REVISTA INTERNACIONAL
TECH ITT
ESTRUTURAS E CONSTRUÇÃO • ESTRUCTURAS Y CONSTRUCCIÓN
INOVAÇÃO NA ARQUITECTURA E NA ENGENHARIA CIVIL
Volume
15
Número
42
Director: Fernando Branco fbranco@civil.ist.utl.pt Coordenador editorial: Inês Flores-Colen Publicado por: Gatewit Avenida da Liberdade, nº 136, 4º, 5º e 6º 1250-146 Lisboa Contactos: E-mail: press@techitt.com Website: www.techitt.com tech ITT Press: • Revista Internacional Tech ITT ( 3 X Ano ) • Monografias
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EDITORIAL Inês Flores-Colen Coordenadora Editorial da RIT (2014-2017)
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INTEGRAÇÃO ARQUITETÓNICA DE SOMBREAMENTO SOLAR OTIMIZADO V. Fortunato, V. Rato
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SISTEMAS E INTERFACES EM EDIFÍCIOS: PONTOS CRÍTICOS EM PROJETO P. Rodrigues
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ARQUITETURA DA PARTICIPAÇÃO. INFLUÊNCIAS LATINOAMERICANAS DE UM QUOTIDIANO PARTICIPATIVO C. Ribeiro, V. Leite
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INFLUÊNCIA DA FLEXIBILIDADE POR CORTE EM PAREDES RESISTENTES NA ANÁLISE PUSHOVER B. Lopes, M. Arruda, R. Dias, M. Ferreira
71
IMPACTE AMBIENTAL E ECONÓMICO COMPARADO DO CICLO DE VIDA DE BETÃO COM AGREGADOS GROSSOS RECICLADOS E NATURAIS M. Braga, J. Silvestre, J. de Brito
87
AVALIAÇÃO ECOTOXICOLÓGICA DE MATÉRIAS-PRIMAS E DE COMPOSIÇÕES ALTERNATIVAS DE BETÃO P. Rodrigues, J. Silvestre, C. A. Viegas, I. Flores-Colen
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Nº 42 - OUT 2017 VOL. 15
EDITORIAL Este número da revista TechITT foca em seis estudos de investigação recentes, desenvolvidos nas áreas da arquitectura e da engenharia civil, com preocupações ambientais, económicas e ecotoxicológicas durante o ciclo de vida das construções.
ISSN 1645-5576
CORPO CIENTÍFICO:
Alfredo Serpell (Pontificia Universidad Católica de Chile, Chile) Elton Bauer (Universidade de Brasília, Brasil) Hipólito de Sousa (Faculdade de Engenharia do Porto, Portugal)
Ao longo dos seus cerca de quinze anos de existência, a RIT - Revista Internacional Tech ITT - Estruturas e Construção - pretendeu ser um meio inovador de comunicação e de divulgação de conhecimento entre os diferentes agentes ligados à área da engenharia civil, em geral, e da construção, em particular. Esta divulgação foi também efectuada a nível internacional, nomeadamente nos países ibero-americanos e africanos de expressão portuguesa, o seu espaço preferencial. O facto de ser editada on line, e recentemente em open acess, e de conter trabalhos publicados em língua portuguesa e castelhana revelou-se uma aposta acertada.
João Carlos Gonçalves Lanzinha (Universidade da Beira Interior, Portugal)
Encerro com este número a minha colaboração na Coordenação Editorial da RIT, e espero ter contribuído para a continuidade do trabalho iniciado pelos meus colegas, anteriores Coordenadores Editoriais, Prof. João Gomes Ferreira e Prof. João Ramôa Correia, do Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico.
José Rangel (Universidad Autónoma de Nuevo León, México)
Aproveito assim estas linhas para agradecer ao Prof. Fernando Branco esta oportunidade, e a todos aqueles que têm colaborado para o sucesso da revista, com particular destaque para os seus leitores, autores, revisores, membros do corpo científico, coordenadores editoriais e colaboradores da Gatewit.
Nuno Simões (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Portugal)
Inês Flores-Colen Coordenadora Editorial da RIT (2014-2017)
João Gomes Ferreira (Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Portugal) João Ramôa Correia (Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Portugal) José Barroso Aguiar (Universidade do Minho, Portugal)
Manuel Pinheiro (Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Portugal)
Paulina Faria (Faculdade Ciências e Tecnologia, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal) Paulo G. Yugovich R. (Facultad de Ciencias y Tecnologia, Universidad Católica Nuestra Sr. de la Asunción, Paraguay) Paulo Helene (Universidade de São Paulo, Brasil) Resende Nsambu (Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto, Angola) Romeu Vicente (Universidade de Aveiro, Portugal) Rosário Veiga (Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Portugal)
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INTEGRAÇÃO ARQUITETÓNICA DE SOMBREAMENTO SOLAR OTIMIZADO V. FORTUNATO Mestre Arq. ISCTE-IUL Lisboa Arq.vanessafortunato @gmail.com
V. RATO Prof. Auxiliar ISCTE-IUL Lisboa Vasco.Rato @iscte.pt
SUMÁRIO
ABSTRACT
Os sistemas de sombreamento ajudam, não só, no equilíbrio energético do edifício como também desenvolvem um papel fundamental na fachada.
Shading systems help not only the energy balance of the building but also play a key role in the façade.
O presente artigo aborda uma revisão dos conceitos de uma arquitetura sustentável através de sistemas de sombreamento de forma a dar uma melhor resposta no que toca a problemática atual relacionada com temas como a crise energética e o aquecimento global. Apresenta qual a importância de um sistema que proteja o edifício de ganhos solares excessivos e que, consequentemente, diminua o consumo de energia proveniente de fontes não renováveis resultantes. Para concretizar este estudo foi necessário a utilização de uma ferramenta de cálculo OIKONET/ISCTE-IUL [1], que disponibiliza a informação do valor dos ângulos solares e das dimensões dos elementos horizontais de sombreamento consoante a época que se deseja sombrear, a latitude e a altura do vão. Este estudo apresenta e analisa o modo como os elementos de sombreamento são fundamentais num edifício na procura de uma arquitetura sustentável e esclarece o seu desempenho. É também apresentado um sistema de sombreamento no Centro de Investigação Marítima, onde se pretende encontrar um equilíbrio luz/sombra e pensar a estética que este pode dar ao edifício tendo a conta a sua localização e clima local.
This article discusses a review of the concepts of a sustainable architecture through shading systems in order to give a better answer on current issues related to issues such as the energy crisis and global warming. It presents the importance of a system that protects the building from excessive solar gain and, consequently, reduces the consumption of energy from non-renewable sources. To accomplish this study, it was necessary to use an OIKONET / ISCTE-IUL calculation tool, which provides information on the value of the solar angles and the dimensions of the horizontal shading elements according to the time to be shaded, the latitude and height of the Go. This study presents and analyzes how these are fundamental in a building in search of a sustainable architecture and clarifies its performance. It is also presented a shading system in a Maritime Research Center, where it is intended to find a light / shadow balance and think the aesthetics that this can give the building taking into account its location and local climate.
PALAVRAS-CHAVE
KEYWORDS
Arquitetura sustentável, Radiação Solar, Sistemas de Sombreamento e Otimização Solar.
Sustainable architecture, Solar radiation, Solar shading systems and solar optimization.
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1. INTRODUÇÃO Os sistemas de sombreamento desempenham um papel fundamental, tanto no seu funcionamento e desempenho como pela sua imagem na fachada de um edifício. O presente artigo procura demonstrar a importância das principais estratégias para uma boa sustentabilidade, que passa pela proteção solar dos edifícios de forma adaptada. Os sistemas de sombreamento diminuem não só o consumo energético para o arrefecimento como permitem a entrada de iluminação natural. Para contextualizar o trabalho é necessário perceber, por um lado, o efeito estético dos sistemas, e, por outro, a sua função como proteção térmica na arquitetura, atuando como sistema de controlo de ganhos solares indesejados nos períodos quentes e permitindo a entrada dos mesmos nos períodos frios do ano, ao mesmo tempo que equilibra a entrada de iluminação natural. Nos dias de hoje, é importante que o edificado responda de forma racional às questões relacionadas com a utilização de fontes de energia, privilegiando-se a redução no consumo de energias não renováveis. Para que tal possa acontecer é necessário que o arquiteto tenha preocupações de sustentabilidade desde o desenho de planeamento urbano até ao desenho de edificado. A grande complexidade destes sistemas de sombreamento é conseguir responder de forma positiva tanto a nível de sombreamento como de iluminação. Estas soluções não devem ser aplicadas apenas como soluções funcionais de sustentabilidade, mas também responder a uma melhor qualidade, tanto da arquitetura como do espaço, uma vez que estes sistemas têm um papel fundamental na imagem do edifício. Por último, foi necessário desenvolver um sistema de sombreamento de forma racional através de novas formas, materiais e até instrumentos tecnológicos de desenho de forma a poder avaliar e analisar o comportamento dos sistemas, dependendo do local, forma e clima a que estes estão sujeitos.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO 2.1 RADIAÇÃO SOLAR
A principal fonte de energia e de calor para o planeta Terra é a radiação solar. Esta é simultaneamente fonte de calor e de luz natural. O sol desempenha então um papel essencial permitindo que se tire partido da luz e do calor (por exemplo, como fonte energética), sendo igualmente possível evitá-los quando esse verifica serem excessivos. A radiação solar, no contexto deste trabalho, consiste na quantidade de energia emitida pelo sol que é incidente numa determinada superfície terrestre. Esta radiação é recebida tanto como radiação solar difusa como radiação solar direta. A quantidade de radiação que atinge uma superfície terrestre varia devido às condições atmosféricas e meteorológicas. Isto é, num dia chuvoso e nublado recebe menos radiação solar do que num dia em que o céu esteja limpo. A radiação depende também das características geográficas e da topografia, ou seja, a altitude pode determinar a quantidade de radiação solar recebida. Todos estes fatores podem ser considerados vantagens ou desvantagens, dependendo de outros elementos importante como a cor da superfície, a materialidade e a inclinação, que influencia a quantidade de radiação recebida. A radiação solar varia também ao longo do ano devido ao movimento de translação do planeta [2]. Esse movimento faz com que a terra percorra uma trajetória num plano inclinado em relação ao equador. Este ângulo origina quantidades de radiação solar distintas nos dois hemisférios ao longo do ano, caracterizando-se por solstícios (verão e inverno) e pelos equinócios (primavera e outono).
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2.2 RADIAÇÃO SOLAR DIFUSA E DIRETA
Tal como se referiu, a radiação Solar pode incidir sobre a superfície terrestre na sua forma difusa e direta. A radiação solar difusa é a soma do fluxo luminoso difundido, ou seja, a radiação solar que é refletida por intermédio do edifício ou da envolvente [3]. Por seu turno, a Radiação Solar Direta é a quantidade de energia radiante numa superfície [3]. A intensidade da radiação solar direta depende da altura solar e do ângulo de incidência; em função destes parâmetros, a componente térmica pode ser elevada. É esta componente elevada que se pretende evitar para que não haja excesso de iluminação natural e demasiado desconforto visual, por um lado, e ganhos de calor excessivos no verão, por outro. Deve ainda considerar-se que, no inverno, a entrada de radiação solar direta nos edifícios pode ter um contributo decisivo na obtenção de condições de conforto térmico. De notar que devido a esses fatores é necessário e indispensável o desenvolvimento de sistemas que permitam um equilíbrio entre estes diversos objetivos.
3. GEOMETRIA SOLAR E SOMBREAMENTO Segundo Lamberts a Geometria Solar estuda o percurso do sol numa determinada localidade, num determinado dia/mês do ano e o tempo que este fica acima do horizonte [4]. Para se estudar a geometria solar tem de se analisar a localização aparente do sol através da latitude e da longitude e, para um determinado dia e uma determinada hora, são necessárias coordenadas horizontais: o Azimute e a Altura solar. A Longitude localiza um determinado local na terra através da representação em graus de 0˚ a 180˚ para Este ou para Oeste a partir do Meridiano de Greenwich, uma linha “imaginária” que liga o Polo Norte ao Polo Sul, que passa em Greenwich (Inglaterra) dividindo o globo em dois lados, Ocidente e Oriente. A Latitude é definida através do ângulo entre o plano do equador e a linha imaginária que une o centro da Terra ao local. Em geral, pode-se assumir que a Longitude determina pontos em planos verticais paralelos ao Meridiano de Greenwich, e a Latitude determina pontos nos planos horizontais paralelos ao plano do Equador. A Altura Solar e o Azimute ajudam-nos a calcular a energia disponível ao longo do dia numa determinada superfície [2]. A Altura Solar é o ângulo que a radiação solar faz com o plano do horizonte, o Azimute é o ângulo entre o plano vertical que contém a radiação solar e a direção correspondente a Sul. O Azimute e a Altura são coordenados que determinam a posição do sol relativamente a um ponto da terra, variando ao longo do dia devido ao movimento de rotação da Terra em torno do eixo polar, e variando também ao longo do ano devido ao movimento de translação da terra em torno do sol [3]. A Altura Solar é um fator determinante que ajuda a perceber qual a luz solar que o edifício irá receber tanto no verão como no inverno, e com esses valores é possível determinar ou prever as sombras que serão projetadas pelos elementos, quais os sistemas para o sombreamento a utilizar e qual o seu dimensionamento [5]. 3.1 SOLSTÍCIOS E EQUINÓCIOS
Ao longo do ano ocorrem quatro estações, dois equinócios e dois solstícios. Os equinócios ocorrem quando os raios solares cruzam paralelos ao plano do equador, o que significa que o dia e a noite tenham exatamente a mesma duração, 12 horas [5]. Estes solstícios ocorrem em março e setembro. Em março entra a primavera no hemisfério norte e em setembro entramos no outono no mesmo hemisfério. Os solstícios ocorrem em junho e dezembro. Em junho, no início do verão (no hemisfério norte), a duração do dia é maior enquanto em dezembro ocorre o oposto, ou seja, entramos no inverno e o dia tem menos duração do que a noite. No hemisfério sul, sucede o inverso. Uma vez que Portugal se encontra no hemisfério norte, os equinócios da primavera e outono têm lugar respetivamente a 21
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de março e a 23 de setembro, onde os dias têm a mesma duração que as noites. Durante os equinócios os raios solarem atingem o equador num ângulo aproximadamente de 0˚. Por sua vez, os solstícios ocorrem a 21 de junho e a 22 de dezembro, respetivamente o de verão e o de inverno. O solstício de verão corresponde ao dia do ano com mais horas de sol, onde o meio-dia solar atinge a maior altura fazendo um ângulo consoante a latitude. No solstício de inverno, trata-se do dia mais curto do ano, ocorrendo o oposto. 3.2 SOMBREAMENTO
O objetivo do sistema de sombreamento é evitar ganhos solares no verão (quando se quer evitar a entrada de calor) e permitir a captação de ganhos solares necessários no inverno. Para além desta vertente tem também um outro propósito igualmente importante: a iluminação, que permite a existência de um equilíbrio entre a luz que entra e a que é necessária sem recorrer a iluminação artificial. Mas nem sempre é fácil equilibrar os dois elementos (sombreamento e iluminação), sem afetar os principias requisitos que o sombreamento deve responder, conforto e eficiência. Para um sombreamento eficaz é necessário ter em conta alguns fatores de modo a desenvolver um equilíbrio entre evitar a entrada de calor e incentivar a entrada de luz natural. Para que tal aconteça, é necessário desenvolver um adequado sistema de controlo solar, de forma a evitar a entrada de radiação solar quando é indesejada, garantir uma boa iluminação natural quando o espaço assim o necessita, mas garantindo um equilíbrio entre a luz incidida e refletida, evitando o ofuscamento e procurando um balanço entre uniformidade e contraste. Deve por isso permitir uma fácil visibilidade do espaço interior para com o exterior, ou seja, deve permitir uma otimização da visibilidade, mas ao mesmo tempo bloquear o excesso de raios solares no interior, considerando assim um bom conforto visual para o indivíduo que utiliza o espaço. Da mesma forma que o sistema de sombreamento tem de garantir um controlo de raios solares no verão e uma boa iluminação natural, ele deve garantir o inverso no inverno. Ou seja, no inverno o sistema de sombreamento deve permitir a entrada de raios solares para o interior do espaço, de forma controlada e permitindo que aqueça o espaço sem se recorrer a sistemas mecânicos. Simultaneamente este sistema deve contabilizar a quantidade de iluminação natural com o propósito de não afetar o conforto visual do indivíduo. Ao nível do exterior, o sombreamento deve tentar responder não só a questões funcionais, de segurança e de privacidade, mas também a soluções de estética, qualidade e inovação de forma a oferecer um caráter próprio ao edifício em concordância com o ambiente em que este se insere. Os sistemas de sombreamento são um elemento importante na fachada e têm um papel fundamental para a imagem do edifício, sendo que devem apresentar-se como um elemento integrante do edifício e não como um elemento acessório à fachada. Para isso é necessário ter em atenção componentes visuais como o ritmo, a luz, a cor e a textura [6]. Ao nível da composição, forma e geometria existe uma variedade de sistemas, mas devem ser aplicados consoante o local, ambiente e requisitos climáticos onde se inserem.
3.3 SOMBRA
A definição de sombra pode ser bastante intuitiva, podendo ser descrita como uma área escura formada pela ausência da luz proporcionada pela presença de um objeto. No que toca a arquitetura, a definição de sombra pode ser mais complexa e inclui dois tipos distintos: auto sombra e sombra projetada [7]. No primeiro tipo, considera-se a sombra projetada sobre o próprio corpo, por exemplo, uma pala que sombreia uma fachada de um edifício. O segundo tipo, a sombra projetada, corresponde à sombra que o edifício projeta no pavimento desenhando os contornos da fachada. Consoante o tipo de objetos e a sua materialidade, a sombra pode sofrer alterações. Um objeto totalmente opaco não permite que exista qualquer passagem de luz, logo a sombra tem mais definição, enquanto se um objeto for menos opaco, ou com uma materialidade de transparência, a luz passa numa quantidade mínima, conferindo alguma fluidez à sombra. Conclui-se por isso, que o objeto é o principal responsável pela luz que pode ou não passar através dele.
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Este conceito já é estudado desde os anos 50 por Louis Kahn, que defende que “uma planta de um edifício dever ser lida como uma harmonia de espaços na luz (…) Cada espaço deve ser definido por sua estrutura e pelo caracter de sua luz natural [7]. Na arquitetura, pode-se controlar a sombra que se pretende receber e a sua intensidade através de sistemas de sombreamento e da sua materialidade. Tal como foi explicado anteriormente, a luz pode ser controlada de forma a ser recebida de forma agradável e não indesejável.
4. APRESENTAÇÃO DO PROJETO INDIVIDUAL O projeto em estudo diz respeito a um Centro de Investigação Marítima em Sines. Esta cidade do distrito de Setúbal é considerada a primeira cidade portuária de Portugal bem como uma das principais cidades industriais do país. A indústria, a pesca e alguma agricultura constituíram a base da atividade económica do concelho até ao final da década de 60. Mais tarde, no governo de Marcello Caetano, entre 1968 a 1974, foi criado o grande porto industrial em Sines, com intenção de dotar Portugal de maior autonomia em setores fundamentais, designadamente energia e transformação de matérias-primas. Esta profunda transformação da cidade acabaria, porém, por resultar num conjunto de consequências negativas que seriam identificados mais tarde, tanto ao nível paisagístico como ambiental, com forte impacto na qualidade de vida da população local [8]. Entre 1972 e 1981 a população sofreu um aumento de aproximadamente 92% devido ao desenvolvimento industrial, sendo que os sectores primários sofreram com esta alteração, em grande parte devido aos grandes níveis de poluição. Por essa razão, em 1982 realizou-se a primeira “Greve Verde” motivada por um conjunto de descargas que se fizeram sentir na costa norte da cidade [8]. Atualmente Sines possui um dos portos industriais com maior influência em Portugal, devido às excecionais condições de profundidade marítima que a tornam num local relevante para a atividade portuária. Nos dias de hoje, coexistem na cidade dois portos industriais, uma refinaria de Petróleo, indústrias da Petroquímica e uma zona industrial logística (ZIL). Uma vez que Sines se trata de uma cidade demasiado dependente da atividade industrial, mas também da pesca, tornou-se pertinente o desenvolvimento de um projeto que tivesse como beneficio a melhoria da qualidade de vida da população local. Ainda que o aumento da indústria, e, consequentemente, da população, acabe por prejudicar o setor piscatório, sobretudo devido aos impactos ambientais. A criação de um Centro de Investigação Marítima é então justificada pela necessidade de fazer face a estes impactos da poluição na qualidade de vida quer dos pescadores quer da população em geral. Este centro está preparado para receber varias áreas de estudo como a biologia marinha, a geologia, engenharia mecânica e geofísica. Todas estas áreas funcionam em conjunto com o objetivo comum de melhorarem a qualidade da água local. O departamento de biologia marinha foca-se no estudo de todos os organismos que vivem em águas salgadas, bem como na relação entre eles e o ambiente. O departamento de geologia é por sua vez responsável por projetos para o desenvolvimento das ciências do mar. O departamento de engenharia serve de apoio ao desenvolvimento de projetos e de equipamentos que ajudem na exploração dos fundos marinhos, bem como a manutenção dos meios já existentes. Por último, o departamento de geofísica suporta o estudo de compreensão da estrutura, composição e dinâmica do planeta Terra, no âmbito da física. Em todos estes departamentos trabalham investigadores especializados em cada uma das áreas de estudo, mas favorecendo o desenvolvimento de equipas multidisciplinares com o objetivo comum de melhorar a qualidade da água, o sector piscatório e a qualidade de vida dos habitantes. Para além de laboratórios o Centro inclui também salas de aula, que podem ser utilizadas para apresentar amostras e resultados recolhidos ao longo dos tempos, bem como preparar futuros investigadores que poderão ingressar no Centro de Investigação Marítima.
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4.1. Conceito do projeto O presente estudo foi complementado com um estudo prático, o Centro de Investigação Marítima, tendo como propósito o desenvolvimento de um sistema de sombreamento otimizado que se enquadrasse arquitetonicamente com o edifício. Esta análise possibilita então a determinação do sistema de sombreamento mais adequado de acordo com fatores como o local de implantação, a orientação e a intensidade de calor e luminosidade que podem ser favoráveis para a função do edifício. Para esse efeito, conclui-se que o sistema de sombreamento exterior e fixo é o que melhor se pode enquadrar no projeto Centro de Investigação Marítima de Sines. Este sistema é exterior por cumprir de forma mais eficiente a função de controlo dos raios solares, um fator especialmente crítico para um clima quente como o de Portugal. Por outro lado, a escolha de um sistema fixo é justificada pela maior economia no que diz respeito à montagem e manutenção.
4.2. Objetivos do Projeto O principal objetivo deste estudo era procurar cooperar para uma melhor otimização dos sistemas de sombreamento, tanto a nível da sua função como no equilíbrio luz-sombra. Para que essa otimização e equilíbrio sejam encontrados, o projeto apresentado irá explorar qual o melhor sistema de sombreamento tanto na sua eficácia lumínica como na otimização da diminuição de brilho. Ou seja, encontrar um equilíbrio entre ambos de forma a melhorar não só o desempenho energético do edifício como o conforto corporal e visual do indivíduo que habite o espaço.
4.3. Estratégia de projeto Para que este estudo seja válido foi necessário desenvolver uma estratégia que englobasse dois fatores fundamentais a serem estudados numa primeira fase: as coordenadas geográficas (localização exata do edifício) e o conhecimento dos dados climáticos do local (tipo de clima). As coordenadas geográficas (latitude 37,9572 e longitude -8,8609 [9]) permitem ajudar a perceber quais os ângulos solares para o local. Em relação aos dados climáticos, estes possibilitam perceber qual o momento do ano com mais calor, ou seja, o período em que é mais necessário o sistema de sombreamento. Neste caso de estudo a temperatura média de Sines é de 16,9°C [10]. Numa fase posterior do estudo serão adicionados dois fatores: a utilização a dar ao edifício (habitação unifamiliar, escritórios, hospital etc.) e a orientação do vão que será intervencionado com o sistema de sombreamento – o que em Portugal, por norma, consiste no(s) vão(s) a Sul e/ou a Nascente. Neste caso, sabe-se a localização do edifício e qual(is) o(s) vão(s) que necessita(m) de um sistema de sombreamento (orientação) e o tipo de clima que se encontra no local. Uma vez esclarecidas estas informações, pode-se avançar para o desenvolvimento de um sistema de sombreamento adequado. Após a obtenção dos dados acima referidos, são delineados os tipos de vão de forma a apresentarem uma leitura Interior-Exterior, isto é, desenhar vãos que permitam aos utilizadores usufruírem da vista que estes possibilitam, juntamente com uma intenção arquitetónica e permitindo que estes façam parte integrante da leitura do edifício. Assim que os vãos estão pensados e desenhados, são realizados estudos de dimensões dos componentes horizontais e verticais, sendo que o maior foco será nos elementos horizontais. Estes estudos são realizados com ajuda da ferramenta de cálculo OIKONET/ISCTE-IUL Energy efficiency HorShading [1] (Figura 1) e recorrendo a um modelo 3D em Revit para estudos das sombras de acordo com a latitude e com o período de maior necessidade de sombreamento.
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Figura 1: OIKONET MOOC Energy efficiency HorShading [1] realizado pelo Professor Vasco Moreira Rato, cedido a 09/05/2016 para estudo do dimensionamento das palas horizontais.
Foram estudados sistemas de sombreamento para dois tipos de vão, 1,20m e 2,00m de altura, entre as 10h00 e as 15h00, altura em que o sol está mais intenso. No total foram estudados 26 exemplos diferentes em função da altura da janela, do tipo de pala de sombreamento e das datas consideradas para o cálculo da sombra. Para cada altura de janela, as palas consideradas são de três tipos: distanciadas do vão, junto ao vão ou duplas. Foram consideradas, para cada altura de janela e para cada tipo de pala, quatro datas para o cálculo de sombras, agrupadas de acordo com o período do ano que se pretendia analisar.
4.3.1. Palas distanciadas do vão, nos dias 20 de junho e 21 de setembro Neste subcapítulo são apresentados dois exemplos de palas que estão distanciadas do vão, e foram estudos feitos para duas datas distintas, no dia 20 de junho e no dia 21 de setembro. Na figura 2 são percetíveis os ângulos solares que o vão irá receber nas datas estipuladas ao meio dia solar, ou seja, em ambos os vãos no dia 20 de junho ao meio dia solar irá estar totalmente em sombra, contudo, no dia 21 de setembro ao meio dia solar os vãos irão estar totalmente ao sol. Isto significa que a sombra vai perder intensidade ao longo do verão. O segundo exemplo apresentado (Figura 3) foi estudado para os dias de 20 de março e 21 de setembro, para ambos os vãos. Neste caso de estudo o raciocínio mantém-se o mesmo, ou seja, os ângulos apresentados na figura representam a sombra que os vãos irão receber no dia 20 de março ao meio dia solar e o sol que irão receber no dia 21 de setembro ao meio dia solar.
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Sombra que irá receber no dia 20 de junho Sombra que irá receber no dia 21 de setembro
Figura 2: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares nos dias 20 de junho e 21 de setembro
4.3.2. Palas distanciadas do vão, nos dias 20 de março e 21 de setembro Neste subcapítulo são apresentados outros dois exemplos de palas que estão distanciadas do vão, e para duas datas distintas, no dia 20 de março e no dia 21 de setembro. Na Figura 3 é percetível os ângulos solares que o vão irá receber nas datas estipuladas ao meio dia solar. Este estudo refere-se aos dias 20 de março e 21 de setembro, considerando-se os mesmos horários, 10h00, 12h00 e 15h00.
Sombra que irá receber no dia 20 de março Sombra que irá receber no dia 21 de setembro
Figura 3: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares No estudo de palas para estas duas datas, é percetível que para se ter sombra total até finais de setembro (objetivo que resulta da necessidade de limitar a entrada de radiação solar num momento do ano em que as temperaturas exteriores são
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ainda elevadas) seria necessário começar por sombrear a partir de março, sendo isso uma desvantagem uma vez que no mês de março ainda se deseja entrada de luz solar. Para além dessa desvantagem as palas horizontais necessitariam de ter dimensões consideráveis e neste estudo não é isso que se pretende.
4.3.3. Palas junto ao vão, nos dias 20 de junho e 21 de setembro Após a apresentação dos estudos acima referidos, segue-se um outro estudo onde se estipula uma nova condicionante: o elemento horizontal vai ficar junto ao vão e serão apresentados os mesmos vãos e as mesmas datas apresentadas anteriormente (20 de junho e 21 de setembro). No corte em baixo (Figura 4) é percetível qual o ângulo de sombra nos dias 20 de junho ao meio dia solar e no dia 21 de setembro ao meio dia solar, em ambos os vãos, 1,20 metros e 2,00 metros de altura. Contudo esta pala não tem capacidade para sombrear durante todo o verão.
Sombra que irá receber no dia 20 de junho
Figura 4: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares
4.3.4. Palas junto ao vão, nos dias 20 de março e 21 de setembro A Figura 5 ajuda a perceber como se comporta o ângulo de sombra nos dias 20 de março e 21 de setembro no meio dia solar. Estes tipos de palas sombreiam o vão na totalidade tanto numa data como na outra. Pretende-se sombra total ao longo do verão (de junho a setembro), no entanto, é uma desvantagem receber sombra total no mês de março.
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Sombra que irá receber no dia 20 de março e 21 de setembro
Figura 5: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares
Embora neste estudo a pala esteja junta ao vão e tenha diminuído um pouco a sua dimensão, ainda assim não se aproxima do objetivo definido porque as dimensões ainda são consideráveis. Esta solução cumpre a função de sombrear durante todo o verão até final de setembro, apesar de em março ainda não ser necessário sombra total, o que faz com que perca radiação solar numa altura em que esta ainda é necessária.
