Revista Maritaca - 8a edição

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22 asemanade1922 asem e1922 asemanade1922 asemanade1922 asemanade1922asemanade eartemoderna os100anosdasemanadeartemoderna Revista laboratório do curso de Jornalismo da UFRRJ 10. 2022 Ano 7 - 8º edição

Arte, em aquarela, produzida pelo estudante de Jornalismo Hugo Henrique de Jesus, especialmente para essa edição.

EXPEDIENTE

Edição Geral: Professora Simone Orlando

Edição de Conteúdo: Professora Sandra Garcia

Edição de Fotografia: Professora Cecília

Figueiredo

Diagramação: Luiz Felipe Pinheiro, Carolina Freitas, Karoline Calumbi, Jéssica Melo

Revisão Geral: Karine Lima Nunes

Repórteres:

Amanda de Sousa Farias

Ana Carolina Thome Jacome Ana Clara Ferreira de Souza Ana Clara Lima Fonseca Augusto Cesar Ribeiro da Silva Camille de Faria Freitas

Carlos Miguel Anjo de Azeredo Carolina de Freitas da Silva Clara da Costa Assumpção Jessica de Melo Gomes

João Vitor Carvalho de Freitas Jonathan Oliveira Monteiro Joyce Rosa de Macedo Juliana Menoio Gomes Kamille da Silva Cardozo Karoline Simoes Calumbi Leandro Silva da Costa Leticia Bianca Tagliamento Barbosa Luiz Felipe Pinheiro Quiceno Restrepo Luiz Otavio Coimbra De Almeida Silva Manuella de Abreu Gimenez Maria Julia De Souza Goulart Mylena Ferreira de Moura Nathalia de Almeida Pinto da Silva Nathalia Fernandes Torres Nayara Lima dos Santos Pedro Augusto Pinheiro da Silva Rafaela Aguiar da Silva Rian Pereira Delaia Sara Reis Macedo Pacheco Sebastian Ferreira de Andrade Zanuncio Stephany da Silva Nascimento Victoria da Silva Conceição Yasmin de Araújo Jesus de Paula

Gestão 2021-2024

Reitor Roberto de Souza Rodrigues

Vice-reitor

Cesar Augusto Da Ros

Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) Nidia Majerowicz

Pró-reitor Adjunto de Graduação Edson Jesus de Souza

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPPG)

Lúcia Helena Cunha dos Anjos

Pró-reitor Adjunto de Pesquisa e Pós-Graduação João Márcio Mendes Pereira

Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) Marcelo da Cunha Sales

Pró-reitora Adjunta de Gestão de Pessoas Kênia Cristina Pontes Maia

Pró-Reitoria de Assuntos Financeiros (Proaf) Nilson Brito de Carvalho

Pró-reitor Adjunto de Assuntos Financeiros

Fábio Izidoro da Silva

Pró-Reitoria de Extensão (Proext) Rosa Maria Marcos Mendes

Pró-reitora Adjunta de Extensão Edileuza Dias de Queiroz

Pró-Reitoria de Planejamento, Avaliação e Desenvolvimento Institucional (Propladi)

Fábio Cardozo da Silva

Pró-reitora Adjunta de Planejamento, Avaliação e Desenvolvimento Institucional Rejane da Silva Santos Santiago

Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes) Juliana Arruda

Pró-reitor Adjunto de Assuntos Estudantis Jonas Alves da Silva Júnior

Instituto de Ciências Humanas e Sociais Departamento de Letras e Comunicação Curso de Jornalismo da UFRRJ

Essa edição da Revista Maritaca é uma produção interdisciplinar de estudantes do curso de Jornalismo da UFRRJ, produzida numa parceria entre disciplinas obrigatórias, optativas e laboratórios do curso

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Siga nos em nosso Instagram @maritaca ufrrj É só apontar o QR Code para a tela do celular, usando um aplicativo de QR Code Reader.
Tá, mas o que é arte?06 A ‘Semana de Arte Moderna’: 100 anos depois, um legado09 Por trás do grande evento14 UMA casa de muitos 'brios'17 as vanguardas europeias19 EDITORIAL literatura e modernismo27 04 arquitetura E MODERNISMO41 PINTURA E MODERNISMO46
64MODERNISMo NEGRO eSCULTURA E MODERNISMO 71 76MULHERES NO MODERNiSMO MÚSICA E MODERNISMO 89 CINEMA E MODERNISMO 101 106DO DADÁ AO MEME

Editorial

Em 2022, comemoramos cem anos da famigerada, transformadora e polêmica Semana de Arte Moderna, manifestação artístico cultural que ocorreu no Teatro Municipal de SP, entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922

No evento, recitais de música, de poesias, apresentações de dança, exposição de pinturas, esculturas, desenhos arquitetônicos e palestras deram o tom da programação

Figuras conhecidas como Graça Aranha, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti foram personalidades marcantes, nesses três dias, para o horizonte dos campos da música, artes plásticas e literatura E todos esses nomes, a posteriori, foram representativos para consolidar o que, a rigor, se consagraria como Primeira Fase do Modernismo no Brasil.

O Modernismo é tema cativo em nosso imaginário social e nacional. Pensá lo, como movimento estético, é entender processos de ruptura com o cânone tradicional em diversos aspectos. É pensar na potência da inovação, transgressão e expansão criativa através da arte/cultura.

Foi, a partir dessa constatação, que, ainda no início do período passado (janeiro maio de 2022), surgiu o embrião dessa edição.

Numa proposta de pensar um projeto em comum entre as disciplinas de Técnica de Reportagem, Mídia Impressa e Introdução ao Jornalismo, ofertadas aos estudantes do segundo período do curso de jornalismo da UFRRJ, resolvemos trabalhar juntos, com as três disciplinas para a produção da revista.

A Revista Maritaca é uma publicação que já rendeu muitos frutos. Estamos na oitava edição e no sétimo ano de sua confecção.

Idealizada pela professora Ana Lúcia Vaz, no interior da disciplina Técnica de Reportagem, a proposta da revista inicialmente era buscar potencializar a capacidade dos estudantes de trabalharem com temas de interesse público e dos públicos, mantendo o olhar e escuta atentos a boas histórias, capazes de humanizar o relato jornalístico. Como já descrito em outras edições, o propósito fundamental seria " ecoar a voz dos que são ignorados pelas autoridades"

O nome "Maritaca" surgiu justamente como um metáfora, já que as aves maritacas andam em bando e têm um grito estridente Daí a ideia dessa revista: ecoar, em bando, assuntos relevantes (muitas vezes esquecidos) de serem tratados

Nesse sentido, a oitava edição não pretende somente homenagear, aprofundar, desdobrar o sentido da Semana de 22 e os preceitos fundamentais do Modernismo para o contexto brasileiro

Em alguma medida, a revista questiona, analisa, repensa as mazelas deixadas pela Semana, um evento importante, mas igualmente elitista, que deixou de fora muitas esferas de representação

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Reflete também sobre os legados deixados pelo pensamento modernista, mas aponta ainda certos 'silêncios' e 'ausências'.

O processo de produção das pautas, matérias, angulações e propostas apresentadas pelos estudantes repórteres se consolidou novamente na disciplina de Técnica de Reportagem (espaço formal de produção da revista anualmente), ainda, como dissemos, no período anterior, pela virtuosa e atenta condução da professora Sandra Garcia.

Já a escolha das imagens de acervo, foto artes que ilustraram a revista, começaram a ser tateadas e pensadas, para posteriormente comporem o layout e as narrativas, junto ao olhar cuidadoso da professora Cecília Figueiredo, na disciplina de Introdução à Fotografia.

