amostra de 105 fachadas revestidas por pintura sobre reboco, na cidade de Lisboa, em Portugal. ABSTRACT This paper presents a rehabilitation method consisting on the systemization of the inspection, diagno-sis and rehabilitation through the compilation and structuring of the data included in present regula-tions and scientific publications, applied to the pathology of paintings on rendered façades. The terminology, techniques and procedures are synthesized in a single innovative system that allows unequivocal decision-making in terms of inspection and intervention actions in paintings, disregarding the experience level of the inspector on these subjects. The system is composed by several tools, namely classification lists, correlation matrices and individ-ual files compiling information on pathology, testing and repair techniques. The method for appliance of such tools is also exposed in this paper. For validation and calibration purposes, the proposed system was applied to a sample of 105 façades with painted renderings in the city of Lisbon, in Portugal.

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INTRODUÇÃO No presente artigo, apresenta-se um sistema de inspecção, diagnóstico e reparação de revestimentos por pintura em fachadas rebocadas, nomeadamente tinta de cal, plástica, de silicatos e de silicone. O sistema permite um correcto diagnóstico e intervenção para acções de manutenção ou reabilitação do tipo de revestimento em estudo, com base na identificação e classificação visual das anomalias e no reconhecimento das respectivas causas. Para tal, inclui várias ferramentas, nomeadamente: fichas de anomalias, nas quais se compila a informação relativa a cada anomalia; matrizes de correlação, que permitem relacionar a anomalia identificada com as causas mais prováveis, os ensaios mais adequados e as técnicas de reparação mais indicadas; fichas descritivas do procedimento de qualquer uma destas acções, de modo a garantir a mais correcta intervenção. No sentido de reunir toda esta informação, estudou-se a documentação mais actual disponível sobre a tecnologia deste tipo de tintas, tanto ao nível da normalização vigente, como de publicações que transmitam o conhecimento actual sobre manifestações patológicas, o seu diagnóstico e reparação. Adicionalmente, realizou-se uma aplicação do sistema a uma amostra real de 105 fachadas rebocadas com acabamento por pintura, a qual permitiu validar e ajustar o sistema proposto, assim como recolher dados estatísticos relevantes sobre este tipo de revestimento. No presente artigo, apenas se descreve o sistema, excluindo informação resultante da análise estatística, a qual será tema de outro artigo. Este estudo insere-se num conjunto mais alargado de trabalhos que têm vindo a ser desenvolvidos por vários autores, visando o desenvolvimento e implementação de uma ferramenta informática de apoio à inspecção de elementos não estruturais [1-5]. O resultado final insere-se num plano de estratégias pró-activas de manutenção de edifícios que permitem a mitigação de processos patológicos. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, referentes aos censos de 2011, nas edificações em Portugal, o acabamento mais comum é a tinta e a camada de revestimento seguinte mais frequente é o reboco. Outros estudos nacionais prevêem uma vida útil de 10 anos para tintas em fachadas [6] e de 17 a 20 anos para rebocos correntes [7], os quais, comparados com a vida útil prevista para a estrutura do edifício (de 50 anos), indicam a priori uma necessidade de acompanhamento e manutenção destes elementos. Dada a frequência de utilização de revestimentos por pintura sobre fachadas rebocadas, considera-se pertinente a elaboração de um método sistemático que permita a identificação de anomalias, o seu diagnóstico e a sua reparação, sem necessidade de recorrer a um especialista, mas que garanta simul-taneamente uma consciente e qualificada abordagem e tomada de decisão. Como referido, o sistema desenvolvido é constituído por diversas ferramentas que permitem auxiliar o inspector, tanto na fase inicial de inspecção como para a etapa de decisão. Com recurso a estas, simplifica-se o processo de reabilitação do referido tipo de acabamento, diminuindo a subjectividade do relatório de inspecção que, até à data, depende do nível de conhecimento e experiência do inspector. 1. ÂMBITO DE APLICAÇÃO Como referido, a elaboração deste sistema deve-se a uma necessidade crescente, que surge devido às características do conjunto edificado português, mas a sua aplicação abrange reabilitação de revesti-mentos exteriores por pintura sobre reboco, independentemente da sua localização. Deste modo, este revestimento é utilizado mundialmente, pelo que se apresenta como uma inovação aplicável não apenas a nível nacional mas também a nível internacional. O termo “tinta” significa, segundo a norma NP 41:1982 [8], “composição pigmentada líquida, pastosa ou sólida que, quando aplicada em camada fina sobre uma superfície apropriada, no estado em que é fornecida ou após fusão, diluição ou dispersão em produtos voláteis, é convertível ao fim de certo tempo numa película sólida, corada e opaca”. Atendendo a que o presente estudo reporta a revestimentos por pinturas de fachadas, considera-se adequada uma outra definição, que refere as tintas como misturas constituídas essencialmente por pigmentos, cargas, veículos e aditivos e que, aplicadas em camada fina, formam películas sólidas quando secas [9]. Adicionalmente, ainda que a norma NP EN 1062-1:1998 [10] defina os termos “produto de pintura” e “esquema de pintura”, opta-se no presente artigo, por designar por “tinta” o produto de pintura, por “pintura” o acto de aplicação de uma tinta sobre determinado substrato e por “revestimento por pintura” a película seca formada após o processo de cura da tinta [6]. Dentro das tintas passíveis de utilizar em fachadas, apenas se abordam aquelas aplicadas em rebocos nomeadamente, tintas de cal, plásticas, de silicatos e de silicone, excluindo desta maneira os produtos especialmente desenhados para aplicação em outros substratos, como madeiras ou metais.

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2. METODOLOGIA DE APLICAÇÃO DO SISTEMA O método de inspecção, diagnóstico e reparação de elementos não estruturais é constituído por várias etapas: identificação da anomalia; estudo de hipóteses de causas; proposta de estudos e ensaios auxiliares para um correcto diagnóstico; e recomendação do tipo de intervenção (Figura 1). Para cada etapa do processo de reabilitação, o sistema desenvolvido inclui várias ferramentas de apoio ao inspector (descritas em “3. Constituintes do sistema”). A etapa inicial do processo consiste na identificação das anomalias ocorridas, através de uma inspec-ção visual, e definição da sua tipologia, de acordo a lista de anomalias proposta. O inspector deverá ainda proceder à caracterização e mapeamento de cada anomalia, de acordo com os aspectos e parâmetros mais importantes a considerar, segundo as respectivas fichas de anomalias. A etapa seguinte é de reflexão sobre as possíveis causas das anomalias. Nesse sentido, inclui-se uma lista das causas mais comuns que originam anomalias em revestimentos por pintura de fachadas rebocadas, providenciando os vários tipos de acções ou condições que podem afectar o seu correcto funcionamento. Uma vez que uma anomalia pode dever-se a diversas causas, ou pode estar na origem do desenvolvimento de outras anomalias, o sistema proposto disponibiliza matrizes de correlação “anomalias-causas” e “inter-anomalias”, que permitem auxiliar o inspector nesta etapa, através da identificação das relações entre estas variáveis. Tanto na fase de caracterização das anomalias, como na de definição de causas, o inspector poderá necessitar de recorrer a técnicas auxiliares de diagnóstico que permitam clarificar a origem, características e nível de desenvolvimento do fenómeno patológico identificado. Os ensaios mais adequados encontram-se listados e o seu procedimento, equipamento necessário e recomendações particulares encontram-se nas fichas de ensaios elaboradas. O sistema proposto no presente artigo inclui ainda uma matriz de correlação entre cada técnica auxiliar de diagnóstico e cada anomalia. As três etapas do sistema são cíclicas: os ensaios permitem estudar e caracterizar uma anomalia que já se identificou, de forma a auxiliar na identificação da sua causa e retirar conclusões sobre a validade de hipóteses de causas anteriormente colocadas. Por este motivo, em cada ficha de anomalia encontram-se discriminadas as principais relações que existem com as possíveis causas e ensaios a realizar. .

Figura 1 - Representação esquemática do método sistemático de inspecção

Finalmente, conhecidos a fundo os fenómenos patológicos ocorridos na fachada inspeccionada, entra-se na etapa de decisão, na qual o inspector decide qual a técnica mais adequada para a reparação da anomalia e, se possível, define como mitigar a causa. As ferramentas propostas para esta etapa são uma lista das técnicas de reparação e uma associação entre estas e o tipo de anomalia, através de uma matriz de correlação. Os procedimentos de intervenção, equipamento necessário, custos associados e outros elementos importantes na tomada de decisão são descritos sucintamente em fichas de técnicas de reparação. Com recurso ao sistema criado, aplicado segundo a metodologia indicada, o inspector não necessita de ter um grau de especialização elevado para poder avaliar, diagnosticar e intervir em pinturas sobre fachadas rebocadas. No entanto, as características que deve possuir, recomendadas em todas as situações, são bom senso, sentido crítico e capacidade de adaptação a cada situação.

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3. CONSTITUINTES DO SISTEMA 3.1. Listas classificativas As ferramentas do presente sistema de inspecção, diagnóstico e reparação seguem um tipo de terminologia definido nas respectivas listas classificativas. Pretende-se que estas permitam padronizar as designações atribuídas a cada variável, para todos os casos de inspecção, independentemente do inspector encarregado ou da localização da inspecção. Por essa razão, recorre-se sempre que possível às terminologias e métodos de diagnóstico recomendados nas normativas vigentes [11-21]. No sentido de utilizar uma linguagem universal, recorreu-se, em parte, ao descrito na norma europeia EN ISO 4618:2006, que define os termos e definições específicos a utilizar para tintas e vernizes, e à NP EN ISO 4628, que fornece padrões visuais de referência, para além de outros meios de avaliação para tipos particulares de defeitos. Adicionalmente, estudaram-se referências relacionadas com patologia específica deste tipo de reves-timento ou de elementos similares [22-29] e respectivos métodos de intervenção [29-32]. O entendimento da relação entre anomalias e causas poderá atingir um nível de complexidade elevado, seja pela variedade de elementos, materiais e técnicas de cada época construtiva, pelo conhecimento limitado condições de utilização ou, ainda das acções ambientais e humanas ao qual está sujeito. Deste modo, no desenvolvimento de uma tipificação de anomalias e respectivas causas, procurou-se separar os dois conceitos, classificando e distinguindo os dois tipos de variável. 3.1.1. Lista classificativa de anomalias O critério utilizado para classificar anomalias é visual, permitindo identificar a tipologia de anomalia, apenas pela observação da mesma, na fase inicial de inspecção. Na lista classificativa de anomalias (Tabela 1), distinguem-se 14 tipos principais, divididos em cinco grupos que fazem distinção entre as várias formas de manifestação patológica: A-A Anomalias de aderência ao substrato, A-C Anomalias de coesão, A-Co Anomalias de cor, A-M Manchas e A-T Anomalias de textura. A Tabela 1 lista as referidas anomalias e respectivas classificações. A-A: ANOMALIAS DE ADERÊNCIA AO SUBSTRATO

A-A1 A-A2

Destacamento Empolamento A-C: ANOMALIAS DE COESÃO

A-C1 A-C2

Fissuração Pulverulência A-Co: ANOMALIAS DE COR

A-M: MANCHAS A-M1 A-M2

Captação de sujidade Colonização microbiológica

A-M3

Eflorescências

A-M4

Graffiti

A-T: ANOMALIAS DE TEXTURA A-T1

Crateras

A-Co1 A-Co2

Descoloração

A-T2

Escorridos

Encosturado

A-T3

Textura heterogénea

A-Co3

Repasse

Figura 1 - Anomalias de revestimentos por pintura

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O grupo de anomalias identificadas como “manchas” (A-M) ou de “cor” (A-Co) associam-se ambos à alteração da coloração da fachada, sendo que no caso das manchas se devem a deposição de matéria sobre a tinta e, ao outro caso, correspondem situações de alteração química da própria tinta original. Estes dois grupos constituem, na prática, os que efectivamente atingem o revestimento com maior frequência. Segundo o trabalho de campo realizado, 62,5% das anomalias em pinturas estão associadas à alteração da cor do revestimento por pintura (Figura 2).