4.3.5. Palas duplas, nos dias 20 de junho e 21 de setembro Num último estudo de palas realizado, foi adotado um sistema de duplicação das palas como forma de reduzir o seu comprimento.O teste é realizado nas mesmas três datas acima apresentadas, no dia 20 de março, 20 de junho e 21 de setembro para o mesmo horário, às 10h00, às 12h00 e às 15h00. O corte em baixo (Figura 6) mostra como são os ângulos para o dia 20 de junho e 21 de setembro ao meio dia solar.
Sombra que irá receber no dia 20 de junho Sombra que irá receber no dia 21 de setembro
Figura 6: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares.
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Neste estudo percebe-se que o sistema de sombreamento cumpre a sua função em junho, ou seja, a 20 de junho o vão está totalmente em sombra, já a 21 de setembro o vão encontra sem qualquer tipo de sombra, o que significa que ao longo do verão a sombra se vá dissipando ao ponto de em setembro o vão já não estar em sombra. Embora este tipo de palas não seja viável também tem a desvantagem de poder obstruir a vista do utilizador para o exterior. É de fácil perceção de que este sistema não é válido para este estudo, uma vez que, uma das palas só será útil para uma parte do vão.
4.3.6. Palas duplas, nos dias 20 de março e 21 de setembro O próximo e último estudo deste capítulo foi realizado nos dias 20 de março e 21 de setembro para se perceber se cumprem também as funções como os exemplos acima apresentados. Na Figura 7 encontra-se um corte que serve como exemplo de como são os ângulos tanto a 20 de março e a 21 de setembro no meio-dia solar.
Sombra que irá receber no dia 20 de março Sombra que irá receber no dia 21 de setembro
Figura 7: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares
4.3.7. Desenho e dimensionamento dos elementos horizontais distanciados do vão Neste subcapítulo serão apresentados apenas alguns exemplos de palas que foram estudadas conforme os meses do ano e a necessidade de sombrear no verão (de junho a setembro), bem como em diferentes épocas para se perceber a diferença entre uma e a outra. O primeiro estudo a ser realizado tem como princípio base, que a sombra total seja até ao final de agosto, sendo que no mês de setembro ainda ocorre sombra, embora não na totalidade da superfície do vão. A Figura 8 apresenta qual o ângulo da sombra no dia 20 de abril e 21 de agosto ao meio dia solar, num vão com 1,20 metros e outro com 2,00 metros de altura, assim como a diferença entre as palas.
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Sombra que irá receber no dia 20 de abril Sombra que irá receber no dia 21 de agosto
Figura 8: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares
O corte acima apresentado é um modelo 2D desenvolvido no Autocad em que se representam os vãos de estudo em corte juntamente com a pala horizontal. Este exemplo serve para demonstrar qual será a incidência solar tanto numa data como na outra. No exemplo A o elemento horizontal tem 0,97 cm enquanto que no B tem 161 centímetros de comprimento e encontram-se a 0,72 centímetros e 120 centímetros acima do vão respetivamente. Percebe-se, portanto, que esta pala funcionaria para o vão de 1.20 metros uma vez que tem sombra total no verão e luz solar total no inverno, no entanto no vão de 2,00 metros, já não responde a essas necessidades. Este exemplo de palas demonstra que sombreia praticamente o verão todo, até 21 de agosto aproximadamente, o que significa que vai ter sombra até meados de setembro, embora não seja sombra total. Tem como desvantagem o facto de ter sombra total em abril, uma vez que o espaço interior ainda necessita de luz solar. A pala para o vão de 2,00 metros acaba por ser uma condicionante, uma vez que é uma pala que supera um metro de comprimento e está acima do vão, 1,20 metros de altura, não se tornando viável para este estudo. O segundo estudo a ser realizado (Figura 9), teve como base ter sombra total até final de setembro, para os mesmos vãos, 1,20 metros e 2,00 metros de altura. Sendo que neste estudo a sombra total prolonga-se até meados de setembro.
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Sombra que irá receber no dia 25 de março Sombra que irá receber no dia 16 de setembro
Figura 9: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares
O exemplo A tem 157 cm de comprimento e encontra-se a 0,90 centímetros acima do vão, no exemplo B o elemento horizontal tem 261 centímetros de comprimento e encontra-se a 150 centímetros acima do vão. Percebe-se, portanto, que esta pala não funcionaria nem para o vão de 1,20 metros nem para o de 2,00 metros de altura, uma vez que tem dimensões excessivas. No entanto seriam palas que cumpririam a sua função de sombrear, uma vez que sombreiam até ao final do verão e permitem entrada de luz solar ao longo do inverno. Através dos exemplos apresentados, pretende-se que a sombra total seja até setembro, no entanto não se pretende que exista sombra total em março, por ser uma época próxima do inverno e existir necessidade de luz solar no espaço. Este tipo de palas horizontais apresenta duas desvantagens: o facto de começar a sombrear em março e ter dimensões excessivas, o que se considera ter como consequência um prejuízo formal para o edifício, uma vez que são elementos inseridos posteriormente e não que fazem parte integrante deste.
4.3.8. Desenho e dimensionamento dos elementos junto ao vão Neste subcapítulo são apresentadas mais soluções de elementos horizontais, mas eliminou-se uma variante, a altura a que a pala estaria distanciada do vão. Uma vez que em Sines o verão é consideravelmente quente e que o inverno é frio, mas suportável, consideraram-se só os elementos horizontais que tivessem como função sombrear no verão. No inverno terá como consequência receber sombra, mas num curto espaço de tempo. Adotou-se o mesmo objetivo de sombrear até final do verão e os mesmos horários, fazendo-se estudos com diferentes datas afimde perceber qual se enquadra melhor neste estudo. O exemplo seguinte (Figura 10) demonstra como se poderia sombrear desde abril até ao final de agosto. Este exemplo mostra como estas palas sombreavam se estivessem junto ao vão, ou seja, uma vez que estão juntas a este, significa que no inverno também existirá sombra, embora menor, uma vez que o sol no inverno se encontra mais baixo que no verão. No corte realizado em Autocad, é percetível quais seriam as dimensões das palas e qual o alcance da sombra ao longo do verão.
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Sombra que irá receber no dia 20 de abril
Figura 10: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares.
Este é um dos exemplos em que poderia ser viável a utilização destas palas. Primeiro porque conseguem sombrear praticamente o verão inteiro, havendo sombra total até finais de agosto, o que significa que em setembro existe igualmente sombra, embora não na totalidade. Em segundo, porque não são excessivas o que a nível estrutural é o que se procura. Contudo tem a desvantagem de no inverno também ocorrer sombra. Este é um dos casos em que tem que se contrabalançar aquilo que é imprescindível e o que não é, neste caso dá-se prioridade à capacidade de sombrear o verão todo com palas aceitáveis. O segundo estudo realizado para palas junto ao vão (Figura 11) demonstra como se poderia sombrear desde 25 de março a 16 de setembro. Este exemplo mostra como estas palas sombreariam se estivessem junto ao vão. No inverno verifica-se a existência de sombra, embora menor, uma vez que o sol no inverno se encontra mais baixo que o verão.
Sombra que irá receber no dia 25 de março
Figura 11: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares.
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Através dos exemplos acima apresentados, percebe-se que é possível sombrear desde março até finais de setembro. Pretende-se que a sombra total seja até setembro, no entanto não se pretende que exista sombra total em março, por ser uma época ainda próxima do inverno sendo necessária a entrada de luz solar para aquecer o espaço. A pala para o vão de 1,20 metros tem dimensões aceitáveis, no entanto a pala de 2,00 metros de altura já é um pouco mais comprida, mas ainda assim é uma pala que talvez seja possível de considerar. A nível de estética pode danificar, contudo pode adaptar-se de forma a que não danifique o mesmo.
4.3.9. Desenho e dimensionamento dos elementos com palas duplas Neste subcapítulo serão apresentados apenas alguns exemplos de palas que foram estudadas conforme os meses do ano acima apresentados e a necessidade de sombrear no verão. Os seguintes estudos, foram realizados com base, no mesmo período do ano e com os mesmos vãos, no entanto desenvolveu-se uma nova abordagem. Ao invés de se utilizar uma única pala horizontal com dimensões consideráveis, optou-se por utilizar duas palas horizontais, fazendo com que fosse reduzida significativamente a dimensão das mesmas. O primeiro estudo tem como base, duas palas num vão de 1,20 metros e de 2,00 metros de altura, com os mesmos princípios dos outros estudos acima apresentados. Tem como objetivo sombrear de 20 de abril até final de agosto tendo como foco principal três horários distintos, 10h00 da manhã, 12h00 e às 15h00 da tarde. O corte apresentado (Figura 12) tem como objetivo mostrar qual o ângulo de sombra no mês de abril e no mês de agosto e qual o ângulo de luz solar que o mesmo espaço irá receber para as duas palas.
Sombra que irá receber no dia 20 de abril Sombra que irá receber no dia 21 de agosto
Figura 12: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos e com duas palas horizontais nos dias 20 de abril e 21 de agosto
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Num exemplo como este percebe-se que as palas, tanto num vão como noutro, respondem às questões de sombreamento e para além disso não danificam a vista que o utilizador pode ter para o exterior. Contudo a pala superior só tem a função de sombrear uma pequena parcela do vão, o que nos permite concluir que esta solução tanto no ponto de vista formal como no ponto de vista de sombreamento não faz sentido nem seria uma solução posta em causa para um edifício. O corte apresentado (Figura 13) tem como objetivo mostrar qual o ângulo para o dia 25 de março ao meio dia solar e o ângulo para o dia 16 de setembro ao meio dia solar.
Sombra que irá receber no dia 25 de março Sombra que irá receber no dia 16 de setembro
Figura 13: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares e com duas palas horizontais nos dias 25 de março e 16 de setembro
Tanto neste como o primeiro exemplo apresentados neste capítulo, respondem às questões de sombreamento e não impossibilitam a vista do utilizador para o exterior do espaço, no entanto, neste exemplo a pala superior não cumpre qualquer tipo de função uma vez que está quase no topo do vão. Esse seria um dos motivos pelo qual não se deve aplicar este tipo de sombreamento. A solução passaria por optar por um outro sistema que funcionasse tanto estética como financeiramente. Todos os exemplos apresentados são meramente representativos e fazem parte de um estudo para se perceber qual a melhor pala e qual cumpre as diversas funções, desde sombrear, fazer parte integrante do edifício e não impedir a vista aos utilizadores. Contudo percebe-se desde logo que alguns exemplos não são possíveis soluções, quer pelas dimensões que estes apresentam quer pelo facto de estarem a distâncias consideráveis do vão. Foram realizados vários estudos acerca dos elementos de sombreamento em vários períodos do ano de forma a obter-se sombreamento total ao longo do verão e luz solar ao longo do inverno. No entanto não é fácil conjugar os períodos em que se quer sombra com os períodos de sol juntamente com os elementos horizontais. Para conseguir sombra total até ao final do verão teria de se abdicar da luz solar ao longo de uma parte importante do inverno, no entanto, para este estudo torna-se mais relevante os elementos horizontais que possam responder as questões de sombreamento na época de maior calor.
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Isto acontece, pois, o edifício tem como função investigação marítima, assim sendo, cada laboratório tem ventilação individual, o que se torna mais fácil controlar a temperatura interior do edifício com sistemas de ar condicionado. Assim sendo optou-se por palas que cumprem a função de sombrear só no verão não impedindo, no entanto que no inverno não ocorra sombra. Este estudo teve a questão acima apresentada como uma dificuldade. Teve que se optar por sombrear no verão e incidência de raios solares no inverno ou sombrear no verão e um pouco no inverno, mas obter palas que pudessem ser utilizadas no edifício, de modo a não o danificar esteticamente. Conclui-se com este estudo, que este tipo de sistema de sombreamento não era viável uma vez que não se justifica duplicar as palas, uma vez que, uma das palas nunca poderá cumprir a função de sombreamento.
5. AVALIAÇÃO DA APLICAÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLO SOLAR NO PROJETO INDIVIDUAL Com este estudo pretendeu-se desenvolver um sistema de sombreamento capaz de responder às questões de uma arquitetura sustentável. Em primeiro lugar ter a capacidade de sombrear ao longo do dia, em segundo lugar não obstruir a vista do usuário para o exterior, e por último, não transparecer a imagem de serem elementos agregados à fachada. Após todo o estudo, apresentado no capítulo anterior, este é usado como uma base indispensável para se poder concluir qual o melhor sistema de controlo solar para este edifício em questão. Conclui-se então, que para uma fachada a Sul o mais apropriado para um vão será um sistema de sombreamento horizontal. Neste caso foram escolhidos os vãos a Sul por se tratar de uma zona com temperaturas médias elevadas no verão e por ser a fachada que mais radiação solar recebe no verão ao longo do dia. O sistema de sombreamento vertical, neste estudo, não iria melhor as condições interiores, uma vez que este tem mais utilidade nas fachadas Nascente e Poente, o que não é o propósito deste estudo. O sistema vertical na fachada a Sul poderia obstruir a vista do utilizador do espaço para o exterior, e não é o que se procura num sistema de sombreamento. O que se procurou obter com este estudo foi desenvolver um sistema de sombreamento capaz de responder às questões de uma arquitetura sustentável. Em primeiro lugar, ter a capacidade de responder às questões solares, ou seja, ter a capacidade de sombrear ao longo do dia. Em segundo lugar não obstruir a vista do usuário para o exterior, e por último, não transparecer a imagem de serem elementos agregados à fachada, mas sim elementos que fazem parte integrante do edifício. Ao longo deste estudo foram encontradas algumas dificuldades, como por exemplo, encontrar uma pala que permitisse obter sombra ao longo do verão sem que esta danifique a estética do edifício e que não bloqueasse a entrada de raios solares no inverno. Neste caso, como era prioritário ter sombra ao longo do verão, posicionou-se a pala junto ao vão, contudo no inverno o mesmo posicionamento da pala proporciona o bloqueio da entrada de luz solar. No entanto esta solução não é desvantajosa uma vez que as zonas em questão são na sua maioria laboratórios, logo têm a capacidade de aquecer o espaço com mecanismos automáticos, ou seja, através de ar condicionados e controlar a temperatura interior do espaço independentemente da temperatura exterior. Os seguintes exemplos apresentam as dimensões das palas que foram selecionadas para o projeto individual. Foram pensadas e desenhadas de forma a cumprirem a função de sombrear na época mais quente do ano. As palas têm um metro de comprimento e estão junto ao vão. Estas palas têm uma dimensão específica pelo facto de ser um meio termo, tanto para o vão de 1,20 metros como para o de 2,00 metros de altura. No vão de 1,20 metros esta pala é o suficiente para sombrear em qualquer altura do verão, no entanto no vão de 2,00 metros de altura não tem a capacidade de sombrear na totalidade; contudo, os raios solares que entram para o interior do espaço não interferem com o bem-estar do ocupante.
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O corte apresentado (Figura 14) tem como objetivo mostrar qual o ângulo da sombra no verão, que o espaço irá receber nos dias 20 de junho. Para melhor compreensão da sombra no espaço, a Tabela 1, permite visualizar imagens em 3D realizadas em Revit. Para o estudo foram estipuladas três datas em que o objetivo era começar a ter sombra total (25 de março, 20 de abril e 20 de junho), e a data de 21 de setembro onde se pretendia que o espaço começasse a receber raios solares. A Tabela 1 demonstra exemplo em 3D de como se comporta a sombra nestas datas.
Sombra que irá receber no dia 20 de junho e 21 de setembro
Figura 14: Corte de vãos. A) 1,20 m, B) 2,00 m com indicação dos ângulos solares nos dias 20 de junho e 21 de setembro.
Conclui-se assim, que uma pala de um metro de comprimento responde às questões de sombreamento ao longo do verão. Para além de ser uma pala com dimensões consideráveis, sombreia o espaço ao longo do verão e não danifica a estética do edifício, tornando-se assim um elemento fundamental para o caráter do mesmo. No caso deste estudo, adaptou-se a mesma pala para os dois vãos, 1,20 metros e 2,00 metros de altura, por questões de linguagem do edifício. No entanto, para o vão de 1,20 metros bastava uma pala de 0,85cm para cumprir todas as questões
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de sombreamento, mas uma vez que este estudo também tem como objetivo a estética do edifício, optou-se por manter a dimensão para ambos os vãos. Estas palas são um exemplo representativo, pensado e estudado para o projeto em estudo e com uma localização exata do edifício, constituindo assim um estudo específico para o Centro de Investigação Marítima em Sines. Para ser aplicado a outro edifício e localização será necessário realizar novo estudo de modo a perceber quais as dimensões mais adequadas.
Tabela 1 – Visualização de imagens em 3D realizadas em Revit
Hora
25 de março
21 de setembro
20 de abril
21 de setembro
20 de Junho
21 de setembro
12h00
Hora
12h00
Hora
12h00
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6. CONCLUSÕES O presente estudo tinha como objetivo demonstrar a importância que um sistema de sombreamento desempenha num edifício. Estes contribuem não só para uma arquitetura energeticamente eficiente e com conforto térmico, mas também não deve ser excluída a dimensão estética que estes sistemas podem proporcionar a um projeto arquitetónico. O projeto em questão, Centro de Investigação Marítima, localiza-se em Sines, localidade caracterizada por um clima no verão com temperaturas médias de 16,9ºC, pelo que a fachada que se optou para a colocação de sistemas de sombreamento foi a fachada a sul, uma vez que é esta aquela que mais raios solares recebe. Os sistemas aplicados no edifício foram pensados também de acordo com as dimensões que estes poderiam assumir. Ou seja, optou-se por uma pala horizontal de 1 metro de comprimento, pois com esta dimensão pode-se sombrear ao longo do verão e ao longo de todo o dia, permitindo também que no inverno o espaço receba abundantemente luz solar. Ressalve-se, porém, que este tipo de sistema foi pensado e desenvolvido tendo em conta as especificidades do projeto apresentado. O projeto apresentado comprovou como é possível desenvolver um sistema de sombreamento horizontal simultaneamente capaz de responder às questões de sombreamento, considerar também a regulação da iluminação natural, sem descurar preocupações estéticas.
REFERÊNCIAS [1] OIKONET MOOC Energy efficiency HorShading realizado pelo Professor Vasco Moreira Rato, cedido a 09/05/2016 para estudo do dimensionamento das palas horizontais. [2] Moita, F. (2010). Energia Solar Passiva (2ªed.). Lisboa: Argumentum . [3] Goulding, J. R., Lewis, J. O., & Steemers, T. C. (1997). Energy Conscious Design: A Primer for Architects. London. [4] Lamberts, R., Dutra, L., & Pereira, F. (1997). Eficiência energética na Arquitectura. São Paulo : PW Editores. [5] Frota, A. B. (2004). Geometria da Insolação. São Paulo: Geros LTDA. [6] Olgyay, V. (1998). Arquitectura y Clima: Manual de Diseño Bioclimático para Arquitectos y Urbanistas. Barcelona: Gustavo Gili S.A. [7] Kahn, L. l., & Vassella, A. (1969). Silence and Light. Zurich. [8] Sines, M. d. (s.d.). http://www.sines.pt. Obtido de Sines Município: http://www.sines.pt/frontoffice/pages/311 [9]http://www.distancesfrom.com/pt/Sines-latitude-longitude-Sines-latitude-Sineslongitude/LatLongHistory/1503516. aspx consultado em 28/04/2016 [10] http://pt.climate-data.org/location/7107/ consultado em 28/04/2016
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SISTEMAS E INTERFACES EM EDIFÍCIOS: PONTOS CRÍTICOS EM PROJETO P. RODRIGUES Arquiteto Mestre em Arquitetura (ISCTE) Lisboa pedrorodrigues.arq @gmail.com
SUMÁRIO
ABSTRACT
O presente artigo tem como objetivo geral contribuir para a qualidade do projeto de edifícios, através de um entendimento alargado da noção dos seus sistemas e interfaces. Os sistemas referem-se às diversas partes e funções em que o edifício se pode dividir: estrutura, envelope (ou “pele”), instalações e interior. As interfaces em edifícios correspondem, por sua vez, aos dispositivos físicos ou lógicos que proporcionam a ligação ou adaptação entre sistemas do edifício e seus elementos. Inicialmente, neste artigo apresentam-se as referências que enquadram a noção de sistemas em edifícios e que serviram de base à classificação proposta. Em seguida, estabelece-se a noção de interface em edifícios, desenvolvendose o seu âmbito e propondo-se a sua classificação. Com base em questionários realizados a técnicos e em contributos bibliográficos, procede-se à identificação de pontos críticos em projeto, no âmbito das interfaces entre sistemas do edifício. A informação compilada serviu de base ao desenvolvimento de uma ferramenta de controlo de projeto. Por fim, aponta-se a importância de contemplar as interfaces entre sistemas do edifício em fase de projeto.
The main goal of this article is to contribute to the quality of the buildings’ design, through a broad understanding of the concept of building systems and its interfaces. The systems refer to the buildings different parts and functions that can be divided; e.g. the structure, the envelope (or “skin”), services and interior. The interfaces in buildings correspond to the physical or logical devices that guarantee the interactions or adjustments between building systems and its elements. Initially, references to the concept of systems in buildings are presented, which were the basis for the proposed classification. Then the concept of interface in buildings is established, its scope is developed and its classification is proposed. Based on questionnaires made to technicians, and on bibliographic contributions, the critical design points within the interfaces between building systems are identified. The compiled information was the basis for the development of a project control tool. Finally, it is important to consider the interfaces between building systems in the design process.
KEYWORDS PALAVRAS-CHAVE
Interfaces, quality; buildings’ design, systems
Interfaces, qualidade, projeto de edifícios, sistemas
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1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento tecnológico e do mercado, com o aparecimento de novos produtos e processos para a construção, e ainda o aumento das exigências regulamentares e dos requisitos dos utilizadores, transportam novos desafios e problemáticas para o projeto. O aumento da complexidade dos edifícios na coordenação entre especialidades e na integração dos seus diversos componentes implica uma maior exigência na conceção do projeto. Deste modo, assume especial importância a definição de orientações e mecanismos para o projeto e sua coordenação. Neste sentido, o presente artigo propõe apresentar uma abordagem conceptual ao entendimento do edifício em termos dos seus sistemas e interfaces, assim como apontar os pontos críticos a serem observados no processo de projeto. Os sistemas referem-se às diversas partes e funções em que o edifício se pode dividir, podendo ser entendidos como estrutura, envelope (ou “pele”), instalações e interior. As interfaces em edifícios correspondem, por sua vez, aos dispositivos físicos ou lógicos que proporcionam a ligação ou adaptação entre sistemas do edifício e seus elementos. No sentido de estabelecer uma aproximação às diferentes escalas do projeto, as interfaces foram definidas de modo gradual (Figura 1) como “interfaces edifício-sítio”, “interfaces sistema-sistema” e “interfaces na pormenorização”. Por sua vez, a caracterização das interfaces em termos da sua natureza foi estabelecida ao nível dos mecanismos de organização, perceção, desempenho e junção na ligação entre sistemas e componentes do edifício, conforme se desenvolve mais à frente.
Figura 1: Representação conceptual dos sistemas em edifícios e suas interfaces
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Esta abordagem visa um entendimento da arquitetura dos edifícios num sentido holístico, tendo em conta as diversas escalas de aproximação ao projeto e o fator tempo associado ao ciclo de vida do edifício, assim como imperativos estéticos, de composição arquitetónica, de sustentabilidade e de coerência construtiva. O presente artigo foi baseado da dissertação intitulada “Sistemas e Interfaces em Edifícios: Caracterização e Método de Controlo de Projectos para Habitação Colectiva”, realizada por Pedro Manuel Martins Rodrigues no âmbito do Mestrado em Arquitectura: Cultura Arquitectónica Contemporânea efetuado no ISCTE [1].
2. SISTEMAS EM EDIFÍCIOS A ideia de sistemas em arquitetura encontra-se associada aos diversos elementos da construção e ao seu agrupamento com vista a estabelecerem determinadas funções. Esta aceção encontra antecedentes em Gottfried Semper (1803-79), na sua classificação dos quatro elementos fundamentais da habitação primordial: as fundações, o lugar do fogo, a estrutura e cobertura, e a membrana leve de fecho ou revestimento [2]. Semper observou que grande parte das formas usadas na arquitetura era originada por cinco processos essenciais: tecedura (produção têxtil e de padrões); modelagem (criação de olaria a partir de terra); carpintaria (providenciando a estrutura essencial de madeira, nomeadamente paredes, divisórias e coberturas); cantarias (envolvendo construção com pedra para fundações, paredes, colunas, entre outros) e trabalho com metal. Daqui derivou a sua teoria do estilo, argumentando que a arquitetura era reduzível aos materiais e processos associados com os seus usos [3]. As conceções de Gottfried Semper constituíram uma rutura histórica com a tríade vitruviana de utilitas, fermitas e venustas [2]. Numa perspetiva mais contemporânea, a norma ISO 6241:1984 [4] relativa a requisitos de desempenho do edifício, estabelece o entendimento do edifício como um sistema constituído gradualmente por sub-sistemas, montagens e componentes. Segundo a referida norma, os sub-sistemas do edifício correspondem às partes do edifício que preenchem as funções necessárias para satisfazer os requisitos do utilizador. Esta norma assume particular importância ao estabelecer bases para delinear princípios de desempenho, identificando os principais fatores a serem considerados, tais como as exigências do utilizador, os usos possíveis dos edifícios e dos seus espaços, a identificação dos sub-sistemas do edifício (de que os diversos produtos fazem parte) e os agentes relevantes para o desempenho dos diversos produtos em uso. Também os estudos realizados sobre o mote de “integração de sistemas do edifício” [5] [6] constituem uma referência essencial para a conceção que se apresenta. A integração entre sistemas é estabelecida nos Estados Unidos como uma disciplina ou tópico, patente nas pesquisas lideradas por Richard Rush [5] e no trabalho de Leonard Bachman [6]. Segundo Leonard Bachman, a integração entre componentes de um edifício poderá definir-se de três modos: física ou espacial; visual ou estética; e funcional ou de desempenho. Por sua vez, estes modos de integração são frequentemente interdependentes, na medida em que os componentes do edifício possuem simultaneamente impacto físico, visual e funcional. Os edifícios integrados contemplam as sinergias e os benefícios mútuos entre os diversos modos de integração relativamente aos componentes das construções. Para Leonard Bachman, a integração entre sistemas desenvolve as intricadas relações entre as partes e funções do edifício, proporcionando uma base de trabalho para selecionar e combinar os componentes do edifício de modo apropriado e com intencionalidade. No sentido de decomposição do edifício nas suas diversas partes, alguns autores referem-se às noções de “camadas” (“layers”) e “níveis” (“levels”), no sentido de observar padrões de longevidade e adaptabilidade do edifício e das suas partes. A este respeito destacam-se as aceções de Frank Duffy e outros [7], Stewart Brand [8], Bernard Leupen [9] e as decorrentes do conceito de “Open-Building” [10]. Faz-se, também, referência à classificação anatómica do edifício apresentada por Vítor Cóias e Silva no “Guia Prático para a Conservação de Imóveis” [11].
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Para Stewart Brand [8] o edifício é visto como um conjunto de componentes que se relacionam em diferentes escalas de tempo, em que cada camada assume um determinado padrão de mudança, numa gradação que vai do mais permanente ao mais mutável. Este autor salienta que no sentido de possibilitar a adaptabilidade do edifício, as camadas sujeitas a substituições ou alterações regulares (por exemplo, instalações) não devem ser obstruídas por outras camadas de carácter mais permanente (por exemplo, estrutura). A teoria de Stewart Brand assume referência aos processos da natureza, em que os ecossistemas podem ser entendidos pela observação dos padrões de mudança dos diferentes componentes que acontecem em diferentes ciclos temporais. Este autor transpõe para o âmbito da edificação o estabelecimento de uma hierarquia entre diferentes camadas do edifício em associação com o padrão de mudança dos seus componentes. A abordagem aos sistemas pode, ainda, ser encarada como um modo de racionalização, e que apresenta grande validade no modo como são pensados os sistemas num edifício. Neste sentido, o “raciocínio sobre sistemas” [12] contrasta com as tradicionais formas de análise. Ou seja, enquanto estas se focalizam na separação individualizada de elementos do objeto de estudo, a reflexão sobre sistemas contempla a interação entre o objeto de estudo com outros constituintes do sistema. Esta última forma de análise resulta numa visão que reflecte um alargado número de interações. O projeto de edifícios propicia-se à visão holística no raciocínio sobre sistemas, pela quantidade de informação que condensam, derivada de inúmeras fontes e que deverá ser integrada e coordenada.
3. INTERFACE EM EDIFÍCIOS A definição de “interface” proposta procura contemplar a noção de interligação entre sistemas e componentes do edifício. Contudo, importa caracterizar a natureza da interface e estabelecer os fatores que concorrem para esta aceção. A classificação proposta considera as interfaces em edifícios organizadas nas seguintes categorias de modo a contemplar a noção de complementaridade de escalas necessárias à prática arquitetónica: Interface edifício-sítio; Interface sistema-sistema e Interface na pormenorização [1]. A noção de interface em edifícios procura caracterizar a interligação entre sistemas do edifício. Neste sentido, devem ser observados os fatores que definem a natureza da ligação entre sistemas e que podem ser manipulados em projeto. Assim, propõem-se quatro modos de refletir as interfaces em edifícios: organização, perceção, desempenho e junção (Figura 2). Por sua vez, estes fatores podem ser entendidos de forma combinada no projeto [1].
Figura 2: Fatores caracterizadores das interfaces em edifícios
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Em seguida, procede-se à descrição destes quatro fatores. •
interface (organização): interligação entre sistemas e componentes em termos da conjugação do seu posicionamento no edifício, considerando imperativos de espaço e localização;
•
interface (perceção): sentido estético, preceptivo e simbólico na relação entre os diversos sistemas e componentes, assumindo especial relevância os aspetos visuais e de imagem do edifício;
•
interface (desempenho): aspetos funcionais na interligação entre sistemas e componentes, nomeadamente em termos de desempenho combinado, considerando os requisitos dos utilizadores e os agentes relevantes para o desempenho;
•
interface (junção): ligação entre sistemas e componentes em termos geométricos, físicos e químicos, assumindo especial relevância em termos de raciocínio da sequência construtiva e nos aspetos de dissociação entre elementos em termos de facilidade de desmontagem com vista a operações de manutenção, reparação e remodelação, considerando todo o ciclo de vida do edifício.