Em Mídia Impressa, nesse mesmo período, nós trabalhamos com os gêneros jornalísticos do 'meio revista' para os estudantes, no intuito de que pudessem escolher que formatos construir para as matérias que seriam estruturadas

Os alunos, ao final desse período, apresentaram um seminário oral com todas as matérias apuradas e escritas, para que pudéssemos avaliar as pautas, enquadramentos, perspectivas e temas escolhidos

Levamos o projeto para o período seguinte (junho setembro), em disciplinas diferentes Sandra, na linha de frente da obrigatória Redação Jornalística I, Cecília, em Fotojornalismo Nós, com a optativa Leitura e Prática Textual para o Jornalismo Impresso, conduzimos, com 18 corajosos estudantes, o processo de edição e diagramação do periódico.

Para chegarmos até o produto final, muitos passos foram dados Os estudantes passaram por processos de reescrita e ampliação do texto base inúmeras vezes Cortamos o que estava repetido e em excesso Expandimos para novas pautas, abandonamos outras, sintetizamos para "fazer caber", afinal, há sempre um limite de caracteres, no ofício do jornalismo impresso, a se cumprir

No 'frigir dos ovos ' , a oitava edição é, de fato, motivo de orgulho para toda a equipe. Um pout porri de textualidades jornalísticas diversas.

Na parte opinativa, a revista conta com um artigo sensível, contundente e contextualizador, logo o primeiro texto, do estudante de jornalismo Sebastian Zanûncio, intitulado: "Tá, mas o que é arte?". Também, na seção "Modernismo Negro", o estudante de Belas Artes, Silas Senas, apresenta texto ensaístico sobre dois artistas negros: Rubem Valentim e Abdias do Nascimento.

A primeira matéria informativa da revista propõe um panorama da Semana de 22, seguido de uma reportagem sobre as conhecidas Vanguardas Europeias, que foram fontes inesgotáveis de inspiração para o movimento modernista brasileiro

Para melhor dividir os conteúdos e orientar a leitura, os demais textos foram setorizados por área, respectivamente, nas seções Literatura, Arquitetura, Pintura, Escultura, Música e Cinema. Nessas seções, o leitor vai encontrar curadorias de arte, personalidades perfiladas, entrevistas, reportagens.

Também há um dossiê temático especial, com o tema "Mulheres no Modernismo", bem como tratamos da questão do "Modernismo Negro" e das relações entre "Memes e Dadaísmo"

Poesias concretas de Augusto de Campos, Fábio Bahia, Arnaldo Xavier, Quimera Sherwood, Paulo Leminski e Fábio Sexugi, cuidadosamente tratadas, de modo digital, pela estudante de jornalismo e artista visual, Jessica Melo, entremeiam as seções

Assim, meu caro leitor, te convidamos para caminhar conosco por essas páginas, recheadas de boas histórias, informações e análises contextuais, produzidas, com esmero, pelos nossos estudantes

Boa Leitura!!!

Simone Orlando editora geral dessa edição

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ARTIGO

Tá, mas o que é arte?

QPor Sebastian Zanuncio uando um mictório entra numa exposição artística, sem dizer uma só palavra, ele berra alguma coisa, ele causa um estardalhaço Foi o que aconteceu com a obra “A Fonte”, criada pelo pintor, escultor e poeta francês Marcel Duchamp (1887 1968).

Algum crítico de arte poderia se deparar com isso e apontar o indicador: “Quer dizer que isso aí é arte? Onde está a técnica, a beleza?”. Em resposta, é como se o urinol dissesse: “E o que é arte? Por que os artistas devem representar belamente o mundo, sem ele mesmo não é belo?"

Reprodução

Desde o iluminismo, os europeus colocaram na cabeça que a razão faria do mundo um lugar melhor para todos. Kant escreve um ensaio com meia dúzia de passos para as nações alcançarem a “paz perpétua”. Hegel, idealista, profetizou o “fim da história”, o alcance do estágio evolutivo máximo da sociedade. O positivismo foi além e anunciou que a ciência deveria ser a única forma verdadeira de conhecimento A modernidade, é lógico, seria o triunfo do homem sobre a natureza

Então vem a Primeira Guerra. A razão tornou a técnica tão técnica, que ficou humanamente vazia, voltando se contra a própria humanidade Todo o avanço tecnológico que, enfim, salvaria o homem, na verdade, o destrói. Diante desse desencanto, no início do século XX, artistas de vanguarda passaram a questionar as técnicas tradicionais que, de tão triviais que eram, levaram o mal, como diria Hannah Arendt, a cair na banalidade.

Ao mesmo tempo, surgiam novos meios de comunicação de massa, que mudariam para sempre a relação do público com as artes. Outra conhecida obra de Duchamp insere bigodes e cavanhaque na Mona Lisa de Leonardo da Vinci, mostrando que, mesmo artes ‘classicíssimas’, como a pintura renascentista, podiam agora ser simplesmente impressas, não mais apreciadas no Louvre, mas nas próprias mãos Com um rompimento à Reforma Protestante, o erudito se aproximava do popular.

Obra artística "A Fonte" (1917), de Marcel Duchamp
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“A obra de arte reproduzida” era “uma obra de arte criada para ser reproduzida”, como bem explica Walter Benjamin no livro “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (L&PM Editores, 2018).

Alguns artistas brasileiros estavam na Europa e tiveram contato com essas novas manifestações Em seu país, ainda demoraria para que revistas e outras mídias de massa estivessem com o grande público, mas sentiam que precisavam retumbar aqui as vozes da transformação

Quando voltaram, trouxeram consigo a pergunta do mictório e, com os pés no litoral, olhando para dentro, a refizeram: “O que é a arte brasileira?” Da efervescência das fumaças de lá para os ainda pequenos centros urbanos de cá, longe dos gritos da guerra, o Modernismo no Brasil se desenvolveu à sua própria maneira

Sua luta era contra o comodismo nacional. Era preciso, como diz o Manifesto Pau Brasil, “acertar o relógio” da arte, atrasado em relação ao mundo Deu certo? O tempo o diz Entre esses 100 anos, os diversos movimentos artísticos nacionais, em boa parte recheados de manifestações políticas, ainda ecoam o espírito modernista e revelam que seu rompimento com as formas tradicionais valeu a pena, para que o microfone da arte chegasse perto das vozes do povo

Não digo, com isso, que a Semana de 1922 não foi da elite. Até Mário de Andrade confessa, em Paulicéia Desvairada: “Sou passadista, confesso Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias avós que bebeu ” Porém digo, o que pode soar paradoxal, que, graças a seus esforços, hoje podemos reconhecer os artistas que não foram reconhecidos naquela época

QUE

O QUE É O
É ARTE? 07

A poesia concreta foi e é uma corrente de expressão poética, inspirada no concretismo. Criada por Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, em 1952, a revista livro Noigandres uma antologia poética publicada em cinco números foi responsável pelo pioneirismo do movimento no Brasil.

A u g u s t o d e C a m p o s R e v e r

A Semana de 22: como foi?

Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo foi palco para um evento artístico, considerado, globalmente, como um marco para a ascensão do Modernismo como movimento estético relevante: a Semana de Arte Moderna.

O local reuniu nomes que ficariam eternizados no imaginário sociocultural brasileiro A ideia do evento foi apresentar obras que mostrassem o valor da arte genuína brasileira, a partir de exposições, apresentações musicais e saraus literários

O evento contou com a presença de vários artistas, como os escritores Oswald de Andrade, Mário de Andrade e o artista plástico Di Cavalcanti, organizadores da semana

O compositor Heitor Villa Lobos, o escultor Victor Brecheret, os artistas plásticos Anita Malfatti e Vicente do Rego Monteiro e os arquitetos Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel são alguns dos artistas que também participaram.

Tarsila do Amaral, diferente do que se acredita, não esteve no evento Foi, no entanto, uma das principais artistas do Modernismo no Brasil, iniciando o Movimento Antropofágico nas Artes Plásticas

Apesar de sua marcante influência ao longo do tempo, a Semana de 22 não foi bem aceita pelo público da época.