Figura 2 - Distribuição de anomalias por grupos classificativos A lista de anomalias abrange, no entanto, mais grupos e tipologias de anomalias, de forma a abordar, de forma exaustiva, os tipos de manifestações patológicas que possam ocorrer ainda que possuam probabilidades baixas de ocorrer. Por exemplo, as anomalias AT1Crateras e AT2- Escorridos, verificaram-se com uma probabilidade de ocorrência numa fachada de apenas 1 e 2%, respectivamente, valores estes que, relativamente à quantidade de anomalias registadas na amostra, correspondem a 0,3 e 0,6% respectivamente. No sistema incluem-se estes fenómenos patológicos, uma vez que possui um carácter preventivo. 3.1.2. Lista classificativa de causas Como referido, criou-se uma lista classificativa somente para causas, uma vez que uma ou mais causas podem estar na origem de uma anomalia e esta relação pode nem ser necessariamente directa, nem ser imediata. Segundo diversos estudos, os factores que afectam as tintas sobre reboco podem ter origem física, química, ambiental ou externa. O nível de degradação de uma tinta também é influenciado pelas características do ambiente em que está inserido o edifício e a idade dos materiais aplicados [7]. Deste modo, no sistema de classificação proposto, agrupam-se as causas segundo as fases da vida da tinta, desde o momento de fabrico e aplicação, até às acções de manutenção durante o serviço. Durante a fase de fabrico / armazenamento (C-F), as condições de produção que não correspondam às especificações do fabricante, irão posteriormente manifestar-se sob a forma de anomalias. Da mesma forma, erros gerados na fase de concepção (C-C) do projecto, por incorrecção ou omissão das correctas prescrições de produto, da sua preparação, da sua aplicação, das condições ambientais a que está sujeito ou do tipo de suporte onde se irá aplicar, serão origem defeitos futuros. No entanto, ainda que se projecte correctamente, poderá ocorrer a deficiente execução dos trabalhos (C-E) por incumprimento das especificações, associado a uma insuficiente fiscalização dos trabalhos. Durante os trabalhos de aplicação e durante o tempo de serviço da pintura, esta estará sujeita a acções ambientais (C-A), como radiação solar, água, poluição, entre outros, que influem directamente sobre a tinta, podendo prejudicar o seu correcto funcionamento. Também durante a fase de serviço, podem ocorrer fenómenos de origem externa (acção humana, acção micro-bacteriológica, roturas em tubagens, envelhecimento natural, entre outros) que influem directamente sobre a funcionalidade da pintura. Associados a estes erros de utilização (C-U), estão também os de manutenção devido a uma incorrecta ou ausente intervenção. A lista que reúne a totalidade de causas mais prováveis de originar anomalias em pinturas é apresentada na Tabela 2.

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3.1.3. Lista classificativa de técnicas de diagnóstico Ainda que a primeira etapa da inspecção a revestimentos por pintura consista na apreciação visual para a identificação do fenómeno patológico, o uso de métodos complementares de diagnóstico permite pormenorizar e quantificar a informação recolhida, possibilitando uma melhor associação entre anomalias e potenciais causas, assim como uma caracterização e determinação da extensão da própria anomalia. Os métodos a utilizar devem ser preferencialmente tão pouco destrutivos quanto possível e de maior facilidade de utilização em obra, quer pela sua transportabilidade, montagem ou simplicidade de manejamento do equipamento. Outro factor relevante na tomada de decisão sobre o ensaio a propor é o custo associado [2]. Deste modo, a lista classificativa para ensaios / equipamentos proposta apenas inclui ensaios de realização in situ e procuram respeitar os critérios mencionados. Tabela 2 - Lista classificativa de causas para revestimentos por pintura C-F: DEFEITOS DE FABRICO / ARMAZENAMENTO C-F1

Defeitos de fabrico / armazenamento

C-C1 C-C2 C-C3 C-C4 C-C5

Prescrição incorrecta ou omissa do produto/esquema de pintura e/ou seus componentes, face ao que se destinam Prescrição incorrecta ou omissa do método de aplicação Prescrição incorrecta ou omissa das condições ambientais de aplicação Prescrição incorrecta ou omissa do tratamento prévio do substrato Negligência nas condições a exigir ao suporte

C-E1 C-E2 C-E3 C-E4 C-E5 C-E6 C-E7 C-A1 C-A2 C-A3 C-A4

Incumprimento do caderno de encargos, ou seja, inconformidade entre a prescrição e a execução Preparação do substrato omissa ou deficiente Erros na formulação do produto ou na mistura de componentes Método de aplicação inadequado ou mal executado Desrespeito do tempo de secagem entre demãos Aplicação em condições ambientais adversas Fiscalização / controlo de qualidade insuficiente C-A: ACÇÕES AMBIENTAIS C-A5 Radiação solar Água exterior C-A6 Temperatura extrema Poluição C-A7 Gases Erosão Humidade interna

C-U1 C-U2 C-U3 C-U4

Acção humana Acção microbacteriológica Manutenção ausente / inadequada Roturas em tubagens / inundações

C-C: ERROS DE CONCEPÇÃO

C-E: ERROS DE EXECUÇÃO

C-U: ERROS DE UTILIZAÇÃO / MANUTENÇÃO C-U5 C-U6 C-U7

Ventilação insuficiente da construção Acções de atrito inerentes ao uso Envelhecimento natural

Em alguns casos, a técnica poderá requerer a contratação de um técnico especializado para a sua execução e interpretação de resultados (como no caso da termografia de infravermelhos para detecção de humidade ou fontes de humidade). Dependendo de cada caso, o inspector pode decidir que essa técnica é a que mais lhe convém, ainda que implique maiores custos, realizando o balanço através da matriz de correlação “anomalias-técnicas de diagnóstico”. Na Tabela 3, é apresentada a lista classificativa de métodos auxiliares de diagnóstico de particular utilidade em pinturas, agrupados segundo o seu princípio de funcionamento.

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Tabela 3 - Lista classificativa de técnicas de diagnóstico para revestimentos por pintura D-A1 D-A2 D-B1

D-A Análise sensorial

Observação visual Análise táctil

D-B Avaliação das condições atmosféricas Determinação da orientação solar

D-B2

Medição das condições termo-higrométricas do ar

D-C1

Termografia de infra-vermelhos Medição do teor de água superficial das paredes

D-C2

D-C Avaliação das condições do substrato

D-C3

Medição do teor de água interno das paredes

D-D1 D-D2 D-D3

Condutivímetro Fitas colorimétricas

D-E1 D-E2 D-E3

Relação massa / área

D-F1

Avaliação do grau de empolamento D-G Avaliação do grau de fissuração

NP EN ISO 4628-2:2005

D-G1

Avaliação do grau de fissuração

NP EN ISO 4628-4:2005

D-I1

Método do lápis

D-J1 D-J2 D-J3

Método da faca Método da quadrícula Ensaio de tracção (método pull-off)

D-L1

Método da fita adesiva

D-M1

Especificação da cor pelo sistema de Munsell

D-D Identificação de sais solúveis

Kit de campo para análise química D-E Determinação da espessura da película Medição em profundidade Ultra-sons D-F Avaliação do grau de empolamento

D-I Avaliação da dureza da película

EN ISO 2808:2007 EN ISO 2808:2007 EN ISO 2808:2007

NP ISO 15184:2003 ou ASTM D3363-05 D-J Avaliação da aderência ao suporte

D-L Avaliação do grau de pulverulência D-M Análise da alteração de cor

ASTM D6677-07 NP EN ISO 2409:1995 NP EN 24624:1995 NP EN ISO 4628-6:2003 ASTM D1535-08

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3.1.4. Lista classificativa de técnicas de reparação No presente sistema, as técnicas de reabilitação encontram-se divididas em três categorias [4]: • técnicas preventivas: acções que prevêem a eliminação da causa, ainda que não curem directamente a anomalia; • técnicas curativas: acções que permitem a reparação directa da anomalia, tanto por eliminação, ocultação, ou protecção relativamente à causa, sem implicar a eliminação da causa; • acções de manutenção: trabalhos periódicos que têm como objectivo prevenir ou corrigir pequenas degradações, controlando a perda de funcionalidade durante o tempo de serviço da pintura. Particularmente no caso de pinturas sobre fachadas rebocadas, as técnicas de reparação são maioritariamente híbridas, uma vez que podem enquadrar-se em mais do que uma destas categorias. As dez técnicas de intervenção mais usuais sobre o tipo de revestimento em estudo são agrupadas na Tabela 4, segundo o nível de intrusão / destruição correspondente. R-A é o grupo de técnicas mais superficiais, onde se reúnem a limpeza, a escovagem e a lavagem, R-B já tem algum carácter destrutivo, ainda que parcial, implicando a remoção de parte do acabamento, e as técnicas R-C resumem-se na repintura do paramento. Figura 8: Módulos utilizados nos ensaios das séries 1 e 3 (vista lateral do forno).

R-A1 R-A2 R-A3 R-A4

R-A LIMPEZA DA PELÍCULA ADERENTE Escovagem / despoeiramento Lavagem manual com água e esponja Lavagem com água pressurizada (baixa pressão) Limpeza química

R-B1 R-B2 R-B3 R-B4

R-B REMOÇÃO TOTAL / PARCIAL DA PELÍCULA EXISTENTE Remoção com ferramentas manuais ou mecânicas Remoção com água pressurizada (alta pressão) Remoção com jacto abrasivo Decapagem química

R-C1 R-C2

R-C REPINTURA Repintura com produtos compatíveis adequados e aplicados nas condições especificadas pelo fabricante Repintura com produtos formulados especificamente para o tipo de anomalia em causa

3.2. Matrizes de correlação Como referido, as matrizes de correlação são ferramentas que fornecem informação sobre as relações entre anomalias e as restantes variáveis, pretendendo auxiliar o inspector a limitar as hipóteses que tenha. Estas resultam de um cuidado cruzamento de dados entre correlações providenciadas por pesquisa bibliográfica, com os resultados obtidos em campo, na referida amostra de 105 fachadas. O método de tratamento de dados utilizado advém de outros trabalhos que apresentam estudos à semelhança do presente [1-5]. 3.2.1. Matriz anomalias-causas Como referido, a matriz resulta da adaptação dos valores atribuídos teoricamente, à manipulação numérica dos resultados obtidos em campo, relativamente às variáveis “anomalias” e “causas”. Os possíveis níveis de correlação traduzem-se em 0 para correlação nula entre variáveis, 1 para causas indirectas (primeiras) e 2 para causas directas (próximas). Na matriz, as filas correspondem às anomalias, identificadas segundo o seu acrónimo e nas colunas apresentam-se as suas causas mais prováveis.

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O grau de correlação resultante do trabalho de campo (C_ac), resulta da aplicação do seguinte algoritmo [5]:

(1) (2) (3) Sendo f1 e f2 as relações entre o número de vezes que se relacionou uma causa com uma anomalia em campo, indirecta ou directamente, e o número total de vezes que essa causa esteve na origem de anomalias da amostra, indirecta ou directamente, respectivamente. A comparação e ajuste dos valores entre as matrizes teórica e prática são realizados individualmente, analisando os casos de discrepância. As discrepâncias podem ser classificadas como: • discrepância ligeira, quando se obtém uma variação de uma unidade entre os coeficientes de correlação teórico e prático; • discrepância total, quando esta variação é superior a uma unidade. Na Tabela 5, é apresentada a matriz final, após o referido tratamento de dados. Tabela 5 - Matriz de correlação “anomalias-causas” CAA1 A2 C1 C2 Co1 Co2 Co3 M1 M2 M3 M4 T1 T2 T3

F1 C1 C2 C3 C4 C5 E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 U1 U2 U3 U4 U5 U6 U7 1 1 1 2 1 1 1 1

1 1 1 1 1 2 2 1

0 1 0 0 0 1 1 0

1 1 1 0 0 1 0 0

2 2 1 1 0 0 1 0

2 1 2 1 0 0 2 0

1 1 1 1 1 2 1 1

2 2 1 1 0 0 2 0

1 1 1 1 1 2 1 1

1 1 1 0 0 2 1 0

1 1 1 0 0 2 0 0

1 1 1 0 0 1 0 0

2 1 1 1 1 2 2 1

0 0 2 2 2 0 0 0

0 1 1 2 1 0 0 1

1 0 1 0 1 0 0 1

2 2 2 2 1 0 0 2

2 2 2 2 2 0 0 2

0 0 1 0 1 0 0 2

1 0 0 1 0 0 0 0

1 0 0 0 0 0 0 1

1 1 0 0 0 0 0 0

2 2 2 1 2 1 1 2

1 2 0 0 0 0 0 0

1 2 1 1 0 0 0 1

0 0 0 1 0 0 0 1

1 0 1 1 1 0 0 1

1 1 0 2 2 1

1 0 0 1 1 1

0 0 0 1 1 1

1 0 0 1 1 1

1 2 0 1 0 1

1 1 0 1 0 1

1 1 0 1 2 1

1 1 0 1 0 1

1 0 0 2 1 1

0 0 0 1 2 2

0 0 0 0 1 1

1 0 0 1 1 1

1 1 0 1 1 1

1 1 0 0 0 0

1 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 0

2 2 0 1 0 0

2 2 0 0 0 0

1 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 2 0 0 0

2 0 0 0 0 0

2 2 2 0 0 1

1 2 0 0 0 0

2 1 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

1 0 0 0 0 0

3.2.2. Matriz inter-anomalias A matriz “inter-anomalias” determina estatisticamente as relações existentes entre uma anomalia detectada “k” e o desenvolvimento de uma anomalia “j”. Deste modo, as células da matriz são preenchidas por valores percentuais (CI%kj), contrariamente às restantes matrizes. Estes valores resultam da relação entre os índices de correlação entre as anomalias “k” e “j” (CIkj), e o índice de correlação teórico máximo possível de qualquer anomalia, relativamente à anomalia “k” (IMk), calculados segundo as seguintes equações [4]:

(4) onde cki e ckj provêm da matriz de correlação “anomalias-causas” e “N” é o número total de causas.