Realça-se a importância de proceder ao controlo das interfaces em fase de projeto tendo em conta os requisitos inerentes à construção, utilização e final de vida ou novo ciclo de vida da construção. O entendimento das interfaces deve considerar os aspetos de comunicação entre os diversos intervenientes do projeto, devendo verificar-se uma coordenação adequada das atividades de projeto tendo em conta as particularidades inerentes às diversas especialidades. A realização de questionários abertos a técnicos [1] induziu diversos entrevistados a refletirem em termos de pontos críticos nas interfaces entre sistemas do edifício, tendo-se verificado, de um modo geral, uma fácil apreensão desta temática. A metodologia utilizada na pesquisa de campo garantiu, em termos gerais, o alcance dos objetivos definidos com vista à identificação e sistematização dos pontos críticos nas interfaces entre sistemas em edifícios, tendo como referencial a habitação coletiva de construção nova. Contudo, os dados obtidos não englobaram todos os aspetos relevantes associados aos pontos críticos nas interfaces, e neste sentido propõem-se dados adicionais, resultantes de uma reflexão crítica, apoiada em referências bibliográficas. Foram estabelecidas seis combinações que constituem as interfaces sistema-sistema. Pretende-se refletir o âmbito de cada uma destas seis interfaces entre sistemas do edifício, culminando-se com a identificação de pontos críticos, cujo controlo assume especial importância no processo de projeto de edifícios. A informação compilada serviu de base ao desenvolvimento de uma ferramenta de controlo de projeto [1].
4. INTERFACES SISTEMA-SISTEMA 4.1. Interfaces estrutura-envelope O sistema envelope pode assumir diversos níveis de interação com a estrutura (Figura 3). A estrutura e o envelope podem, em muitos casos, fundir-se no mesmo elemento, ou seja, pode não existir uma separação clara entre a função estrutural e a de revestimento ou “pele” do edifício, como nos casos em que se recorre a paredes resistentes de betão nas fachadas. Nestes casos, elementos estruturais constituem parte integrante da “pele” do edifício.
Figura 3: Representação conceptual das interfaces estrutura-envelope
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A relação da estrutura com o envelope pode ser estabelecida em termos da sua relação com a imagem do edifício e em termos de desempenho combinado. A relação da estrutura com a imagem do edifício constitui um ponto essencial para a definição do objeto arquitetónico. Colocam-se questões estéticas e organizacionais relativas à utilização dos sistemas estruturais, num sentido de entendimento tectónico da arquitetura [2] [13], não exclusivo de uma reflexão entre envelope e estrutura, mas contemplando a totalidade do edifício. A fachada livre, formulada por Le Corbusier [13], adota um sentido de anulação da leitura da estrutura, em que os pilares recuam relativamente ao plano da fachada, possibilitando um tratamento desta de um modo praticamente individualizado da estrutura. Este sentido de continuidade de elementos da fachada, sem interferência da estrutura é patente na “fenêtre en longueur” explicitada por Le Corbusier. Em termos de imagem do edifício, a estrutura pode assumir diferentes características. Desde a aceção de “estrutura integrada” [9] em que esta assume uma fusão literal entre a forma e função estrutural, até às abordagens em que a estrutura é totalmente dissimulada, sendo ocultada por exemplo por paredes exteriores. Nas estruturas de secção ativa [14], constituídas por elementos lineares de vigas e pilares e formas compactas como lajes (patentes em muita da construção em betão armado e estrutura metálica), deve considerar-se a compatibilização das métricas da estrutura com os elementos da fachada. Contudo esta aceção encontra níveis de abordagem diferenciados caso se trate de tipologias em “open-space”, patente em edifícios de escritórios, ou de tipologias compartimentadas como as de edifícios de habitação. O desempenho combinado de estrutura e envelope pode ser contemplado no sentido em que o envelope desempenha funções estruturais e / ou no sentido em que a estrutura desempenha funções normalmente associadas ao envelope (separa meio exterior e interior). A construção com elementos estruturais à vista, nomeadamente o betão armado, assume igualmente funções de envelope que deve proteger o edifício dos efeitos climáticos. Contudo, normalmente a estrutura é sujeita a revestimentos com uma “pele” adicional de modo a providenciar um melhor desempenho em termos de proteção climática. Os elementos estruturais em betão armado e metálicos apresentam elevada condutibilidade térmica, definindo muitas vezes indesejáveis pontes térmicas entre exterior e interior, que devem ser corrigidas por interposição de materiais isolantes. Adotar elementos estruturais visíveis, implica que estes assumam um papel preponderante em termos de imagem do edifício, o que requer um rigor acrescido na sua definição nomeadamente em termos de acabamentos. Por exemplo, na construção em betão à vista deve ser contemplada o tipo de cofragem a utilizar, o controlo de juntas (betonagem, dilatação), o tipo de betão a utilizar, a estratégia para isolamento do interior e a relação com restantes elementos da construção [15]. Em seguida, apresenta-se a Tabela 1 com a proposta dos principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas estrutura e envelope, que devem ser controlados em fase de projeto.
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Tabela 1 – Pontos críticos nas interfaces estrutura-envelope Organização
Localização e controlo volumétrico dos elementos estruturais face ao envelope
Organização/ junção
Controlo de sobreposições/ conflitos entre elementos da estrutura e do envelope
Perceção
Preponderância arquitetónica dos elementos estruturais ao nível da imagem do edifício (fachada)
Desempenho
Integridade estrutural do envelope, considerando a sustentação do peso próprio, resistência aos ventos e aos sismos
Desempenho/ junção
Controlo de pontes térmicas nas ligações entre elementos estruturais e do envelope
Desempenho/ junção
Controlo de dilatações diferenciais nas ligações entre elementos estruturais e do envelope
4.2 Interfaces estrutura-interior As interfaces entre a estrutura e interior assumem particular relevo em termos da sua organização e perceção (Figura 4). A relação entre o interior, como espaço ocupado, e a estrutura, como as partes da construção que atuam com função de suporte, deve considerar as premissas relativas à organização dos espaços do edifício com as lógicas inerentes aos sistemas estruturais, suas potencialidades e limitações.
Figura 4: Representação conceptual das interfaces estrutura-interior
A estrutura funciona como mais uma variável a ser contemplada no ato de zonamento dos espaços interiores. Neste sentido, contempla-se a estrutura num sentido global, na sua fusão com a forma e espaços do edifício. Contudo, na relação do interior com a estrutura, podem identificar-se determinados pontos críticos ou potencialidades na sua integração. A organização do espaço interior pode, por si só, estabelecer oportunidades para a definição de um sistema estrutural. Elementos que conformam determinados espaços do edifício como caixas de escada, caixas de elevador e ductos para instalações técnicas podem constituir-se como elementos que atuam como função de suporte. Neste sentido, estes elementos constituem-se de modo a configurar espaços e simultaneamente acumulam uma função estrutural. A definição de um sistema estrutural para um edifício contempla muitas vezes uma determinada métrica ou grelha que se deve compatibilizar com a organização dos espaços do edifício. Significa que deve haver uma acomodação entre o sistema estrutural com a organização dos espaços e sua articulação, que se pode tornar particularmente crítica em edifícios que contemplem diferentes configurações e usos em planta.
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Edifícios com pisos destinados a circulação e estacionamento automóvel, e com pisos destinados a habitação, podem invocar princípios distintos relativamente à organização da métrica da estrutura, nomeadamente no que se refere aos afastamentos entre pilares. As lógicas inerentes à escala do automóvel devem, deste modo, ser contempladas na definição da métrica da estrutura, ao mesmo tempo que se deve procurar uma perfeita acomodação desta com os princípios de zonamento estabelecidos para os pisos de habitação, e vice-versa. Contemplando o interior pelos seus componentes, como paredes, vãos, acabamentos, mobiliário fixo e móvel, estes estabelecem determinada relação com os elementos da estrutura. A estrutura é acomodada muitas vezes em sobreposição com os elementos de compartimentação como sejam as paredes. Contempla-se, deste modo, a interface entre estrutura e parede, em que a forma e material da parede se ligam com a forma e material do elemento estrutural.A estrutura pode, também, ser entendida como “imagem de estrutura” [14], e neste sentido funcionar como elemento caracterizador dos espaços com potencial estético. Por considerações estéticas, procura-se muitas vezes anular visualmente elementos da estrutura, como pilares e vigas, de modo a não serem percetíveis nos espaços interiores. Contudo, considerações de ordem geométrica podem levar a que tal não se verifique, podendo pilares e vigas distinguirem-se (importunamente) das paredes de compartimentação. A conceção do sistema estrutural e dos espaços interiores deve contemplar a integração visual dos elementos estruturais. Neste sentido, podem adotar-se duas posições distintas: proceder à anulação por ocultação dos elementos da estrutura, ou assumir esses elementos à vista e eventualmente valorizar o seu enquadramento. Em seguida, apresenta-se a Tabela 2 com a proposta para os principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas estrutura e interior, que devem ser controlados em fase de projeto.
Tabela 2 – Pontos críticos nas interfaces estrutura-interior Organização/ perceção
Organização do interior em combinação com os elementos estruturais (métricas, posição e configuração)
Organização/ desempenho
Estrutura associada à concentração de áreas de serviço e circulações (caixas de elevador, escadas e ductos)
Organização/ desempenho
Controlo do pé-direito considerando a espessura de lajes e vigas
Organização/ desempenho
Controlo de sobreposições entre elementos da estrutura e do interior
Organização Perceção Junção Organização/ junção
Organização do interior e a estrutura considerando plantas com diferentes usos (estacionamento, r/c comercial, pisos de habitação e outros) Imagem da estrutura perante os espaços interiores (visível, oculta) / preponderância arquitetónica Controlo da ligação da estrutura com paredes e outros elementos interiores, considerando comportamentos diferenciais entre materiais Flexibilidade entre o interior e a estrutura no sentido de facilitar adaptações ou remodelações
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4.3 Interfaces interior-instalações As interfaces entre interior e instalações técnicas podem ser contempladas no sentido da sua organização, perceção, desempenho e junção (Figura 5). Determinados espaços estão sujeitos a uma maior concentração de instalações técnicas e equipamentos associados, nomeadamente as zonas húmidas, como cozinhas e instalações sanitárias, requerendo uma especial atenção na integração das instalações.
Figura 5: Representação conceptual das interfaces interior-instalações No interior dos edifícios deve ser prevista a localização e os espaços necessários às diversas redes de instalações técnicas e equipamentos associados, em consonância com as definições programáticas. As especificidades das diversas instalações impõem determinadas localizações e características para as disposições arquitetónicas que as contêm. As instalações técnicas e equipamentos associados podem apresentar-se à vista ou encontrarem-se ocultos. Quando ocultos, podem estar integrados em vazios como ductos, tetos falsos, pavimentos flutuantes, paredes com vazios, armários e compartimentos. As diversas redes de instalações técnicas podem, também, sobrepor-se a componentes da construção configurando, por vezes, uma interdependência conflituosa (como por exemplo, a localização de redes e tubagens em roços feitos em alvenarias de tijolo ou quando inseridos nos enchimentos dos pavimentos). Devem ser contempladas questões relativas aos métodos construtivos utilizados no interior e sua interligação com a implantação das instalações técnicas, nomeadamente no que se refere ao estabelecimento de acessos para substituição, por imperativos de manutenção ou adaptação das habitações. A integração das instalações técnicas e equipamentos nos edifícios, nomeadamente no interior, é condicionada pelos métodos construtivos adotados. Na construção tradicional de paredes em alvenaria de tijolo, recorre-se normalmente à abertura de roços e furos para a implementação das tubagens das redes de instalações técnicas, ficando estas embebidas nos elementos da construção. Deste modo, verifica-se uma grande interdependência construtiva entre os trabalhos de assentamento de alvenarias e os relativos às instalações técnicas, condicionando-se as possibilidades de proceder a ajustes e correções. Soluções de parede em divisórias leves em gesso laminado apresentam uma maior aptidão para a integração das redes de instalações técnicas (Figura 6).
Figura 6: Alvenaria de tijolo versus paredes em divisórias leves de gesso laminado e sua interdependência com as instalações técnicas
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Os componentes das redes das diversas instalações técnicas devem ser colocados de modo a facilitar a sua acessibilidade em trabalhos de reparação, manutenção e renovação, assim como para a deteção de eventuais anomalias. Neste sentido, devem igualmente ser usadas disposições construtivas que possibilitem a individualização dos elementos técnicos em relação aos restantes componentes da construção. Instalações visíveis, tetos falsos, pavimentos sobrelevados e condutas técnicas acessíveis, configuram soluções construtivas que possibilitam uma conveniente integração das redes de instalações técnicas. Soluções de redes embutidas em paredes e pavimentos assumem uma menor eficiência, tanto em obra como em fase de utilização com implicações para a eficácia e durabilidade das diversas instalações técnicas e restantes componentes da construção. Em obra, a dependência relativa a outros componentes da construção poderá afetar o encadeamento dos diversos trabalhos, com implicações em termos de gestão de mão-de-obra e de prazos de execução. Durante a utilização do edifício, a dificuldade de acesso às instalações técnicas compromete a sua durabilidade pela complexidade de proceder à sua manutenção e reparação, e dificulta a realização de trabalhos de renovação e reabilitação. Em seguida, apresenta-se a Tabela 3 com a proposta para os principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas interior e instalações, que devem ser controlados em fase de projeto. Tabela 3 – Pontos críticos nas interfaces interior-instalações
Organização Perceção Organização Organização Organização/ desempenho Desempenho Organização/ desempenho Desempenho Desempenho Organização/ desempenho
Localização e espaços afetos a instalações/ definição de áreas técnicas Integração estética das instalações no interior, através da sua ocultação, dissimulação ou visibilidade Controlo de sobreposições entre elementos do interior e das instalações Controlo de pé-direito, considerando a passagem de instalações Facilidade para manutenção e reparação de instalações Controlo do ruído associado a instalações, considerando a sua integração com o interior Controlo da climatização em integração com a conceção do interior Controlo da iluminação artificial em conjugação com as características dos espaços Aspetos ambientais e eficiência energética associada à definição das instalações e do interior Segurança contra incêndio associada à definição de instalações e interior
Organização/ desempenho
Integração de instalações e equipamentos em cozinhas, considerando as atividades a realizar
Organização/ desempenho
Integração de instalações e equipamentos em sanitários, em termos de espaços, localizações e aspetos antropométricos
Organização/ desempenho
Disponibilidade e localização de equipamentos e dispositivos (tomadas, interruptores, aparelhos de iluminação, AVAC e outros)
Organização/ junção
Facilidade de desmontagem/ substituição de instalações, tendo em consideração futuras remodelações/ adaptações e possibilidades de reciclagem/ reutilização de componentes
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4.4 Interfaces envelope-instalações As interfaces entre o envelope e as instalações técnicas são estabelecidas tendo em conta a integração de instalações técnicas em fachadas e coberturas, e contemplando a conjugação das características do envelope e instalações técnicas com vista ao conforto ambiental no interior (Figura 7). A exibição dos elementos técnicos da arquitetura nas fachadas e coberturas do edifício pode assumir diversos gradientes, desde a simples exposição dos tubos de queda de drenagem pluvial ao longo das fachadas até à exibição de elevadores e diversos tipos de condutas, podendo estes elementos serem visualmente exaltados ou não. Neste sentido, as interfaces entre as instalações técnicas e envelope assumem um forte sentido estético, na medida em que a exposição dos elementos técnicos contribui para a imagem do edificado. Outro aspeto reside na resolução dos pontos de entrada e terminais de redes de instalações técnicas e implicações inerentes ao desenho arquitetónico, quer num sentido de conceção global como de pormenor.
Figura 7: Representação conceptual das interfaces envelope-instalações
Os sistemas solares térmicos e fotovoltaicos colocam diversos desafios na sua integração com o envelope e consequentemente com a imagem do edifício. Relativamente à sua integração com o envelope do edifício, novos desenvolvimentos desta tecnologia viabilizam a sua possibilidade de as integrar na cobertura, paredes, dispositivos de sombreamento e em janelas [16]. Outro aspeto importante a contemplar é a integração das características do envelope e instalações técnicas com vista ao conforto ambiental com o interior. A inter-relação entre o envelope e as instalações técnicas, em conjunção com a definição dos espaços interiores, tem um papel relevante para a satisfação de requisitos de pureza do ar, dos requisitos térmicos e higrométricos e visuais. Ou por outras palavras, pode referir-se a aspetos de conforto ambiental, nomeadamente de conforto visual e climático [17]. Em seguida apresenta-se a Tabela 4 com a proposta para os principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas envelope e instalações, que devem ser controlados em fase de projeto.
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Tabela 4 – Pontos críticos nas interfaces envelope-instalações Organização
Localização e espaços afetos a instalações (definidos no envelope) Integração estética das instalações situadas no envelope considerando a sua ocultação, dissimulação ou visibilidade
Perceção
Compatibilização da localização das condutas de ventilação/ outras com a imagem arquitetónica pretendida para chaminés
Organização/ perceção
Conjugação das características do envelope e dos sistemas de climatização com vista ao desempenho térmico do edifício
Desempenho Perceção/ desempenho
Controlo da iluminação artificial tendo em conta o balanço com a iluminação natural através do envelope
Perceção/ desempenho
Controlo dos dispositivos para admissão de ar (ventilação) e sua conjugação com o envelope
Organização/ desempenho Organização/ perceção/ desempenho Organização/ junção
Controlo de drenagens em coberturas e das instalações associadas Controlo de entradas/ saídas de instalações associadas a redes concessionárias e equipamentos associados Facilidade para manutenção das instalações localizadas no envelope e sua desmontagem/ substituição, tendo em consideração futuras remodelações/ adaptações e possibilidades de reciclagem/ reutilização dos componentes
4.5 Interfaces estrutura-instalações As interfaces entre a estrutura e as instalações técnicas do edifício podem ser contempladas em aspetos de compatibilização espacial e definidas num sentido de integração funcional (Figura 8). Caixas de elevador e ductos para passagem e proteção de instalações técnicas podem constituir-se como elementos integrantes da estrutura do edifício e, neste sentido, devem ser contempladas as interfaces entre a estrutura e as instalações técnicas.
Figura 8: Representação conceptual das interfaces estrutura-instalações O traçado das redes das diversas instalações técnicas obriga muitas vezes ao atravessamento de elementos estruturais, nomeadamente paredes e lajes em betão armado, devendo para tal serem previstos negativos com dimensão e configuração adequada. A ausência de definição de negativos em projeto e/ou em construção levará tendencialmente à necessidade da sua abertura em obra com consequências gravosas em termos económicos, ambientais e de segurança, nomeadamente com a afetação de pessoal, meios e tempo adicionais, maior produção de resíduos dos quais se terá de prever a sua remoção e implicações em termos do comportamento estrutural. Geralmente associadas e complementares aos negativos, são definidos ductos, estabelecendo o espaço necessário para acomodar as diversas instalações técnicas nos seus percursos de desenvolvimento vertical de modo a servir os diversos pisos das habitações. O projeto de arquitetura deverá determinar a localização e dimensão dos ductos necessários à definição dos percursos das diversas redes de instalações técnicas. A representação em projeto de arquitetura dos ductos e das tubagens, associa-
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das à generalidade das instalações, constitui um auxiliar de grande utilidade na definição dos negativos a constar em projeto de estruturas. Associado à definição dos ductos devem ser previstas facilidades para o acesso às instalações técnicas aí contidas. Em seguida apresenta-se a Tabela 5 com a proposta para os principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas instalações e estrutura, que devem ser controlados em fase de projeto. Tabela 5 – Pontos críticos nas interfaces estrutura-instalações Avaliar a possibilidade de associação da estrutura concentração de serviços (ductos, elevadores)
Organização
Controlo da integração estética das instalações e equipamentos em combinação com a estrutura
Perceção Organização/ desempenho
Controlo de negativos em elementos estruturais (atravessamentos)
Organização/ desempenho
Controlo de sobreposições/ incompatibilidades na definição da estrutura e das instalações (redes, equipamentos)
Desempenho
Integridade estrutural associada ao assentamento das instalações Individualização das instalações face à estrutura, tendo em conta a facilidade de manutenção e reparação das instalações e sua desmontagem/ substituição, tendo em consideração futuras remodelações/ adaptações e possibilidades de reciclagem/ reutilização dos componentes
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4.6 Interfaces envelope-interior A interface entre envelope e interior (Figura 9) deve contemplar, em simultâneo, os seguintes fatores tendo em conta aspetos organizacionais, estéticos e de desempenho: 1) Agrupamento dos espaços do edifício (zonamento); 2) Forma e orientação do edifício; 3) Características materiais do envelope e do interior.
Figura 9: Representação conceptual das interfaces envelope-interior O envelope constitui-se como mediador face às condições climáticas exteriores, de forma a permitir manter condições conforto interiores. A forma do edifício, a sua configuração e orientação condicionam, de modo decisivo, o desempenho envelope como elemento mediador entre o exterior e o interior. Por outro lado, as características do envelope e aspetos forma, devem ser conjugados com o agrupamento dos espaços do edifício e suas características, de modo a responder melhor forma aos diversos requisitos dos utilizadores, nomeadamente no que se refere ao conforto climático.
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A caracterização do envelope e do interior pode ser estabelecida como variável ou constante no processo de projeto. Como exemplo, pode proceder-se à definição das características das fachadas num sentido de barreira seletiva face às solicitações
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a que deve dar resposta, estando pré-definida a organização espacial e a forma do edifício. Por outro lado, pode proceder-se à organização dos espaços, estando pré-estabelecidas as características do envelope e da forma do edifício. Contudo, estes fatores devem ser contemplados em simultâneo no decorrer do processo de projeto. Podem ser adotadas diversas estratégias de projeto no arranjo entre espaços interiores e tratamento dos vãos, considerando as tipologias em causa e as diversas condicionantes na definição da relação entre meio exterior e interior. Os edifícios de habitação assumem, muitas vezes, pela sua estrutura tipológica, o recurso a vãos perfeitamente delimitados e descontínuos que refletem, até certo nível, lógicas de compartimentação interior. Na caracterização dos edifícios de habitação assume grande importância a adoção de estratégias bioclimáticas, com vista à obtenção de condições de conforto pelos utilizadores, que variam em função do clima, localização e orientação do edifício, soluções construtivas e tipo de utilização. As estratégias bioclimáticas devem considerar fatores como a condutibilidade dos materiais, a convecção associada à ventilação, a radiação (ganhos solares), a evaporação e a inércia térmica [18]. A definição do envelope e do interior deve contemplar estratégias adequadas em conformidade com o sítio do edifício. A interface entre envelope e interior pode definir-se pela acomodação da organização dos espaços (zonamento), da forma e orientação do edifício e características da pele (como elemento mediador) e do interior, considerando aspetos organizativos de perceção e de desempenho. Em seguida apresenta-se a Tabela 6 com a proposta para os principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas envelope e interior, que devem ser controlados em fase de projeto.
Tabela 6 – Pontos críticos nas interfaces envelope-interior
Organização
Interação entre a definição do envelope e a definição dos espaços e compartimentação interior
Organização/ perceção
Caracterização dos vãos exteriores considerando a sua organização e perceção face ao exterior e interior
Organização/ perceção
Organização de acessos para utentes e veículos face ao exterior (envelope) e interior
Perceção/ desempenho
Capacidade de adaptação do envelope, face a mudanças de uso, considerando aspetos funcionais e de representatividade
Desempenho
Definição do envelope e interior tendo em consideração controlo de iluminação natural (níveis de iluminação e encadeamento)
Desempenho
Definição do envelope e interior considerando o controlo dos ganhos térmicos através da área envidraçada e orientação
Desempenho
Controlo de aspetos relativos ao conforto térmico e eficiência energética na interação entre envelope e interior
Organização/ junção
Estratégias com vista à definição de um determinado grau de individualização entre os elementos do envelope e do interior, tendo em conta aspetos de flexibilidade e facilidade de remodelação e adaptação a novos usos
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5. INTERFACES NA PORMENORIZAÇÃO As interfaces ao nível da pormenorização correspondem a uma transposição de escala no entendimento da interligação entre sistemas e componentes do edifício. Trata-se da escala do desenho de pormenor e das questões que lhe são inerentes. O encontro de materiais ou sua junção, através de uma ligação ou de uma junta, deve contemplar determinadas funções, contribuindo para o desempenho geral do edifício. A ligação entre materiais pode ser caracterizada pela sua geometria ou tipo e pela sua função. Aspetos relativos à construtibilidade ou facilidade construtiva devem, também, ser contemplados na pormenorização das ligações entre componentes ou materiais. As interfaces entre materiais podem assumir determinadas geometrias. Jorge Sequeira [19] refere-se aos encontros e interfaces entre elementos construtivos. A zona de encontro define o limite dos materiais implicados na formação da interface, correspondendo em muitos casos ao limite de empreitadas distintas. Segundo Sequeira, as interfaces podem ser caracterizadas de acordo com a seguinte geometria relativa ao encontro entre materiais: pontual, lineares, em área ou tridimensional. A pormenorização deve contemplar aspetos relativos à facilidade construtiva ou construtibilidade, incluindo a facilidade de ligação entre componentes, o conhecimento existente relativamente a soluções de pormenorização na construção e o uso eficiente dos recursos construtivos [15].
6. A IMPORTÂNCIA DAS INTERFACES NO PROJETO Partindo das sugestões das “teorias sobre sistemas” [12] e de algum léxico derivado de metodologias de implementação de sistemas de gestão da qualidade [20] [21], propõe-se a seguinte abordagem ao projeto considerando os mecanismos inerentes à definição dos seus sistemas e interfaces (Figura 10). O projeto deve contemplar todo o âmbito de requisitos das partes interessadas de modo a proceder à sua satisfação. Assim, como requisitos das partes interessadas (entradas) devem ser considerados os dados do programa, a regulamentação aplicável, a referência a modelos arquitetónicos e construtivos, o contexto do sítio, questões ambientais e de sustentabilidade e outros. Por sua vez, estes dados devem ser processados durante a conceção e desenvolvimento do projeto considerando uma dialética na definição dos diversos sistemas.
Figura 10: Relação entre sistemas e interfaces no projeto de edifício Assim, a definição de cada um dos sistemas deve ser realizada considerando as lógicas intrínsecas ao próprio sistema e as lógicas decorrentes da combinação com os restantes sistemas. Em termos conceptuais as interfaces podem ser entendidas através das lógicas que “emergem” a partir da interligação entre sistemas. Por sua vez, a ideia de interface alude a uma desmontagem e deslocamento das categorias definidas em termos de sistemas. Neste sentido, esta abordagem propõe promover novas leituras do objeto arquitetónico e mais-valias que propiciem a inovação.
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7. CONCLUSÃO O presente artigo pretendeu contribuir para a caracterização de um âmbito situado na fronteira entre a arquitetura e as restantes especialidades de projeto ou na fronteira entre campos temáticos distintos no seio da arquitetura. Neste sentido, a abordagem apresentada assume-se como transversal e aglutinadora das diversas temáticas que concorrem para um entendimento do edifício em termos de sistemas e suas interfaces. Conformou-se um raciocínio específico no âmbito da conceção do projeto e consequentemente do objeto arquitetónico. Este raciocínio resultou da “dissecação” do edifício nas suas diversas partes e funções (sistemas) e reciprocamente da determinação dos dispositivos de ligação entre essas mesmas partes e funções (interfaces). A reflexão em torno das interfaces em edifícios remete para um âmbito conceptual próprio, para lógicas que “emergem” da interação entre sistemas do edifício. Foram propostas várias tabelas com os principais pontos críticos nas interfaces entre os sistemas do edifício, que devem ser controlados em fase de projeto: interfaces envelope-estrutura; estrutura-interior; interior-instalações; envelope-instalações; estrutura-instalações; envelope-interior. Através deste estudo pretendeu-se salientar a importância da aceção de sistemas e interfaces face à conceção do projeto e consequente caracterização dos edifícios em termos da sua construtibilidade, desempenho, vida útil, sustentabilidade e outros fatores.
8. AGRADECIMENTOS O autor agradece às orientadoras científicas da dissertação de mestrado: Doutora Teresa Marat-Mendes (ISCTE) e Doutora Inês Flores-Colen (IST).
REFERÊNCIAS [1] Rodrigues, P., Sistemas e Interfaces em Edifícios: Caracterização e Método de Controlo de Projectos para Habitação Colectiva. Dissertação de Mestrado. Lisboa: ISCTE, 2007. [2] Frampton, K., Studies in tectonic culture: the poetics of construction in nineteenth and twentieth century architecture. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1995. ISBN 0-262-06173-2. [3] CURL, J.S., Dictionary of Architecture. Kent: Grange Books, 2005. ISBN 1 84013 883 1. [4] ISO 6241 (1984), Performance standards in building – principles for their preparation and factors to be considered. 1984. [5] Rush, R., AIA, The building systems integration handbook. The American Institute of Architects; NewYork: John Wiley & Sons, Inc.,1986. ISBN 0-471-86238-X, [6] BACHMAN, L. R., Integrated buildings: the systems basis of architecture. Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc., 2003. ISBN 0-471-38827-0. [7] Duffy, F. et al, Offices. In Metric Handbook: Planning and Design Data. Oxford: Architectural Press, 1999. ISBN 0 7506 0899 4. [8] Brand, S., How buildings learn: what happens after they’re built. London, Penguin Books, 1984. ISBN 0-670-83515-3. [9] Leupen, B., Frame and generic space: a study into the changeable dwelling. Rotterdam: 010 Publishers, 2006. ISBN 90 6450 5985. [10] Kendall, S.; Teicher, J., Residential open building. London and New York: CIB; E & FN Spon, 2000. ISBN 0-419-23830-1. [11] Cóias e Silva, V., Guia Prático para a Conservação de Imóveis. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2004. ISBN 972-202184-2.