Apresentações como a leitura do poema "Os sapos " , de Manuel Bandeira, e “Ode ao Burguês”, de Mário de Andrade foram vaiadas pelo público. Algumas das características das obras que desagradaram a plateia foram a forma livre, a linguagem coloquial, os conteúdos que ironizavam e satirizavam a literatura parnasiana, além da zombaria à burguesia paulistana, que, inclusive, financiou o evento

Fotomontagem/DRIFacens
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O recital de Villa Lobos também foi vaiado, em especial porque ele estava com chinelo em um dos pés durante a apresentação. A elite achou isso um absurdo, mas o que não se sabia é que o motivo de Villa Lobos ter usado chinelo foi por causa de um machucado: ele estava com um calo no pé

No último dia da exposição, o teatro já estava mais vazio Fontes históricas relatam que esse fato ocorreu porque o público não gostou das novas temáticas tratadas pelo Modernismo e rejeitou a ‘nova estética’ que surgiu na exposição, por ter sido algo que parecia romper com os padrões elitistas da época

Mesmo que, para o cenário posto, o evento não tivesse tanta importância, nos anos seguintes, a Semana de Arte Moderna passou a ser um marco do Modernismo no país e uma referência a novas proposições estéticas

Legados e Apagamentos

A Semana de Arte Moderna de 1922 é vista, como abordaremos em toda a edição da revista, como o início do Modernismo

Esse foi um momento de rupturas, que consequentemente modelaram o rumo da arte e da literatura no Brasil

Por um lado, é inegável constatar o evento como o marco zero desse processo. Não são poucos os especialistas que consagram essa percepção, tanto para o campo das Belas Artes como para a Literatura

Cartaz de divulgação da Semana de Arte Moderna no Jornal Correio Paulistano em 13 de fevereiro de 1922
Artistas e mecenas da Semana de 22
AcervoCamargo/Reprodução
Reprodução 10

Em outra perspectiva, Arthur Valle, professor do Departamento de Artes (DArt) da UFRRJ, explica que, desde os anos 80, a historiografia vem se debruçando sobre a Semana, numa tentativa de 'ressignificar' essa exposição através do que ele intitula “revisionismo histórico contundente”

"Entender os conflitos e disputas envolvendo a exposição, assim como desconstruí la criticamente, torna se necessário, mais do que nunca no centenário da Semana de Arte Moderna de 1922”, reflete o docente.

“E esse processo começa bem antes, uma vez que não somente a academia alçou olhares críticos à Semana, mas também um dos principais líderes e realizadores da exposição, Mário de Andrade, referiu se ao evento como um movimento acabado e o reconhece como um desvio de caminho passível de um recomeço”, explana Valle

Arthur lembra, inclusive, que, em 1945, a intelectualidade paulista, apoiada pelo Estado, iniciou uma mobilização para reafirmar a autonomia de São Paulo como uma nação à parte do resto do Brasil e capital cultural do país Com isso, inicia se, após a morte de Mário de Andrade, um processo de apagamento de todas as falas nas quais ele próprio sentenciava a Semana de 22 como “um equívoco”, esclarece

“Coincidentemente, a ditadura se instaura, enxerga essa visão insurgente e a considera cômoda, pois enaltece um evento nacional, permitindo que esse legado continue a ser disseminado no imaginário popular livre de qualquer censura”, revela o especialista

Reprodução

O legado da exposição estaria, portanto, para o docente, carregada das cicatrizes deixadas pelo elitismo intelectual paulista e pela intenção nacionalista da ditadura “O perigo envolvido nesse processo é o apagamento, já recorrente, dos vários modernismos que surgiram por todo o Brasil em função desse Modernismo Paulista compreendido pelo senso comum como o início, meio e fim do movimento”, finaliza Arthur.

A estudante e repórter Letícia Tagliamento preparou uma playlist dos principais podcasts sobre o tema no Spotify. Confira, direcionando o celular para o QR Code abaixo.

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Desgrafite

Augusto de Campos foi um dos criadores do movimento literário da Poesia Concreta Ele é poeta, ensaísta, tradutor e crítico de literatura e música brasileiro Siga o artista no instagram @poetamenos

Portrásdo grandeevento

Conheça René Thiollier, principal mecenas que viabilizou a drealização a Semana de 22,no Theatro Municipal de São Paulo

Com toda a instabilidade que uma nova proposta artística traz, a figura do mecenas assume o papel central para sustentar e favorecer produções dos artistas, profissionalizando a categoria do mecenato.

O Modernismo brasileiro trazia uma concepção ousada para o que havia de arte no Brasil, carregando muitas críticas. Mesmo assim, alguns empresários e produtores acreditaram no potencial desse movimento e atuaram por trás do evento, dando estofo para que acontecesse.

Na obra, “A Semana de Arte Moderna: depoimento inédito de 1922” (Editora Cupolo, 1953), René Thiollier, um dos produtores do evento, relata sua contribuição para a Semana como alguém muito além da figura de um simples patrocinador ou agitador cultural

Ele conta, no livro, que o alvará do teatro foi a ele cedido, em função de seu relacionamento amistoso com o então prefeito da cidade de São Paulo, Firmiano Pinto Conseguiu ainda com Washington Luiz Pereira de Souza, Presidente do Estado, que seu governo custeasse uma parte das despesas com a hospedagem dos artistas e escritores que vieram do Rio de Janeiro

A colaboração de René para o evento se estendeu também para a criação do comitê com os patrocinadores, cujos integrantes eram aristocratas, incluindo Paulo Prado, grande amigo do produtor.

Mal-entendido, amizades e negócios

A influência do advogado favoreceu o agendamento do Theatro Municipal de São Paulo, por três noites, e, ainda, o patrocínio financeiro do comitê. Neste período, o espaço era conhecido como um “templo cultural das oligarquias'' Também sediava eventos extras, isentos de alugueis, como no caso da Semana de 22 A filantropia e o mecenato eram uma forma de tamponar a ausência de políticas públicas destinada à cultura, nesse período de nossa história

O jornalista Jason Tércio, na obra “Em busca da alma brasileira: biografia de Mário de Andrade” (Estação Brasil, 2019), explica que existe um mal entendido a esse respeito, por conta da ampla divulgação do recibo, de 847 mil réis, em nome de René.

Reprodução:acervopessoal
O mecenas René de Thioller em sua casa
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O comprovante dado no ato do pagamento no Theatro Municipal, diferentemente do que se acreditava, correspondia às despesas de produção, e não ao aluguel do espaço. O mal entendido se manteve por conta de o recibo padrão de aluguel ter sido dado a René, sendo o restante preenchido a mão com o nome de “Semana de Arte Futurista”. Provavelmente, o aluguel seria maior para as três noites, e os 847 mil réis destinados à montagem de infraestrutura

A amizade de Paulo Prado e René Thiollier foi fundamental para que a Semana de Arte Moderna pudesse existir Isso porque René tinha desprezo e desinteresse pela arte moderna Jason explica que ele aceitou participar por amizade, ficando incumbido somente da gestão financeira, com poderes para arrecadar dinheiro, assinar recibos e efetuar pagamentos necessários

Em sua tese de doutorado, intitulada “Paulo Prado e a Semana de Arte Moderna: ensaios e correspondências” (Unesp, 2014), a pesquisadora Isabel Cristina Domingues

Aguiar explica que Paulo Prado tinha grande influência sobre René. Não só sobre ele, mas sobre o grupo de aristocratas que discutiam a arte, no cenário paulista. “A adesão de René à Semana de 22 teve colaboração do amigo Por Thiollier ser paulista, Prado convenceu o colunista social a aderir ao Modernismo por ser fruto da sociedade paulista, de seus artistas e de sua elite”, elucida Isabel, no trabalho

Trilhando o esquecimento

Segundo Valter César Pinheiro, professor da Universidade Federal de Sergipe, René Thiollier não era modernista, mesmo estando inserido nesse meio. “Thiollier era um peixe fora d'água. Registrou, em seus escritos, apenas o fato de ter sido o 'empresário' da Semana de 22, pois ele reconhecia seu lugar no grupo como uma espécie de 'contador', e era assim que era tratado pelos demais”, explica o pesquisador

O Theatro Municipal de SP local onde a Semana de 22 aconteceu
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Pinheiro também aponta que há pelo menos duas razões para o apagamento de Thiollier na história do Modernismo: seus escritos não eram tão relevantes, do ponto de vista estético, para a proposta do movimento e seu posicionamento político, embora anti getulista, era muito conservador

O Intelectual, junto a Mário de Andrade e Oswald de Andrade, foram os únicos a participarem dos dois eventos mais importantes do movimento modernista, a Semana de Artes Moderna em (1922) e a Viagem a Minas (1924). Thiollier também contribuiu com o movimento, a partir da promoção de encontros literários em seu casarão, para discussão do tema (trataremos disso, na próxima matéria) .