(5)

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Na Tabela 6, é apresentada a referida matriz de correlação, correspondendo as colunas à anomalia “j” e as linhas à anomalia “k”. Tabela 6 - Matriz de correlação “inter-anomalias”

A-A1 A-A2 A-C1 A-C2 A-Co1 A-Co2 A-Co3 A-M1 A-M2 A-M3 A-M4 A-T1 A-T2 A-T3

A-A1 69% 63% 59% 56% 56% 73% 58%

A-A2 64% 58% 57% 50% 53% 63% 53%

A-C1 57% 56% 64% 72% 50% 57% 61%

A-C2 45% 46% 54% 66% 32% 47% 55%

A-Co1 31% 30% 44% 48% 32% 30% 53%

A-Co2 33% 33% 33% 25% 34% 57% 29%

A-Co3 38% 35% 33% 32% 28% 50% 24%

A-M1 38% 37% 44% 48% 63% 32% 30%

64% 78% 75% 63% 50% 63%

66% 78% 50% 60% 50% 60%

60% 67% 50% 53% 46% 53%

52% 58% 25% 47% 35% 33%

40% 44% 50% 27% 27% 23%

26% 19% 25% 57% 81% 63%

28% 33% 25% 53% 46% 53%

46% 47% 75% 30% 27% 23%

A-M2 A-M3 55% 48% 61% 52% 58% 46% 59% 48% 63% 50% 38% 21% 47% 40% 61% 45% 67% 50% 47% 35% 40%

48% 50% 33% 19% 30%

A-M4 10% 7% 8% 5% 13% 6% 7% 16%

A-T1 33% 33% 31% 32% 25% 50% 53% 24%

A-T2 22% 24% 23% 20% 22% 62% 40% 18%

A-T3 33% 33% 31% 23% 22% 56% 53% 18%

8% 11% 0% 0% 7%

28% 28% 0% 58% 50%

18% 14% 0% 50% 50%

24% 25% 25% 50% 58%

3.2.3. Matriz anomalias-técnicas de diagnóstico A matriz de correlação “anomalias-técnicas de diagnóstico” possui uma estrutura semelhante à da matriz “anomalias-causas”, interpretando-se através dos índices de correlação 0, 1 e 2. Neste caso, os índices são interpretados da seguinte forma: 0 - sem correlação: não se identificam relações entre a anomalia e o ensaio em causa; 1 - correlação baixa: o ensaio permite um adequado diagnóstico, mas a sua prescrição é limitada por termos de execução técnica ou custos, possuindo um leque de aplicação relativamente pequeno; 2 - correlação alta: método de diagnóstico adequado, com uma exigência técnica baixa e custos reduzidos, com uma abrangência de aplicação alta. Para obtenção da matriz definitiva, realizou-se uma análise de entre os valores previsíveis segundo a bibliografia e as taxas de recomendação obtidas em campo, de acordo com o seguinte critério [4]: • concordância: 0 ≤ 17% ; 2 ≥ 33%; 17% ≤ 1 ≤ 50% • discrepância ligeira: 17% ≤ 2 < 33%; 1 > 50% ou 1 < 17%; 17% < 0 ≤ 33% • discrepância total: 2 < 17% ; 0 > 33% ajustando-se os valores iniciais de acordo com os resultados obtidos. A referida matriz é apresentada na Tabela 7. 3.2.4. Matriz anomalias-técnicas de reparação A matriz de correlação “anomalias-técnicas de reparação” é obtida por aplicação do mesmo critério definido para a matriz “anomalias-técnicas de diagnóstico”, interpretando-se os índices de correlação da seguinte forma: 0 - sem correlação; 1 - reparação preventiva ou de segunda opção para reparação ou manutenção (a técnica utilizada isoladamente pode não ser eficaz em algumas situações ou pode ter um nível de custos inaceitável); 2 - técnica curativa, de primeira opção para reparação ou manutenção. A referida matriz é apresentada na Tabela 8.

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Tabela 7 - Matriz de correlação “anomalias-técnicas de diagnóstico” DAA1 A2 C1 C2 Co1 Co2 Co3 M1 M2 M3 M4 T1 T2 T3

A1 A2 B1 B2 C1 C2 C3 D1 D2 D3 E1 E2 E3 F1 G1 I1 J1 J2 J3 L1 M1 2 2 2 0 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2

1 1 1 2 0 1 1 2 1 2 0 1 1 2

1 1 2 2 2 1 1 1 1 1 0 1 1 0

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 0

2 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2 2 2 1 0 0 0 1 1 1 0 0 0 0

1 1 1 0 0 0 0 1 1 1 0 0 0 0

1 1 0 0 0 0 0 1 1 2 0 0 0 0

1 1 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0

1 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0

1 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0

1 1 1 0 1 1 1 0 0 0 0 1 1 0

0 1 1 0 1 1 1 0 0 0 0 1 1 0

1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0

0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1 1 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0

1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 2 1 2 1 0 0 2 0 0 0

Tabela 8 - Matriz de correlação “anomalias-técnicas de reparação”

A-A1 A-A2 A-C1 A-C2 A-Co1 A-Co2 A-Co3 A-M1 A-M2 A-M3 A-M4 A-T1 A-T2 A-T3

R-A1 R-A2 R-A3 R-A4 R-B1 R-B2 R-B3 R-B4 R-C1 R-C2 0 0 0 0 2 2 1 1 2 0 0 0 0 0 2 1 1 1 2 0 0 0 0 0 2 1 1 1 2 0 2 1 1 0 0 0 0 0 1 2 1 1 0 0 1 0 0 0 2 0 1 1 0 0 1 0 0 0 1 2 1 1 0 0 1 0 0 0 2 0 2 2 2 2 1 0 0 0 1 0 2 1 1 2 0 0 0 0 1 1 2 1 1 2 1 0 1 0 1 2 2 0 2 2 0 1 1 0 1 2 1 1 1 1 1 0 0 0 2 0 1 1 1 1 1 0 0 1 2 0 0 0 0 0 1 0 0 0 2 0

4. FICHAS As fichas desenvolvidas são uma ferramenta essencial do sistema, uma vez que compilam toda a informação mencionada até a este ponto e a relacionam entre as diferentes variáveis. Adicionalmente, incluem informação geral de extrema importância e utilidade para o inspector

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Tabela 9 - Ficha de anomalia “A-T1 - crateras” FICHA DE ANOMALIA A-T1 DESIGNAÇÃO CRATERAS DESCRIÇÃO Aparecimento, na película, de pequenas depressões de forma circular que persistem após a secagem CAUSAS PROVÁVEIS - Presença de produtos com tensão superficial muito diferente da do ligante, de origem diversa (contaminantes do meio ambiente, da base de aplicação, de instrumentos de aplicação) e com composição variada (fibras, óleos, silicone, gorduras, sujidade, entre outros) (C-C1, C-C4, C-C5, C-E1, C-E2, C-E3, C-E7, C-F1) - uso de diluentes inadequados (C-C1, C-C2, C-E1, C-E3, C-E7, C-F1) - viscosidade excessiva do produto (C-C1, C-E1, C-E3, C-E7, C-F1) - presença de correntes de ar durante a aplicação (C-C2, C-C3, C-E6, C-E7) - incompatibilidade química de constituintes na formulação do produto (C-C1, C-E1, C-E3, C-E4, C-E7, C-F1) - rebentamento de bolhas existentes na superfície da película com origem em empolamentos (C-A4) - afectação do aspecto estético da película

CONSEQUÊNCIAS POSSÍVEIS

- variação na textura da superfície - propagação de destacamentos - encorajamento de captação de sujidade e desenvolvimento microbiológico - diminuição da capacidade de protecção do revestimento ASPECTOS A INSPECCIONAR - alteração do aspecto da película em relação àquilo que estava previsto - se possível, condições ambientais de aplicação, tipo e componentes da tinta aplicada - área afectada - existência de empolamentos ENSAIOS A REALIZAR - observação visual e análise táctil (D-A1, D-A2) - determinação das condições ambientais: orientação solar (D-B1) e condições termo-higrométricas do ar (D-B2) - determinação da espessura da película (D-E1, D-E2, D-E3) - se aplicável, avaliação do grau de empolamento (D-F1) PARÂMETROS CONDICIONANTES - percentagem de área afectada 0 - ≤ 5% de área afectada

NÍVEL DE GRAVIDADE / URGÊNCIA DE ACTUAÇÃO

1 - > 5% de área afectada SOLUÇÕES DE REPARAÇÃO Dependendo da extensão do defeito: - efectuar a escovagem/despoeiramento da superfície, lixagem ou lavagem (R-A1, R-A2, R-A3, R-A4, R-B1) - efectuar a repintura com produtos adequados e segundo as instruções do fabricante (R-C1)

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O sistema inclui três tipos de fichas: ficha de anomalias, ficha de técnica de diagnóstico e fichas de técnicas de reparação. As primeiras, além de fornecerem uma descrição da tipologia de anomalia, referem os parâmetros mais relevantes a avaliar, de forma a permitir uma adequada caracterização e determinação do nível de urgência de intervenção. O nível de urgência de intervenção é um parâmetro numérico, variável entre 0, 1 e 2 que determina a necessidade de intervenção até 6 meses, 1 ano ou apenas de monitorização, respectivamente. As fichas, simultaneamente, incluem a informação respeitante às causas mais prováveis, ensaios mais úteis e técnicas de reparação mais indicadas, segundo as respectivas matrizes de correlação. Na Tabela 9, é apresentada uma ficha de anomalia, a título exemplificativo. As fichas de técnicas de diagnóstico introduzem, para cada ensaio passível de se realizar, toda a informação relevante, nomeadamente equipamento e procedimentos, assim como uma base de ponderação sobre as vantagens de desvantagens da utilização de cada método face às condições de cada inspecção. Na Tabela 10, é apresentada uma destas fichas. Tabela 10 - Ficha de técnica de diagnóstico “D-E3 - ultra-sons” FICHA DE MÉTODO DE DIAGNÓSTICO D-E3 DESIGNAÇÃO Ultra-sons DESTRUTIVO / NÃO DESTRUTIVO ND OBJECTIVOS Determinação da espessura da película, determinação de perfil da parede, detecção de cavidades, fissuras ou outros defeitos não visíveis EQUIPAMENTO NECESSÁRIO Unidade central de medição, regulação e leitura de sinal; 2 transdutores; módulo de calibração; massa para fixação dos transdutores. DESCRIÇÃO DO MÉTODO 1. Calibra-se o aparelho de medição de ultra-sons através do módulo de calibração, de velocidade de propagação conhecida; 2. Acoplam-se os transdutores à superfície do revestimento a ser ensaiado, evitando-se o aprisionamento de ar entre as interfaces, o que pode alterar a velocidade de propagação das ondas (o acoplamento correcto entre superfícies pode ser garantido através da utilização de lubrificantes e pressão apropriados); 3. Medir o sinal passado entre transdutores, no painel de leitura da unidade central; 4. Correlacionar o atraso da onda ultra-sónica com as espessuras do perfil da parede. VANTAGENS Permite verificar se, em média, os valores da espessura da película se encontram dentro dos limites especificados. Permite uma rápida e precisa obtenção de resultados. Pode ser utilizado em superfícies irregulares e em curva. Permite detectar defeitos não visíveis, sem recorrer a métodos destrutivos LIMITAÇÕES O rigor das medições depende do posicionamento correcto dos transdutores, da boa ligação entre interfaces e de alguns factores ambientais, como temperatura e humidade, pelo que as medições devem ser realizadas por pessoal experiente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / NORMATIVAS EN ISO 2808:2007 [13], PEREIRA (2011) [3], TODOMEDICION (2010) [33], CHECKLINE (2010) [34].

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Finalmente, as fichas de técnicas de reparação apresentam todo o procedimento da técnica, com a vantagem de incluírem aspectos a ter em conta na tomada de decisão e uma base orçamental de custos associados. Na Tabela 11, apresenta-se um exemplo deste tipo de ficha. Tabela 11 - Ficha de técnica de reparação “R-B1 - remoção com ferramentas manuais ou mecânicas” FICHA DE TÉCNICA DE REPARAÇÃO R-B1 DESIGNAÇÃO Remoção com ferramentas manuais ou mecânicas CLASSIFICAÇÃO DA TÉCNICA Curativa OBJECTIVOS Remoção local de tinta existente e de zonas destacadas, regularização de textura e eliminação de contaminantes muito aderentes EQUIPAMENTO NECESSÁRIO Escovas metálicas, raspadeiras ou espátulas, facas, lixas, escovas e discos abrasivos rotativos MATERIAL A APLICAR n.a. DESCRIÇÃO DO MÉTODO Com o auxílio das ferramentas enunciadas, remover a película, deixando ou não, consoante a prescrição, as zonas sãs aderentes. VANTAGENS

• Permite remover pequenas áreas degradadas, mantendo a área sã intacta; • técnica simples e económica, não carecendo, na generalidade, de mão-de-obra especializada. LIMITAÇÕES

• A lixagem requer experiência da mão-de-obra, quando se pretende manter a película existente sem rasgos; • trabalho lento e minucioso; • método desadequado para grandes áreas e superfícies muito rugosas; • a técnica gera pó e resíduos que terão que ser recolhidos e tratados. ESTIMATIVA DE CUSTOS E MÃO-DE-OBRA Mão-de-obra: operário não especializado (5 m2/h/operário) Custo estimado: 1,3 €/m2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / NORMATIVAS RODRIGUES et al. (2006) [29], MARQUES et al. (2000) [8], BOSCH (2010) [35].