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ARQUITETURA DA PARTICIPAÇÃO: INFLUÊNCIAS LATINO-AMERICANAS DE UM QUOTIDIANO PARTICIPATIVO C. RIBEIRO Arquiteta FAUP Porto, Portugal cr@merooficina.com
V. LEITE Arquiteto FAUP Porto, Portugal vl@merooficina.com
SUMÁRIO
ABSTRACT
Nestes tempos incertos, em que se questiona a utilidade social do arquiteto e a sua capacidade de criar melhores condições de vida, há uma tendência de procurar respostas em contextos extremos, de países menos desenvolvidos.
In these uncertain times, in which is questioned the social utility of the architect and his capacity to create better living conditions and, there is a tendency to to look for answers on extreme contexts, of less developed countries.
Na realidade latino-americana, ainda existe uma luta ativa pela equidade social, patente nas manifestações com repercussão mundial e nas práticas urbanas pró-ativas e colectivas. Nestes contextos, a atitude pró-ativa de arquitetos e urbanistas permanece relevante desde a década de 1960, e a crítica arquitectónica e o ativismo urbano e académico alastram dos campos artístico, estético e construtivo para o ético, o político e o económico.
In the Latin American reality, there still exists a constant struggle for social equity, noticeable in the uprisings with worldwide repercussions and the proactive and collective urban practices. In this context, the proactive attitude of architects and urbanists keeps its relevance since the 1960 decade. The architectonic critique and the urban and academic activism stray away from the artistic, aesthetic and constructive fields, for the ethical, the political and the economical.
Apesar da aproximação de realidades, enfatizada pela globalização, na América Latina atual ainda abundam os territórios problemáticos onde os arquitetos costumam trabalhar e grande parte dos problemas urbanos antigos ainda não foram resolvidos. Atualmente, os novos intervenientes, perante uma realidade bastante distinta da década de 1960, tentam articular a inteligência colectiva com os interesses políticos e económicos instalados, lutando por uma maior equidade social, ainda muito escassa nos seus países.
Even though realities are closer, due to globalization, on latin America there still are problematic territories, where the architects normally work and a great part of their old urban problems are not yet resolved. Nowadays, the new participants, facing a very different reality from the sixties, try to articulate the collective intelligence with the installed political and economic interests, fighting for more social equity, still too scarce in their countries.
Em Portugal, num contexto criado pela actual crise económica e políticas de planeamento e reabilitação pouco participadas geridas por organismos burocráticos, estas posturas parecem escassear e conceitos como cidade densa e integradora ou princípios de arquitetura participada parecem desvanecer-se no nosso contexto urbano. O artigo pretende demonstrar a importância de posturas mais sociais e contextualistas, como formas válidas de alcançar novos limites para os processos arquitectónicos e urbanísticos. E, aproximando a realidade sul-americana e a portuguesa, questionar o papel que arquitetos e urbanistas poderão ter na cidade atual, cada vez mais determinada pelos desejos e vontades dos habitantes.
In Portugal, in a context created by the current economic crisis and some planning and rehabilitation policies little participated and run by bureaucratic institutions, these postures seem scarce and concepts like a dense and inclusive city or participative architecture principles seem to wash away in the urban context. The article aims to show the importance of increasing social and contextualized postures, as valid ways to reach new limits for the architectural and urbanistic processes. Bridging the gap between the South American reality and the Portuguese one, questioning the role that the architects and urbanists may have in the current cities, that is more and more determined by the wishes of the local habitants.
KEYWORDS PALAVRAS-CHAVE
Architecture, city, participation, rehabilitation, mediation
arquitetura, cidade, participação, reabilitação, mediação
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1. A ARQUITECTURA DA PARTICIPAÇÃO CÍVICA 1.1. O contexto da década de 1960, entre o primeiro e o terceiro mundo Em 2011, centenas de pessoas protestaram no norte do Chile contra a desigualdade social e as pobres condições das populações mineiras do deserto de Atacama. As manifestações pararam a cidade de Calama para exigir uma melhor distribuição económica [1], mais infraestruturas e serviços que permitissem uma melhor qualidade de vida. Foi neste contexto e para acalmar a “bomba social” [2], que foi encomendado o projeto urbano Calama Plus, ao colectivo de arquitetos Elemental, um processo muito participado, com fóruns constantes e discussões nas quais o projeto foi sendo moldado, segundo as demandas e necessidades da comunidade. Através deste processo colectivo foi possível diminuir o nível de desconfiança por parte da população, que se encontrava descontente com os quatro anteriores planos urbanos que, na sua maioria, não foram postos em prática. “En la medida que nosotros logramos involucrar a la gente en la tomada de decisiones, dar señales claros de que las cosas que no eran pertinentes podían ser remplazadas y que podían ingresar demandas de ellos y que el plan se fue ajustando mucho en el proceso y se haciendo más pertinente, el sentimiento de desconfianza bajo un poco, no hasta cero, porque creemos que hoy día sigue existiendo un nivel de desconfianza que consideramos relevante para poder mantener una cierta tensión. (…) O sea, creemos que para que esto siga adelante es necesario un cierto compromiso por parte de la comunidad, en un rol no solo propositivo, si no también fiscalizador de que las cosas que se están prometiendo hoy día si se van a ejecutar.” [3]. Este contexto participativo e interventivo por parte da comunidade, arquitetos e urbanistas é comum a grande parte da América Latina, onde a crítica arquitectónica e o ativismo urbano e académico alastram dos campos artístico, estético e construtivo para o ético, o político e o económico. Uma postura que já se vem consolidando desde a década de 1960, quando o ambiente revolucionário da época proporcionou a criação de teorias e formas de intervenção que valorizavam a postura ética, a participação do habitante e a importância do espaço público e a melhoria das condições básicas de vida. Teorias e intervenções que criaram uma grande curiosidade por parte dos arquitetos do, então, Primeiro Mundo, que assistiam naquele momento ao nascimento de uma consciência democrática e participativa, que os levou a estimular uma inteligência social mais ativa, proporcionando uma nova forma de pensar a arquitetura e a sociedade, menos determinista e mais pluralista. Este momento, que teve o seu apogeu no Maio de 1968, colocou em causa o Movimento Moderno e a “cidade moderna” e lançou um debate sobre a postura do arquiteto enquanto desenhador e decisor das formas de vida, originando uma busca por valores que pareciam escassear no contexto das sociedades mais desenvolvidas e dando início a uma abertura universalista de leitura e observação do então Terceiro Mundo. Foram muitos os personagens marcantes da arquitetura e do urbanismo, da Europa e dos EUA, que seguiram de perto este temas, como os arquitetos Giancarlo de Carlo e Aldo Van Eyck, ambos do Team X, que desenvolveram projetos em que exploravam técnicas participativas; o arquiteto John Habraken, que desenvolveu o seu próprio modelo de habitação participada pré-fabricada, o SAR (Stichting Architecten Research), ou mesmo Paul Davidoff, autor do mítico artigo “advocacy planning,” que proclamava a importância da participação cívica nas decisões urbanas [4]. O arquiteto inglês John F.C. Turner foi talvez o mais curioso primeiro-mundista e um dos principais percursores e difusores destas posturas. Turner focou o seu trabalho no estudo nas ocupações informais peruanas, as barriadas, e defendeu a importância do empowerment [5], para apropriação espacial do habitante, e os modelos bottom-up, como a forma mais eficaz de gerar um sentimento comunitário. O “filósofo da habitação” [6], como o apelidou o ativista Colin Ward, extraiu dos países mais pobres lições universais para todo o mundo e, com a difusão do seu modelo de intervenção “site&service”, alimentou o debate da participação no então Primeiro Mundo.
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Por toda a América Latina era possível comprovar as teorias de Turner: enquanto no Brasil, o arquiteto Carlos Nelson dos Santos, montava uma forma de intervir com um carácter cirúrgico e adaptado às necessidades formais da favela brasileira, no Chile, multiplicavam-se as políticas de habitação participada, ou participacionistas, a forma mais espontânea e natural que se encontrou de resolver o défice habitacional e as más condições urbanas geradas pelas tomas informais. Era principalmente nestes contextos que o trabalho do arquiteto se confundia com o do político e que a obra se misturava com o trabalho artesanal, conferindo à cidade, bairro, rua ou casa, uma maior identidade. Apesar da inconstância destas práticas que, em grande parte, foram interrompidas por regimes ditatoriais ou por estratégias importadas de outros países, hoje, no trabalho da maioria dos arquitetos da América Latina contemporânea ainda se faz sentir a génese que ficou do legado das décadas de 1960 e 1970. Este legado, patente na atividade e postura pró-ativa dos arquitetos sul-americanos, destaca-se hoje em vários cenários globais de arquitetura. A presença de projetos e arquitetos latino-americanos nas principais exposições e publicações internacionais, como a Bienal de Veneza, são prova disso, sendo o clímax desta proeminência, o prémio Pritzker de 2016, [7] atribuído ao arquiteto chileno Alejandro Aravena, do colectivo Elemental. O destaque evidente destas práticas surgiu em contraponto com o habitual star system arquitectónico, que, durante as últimas décadas foi proporcionado pela sociedade global e pela internacionalização de linguagens e formas de fazer, revelando-se agora uma nova tendência, mais desperta para outras realidades e para a importância de um olhar mais plural e integrador.
1.2. A actualidade sul-americana Durante a última década, no Chile, as manifestações como as de Calama foram pontuando todo o país de norte a sul. Durante meses, as semanais marchas estudantis por uma educação acessível para todos foram-se alternando com as revindicações contra as barragens hidro-elétricas que iriam causar uma marca irremediável nas paisagens da Patagónia. Este ambiente estimula os arquitetos a participarem em iniciativas políticas, a escreverem cartas abertas sobre o funcionamento das cidades, a fomentar protestos colectivos e a acumular opiniões em jornais, blogs e plataformas de divulgação arquitectónica, conseguindo muitas vezes dar volume a sentimentos generalizados da população, como no emblemático caso da recusa do projeto do centro cultural de Oscar Niemeyer para a reconversão da “ex-carcel” de Valparaiso. [8] É comum os arquitetos chilenos assumirem uma atitude de mediação entre desejos populares e os planos dos agentes decisores, tal como aconteceu também no caso do mediático bairro de La Legua, em Santiago (Figura 1), em que os Mobil arquitetos propuseram ao governo um plano urbano que respondesse à reação dos habitantes contra o dramático problema de violência que viviam, com o intuito de melhorar o ambiente e devolver a auto-estima ao bairro [9].
Figura 1: Santiago do Chile - Bairro La Légua
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Apesar de grande parte destas iniciativas aparecerem em situações de emergência, nos ambientes mais consolidados, muitos dos projetos continuam a ser motivados e incentivados pela comunidade. Nos últimos anos as ciclovias de Santiago aumentaram exponencialmente, devido à forte pressão por parte da população. Às mensais “bicletadas monumentais” que impedem a circulação automóvel no centro da cidade de Santiago, juntaram-se as marchas de bicicletas ao longo do rio Mapocho (Figura 2), que atravessa Santiago, e há muito tempo não tem um caudal significativo. Estas marchas apoiam o projecto “Mapocho Pedaleable” [1] uma proposta de dois jovens arquitetos que, em oposição ao megalómano projeto “Mapocho Navegable” [2], vem responder à demanda de espaços pedaláveis e à consciência colectiva da urgência de um melhor aproveitamento do rio.
Figura 2: Santiago do Chile - Rio Mapocho “Para llegar a ser un país desarrollado, no basta con lograr importantes índices de actividad económica y sus consecuentes impactos en los ingresos de las personas. Crecimiento sin memoria colectiva es una vana ilusión.” [1] Este envolvimento da comunidade na definição das cidades leva a um desenvolvimento da massa crítica e, consequentemente, a que as próprias instituições governativas se adaptem, criando mecanismos de participação, avaliação e decisão cívica. Nos concursos para intervenções em espaços públicos, por exemplo, estão previstos fóruns de discussão e apresentação e processos de decisão participativos e evolutivos. As equipas multidisciplinares formadas por arquitetos, sociólogos, engenhei-
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ros, editores de comunicação, juristas e consultores económicos vão submetendo o processo à comunidade em diferentes estâncias: mesas, fóruns abertos, fóruns mais restritos com dirigentes sociais e, sistematicamente, vão afinando e ajustando a proposta mais pertinente para o bairro. Esta postura pró-ativa, interventiva e política dos arquitetos nota-se por toda a América Latina, tanto em ações umbilicalmente ligadas com as práticas dos anos 1960, como as do argentino Jorge Jaurégui, arquiteto fundamental do programa favela bairro, que ainda serve de base para as intervenções urbanas nas favelas do Rio de Janeiro ou, mais recentemente, para o plano de recuperação da cidade de Medellín, na Colômbia; como em ações mais reconhecidas internacionalmente, como os estudos instigadores dos venezuelanos Urban Think-Tank [2] ou a habitação social do colectivo Elemental (Figura 3) [3].
Figura 3: Bairro Lo Barnechea_Projecto Elemental Perante uma realidade bastante distinta da sentida na década de 1960, estes novos intervenientes, tentam articular a inteligência colectiva com os interesses políticos e económicos instalados, lutando por uma maior equidade social, ainda muito escassa nos seus países. Hoje, perante os tempos incertos da última década, marcado pela intensa crise económica e social, levantam de forma mediática a dúvida sobre a utilidade social do arquiteto e a sua capacidade de criar melhores condições de vida. É neste contexto, que se volta a olhar para estes países, anteriormente conhecidos como o Terceiro Mundo, tal como já acontecera durante outras crises económicas e sociais, procurando respostas e novas formas de atuar perante os problemas complexos que surgiram. Talvez seja, mais uma vez, um momento para aprender com estes exemplos vindos destas outras realidades, que cada vez se assemelham mais à realidade portuguesa, mas que continuam a demonstrar a importância do arquiteto enquanto mediador e ator urbano. No entanto, deverá distinguir-se o momento atual, da década de 1960. Do segundo, rico em lições de participação, devemos resgatar as descobertas e o legado dos intervenientes; e da América do Sul atual, muito mais próxima da nossa realidade, apreender o espírito pró-activo e participativo que ainda perdura. Na América Latina, o papel do arquiteto não se esgota apenas no serviço técnico e qualificado e a arquitetura não é apenas um luxo estético que, em tempos de crise, tem o seu fim anunciado. Talvez, hoje, se devesse olhar para o exemplo latino americano, que aparenta contrariar as vozes críticas que anunciaram o “seu declínio como ideólogos ativos” [1] e recuperar uma atitude e um papel mais interventivo e colaborativo, como pensadores e desenhadores da nova configuração social que começa a levantar-se da crise. Neste sentido, tal como é sugerido
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pelo arquiteto Pedro Gadanho, “o arquiteto pode ter a capacidade de gerar narrativas relevantes e apelativas e ser capaz de expandir o campo da sua atividade (...) podendo usar a inteligência espacial para revolver diversos problemas.” [2] O carácter pedagógico que poderá ter origem numa atitude deste género, poderá incentivar a hábitos urbanos mais saudáveis e sustentáveis e, de forma definitiva, acabar com alguns mitos que nos assolam desde a modernidade. [3]
2. A PARTICIPAÇÃO NA ACTUALIDADE 2.1. O Contexto Português Em Portugal, perante a crise económica que se instalou durante a última década e as políticas de planeamento e reabilitação pouco participadas e geridas por organismos burocráticos, durante algum tempo estas posturas escassearam e conceitos como participação e reivindicação pareceram desvanecer-se no nosso contexto urbano. No entanto, sempre sob a sombra do momento único e irrepetível do programa de habitação social SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), lançado pelo então Secretário de Estado da Habitação, Nuno Portas, após a revolução de Abril de 1974, alguns arquitetos e colectivos portugueses parecem estar já a perfilar-se por estes pensamentos mais participados e sociais e a tornar mais elástico o campo da sua atuação, com o intuito de alcançar um diálogo e uma troca enriquecedora que crie diferentes posições, com outras disciplinas e participantes. Este programa fugaz, lançado após a Revolução de 25 de Abril 1974, surgiu como um “programa de aventura cívica”, [1] num contexto marcado pelo período do PREC (Processo Revolucionário Em Curso), e por um panorama habitacional crítico, que, segundo o arquiteto José António Bandeirinha, [2] aparecera como uma resposta à falta de habitação, às más condições das ocupações informais, e à fraca eficácia do sector cooperativo. Foi neste período que se deu um dos momentos mais interessantes momentos de participação na arquitetura, conseguindo-se estabilizar um método de intervenção inovador, apoiado diretamente no governo. “(...) by articulating public policy to neighbourhood control, Nuno Portas avoided the apparent contradiction between efficiency and democracy.” [3]. Segundo Nuno Portas, a grande inovação metodológica do SAAL, foi colocar os projetistas cara a cara com a população desde o início do processo [4]. Os arquitetos começaram a fazer habitação económica para um cliente que se conhecia, deixou-se a abstração espacial e a generalização das necessidades, e respondeu-se às necessidades físicas e objectivas dos utentes. Este momento único foi subitamente interrompido pelo conflito de interesses entre estas novas políticas de habitação comunitárias e os poderes económicos e políticos instituídos após o 25 de Novembro [5]. Hoje, algumas iniciativas parecem beber deste legado metodológico pós-revolucionário interrompido: a organização de bolsas para intervenções urbanas, como o caso das bolsas Crisis Buster, organizadas pela Trienal de Arquitectura de Lisboa [6] e apoiadas pela Fundação Calouste Gulbenkian; Programas de financiamento municipais para recuperação de bairros, como o programa BIP/ZIP [7] ou os programas de financiamento para reabilitação urbana, como o programa apresentado pelo IHRU, Reabilitar Para Arrendar, [8] poderão ser apenas sinais, mas demonstram atitudes e processos urbanos e construtivos mais democráticos e interventivos, do que os que se viram num passado recente. Estas iniciativas são sinais de que alguns agentes e técnicos começam a aproveitar brechas políticas e a movimentar-se, tecnocraticamente e politicamente, em conjunto com algumas comunidades, com o intuito de alcançar novos projectos e soluções para melhorar a vida das cidades portuguesas. Os projetos de construção de algumas cozinhas comunitárias em Lisboa, como o projecto da cozinha Cova do Vapor, dos EXYZT Collective, apoiado por uma das bolsas da Crisis Buster, ou os projectos de regularização do bairro PRODAC, do colectivo ateliermob, [9] apoiado pelo programa BIP/ZIP, são demonstrativos deste contexto.
2.2. O papel do arquitecto na cidade consolidada Atualmente abre-se a discussão em torno do futuro do tecido tradicional das principais cidades portuguesas. Os centros urbanos do Porto e de Lisboa registaram nos últimos anos grandes sinais de vitalidade, num processo de reabilitação urbana, que se “assume hoje como um eixo estratégico para o país” [1], que começou a preencher os lotes devolutos e vazios que pontuavam a malha urbana (Figura 4).
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Figura 4 - Edifício devoluto Rua do Passos Manuel - Porto Contudo, esta recente dinâmica (Figura 5) conduziu à especulação imobiliária, o que, juntamente com o aumento crescente do turismo e a consequente inflação dos valores de arrendamento, põe em causa a habitação da população local e faz crescer as preocupações das comunidades em relação ao futuro do quotidiano urbano dos centros históricos. Volta a estar presente na esfera publica de discussão o direito à cidade e ao espaço publico e vão sendo constantes as criticas aos programas de revitalização postos em práticas pela classe política, que proporcionam “um ambiente de sempre em festa impulsionado por exércitos de empreendedores, indústrias criativas, startups e departamentos camarários (...) onde as cidades e o seu património surgem como imagens que importa vender” [1], como refere Maria Ramalho, presidente do Conselho de Administração da Comissão Nacional Portuguesa do ICOMOS - Portugal (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios).
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Figura 5: Rua Cândido dos Reis, Porto Do mesmo modo, o aumento exponencial da reabilitação do edificado que, na crise dos últimos anos, surgiu como uma “espécie de refúgio em que se salvam empresas e pessoas”[1], tem levantando questões sobre a legislação atualmente em vigor. O recente regime excecional de reabilitação urbana [2] dispensou as reabilitações de grande parte das exigências atuais da construção, por um período transitório de 7 anos, isentando grande parte das re-construções da aplicação de uma série de artigos da legislação até então em vigor. Esta brecha na legislação e a procura, por vezes, da recuperação dos investimentos, suscitam dúvidas nos técnicos sobre a qualidade da recente reabilitação urbana, na qual “basta não piorar o que existe, mesmo que o que existe seja péssimo, inseguro e insalubre” [3]. Nesta altura de rápidas transformações urbanas e do património edificado multiplicam-se as acusações e tensões entre a classe política e alguns núcleos da comunidade mais pró-ativos, como se refletiu no debate em torno da reabilitação do quarteirão das Cardosas, no Porto, no qual a organização não governamental ICOMOS – Portugal tem lançado duras criticas às políticas de Reabilitação Urbana levadas a cabo pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) Porto Vivo” [4]. Na recente conferência “Porto (que) Sentido? Transformação Urbana entre identidade e artifício”, realizada no Café-Concerto do Teatro Rivoli na cidade do Porto, foi notória a dificuldade de comunicação entre a organização comunitária, que alega que os seus pareceres não são escutados e os serviços do município do Porto, que utilizam sistemas de participação que se revelam pouco consequentes. [5] Perante este contexto, a postura e a prática corrente dos arquitetos, engenheiros e restantes técnicos envolvidos na construção do território não deverá ser apenas contemplativa, perante a legislação em vigor, e respeitadora das decisões políticas superiores.
3. CONCLUSÃO Parece hoje fundamental que os técnicos reinventem o seu papel como atores sociais e urbanos e passem a colaborar com os desejos e diferentes vontades das comunidades, incentivando territórios mais democráticos e sustentáveis. Tal como nos explica o pensador urbano François Ascher, cada vez mais a cidade é determinada pelos desejos e vontades dos habitantes, neste sentido, arquitetos, projetistas e outros intervenientes, deverão mediar essas vontades e a construção da cidade, sob pena de se tornarem desnecessários, caso não o consigam fazer.
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Essa mediação terá que ser informada e conhecedora dos contextos, por isso, o questionamento técnico da legislação em vigor e a criação de massa crítica perante o planeamento existente e as decisões políticas, são factores fundamentais para que se consiga responder às exigências impostas por cada projeto, cada cliente ou cada habitante. Como aconteceu nas várias iniciativas enunciadas, para alcançar este conhecimento torna-se fundamental um diagnóstico e um levantamento exaustivo do objecto do projeto ou plano, para se extinguir o desfasamento entre o pensamento criado no ato do desenho ou planeamento e a realidade do quotidiano da vida das pessoas. Como admitiu Carlos Nelson dos Santos, esta pesquisa dos modos de habitar trata-se de uma relação progressiva, e trabalhar junto de estruturas mais locais, como juntas de freguesia, associações de moradores ou condomínios será, não só uma forma de conhecer e precisar as intervenções, mas também um ritual, uma forma de legitimar as decisões e o projeto que se pretende levar a cabo. Em grande parte dos projetos referidos, perante os problemas levantados nos diagnósticos, surgiu a necessidade de criação de movimentos ou grupos de intervenção. A criação destes movimentos não substitui o Estado, câmaras municipais ou as instituições representativas dos técnicos, como ordens ou sindicatos, mas poderá auxiliar e provocar as instituições e técnicos, alertando para os problemas das cidades e ajudando a encontrar soluções. A participação no processo construtivo, quando levada ao limite da auto-construção pouco planeada e pouco consciente do seu entorno, poderá levantar problemas na qualidade do ambiente urbano, ou na qualidade do edificado, e, neste campo, a assistência técnica é fundamental, com mais ou menos decisão, dependendo do caso e do seu contexto. Cria-se, então, uma dicotomia entre os princípios ideológicos e os valores criativos dos técnicos, que devem ser ferramentas indissociáveis de qualquer projeto, e a tentativa de manter uma postura interdisciplinar, aberta a opiniões e sugestões, com o intuito de criar cidades que respondam melhor às necessidades reais dos habitantes. Como aconteceu no exemplo dos modelos habitacionais do Elemental, na pratica técnica corrente, é fundamental que os técnicos consigam sensibilizar os seus clientes ou as pessoas para quem se encontram a trabalhar para opções mais integradoras e soluções urbanas mais conscientes, tornando fundamental não só a exploração pragmática e inteligente do desenho de soluções ou a optimização de sistemas de construção, mas também uma visão comunitária e socialmente responsável. Em 1980, Giancarlo de Carlo já alertava que toda a sociedade se conservava contra a participação. Desde os políticos, que receavam a intervenção e crítica direta; aos técnicos, que temiam a alteração da sua rotina e postura burocrática; e mesmo aos académicos, por não desejarem rever o seu modelo de ensino e pesquisa. O desenvolvimento social e político demasiado representativo e pouco participado que nos descreveu de Carlo e que nos levou até ao momento de descrença que vivemos, aparenta estar em ruptura. Parece ser o momento ideal para os arquitetos e todos agentes envolvidos na construção ajudarem a criar uma consciência urbana colectiva que ajude a repensar a forma como vivemos e, através de uma postura pedagógica e métodos de atuação mais participativos, tornarem-se agentes importantes para perseguir uma maior equidade social e, quem sabe, criar quotidianos mais humanistas e colectivos.
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INFLUÊNCIA DA FLEXIBILIDADE POR CORTE EM PAREDES RESISTENTES NA ANÁLISE PUSHOVER B. LOPES Eng. Civil IST-DeCivil Lisboa brunojflopes @tecnico.ulisboa.pt
M. ARRUDA Investigador CERIS-ICIST-IST Lisboa mario.rui.arruda @tecnico.ulisboa.pt
R. DIAS Eng.Civil UC Coimbra ricardo.dias @uc.pt
M. FERREIRA Eng.Civil UNL Caparica ma.ferreira @campus.fct.unl.pt
SUMÁRIO
ABSTRACT
O presente trabalho procura mostrar as diferenças que existem na realização de análises pushover em estruturas de betão armado em função do tipo de elemento finito utilizado na modelação das paredes estruturais.
The aim of this work is to show the main differences which exist, taking in to account the influence of the type of finite element used, when performing pushover analysis of reinforced concrete structures. The non-linear analysis was performed using FE software SAP2000, and the results were extracted from models including Frame and Shell elements, respectively.
Para a realização das análises não lineares foi utilizado o programa de cálculo automático SAP2000, sendo os resultados obtidos referentes aos elementos Frame e Shell do mesmo. Deste modo foram modeladas, tanto com elementos Frame como com elementos Shell, várias estruturas em betão armado que serão apresentadas ao longo do presente documento, para posteriormente serem submetidas a uma análise não linear. Deste modo, foi possível não só validar os resultados obtidos mas também identificar certos condicionalismos no resultado de acordo com o elemento finito utilizado na modelação das paredes resistentes. Numa primeira fase são modeladas 3 paredes estruturais isoladas, com geometrias distintas. A primeira apresenta uma geometria rectangular, a segunda uma geometria “em L” e a terceira uma geometria “em U”. Com a aplicação de análises pushover nos exemplos apresentados pretende-se validar os resultados obtidos com os elementos Shell. Posteriormente, foram efectuadas as mesmas análises a um edifício. Com este exemplo pretende-se mostrar que os desempenhos de ductilidade estão fortemente dependentes do tipo de elemento usado, algo que não é tido em conta nas actuais análises pushover. Em todos os exemplos é aplicado o método N2, de modo a perceber as diferenças no caso do dimensionamento sísmico da estrutura em estudo em função do tipo de elemento utilizado na modelação. Os resultados são comparados e são identificadas as vantagens e as limitações da utilização dos elementos Shell na modelação de paredes estruturais.
Several reinforced concrete structures were modelled with Frame elements and Shell elements, which will be further presented. Therefore, it was possible to validate the results obtained from the analysis, also to identify certain restrictions according to the type of finite element used in the modelling of the resistant walls. In the first phase, three isolated structural walls were modelled with distinct geometries. The first one presents a rectangular shape, the second – “L” shape and the third one “U” shape. The application of pushover analysis through the different examples presented in this document, intends to validate the results obtained for the Shell elements. Subsequently, the same kind of analysis was performed on a building. These examples intend to show that the performance of ductility is strongly dependent from the type of element, which is not taken into account in the pushover analysis nowadays. N2 method was applied to all examples, in order to understand the differences in the structures seismic design, according to the type of element used in the modelling. The results are compared and the differences are identified. As well as, the limitations of applicability of Shell elements in the modelling of structural walls were determined.
KEYWORDS N2 Method for Resistant Walls, Non-Linear Analysis, Frame Elements, Shell Elements, Pushover Analysis.
PALAVRAS-CHAVE Análise Não-Linear, Análise Pushover, Elementos Barra, Elementos Shell, Método N2 em Paredes Resistentes.
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1. INTRODUÇÃO Na análise do desempenho sísmico de uma estrutura de betão armado é possível ter uma abordagem de cálculo diferente das restantes acções, uma vez que é admissível considerar que a mesma pode ter deformações para além do domínio elástico. Desta forma é importante conhecer os mecanismos de colapso possíveis de ocorrerem, bem como a capacidade de dissipação de energia da estrutura [4,7]. De forma a efectuar uma análise sísmica, o mais correcto seria utilizar uma análise dinâmica não linear. No entanto, a utilização deste tipo de análise envolve um método de cálculo bastante complexo, tornando pouco viável a aplicação do mesmo em cálculo sísmico corrente [9]. Este método além de moroso necessita de correr vários acelerogramas e guardar enormes quantidades de dados da resposta estrutural. Surge então, como método alternativo, a análise estática não linear, também designada de análise pushover. Através deste tipo de análise é possível identificar os mecanismos de colapso da estrutura de uma forma mais simples do que utilizando as análises dinâmicas não lineares [4]. É, então, objectivo deste trabalho enquadrar a aplicação deste tipo de métodos em programas correntes, nomeadamente o software comercial SAP2000.