Apesar de ter sido o patrocinador e articulador logístico do evento, também, como escritor, publicou os livros Senhor dom Torres (1921), O homem da galeria (1927), A louca do Juquery: contos (1930), A Semana de Arte Moderna: depoimento inédito (1953) e Episódios de minha vida (1956)

Reprodução

Nascido em 29 de janeiro de 1886, o brasileiro, de ascendência francesa, foi advogado, cronista, colunista social, escreveu para o Diário Popular, Jornal do Commercio, Correio Paulistano, O Estado de S Paulo e a Revista do Brasil, além de ter sido fundador e diretor da Revista Academia Paulista, co fundador do Teatro Brasileiro de Comédia, sócio fundador da Sociedade Brasileira de Comédia, fundador do Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo e conselheiro do Liceu de Artes e Ofícios

Foi membro da Academia Paulistana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sócio efetivo da Sociedade de Geografia de Lisboa, membro de honra da Academia de Letras de Grenoble, Cavalheiro da Ordem Militar de Cristo e da Legião de Honra Recebeu a Medalha' Centenário do Nascimento do Barão do Rio Branco', 'Ordem ao Mérito Infante D Henrique' e a 'Medalha Língua Francesa' pela Academia Francesa. Morreu aos 82 anos, no dia 24 de outubro de 1968, em São Paulo

Almoço
realizado em março de 1924,
no Hotel Terminus, da esquerda para a direita, de cima para baixo: o jornalista italiano Francesco Pettinati, Flamínio Ferreira, René Thiollier; (abaixo) Manuel Bandeira, tuberculoso, segura um improvável cachimbo; Sampaio Vidal, que participaria da fundação do Partido Democrático; Paulo Prado, Graça Aranha, Manuel Villaboim, que trabalhava na Cia. Prado Chaves, cujo presidente era Paulo Prado; (abaixo) Couto de Barros, Mário de Andrade, Cândido Mota Filho, Gofredo da Silva Teles, genro de Olívia Penteado; (sentados) Rubens Borba de Moraes, Luís Aranha, Tácito de Almeida e, à frente, Oswald de Andrade
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Umacasademuitos‘brios’

Os 5,4 mil metros quadrados do “Casarão da Villa Fortunata”, pertencente à família Thiollier, foi palco para encontros dos intelectuais que teceram a Semana de 22

Se a aristocracia tinha por objetivo tornar a cidade de São Paulo a capital cultural, na década de 1920, não faziam ideia que a Avenida Paulista abrigaria um espaço que seria o ‘sismo’ para além do Modernismo

Situada à esquina com a Alameda Ministro Rocha Azevedo, a Villa Fortunata, mansão de René Thiollier por 55 anos, também foi lar para o paisagista Burle Marx e cenário para encontros intelectuais promovidos pelo mecenas da Semana de 22.

O casarão, projetado pelo arquiteto Augusto Freid, era conhecido por ser longe do centro da cidade, considerado até como ‘casa de campo’ da família.

A mudança para a Europa da família Thiollier, para tratamento de saúde do pai de René, fez o espaço ser coincidentemente alugado pela família Burle Marx, entre 1909 e 1912, período em que nasceu, no casarão, o multiartista e paisagista Roberto Burle Marx, quarto descendente da família

Reprodução:acervo O casarão da família Thioller, cenário de muitos encontros da nata intelectual modernista
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O falecimento do pai de René e a falência dos Burle Marx favoreceu o regresso da família Thiollier para o casarão. Em 1920, nasceu a artista plástica Maria Nazareth, filha de René com Sylvia Teixeira de Carvalho

A mansão paulistana, nesse período, passou, então, a ser sede de saraus e jantares promovidos por René. Os encontros intelectuais eram formados por artistas referência do Modernismo, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia e Monteiro Lobato. Foi nesse casarão, inclusive, que foram planejados todos os detalhes da Semana de 22

Foi ainda nessa casa que intelectuais decidiram participar na Revolução Constitucionalista de 1932 e promover reuniões para a fundação do Teatro Brasileiro de Comédia

Poucos anos após a morte de René Thiollier (1968), a família decidiu pela venda do casarão que veio a ser demolido quatro anos mais tarde, em 1972. Sua área de Mata Atlântica remanescente foi preservada, por imposição de escritura pública por parte de

seus filhos, sendo um importante marco da preservação ambiental O terreno ainda pertenceu ao extinto banco Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro). Em 1992, foi tombado pelo Conpresp, por conta justamente da imensa área verde

Desde 2008, a Villa Fortunata dá nome ao atual Parque Mario Covas, criado através do Decreto nº 49 418, pelo prefeito à época Gilberto Kassab A escolha polêmica pelo nome do ex governador foi criticada por artistas e familiares. Um dos últimos feitos de Nazareth foi brigar para que o nome do Parque fosse alterado e levasse o nome de seu pai

Na época, Eliseu Gabriel, vereador, apresentou o Projeto de Lei 434/2008 para a mudança do nome do Parque em homenagem ao paulistano que viveu por 55 anos no local até sua morte

Além disso, o lar do principal responsável pelas relações públicas da Semana de Artes Modernas foi a casa de seu pai e dono da primeira livraria da cidade, Alexandre Thiollier, a charmosa Casa Garroux.

O casarão da família foi demolido e integra, hoje, o Parque Mário Covas (SP) Reprodução:acervo
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As Vanguardas Europeias

Princípio de inspiração do que estaria por vir

Impressionismo e Pós-impressionismo

As Vanguardas Europeias surgiram no século XX e foram manifestações artísticas que revolucionaram a arte e cultura, em um mundo que havia acabado de passar pela segunda Revolução Industrial e se encontrava submerso na Primeira Guerra Mundial (1914 1918) Representavam a inovação, o rompimento com a estética das artes anteriores, com influência direta no movimento modernista brasileiro.

O Impressionismo é considerado um movimento artístico anterior, circunscrito ao século XIX, mas muito importante para provocar reverberações aos estilos que consagrariam as vanguardas europeias. Nesse período, no contexto francês, o impressionismo trouxe uma veia artística, pautada pela transição da chamada “Belle Époque”, caudatária de ideais que prezavam pela paz entre as nações e o otimismo entre as pessoas. A ideia dos artistas, a priori , era produzir suas pinturas ao ar livre com o intuito de captar tonalidades e detalhes que só eram perceptíveis sob iluminação solar. Outras características são as figuras muito bem contornadas e com extrema nitidez, sombras luminosas e mistura de cores das tintas diretamente na tela. A musa inspiradora do impressionismo era a

Obra 'Le Déjeuner des canotiers Pierre Auguste' (Renoir, 1881)
Reprodução:acervo 19

natureza As pinceladas soltas sobre as telas também davam o caráter do traço na pintura

Os artistas, ligados a esse movimento, eram tidos como “realistas” Nesse sentido, repudiavam objetos e idolatravam a natureza, paisagens, temas cotidianos e pessoas comuns.