5. CONCLUSÃO No presente artigo, expôs-se um sistema de inspecção, diagnóstico e reparação de revestimento por em fachadas rebocadas, que permite facilitar o seu processo de reabilitação, através de um completo conjunto de ferramentas. O artigo foca-se na exposição do conjunto de ferramentas do sistema e na sua aplicação, que resultam de um trabalho de compilação e organização de informação obtida através de pesquisa bibliográfica e da experiência prática do trabalho de campo (aplicação em 105 fachadas revestidas por tinta). A descrição pormenorizada de tipologias de anomalias, causas, ensaios e reparação é tema de diversos outros documentos que serviram de referência para a construção do sistema apresentado, pelo que, o presente artigo não se estende à descrição intensiva e individual das variáveis apresentadas. Deste modo, são apresentadas listas classificativas, as quais distinguem 14 tipologias de anomalias, distribuídas em cinco grupos de acordo com a sua expressão física, detectada visualmente. Identifi-cam-se 27 possíveis causas da origem e desenvolvimento de

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anomalias, divididas em cinco grupos, segundo as várias fases de possível ocorrência, na vida deste tipo de revestimento. Listam-se 21 técnicas auxiliares de diagnóstico, organizadas em 11 grupos, de acordo com o princípio de funcionamento associado, e as 10 técnicas de intervenção mais usuais agrupadas segundo os três níveis de intrusão / destruição correspondentes. Para cada anomalia, estudouse e calculou-se a relação possível com as restantes variáveis, apresentando os resultados em forma de quatro matrizes de correlação. Ainda se desenvolveu um total de 45 fichas individuais, sucintas e descritivas, de cada tipologia de anomalia, cada ensaio listado e cada técnica de reparação mencionada. O sistema aplica-se à maioria dos edifícios do património nacional, podendo aplicar-se inclusivamente a nível mundial, uma vez que este tipo de revestimento é bastante comum internacionalmente. Uma análise estatística dos dados recolhidos em campo é apresentada noutro artigo. 6. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio do ICIST, IST e FCT. 7. REFERÊNCIAS [1] NETO, N.; BRITO, J.. Inspection and defect diagnosis system for natural stone cladding (NSC). Journal of Materials in Civil Engineering, Vol. 23, Issue 10 (2011), pp. 1433-1443). [2] BRITO, Jorge de. Sistemas de inspecção e diagnóstico em edifícios. In 3º Encontro Nacional sobre Patologia e Reabilitação de Edifícios. Porto, 2009, pp. 13-23. [3] PEREIRA, A.; PALHA, F.; BRITO, J.; SILVESTRE, J. D. Inspection and diagnosis system for gypsum plasters in partition walls and ceilings, Construction and Building Materials, Vol. 25, Issue 4 (2011), pp. 2146-2156. [4] SILVESTRE, J. D.; BRITO, J. Inspection and repair of ceramic tiling within a building manage-ment system. Journal of Materials in Civil Engineering, ASCE. Vol. 22, Issue 1 (2010), pp. 39-48. [5] SILVESTRE, J. D.; BRITO, J. Ceramic tiling inspection system, Construction and Building Mate-rials, Vol. 23, Issue 2 (2009), pp. 653-668. [6] CHAI, C.; BRITO, J.; SILVA, A.; GASPAR, P. Previsão da vida útil de paredes de exteriores. Engenharia Civil, n.º 41, Escola de Engenharia da Universidade do Minho, Guimarães, Setembro de 2011, pp. 51-63. [7] GARRIDO, M. A.; PAULO, P. V.; BRANCO, F. A. Service life prediction of façade paint coatings in old buildings, Construction and Building Materials, Vol. 29, April 2012, pp. 394–402. [8] NP 41:1982 Tintas e vernizes. Terminologia. Definições. CT-3, Instituto Português da Qualidade, Caparica, Portugal. [9] MARQUES, M.; RODRIGUES, M. Tintas, vernizes e revestimentos por pintura para a construção civil. 3ª Edição, LNEC, Lisboa, 2000. [10] EN 1062-7:2004 Paints and varnishes. Coating materials and coating systems for exterior masonry and concrete. Part 7: Determination of crack bridging properties. European Committee for Standardization (CEN), Brussels, Belgium. [11] ASTM D661-93: Standard test method for evaluating degree of cracking of exterior paints. American Society for Testing and Materials, Philadelphia, USA, 2005.[12] EN ISO 2808:2007 Paints and varnishes. Determination of film thickness. European Committee for Standardization (CEN), Brussels, Belgium. [13] EN ISO 4618:2006 Paints and varnishes. Terms and definitions. European Committee for Stand-ardization (CEN), Brussels, Belgium. [14] NP EN 1062-1:1998 Tintas e vernizes. Produtos de pintura e esquemas de pintura a aplicar em alvenarias e betão no exterior. Parte 1: Classificação. CT-3, Instituto Português da Qualidade, Ca-parica, Portugal. [15] NP EN ISO 4628-1:2005 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designa-ção da quantidade e dimensão de defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspecto. Parte 1: Introdução geral e sistema de designação. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [16] NP EN ISO 4628-2:2005 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designação da quantidade e dimensão de defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspecto. Parte 2: Avaliação do grau de empolamento. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [17] NP EN ISO 4628-4:2005 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designação da quantidade e dimensão de

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defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspecto. Parte 4: Avaliação do grau de fissuração. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [18] NP EN ISO 4628-5:2005 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designação da quantidade e dimensão de defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspecto. Parte 5: Avaliação do grau de descamação. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [19] NP EN ISO 4628-6:2003 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designa-ção da quantidade e dimensão de defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspecto. Parte 6: Classificação do grau de pulverulência pelo método da fita adesiva. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [20] NP EN ISO 4628-7:2005 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designa-ção da quantidade e dimensão de defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspecto. Parte 7: Avaliação do grau de pulverulência pelo método do tecido aveludado. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [21] NP ISO 15184:2003 Tintas e vernizes. Determinação da dureza da película. Método do lápis. Instituto Português da Qualidade (IPQ), Caparica, Portugal. [22] GAYLARD, C. C.; MORTON, L. H. G.; LOH, K.; SHIRAKAWA, M. A. Biodeterioration of external architectural paint films - a review, International Biodeterioration & Biodegradation, Vol. 65, Issue 8, December, 2011, pp. 1189–1198. [23] ABERLE, T.; KELLER, A.; ZURBRIGGEN, R. Efflorescence. Mechanisms of formation and ways to prevent. In 2º Congresso Nacional de Argamassas para Construção - APFAC, Lisboa, 2007, pp. 01-07. [24] ARAÚJO, A.; BRITO, J.; JÚLIO, E. Manual de inspecção de patologia exterior de construções edificadas em Portugal no período de 1970 a 1995. Relatório ICIST, DTC n.º 12/08, Instituto Su-perior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, 2008. [25] DANIOTTI, B. Performance characteristics’ degradation and paints’ protective degree for wall components subject to durability tests. 9th International Conference - Durability of Building Mate-rials and Components (9DBMC-2002), Paper 037, Vol. I, Brisbane, Australia (2002), pp. 1 - 8. [26] EUSÉBIO, M; RODRIGUES, M. Anomalias em pinturas de paramentos exteriores e interiores de alvenaria e respectivas soluções de reparação. Cadernos de Edifícios n.º 5, LNEC, Lisbon (2010). [27] FLORES-COLEN, I.; BRITO, J.; FREITAS, V. (2008) - Stains in façades’ rendering - Diagnosis and maintenance techniques’ classification. Construction and Building Materials 22, pp. 211-221. [28] GASPAR, P., BRITO, J., Limit States and Service Life of Cement Renders on Façades. Journal of Materials in Civil Engineering, Vol. 23, No. 10, October 2011, pp. 1396-1404. [29] RODRIGUES, M.; EUSÉBIO, M.; RIBEIRO, A. Revestimentos por pintura - Defeitos, causas e reparação, Informações Técnicas e Científicas - Patologia e Reabilitação das Construções, 2ª Edi-ção, LNEC, Lisboa (2006). [30] ASTM E1857-97: Standard guide for selection of cleaning techniques for masonry, concrete, and stucco surfaces. American Society for Testing and Materials, Philadelphia, USA, 2004. [31] CARMONA-QUIROGA, P.; MARTÍNEZ-RAMÍREZ, S.; SÁNCHEZ-CORTÉS, S.; OUJJA, M.; CASTILLEJO, M.; BLANCO-VARELA, M. Effectiveness of anti-graffiti treatments in connection with penetration depth determined by different techniques. Journal of Cultural Heritage 11, 2010, pp. 297-303. [32] CHAPMAN, S. Laser technology for graffiti removal. Journal of Cultural Heritage (1), 2000, S75-S78. [33] TODOMEDICION (2010) - http://www.todomedicion.com.ar. Página web de revendedor de equipamentos de medição, consultada a 5 de Abril de 2010. [34] CHECKLINE (2013) - http://www.checkline.com/ Página web de revendedor de instrumentos de precisão para controlo de qualida de, consultada a 10 de Junho de 2010. [35] BOSCH (2010) - http://www.boschtools.com - Página web de fabricante de ferramentas eléctricas, consultada a 6 de Dezembro de 2010.

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PROPOSTA DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO M. P. ROCHA

A. SOEIRO

Eng.ª Civil FEUP Porto, Portugal

Professor Associado DEC - FEUP Porto, Portugal

SUMÁRIO A elevada produção de RCD, constitui uma das principais preocupações a considerar pelos responsáveis da construção civil, visto este setor contribuir de forma significativa para a sua produção. Neste artigo, apresentam-se um conjunto de práticas com vista ao desenvolvimento sustentável na sua gestão ao longo do processo construtivo bem como um conjunto de indicadores que permite avaliar o modo como esta gestão é feita.

ABSTRACT The high production of construction and demolition waste is a major concern to the people responsible for construction, as this sector contributes significantly to its production. In this article, it is presented a set of practices and indicators that should be adopted to have a sustainable development of waste management during the construction process.

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1. INTRODUÇÃO: SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUÇÃO A indústria da construção é um dos setores mais ativos em toda a Europa, consumindo mais matérias-primas do que qualquer outra atividade. É, também, uma das maiores consumidoras de energia bem como produtora de resíduos, o que a torna uma atividade pouco sustentável. Assim, mostra-se importante, alterar o pensamento dos seus responsáveis interligando-a com os princípios de desenvolvimento sustentável [1, 2]. A indústria da construção só era competitiva caso tivesse a qualidade exigida em projeto, utilizasse sistemas construtivos que melhorassem a produção construtiva e que reduzisse o período de construção, isto sem alterar custos de construção [3]. Atualmente, à indústria da construção é muitas vezes aplicado o conceito sustentabilidade, o qual enuncia que deve existir um equilíbrio entre as três dimensões: económica, social e ambiental. No entanto, é à dimensão económica que é dada maior importância, havendo um desequilíbrio em relação às restantes dimensões, o que coloca em risco as gerações futuras, a curto prazo [3]. O papel dos empreiteiros na procura da sustentabilidade, segundo as práticas tradicionais é mínimo, sendo que são considerados agentes passivos neste processo. No entanto, devido à crescente preocupação e compreensão dos impactes negativos causados pela fase construtiva, o reconhecimento da importância da intervenção adequada dos empreiteiros pela empresa de construção, facilita a implementação de uma construção sustentável [4]. Assim, no presente artigo, é feita uma análise da sustentabilidade na construção e da importância da sua adoção no setor construtivo, mais especificamente no que respeita à gestão dos resíduos de construção e demolição. 2. RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO Os resíduos são resultado de todas as atividades do Homem no dia-a-dia, sendo a sua produção praticamente inevitável. Deve adotar-se uma gestão de resíduos que possibilite a minimização da sua produção, controlando as atividades que os originam. Para isso deve existir uma relação entre a gestão de resíduos e a construção sustentável, que melhore esta gestão, diminuindo impactes ambientais consequente da menor produção de resíduos. Isto porque estes representam uma perda de recursos, na forma de materiais e energia [5]. É fundamental conhecer as especificidades dos Resíduos de Construção e Demolição, abreviadamente, designados por RCD. Para executar esta gestão deve-se relacionar a legislação ambiental com a legislação relativa ao setor da construção civil. Deste modo, há necessidade de recorrer a legislação própria para executar a sua gestão, legislação essa definida no Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE) e no Código dos Contratos Públicos (CCP). É fundamental articular a legislação para se conhecerem as obrigações das empresas. Para além do Regime Geral da Gestão de Resíduos (Decreto-Lei n.º178/2006) onde são enunciados os princípios gerais da gestão de resíduos, surge o regime geral de gestão de RCD (Decreto-Lei n.º46/2008) através do qual se criaram condições legais para sua correta gestão 3. PREVENÇÃO E GESTÃO DE RCD 3.1 Práticas de prevenção e gestão de RCD [6] De seguida, apresenta-se um conjunto de práticas a aplicar de modo sequencial (antes, durante e após o processo construtivo) que passam pela prevenção, reutilização e valorização dos resíduos. Através da sua implementação, a empresa de construção melhorará os resultados ao nível da prevenção e gestão de RCD. Funcionam como um complemento aos aspetos legislativos referidos anteriormente. São definidas ao longo de sete etapas como está representado no esquema da figura 1.