2. ESTADO DA ARTE Historicamente, o projecto para resistência a acções sísmicas era feito com recurso à aplicação de forças estáticas equivalentes. Posteriormente, com o desenvolvimento computacional, foi desenvolvido o método de análise linear com recurso a Espectros de Resposta, conforme proposto por [6] e desenvolvido por [9]. Este método é ainda o mais usado na regulamentação em vigor [7,27]. Esta metodologia tem sido ser criticada por [25] e [18], apontando-lhe uma série de defeitos como o modo como o próprio Espectro é criado e o modo como os esforços são combinados, chegando-se esforços internos que nada têm a ver com a realidade e são mesmo desequilibrados. Também a perda de rigidez não é contabilizada, o coeficiente de comportamento adoptado é impossível de estimar correctamente e em absoluto não deveria ser único na estrutura, mas por elemento. Além disto, este método não fornece nenhuma indicação sobre os modos de ruptura da estrutura. Em geral é aceite pela comunidade científica que os métodos de análise não linear produzem melhores resultados que os convencionais acima descritos [3]. As análises dinâmicas não lineares tornam-se no entanto impraticáveis, tendo em conta o tamanho dos outputs. Para ultrapassar essas dificuldades muitos recomendam o uso de análises estáticas não lineares (conhecidos como pushover analysis) [5], que providenciam a mesma fiabilidade dos anteriores e com uma componente prática elevada. As primeiras análises pushover em 2D foram efectuadas e apresentadas com sucesso por [13], tendo sido melhorados através dos trabalhos de [12] e [15], devido aos avanços computacionais da época. Estas apenas se cingiam a estruturas simples e regulares. O sucesso e fiabilidade destes resultados promoveu inúmeros regulamentos com aplicação directa ao pushover: ATC40 [2], FEMA273 [14] e FEMA440 [1]. Através do relatório FEMA440 [1], chegou-se à conclusão que altos modos superiores de vibração, podem ser importantes na resposta da estrutura. Assim sendo, vários autores [16,17] sugeriram algumas alterações na aplicação do método. Foram feitas alterações principalmente por [23], na qual o método denominado “Multi-Modal Inelastic Procedures” foi testado e apresentado com sucesso. Recentemente 2011 Fajfar propôs no seu trabalho [23], uma alteração ao seu método N2 de maneira a ter em conta altos modos de vibração. Outra questão prendia-se com o cálculo elástico de modos de vibração, neste assunto vários autores [22] sugeriam métodos adaptativos de maneira a variar a rigidez da estrutura com o nível de carregamento. Os métodos existentes usam diferentes aproximações para o cálculo do deslocamento objectivo, dependendo dos mecanismos de dissipação de energia. Vários autores sugerem procedimentos que podem depender do tipo de estrutura [8,11,21,24,26]. Outra importância na aplicação correcta do pushover prende-se com transformação de coordenadas, de ngdl para 1gdl, onde
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neste assunto Hernandez-Montes [19], demonstrou que tem de se obedecer a certos critérios para o modo de participação ser influenciado pela não lineariedade da estrutura. No âmbito deste trabalho já muitos autores testaram o pushover em edifícios a 3D [20], mesmo em edifícios não simétricos [10]. No que se refere ao estudo do desempenho sísmico de uma estrutura através de análises estáticas não lineares, o EC8 propõe como opção à análise com recurso ao método N2 proposto por Fajfar [6], usando um espectro de resposta regulamentar. Este método é bastante simples e apresenta uma formulação no formato ADRS (Acceleration Displacement Response Spectrum), combinando a análise pushover de um sistema com vários graus de liberdade com uma análise por espectro de resposta de um sistema equivalente com 1 grau de liberdade [9].
3. ANÁLISE NÃO LINEAR 3.1. Elemento Frame Os elementos Frame, também designados de elementos barra, utilizam uma formulação geral, tri-dimensional, de viga/pilar que inclui os efeitos de flexão bi-axial, e deformação axial [4]. Através do Section Design é possível definir uma Frame de betão armado, definindo como material base o betão e colocando manualmente os varões de aço [4]. Neste tipo de elementos, o comportamento não linear é tido em conta através da definição de rótulas plásticas. Na definição destas rótulas é necessário ter em consideração várias relações constitutivas, como o momento rotação, bem como algumas interacções entre esforços para uma melhor compreensão dos resultados [4]. Tendo em conta que na análise linear a flexibilidade por corte é mal estimada no SAP2000, considerou-se que neste tipo de elemento o efeito da distorção por corte era nulo, admitindo apenas deformação por flexão e axial dos elementos Frame. É possível definir as rótulas plásticas de duas formas, através da definição manual da relação momento-rotação plástica, através de rótulas com comprimento nulo, com ou sem interacção do esforço axial com o momento flector, ou, por outro lado, através de ligações não lineares de plasticidade multi-lineares. Sendo este segundo definido através de uma relação momento-curvatura que pode ser definido das seguintes formas [4]:
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Multilinear uncoupled M2 or M3 hinges: A relação momento-curvatura tanto pode ser definida de forma automática, com base nas recomendações da Caltrans ou FEMA356, ou manualmente através da definição de cinco pontos principais para a mesma, sendo que por convenção o primeiro ponto representa o ponto de carga nula, o segundo e terceiro pontos são, respectivamente, o ponto de cedência e o ponto de carga última e o quarto e quinto pontos representam a rigidez residual e o ponto de colapso. Uma vez que o comportamento não linear do elemento é caracterizado independentemente em ambas as direcções 2-2 (transversal) e 3-3 (longitudinal), este tipo de modelos só deve ser utilizado em análises 2D. Por outro lado, uma vez que este modelo de rótula permite uma análise do comportamento cíclico do elemento, seleccionando modelos histeréticos isotrópicos, Kinematic, Takeda ou Pivot, apesar de algumas instabilidades numéricas, pode ser adoptado para efectuar análises dinâmicas temporais em modelos 2D. Multilinear interaction PM or PMM hinges: A definição das rótulas com interacção de esforços é similar à anterior, com excepção na consideração do comportamento considerando flexão em ambos os eixos ortogonais, no caso das rótulas MM, e na interacção entre esforço axial e momento flector no caso das rótulas PM. Para estas, o programa requer uma definição prévia dos diagramas da relação MM e PM para a secção transversal. Outro aspecto importante em relação às rótulas MM está relacionado com o número de curvas da relação momento-curvatura que devem de ser definidas tendo em conta o tipo de secção. Portanto, no caso de simetria circular da secção de um pilar é necessário definir apenas uma curva, enquanto que para configurações assimétricas é recomendada a utilização de pelo menos três curvas (longitudinal, transversal e na direcção a 45o). A grande vantagem das rótulas PMM é o facto de estas poderem ser utilizadas para efeitos de análise pushover em 3D. Contudo, como as rótulas PM não permitem a utilização de todos os tipos de modelos histeréticos, não devem de ser utilizadas no caso de análises dinâmicas não lineares.
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Fiber PMM hinges: Este tipo de rótulas são utilizadas quando se pretende definir a interacção entre o esforço axial e a flexão desviada ao longo da Frame. As rótulas podem ser definidas manual ou automaticamente para algumas secções, incluindo as definidas através do Section Design. Neste tipo de rótulas, para cada fibra da secção transversal, é utilizada a curva não linear da tensão-deformação longitudinal do material para definir a relação σ11 - ε11. Através da soma do comportamento de todas as fibras multiplicado pelo comprimento da rótula, são obtidas a relação força axial-deformação e momento rotação nas duas direcções. A relação σ11 - ε11 é sempre a mesma tanto no caso de o material ser uniaxial, isotrópicos, ortotrópico ou anisotrópico. O comportamento ao corte não é considerado nas fibras, em vez disso, este é contabilizado para a secção da Frame utilizando um módulo de distorção (G) linear. Este tipo de modelo não só é o mais completo e estável para análises não lineares, como também pode ser utilizado em qualquer situação (2D ou 3D, tanto para análise pushover como análises dinâmicas).
3.2 Elemento Shell As Shell são elementos do tipo área que são utilizados, geralmente, para modelar membranas, placas e lajes. Existe a possibilidade de ter uma Shell homogénea, composta por um só material, ou heterogénea, com vários materiais, sendo que a não linearidade material pode ser definida para este último tipo de Shell. Estes elementos são constituídos por três ou quatro nós, cuja formulação combina o comportamento de membrana e flexão de placa. [4] De modo a modelar uma Shell de betão armado e, posteriormente, efectuar uma análise não linear, é necessário utilizar uma Shell heterogénea. Neste tipo de Shell o material é definido por camadas, sendo que em cada camada é possível considerar o comportamento do material como linear ou não linear, sendo possível considerar diferentes tipos de comportamento para o material definido [4]. Para estudar uma secção heterogénea, para um elemento Shell, é sempre utilizada uma formulação de laje espessa, em que é considerada a deformação devido aos efeitos por corte. Para definir correctamente este tipo de Shell é necessário ter em consideração 8 parâmetros, como ilustrado na Figura 1 [4]:
Figura 1: Ilustração de elemento tipo Shell com quatro camadas, mostrando os parâmetros da camada C.
1. Nome da camada: O nome da camada é arbitrário, mas deve de ser único na respectiva secção. Contudo, o mesmo nome pode ser utilizado em diferentes secções. Isto pode ser vantajoso pois os resultados podem ser mostrados em simultâneo, para diferentes secções, para o mesmo material.
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2. Localização da camada: Cada camada é colocada na sua respectiva posição, através da especificação de uma distância, a partir de uma superfície de referência até ao centro da camada, medida na direcção positiva do eixo local 3 do elemento. 3. Espessura da camada: A espessura de cada camada é medida na direcção do eixo local 3 do elemento. Para modelar materiais de reforço ou fibras, é possível definir uma camada bastante fina com uma área equivalente. 4. Tipo de camada: No tipo de camada é possível escolher uma entre as três opções que se seguem: Membrana: As extensões na camada (ε11, ε22, γ12) são calculadas através dos deslocamentos no plano, as tensões na camada (σ11, σ22, σ12) contribuem apenas para as forças no plano (F11, F22, F12). Laje: As extensões na camada (ε11, ε22, γ12, γ13, γ23) são calculadas através das rotações e dos deslocamentos transversais, as tensões na camada (σ11, σ22, σ12, σ13, σ23) contribuem apenas para os momentos flectores e esforço transverso (M11, M22, M12, V13, V23). Casca: Combina o comportamento de membrana e laje, em que as extensões da camada (ε 11, ε22, γ 12, γ 13, γ 23) são calculadas tendo em conta todos os deslocamentos e rotações, as tensões na camada (σ11, σ22, σ12, σ13, σ23) contribuem para todas as forças e momentos flectores (F11, F22, F12, M11, M22, M12, V13, V23). 5. Número de pontos de integração da camada: O comportamento do material é simulado integrando um número finito de pontos, na direcção da espessura da camada. É possível escolher desde 1 até 5 pontos de integração, sendo que a localização dos mesmos segue processos de integração de Gauss. Para uma camada de material linear, um ponto é adequado para representar o comportamento de uma membrana e dois pontos para capturar tanto o comportamento de membrana como o de laje. Se existirem várias camadas, pode utilizar-se apenas um ponto para as mais finas. O estudo do comportamento não linear pode exigir a utilização de mais pontos ou de mais camadas, de modo a capturar a plastificação junto das superfícies de extremidade. A utilização de um número excessivo de pontos provoca o aumento do tempo de análise. 6. Material da camada: As propriedades do material, para cada camada, são atribuídas através da predefinição do mesmo. O material pode ser uniaxial, isotrópico, ou ortotrópico. No caso de se utilizar um material anisotrópico serão utilizadas propriedades ortotrópicas. O comportamento do material depende das componentes escolhidas para a camada, como será descrito no ponto 8 abaixo. 7. Ângulo do material da camada: Para materiais com características uniaxiais ou ortotrópicas, os eixos do material podem ser rodados em relação aos eixos locais do elemento. Cada camada de material pode ter uma direcção diferente das restantes. No exemplo da modelação de uma laje, os varões podem ser colocados como activos nas tensões σ11 e inactivos nas restantes direcções, sendo depois atribuído um ângulo para que estas estejam a actuar na direcção em que se encontram dispostas. 8. Comportamento do material: Para cada uma das componentes das tensões de membrana (σ11, σ22, σ12) é possível escolher se o comportamento é linear, não linear ou inactivo. Para um material com comportamento uniaxial, existem apenas as duas componentes (σ11, σ12) uma vez que σ22 é sempre igual a zero. As componentes do material são definidas no sistema local de coordenadas do mesmo, que depende do ângulo do material que pode ser diferente em todas as camadas.
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Se todas as componentes forem lineares, duas no caso de um material uniaxial, então são utilizadas as matrizes lineares. No caso de uma das três componentes ser não linear então, todas as componentes lineares utilizam uma lei tensão-deformação linear isotrópica, todas as componentes não lineares utilizam uma relação tensão-deformação não linear e todas as componentes inactivas assumem tensões nulas. As componentes são estudadas em separado e o coeficiente de Poisson é considerado nulo. Ao serem seguidos os passos anteriormente descritos, a secção da Shell heterogénea está definida, com as diferentes camadas de materiais colocadas nas respectivas posições.
4. ESTUDOS NUMÉRICOS Com o objectivo de observar as diferenças numéricas existentes entre os elementos Frame e Shell, são realizadas análises pushover, com recurso ao software SAP2000, a diferentes exemplos de paredes estruturais de betão armado. É importante, antes de realizar este tipo de análise, efectuar uma correcta definição do comportamento não linear do material. Para o betão considera-se um betão do tipo C25/30 e a relação tensão-deformação é a ilustrada na Figura 2. Para o aço é considerado um aço do tipo A400NR cuja relação tensão-deformação é a apresentada na Figura 3 [4]. Em todos os exemplos se usou o espectro de resposta do EC8, com um solo tipo C, para um sismo tipo 1, na região de Lisboa, para edifícios de classe II.
Figura 2: Relação tensão-deformação do betão.
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Figura 3: Relação tensão – deformação do aço
4.1 Parede Rectangular Este exemplo tem como principal objectivo a análise dos resultados obtidos com os elementos Shell e validar numericamente os mesmos, através da comparação com resultados obtidos com recurso a elementos Frame para modelar a mesma estrutura. A parede é constituída por betão armado, tem 4 metros de altura e a sua secção transversal é de 0.2x1m² (Figura 4), com um total de 30cm2 de aço. A parede é livre no topo e encastrada na base. A deformabilidade por corte da parede não foi tida em conta para a análise não linear, no elemento Frame.
Figura 4: Geometria da parede rectangular.
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A estrutura é, então, modelada com recurso a elementos Frame e a elementos Shell de forma a ser possível efectuar as análises pushover. Começou-se por aplicar uma carga uniforme com massas leves para comparar directamente o modelo Frame com o modelo Shell, de maneira a despistar os efeitos não lineares devidos ao esforço axial. As massas foram aplicadas horizontalmente em nós, espaçadas de 1,0 metros em altura. A carga uniforme foi aplicada segundo a direcção de maior resistência e a sua resposta estrutural está representada na Figura 5. A nível de carga máxima ou carga de cedência, como era espectável, o modelo Frame e o modelo Shell possuem respostas semelhantes para as relações constitutivas com curvatura e rotação. Mas existe alguma diferença principalmente no ramo elástico nos elementos Frame, sendo estes mais rígidos. Este fenómeno deve-se a 2 causas: a primeira é que o elemento Frame, ao contrário do elemento Shell, não possui comportamento em Estado II, (rigidez da secção depois do betão fendilhar), apenas admite diminuição de flexibilidade depois de formada a respectiva rótula plástica; a segunda causa é que o elemento Frame não consegue simular com exactidão a deformabilidade por corte com varões de aço em análises não lineares. Assim sendo, o elemento Frame apenas apresenta deformabilidade por flexão sendo mais rígido que o elemento Shell.
Figura 5: Força de corte basal para uma carga uniforme com massas leves.
A aplicação do método N2 com cargas verticais leves conduz à imediata fendilhação da secção, o que não é verdade para uma estrutura real, tendo em conta as cargas verticais permanentes. Colocaram-se assim massas concentradas de 50 toneladas ao nível de cada metro de altura da parede. Estas mesmas massas são usadas nas paredes em L e U nos próximos exemplos. De seguida apresentam-se os resultados obtidos da realização das análises pushover, bem como da aplicação do método N2, de modo a identificar as diferenças numéricas que existem na utilização de diferentes elementos finitos na modelação da estrutura. i) Resultados da análise pushover encontram-se nas Figuras 6 e 7.
Figura 6: Força de corte basal para carregamento uniforme.
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Figura 7: Força de corte basal para carregamento modal. ii) Resultado da aplicação do método N2 (Tabela 1):
Tabela 1 – Resultados método N2 parede rectangular. Tipo de Modelação
Deslocamento Objectivo (cm)
Factor de ductilidade (µ)
Shell
5,61
2,29
Auto
2,63
4,69
M-Rot.
3,75
3,24
M-Curv
3,23
3,53
iii) Discussão dos resultados: Através da análise das curvas de capacidade obtidas através da aplicação da análise pushover é possível detectar uma das principais limitações dos elementos Shell, enquanto que para qualquer uma das formulações utilizadas para os elementos Frame existe um ponto de rotura, com os elementos Shell isso nunca acontece, sendo a curva sempre crescente. Admitiu-se como ponto de rotura nos elementos Shell quando o betão atinge 0,35% de deformação ou o aço 2,0%. Outro dado importante é o facto de a rigidez da estrutura ser menor para a modelação com elementos Shell do que quando esta é modelada com elementos Frame. Embora seja possível verificar uma alteração de rigidez da secção nos elementos Shell quando esta passa de não fendilhada para fendilhada, a rigidez é sempre menor do que para os elementos Frame. Estes últimos nunca consideram o surgimento de fendas, sendo que no regime elástico a rigidez é sempre a referente à secção não fendilhada. Mesmo havendo estas diferenças, os resultados não são muito distintos, sendo por isso possível confirmar com este exemplo, que os resultados obtidos para os elementos Shell são comparáveis aos elementos Frame. A única grande diferença prende-se com o facto de a ductilidade ser consideravelmente inferior quando se utiliza elementos Shell para modelar as paredes estruturais. No que se refere à aplicação do método N2 é possível verificar que, embora os elementos Shell sejam os que apresentam maior deslocamento objectivo, são também os que apresentam menor factor de ductilidade.
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4.2 Parede em L Com o exemplo da parede em L, o principal objectivo é a compreensão da diferença que existe no caso de uma estrutura em que as direcções principais de inércia não coincidem com os eixos cartesianos. A parede em L é constituída por betão armado, tem 4 metros de altura e a sua secção transversal é de 1m x 1m, com uma espessura de 0,20m (Figura 8), com um total de 50cm2 de aço. A parede é livre no topo e encastrada na base.
Figura 8: Geometria da parede em L. A estrutura é então modelada com recurso a elementos Frame e a elementos Shell, de forma a ser possível efectuar as análises pushover. No que se refere à aplicação do método N2, pelo exposto anteriormente, colocaram-se massas concentradas de 50 toneladas ao nível de cada metro de altura da parede. De seguida apresentam-se os resultados obtidos da realização das análises pushover, bem como da aplicação do método N2, de modo a identificar as diferenças numéricas que existem na utilização de diferentes elementos finitos na modelação da estrutura. i) Resultados da análise pushover (Figuras 9 e 10):
Figura 9: Força de corte basal para carregamento uniforme.
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Figura 10: Força de corte basal para carregamento modal.
ii) Resultados do método N2 (Tabela 2): Tabela 2 – Resultados método N2 parede em L.
Tipo de Modelação
Deslocamento Objectivo (cm)
Factor de ductilidade (µ)
Shell
5,24
1,72
Auto
1,71
2,69
M-Rot.
2,32
1,99
M-Curv
2,04
2,09
iii) Discussão dos resultados: Neste exemplo, através da análise dos resultados obtidos da aplicação do método pushover, é possível observar que os elementos Shell apresentam uma capacidade de carga menor que os elementos Frame, sendo esta diferença mais acentuada no caso do carregamento modal. Isto deve-se ao facto de os elementos Shell terem em consideração o facto de os eixos principais de inércia serem desfasados dos eixos de aplicação da carga, o que provoca efeitos de torsão que diminuem a capacidade de carga da estrutura. Na análise do carregamento modal, é possível observar que os modos de vibração da estrutura modelada com elementos Shell apresenta uma maior participação de torsão que no caso estrutura modelada com elementos Frame. Da análise dos resultados obtidos da aplicação do método N2 observa-se o mesmo resultado que no exemplo anterior, ou seja, que os elementos Shell são os que têm menor factor de ductilidade e maior deslocamento objectivo. Apesar de não existir ainda consenso na comunidade científica, sobre se qual o melhor método aplicar, para este exemplo particular, claramente os modos de vibração tem uma influência enorme no valor da força basal, estando mais próximos do real.
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4.3 Parede em U Com este exemplo pretende-se analisar a diferença nos resultados quando a estrutura é modelada com elementos Frame ou elementos Shell, uma vez que a estrutura não é simétrica em ambas as direcções. A parede em U é composta por betão armado, tem 4 metros de altura e a sua secção transversal é de 1m x 1m e tem uma espessura de 0,20m (Figura 11), com um total de 80cm2 de aço. A parede é livre no topo e encastrada na base.
Figura 11: Geometria da parede em U. A estrutura é então modelada com recurso a elementos Frame e a elementos Shell, de forma a ser possível efectuar as análises pushover. No que se refere à aplicação do método N2, pelo exposto anteriormente, colocaram-se massas concentradas de 50 toneladas ao nível de cada metro de altura da parede. De seguida apresentam-se os resultados obtidos da realização das análises pushover, bem como da aplicação do método N2, de modo a identificar as diferenças numéricas que existem na utilização de diferentes elementos finitos na modelação da estrutura. Neste exemplo, uma vez que a estrutura apresenta um comportamento diferente de acordo com a direcção em que o carregamento é aplicado, foram efectuadas análises pushover em ambas as direcções. i) Resultados da análise pushover (Figuras 12 a 15):
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Figura 12: Força de corte basal para carregamento uniforme direcção x.
Figura 13: Força de corte basal para carregamento uniforme direcção y.
Figura 14: Força de corte basal para carregamento modal direcção x.
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Figura 15: Força de corte basal para carregamento modal direcção y. ii) Resultados do método N2 (Tabelas 3 e 4): Tabela 3 – Resultados método N2 parede em U direcção x. Tipo de Modelação
Deslocamento Objectivo (cm)
Factor de ductilidade (µ)
Shell
2,75
1,16
Auto
1,14
1,93
M-Rot.
1,46
1,39
M-Curv
1,29
1,42
Tabela 4 – Resultados método N2 parede em U direcção y. Tipo de Modelação
Deslocamento Objectivo (cm)
Factor de ductilidade (µ)
Shell
4,56
1,22
Auto
1,04
2,11
M-Rot.
1,48
1,43
M-Curv
1,27
1,48
iii) Discussão dos resultados: Ao analisar os resultados obtidos, é possível observar que para a direcção x e no carregamento uniforme, os elementos Shell apresentam maior capacidade de carga que os elementos Frame, em todo caso esta afirmação não se verifica na direcção y. Isto deve-se ao facto de neste exemplo prático existir uma componente de torsão na direcção y, que é tida em conta nos elementos Shell mas não nos elementos Frame.
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No caso de carregamento modal, tanto na direcção x como em y, a capacidade de carga é menor nos elementos Shell do que nos elementos Frame. Isto porque os modos de vibração dos elementos Shell apresentam, em comparação com os elementos Frame, uma elevada componente torsional. Pode-se ver neste caso nos elementos Frame, que os factores de participação de massa rotacional de torção, só obtém um total de 92% só depois de obtido o primeiro modo de torção (neste caso 3º modo, antes disso era 0%), enquanto nos elementos Shell esse factor de participação tem uma variação mais progressiva (1º modo 69%, 2º modo 69,8%, 3º modo o de torção 92,8%. 12º modo 99,6%....) Em relação aos resultados obtidos em função da aplicação do método N2, observa-se o mesmo que nos exemplos anteriores, que os elementos Shell apresentam um maior deslocamento objectivo e um menor factor de ductilidade.
5. APLICAÇÃO A UM EDIFÍCIO REAL Após serem estudados os casos anteriormente apresentados e sendo possível validar os resultados obtidos, bem como identificar certos fenómenos que são tidos em conta de maneira diferente de acordo com os elementos finitos utilizados na modelação, foi utilizado um edifício inteiro. Pretende-se comparar os resultados obtidos quando as paredes estruturais do mesmo são modeladas com recurso a elementos Shell e elementos Frame. O edifício é constituído por 5 pisos, com 3 metros de altura cada e com dimensões em planta de 10 x18 m². As lajes são fungiformes e apoiam em 11 paredes resistentes. Existem 8 paredes rectangulares, duas em L e uma em U, sendo todas elas encastradas na base (Figura 16). A estrutura é apenas simétrica na direcção x. As paredes rectangulares existentes nos vãos interiores têm 0,5 metros de largura e 0,15 metros de espessura, a armadura está igualmente distribuída ao longo do seu comprimento, sendo estas constituídas por 8φ10. As paredes rectangulares que se encontram nos cantos têm 1 metro de largura e 0,15 metros de largura, sendo que a armadura é igualmente distribuída ao longo do comprimento, sendo cada uma constituída por 16φ10. As paredes em L têm uma secção transversal de 1×1 metros com 0,15 metros de espessura, a armadura é igualmente distribuída ao longo da mesma, que é constituída por 28φ10. A parede em U que está colocada perto do centro da laje tem de secção transversal 1×1 metros e tem 0,15 metros de espessura, a armadura é distribuída uniformemente ao longo do seu comprimento e é constituída por 42φ10. Cada piso tem 3 metros de altura. A laje foi considerada com 0,15 metros de espessura, e as vigas com 0,65x0,2, ambas em regime linear, de maneira a forçar o modo de rotura longo da altura dos pilares.
Figura 16: Geometria do Edifício.
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Neste exemplo, as lajes são sempre modeladas com elementos do tipo Shell. Apenas nas paredes é feita uma distinção entre o tipo de elementos utilizados, uma vez que o grande objectivo passa pela compreensão do comportamento das paredes resistentes de betão armado. Desta forma, a estrutura é então modelada com recurso a elementos Shell e elementos Frame para se efectuarem as análises pushover. Neste caso, são efectuadas análises pushover tanto para a direcção x como para a direcção y. Os resultados das Frame M-Curv não são apresentados uma vez que são idênticos ao das Frame M-Rot. O modelo das Frame Auto não é apresentado uma vez que no cálculo as mesmas não conseguiram convergir. i) Resultados da análise pushover (Figuras 17 a 20):
Figura 17: Carregamento uniforme direcção x.
Figura 18: Carregamento uniforme direcção y.
Figura 19: Carregamento modal direcção x.
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Figura 20: Carregamento modal direcção y.
ii) Resultados do método N2 (Tabelas 5 e 6): Tabela 5 – Resultados método N2 edifício direcção x.
Tipo de Modelação
Deslocamento Objectivo (cm)
Factor de ductilidade (µ)
Shell
10,11
1,23
M-Rot.
7,49
2,00
Tabela 6 – Resultados método N2 edifício direcção y. Tipo de Modelação
Deslocamento Objectivo (cm)
Factor de ductilidade (µ)
Shell
10,65
1,3
M-Rot.
10,08
1,15
iii) Discussão dos resultados: Neste exemplo são apresentados os resultados referentes às Shell e aos elementos Frame M-Rot. Mais uma vez é possível observar que os efeitos de torção são tidos em conta nos elementos Shell e não nos elementos Frame. Para os carregamentos uniforme e modal em x, é possível observar que as curvas dos elementos Frame estão acima das do elemento Shell. O mesmo acontece para a direcção y, onde estão mais presentes os efeitos de torção devido à não simetria da estrutura. Após análise dos resultados obtidos através da análise pushover e aplicação do método N2 é importante referir que podem existir problemas no mecanismo de colapso decorrente da mesma. Estes devem-se e são denunciados por problemas de convergência durante a análise não linear As vigas são analisadas com comportamento elástico linear, pelo que a estrutura pode parecer mais resistente do que aquilo que realmente é. Não foi atribuído comportamento não linear às vigas, pois nos elementos Shell, ocorreram alguns problemas de convergência do resultado, provavelmente devido ao facto de os elementos utilizarem formulações não lineares diferentes. Neste exemplo, a capacidade de carga da estrutura pode estar a ser sobrestimada, pois apenas se considera a plastificação das paredes e que as vigas respondem sempre em regime linear. É possível que o verdadeiro mecanismo de colapso seja
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um em que deveria de ocorrer plastificação dos dois elementos. Ou seja, o mecanismo estudado neste exemplo pode não corresponder ao verdadeiro mecanismo de colapso do edifício.
6. CONCLUSÕES O estudo desenvolvido neste trabalho permitiu observar as principais diferenças entre a modelação com elementos Shell e a modelação com elementos Frame, sendo que deste estudo surgem três conclusões de grande relevância. Observando todos os resultados, é possível verificar que a capacidade de carga nos elementos Frame é sobrestimada sempre que existe uma componente de torção devido à excentricidade entre a carga aplicada e o centro de corte. O mesmo não se verifica nos resultados dos elementos Shell. No exemplo da parede rectangular é de notar que os resultados obtidos com os elementos Shell são válidos e que representam um comportamento semelhante ao elemento Frame. No exemplo prático de aplicação deste tipo de análise a um edifício, pode observar-se outra das grandes conclusões deste trabalho que se prende com o facto de a modelação com elementos Frame ou elementos Shell ter influência nos modos de vibração. No caso de se modelar a estrutura com elementos Shell, todos os modos de vibração apresentam uma elevada componente de torção, sendo esta espectável devido à geometria da estrutura. Por outro lado, os elementos Frame sobrestimam a capacidade de carga da estrutura quando esta apresenta uma geometria não-simétrica, como já mencionado anteriormente. Esta majoração da capacidade de carga da estrutura faz-se notar com maior intensidade quando se aplica uma carga modal ao invés de uma carga uniforme. Isto porque os modos de vibração das Frame apresentam uma menor componente torsional. Uma das conclusões mais importantes é que os elementos Frame tendem a majorar os coeficientes de ductilidade, podendo ser contra a segurança no dimensionamento segundo o EC8. Assim sendo, recomenda-se que novas investigações de análises pushover sejam feitas usando elementos Shell para as paredes estruturais. Para finalizar, é importante ainda referir que com os elementos Shell é possível, com a definição do betão com capacidade resistente à tracção, observar-se a transição de Fase I para Fase II, secção não fendilhada e secção fendilhada, respectivamente. O mesmo não é possível observar nos elementos Frame, uma vez que a resistência à tracção do betão não altera em nada o resultado obtido.