Nesse contexto europeu, representam essa escola artistas consagrados como Édouard Manet (1832 1883), Alfred Sisley (1839 1899), Camille Pissarro (1830 1903), Edgar Degas (1834 1917), Auguste Renoir (1841 1919) e Claude Monet (1840 1926) No campo feminino, destacam se artistas como Berthe Morisot (1841 1895), Mary Cassatt (1844 1926), Eva Gonzalès (1849 1883) e Lilla Cabot Perry (1848 1933).

No Brasil, a tendência instaura se com o italiano Eliseu Visconti (1866 1944), logo após com os trabalhos de Almeida Júnior (1850 1899), Anita Malfatti (1889 1964), Georgina de Albuquerque (1885 1962) e João Timóteo da Costa (1879 1932) A corrente impressionista foi de extrema importância não apenas por seu caráter único, mas também serviu de grande influência para as vanguardas europeias posteriormente

Já a alcunha de pós impressionismo foi dada à produção de artistas, ainda em contexto francês, na passagem do século XIX para o XX. Tinham em comum a valorização dos aspectos subjetivos e humanos da expressão, as emoções e o sentimentalismo Estariam como características essenciais, dessa corrente, a liberdade cromática, a valorização da luz e da textura, a técnica pontilhista e a bidimensionalidade em detrimento da perspectiva. Paul Cézanne (1839 1906), Paul

Gauguin (1848 1903), Georges Pierre Seurat (1859 1891), Henri de Toulouse Lautrec (1864 1901) e Vincent van Gogh (1853 1890) representam essa corrente

Expressionismo

Surgido oficialmente em 1905, em Dresden, na Alemanha, o movimento se estabelece com bases no Impressionismo, recebendo influência também do Simbolismo e do Romantismo alemão.

O nome “Expressionismo” está ligado ao caráter extremamente subjetivo, irracional, pessimista e trágico, desenvolvido nas obras de seus artistas representantes, com ênfase na deformação da realidade (técnica da “distorção linear”), para expressar, de forma subjetiva, a natureza e o ser humano, dando primazia à expressão de sentimentos em relação à simples descrição objetiva da realidade Nesse sentido, pautava se, inicialmente, na “arte primitiva” e na produção de gravuras. Os expressionistas tinham em comum a ideia de que a arte não poderia seguir apenas uma “representação mimética” da realidade

Obra “The Bedroom” (1888), Van Gogh Reprodução:acervo 20

Apesar de não ser uma escola homogênea, seu maior caudatário (inspirador) é o conhecidíssimo pintor pós impressionista holandês Van Gogh (1853 1890), já citado Também a obra “O Grito” (1893), de Edvard Munch, revela forte fonte de inspiração à escola. Mais à frente, nomes como Fritz Bleyl, Erich Heckel, Ernst Ludwing Kirchner, Karl Schmidt Rottluff, Max Pechstein, Emil Nolde e Otto Mueller representariam essa corrente. Esse estilo chega no Brasil no começo dos anos 1900, tendo como seus principais artistas Lasar Segall, Anita Malfatti e Cândido Portinari.

Fauvismo

O fauvismo (“fauves” vem de “feras”) é um movimento francês que teve início, em 1901, mas somente em 1905 ganhou o título de movimento artístico, depois de uma exposição realizada no Salão de Outono, em

Paris Foi uma escola considerada livre e espontânea, que não se preocupava com os aspectos técnicos. Eram utilizadas, na corrente, cores fortes, formas simplificadas e os artistas não se prendiam à preocupação de representação fiel da realidade Henri Matisse (1869 1954), seu maior expoente, caracterizava, na obra "Notes d'un Peintre" (ano) o “fauvismo” como a arte que prezaria pelo equilíbrio, pela pureza e pela serenidade, com nenhuma ênfase em temas perturbadores ou deprimentes.

O fauvismo, no Brasil, não teve uma grande adesão entre os artistas no período de seu desenvolvimento na Europa, mas exerceu influências nas produções de Arthur Timótheo da Costa, Mário Navarro da Costa e Inimá de Paula

Obra "Woman with a Hat” (1905) Obra “O grito” (1893), Edvard Munch Reprodução:acervo Reprodução:acervo
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Dadaísmo Futurismo

O movimento Dadaísta foi criado em 1916, em Zurique, por jovens escritores franceses e alemães que saíram de seus países, fugindo da Primeira Guerra. Valorizava a irracionalidade e o afastamento com a estética artística padrão, com o lema “a destruição também é criação" . Para fugir da tradição, usavam técnicas novas, como colagem e fotografia: para eles, qualquer coisa poderia ser arte

O nome foi dado por Hugo Ball e Tristan Tzara, expoentes do movimento. Vem da palavra francesa “dada” que significa “cavalo de madeira”, escolhida por não fazer sentido, assim como a arte da época, considerada perdida por conta da guerra. É tido como um dos movimentos propulsores dos ideais surrealistas, por seu caráter ilógico, anti racionalista e de protesto

No Brasil, Mário de Andrade e Manuel Bandeira foram alguns dos escritores influenciados pela corrente

O Futurismo nasceu em 1909, na Itália, sendo o pioneiro a difundi lo o poeta Filippo Marinetti. O movimento se caracteriza como um culto ao novo, seja pelas tecnologias e inovações da época, pela “destruição do passado”, ou pelo que era designado como “ultrapassado”. Tinham como referência o culto à “velocidade”, às invenções. A escola foi capaz de abranger vários campos artísticos, como a música, a literatura, a escultura e a arquitetura Especialistas explicam que essa corrente também “antecipou” a estética da art déco.

São características marcantes do futurismo, ainda, a valorização do movimento na expressão artística, a publicação de um grande número de manifestos (no contexto de guerra); o culto á violência, por conta dos ideais fascistas; a predominância de cores contrastantes no traço; a presença de onomatopeias e da segmentação na poesia. Também destaca se uma certa “abolição” do lirismo subjetivo e o destaque a símbolos geométricos e musicais

Tal tendência é qualificada como a “mais agressiva de todas as vanguardas”, justamente por conta da relação com o movimento fascista, em seu país de origem (Itália) A influência futurista no Brasil ocorreu principalmente em São Paulo com Oswald de Andrade e Anita Malfatti. Alguns ideais foram bem aceito pelos modernistas, pois a rejeição ao passado, bem como o culto do futuro, propulsionaram as ideias modernistas.

Reprodução:acervo
Obra “The Art Critic” (1919) 22

Cubismo

O Cubismo começou na França, em 1907, com a obra“Les Demoiselles d’Avigon”, de Pablo Picasso (1881 1973), principal nome do movimento.

A principal característica do movimento era o uso das formas geométricas nas expressões artísticas, como cubos e esferas.

Além do geometrismo, são traços componenciais, dessa escola: o antitradicionalismo (por buscar romper com os conceitos de harmonia, proporção, beleza e perspectiva); a fragmentação das formas e distorção da realidade; a oposição à ideia de arte como

imitação da natureza; a apresentação de relações e formas não acabadas e a valorização dos diferentes pontos de vista pelos quais um objeto pode ser visto

Seus principais ícones, na pintura, são os artistas plásticos Pablo Picasso (1881 1973) e Georges Braque (1882 1963) Pablo Gargallo (1881 1934) e Raymond Duchamp Villon (1876 1916), na escultura Ígor Stravinsky (1882 1917), na música.

Ganhou força no Brasil depois da Semana de 1922 Notam se referências dessa escola em obras de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari e Lasar Segall.