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Figura 1. Práticas de prevenção e gestão de RCD, adaptado de [6]

Antes de se iniciar o processo construtivo deve ser feito um planeamento do modo como irá decorrer a gestão de RCD e para isso deve ter-se em consideração as seguintes medidas: • Adotar práticas que minimizem o desperdício em obra, tais como selecionar materiais de construção cujos fornecedores tenham em consideração aspetos ambientais para minimizar a produção deste tipo de resíduos, optar por práticas construtivas que geram menor quantidade de resíduos e fazer a triagem e a reutilização na própria obra, sempre que for possível; • Determinar o tipo de resíduos produzidos e definir os vários destinos para onde estes são encaminhados; • Determinar a posição das instalações de depósito de RCD e o nível de triagem; • Determinar a frequência com que os RCD serão recolhidos; • Prever questões de segurança relacionadas com este tipo de gestão; e • Definir medidas para evitar a contaminação ambiental provocada, por exemplo, por resíduos perigosos. Ainda anteriormente ao início da fase construtiva deve ser implementada uma cultura no sentido da sensibilização e formação dos participantes na gestão de RCD, para que todos tenham acesso à informação relevante neste tipo de gestão. A formação sobre a gestão de RCD deve abranger os seguintes temas como o reconhecimento e classificação de resíduos, interesses e práticas do tipo, práticas proibidas e algumas regras específicas, medidas de segurança relativas à gestão de resíduos, aspetos gerais sobre o conteúdo do Plano de Prevenção e gestão de RCD, entre outras que se mostrem importantes conforme o tipo de obra. Devem definir-se também o tipo de resíduos a produzir, estimar a quantidade de cada um e definir os destinos para onde estes são encaminhados e a frequência com que devem ser recolhidos, para contactar operadores licenciados de RCD. Iniciado o processo construtivo, todos os intervenientes na gestão de RCD devem estar devidamente informados e coordenados para que as diferentes tarefas sejam executadas conforme o que foi planeado. A gestão de RCD deve ser submetida a um controlo para que sejam verificados se as práticas definidas anteriormente estão a ser executadas conforme o previsto, o que evita a existência de não conformidades e custos adicionais. Assim, deve ser verificada a qualidade da triagem e o cumprimento das disposições especificadas no Plano de Prevenção e Gestão, por parte dos trabalhadores da própria empresa e de subcontratados. Depois de concluído o processo construtivo, deve ser feita uma análise comparativa, entre o que foi feito na prática e o que estava teoricamente previsto. Com os resultados obtidos são retiradas conclusões para futuros projetos em obras equivalentes. Sempre que ações de prevenção e gestão de RCD se mostrem vantajosas para a empresa de construção, devem ser desenvolvidas e quantificadas através da comparação com locais semelhantes, onde estas não sejam implementadas.

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3.2 Nomeação de um responsável pela gestão de RCD Devido ao elevado número de ações a executar neste tipo de gestão a empresa de construção deve nomear um responsável pela gestão de RCD. Este deve planear antecipadamente à fase construtiva a adoção de soluções que privilegiem a limitação do desperdício, a redução da perigosidade, promovendo a reutilização e valorização de resíduos, permitindo um melhor controlo de custos, o que torna o processo construtivo mais sustentável. O responsável pela gestão de RCD deve implementar de forma bem sucedida as operações planeadas correspondentes à prevenção e à gestão dos resíduos e assegurar que esta é executada em conformidade com o que foi pensado anteriormente. É o interlocutor entre a empresa de construção e os vários intervenientes em obra no que respeita a esta matéria. 4. PROPOSTA DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO DE RCD 4.1 Apresentação da proposta Para auxiliar esta análise de resultados, criaram-se indicadores de desempenho, os quais na sua maioria são de cálculo mensal. Estes permitem ao responsável por toda a gestão de RCD melhorar a gestão e comparar os dados entre as várias obras da empresa construtora. Tendo em conta os objetivos do desenvolvimento sustentável, devem ser consideradas todas as práticas privilegiadas ao longo da gestão de resíduos e que permitem a sua prevenção, reutilização e outras formas através das quais se oferece uma nova utilização ao material. De seguida, apresenta-se um esquema com os principais aspetos a serem avaliados para a criação de um conjunto de indicadores relativos à análise da sustentabilidade na gestão de RCD, segundo as grandes vertentes do desenvolvimento sustentável. Os resultados dos indicadores segundo as três vertentes devem ser interpretados em conjunto.

Figura 2. Proposta de indicadores de sustentabilidade na gestão de RCD 4.2 Apresentação dos Indicadores 4.2.1 Análise Ambiental Apresentam-se, de seguida, os indicadores relativos à vertente ambiental do desenvolvimento sustentável que avaliam a produção, composição, destino e recolha dos RCD.

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Através do cálculo dos indicadores relativos à Produção, determinam-se quais as obra com melhores ou piores técnicas de prevenção de RCD, utilizadas pela empresa e avalia-se em que medida é que a aplicação de práticas preventivas com vista a redução da quantidade de RCD, são benéficas ou não para o tipo de local. Ao quantificar os indicadores referentes à composição e ao destino de um conjunto de RCD de uma dada construção determinam-se quais os resíduos enviados segundo os diferentes destinos (reutilização na própria obra ou noutro local, valorização e eliminação) em função da sua composição. A partir do cálculo destes indicadores, identificam-se ainda quais as obras, que cumprem da melhor forma o princípio da hierarquia das operações de gestão de RCD. Ao existir um registo contínuo de não conformidades ao nível da gestão de RCD, identificam-se a existência de erros de triagem, frequência mal estimada ao nível das ações de recolha, ausência de sinalética, entre outras. Deste modo, conhecem-se os aspetos a melhorar e a abordar de forma mais intensiva em novas ações de formação. A frequência de recolha permite saber com que periodicidade é feita a recolha de resíduos do estaleiro num dado período de tempo e averiguar se esta é a ideal. Caso não seja, a análise deste indicador permite a sua retificação. É fundamental ter a perceção do estado em que os contentores se encontram no momento anterior á sua recolha. Podem verificarse atrasos ou adiantamentos por parte do operador de resíduos, ou a existência de erros na estimativa da frequência de recolha, ao longo das diferentes fases do processo construtivo. Tabela 1. Fórmula de cálculo dos indicadores da análise ambiental.

Indicador

Fórmula de cálculo

Produção (ton/m2) Redução da produção (ton)

Destino (%)

Composição (%)

Não conformidades (n.º) Frequências de recolha (n.º)

Atribuição de uma classificação: A/B/C/D/E A – Contentor com todo o volume ocupado

Classificação do contentor (qualitativa)

B – Contentor cujo volume ainda não foi completamente preenchido C – Contentor quase vazio D – Contentor sobrelotado E – Contentor completamente vazio

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4.2.2 Análise Económica Através da análise económica, avaliam-se os custos com a gestão de RCD bem como as suas causas. O custo da gestão de RCD tem em consideração a área de construção que origina a produção destes resíduos, para que se avalie a sua representatividade em cada tipo de obra. Através do custo com não conformidades avalia-se qual o consequente custo em função de não conformidades e determina-se a sua representatividade na gestão de resíduos. Determina-se também o desvio entre o custo de gestão RCD estimado inicialmente, e o efetivamente praticado pela empresa e averigua-se o porquê da existência desse desvio melhorando-se o controlo de custos desta gestão. Tabela 2. Fórmula de cálculo dos indicadores da análise económica

Indicador Custos com RCD (€/ m2) Custos com não conformidades (%) Desvio do custo da gestão de RCD (€)

Fórmula de cálculo

4.2.3 Análise Social Fazendo uma análise da vertente social, pretende-se avaliar o tempo dedicado à formação. Através da comparação com outros indicadores, obtém-se valores de referência em função do tipo de obras, relevante para efeitos de cálculo do número ideal de horas a dedicar à formação relacionada com o RCD. O Indicador da Participação em Reuniões permite a avaliação em percentagem das presenças nas ações de formação e a comparação, por exemplo, com o resultado do indicador das não conformidades.

Tabela 3. Fórmula de cálculo dos indicadores da análise social

Indicador

Fórmula de cálculo

Tempo de formação (h/trab) Participação em reuniões (%)

4.3 Registo dos dados de cálculo Para que sejam analisados os indicadores apresentados anteriormente, deve fazer-se um registo contínuo de todo os dados relevantes para o cálculo dos mesmos, no decorrer do processo construtivo. No que respeita às quantidades de RCD para obter estes valores devem ser consultados os certificados de receção onde se encontra o registo do peso dos vários resíduos enviados para valorização e eliminação no mês em causa. A quantidade de resíduos reutilizados deve ser estimada e registada caso não existam no estaleiro meios apropriados para a sua pesagem.

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Na determinação da produção de RCD sem aplicação de medidas preventivas a empresa de construção deve possuir o registo de valores em obras onde não se aplicaram medidas preventivas ou o responsável por esta gestão estima o seu valor supondo que não foram aplicadas tais medidas, ou seja, considerando que resíduos evitados ou reutilizados foram produzidos. No caso da recolha de RCD deve consultar-se o registo dos certificados e guias de receção e averiguar quantas recolhas foram feitas no mês em causa em função dos diferentes resíduos. No caso de existirem frequências de recolha diferentes, deve fazer-se esse registo. Para se registar o estado dos contentores durante as ações de recolha, o responsável pela gestão de RCD ou um assistente nomeado, deve estar presente no ato da recolha e registar o estado em que este se encontra no momento de tal ação. No que concerne às não conformidades devem ser registadas pelo responsável da gestão de RCD ou por outro interveniente nesta gestão, sempre que sejam detetadas, num documento próprio onde possa ser feito o seu controlo. Os dados relativos aos custos devem ser obtidos em conjunto com um técnico do departamento financeiro da empresa. Por último, os dados sobre a formação dada devem ser verificados os registos de informação acerca de ações formativas bem como o número de presenças nas mesmas. 4.4 Modo de cálculo: critérios de pontuação e ponderação Depois da formulação dos indicadores, estes devem ser devidamente pontuados e ponderados em função de cada tipo de obra, de modo a obter um índice final que permita retirar conclusões assertivas sobre a sustentabilidade na gestão de RCD. Assim não devem ser comparados indicadores e índices associados a diferentes tipos de obras (construção, reabilitação e demolição) pois estas encontram-se associadas a um diferente grau de dificuldade na sua gestão devido à diferente quantidade de resíduos produzidos [7]. Na obtenção de um valor de análise global define-se que quanto mais próximo de zero for o valor final do índice de sustentabilidade na gestão de RCD mais sustentável foi a gestão para a obra em análise [8]. A pontuação deve ser definida em forma de intervalo, tendo como referência valores obtidos em diferentes tipos obras. Estas devem ser testadas e melhoradas conforme a sua aplicação prática. A ponderação deve ser atribuída em maior valor aos indicadores que devem ter melhores resultados de acordo com as condicionantes encontradas em cada obra. No caso dos objetivos da empresa, também devem estar associados a uma maior ponderação, os indicadores que contribuírem para melhores resultados a esse nível. Assim sendo, no cálculo de um índice final de sustentabilidade na gestão de RCD, é necessário serem analisadas em função de cada obra as diferentes realidades encaradas em cada estaleiro. Nesse contexto, os pesos atribuídos aos indicadores, podem variar consoante as certas condicionantes, tais como: acessos ao local, tipo de obra, área livre disponível para a localização de instalações de depósito, pproximidade com edifícios vizinhos, limitações da zona envolvente, preocupações com questões ambientais, preocupações com aspetos económicos, entre outras [6]. Caso as limitações apresentadas não sejam consideradas, o valor final do índice pode ser enganador e não identificar a obra com a gestão de RCD mais sustentável, pois não considera as condições em que foi realizada. 5. APLICAÇÃO DA PROPOSTA A UM CASO PRÁTICO Para estudar a influência das condicionantes anteriormente referidas, aplicou-se a proposta dos indicadores anteriormente apresentados a uma construção de uma via de comunicação e de uma obra de arte, nomeadamente a várias frações de uma autoestrada (A1, A2 e A3) e de um viaduto. Os dados alvo deste estudo têm origem em empreitadas reais que, por questões de natureza confidencial, não serão identificadas. A empresa fez um registo contínuo da informação necessária para o cálculo dos próprios indicadores de sustentabilidade, muitos dos quais não coincidem com os apresentados na proposta do capítulo anterior, logo apenas alguns dos indicadores foram calculados. Foram calculados os indicadores apenas para um mês da produção de RCD, o que não permite tirar conclusões finais sobre as medidas de prevenção e gestão implementadas, visto as construções estarem em diferentes fases construtivas. Para estudar a influência da ponderação, foram criados vários cenários, com diferentes condicionantes, como apresentado na Tabela 4. Atribuiu-se a ponderação num total de 100 pontos pelos diferentes indicadores e obtiveram-se os resultados da Tabela 5.