AGRADECIMENTOS Os autores deste artigo agradecem à entidade Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT) pelo financiamento. Mas concretamente o segundo autor agradece à FCT o apoio financeiro concedido através da bolsa de pós-doutoramento SFRH/ BPD/99902/2014.
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IMPACTE AMBIENTAL E ECONÓMICO COMPARADO DO CICLO DE VIDA DE BETÃO COM AGREGADOS GROSSOS RECICLADOS E NATURAIS M. BRAGA MAIA Engenheira Civil e estudante de Doutoramento (IST) Lisboa margaridabragamaia @gmail.com
J. SILVESTRE Professor Auxiliar (IST) Lisboa jose.silvestre @tecnico.ulisboa.pt
J. DE BRITO Professor Catedrático (IST) Lisboa jb@civil.ist.utl.pt
SUMÁRIO
ABSTRACT
Este artigo apresenta a comparação, em termos ambientais e económicos, do ciclo de vida de betão com agregados grossos naturais e agregados grossos reciclados de betão.
This paper presents the comparison, in environmental and economic terms, of the life cycle of concrete with coarse natural and recycled (from concrete) aggregates.
Com esse objectivo, procedeu-se à avaliação de ciclo de vida do betão. Contudo, a fase da aplicação, manutenção e demolição do ciclo de vida do betão não estão incluídas, sendo a abordagem da avaliação do ciclo de vida do berço-ao-portão. A avaliação é preferencialmente baseada em dados de ICV (inventário do ciclo de vida) de empresas portuguesas. Em algumas actividades, não foi possível estimar as suas emissões (p.e. emissão de gases no transporte de materiais), tendo sido tomada como referência a base de dados do software SimaPro (Ecoinvent 3 e ELCD).
For this purpose, a life cycle assessment of concrete was performed. However, the application, maintenance and demolition stages of the concrete life cycle were not included, i.e. the evaluation approach of the life cycle is from cradle to gate. The assessment is preferentially based on Life Cycle Inventory (LCI) data from Portuguese companies. In the activities where that collection was not possible, generic databases (Ecoinvent 3 and ELCD) were used as reference.
Aplicando o método CML baseline e Cumulative Energy Demand, foram analisados os impactes ambientais (IA) de 216 amassaduras de betão de 24 autores. Os resultados foram analisados tendo em conta a classe de resistência e a influência da quantidade de cimento, de incorporação de SP e da relação a/c. Os resultados demonstraram que a utilização de agregados grossos reciclados de betão (AGRB) pode reduzir significativamente os IA e os custos. O estudo também mostra que a quantidade de cimento é o principal responsável pelos resultados de IA e custos: qualquer variação da sua quantidade afeta significativamente ambos os resultados. O betão com os melhores resultados mecânicos utiliza AGRB com melhores características (menor absorção de água e porosidade, maior massa volúmica e baridade), o que geralmente corresponde a menores resultados de IA e menores custos.
Using CML baseline method and Cumulative Energy Demand, the Environmental Impacts (EI) of 216 concrete mixes of 24 authors were analysed. The results were analysed by strength class and taking into account the cement content, Super Plasticizer (SP) incorporation and w/c ratio influence. The results show that the use of coarse aggregates recycled from concrete (CARC) can significantly reduce EI and costs. This study also demonstrate that cement is the main contributor to them: any variation in their quantity significantly affects both outcomes. The concrete with best mechanical results uses CARC with better characteristics (low water absorption and porosity, higher density and specific mass), usually corresponding to lower EI and costs results.
KEYWORDS Coarse aggregates recycled from concrete, environmental impact, life cycle assessment, SimaPro.
PALAVRAS-CHAVE Agregados grossos reciclados de betão, análise do ciclo de vida, impacte ambiental, SimaPro.
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1. INTRODUÇÃO O sector da Construção é um dos mais importantes mas a sua actividade tornou-o um dos mais prejudiciais para o meio ambiente na Europa. Para além do consumo de grandes quantidades de recursos naturais e emissão de gases poluentes para a atmosfera, a indústria da Construção é responsável pela produção de 100 milhões de toneladas de resíduos por ano na União Europeia [1]. As centrais de produção de betão são um exemplo dessa situação. Estas instalações consomem, anualmente a nível mundial, 1.000 milhões de toneladas de água, 1.500 milhões de toneladas de cimento e 10.000 milhões de toneladas de agregados [2]. Perante este cenário, urge demonstrar às indústrias da Construção soluções que reflictam menores impactes ambientais, sem comprometer a qualidade dos produtos. Tendo em vista este objectivo, é cada vez mais importante desenvolver estudos de forma a tentar minimizar o impacte ambiental e maximizar a rentabilização de recursos pela via da reciclagem. Para responder a este desafio, este artigo espera contribuir para a definição da melhor solução de betão tendo em conta um ponto de vista ambiental e económico. Assim, será apresentada uma comparação em termos ambientais e económicos do ciclo de vida de betão com agregados grossos naturais e agregados reciclados de betão.
2. AVALIAÇÃO AMBIENTAL DOS AGREGADOS E DO BETÃO Relativamente a estudos ambientais de agregados, foram analisados o estudo de Simion et al. [3] e Estanqueiro [4]. Ambos analisaram o IA de agregados reciclados considerando um sistema berço-ao-portão com base no software SimaPro. O estudo de Simion et al. [3] teve por base os dados presentes nas bases de dados BUWAL 250 e Ecoinvent, tendo utilizado também alguns dados presentes em literatura e nos serviços municipalizados. A sua análise inclui todas as etapas de extracção/produção de agregado natural britado e agregado reciclado. Os dados são obtidos com base nos métodos Eco indicator 99, EDIP/UMIP e Cumulative Energy Demand, tendo como unidade funcional uma tonelada de material processado. O menor impacte ambiental em termos de potencial de aquecimento global (GWP), valor sete vezes inferior, foi identificado como a maior mais-valia do uso de agregados reciclados. A sua utilização traduz-se numa redução de exploração de matériasprimas não renováveis e numa diminuição de aterros. Estanqueiro [4] apresenta um estudo tendo por base a base de dados Ecoinvent e dados de empresas portuguesas. A análise de três cenários de produção diferentes (agregados naturais, e agregados grossos reciclados de betão (AGRB) com central de reciclagem fixa e central de reciclagem móvel) seguiu os métodos Eco indicator 99, CML baseline e Cumulative Energy Demand. Este autor conclui que, para percentagens de aproveitamento inferiores a 37% de agregados finos reciclados, a produção de agregados naturais origina IA inferiores. Ambos os estudos apresentam algumas limitações: não analisam as propriedades físicas dos agregados, o que poderá alterar as conclusões quando analisando o ciclo de vida do betão; recorrem a baixo número de dados recolhidos junto a empresas locais; não efectuam um estudo económico. Três outros estudos analisam o ciclo de vida do betão (berço-ao-portão): Marinkovic et al. [5] que analisou a produção de betão natural e reciclado na Sérvia; Knoeri et al. [6] que analisa três tipos de betão produzidos na Suíça; Tosic et al. [7] que complementa o estudo de Marinkovic et al. [5] com a aplicação de um método de optimização do tipo de agregado e do meio de transporte das matérias-primas até à central de betão. Marinkovic et al. [5] recolheram dados de ICV junto a empresas produtoras locais e, quando não foi possível, basearam-se na base de dados Gemis. Na sua análise, não consideraram os IA associados à incorporação de água e de adjuvantes. Aplicaram o método CML a seis amassaduras com diferentes quantidades de cimento (três com 100% de agregados naturais e três com incorporação de AGRB) tendo concluído que o cimento é o principal responsável pelos IA e a mais-valia da utilização de AGRB está diretamente relacionada com a distância de transporte das matérias-primas. Knoeri et al. [6] realizaram o mesmo tipo de estudo mas também incluíram as restantes fases do ciclo de vida do betão: construção, exploração e demolição. Para incluir estas três fases, os autores consideraram que a durabilidade e o tempo de vida das diferentes amassaduras em estudo é equivalente. As 30 amassaduras analisadas variaram em termos de tipo
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de betão (interior, exterior e de limpeza), tipos e percentagens de agregados utilizados e quantidade de cimento. Para a realização do seu estudo, apenas utilizaram a base de dados Ecoinvent, concluindo que a utilização de AGRB apenas é favorável do ponto de vista ambiental para aumentos de quantidade de cimento entre 22 e 40 kg/m3 e variação da distância percorrida no transporte das matérias-primas inferior a 15 km. Tosic et al. [7] aplicaram ao estudo de Marinkovic et al. [5] um método de optimização multicritério que considera resistência, custos e IA. Os autores utilizaram agregados naturais rolados e britados e AGRB, analisando um total de quatro amassaduras com resistência semelhante (42 MPa). Utilizando os mesmos dados ambientais do que Marinkovic et al. [5], os autores definiram cinco critérios com diferentes pesos na sua análise: carga ambiental, energia utilizada, produção de desperdício, esgotamento de recursos naturais e custo. Analisando as amassaduras com 100% de um tipo de agregado ou substituição de 50% de agregado natural por AGRB, os autores concluíram que a solução óptima, de acordo com os pesos previamente definidos para cada categoria, seria a substituição de agregado natural por AGRB. Sendo o agregado rolado o mais económico, os autores propuseram a aplicação de taxas na utilização de agregado natural e na deposição de resíduos de construção e demolição (RCD) em aterros e o uso de AGRB ser subsidiado. Todos os estudos analisados apresentam resultados tendo em conta uma pequena amostra, sendo por isso pouco representativos da generalidade. Por essa razão, este artigo estuda uma amostra de maiores dimensões e aplica valores de ICV actuais de empresas portuguesas, tendo em conta todas as matérias-primas e todas as fases até à saída da central de betão.
3. METODOLOGIA a. Definição do objectivo e do âmbito O objectivo deste estudo é a comparação, em termos ambientais e económicos, de betão com agregados naturais com betão com agregados reciclados de betão, tendo em conta a sua resistência. Para tal, a abordagem de avaliação de ciclo de vida será berço-ao-portão. Com os resultados deste estudo, pretende-se contribuir para a análise da mais-valia do ponto de vista ambiental e económico e o uso de agregados reciclados em substituição de agregados naturais. O método de análise do ciclo de vida utilizado tem como base a ISO 14040 [8] para a obtenção dos resultados ambientais. b. Unidade funcional A unidade funcional deste estudo é 1 m3 de betão pronto com AN (agregados naturais) e BAR (betão com agregados reciclados), considerando a sua resistência à compressão aos 28 dias. c. Limites do sistema Foram considerados os seguintes limites do sistema (Figura 1): • produção / extracção de todas as matérias-primas necessárias para a produção dos betões em análise (A1); • transporte das matérias-primas até à central de betão (A2); • produção dos betões na central (A3). •
De forma a tornar este estudo exequível, foi necessário admitir algumas premissas:
• dado que a utilização de cimentos de endurecimento normal (N) ou de endurecimento rápido (R) leva à mesma resistência das amassaduras aos 28 dias, esta diferenciação não foi considerada; • uma vez que não foi possível obter os IA de todas as famílias de cimento tipo II em estudo, apenas foi levado em conta o tipo de cimento e a sua resistência (não se considerando a sua família); •
não foram contabilizados os impactes associados ao transporte dos resíduos da central de reciclagem de RCD.
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Figura 1: Ciclo de vida do betão Este estudo apresenta à partida, algumas limitações: • apenas foram contabilizados oito IA; • não foi possível contabilizar todas as emissões das diferentes etapas de produção / extração das matérias-primas (p.e. emissões difusas de poeiras nos processos na pedreira e na central de reciclagem de RCD), por falta de informação disponibilizada pelas empresas; • não foram incluídas outras fazes do ciclo de vida do betão (aplicação, manutenção e demolição), uma vez que este estudo tem como objectivo o impacte ambiental tendo em conta a sua classe de resistência; • alguns dos dados recolhidos foram estimados pelos técnicos das empresas contactadas, uma vez que nem todos os gastos estariam a ser contabilizados isoladamente para cada tarefa; • em algumas actividades, não foi possível estimar as suas emissões (p.e. emissão de gases no transporte de materiais), tendo sido tomado como referência os da base de dados do software SimaPro (Ecoinvent 3 e ELCD). d. Inventário do ciclo de vida (ICV) Nesta fase, é necessário recolher todos os inputs e outputs das fases consideradas. Todos os dados necessários, sempre que possível, foram recolhidos junto a empresas portuguesas. Os dados dos agregados finos foram recolhidos do trabalho de Marinkovic et al. [5]. Os dados relativos ao cimento foram obtidos por Blengini [9] num estudo com base em dados de empresas portuguesas. Os dados do SP foram apresentados pela EFCA (Federação Europeia das Associações de Adjuvantes de Betão) por uma DAP do ano 2006. Para a modelação de alguns processos, foi necessário a utilização da base de dados da Ecoinvent 3 ou da ELCD. e. Análise do ciclo de vida ambiental Foram consideradas oito categorias ambientais: potencial de esgotamento dos recursos naturais abióticos (ADP), potencial de aquecimento global (GWP), potencial de destruição da camada de ozono (ODP), potencial de acidificação (AP), potencial de eutrofização (EP), potencial de formação fotoquímica de oxidantes (POCP), consumo de recursos energéticos não renováveis (PE-NRe) e consumo de recursos energéticos renováveis (Pe-Re). Para obter estes resultados, foram utilizados o CML baseline method e Cumulative Energy Demand no programa SimaPro.
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4. AMASSADURAS ANALISADAS Para este estudo, foi analisado um total de 216 amassaduras de 24 autores: Santos et al.[10], Gonçalves et al. [11], Ridzuan et al. [12], Etxeberria et al. [13], Malesev et al. [14], Chen et al. [15], Marinkovic et al. [5], Fonseca et al. [16], Rao et al. [17], Safiuddin et al. [18], Hao e Ren [19], Corinaldesi [20], Limbachiya et al. [21], Kwan et al. [22], Barbudo et al. [23], Matias et al. [24], Thomas et al. [25], Butler et al. [26], Mefteh et al.[27], Ceia et al.[28], Guerra et al. [29], Pedro et al. [30], Reis et al.[31] e Tosic et al. [7]. As amassaduras apresentam resistências entre C8/10 e C55/67. Foram excluídas do estudo as amassaduras que apresentaram dados anómalos: razão a/c efectiva inferiores a 0,4 e quantidades de cimento superiores a 450 kg/m3 (excetuando na classe C50/60).
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS AMBIENTAIS A. Resultados As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados obtidos de cada matéria-prima. Tabela 1 – Resultados do método CML baseline para as matérias-primas e para a produção de betão
ADP
GWP
ODP
POPC
AP
EP
kg Sb eq
kg CO2eq
kg CFC-11 eq
kg C2H4eq
kg SO2eq
kg PO4-3eq
CEMI 32,5 (kg)
3,36E-3
0,804
8,49E-8
6,65E-5
2,25E-3
3,13E-4
CEMI 42,5 (kg)
3,83E-3
0,927
9,47E-8
7,52E-5
2,55E-3
3,52E-4
CEMI 52,5 (kg)
3,99E-3
0,952
1,09E-7
8,34E-5
2,76E-3
3,61E-4
CEMII 32,5 (kg)
3,09E-3
0,730
7,95E-8
6,17E-5
2,08E-3
2,91E-4
CEMII 42,5 (kg)
3,55E-3
0,859
8,83E-8
6,98E-5
2,37E-3
3,29E-4
Areia rolada (kg)
3,37E-10
9,87E-3
1,71E-11
2,80E-6
4,58E-5
1,08E-5
Areia britada (kg)
1,24E-9
2,79E-2
2,26E-10
9,06E-6
1,59E-4
3,54E-5
Agregado grosso granítico (kg)
1,09E-9
2,44E-2
2,43E-10
7,83E-6
1,44E-4
3,18E-5
Agregado grosso calcário (kg)
1,39E-9
3,14E-2
2,09E-10
1,03E-5
1,75E-4
3,90E-5
AGRB(kg)
2,12E-10
7,44E-3
1,60E-10
2,14E-6
4,05E-5
9,28E-6
Água (kg)
1,57E-11
1,33E-04
5,93E-12
3,87E-8
9,70E-7
4,99E-8
SP (kg)
3,88E-11
0,771
8,78E-08
5,68E-5
4,26E-3
1,05E-3
Produção de betão (m3)
5,50E-7
4,65
2,08E-07
1,36E-3
0,034
1,75E-3
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Tabela 2 – Resultados do método Cumulative Energy Demand para as matérias-primas e para a produção de betão
Pe-NRe
Pe-Re
MJ
MJ
CEMI 32,5 (kg)
4,97
0,2227
CEMI 42,5 (kg)
5,64
0,218
CEMI 52,5 (kg)
5,91
0,255
CEMII 32,5 (kg)
4,59
0,242
CEMII 42,5 (kg)
5,24
0,201
Areia rolada (kg)
0,135
1,56E-4
Areia britada (kg)
0,392
4,52E-4
Agregado grosso granítico (kg)
0,344
3,81E-4
Agregado grosso calcário (kg)
0,441
5,23E-4
AGRB (kg)
0,108
9,61E-5
Água (kg)
1,94E-3
0
SP (kg)
18
1,8E-5
Produção de betão (m3)
67,81
1,8E-5
B. Discussão e interpretação de resultados Analisando os resultados do GWP com base no CML method por classe de resistência, obtém-se os resultados presentes na Figura 2 (0% AGRB) e na Figura 3 (100% AGRB). Verifica-se que o GWP está fortemente ligado à quantidade de cimento médio de cada classe de resistência - mais cimento corresponde a um maior IA. Esta conclusão é independente do tipo de agregados utlizados (naturais ou reciclados).
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Figura 2: GWP média por m3 das amassaduras sem AGRB por classe de resistência
Figura 3: GWP média por m3 das amassaduras com 100% de AGRB por classe de resistência
Do mesmo modo, o Pe-NRe também está significativamente associado à quantidade de cimento, independentemente da classe de resistência. O Pe-NRe é inferior nas amassaduras com 100% AGRB (Figura 5) comparando às amassaduras com 0% AGRB (Figura 4), uma vez que o IA é significativamente maior nos agregados grossos naturais do que nos AGRB.
Figura 4: Pe-NRe médio por m3 das amassaduras sem AGRB por classe de resistência
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Figura 5: Pe-NRe médio por m3 das amassaduras com 100% de AGRB por classe de resistência Para analisar a influência da quantidade de cimento no IA foram pré-determinados quatro intervalos de quantidade de cimento (kg/m3): CEM ≤ 300; 300 < CEM < 350; 350 ≤ CEM < 400 e CEM ≥ 400. Analisando a sua influência por classe de resistência (Figuras 6 a 8), é possível afirmar que, quanto maior a quantidade de cimento, maior o GWP associado. Também se verifica que, independentemente da quantidade de cimento, a introdução de AGRB contribui para uma diminuição do GWP. O mesmo comportamento ocorre para as restantes categorias de impacte ambiental excepto para ADP. Não é possível tirar conclusões sobre esta categoria de impacte devido à pouca representatividade e/ou reduzidos valores de R2. No caso da análise da influência da utilização de SP, foram determinados três intervalos: SP sem a utilização de SP, SP entre 0 e 1% do peso de cimento e quantidades superiores a 1%. Analisando a influência de incorporação de SP no GWP não é possível tirar conclusões. Nas restantes categorias ambientais, a utilização de SP é benéfico do ponto de vista ambiental no caso de POCP, EP e Pe-Re.
Figura 6: GWP por m3 de acordo com a quantidade de CEM para a classe C20/25
Figura 7: GWP por m3 de acordo com a quantidade de CEM para a classe C25/30
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Figura 8: GWP por m3 de acordo com a quantidade de CEM para a classe C30/37 Na análise da influência da razão a/c os intervalos seleccionados foram: inferiores a 0.55; entre 0.55 (inclusive) e 0.6; e superiores ou igual a 0.6. Analisando por classe de resistência, é possível afirmar que, quanto maior a razão a/c, menor o GWP associado. O mesmo acontece nas restantes categorias ambientais. Também é possível afirmar que a utilização de AGRB contribui para uma diminuição do IA.
6. ANÁLISE COMPARATIVA AMBIENTAL E ECONÓMICA A. Análise Económica Os custos de cada matéria-prima foram recolhidos junto de empresas portuguesas (Tabela 3). Os custos foram aplicados individualmente a cada amassadura considerando a quantidade de matéria-prima necessária. Analisando por classes de resistência, obtém-se os resultados presentes na Figura 9 (0% AGRB) e na Figura 10 (100% AGRB). Comparando os gráficos, é possível concluir que o betão com AGRB é mais barato do que o betão com agregados naturais, para qualquer classe de resistência. Também é possível concluir que a maior percentagem do custo advém da quantidade de cimento utilizado. Tabela 3 – Preço unitário de cada matéria-prima Matéria-prima
Preço unitário
CEM I 32,5
90 €/ton
CEM I 42,5
94 €/ton
CEM I 52,5
98 €/ton
CEM II 32,5
79 €/ton
CEM II 42,5
87,50 €/ton
Areia rolada (kg)
4,15 €/ton
Areia britada (kg)
4,41 €/ton
Agregado grosso granítico (kg)
9,30 €/ton
Agregado grosso calcário (kg)
4,59 €/ton
AGRB (kg)
2 €/ton
Água
1,53 €/m3
SP
2,68 €/kg
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Analisando a influência no betão do ponto de vista da quantidade de cimento, conclui-se que maiores quantidades de cimento correspondem a custos mais elevados, independentemente da classe de resistência. Em relação ao SP, maiores percentagens também correspondem a custos mais elevados. Na relação a/c, não é possível tirar conclusões.
Figura 9: Custo médio por m3 das amassaduras sem AGRB por classe de resistência
Figura 10: Custo médio por m3 das amassaduras com 100% de AGRB por classe de resistência
B. Resultados Para concluir sobre as melhores e piores amassaduras de uma forma global, foram construídos gráficos que incluem três variáveis: GWP, Pe-NRe e custo. Nas amassaduras com 0% de AGRB na classe de resistência C20/25 (Figura 11), a amassadura que apresenta os piores resultados é a #116 de Santos et al. [10]. Na classe de resistência C25/30 (Figura 12), a pior amassadura é a #63 de Ridzuan et al. [12]. Do mesmo autor, a amassadura #67 é a que apresenta os piores resultados na classe de resistência C30/37 (Figura 13). Por outro lado, nas mesmas figuras, verifica-se que as amassaduras que apresentam os melhores resultados são: #204 de Corinaldesi [20] na classe C20/25, #30 e #39 de Pedro et al. [30] e #75 de Gonçalves et al. [11], na classe C25/30 e #152 de Butler et al. [26] na classe C30/37.
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Figura 11: GWP por Pe-NRe considerando o custo, por m3 para a classe C20/25 e 0% AGRB incorporados
Figura 12: GWP por Pe-NRe considerando o custo, por m3 para a classe C25/30 e 0% AGRB incorporados
Figura 13: GWP por Pe-NRe considerando o custo, por m3 para a classe C30/37 e 0% AGRB incorporados
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Relativamente às amassaduras com 100% de AGRB, as que apresentam os piores resultados são: #164 de Safiuddin et al.[18] da classe C20/25 (Figura 14), #74 de Rao et al. [17] na classe C25/30 (Figura 15), e a mistura #86 e #90 de Fonseca et al. [16] na classe C30/37 (Figura 16).
Figura 14: GWP por Pe-NRe considerando o custo, por m3 para a classe C20/25 e 100% AGRB incorporados
Figura 15: GWP por Pe-NRe considerando o custo, por m3 para a classe C25/30 e 100% AGRB incorporados Nas mesmas figuras, é também possível concluir que as amassaduras que apresentam os melhores resultados são: #33 e #36 de Pedro et al. [30] na classe C20/25, #76 de Rao et al.[17] na classe C25/30, e #153 de Butler et al.[26] na classe C30 /37. Na Tabela 4, é possível analisar ao detalhe a composição de cada uma das amassaduras referidas.
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Figura 16: GWP por Pe-NRe considerando o custo, por m3 para a classe C30/37 e 100% AGRB incorporados
7. CONCLUSÕES Analisando os resultados finais obtidos, foi possível definir para a amostra em estudo as composições mais e menos vantajosas do ponto de vista ambiental e económico. Destacam-se as seguintes conclusões: •
é preferível a utilização de cimento tipo II em substituição do cimento tipo I;
•
contrariamente ao esperado, uma maior resistência do betão não origina obrigatoriamente maiores IA;
• utilizando agregados grossos naturais, aconselha-se que estes sejam de origem calcária e, relativamente aos agregados finos, que estes sejam rolados preferencialmente a britados; •
as amassaduras de maior IA não apresentam SP na sua constituição;
• sendo o cimento o principal responsável pelos IA, é preferível a utilização de SP com o intuito de diminuir a quantidade de cimento; a quantidade de SP a utilizar deverá ser reduzida de forma a não aumentar significativamente o seu custo; •
a redução da relação a/c não se traduz numa solução interessante neste estudo;
•
maiores impactes não estão necessariamente associados a maiores custos e vice-versa;
• a utilização de cimento do tipo II em substituição do tipo I origina uma redução de custos de 12 e 7%, respectivamente, para cimento 32,5 e 42,5; • analisando os valores unitários (por kg), a utilização de agregado calcário em vez de granítico corresponde a uma poupança de 50%, enquanto a utilização de AGRB corresponde a uma poupança de 80%; • o custo de cimento corresponde, em média, a 69% ou a 79% do custo total de m3 de betão, respetivamente para betão sem AGRB e para betão com 100% de AGRB; • betão com melhores resultados utiliza AGRB com melhores características: menor absorção de água, menor porosidade, maior massa volúmica e maior baridade; •
a mais-valia da utilização de AGRB é mais significativa em betões de menores resistências.
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Tabela 4 – Composição das amassaduras com melhores e piores características globais das classes de resistência C20/25, C25/30 e C30/37
Cimento #
Agregado fino
Agregado grosso
AGRB
Autor Tipo
(kg/ m3)
Tipo
(kg/ m3)
Tipo
(kg/m3)
%
(kg/ m3)
Água (kg/ m3)
SP (%)
a/c
a/c efect.
fcm
(MPa)
fck
(MPa)
Classe de resistência
33
Pedro et al., 2014
I
280
rolado
866
-
0
100
940
196
0
-
0,66
35,7
27,7
C20/25
36
Pedro et al., 2014
I
280
rolado
870
-
0
100
970
193,2
0
-
0,65
36,1
28,1
C20/25
63
Ridzuan et al., 2005
I
395
rolado
915
granitico
877
0
0
205
0
0,52
-
46
36,8
C25/30
67
Ridzuan et al., 2005
I
435
rolado
860
granitico
890
0
205
0
0,48
-
52
42,6
C30/37
74
Rao et al., 2011
I
401
rolado
574
-
0
100
1119
173
0,23
-
0,43
42
34,0
C25/30
76
Gonçalves et al., 2004
I
250
rolado
795
-
0
100
1021
215
0,6
-
0,6
38,2
30,2
C25/30
86
Fonseca, 2009
II
447
rolado
565
-
0
100
1005
192
0
-
0,43
49,3
41,3
C30/37
90
Fonseca, 2009
II
447
rolado
565
-
0
100
1005
192
0
-
0,43
51,3
43,3
C30/37
116
Santos et al., 2002
II 32,5
361
rolado
697
calcário
1072
0
0
202
0
-
0,56
37,0
29,0
C20/25
119
Thomas et al., 2013
I 52,5
275
-
843
calcário
978
0
0
179
0
-
0,6
37
29,0
C25/30
148
Etxeberria et al., 2007
I 52,5
300
britado
-
1206,97
0
0
165
1,4
-
0,55
35,5
27,5
C20/25
152
Butler et al., 2013
-
271
-
861
calcário
1099
0
0
160
0
0,59
-
38,9
30,9
C30/37
153
Butler et al., 2013
-
281
-
802
-
0
100
970
180
0
0,64
-
38,6
30,6
C30/37
164
Safiuddin et al., 2011
I
342
rolado
852
-
0
100
856,6
217,4
1,5
-
0,6
35
26,1
C20/25
765,1
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Na Tabela 5, são apresentadas resumidamente estas conclusões. Como seria esperado, conclui-se que a incorporação de AGRB contribui para uma redução de IA e de custos. Tabela 5 – Influência do ponto de vista económico e ambiental de cada matéria-prima €
EI
€&EI
CEM I
-
-
-
CEM II
+
+
+
Areia rolada (kg)
+
+
+
Areia britada (kg)
-
-
-
Agregado grosso granítico (kg)
-
+
-
Agregado grosso calcário (kg)
+
-
+
AGRB (kg)
++
++
++
SP
-
+
+
Nota: + representa redução do impacte; ++ representa um aumento significativo do impacte; - representa um aumento do impacte
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) e do CERIS-ICIST, Universidade de Lisboa. Agradecimentos especiais são devidos às empresas portuguesas pelo fornecimento dos dados necessários para completar este trabalho de investigação.