O b r a “ M u l h e r C h o r a n d o ” ( 1 9 3 7 ) , P a b l o P i c a s s o
Obra “Harlequim” (1918), Pablo Picasso Reprodução:acervo Reprodução:acervo
Reprodução:acervo 23

Surrealismo

De origem francesa, o Surrealismo teve seu início em 1924, com o “Manifesto Surrealista”, escrito pelo artista André Breton (1896 1966). Teve desdobramentos na literatura, nas artes visuais, no cinema, no teatro e na filosofia

Com inspiração nos princípios freudianos e psicanalíticos, a expressão artística, nesse movimento, baseava se na ideia de que o homem devia sair do ‘mundo real’ e entrar no ‘mundo dos sonhos’, através de uma realidade alternativa. A base de expressão seria, assim, a "criação de cenas irreais”, o “pensamento livre”, a “valorização do inconsciente” e a “criação de realidades paralelas”.

O surreal seria, nesse contexto, aquilo que estaria para além do real, que é mais que o real porque transcende a compreensão racional e relaciona se com a mente inconsciente, com o imaginário e o absurdo.

O estilo também teve suas influências em âmbito brasileiro com o escritor Oswald de Andrade e os artistas plásticos Tarsila do Amaral, Ismael Nery e Cícero Dias sendo os principais.

A maior expressão da estética surrealista no século XX, no entanto, foi o pintor e escultor espanhol Salvador Dalí (1904 1989). Destaca se também o trabalho de Joan Miró (1893 1983) e René Magritte (1898 1969).

Obra “Paisagem catalã, o caçador” (1923), Joan Miró Obra “A persistência da memória" (1931), Salvador Dali Obra “Os Amantes” (1928), René Magritte Reprodução:acervo Reprodução:acervo Reprodução:acervo
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A poesia concreta foi oficializada no Brasil em 1956, através da realização da Exposição Nacional de Arte Concreta, ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo

A u g u s t o d e C a m p o s G r a v i d e z V e r b i v o c o v i s u a l / O v o N o v e l o

Literatura

Literatura e Modernismo

Para o campo da literatura, a Semana de Arte Moderna foi amplamente significativa, um divisor de águas. O evento trouxe novas referências que ajudariam a romper com a literatura clássica e implantar uma nova corrente literária no Brasil: o já citado Modernismo. Além de dar início a uma nova forma de produzir obras literárias, a Semana de 22 influenciou, ainda, a ascensão de novos movimentos estético temáticos, como o “Movimento Pau Brasil”, o "Movimento Verde Amarelo" e o "Movimento Antropofágico"

No que diz respeito à seara literária, Graça Aranha iniciou a Semana ao recitar o texto da conferência “A emoção estética da Arte Moderna” No segundo dia, Ronaldo de Carvalho recitou o poema “Os Sapos” de Manuel Bandeira Além deles, outros artistas e textos tiveram destaque posteriormente, como Mário de Andrade, com "Paulicéia Desvairada" e "Macunaíma” Oswald de Andrade com o "Manifesto Pau Brasil" e Menotti Del Picchia, com "Juca Mulato"

O professor Marcos Pasche, docente de literatura brasileira do curso de Letras (DLC/ UFRRJ), entende que o Modernismo seja um estilo transgressor "Sua investida principal se dá como corrosão do tradicionalismo representado pelo Parnasianismo, mas que não se verificava apenas nele", explicita

O
escritor
Oswald de Andrade (1920) Reprodução:acervo
R e p r o d u ç ã o : a c e r v o 27

O especialista argumenta que o novo movimento que floresceu na literatura trazia um novo ideal estético que buscava romper com os princípios do parnasianismo, que estava em vigor até então Para esse novo contexto de expressão escrita, nem a estética, as rimas ou a linguagem formal ficariam em evidência. Na nova escola literária, as preocupações com forma e conteúdo são renovadas e, assim, os artistas passam a ter mais liberdade em relação ao formato dos textos

Sobre o rompimento com o parnasianismo, Pasche defende que a iniciativa modernista significou "exercitar formas poéticas sem o imperativo de normas consagradas pela convenção, além de um interesse vigoroso pela diversidade popular do Brasil", declarou.

O foco das obras estaria, portanto, na temática da brasilidade Passam a ter expressão, no campo literário, temas nacionalistas como o folclore brasileiro e tradições regionais, com o intuito de dar mais visibilidade a personagens e histórias do Brasil profundo. Muitos são os escritores que vão expressar nacionalismo, brasilidade e personagens típicos da diversidade cultural brasileira

Para a professora de literatura brasileira do curso de Letras (DLC/ UFRRJ), Regina Lúcia de Faria, as lições modernistas são inúmeras.

“Se, no romantismo, as afirmações particularistas acabavam por provocar certo constrangimento, resolvido através ou da idealização (índio europeizado), ou do artificialismo acadêmico (paisagem amaneirada), ou ainda através do recalque (o mulato, o negro ignorados), o Modernismo representou uma ruptura com esse estado de coisas, pois nossas supostas ou reais deficiências passam a ser reinterpretadas positivamente”, ressalta a especialista

Para a docente, ainda é possível dizer que a diversidade étnica passa a ser incorporada como tema de inspiração nesse contexto

“Nossa rudeza, o nosso primitivismo, tornam se fonte de beleza e não um empecilho para a elaboração de nossa cultura na literatura, na pintura, na música, enfim nas nas diferentes produções artísticas

O Modernismo representou uma ruptura com esse estado de coisas, pois nossas supostas ou reais deficiências passam a ser reinterpretadas positivamente.
Publicada em 1922, a antologia de contos "Pauliceia desvairada" foi a primeira obra de vanguarda do movimento modernista
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(por exemplo, as telas de Tarsila do Amaral, tais com Abaporu, A negra)”, reflete.

O professor Marcos Pasche acrescenta, a essa perspectiva, o entendimento de que " a maior importância do Modernismo se verifica em seu legado". Para ele, " suas propostas e obras mais representativas mostraram que a arte e a vida são mais variadas e pulsantes do que os padrões que pretendem reduzi las a ideais de beleza e de verdade", comenta

Tarsila do Amaral e sua pintura "A Negra"

Nossa rudeza, o nosso primitivismo, tornam se fonte de beleza e não um empecilho para a elaboração de nossa cultura na literatura, na pintura, na música, enfim nas nas diferentes produções artística.

R e p r o d u ç ã o : a c e r v o
Reprodução:acervo 29

Diálogo vivo

Sobre o pensamento modernista na atualidade, Regina acredita que, no Brasil, “quem se vir inclinado a criar artisticamente não pode deixar de considerar a produção daquele momento. Podemos dizer que há um diálogo vivo entre escritores contemporâneos e os mestres do passado recente ou remoto”, comenta entusiasmada.

A docente ainda entende que o Modernismo e a Semana de 22 representarão uma “reviravolta valorativa no modo de visualizarmos o Brasil, na medida em que neutraliza o mal estar das experiências colonial e escravocrata”, esclarece.