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Tabela 4. Cenários de ponderação em análise

Cenários

A1

A2

A3

Viaduto

1

Limitações da zona envolvente.

Não há limitações a registar.

Área limitada para a implementação do estaleiro e difíceis acessos locais.

Difíceis acessos ao local.

2

Difíceis acessos ao local

Área limitada para Limitações da zona a implementação envolvente. do estaleiro

Não há limitações a registar.

3

Empresa valoriza aplicação de medidas que tem em consideração aspetos ambientais.

4

Empresa apenas tem preocupações com aspetos económicos

5

Empresa apenas pretende que se calcule a média ponderada de todos os indicadores. Tabela 5. Resultados dos diferentes cenários na ponderação dos indicadores

Situações 1 2 3 4 5

A1 170 170 170 350 233

A2 267 380 270 290 267

A3 280 200 200 120 167

Viaduto 160 200 160 270 200

Verifica-se, que a consideração dos diferentes cenários no que respeita à ponderação, influencia os resultados finais obtidos para a escolha da obra mais sustentável do ponto de vista da gestão de RCD. No que respeita ao cenário 1, a obra com a gestão de RCD mais sustentável para o mês em análise, foi o viaduto. Este encontra-se num local de difícil acesso, pelo que o responsável pela gestão de RCD deveria perante este cenário, implementar medidas que minimizassem a sua produção e optar pela reutilização na própria obra. Contudo o que aconteceu é que embora estes fossem produzidos em baixa quantidade, não houve reutilização optando-se antes pelo seu envio para valorização. No caso do cenário 2, são mais uma vez criadas diferentes limitações locais para os vários cenários. Tendo isso em consideração, a fração da autoestrada A1 possui difíceis acessos locais o que pode dificultar o transporte dos resíduos pelos operadores licenciados. Deste modo atribuíram-se maiores ponderações à produção e reutilização na própria obra sendo que foram obtidos resultados favoráveis nestes dois indicadores. No caso do cenário 3, colocou-se a hipótese de a empresa possuir maiores preocupações ambientais. Deste modo, é necessário valorizar os indicadores correspondentes à produção e destino de RCD em todas as obras. Assim, os melhores resultados obtidos nestes indicadores correspondem aos da obra do viaduto. Pelo contrário, no cenário 4, foram consideradas apenas preocupações económicas sendo que o indicador com maior ponderação foi o dos custos na gestão de RCD. Deste modo, A3 é a fração que possui o custo mais baixo, logo a mais sustentável neste caso. Já no cenário 5, não foi feita qualquer distinção e todos os indicadores foram ponderados do mesmo modo, sendo que a obra com uma gestão de RCD mais sustentável foi a A3, ou seja, a que possui os indicadores com valores mais sustentáveis de um modo global. A única obra que não foi considerada sustentável foi a fração A2. Isto deve-se à elevada quantidade de RCD produzidos durante este mês sendo este um fator considerado importante em vários dos casos das situações criadas. No entanto, praticamente todos os RCD produzidos foram reutilizados na própria obra. Assim, esta obra deveria ser analisada detalhadamente para perceber se a produção de resíduos poderia ser minimizada, ou caso não fosse, alterar o sistema de ponderação de modo a considerar a sua gestão mais

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sustentável. Poderia também utilizar-se um novo indicador que considerasse a produção de RCD e os resíduos reutilizados na própria obra para que não ocorra tal situação. Assim deve ser feita a diferença entre os dois valores, caso na obra tenham sido implementadas medidas preventivas, e este indicador deve entrar na avaliação global da sustentabilidade

6. CONCLUSÕES O desenvolvimento do seguinte trabalho permite retirar as seguintes considerações finais: - Quantificação em termos de sustentabilidade, pode ajudar a perceber o que as políticas de reutilização e valorização melhoram, tanto a nível de custos como a nível ambiental. - Cálculo dos vários indicadores de forma contínua criando e melhorando os valores de referência segundo os diferentes tipos de obra, bem como adaptar e selecionar os indicadores a calcular consoante os diferentes cenários. - Importância na atribuição de diferentes ponderações, consoante as diferentes condições em que a obra é realizada e os objetivos que a empresa possui. Estas ponderações devem também ser melhoradas através da sua aplicação a vários tipos de obra, sendo que é necessário ter em consideração tudo o que a pode limitar, atribuindo a maior a ponderação aos indicadores à qual deve ser dada maior importância. - Análise dos critérios ponderativos a utilizar segundo cada situação, porque como o demonstrado no ponto anterior estes influenciam de modo muito significativo a conclusão final sobre a sustentabilidade na gestão de RCD. Portanto, estes devem ser testados em várias obras de modo a chegar a valores que traduzam de forma credível a sustentabilidade neste tipo de gestão. Estes valores devem ser testados consoante o tipo de obra e ser melhorados continuamente através da sua aplicação prática. - Estabelecer valores de referência, para os vários indicadores: em função do tipo de obra, do faseamento construtivo, de limitações locais, dos objetivos da empresa construtora, entre outros fatores que a possam influenciar. O conhecimento prévio destes valores mostra-se importante para planear de forma mais sustentável a gestão deste tipo de resíduos. - Desenvolver um método de avaliação que possa ser aplicado pelas várias empresas de construção a nível nacional, de modo a comparar e melhorar os valores obtidos nesta gestão. Este método deve também abranger outras áreas importantes na construção sustentável. REFERÊNCIAS [1] Edwards, B. O guia básico para a sustentabilidade. Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2008. [2] Pacheco, Torgal., Said, Jalali. Tendências para a sustentabilidade dos materiais de construção. 2008. http://hdl.handle. net/1822/8830. Data de acesso: 07/04/2012. [3] Mateus, Ricardo., Bragança, Luís. Tecnologias Construtivas para Sustentabilidade da Construção. Edições ECOPY, Porto, 2006. [4] Son, H., Kim, C., Chong, W. K., Chou, J. S.,, B. Implementing Sustainable Development in the Construction Industry: Constructors’ Perspectives in the US and Korea. Sustainable Development, 2011, páginas 337 a 347. [5] Canedo, J.P., Couto, J.P. Gestão dos Resíduos de Construção e Demolição na Óptica dos Empreiteiros, International Conference on Engeering 28 a 30 de Novembro de 2011,Universidade da Beira Interior, Covilhã. [6] ADEME. Prévenir et gérer les déchets de chantier. Editions Le Montieur, Paris, 2009. [7] Couto, A.; Couto, J.; Teixeira, J. Desconstrução – Uma ferramenta para sustentabilidade da construção. 2006. [8] Jones, R., Smith, D. A., Seward, C. Design of Aberdeen Channel, Bridge, Hong Kong, Concrete Engineering for excellence and efficiency, 8 a 10 Junho de 2011, Praga.

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MARIANA ROCHA Engenheira Civil FEUP ec07100@fe.up.pt

ALFREDO SOEIRO Professor Associado DEC-FEUP avsoeiro@fe.up.pt

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A IMPORTÂNCIA DOS VÃOS ENVIDRAÇADOS NA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA DE EDIFÍCIOS APLICAÇÃO AO DECIVIL-IST CLÁUDIO R. FAUSTINO

M. GLÓRIA GOMES

FERNANDO BRANCO

Eng.ª Civil IST Lisboa

Prof. Eng.º Civil IST Lisboa

Prof. Eng.º Civil IST Lisboa

SUMÁRIO O presente estudo tem como objectivo principal avaliar a influência dos vãos envidraçados no desempenho energético dos edifícios. Considerou-se como caso de estudo um gabinete do DECivil do IST com orientação Este. Concluiu-se que as maiores poupanças energéticas são conseguidas com uma escolha criteriosa do tipo de vidro (cerca de 52%), seguindo-se da protecção solar (38%) e por último do tipo de caixilho (3.4%).

ABSTRACT The main goal of this study is to evaluate the influence of the glazing systems on the energy performance of buildings. A DECivil IST’s office room East oriented has been established as the object of study. It had been concluded that the biggest energy savings are obtained with a careful selection of the type of glass (about 52%), followed by the shading device (38%) and lastly the type of frame (3.4%).

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1. INTRODUÇÃO A optimização do desempenho energético-ambiental do meio edificado constitui-se como uma área fundamental e prioritária. Não é suficiente procurar energias alternativas renováveis, é preciso também optimizar os consumos energéticos, recorrendo à eficiência energética. Em Portugal, um país com escassos recursos energéticos de origem fóssil, cerca de 76.1% da energia primária nacional é consumida precisamente sob essas fontes de energia (petróleo, carvão e gás natural), estando entre os 10 países da UE-27 com maior dependência energética externa [1]. A forte dependência energética é um dos problemas graves que Portugal enfrenta e, num contexto de custo energia cada vez mais elevado, constitui uma das muitas causas da crise económica que abala a sociedade e o Estado português. Segundo a Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), a dependência energética de Portugal em 2011 foi de 77.1%. Ainda assim, esta dependência de energia externa tem vindo a diminuir desde 2005, ano que atingiu 88.8% [2]. Os edifícios são actualmente responsáveis por cerca de 40% da energia final consumida nos países desenvolvidos pertencentes à OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico) [3]. Na Europa as pessoas passam cerca de 90% do seu tempo no interior de edifícios, pelo que uma inadequada gestão da energia conduz a gastos desnecessários em grande escala, nomeadamente com a climatização [4]. É possível intervir ao nível do projecto de um edifício, tornando-o energeticamente mais sustentável, reduzindo a dependência de energia [5]. Este estudo sobre o impacto dos vãos envidraçados no desempenho energético de um edifício pretende contribuir para a melhoria destes sistemas solares passivos que têm, em geral, uma grande contribuição para a eficiência energética de um edifício [6]. As tendências construtivas e estéticas apontam para a cada vez mais frequente utilização de grandes dimensões de envidraçados nos edifícios. Deste modo, os envidraçados podem representar uma área considerável da envolvente dos edifícios e, ao estarem em contacto directo com o ambiente exterior, são elementos propícios à ocorrência de trocas de calor. Assim, torna-se necessário controlar da melhor forma possível essas trocas de calor pelos envidraçados, optando-se por soluções adequadas que sejam capazes de tornar os edifícios mais eficientes do ponto de vista energético. O objectivo principal deste estudo é demonstrar a influência dos vãos envidraçados no consumo energético de um edifício e avaliar individualmente o desempenho energético dos diferentes elementos constituintes do vão envidraçado (vidro, estore, caixilho), aplicados a um caso de estudo previamente definido, demonstrando a importância de uma boa envolvente construtiva na redução dos consumos energéticos de um edifício. O estudo incide sobre um gabinete do Pavilhão de Civil do IST – Alameda, com orientação Este que, por ter um vão envidraçado com uma área relativamente grande (cerca de 66% da área de fachada), apresenta alguns problemas de conforto térmico e de elevados consumos energéticos. Será estudado o seu comportamento térmico com as soluções construtivas actuais e com diferentes soluções de vãos envidraçados, escolhidas e indicadas por técnicos especialistas, para o caso de estudo em particular, com a finalidade de se fazer uma comparação em termos de desempenhos energéticos (consumos). Para o cálculo dos consumos energéticos recorreu-se ao programa informático de análise dinâmica do comportamento térmico edifícios EnergyPlus- Energy Simulation Software [7] e aos programas Windows 6 [8] e Calumen II [9] na definição dos vãos envidraçados em estudo. Foram realizadas ainda duas campanhas de monitorização térmica do gabinete, durante as estações de Inverno e Verão, com a finalidade de avaliar o comportamento térmico do gabinete e de calibrar o modelo de simulação energética no programa EnergyPlus. Nestes campanhas foram efectuadas medições de: radiação global em plano horizontal; temperaturas no ambiente interior e exterior, e nas superfícies do vidro, protecções solares e parede; fluxos de calor no vidro e na parede. 2. FENÓMENOS DE TRANSMISSÃO DE CALOR PELOS ENVIDRAÇADOS Um envidraçado, ou uma outra superfície qualquer, em contacto com duas zonas a diferentes temperaturas, permite a ocorrência de fenómenos de transferência de calor da zona de maior para a de menor temperatura. No caso de uma janela de vidro duplo, estes fenómenos podem processar-se por mecanismos distintos: condução através dos elementos sólidos do vidro e do caixilho; condução, convecção e radiação no ar de preenchimento da câmara; e de convecção e radiação nas superfícies do vidro que contactam com os ambientes interior e exterior. O fenómeno de transmissão de calor por condução consiste na passagem de energia térmica de um ponto do corpo a temperatura mais elevada para outro ponto que se encontra a uma temperatura mais baixa, provocada por fenómenos de vibração de átomos e moléculas. A transmissão de calor por convecção ocorre exclusivamente nos fluídos, líquidos ou gases, e é o resultado do movimento das suas partículas constituintes, isto é, movimentos macroscópicos do fluido [10]. A radiação térmica é um processo de transferência de energia provocado pelo movimento de uma onda (semelhante às ondas de luz), em que a energia sem a necessidade de meio, ou