REFERÊNCIAS [1] APA - Agência Portuguesa do Ambiente, http://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=84&sub2ref=197&sub3ref=283, - Portuguese Environment Agency webpage (In Portuguese) accessed in September 17 of 2014. [2] Becchio, C. et al., “Improving environmental sustainability of concrete products: investigation on MWC thermal and mechanical properties”, Journal of Energy and Buildings, 2009, V. 41, n.º 11, pp. 1127-1134. [3] Simion, I.M. et al., “Comparing environmental impacts of natural inert and recycled construction and demolition waste processing using LCA”, Journal of Environmental Engineering and Landscape Management, 2013, Vol. 21(4), pp. 273-287. [4] Estanqueiro, B., “Environmental life cycle assessment of coarse natural and recycled aggregates for concrete”.submitted for publication in the European Journal of Environmental and Civil Engineering, 2015. [5] Marinkovic, S. et al., “Comparative environmental assessment of natural and recycled aggregate concrete”, Waste Management, 2010, Vol. 30(11), pp. 2255(10). [6] Knoeri, C. et al., “Comparative LCA of recycled and conventional concrete for structural applications”, The International Journal of Life Cycle Assessment, 2013, Vol. 18(5), pp. 909-918. [7] Tosic, N. et al., “Multicriteria optimization of natural and recycled aggregate concrete for structural use”, Journal of Cleaner Production, 2014, Vol. 87, pp. 766-776.
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AVALIAÇÃO ECOTOXICOLÓGICA DE MATÉRIAS-PRIMAS E DE COMPOSIÇÕES ALTERNATIVAS DE BETÃO P. RODRIGUES Mestre em Engenharia Civil (IST) Lisboa patricia.rodrigues @tecnico.ulisboa.pt
J. SILVESTRE Professor Auxiliar (CERIS-IST, UL) jose.silvestre @tecnico.ulisboa.pt
I. FLORES-COLEN Professora Associada (CERIS-IST, UL) Lisboa
R. KURDA Aluno de Doutoramento em Engenharia Civil (CERIS-IST, UL) Lisboa
C. VIEGAS Professora Auxiliar (iBB-IST, UL) Lisboa cristina.viegas @tecnico.ulisboa.pt
SUMÁRIO
ABSTRACT
Este artigo explora o potencial de ecotoxicidade de matérias-primas e materiais de construção de base cimentícia. Propõe e valida uma metodologia de avaliação de ecotoxicidade, com o intuito de estimar o risco ambiental decorrente da incorporação de matérias-primas não tradicionais no fabrico de materiais de construção, e que visa alcançar a sustentabilidade do setor da construção. A metodologia proposta baseia-se em regulamentos como o Regulamento (CE) n.º 1907/2006 (REACH), relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas e o Regulamento (CE) n.º 1272/2008 (CLP), relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas.
This paper explores the ecotoxicological potential of raw materials and cement-based construction materials. It proposes and validates a methodology to evaluate the ecotoxicity, aiming at predicting the environmental risk due to the non-traditional raw materials incorporation in construction materials production, in order to reach construction sustainability. The proposed methodology is based on codes, such as (CE) n. 1907/2006 (REACH - Registration, Evaluation, Authorisation and restriction of Chemicals) and (CE) n. 1272/2008 (CLP - Classification, labeling and packaging) codes.
Pretendeu-se, em particular, aplicar a metodologia proposta para estudar o risco ambiental decorrente da incorporação de matérias-primas “não tradicionais” em betão, nomeadamente agregados reciclados de betão, fabricados em laboratório, e de cinzas volantes, provenientes da queima do carvão, em diferentes percentagens de substituição de agregados naturais e cimento Portland, respetivamente. Realizou-se uma campanha de ensaios laboratoriais que permitiu avaliar as propriedades químicas e ecotoxicológicas dos eluatos das matérias-primas e dos materiais de construção referidos, a qual possibilitou também a validação da metodologia proposta. Os resultados mostram que não existem evidências para classificar as matériasprimas incorporadas no betão (agregados naturais, agregados reciclados, cimento Portland e cinzas volantes) como ecotóxicas. Porém, os betões produzidos com uma percentagem de substituição de cimento Portland por 60% de cinzas volantes e 100% de agregados naturais, e os produzidos com uma percentagem de 60% de cinzas volantes e 100% de agregados reciclados, foram classificados como potencialmente ecotóxicos. Isto é, matérias-primas sem evidências de ecotoxicidade podem originar materiais aos quais poderá estar associado um risco ambiental considerável. Os resultados obtidos também sugerem que quando matérias-primas com um elevado nível de perigosidade potencial, ou seja, com uma concentração elevada de metais pesados (como é o caso das cinzas volantes) são incorporadas em materiais de construção, os níveis de perigosidade potencial desses materiais podem diminuir, devido à capacidade que os materiais de base cimentícia têm de estabilizar e/ou encapsular os metais pesados.
PALAVRAS-CHAVE
This methodology was applied to study, particularly, the environmental risk due to the incorporation of non-traditional raw materials in concrete, namely recycled concrete aggregates produced in laboratory, and fly ashes from coal burning, in different percentages of replacement of natural aggregates and Portland cement, respectively. The experimental program allowed assessing chemical properties and ecotoxicity of raw materials and of the construction materials leachates. The results showed that there are no evidences to classify raw materials incorporated in concrete (natural aggregates, recycled aggregates, Portland cement and fly ash) as ecotoxic. However, concrete produced with a replacement rate of Portland cement by 60% of fly ash and 100% of natural aggregates, and the one produced with a percentage of 60% of fly ash and 100% of recycled aggregates, were classified as potentially ecotoxic. Therefore, raw materials without evidences of ecotoxicity can lead to construction materials with considerable level of environmental risk. Obtained results also suggest that when raw materials with a high level of potential hazards, i.e, with a high concentration of heavy metals (such as fly ash) are incorporated in construction materials, the potential hazard level of these materials can decrease possibly due to the ability of cement-based materials to stabilize and/or encapsulate heavy metals.
KEYWORDS Concrete; ecotoxicology fly ash; recycled concrete aggregates.
Agregados reciclados de betão; betão; cinzas volantes; ecotoxicologia.
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1. INTRODUÇÃO A indústria da construção é responsável por cerca de 30% das emissões globais de dióxido de carbono e por consumir mais 50% de matérias-primas do que qualquer outra atividade económica sendo considerada, portanto, um sector insustentável [1]. O betão, com uma produção de cerca de 10 biliões de toneladas anuais, é o material mais consumido no Planeta Terra [2]. O aumento da produção de betão resulta num maior consumo de agregados naturais e cimento, que contribuem para o aumento do impacte ambiental do setor da construção. As políticas de gestão de recursos pretendem reduzir a produção de resíduos gerados e, verificada essa impossibilidade, conseguir níveis elevados de reciclagem e a eliminação segura. Dados mais recentes revelam que na União Europeia, em 2012, foram produzidos 2515 milhões de toneladas de resíduos, dos quais cerca de 100,7 milhões foram classificados como perigosos. O setor da construção contribuiu em 33% do total, aproximadamente 821 milhões de toneladas, na produção de resíduos [3]. Apesar de dados do EUROSTAT [4] indicarem que entre 1990 e 2012, as indústrias transformadoras e da construção alcançaram uma redução de cerca de 38% das emissões de CO2, o cimento Portland continua a ser o ligante mais utilizado em todo o mundo na indústria da construção [5], sendo responsável pela parte mais expressiva dos impactes ambientais provocados pelo betão. Segundo Huntzinger e Eatmon [6], e em conformidade com o relatório técnico JWG N013 Draft TR WI 00350023 [7], o fabrico de cimento é responsável por cerca de 5% das emissões globais de carbono, sendo considerada a terceira maior fonte de emissão nos Estados Unidos. Em 2012, a nível mundial, foi estimada uma produção de cerca de 700 milhões de toneladas de subprodutos industriais, dos quais, pelo menos, 70% foram cinzas volantes (CV) [2]. A substituição parcial do cimento por adições pozolânicas (supplementary cementitious materials - SCM) como CV, sílica de fumo, ou cinzas de casca de arroz, constitui, por isso, um contributo positivo em termos de redução dos impactes ambientais [8]. Deste modo, para alcançar a sustentabilidade da construção, urge reduzir a produção e o consumo de cimento e agregados naturais [9]. No entanto, os potenciais riscos ambientais associados à alteração da composição convencional dos materiais de construção são desconhecidos. Há inúmeros com algum grau de toxicidade associado, não só em relação aos impactes ambientais associados provenientes da sua produção, mas também por conterem resíduos tóxicos para a saúde humana e para o meio ambiente, pelo que é necessário aferir os riscos associados à sua utilização [10]. Atuar ao nível da redução dos impactes ambientais na indústria da construção é uma preocupação global. A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) permite avaliar o impacte ambiental de um determinado produto ou serviço ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a extração de matérias-primas até à sua deposição na Natureza. A avaliação do impacte ambiental, no âmbito da ACV, pode ser feita recorrendo a métodos distintos, e, consequentemente, considerando diferentes categorias de impacte ambiental. Os métodos mais recentes incluem a ecotoxicidade nas categorias de impacte ambiental consideradas para a ACV [11]. O Comité Técnico (TC) 350 do Comité Europeu de Normalização [7] pretende, com a conceção de um relatório técnico ainda em fase de projeto (JWG N013 Draft TR WI 00350023 - Additional indicators), clarificar a avaliação do impacte ambiental de materiais de construção e edifícios a nível Europeu, com a introdução de novas categorias de impacte ambiental, nomeadamente a ecotoxicidade, o que significa que esta categoria adquire cada vez mais importância na avaliação do impacte ambiental provocado por um determinado produto ou serviço. Neste sentido, a ecotoxicologia poderá ter um forte contributo para o aumento da sustentabilidade da construção, na medida em que permite avaliar o potencial risco ambiental associado aos materiais a incorporar nas construções, sem ser necessário recorrer à ACV. Para isso, é necessário efetuar a avaliação da ecotoxicidade recorrendo a ensaios de lixiviação, análises químicas e testes de toxicidade. A bibliografia consultada revela escassez regulamentar e a falta de harmonização entre a comunidade científica no que respeita à determinação da ecotoxicidade de materiais e matérias-primas utilizadas no setor da construção, o que justifica o desenvolvimento de uma metodologia de avaliação de risco ambiental destes materiais. Este artigo: explora o potencial de ecotoxicidade associado a matérias-primas e materiais de construção partindo de uma revisão da literatura; propõe e valida, pela aplicação prática, uma metodologia de avaliação de ecotoxicidade que permite avaliar, de forma expedita, o potencial de exotoxicidade de matérias-primas e materiais de construção. Esta metodologia permite concluir acerca do risco ambiental proveniente da utilização de novos materiais de construção, tendo por base a legislação existente nesta temática, como o Regulamento (CE) n.º 1907/2006 (REACH), relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas [12], o Regulamento (CE) n.º 1272/2008 (CLP), relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias [13] e misturas e a Diretiva n.º 1999/31/CE, de 26 de abril de 1999 [14].
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2. METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DE RISCO AMBIENTAL A metodologia de avaliação do potencial risco ambiental de matérias-primas e materiais de construção de base cimentícia que permite classificar as matérias-primas e os materiais de construção de base cimentícia quanto à deposição em aterro e à ecotoxicidade potencial proposta neste trabalho baseou-se nas disposições legislativas estabelecidas na Diretiva n.º 2008/98/ CE, na Diretiva n.º 1999/31/CE, nos regulamentos REACH e CLP, e na metodologia de avaliação de ecotoxicidade (CEMWE) proposta pela Agência Francesa de Energia e Ambiente [15] e previamente adaptada por Lapa et al. [16] para a caracterização química e ecotoxicológica de escórias provenientes de estações de incineração de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). A metodologia de avaliação proposta (Figura 1) divide os materiais em dois grupos distintos: a) matérias-primas e b) materiais de construção. Ao grupo das matérias-primas pertencem os materiais que são incorporados em materiais de base cimentícia, e que se organizam nos seguintes subgrupos: i) matérias-primas virgens, ii) matérias-primas processadas, iii) matérias-primas recicladas e iv) matérias-primas provenientes de subprodutos. Esta organização está relacionada com a sua utilização como substitutos do cimento Portland e de agregados naturais (AN), visando a produção de materiais de elevado desempenho que possam contribuir para que o setor da construção seja sustentável. Para cada subgrupo de matérias-primas foi definida uma metodologia de avaliação do potencial de ecotoxicidade: metodologia MPV (matérias-primas virgens), metodologia MPP (matérias-primas processadas), metodologia MPRS (matérias-primas recicladas e subprodutos) e a metodologia MC (materiais de construção) que foi definida para o grupo materiais de construção (Figura 1). 2.1. Classificação de matérias-primas virgens (MPV) Ao subgrupo das matérias-primas virgens pertencem todos os materiais que apenas foram submetidos a alterações físicas (isto é, a processamento mecânico e eventual crivagem), como é o caso dos AN. Apesar da redução do consumo de recursos naturais ser um fator-chave para o alcance da sustentabilidade no setor da construção, este subgrupo não deve ser desprezado, pelo facto dos materiais de construção de composição convencional incorporarem este tipo de matérias-primas. Tradicionalmente, no fabrico de materiais de construção de base cimentícia utilizam-se agregados naturais, extraídos de pedreiras de diferentes origens geológicas, que são posteriormente submetidos a processamento mecânico que lhes confere as características desejadas. A metodologia proposta para a determinação do potencial de ecotoxicidade das MPV é proposta na Figura 1, e é baseada na Lista Europeia de Resíduos (LER) (Decisão n.º 2014/955/UE [17]) em conformidade com a Diretiva n.º 2008/98/CE [18], e nas disposições dos Regulamentos CLP e REACH. Esta metodologia justifica-se: por um lado, porque os resíduos de extração de minérios metálicos e não metálicos não são identificados como resíduos perigosos na LER; por outro, porque as matérias-primas virgens ocorrem na natureza e não são quimicamente alteradas, pelo que, à partida, não satisfazem os critérios para a sua classificação como substâncias perigosas segundo o CLP, o que implica que estão isentas do cumprimento das disposições de registo ao abrigo do REACH. Nestas condições, é legítimo considerar que as matérias-primas virgens não são potencialmente ecotóxicas e, portanto, não representam perigo para o meio ambiente. 2.2. Classificação de matérias-primas processadas (MPP) As matérias-primas processadas resultam de um processo industrial que exige um determinado controlo de qualidade e são incorporadas nos materiais de base cimentícia com o objetivo de lhes conferir propriedades específicas. Destacam-se neste subgrupo o cimento Portland e os agregados que são produzidos artificialmente por processamento térmico de expansão (como por exemplo: argila expandida), e que provêm de materiais de origem natural. A metodologia proposta para a determinação do potencial de ecotoxicidade de matérias-primas processadas encontra-se esquematizada no fluxograma da Figura 1 e é semelhante à metodologia MPV, embora assente em pressupostos diferentes. As matérias-primas processadas, à exceção do cimento, resultam em agregados leves artificiais, inertes, que não representam perigo para o meio ambiente. Esta metodologia foi elaborada com base na LER, nas disposições do Regulamento REACH, e em fichas técnicas e Fichas de Dados de Segurança (FDS) de agregados artificiais comercializados por várias empresas [19; 20].
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2.3. Classificação de matérias-primas recicladas e subprodutos (MPRS) Ao subgrupo das matérias-primas recicladas pertencem os agregados reciclados, provenientes da fragmentação, separação, crivagem e eventual lavagem de resíduos provenientes da construção e demolição, e de outras indústrias como a pré-fabricação. A substituição parcial do cimento pode ser feita com recurso a subprodutos de características pozolânicas (“pozolanas” sem identificação específica, CV, sílica de fumo, cinza de casca de arroz, metacaulino), ou hidráulicas latentes (escórias de alto forno, xisto cozido, cinzas volantes calcárias). A metodologia definida para classificar as MPRS teve por base os conceitos e disposições regulamentares estabelecidas no Regulamento REACH e apresenta-se na Figura 1. Para a aplicação da metodologia MPRS será necessário considerar que nos losangos do fluxograma da Figura 1 apenas se colocam questões de resposta “Sim” ou “Não” (detalhadas na Tabela 1). As obrigações de registo no REACH aplicam-se apenas às substâncias, independentemente de serem puras, ou de estarem contidas em misturas ou em artigos. Segundo este Regulamento, as MPRS são consideradas agregados ou substâncias recuperadas, após deixarem de ser resíduos ao abrigo da Diretiva n.º 2008/98/CE. Aos agregados que ainda não deixaram de o ser, não se aplicam as obrigações decorrentes do REACH. Por isso, a metodologia proposta considera que as MPRS usados em materiais de construção de base cimentícia devem ser considerados agregados recuperados. De facto, os materiais reciclados e os subprodutos industriais constituem uma grande preocupação ambiental, dada a variabilidade e incerteza que existe quanto à sua composição, porque podem ser UVCB, i. e., de composição desconhecida ou variável, produtos de reação complexos ou materiais biológicos (Substance of Unknown or Variable composition, Complex reaction products or Biological materials) (Figura 1, Tabela 1) [21-23]. A aplicação da metodologia MPRS pressupõe ainda que, se existir FDS para uma determinada substância, seja entregue ao utilizador a jusante, ou se esta não existir, que seja entregue um documento com a informação necessária à garantia da proteção da saúde humana e do meio ambiente. 2.4. Classificação dos materiais de construção (MC) Ao grupo dos materiais de construção pertencem todos os materiais de base cimentícia, como é o caso do betão e da argamassa, independentemente das matérias-primas que façam parte da sua composição. Tanto a metodologia definida na proposta francesa (CEMWE) [15], como o ensaio de lixiviação descrito na EN 12457-4 [24] preconizado na Diretiva n.º 1999/31/ CE e na Decisão n.º 2003/33/CE [25], não são aplicáveis a resíduos monolíticos, mas sim a resíduos granulares. Para além disso, os valores limite de lixiviação de acordo com o Decreto-Lei n.º 183/2009 [26] são específicos para resíduos granulares, e aplicam-se a monolíticos “até que sejam definidos a nível nacional critérios específicos ou estabelecidos critérios a nível comunitário” [14; 26]. Deste modo, surge a necessidade de propor uma metodologia que se enquadre nos documentos acima referidos, e que permita avaliar o potencial de ecotoxicidade de materiais de construção. No presente trabalho propõe-se uma metodologia para MC (designada por metodologia MC) que é representada no fluxograma da Figura 1. Após a seleção das matérias-primas, a produção de diferentes formulações do material, e o endurecimento do material, é necessário que este seja fragmentado e sejam selecionadas as partículas de dimensão inferior a 10 milímetros, para que o material passe a ser granular, e não monolítico [27]. Consequentemente, os eluatos são produzidos pela aplicação da norma EN 12457-4 [24]. Assim, os valores obtidos tanto da análise química como da análise ecotoxicológica, poderão ser comparados com os valores preconizados nos documentos regulamentares referidos. Nestas condições, é possível classificar o material de acordo com a metodologia definida na Figura 2, dependendo da informação pré-existente. A metodologia proposta (Figuras 1 e 2) pressupõe que o material seja fragmentado, através de trituração ou britagem, o que permitirá o aumento da superfície de contacto entre o material e o solvente utilizado na lixiviação, aumentando a emissão de poluentes e, consequentemente, conduzindo a um potencial de lixiviação e a valores de ecotoxicidade bastante mais elevados do que em condições de serviço. Esta abordagem mais conservativa poderá representar um caso de um cenário mais pessimista (worst-case scenario) de contaminação ambiental e / ou uma fase de fim do ciclo de vida do material ou da matéria-prima em estudo.
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2.5. Metodologia de classificação A classificação dos materiais deve ser feita de acordo com a metodologia proposta no fluxograma da Figura 2. A necessidade de classificar os materiais recorrendo a esta metodologia depende do grupo de materiais a que o material em estudo pertence, e da informação pré-existente em cada caso. Quando não existe informação suficiente acerca das matérias-primas e/ou no caso dos MC, o procedimento para a classificação inicia-se com a lixiviação da matéria-prima ou do material de construção de acordo com a EN 12457-4 [24]. Os eluatos obtidos serão posteriormente, e, em simultâneo, caracterizados nas vertentes de caracterização química (CQ) e de caracterização ecotoxicológica (CE) (Figura 2). Relativamente à CQ, a escolha dos parâmetros químicos a determinar resultou dos parâmetros considerados relevantes na Diretiva n.º 1999/31/CE, de 26 de abril de 1999 relativa à deposição de resíduos em aterro, e que coincidem com determinados parâmetros da proposta francesa CEMWE [15]. Deste modo, a CQ permite classificar os resíduos relativamente à deposição em aterro, quando os valores da CQ são inferiores aos valores-limite estabelecidos na Diretiva e na Decisão n.º 2003/33/CE associada [25]. Por outro lado, para classificar as amostras de eluato em relação ao seu potencial ecotoxicológico baseado nos resultados da CQ, os valores obtidos devem ser comparados com os valores-limite estabelecidos na proposta francesa do CEMWE (Figura 2). Quanto à CE, é importante mencionar que se optou por efetuar apenas testes de toxicidade aguda, por permitirem simular um cenário mais condicionante. A escolha dos organismos-teste foi baseada nas exigências regulamentares dos Regulamentos CLP e REACH, e em estudos anteriores relacionados com a ecotoxicidade potencial de cinzas provenientes da combustão do carvão [16], de eluatos de resíduos sólidos urbanos [28], ou de xenobióticos químicos em solução aquosa [29; 30]. Os resultados obtidos serão comparados com os valores-limite estabelecidos na proposta francesa CEMWE (Figura 2). No presente trabalho, foram escolhidos três testes de toxicidade para a avaliação do nível de ecotoxicidade potencial das amostras de eluato obtidas a partir de matérias-primas/MC, como se segue: i) ensaio de bioluminescência bacteriana de curto prazo, que utiliza a bactéria marinha Vibrio fischeri como organismo-teste e pode fornecer uma rápida avaliação da toxicidade. O teste mede a luz emitida por uma suspensão padronizada de células da bactéria, após exposição de 15 ou 30 minutos às amostras de eluato, e compara com a exposição a uma solução de controlo sem tóxico; uma diminuição da bioluminescência reflete a magnitude da ação tóxica. Tem vasta aceitação entre a comunidade científica para a triagem do risco potencial de soluções químicas, efluentes industriais, extratos aquosos de sedimentos, solos, resíduos ou cinzas, etc. [16; 31; 32]; ii) ensaio de toxicidade aguda a curto prazo que utiliza a Daphnia magna, que avalia a inibição da mobilidade deste cladócero após a exposição a 24 e/ou 48 horas às amostras de eluato a serem testadas. Este teste fornece dados de ecotoxicidade relevantes para organismos de ecossistemas aquáticos de água doce, sendo amplamente utilizados e recomendados a nível regulamentar para ensaios de efluentes industriais, águas residuais, lixiviados e eluatos [16; 33; 34]; e iii) o ensaio de suscetibilidade em microplaca que consiste na exposição de uma população padronizada da levedura Saccharomyces cerevisiae às amostras de eluato durante 16 horase mede os efeitos inibitórios das amostras sobre o crescimento deste microrganismo eucariótico modelo. Este sistema de teste simples provou permitir uma deteção rápida da toxicidade potencial de produtos químicos em soluções aquosas, efluentes e eluatos, sendo significativo para eucariotas experimentalmente menos operativos e mais dispendiosos como por exemplo Daphnia magna e outros animais aquáticos [29; 30; 34].
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Figura 1: Metodologia proposta de avaliação do potencial de ecotoxicidade de matérias-primas e materiais de construção
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Tabela 1 – Critérios de aplicação da metodologia MPRS Metodologia MPRS - Critérios de aplicação 1. “O processo de recuperação resulta num artigo?” 1.1 Sim
Um processo de recuperação resulta num artigo quando, durante a produção, a forma, a superfície, ou o desenho tiverem sido deliberados e, portanto, forem mais importantes do que a sua composição química. Apenas as substâncias contidas em artigos têm que ser registadas no REACH; os artigos estão isentos desse registo, pelo que existe uma maior preocupação ambiental quando este tipo de matérias-primas é incorporado em materiais de construção, decorrente da falta de regulação e informação que acarretam. Neste grupo enquadram-se os agregados reciclados, provenientes de RCD, que são produzidos com forma e superfície específicas, dependendo da sua aplicação, e estas poderão ser tão determinantes para a sua função como a composição química [35].
Classificar
1.2 Não
No caso de ser uma substância pura, uma substância contida numa mistura ou uma mistura.
Avançar para 2.
2. “O processo de recuperação resulta numa substância pura ou numa substância contida numa mistura?” 2.1 Sim
O processo de recuperação resulta numa substância (pura ou contida numa mistura) quando a sua composição química for mais importante do que a forma, a superfície, ou o desenho. As substâncias podem ser bem definidas ou UVCB, sendo que para as primeiras, uma vez que a sua composição química está definida, é fácil de aferir o perigo que representam para o meio ambiente; já as segundas suscitam maior preocupação ambiental, dada a variabilidade e incerteza relativamente à sua composição química. Neste grupo enquadram-se as matérias-primas provenientes de subprodutos industriais como as escórias, as CV, entre outros. De facto, a composição química das escórias e das CV é mais importante para a sua função do que a forma, superfície ou desenho, pelo que são consideradas substâncias UVCB [35].
Avançar para 3.
2.2 Não
Na eventualidade do processo de recuperação não resultar num artigo ou numa substância, está-se perante uma mistura. A sua utilização pode suscitar elevada preocupação ambiental.
Avançar para 7.
3. “Existe Ficha de Dados de Segurança (FDS)?” 3.1 Sim
As substâncias registadas no REACH e classificadas como perigosas ao abrigo do CLP devem ser acompanhadas por uma FDS.
Avançar para 4.
3.2 Não
A não existência de FDS pode significar: - substância não perigosa e, portanto, ainda que esteja registada no REACH, não carece da obrigatoriedade de ter FDS, ou seja, não cumpre os critérios de classificação de perigo ao abrigo do CRE para ser classificada como perigosa para o ambiente aquático, o que implica que a matéria-prima em causa não seja ecotóxica; - substância não registada no REACH, porque é produzida em quantidade inferior a uma tonelada por ano ou está a ser usada apenas para fins de Investigação & Desenvolvimento (isentas de registo); neste caso, propõe-se que seja feita a sua classificação (Figura 2).
Avançar para 6.
4. “Está classificada como perigosa para o ambiente aquático?” 4.1 Sim
A FDS de uma determinada substância ou mistura identifica, na Secção 02, a sua classificação relativamente aos perigos. Uma substância ou mistura que seja muito tóxica para os organismos aquáticos submetidos a um teste de toxicidade aguda é identificada com o código H400.
Avançar para 5.
4.2 Não
Se a FDS indicar, claramente, que a substância não provoca efeitos adversos em organismos aquáticos.
Matéria-prima não ecotóxica
5.“Existe evidência para a classificar como ecotóxica?” 5.1 Sim
Quando a informação apresentada na FDS for clara e apresentar os resultados de EC50 ou LC50 para os organismos aquáticos, entende-se que existe informação suficiente para classificar a matéria-prima como potencialmente ecotóxica, para ecossistemas aquáticos.
Matéria-prima potencialmente ecotóxica.
5.2 Não
A informação apresentada na FDS não apresenta os resultados de EC50 ou LC50.
Classificar
6.1 Sim
Para identificar se uma substância está registada, aceder à base de dados da ECHA para substâncias registadas: [36], que contém os dados provenientes do registo no REACH de substâncias.
Matéria-prima não ecotóxica
6.2 Não
Como referido, na presença de uma substância não registada, independentemente do motivo, esta deve ser classificada (Figura 2).
Classificar
7.1 Sim
À semelhança das substâncias, também as misturas devem ser acompanhadas de uma FDS, na eventualidade de cumprirem os critérios de classificação como substâncias perigosas definidos no Regulamento CLP.
Avançar para 4.
7.2 Não
Numa situação em que não exista FDS para uma determinada mistura, é necessário proceder à sua classificação (Figura 2). No caso de substâncias e misturas perigosas que sejam disponibilizadas ou vendidas ao público, não é necessário fornecer uma FDS. No entanto, para esta isenção ser válida, o fornecedor deve disponibilizar informações suficientes para garantir que são tomadas as medidas necessárias para assegurar a proteção da saúde humana e do meio ambiente [35].
Classificar
6. “Está registada?”
7. “Existe Ficha de Dados de Segurança?”