As fases do Modernismo na literatura brasileira

Podemos dizer que o movimento modernista foi dividido em três fases diferentes. O professor Marcos Pasche explica que, num primeiro momento, tratou se de um movimento duradouro e complexo, com nuances variadas e contradições internas. "Essa divisão em três partes corresponde à atitude literária que revelou grande força em determinados períodos", aponta

Pasche explica que, além da produção literária da época, o recurso didático do ensino da literatura também é um fator na divisão das fases "Sem considerar isso, pode se pensar que essas fases foram marcadas por homogeneidade, como se em cada período as obras literárias tenham sido escritas com semelhança de propósito e de estilo, o que não se confirma se examinar o Modernismo detalhadamente", declara

A primeira fase modernista aconteceu entre 1922 e 1930 e foi apelidada de "Fase Heroica" Esse momento traz novidades e inovações

literárias, rompendo com os padrões estéticos anteriores O professor caracteriza o primeiro período como "referido pela postura fortemente transgressora, necessária como demarcação de diferenças em relação a um certo tradicionalismo artístico"

Já a segunda fase, ou Geração de 30, ocorreu entre 1930 e 1945 Pasche defende que esse seria um período de "expansão expressiva, sem que a forma artística se restringisse à rebeldia estridente e reflexiva, quando o olhar sobre a realidade extrapolou os contornos brasileiros e se projetou também sobre acontecimentos internacionais"

Por fim, Marcos define a terceira fase modernista como "aquela em que a experimentação da forma literária atingiu um momento de ápice, tanto na poesia quanto na prosa " , isso porque esse período traz na literatura uma pluralidade de formas e de configuração linguística Um fato interessante sobre a "Geração de 45" é que esse período não tem uma data final definitiva. Especialistas concordam que ela iniciou em 1945, mas muito se discute sobre quanto tempo durou

A irreverente escritora Clarice Lispector, símbolo da Terceira Fase do Modernismo
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Há, ainda, uma discussão sobre a existência ou não de um pós modernismo O professor Marcos explica que essa questão se dá porque os estudiosos da literatura brasileira se dividem em dois grupos. Um grupo acredita que há um esvaziamento do movimento, na medida em que suas tentativas transgressoras se coadunam com tendências de mercado. O outro grupo vê o pós modernismo como um aprofundamento das realizações modernistas, seguindo o propósito de fazer arte pela perspectiva de renovação. "A meu ver, a própria controvérsia já comprova a sua existência", declarou o professor

O professor Mário Newman, também do curso de Letras (DLC/ UFRRJ), traz um novo ponto de vista sobre essa questão. Mário mostra que grandes nomes da literatura, de matriz 'uspiana' (da USP SP), produziram uma espécie de Modernismo que não tem fim "Eles analisam toda a literatura brasileira a partir desse olhar modernista de 22", comenta

Newman também aponta que, em diversos livros de grande importância no ambiente literário, fica evidente a "centralidade que eles atribuem a esse Modernismo sem fim".

Para o professor, ao tratar o Modernismo como uma continuidade, o grupo 'uspiano' conseguiu manter uma hegemonia paulistana sobre a literatura brasileira.

"Ainda que você seja um Drummond ou um Guimarães Rosa, você será visto sobre essa ótica generosa paulistana modernista", ponderou.

Ainda que você seja um Drummond ou um Guimarães Rosa, você será visto sobre essa ótica generosa paulistana modernista.

Enquanto alguns escritores têm a ideia de que o Modernismo é contínuo e inacabável, Mário acredita que o Modernismo acaba naquela que chamamos de primeira fase. "Aquele movimento modernista de 22 acaba em 30 Nessa época, os romances, em sua maioria, são muito mais próximos dos tipos realistas de Raul Pompéia e Aluísio Azevedo do que qualquer outra coisa. É uma literatura muito distante do que Antônio Cândido chama de ' prosa modelar do Modernismo', que é o Macunaíma", reflete

O escritor Guimarães Rosa, criador de um campo vocabular próprio em suas obras
Reprodução:acervopessoal
É uma literatura muito distante do que Antônio Cândido chama de 'prosa modelar do Modernismo', que é o Macunaíma.
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Movimento Pau-Brasil", VerdeAmarelismo'' e "Antropofágico"

Além de influenciar na consagração de uma nova escola literária, a Semana de Arte Moderna também ajudou a dar cabo a outros movimentos, como o "Movimento Pau Brasil", o "Movimento Verde Amarelismo'' e o "Movimento Antropofágico".

O primeiro, nomeado “Movimento Pau Brasil”, teve início em 1924, com a publicação do livro “Pau Brasil”, de Oswald de Andrade, com ilustração de Tarsila do Amaral Esse movimento queria exportar e tornar conhecida a literatura brasileira, assim como o Pau Brasil foi o primeiro material do país a ser exportado, em tempos de colonização portuguesa. O movimento é caracterizado por expor temas brasileiros em suas obras como o resgate da história brasileira, descrevendo a natureza, a originalidade, a valorização da identidade nacional e a crítica ao academicismo

"(...) A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.

Não há luta na terra de vocações acadêmicas Há só fardas Os futuristas e os outros Uma única luta a luta pelo caminho Dividamos: Poesia de importação E a Poesia Pau Brasil, de exportação ( )"

Já o “Movimento Verde Amarelismo” teve como norte a criação de uma arte autenticamente brasileira, ao usar símbolos como o ‘índio tupi' e a ‘anta’ para representar o Brasil Esse movimento veio para contrapor o Movimento Pau Brasil, pois era contra a ideia da arte brasileira ser produzida para o exterior. Assim, a principal característica desse movimento foi a exaltação do Brasil e sua territorialidade

Trecho de Manifesto da Poesia Pau Brasil (1924), de Oswald de Andrade
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O movimento, entretanto, beirou o radicalismo e, ao rejeitar toda e qualquer influência estrangeira, acabou se tornando um movimento xenofóbico Tempos depois de seu surgimento, o movimento mudou o nome para "Escola da Anta", buscando deixar de lado a fama de movimento xenofóbico., mas, ao mesmo tempo, negando influências exteriores. Os principais representantes desse movimento foram Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo

"O grupo “Verde Amarelo”, cuja regra é a liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder; cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da própria determinação instintiva; o grupo Verde Amarelo, à tirania das sistematizações ideológicas, responde com a sua alforria e a amplitude sem obstáculo de sua ação brasileira Nosso nacionalismo é de afirmação, de colaboração coletiva, de igualdade dos povos e das raças, de liberdade do pensamento, de crença na predestinação do Brasil na humanidade, de fé em nosso valor de construção nacional.

Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que fazemos a inevitável renovação do Brasil, como o fez, através de quatro séculos, a alma da nossa gente, através de todas as expressões históricas

Trecho de Manifesto Nhengaçu verde amarelo (1929), assinado pelo grupo da Anta

O “Movimento Antropófago” ou “Movimento Antropofágico” é o terceiro dos movimentos modernistas e veio em oposição ao Verde Amarelismo Esse movimento foi inspirado pela obra "O Abaporu" de Tarsila do Amaral e foi iniciado por Oswald de Andrade em 1928, com a obra "Manifesto Antropófago". O movimento buscava usar influências estrangeiras como inspiração para aprimorar as obras brasileiras, juntando influências nacionais e internacionais para resultar na criação de uma arte totalmente original e genuinamente nacional

"Só a Antropofagia nos une Socialmente Economicamente Filosoficamente Única lei do mundo Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos De todas as religiões De todos os tratados de paz Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago."

Trecho de Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade.

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Curadoria Literária

Semanade22 empoema

"E

u insulto o Burguês”. Assim começa o poema de Mário de Andrade, contido no livro “Paulicéia Desvairada” Durante a declamação do poema, no evento da Semana de 22, Mário foi vaiado pelo público, justamente pelo conteúdo vanguardista da obra e por ridicularizar o burguês: grande parte do público presente e financiador do evento “O fato de a plateia financiar a Semana não era impeditivo algum para quem tinha na ironia sua força artística expressiva”, elucida Marcelo Amaral Coelho, professor do Departamento de Artes (DArt) da UFRRJ, e graduado em Letras (Português/Literatura)

A intenção do escritor era romper com os costumes tradicionais e estabelecer novos valores Para isso, fez uso de neologismos, do recurso da ambiguidade, da estrutura do manifesto (como gênero textual), da contraposição, além de uma forte crítica, como dissemos, à burguesia como classe opressora Isso mostrava que Mário, de fato, era um debochado

O escritor foi um dos idealizadores da Semana, e, além desse poema, foi o autor de grandes clássicos literários, como “Macunaíma”, “ Clã do Jabuti” e “ Amar, verbo intransitivo”.