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suporte material, para se processar. Todos os corpos emitem e absorvem radiação electromagnética com diferentes comprimentos de onda, cuja intensidade é função da sua temperatura absoluta e tipo de superfície [11]. O vidro, elemento principal de um vão envidraçado, é constituído por uma mistura de matérias-primas naturais, em particular, de sílica (areia), soda (carbonato e sulfato) e cal (calcário) [12]. Actualmente o mercado do vidro oferece soluções aplicáveis em edifícios para as mais variadas funções/finalidades. As características de comportamento térmico e óptico do vidro são, para qualquer projectista, noções imprescindíveis à optimização e dimensionamento dos vãos envidraçados na concepção de um edifício. Um dos parâmetros mais importante para a avaliação das trocas de calor num elemento, seja ele vidro ou não, é o coeficiente de transmissão térmica, frequentemente representado por U, expresso em W/m2.°C e que quantifica o fluxo de calor que ocorre através de qualquer elemento, provocado pela diferença de temperatura entre as zonas que separa. O factor solar (g⊥) é um parâmetro que indica a fracção da energia solar incidente que efectivamente é transmitida (directa ou indirectamente) para o interior do edifício. No mercado é comum encontrar factores solares para os vidros que variam entre 0.10 (vidro duplo de cor azul com controlo solar) e os 0.90 (vidro simples claro). Por último, o coeficiente de transmissão visível (Tv) representa a percentagem da luz visível que atravessa o vidro para o interior do edifício [13]. O dispositivo de sombreamento é geralmente aplicado para desempenhar as principais funções de protecção à luz solar, regulação da comunicação entre espaços contíguos, gestão de níveis de privacidade e isolamento térmico. O correcto dimensionamento dos estores em função do objectivo pretendido garante a obtenção de elevados níveis de conforto e reduções no consumo de energia para arrefecimento. O caixilho tem como principal função a sustentação dos vidros, embora seja importante apresentar a capacidade de garantir a continuidade das funções dos vidros, isto é, isolamento térmico, acústico e resistir aos esforços mecânicos resultantes do seu uso e pressão do vento. Assim, para conseguir um sistema de vão envidraçado com um bom desempenho energético, não é suficiente a escolha de uma boa solução de vidro, é necessário também a escolha de um bom caixilho e estore, de modo não a comprometer o comportamento de todo o sistema. 3. DESCRIÇÃO DO CASO DE ESTUDO Este trabalho incide no estudo do comportamento térmico de um gabinete do DECivil, inserido no 2º piso do Pavilhão de Engenharia Civil do IST- Alameda. A escolha do caso de estudo deveu-se essencialmente ao facto de o gabinete ser representativo dos gabinetes do edifício, ter uma considerável área de envidraçado na fachada exterior (cerca de 66%) e, simultaneamente, apresentar alguns problemas de conforto térmico e de elevados consumos energéticos. O gabinete tem uma área de 14.06 m2 e um pé direito de 3.15 m, o que corresponde a um volume de 44.30 m3. A fachada exterior está orientada a Este, pelo que, o envidraçado está exposto à incidência de radiação solar directa na parte da manhã. Nas restantes horas do dia, recebe apenas radiação difusa. A taxa de ocupação média é de uma pessoa, uma vez que tem a capacidade de apenas um posto de trabalho, sendo possível, no entanto, receber mais uma ou duas pessoas em regime de passagem/atendimento. Quanto a equipamento, é composto por um computador, um monitor, uma impressora, um scanner, um telefone e um fax. A iluminação é conseguida por um candeeiro de secretária e dois de tecto com lâmpadas fluorescentes. Na Figura 1 está representado um modelo 3D do gabinete em estudo (Figura 1a) e da fachada com orientação Este (vista interior) (Figura 1b), que é a única em contacto com o exterior, importante para as trocas térmicas, nomeadamente, pelo vão envidraçado.

(a)

(b) Figura 1. Caso de estudo: (a) Modelo 3D do gabinete DECivil (vista exterior); (b) Fachada do gabinete com orientação Este (vista interior).

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O edifício foi projectado de raiz com um estore veneziano horizontal metálico aplicado pelo exterior. Por motivos de avaria ou mau funcionamento do estore exterior foi aplicado posteriormente um estore interior em sua substituição, encontrando-se actualmente apenas este último em funcionamento. As características de ambos os estores são apresentadas na Tabela 1. Os valores de reflectância das lâminas dos estores, indicadas na Tabela 1, foram determinadas in situ com recurso a um piranómetro LI-COR 200, seguindo o procedimento experimental descrito em [11]. Tabela 1. Caracterização dos estores existentes no gabinete do DECivil.

Características Orientação da lâmina do estore Largura da lâmina do estore Espaçamento entre lâminas Condutibilidade térmica do material Reflectância solar

Estore exterior Horizontal 80 mm 68 mm 221 W/m°C 0.40

Estore interior Vertical 100 mm 80 mm 0.20 W/m°C 0.50

4. DESCRIÇÃO DA CAMPANHA EXPERIMENTAL Com o objectivo principal de avaliar o comportamento térmico do gabinete em condições reais de funcionamento, foram realizadas duas campanhas de monitorização, uma na estação de aquecimento (campanha de Inverno) e outra na de arrefecimento (campanha de Verão), como é apresentado na Tabela 2. Tabela 2. Períodos das campanhas experimentais de monitorização.

Campanhas: Inicio: Fim: Duração:

Inverno 21 de Janeiro de 2011, 13h50 16 de Março de 2011, 16h20 54 dias, 2 horas e 30 minutos

Verão 9 de Junho de 2011, 16h20 20 de Julho de 2011, 17h30 41 dias, 1 hora e 10 minutos

Nestas campanhas foram realizadas medições in situ de radiação global em plano horizontal, temperaturas ambiente interior e exterior, temperaturas superficiais do vidro, dos estores e da parede, e fluxos de calor no vidro e na parede. Nestas medições foram utilizados os seguintes equipamentos: • 14 Termopares do Tipo T com 0.2 mm de espessura, para a medição da temperatura superficial dos elementos (vidro, pare de, caixilho e estores) e das temperaturas ambiente; • 2 Termohigrómetros TGP-4500 da Gemini Data logger, utilizados na medição de temperaturas ambiente exterior e interior do gabinete; • 2 Fluxímetros Hukseflux HFP01 com sensor de termopilha, utilizados para a medição dos fluxos de calor através dos ele mentos da fachada (vidro e parede); • 1 Piranómetro Kipp&Zonen CM5, de classe 1, para a medição de radiação solar; • 1 Sistema de aquisição de dados, Data logger Campbell CR10X, usado para adquirir e processar os sinais provenientes do equipamento de medição e armazenar os registos numa memória interna. Na Figura 2 são apresentadas fotos reais do equipamento acima descrito.

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Figura 2. Termopares usados na medição das temperaturas superficiais do vidro, do ambiente exterior, do estore interior e da parede interior (a) e (b). Fluxímetros no vidro e na parede (a) e (c). Termohigrómetros TGP-4500 usados na medição da temperatura ambiente interior e exterior (d) e (e) 1 Piranómetro instalado com o sistema tripé no parapeito da janela (e). Datalogger (f).

No tratamento dos resultados obtidos, e para um melhor estudo/análise, foram calculadas as médias diárias de todos parâmetros medidos durante as duas campanhas. Dada a extensa quantidade de informação e tendo o cuidado de abranger as condições climáticas extremas, foram definidos dias característicos: os dias de maior e menor temperatura, os dias de maior e menor radiação solar, e ainda, os dias climatizados para as duas estações. Na Figura 4 é apresentado um exemplo desse estudo realizado para um dos dias tipo, dia de menor radiação, através de gráficos de perfil de temperaturas. Este tipo de gráfico permite analisar a evolução da temperatura do exterior para o interior do gabinete, passando pelos elementos do vão envidraçado, nas diversas horas do dia em estudo. Permite ainda determinar o sentido e a intensidade do fluxo de calor através de cada elemento. Assim, quanto maior for a inclinação da recta obtida em cada elemento, maior será o fluxo de calor que o atravessa, e o sinal do declive desta recta, indica o sentido do fluxo, respectivamente. Por exemplo, para um declive positivo, isto é, temperatura superficial interior superior à superficial exterior do elemento, indica um fluxo de calor positivo, de sentido do interior para exterior do gabinete.

Figura 4. Perfis transversais de temperatura dos elementos do vão envidraçado (vidro e caixilho) e parede, no dia de menor radiação: 24 de Janeiro de 2011 (Inverno).

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Para este dia específico, verificaram-se fluxos de calor positivos em todos os elementos, nas diferentes horas do dia. De um modo geral, verificou-se que as maiores temperaturas foram registadas no vidro e no caixilho e nas horas de maior radiação incidente. Na parede foram registadas temperaturas mais amenas e com menor variação ao longo dos vários dias estudados. Este facto comprova a elevada inércia térmica da parede relativamente ao vidro e caixilho. 5. SIMULAÇÃO ENERGÉTICA E COMPARAÇÃO COM RESULTADOS EXPERIMENTAIS O gabinete foi simulado numericamente num programa de análise dinâmica de comportamento térmico EnergyPlus [7]. Numa primeira análise, o gabinete foi simulado com as soluções construtivas actuais e com as condições climáticas e de utilização de cada dia tipo das campanhas experimentais. Esta análise, e respectiva comparação dos valores de temperatura medidos experimentalmente e obtidos numericamente, permitiu a calibração do modelo definido no EnergyPlus que foi posteriormente utilizado no estudo paramétrico de avaliação do impacto dos vãos envidraçados no desempenho térmico de edifícios. Assim, após a caracterização do comportamento térmico em cada dia, foi realizada a comparação dos valores de temperatura ambiente interior obtidos experimentalmente, com os calculados pelo EnergyPlus, também para estes dias. Com este processo pretendeu-se que a que a diferença entre estes valores seja mínima, permitindo estimar o consumo energético do gabinete para diferentes soluções de envidraçados com um grau de precisão desejável. Na Figura 5 é apresentado um exemplo deste estudo comparativo, neste caso, também para o dia de menor radiação.

Figura 5. Temperaturas do ambiente interior obtidas experimentalmente e pelo EnergyPlus: dia menor radiação (Inverno).

Verificou-se que a concordância entre os valores obtidos experimentalmente e numericamente (Figura 5) é bastante satisfatória, pelo que se considerou aceitável a modelação do gabinete, permitindo realizar os cálculos dos consumos energéticos, para as diferentes soluções de envidraçados e dispositivos de sombreamento, com uma maior segurança nos resultados de simulação. Na Tabela 3 estão apresentados os valores médios diários das diferenças de temperaturas superficiais e do ambiente interior obtidas pelo EnergyPlus e medidas experimentalmente durante as campanhas, para os diferentes dias característicos.

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Tabela 3. Diferenças médias diárias das temperaturas obtidas experimentalmente e pelo EnergyPlus, para os diferentes Dias Tipo estudados.