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Figura 2: Fluxograma que representa a necessidade de classificar as matérias-primas e os materiais de construção recorrendo a análises químicas e testes de toxicidade
3. MATERIAIS E MÉTODOS As matérias-primas escolhidas para serem classificadas quanto ao potencial de ecotoxicidade e à deposição em aterro incluem matérias-primas virgens (agregados naturais, finos e grossos), processadas (cimento Portland), recicladas (agregados reciclados de betão, finos e grossos) e subprodutos industriais (cinzas volantes tipo F). Relativamente aos materiais de construção a serem estudados, produziram-se três composições de betão (B1, B2 e B3), com incorporação de diferentes percentagens das matérias-primas referidas (Tabela 2). A classificação dos materiais de construção B1, B2 e B3 quanto ao potencial de ecotoxicidade assumiu a aplicação da metodologia MC (Figura 1) às amostras de eluato A1, A2 e A3 obtidas a
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partir da fragmentação e posterior peneiração de B1, B2 e B3). Os ensaios realizados no âmbito deste estudo resumem-se na Tabela 3. O sistema de classificação TCS (Toxicity Classification System) foi aplicado à caracterização ecotoxicológica com o objetivo de integrar todos os resultados obtidos nos testes de ecotoxicidade, os quais foram realizados com diferentes organismos-teste, de forma a converter os resultados num único valor global que permite determinar e ordenar as amostras de acordo com o nível de ecotoxicidade [37], à semelhança da análise que foi feita à caracterização química. Tabela 2 – Proporções das diferentes composições de betão produzidas
CV (%)
AFR (%)
AGR (%)
Cimento (%)
AFN (%)
AGN (%)
B1
0
0
0
100
100
100
B2
60
0
0
40
100
100
B3
60
100
100
40
0
0
Composições
Tabela 3 – Resumo dos ensaios desenvolvidos, local de realização e respetiva metodologia de ensaio Ensaios Lixiviação
Caracterização Química (CQ)
Local
Produção de eluatos
EN 12457-4 [24]
As, Hg, Sb, Se
Método interno LAIST
Ba, Cd, Cr, Cu, Mo, Ni, Pb, Zn
ISO 11885:2007
Cloreto, Fluoreto, Sulfato
SMEWW 4110 B
Sólidos Dissolvidos Totais (SDT)
SMEWW 2540 - C
Carbono Orgânico Dissolvido (COD)
Laboratório de Análises do IST
pH
Caracterização Ecotoxicológica (CE)
SMEWW 5310 C SMEWW 4500 H+ B
Condutividade
NP EN 27888 [38]
Inibição da luminescência da bactéria Vibrio fischeri
15 a 30 minutos de exposição em ensaio estático [32]
Inibição da mobilidade do microcrustáceo Daphnia magna
24 e 48 horas de exposição em ensaio estático [33]
Inibição do crescimento da levedura Saccharomyces cerevisiae
Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB) do IST
ρa - massa volúmica do material impermeável Massa volúmica e absorção de água de agregados
Metodologia
ρrd - massa volúmica das partículas secas ρsss - massa volúmica dos agregados saturados com a superfície seca
16 horas de exposição (microplaca) [29; 30; 34]
NP EN 1097-6 [38] Laboratório de Construção do DECivil do IST
WA24 - absorção de água após imersão em água durante 24 horas
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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Esta secção apresenta a discussão da metodologia proposta e os resultados obtidos neste estudo. 4.1. Classificação dos materiais Os agregados naturais (AN) são considerados matérias-primas virgens e, portanto, a aplicação da metodologia MPV permite classificá-los como matérias-primas não ecotóxicas (Figura 1). A consistência deste resultado pode ser apoiada pelo estudo realizado por [40]. De acordo com o Regulamento REACH, o cimento Portland é considerado uma mistura bem definida de substâncias [41], pelo que se aplica o ponto 2.2 da metodologia MPRS (Figura 1 e Tabela 1). Contudo, o cimento é uma matéria-prima processada e não um agregado recuperado. Com exceção do clínquer, que não tem obrigatoriedade de registo, as restantes substâncias encontram-se registadas. A existência de uma Ficha de Dados de Segurança (FDS) para o cimento Portland [42], revela que a mistura cumpre os critérios de classificação de substâncias perigosas estabelecidos no Regulamento CLP. Com efeito, após a análise dessa FDS é possível constatar que a mistura não se encontra classificada como perigosa para o ambiente aquático, pelo que é possível concluir que o cimento Portland é classificado como uma matéria-prima não ecotóxica. Este resultado é consistente com os estudos de [27; 42; 43]. Contudo, é de salientar que existe a preocupação quanto ao aumento do pH da água que pode resultar da adição de cimento à água (por exemplo por lixiviação, percolação), que pode desta forma tornar-se nocivo para o ambiente aquático [42; 43]. Gwenzi e Mupatsi [43] compararam a lixiviação de metais pesados provenientes de cinzas volantes como matéria prima e do betão com incorporação de cinzas volantes. Concluíram que a incorporação no betão de um teor de cinzas superior a 30% da mistura ligante deve ser evitada, a menos que sejam feitos estudos que demonstrem que o risco dessa aplicação é reduzido. Para responder a esta necessidade, a metodologia proposta neste estudo foi estudada e validada através da aplicação prática a três composições de betão (B1, B2 e B3, Tabela 2), com incorporação de cinzas volantes em substituição parcial do cimento Portland, e agregados reciclados de betão em substituição dos agregados naturais, que já foram descritos na secção de Materiais e Métodos. No contexto do REACH, as cinzas volantes são consideradas agregados recuperados que resultam em substâncias UVCB [35]. De acordo com a Ficha de Informação de Produto, as cinzas volantes utilizadas no presente trabalho [44] não indicam potencial efeito ecotoxicológico. Por outro lado, o dossiê de registo da substância do REACH (“coal ashes (residues)”) (Número de registo REACH: 01-2119491179-27-0012) estabelece valores para a concentração-sem-efeitos-observáveis (PNEC - predicted-no-effect-concentration) para organismos-teste pertencentes aos ecossistemas: água doce, marinho e solos (disponíveis on-line em: https://echa.europa.eu/pt/registration-dossier/-/registered-dossier/15573/1). Apesar disso, e porque no presente trabalho pretende-se testar o desempenho ambiental do betão, onde o cimento Portland é parcialmente substituído por cinzas volantes, considera-se importante classificar esta matéria-prima com base na aplicação da metodologia MPRS (Figura 1) às amostras de eluato preparadas como descrito na Tabela 3. Os AR utilizados ao longo deste trabalho foram obtidos a partir de betão pronto, de acordo com a norma NP EN 206-1 [45]. O betão pronto foi colocado em moldes e, após 28 dias de cura, os blocos foram fragmentados através de um britador de mandíbulas, originando os agregados finos e grossos reciclados de betão. No entanto, a origem destes AR não é desconhecida. Têm como constituintes principais as seguintes matérias-primas: água, AN e cimento CEM II / A-L 42,5R, que já foram classificadas anteriormente. Portanto, perante este caso particular em que os AR foram obtidos a partir da trituração de betão produzido em fábrica, com as características desejadas, com uma composição totalmente conhecida, esta matéria-prima pode ser classificada a partir da metodologia MC definida para os materiais de construção. Assim, no âmbito deste trabalho, assume-se que a classificação desta matéria-prima pode ser feita a partir dos resultados obtidos para os eluatos dos agregados produzidos a partir do betão de referência (B1), uma vez que a composição é idêntica, e tanto o cimento CEM II / A-L 42,5R como o cimento CEM I 42,5R são regulados pela mesma FDS. Para se obter a classificação dos materiais: AR, CV, A1, A2 e A3, foram realizadas as caraterizações química e ecotoxicológica aos eluatos; os resultados obtidos são apresentados e discutidos em seguida.
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4.1.1. Caracterização química (CQ) dos eluatos de AR, CV, A1, A2 e A3 Os resultados da análise química aos eluatos das amostras de AR, CV, A1, A2 e A3 encontram-se resumidos nas Tabelas 4 e 5. Tabela 4 – Resultados dos parâmetros não metálicos obtidos a partir das amostras de eluato analisadas
Parâmetros não metálicos Materiais
pH a 22ºC
CE (µS/cm)
COD (mg/kg)
SDT (mg/kg)
Cloreto (mg/kg)
Fluoreto (mg/kg)
Sulfato (mg/kg)
AR(1)
12,5
6950
88
17000
15
< 10
< 30
CV
11,8
1672
23
6450
< 30
< 10
4400
A1
12,5
6950
88
17000
15
< 10
< 30
A2
12,4
4300
11
12000
19
< 10
< 30
A3
12,1
3560
100
9200
34
< 10
37
(1)
Os valores indicados para AR correspondem aos obtidos para o betão de referência B1 (eluato A1)
Tabela 5 – Resultados dos parâmetros metálicos obtidos a partir das amostras de eluato analisadas Parâmetros metálicos (mg/kg)
Materiais
As
AR
Ba
Cd
Cr
Cu
Hg
Mo
Ni
Pb
Sb
Se
Zn
< 0,4
4,0
< 0,1
< 0,5
< 1,0
< 0,2
< 0,3
< 0,4
< 0,5
< 0,4
< 0,2
< 0,5
CV
< 0,4
4,6
< 0,1
2,5
< 0,5
< 0,2
10
< 0,4
< 0,5
< 0,4
4
< 0,5
A1
< 0,4
4,0
< 0,1
< 0,5
< 1,0
< 0,2
< 0,3
< 0,4
< 0,5
< 0,4
< 0,2
< 0,5
A2
< 0,4
9
< 0,1
0,5
< 1,0
< 0,2
0,6
< 0,4
< 0,5
< 0,4
< 0,2
< 0,5
A3
< 0,4
8
< 0,1
0,7
< 1,0
< 0,2
1,0
< 0,4
< 0,5
< 0,4
< 0,2
< 0,5
(1)
(1)
Os valores indicados para AR correspondem aos obtidos para o betão de referência B1 (eluato A1)
Dos parâmetros não metálicos analisados (pH, Condutividade Elétrica (CE), Carbono Orgânico Dissolvido (COD), Sólidos Dissolvidos Totais (SDT), Cloreto, Fluoreto e Sulfato), verifica-se que as amostras em estudo são extremamente alcalinas e que os valores de pH têm valores relativos na seguinte ordem: CV (pH=11,8) < A3 (pH=12,1) < A2 (pH=12,4) < A1 = AR (pH=12,5). O valor de pH obtido para a amostra de CV foi comparado com os resultados de Moreno et al. [46] e de Tsiridis et al. [47]. Constata-se que o valor de pH obtido para a amostra de CV está mais próximo do valor médio dos resultados do trabalho de Tsiridis et al. [47] ((pH)Tsiridis et al. = 11,5; (pH) Moreno et al. = 10,6), provavelmente porque os eluatos foram produzidos com base na mesma norma europeia [48]. Os valores de pH dos eluatos de AR=A1, A2 e A3 são característicos deste tipo de materiais; na realidade estão próximos do valor de pH do betão (aproximadamente 12,5) [48]. Os elevados valores de pH também podem estar relacionados com a presença de óxidos e hidróxidos que se formam durante o processo de combustão do carvão [17; 43]. Os resultados obtidos sugerem que a introdução de CV no betão pode conduzir a uma ligeira diminuição do pH do respetivo eluato e, assim, diminuir os possíveis impactes ambientais que podem resultar da libertação de lixiviados / eluatos deste tipo de materiais em águas naturais quando, por exemplo, são depositados em aterros [43]. Os valores de condutividade elétrica evoluem na mesma ordem que o pH. Os resultados obtidos para a amostra de CV foram comparados com os resultados de Moreno et al. [46] e de Tsiridis et al. [47]. Constata-se, de novo, que o valor de condutividade elétrica obtido para a amostra de CV está mais próximo do valor médio dos resultados do trabalho de Tsiridis et al. [47], uma vez que os lixiviados foram produzidos com base na mesma norma europeia [48].
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A reduzida concentração de carbono orgânico dissolvido (COD) indica que todas as amostras se encontram praticamente isentas de matéria orgânica. A concentração de COD na amostra de CV é reduzida, uma vez que as CV resultaram de um processo de combustão que provoca a redução dos teores de carbono orgânico que poderiam estar presentes. A concentração de cloretos obtida para as amostras de eluato são muito reduzidos, quando comparadas com os limites máximos definidos na Diretiva n.º 1999/31/CE. A concentração de fluoretos analisada nas amostras de AR, CV, A1, A2 e A3 não permite confirmar se a sua presença é nula ou bastante reduzida, uma vez que o limite de deteção não foi atingido. Este resultado faz sentido, uma vez que estas matérias-primas não apresentam resíduos que contenham flúor na sua constituição. Relativamente à concentração de sulfato, verifica-se que a amostra de CV regista o valor mais elevado de todas as amostras analisadas (4400 mg/kg); nas restantes amostras, os valores são próximos de 30 mg/kg. Dos parâmetros metálicos analisados (As, Ba, Cd, Cr, Cu, Hg, Mo, Ni, Pb, Sb, Se e Zn), quatro pertencem à lista de substâncias prioritárias no domínio da política da água (Cd, Hg, Ni e Pb) da Diretiva n.º 2008/105/CE [51]; desses, o Cd e o Hg são considerados substâncias perigosas prioritárias. Deste conjunto de metais avaliados na amostra de AR, apenas o Ba apresentou uma concentração superior ao limite de quantificação (4,0 mg/kg). Relativamente ao conjunto de metais que foram avaliados na amostra de CV, os elementos Ba (4,6 mg/kg), Cr (2,5 mg/kg), Mo (10 mg/kg) e Se (4,0 mg/kg) foram detetados em concentrações superiores aos limites de quantificação. Comparando os resultados obtidos com o estudo de Moreno et al. [46], é possível constatar que os valores de concentração dos parâmetros metálicos dos eluatos de CV se encontram próximos da concentração média (determinada com base numa amostra de 23 CV de origens distintas). Quanto às amostras de A1, A2 e A3, apenas o Ba, o Cr e o Mo, em algumas amostras, registaram concentrações acima do limite de deteção. A amostra de A1 apresentou uma concentração de Ba inferior à registada para a amostra de CV; os restantes parâmetros metálicos apresentaram concentrações nulas ou inferiores ao limite de deteção. Quanto à amostra A2, a concentração de Ba é aproximadamente o dobro da registada para a amostra de CV. As concentrações de Cr e Mo registam decréscimos de 80% e 94%, respetivamente, em comparação com as da amostra de CV. Em relação à amostra de A3, a concentração de Ba é próxima da registada para a amostra de A2 e muito superior à da amostra de CV. As concentrações de Cr e de Mo, apesar de ligeiramente superiores às da amostra de A2, registam decréscimos de 72% e de 90%, respetivamente, comparativamente com as concentrações registadas para a amostra de CV. É importante referir que a concentração de Se, para as três amostras, registou valores nulos ou abaixo do limite de deteção. A concentração deste parâmetro reduziu entre 95% a 100%, em comparação com a amostra de CV. Com base na CQ, os resultados obtidos permitem classificar as amostras de AR= A1, A2 e A3, quanto à deposição em aterros, em resíduos não perigosos, e a amostra de CV como potencialmente perigosa. Quanto ao potencial de ecotoxicidade, não foi possível classifica-las a partir da caracterização química, uma vez que os valores-limite definidos na proposta francesa [15] não são excedidos. 4.1.2. Caracterização ecotoxicológica (CE) dos eluatos de AR, CV, A1, A2 e A3 Em relação à CE, prepararam-se séries de diluição de cada amostra de eluato, as quais foram submetidas a cada teste de ecotoxicidade; as curvas concentração-resposta obtidas que descrevem a resposta de cada organismo-teste às diferentes concentrações do eluato são apresentadas nas Figuras 3 a 6.
Figura 3: Efeito observado nos organismos-teste, quando em contacto com diferentes concentrações da amostra de eluato de AR = A1
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Figura 4: Efeito provocado nos organismos-teste, quando em contacto com diferentes concentrações da amostra de eluato de CV
Figura 5: Efeito provocado nos organismos-teste, quando em contacto com a amostra de A2
Figura 6: Efeito provocado nos organismos-teste, quando em contacto com a amostra de A3
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Os índices de ecotoxicidade estimados a partir destas curvas concentração-resposta para as amostras de AR=A1, CV, A2 e A3 são apresentados na Tabela 6. Estes dados foram comparaãdos com os valores-limite definidos no documento de proposta francesa CEMWE [15], com exceção dos valores registados para a levedura Saccharomyces cerevisiae. É importante ressalvar que não foram feitas correções ao pH das amostras testadas, uma vez que se pretendia simular condições de exposição ambiental próximas às reais e, portanto, esse tipo de manipulação de amostra intrusiva deve ser omitido [50]. Por conseguinte, os dados de ecotoxicidade obtidos (Figuras 3 a 6 e Tabela 6) combinam as contribuições não só dos possíveis efeitos nocivos associados aos componentes químicos presentes nas amostras de eluato, mas também com o pH alcalino das mesmas (Tabelas 4 e 5 da seção anterior).
Tabela 6 – Caracterização ecotoxicológica das amostras de lixiviado de AR, CV, A1, A2 e A3
Matériaprima AR(1)
(1)
pH 12,5
Vibrio fischeri EC50 (%) [30 min]
Saccharomyces cerevisiae
Daphnia magna EC50 (%) [24h]
EC50 (%) [48h]
EC50 (%) [16h]
> 100
18,8
14,6
19,8
CV
11,8
49,3
30,8
30,8
> 100
A1
12,5
> 100
18,8
14,6
19,8
A2
12,4
> 100
6,8
5,5
30,2
A3
12,1
> 100
13,6
7,7
40,7
Os valores indicados para AR correspondem aos obtidos para o betão de referência B1 (eluato A1)
Os resultados obtidos mostram que a bactéria Vibrio fischeri e o crustáceo de água doce Daphnia magna foram afetados de forma semelhante pela amostra de eluato de CV (Figura 4), embora a comparação dos respetivos índices de toxicidade indique que o teste de ecotoxicidade de D. magna é ligeiramente mais sensível à amostra de CV (48 h-mobilidade EC50 = 30,8%) do que o teste de V. fischeri (30 min-bioluminescência EC50 = 49,3%) (Tabela 6). A levedura revelou-se menos sensível à amostra de eluato CV do que os dois primeiros organismos de teste de ecotoxicidade (16 h-crescimento EC50 > 100%) (Figura 4 e Tabela 6). A amostra de lixiviado de AR (igual a A1) (Figura 3) não provocou a inibição da luminescência da bactéria Vibrio fischeri (EC50 > 100%). Comparativamente, a toxicidade da mesma amostra para os organismos-teste Daphnia magna (EC50 (%) [48h] = 14,6 %) e Saccharomyces cerevisiae (EC50 (%) [16h] = 19,8 %) foi elevada. Estes resultados sugerem que a bactéria bioluminescente não se mostrou sensível ao contacto com a amostra de AR; já o microcrustáceo e a levedura apresentaram resultados consistentes e próximos entre si, sugerindo, portanto, idêntica sensibilidade à presença da amostra de AR. Em relação à amostra de eluato A2, a Figura 5 mostra que tanto o crustáceo como a levedura foram afetados por esta amostra, mas não causou a inibição da luminescência da bactéria Vibrio fischeri (EC50 [30 min] > 100%). Notavelmente, a toxicidade da amostra de eluato A1 para Daphnia magna (48 h-mobilidade EC50 = 5,5%) foi consideravelmente mais elevada do que a toxicidade medida com o bioensaio de Saccharomyces cerevisiae (16 h-crescimento EC50 = 30,2%) (Tabela 6). Quanto à amostra de eluato de A3, a Figura 6 sugere que quando em contacto com o crustáceo e com a levedura, provoca efeitos nocivos nestes bioindicadores, mas não causou a inibição da luminescência da bactéria Vibrio fischeri (EC50 [30 min] > 100%). Para Daphnia magna obteve-se um nível de ecotoxicidade (48h-mobilidade EC50= 7,7%) superior ao provocado pela amostra A1, mas inferior ao provocado pela amostra A2. Para Saccharomyces cerevisiae obteve-se um nível de ecotoxicidade (16 h-crescimento EC50 = 40,7%) bastante inferior ao obtido para as amostras de A1 e de A2. Perante estes resultados, de acordo com os índices de ecotoxicidade obtidos para V. fischeri e D. magna (Tabela 6) e
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sua comparação com os valores-limite de ecotoxicidade estabelecidos no documento CEMWE [15], não há evidência para a classificação dos eluatos de CV, AR e A1 como potencialmente ecotóxicos. De facto, os valores dos índices de toxicidade EC50 48h-mobilidade para D. magna e EC50 30 min-bioluminescência para V. fischeri (Tabela 6) foram superiores ao valor limite de 10% definido no documento CEMWE [15]. No entanto, tendo em conta os valores de ecotoxicidade mais baixos obtidos para as amostras de eluato de A2 e A3 em relação a D. magna (EC50 48h-mobilidade < 10%) (Tabela 6), estes materiais podem ser classificados como ecotóxicos em conformidade com a proposta francesa CEMWE [15]. Deve-se notar que em outros estudos que relatam dados de ecotoxicidade de lixiviados / eluatos de cinzas de carvão [50] que foram obtidos com um procedimento padrão de lixiviação semelhante ao utilizado no presente trabalho, o teste de mobilidade de D. magna também foi considerado consideravelmente mais sensível do que o teste de toxicidade de bioluminescência da bactéria V. fischeri [16; 50]. Tsiridis et al. [50] atribuíram esta observação à baixa tolerância do crustáceo D. magna à presença de altas concentrações de Cr nas amostras, bem como a uma correlação que poderia existir entre efeitos na mobilidade de D. magna e os níveis de Cu, Ni e Zn nas amostras. Contudo, no presente trabalho, o Cr foi um dos metais encontrados em níveis mais elevados no eluato de CV (2,5 mg/kg) mas não nos eluatos de AR=Al (< 0,5 mg/kg), A2 (0,5 mg/kg) e A3 (0,7 mg/kg), enquanto que as concentrações de Cu, Ni e Zn foram relativamente baixas em todas as amostras (inferiores ao limite de deteção) (Tabela 5). Por conseguinte, outros fatores, podem estar a influenciar as respostas biológicas relativas de D. magna e V. fischeri às amostras de eluato. Consistentemente, Lapa et al. [16] sugeriram que os níveis de ecotoxicidade moderadamente maiores das amostras de eluato para a mobilidade de D. magna em comparação com a bioluminescência de V. fischeri podem estar relacionados com a maior sensibilidade de D. magna a valores de pH alcalino tão elevados quanto 11,3. A Tabela 7 resume a classificação obtida com a aplicação da metodologia desenvolvida neste estudo e os parâmetros considerados para esta classificação. Em resumo, pode-se observar que o eluato do material AR=A1, constituído por 100% de AN e 100% de cimento Portland pode ser classificado, relativamente à deposição em aterro, como não perigoso e, quanto ao potencial de ecotoxicidade, sem evidências de ecotoxicidade. Quanto ao eluato do material A2, constituído por 100% de AN, 40% de cimento Portland e 60% de CV (matérias-primas sem evidências de ecotoxicidade) pode ser classificado como potencialmente ecotóxico. Relativamente ao eluato do material A3, constituído por 100% de AR, 40% de cimento Portland e 60% de CV, à semelhança de A2, pode ser classificado como potencialmente ecotóxico. Deve notar-se que a lixiviação potencial de metais e outros produtos químicos foi muito reduzida para quase todos os metais analisados, incluindo os da lista de substâncias prioritárias da UE no domínio da política da água [51] (por exemplo, Cd, Hg, Pb e Ni). No entanto, em relação à deposição em aterro e com base apenas na CQ, o eluato de CV foi classificado como perigoso (devido à elevada concentração de Se presente no eluato) enquanto que os eluatos de A1=AR, A2 (incorporação de 60% de CV) e A3 (incorporação de 60% de CV e 100% de AR) foram considerados não perigosos. Com base na CE, os eluatos de A2 e A3 classificam-se como ecotóxicos (classificação atribuída com bases nos níveis de toxicidade obtidos para D. magna), e os eluatos de AR=A1 e CV, não apresentam evidências de ecotoxicidade. Estes resultados podem estar relacionados com a presença de outros parâmetros químicos não analisados no presente trabalho e, daí a importância de se complementar a CQ com a CE, como sugerido anteriormente por outros autores [16; 28]. Com base nos dados apresentados no presente trabalho e em outros [16; 43], sugere-se que o pH alcalino das amostras de AR, A1, A2, A3 (betão fragmentado) e das CV pode ser relevante a este respeito e, por isso, pode contribuir para possíveis riscos ambientais. Tais riscos podem ser particularmente relevantes se os eluatos ou lixiviados formados a partir de CV ou betão em aterros e / ou durante o ciclo de vida das construções (por exemplo, através da chuva) puderem chegar a ecossistemas de água doce levando à alcalinização da água.
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Tabela 7 – Classificação das matérias-primas e dos materiais de acordo com a Diretiva n.º 1999/31/CE, com o documento da proposta francesa CEMWE e com o sistema de classificação TCS Diretiva n.º 1999/31/CE
CEMWE [15]
Classificação
Parâmetro
Classificação
Parâmetro
Sistema TCS [37]
AN
Inerte
-
Sem evidências de ecotoxicidade
n.a.
n. a.
Cimento Portland
-
-
Sem evidências de ecotoxicidade
n.a.
n. a.
AR
Não perigoso
SDT
Sem evidências de ecotoxicidade
n.a.
Classe III
CV
Perigoso
Se
Sem evidências de ecotoxicidade
n.a.
Classe III
A1
Não perigoso
SDT
Sem evidências de ecotoxicidade
n.a.
Classe III
A2
Não perigoso
SDT, Mo
Ecotóxico
D. magna
Classe IV
A3
Não perigoso
SDT, Cr, Mo
Ecotóxico
D. magna
Classe IV
Amostras
n.a.- não aplicável; Classe III – Toxicidade Aguda; Classe IV – Toxicidade Aguda elevada
5. CONCLUSÕES A metodologia de avaliação do risco ambiental dos materiais de construção e respetivas matérias-primas, proposta neste trabalho, pode ter uma forte contribuição para a sustentabilidade do setor de construção. A literatura de referência refere que os materiais de construção baseados em cimento que suscitam maior preocupação em termos de risco ecotoxicológico são aqueles que incorporam agregados reciclados. No entanto, a incorporação de subprodutos em tais materiais pode também ser prejudicial para a saúde humana e para o ambiente. Estas matérias-primas, como referido, têm uma composição química variável que é muitas vezes desconhecida. Neste contexto, propõe-se uma metodologia para avaliar o potencial ecotoxicológico dos materiais de construção e respetivas matérias-primas, considerando um cenário conservador, representativo do fim do ciclo de vida do material. Os resultados da CQ mostram que os materiais formulados com matérias-primas classificadas como perigosas (como CV) podem conduzir a materiais não perigosos (como AR=A1, A2 e A3), com base apenas na caracterização química do eluato. Além disso, materiais com algum potencial ecotoxicológico, nomeadamente A2 e A3, que podem ser formuladas a partir de matérias-primas com evidência de menor ecotoxicidade (tais como AN, cimento Portland, CV e AR). A CQ incidiu em 19 parâmetros, 12 dos quais metálicos, que permitiram classificar os materiais quanto à deposição em aterro; contudo, dos 12 parâmetros metálicos analisados em todas as amostras, no caso da amostra de cinzas volantes, apenas 33% foram detetados em concentração superior ao limite de deteção, nas amostras de AR e A1, apenas 8,3%, e nas amostras de A2 e de A3, apenas 25%. Esta redução da lixiviação de metais pesados entre as amostras de CV, A2 e A3 poderá estar relacionada com a capacidade do cimento para solubilizar / estabilizar as concentrações de metais pesados, devido a processos de retenção química por incorporação dos elementos na matriz do cimento, e retenção física por encapsulação. A CE foi feita recorrendo a testes de toxicidade aguda, e permitiu concluir que dos três organismos-teste selecionados para os testes de ecotoxicidade (Vibrio fischeri, Daphnia magna e Saccharomyces cerevisiae) o mais sensível na avaliação da
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ecotoxicidade de matérias-primas e materiais de construção de base cimentícia, é o crustáceo Daphnia magna, que manifestou os níveis mais elevados de ecotoxicidade e sensibilidade em todas as amostras testadas. A bactéria bioluminescente apresenta sensibilidade ao contacto com a amostra de CV, mas não apresenta sensibilidade ao contacto com amostras de AR=A1, A2 e A3. A levedura Saccharomyces cerevisiae, ao contrário da bactéria bioluminescente, manifesta sensibilidade ao contacto com todas amostras de lixiviados dos agregados, mas não apresenta sensibilidade ao contacto com a amostra de eluato de CV. No presente trabalho, a utilização da levedura Saccharomyces cerevisiae como organismo-teste na avaliação da ecotoxicidade dos eluatos obtidos a partir de materiais utilizados no setor da construção é, até onde sabemos, inovadora. Os resultados de toxicidade obtidos com o ensaio da levedura para os eluatos estudados foram consistentes com os valores de ecotoxicidade para a mobilidade do organismo modelo de água doce D. magna, embora o primeiro fosse moderadamente menos sensível do que o último. Essas diferenças podem provavelmente refletir a complexidade diferente dos organismos unicelulares (S. cerevisiae) e dos crustáceos (D. magna) como sistemas biológicos, sendo que estes últimos integram efeitos toxicológicos em diferentes níveis de organização biológica, tais como subcelular, celular, tecido e órgão [30; 34]. Os resultados aqui obtidos sugerem assim que a levedura pode ser um substituto relativamente bom para o rastreio e priorização preliminar da ecotoxicidade de amostras de eluatos/lixiviados obtidos a partir deste tipo de materiais, antes de se poderem realizar testes mais complexos e caros com animais ecologicamente mais relevantes, embora experimentalmente menos acessíveis [30; 34]. O ensaio baseado em levedura tem várias vantagens como sistema de teste, nomeadamente: alternativa à experimentação animal como exigido pelo REACH; pequena escala (<0,1 ml de amostra necessária); curto tempo de exposição (<24 h); reprodutibilidade de muitas repetições de várias amostras em simultâneo (formato de microplaca de 96 poços); e, fácil e economicamente cultivadas [30; 34]. A aplicação de cinzas volantes no betão, em substituição parcial do cimento Portland, conduz a materiais de construção de baixo custo, contribui para a redução da pegada de carbono decorrente da produção de cimento, e evita a deposição de resíduos em aterro. No contexto ambiental, a aplicação e a validação da metodologia proposta permitiram concluir que uma matéria-prima sem evidência clara de potencial ecotoxicológico, mas com alguma capacidade de libertação de produtos químicos, pode levar à formulação de um material de construção (por exemplo: incorporando 40% de CV em substituição parcial do cimento Portland) com uma perigosidade ligeiramente inferior em termos de CQ, embora com um potencial ecotoxicológico ligeiramente superior ao das matérias-primas. Na nossa opinião, este último aspeto pode estar pelo menos parcialmente relacionado com o pH fortemente alcalino dos eluatos dos materiais de construção, com um valor de pH ligeiramente superior ao do eluato de CV, como discutido acima. Assim, considera-se que esta metodologia pode ser uma ferramenta útil para os fabricantes, arquitetos e engenheiros, no desenvolvimento e fabrico de novos produtos. Além disso, pode ser útil na produção e conceção, na escolha dos materiais de construção mais adequados, visando a redução do impacto ambiental e o aumento da sustentabilidade da construção.
6. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, ao Projecto FCT PTDC/ ECM / 118372/2010 -EXCELlentSUStainableCONcrete, ao CERIS - Instituto de Investigação do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa (IST-UL), ao financiamento do Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB) do IST-UL da FCT (UID/BIO/04565/2013) e ao Programa Operacional Regional de Lisboa 2020 (POR Lisboa 2020; LISBOA-01-0145-FEDER-007317). Agradecimentos especiais são devidos às empresas portuguesas pelo fornecimento dos dados necessários para completar este trabalho de investigação.
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