Média da diferença das Temperaturas [°C] Dia Mais Frio Dia Menor Radiação Dia Climatizado Inverno Dia Maior Radiação Dia Climatizado Verão Dia Mais Quente

Temp. Parede

Temp. Parede

Temp. Vidro

Temp. Vidro

(Interior) 1.877 3.393 5.439 3.046 2.635 1.749

(Exterior) 1.446 1.640 0.021 0.085 0.513 0.557

(Interior) 0.640 1.042 0.157 2.456 2.806 1.464

(Exterior) 1.158 1.521 0.383 1.549 0.542 0.350

Temp. Ambiente Interior 0.781 0.663 0.808 1.224 0.465 0.648

Pela comparação dos valores das temperaturas, obtidas experimentalmente durante a campanha experimental e numericamente pelo software de simulação energética EnergyPlus, verifica-se que estas são relativamente semelhantes apresentando, ainda assim, maiores diferenças nos dias e horas de maior radiação. De facto, os termopares, utilizados na medição das temperaturas, ao estarem sujeitos à incidência directa de radiação solar, podem aquecer sobrestimando os valores de temperatura. 6. ESTUDO PARAMÉTRICO O estudo do impacto energético dos vários elementos que constituem um sistema de vão envidraçado, foi realizado em separado, isto é, estudos individuais para cada elemento. Estes consistiram no cálculo das necessidades energéticas do gabinete com as diferentes soluções de elementos do vão envidraçado. Para esse cálculo foram estabelecidas temperaturas de conforto de 20°C e de 25°C, para as estações de Inverno e Verão, respectivamente. Os consumos energéticos apresentados serão assim os necessários para manter essas temperaturas de conforto, durante os dias úteis, no horário de expediente (8-19h). 6.1. Vidro No estudo do vidro foram analisadas 12 soluções de vidro simples e duplo, previamente escolhidas e indicadas para o caso de estudo, associadas a um caixilho com corte térmico e sem a aplicação de qualquer dispositivo de sombreamento. Assim resultaram cinco soluções de vidro simples e sete de vidro duplo. Dos vidros simples, foi escolhido um vidro simples incolor (1), por ser o existente no gabinete, um vidro simples claro (2), por transmitir maior quantidade de luz, um simples com capa de controlo solar (5), por ter a capacidade de filtrar a luz solar, e ainda, um colorido (3) e um reflectante (4), por serem soluções particulares do nível estético. As soluções definidas para vidro duplo apresentam propriedades de baixa emissividade, com a excepção da solução de vidro duplo incolor (6), vidro mais comum na construção em Portugal. Assim resultaram, além deste, um baixo emissivo (7), três baixos emissivos com controlo solar (8, 9 e 10), um baixo emissivo reflectante (11) e um baixo emissivo colorido (12). O estudo não envolveu uma maior diversidade de soluções de vidros, uma vez que, os definidos são os que melhor se adequam ao clima e gabinete em estudo [14]. Na Tabela 4 estão apresentadas as características técnicas de todas as soluções de vidro estudadas [14] e os respectivos resultados obtidos nas simulações no EnergyPlus (em que Ntc são as necessidades globais de energia primária, calculadas segundo o RCCTE [15], desprezando neste estudo comparativo a contribuição das Águas Quentes Sanitárias (AQS)).

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Tabela 4. Estudo do vidro: Caracterização técnica e desempenho energético

U Nº

Solução de envidraçado

1 2 3 4

Simples incolor Simples claro Simples colorido Simples reflectante Simples com capa controlo solar

5.23 5.17 5.17 5.17

0.89 0.83 140.13 0.91 0.89 145.55 0.4 0.58 111.83 0.31 0.5 92.4

52.73 53.71 47.45 43.66

0.8446 0.8645 0.7655 0.6068

4.59

0.2

71.97

38.16

0.6002

6

Duplo incolor

2.73

0.79 0.72 130.23

36.25

0.8045

7

Duplo baixo emissivo

1.35

0.78 0.57 112.67

24.66

0.7062

1.35

0.69 0.38

81.88

21.4

0.5201

1.27

0.5

0.25

57.99

18.77

0.4042

5

8 9

Duplo baixo emissivo e com controlo solar Duplo baixo emissivo com controlo solar de elevado rendimento

[W/m2◦C]

Tv

g

Ganhos Perdas Ntc Calor Calor [kgep/m2. ano] [kW/m2.ano]

0.33

10

Duplo baixo emissivo com controlo solar selectivo

1.27

0.6

0.25

58.37

18.8

0.4043

11

Duplo baixo emissivo e reflectante

1.35

0.47 0.29

63.06

19.72

0.4378

12

Duplo baixo emissivo e colorido

1.35

0.38 0.36

78.93

21.25

0.5218

Pela análise da Tabela 4, verifica-se que as soluções 9 e 10 são as que apresentam os melhores desempenhos, com uma redução das necessidades energéticas na ordem dos 52%, comparativamente às necessidades actuais, com vidro simples incolor (1). De seguida, a solução com melhor desempenho é a solução 11, com redução das necessidades na ordem dos 48%. Apenas a solução 2 verifica um desempenho energético pior que o existente, com necessidades globais de energia primária de 102%. Excluindo-se as soluções menos indicadas, serão apenas analisadas nos estudos seguintes as soluções com os quatro vidros com melhores desempenhos energéticos no estudo do vidro e as duas soluções base: soluções 1,6,8,9,10 e 11. 6.2. Dispositivos de sombreamento Para o estudo da influência dos dispositivos de sombreamento será unicamente considerada a estação de arrefecimento, uma vez que os estores apenas irão contribuir para um melhor desempenho energético do gabinete nesta estação. No Inverno, o recurso a um dispositivo deste tipo, geralmente penaliza o desempenho energético do edifício, limitando a entrada de energia solar. Neste estudo foram realizadas simulações com recurso ao software informático EnergyPlus, considerando apenas o funcionamento do estores venezianos quando se verificavam temperaturas ambientes exteriores superiores a 25°C. Nestas simulações foram estudados os dois estores venezianos existentes no gabinete, a influência da sua reflectância solar e localização de cada estore no desempenho final do sistema. Na Tabela 5 são apresentadas as necessidades nominais anuais de energia útil para arrefecimento do gabinete com o estore interior ou exterior, com lâminas de reflectâncias diferentes, permitindo o estudo da influência da reflectância solar e a sua localização no desempenho do estore.

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Tabela 5. Necessidades nominais anuais de energia útil do gabinete do DECivil com os diferentes estores estudados, para a estação de arrefecimento.

Necessidades energéticas de arrefecimento: Nvc [kW/m2.ano] Estore interior Estore Exterior Pouco ReMuito ReExistente: Existente: flectante: flectante: Muito ReflectanReflectânReflecSem Estore ReflectânReflectânte: Reflectância cia solar = tância socia solar = cia solar = solar=0,87 0,5 lar=0,4 0,33 0,87 78.437 79.681 75.188 67.699 59.845 56.666 78.804 79.943 77.509 72.353 59.615 57.466 47.777 49.161 47.830 45.778 36.030 34.681 32.218 33.275 32.601 31.408 24.599 23.316 32.211 33.333 32.876 31.560 24.610 23.323 36.749 37.763 37.228 35.882 27.830 26.492

Nº Solução de envidraçado 1 6 8 9 10 11

Pela análise da Tabela 5, verifica-se que o estore com melhor desempenho é o estore com maior reflectância solar aplicado pelo exterior, apresentando necessidades energéticas de arrefecimento de 72.4% em relação à situação sem estore. Por outro lado, verifica-se que um estore de baixa reflectância solar, aplicado pelo interior, apresenta um desempenho energético pior do que a situação sem estore. 6.3. Caixilho No estudo da influência do caixilho foram analisadas as mesmas seis soluções de vidro definidas, aplicando diferentes tipos de caixilhos ao sistema de envidraçado, mais precisamente, caixilhos de alumínio com e sem corte térmico, de madeira e de PVC. O estudo foi realizado apenas para estes tipos de caixilhos, por serem os mais comuns na construção em Portugal. O caixilho sem corte térmico é o que normalmente apresenta pior desempenho, tendo caído já em desuso. A sua inclusão neste estudo deve-se ao facto de ser o caixilho existente no vão envidraçado do gabinete de DECivil. Na Tabela 6 são apresentadas as necessidades globais de energia primária do gabinete com os diferentes caixilhos aplicados no vão envidraçado. Tabela 6. Estudo dos Estores: Necessidades globais de energia primária.

Nº 1 6 8 9 10 11

Alumínio sem corte térmico 0.8456 0.8058 0.5215 0.4055 0.4055 0.4393

Ntc [kgep/m2.ano] Alumínio com Madeira corte térmico 0.8446 0.8258 0.8045 0.7833 0.5201 0.5039 0.4042 0.3911 0.4043 0.3913 0.4378 0.4232

PVC 0.8241 0.7811 0.5015 0.3888 0.3890 0.4207

Pela análise da Tabela 6, verifica-se que o caixilho de PVC é o que apresenta menores necessidades globais de energia primária, com uma redução de cerca de 3.4% em relação à situação actual, com alumínio sem corte térmico. Esta reduzida melhoria no desempenho energético do gabinete por alteração do caixilho é justificada pela reduzida área de caixilho relativamente à área de vidro.

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7. CONCLUSÕES Com este estudo ficou demostrado que é possível reduzir as necessidades energéticas em climatização de um edifício, intervindo apenas ao nível do envidraçado, obtendo-se para o presente caso de estudo reduções de mais de 50% do consumo total, mantendo as temperaturas de conforto de referência, 20oC e 25oC, respectivamente nas estações de Inverno e Verão. Para o caso particular do gabinete em estudo, o vidro é o elemento que permite maior redução das necessidades energéticas anuais do gabinete. A opção pelo vidro baixo-emissivo de controlo solar selectivo (solução 10), permite uma poupança nas necessidades energéticas do gabinete na ordem dos 52.1%, relativamente à solução actual de vidro simples incolor de 6mm. O estore veneziano que apresenta melhor desempenho é o estore exterior muito reflectante, que permite poupanças energéticas anuais na estação de arrefecimento de 37.6%, relativamente à situação sem estore. Não é aconselhável a utilização de um estore interior pouco reflectante, uma vez que este apresenta pior desempenho do que a situação do gabinete sem nenhum dispositivo de sombreamento. O caixilho de PVC apresenta um melhor desempenho, com uma poupança anual de energia primária na ordem dos 3.4%, relativamente à solução inicial de caixilho de alumínio sem corte térmico. Como desenvolvimento futuro deste trabalho, prevê-se o cálculo dos períodos de retorno para todos os elementos do vão envidraçado estudados. É necessário deixar o alerta de que um estudo de paybacks deste tipo, meramente económico, pode ser bastante redutor e, consequentemente, pouco transparente, não reflectindo os verdadeiros benefícios, nem tão pouco estimulando a aposta na qualificação do meio edificado. O conforto gerado com recurso a um sistema de ar condicionado, não é igual ao conforto sentido apenas pelo bom uso da envolvente. Este é um valor não quantificável e que não entra nos estudos económicos. Do mesmo modo, é difícil a quantificação, num estudo deste tipo, da melhoria da qualidade de vida das gerações futuras consequente da redução da emissão CO2 do presente. 8. AGRADECIMENTOS O presente estudo contou com a contribuição dos Engenheiros Artur Brandão e Francisco Ferreira, ambos técnicos especialistas da empresa Saint Gobain Glass, pelo aconselhamento técnico das soluções de vidro. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Vilão, Regina, et al., Relatório do Estado do Ambiente 2011. Agência Portuguesa do Ambiente. (Dezembro 2011). [2] DGEG. Balanço Energético. DGEG - Direção Geral de Energia e Geologia, (2011). [3] Tirone, Livia e Nunes, Kenneth, “Construção Sustentável”, Sintra, Portugal, 2007: Tirone Nunes S.A. (2007). [4] Rocheta, V., & Farinha, F., Práticas de projecto e construtivas para a construção sustentável. Coimbra, 2007: 3º Congresso de construção. (2007) [5] Lanham, A., Gama, P., & Braz, R. Arquitectura Bioclimática: Perspectivas de inovação e futuro. Seminários de Inovação. (2004). [6] H. Manz, U. Menti, Energy performance of glazings in European climates, Renewable Energy 37 (2012) 226-232. [7] Energy, U. D., EnergyPlus Energy Simulation Software. Obtido (10 de Dezembro de 2011): http://apps1.eere.energy.gov/buildings/ EnergyPlus/ [8] LBNL Window & Daylighting Software, Obtido de WINDOW 6.3. (12 de Março de 2012): http://windows.lbl.gov/software/window/6/ index.html [9] Saint Gobain Glass. Obtido de Calumen II (23 de Fevereiro de 2012): http://pt.saint-gobain-glass.com/tools/register.asp [10] Afonso, J. F., Estudo do Comportamento Térmico de Edifícios Antigos. Monte da Caparica, FCT- UNL: Tese de Mestrado em Eng. Civil. (2009). [11] Gomes, M. Glória, Comportamento térmico de fachadas de dupla pele: Modelação numérica e análise experimental. Tese de doutoramento em Engenharia, Instituto Superior Técnico, Lisboa, (2010). [12] Ramalheira, F., Manual de boas práticas de escolha de vãos envidraçados – Exigências funcionais de vãos envidraçados, Tese de Mestrado, Faculdade de Engenharia do Porto, Porto, Portugal, (2005). [13] Saint Gobain Glass, O Vidro em História: da descoberta ao futuro, (Dezembro de 2007). [14] Saint Gobain Glass, Manual do vidro. Saint-Gobain Glass Portugal, Vidro Plano, S.A., (2008). [15] Legislação Portuguesa. Decreto-Lei nº 80/2006 de 4 de Abril – Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios - RCCTE, Diário da República I – Série B, Portugal, 2006.

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C. Ribeiro Faustino

M. Glória Gomes

Fernando A. Branco

Eng. Civil

Profª Auxiliar, Engª Civil

Professor Catedrático, Eng. Civil

DECivil - IST/ICIST

DECivil - IST/ICIST

DECivil - IST/ICIST

claudio_faustino@hotmail.com

mgloria@civil.ist.utl.pt

fernando.branco@ist.utl.pt

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