Ode ao BurguêsMário de Andrade

O fato de a plateia financiar a Semana não era impeditivo algum para quem tinha na ironia sua força artística expressiva.

"

Eu insulto o burguês! O burguês níque!

o burguês burguês!

A digestão bem feita de São Paulo!

O homem curva! O homem nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro, italiano

é sempre um cauteloso pouco a pouco! (...)

Morte à gordura!

Morte às adiposidades cerebrais!

Morte ao burguês mensal!

Ao burguês cinema! Ao burguês tiburi!

Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!

Ai, filha, que te darei pelos teus anos?

Um colar Conto e quinhentos!!!

Más nós morremos de fome!"

Nathália de Almeida Mário de Andrade foi crítico literário, musicólogo, folclorista e ativista cultural brasileiro Reprodução:acervopessoal
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Os SaposManuel Bandeira

Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos A luz os deslumbra

Em ronco que aterra, Berra o sapo boi: "Meu pai foi à guerra!" "Não foi!" "Foi!" "Não foi!".

O sapo tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: "Meu cancioneiro É bem martelado.

Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos.

O meu verso é bom Frumento sem joio Faço rimas com Consoantes de apoio.

O meu verso é bom Frumento sem joio Faço rimas com Consoantes de apoio

Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma

rra o sapo boi:

"Meu pai foi real!" "Foi!"

"Não foi!" "Foi!" "Não foi!".

Branda em um assomo

O sapo tanoeiro: A grande arte é como Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo."

Manuel Bandeira é o autor do poema “ "Os Sapos”, apresentado no segundo dia da Semana de 22. A obra satiriza a estética e temas do movimento parnasiano O autor também foi extremamente vaiado pelo público Os versos são compostos de ironia, paródia, metalinguagem e metáforas para tecer críticas à preocupação excessiva dos parnasianos com a formalidade e o academicismo da linguagem usada nessa escola literária. “Ao invés de vestir a ideia com estilo, linguagem e forma, os modernistas pareciam pretender desnudar a realidade em busca de um Brasil visto por brasileiros”, esclarece Marcelo O professor também explica que, de modo evidente, o poema utiliza se do recurso da

Outros, sapos pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas, "Sei!" "Não sabe!" "Sabe!"

Longe dessa grita, Lá onde onde mais densa

A noite infinita

Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é

Que soluças tu, Transido de frio Sapo cururu Da beira do rio

“antropomorfização do sapo”, ou seja, da possibilidade de dar "características humanas” ao sapo, como um recurso estilístico na escrita

Ao invés de vestir a ideia com estilo, linguagem e forma, os modernistas pareciam pretender desnudar a realidade em busca de um Brasil visto por brasileiros.

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A obra foi tão inovadora que Mário de Andrade se referiu ao poema como “um clarim de era nova”, através de cartas trocadas entre ele e Manuel Bandeira também é o autor de grandes sucessos, como o livro de poemas “Carnaval” e do poema “Vou me Embora pra Pásargada”

Manuel Bandeira em Vou-me embora pra Pasárgada

Vou me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho uma mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou me embora pra Pasárgada

Vou me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive

E como farei ginástica Andarei de bicicleta Manterei em burro brabo Subirei no pau de sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado

Deito na beira do rio Mando chamar a mãe d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo É outra civilização

Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar Lá sou amigo do rei Terei a mulher que quero Na cama que escolherei Vou me embora pra Pasárgada

O escritor Manuel Bandeira, um dos ícone da Primeira Fase do Modernismo
Reprodução:acervo 36

Menotti Del Picchia, um “futurista endiabrado”, criador do movimento verde-amarelo

MPor João Vitor Carvalho de Freitas enotti Del Picchia (1892 1988) foi um dos articuladores, ativistas e colaboradores da Semana de Arte Moderna de 22 e, posteriormente, do movimento modernista Ficou conhecido socialmente por atuar como poeta, romancista, ensaísta, cronista, jornalista, advogado e político brasileiro.

O jornalismo foi ofício herdado do pai Mas formou se mesmo em Direito Como escritor, estreou na literatura com o livro “Poemas do Vício e da Virtude” (1913). Sua obra mais famosa foi o poema “Juca Mulato” (1917), que se popularizou por todo o Brasil Juca é uma obra de caráter nacionalista, já que retrata o amor de um jovem caboclo, um tipo pacato, pela filha da patroa, dando ênfase à questão da diferença racial e social. A partir dessas características, Menotti já passa a ser considerado modernista

Atuou como redator do Correio Paulistano e pôs a sua coluna à disposição dos interesses da Semana de 22, o que fez com que o periódico fosse um dos poucos a demonstrar, de fato, apoio por escrito ao

evento, já que a elite e os outros veículos de comunicação da época consideravam os vanguardistas como “futuristas endiabrados”

Dois anos após a Semana de 22, Menotti criou, junto com Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e Guilherme de Almeida, o "Movimento Verde Amarelo", como reação ao tipo de nacionalismo defendido por Oswald de Andrade. A ideia do movimento, como já apontado nessa publicação (ver pp 32 33), era romper radicalmente com toda herança cultural europeia O grupo publicou o manifesto “Nhengaçu Verde Amarelo”, que defendia a integração étnico cultural, sob o domínio da colonização portuguesa, o nacionalismo e o predomínio das instituições conservadoras

Reprodução:acervo 37

Depois de 55 anos da Semana de Arte Moderna, Menotti Del Picchia comentou sobre a manifestação que veio posteriormente ao evento que marcou a nova estética literária. Em uma entrevista à TV Cultura, o poeta declarou: “A Semana de Arte Moderna não criou uma escola com regras, não impôs uma técnica, não formulou um código. Mas formou uma consciência, um movimento libertador a integrar nosso pensamento e nossa arte em nossa paisagem, no espírito de nossa autêntica brasilidade ”

Menotti foi eleito Deputado Estadual por duas legislaturas seguidas, entre 1926 e 1930, pelo Partido Republicano Paulista (PRP) Apesar de ter sido um democrata da direita, foi nomeado Diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) durante a Ditadura da Era Vargas Após a ditadura, Del Picchia foi eleito Deputado Federal por três mandatos seguidos, entre 1951 e 1963, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) teve 12 projetos de lei, sendo três transformados em normas jurídicas

Em 1960, quando Menotti ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia como 'Personalidade Literária do Ano', ele dedicou a premiação aos seus companheiros da Semana de 22, que foram responsáveis pela mudança estética estabelecida pela arte modernista Del Picchia faleceu em São Paulo aos 96 anos, no dia 23 de agosto de 1988. Seu corpo foi velado na Academia Paulista de Letras, da qual era membro Em sua homenagem, foram fundados na cidade de Itapira: o Parque Juca Mulato e a Casa Menotti Del Picchia, instituição responsável pela manutenção e preservação do seu acervo.

Reprodução:acervo

Menotti Del Picchia, poeta, romancista, ensaísta, cronista, jornalista, advogado e político brasileiro

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Confira a quarta edição da revista Noigandres, publicada pelo acervo Lygia Clark.

O infinito dos seus olhos

Décio Pignatari (1927 2012) foi poeta, ensaísta, tradutor, professor e teórico da comunicação brasileiro Um dos pioneiros da poesia concreta no Brasil, também sendo parte da fundação da revista “Noigandres,” em 1952 Os primeiros poemas do autor, antes fazer parte do movimento concretista nacional, foram publicados na “Revista Brasileira de Poesia,” em 1949, sendo eles “Noviciado” e “Unha e Carne ” Siga a página em homenagem a Pignatari no Intsagram @deciopignatari

Arquitetura

Arquitetura

A Semana de 22 em maquetes, plantas e projetos

Por Leandro Costa e Maria Júlia Goulart

Aarquitetura também teve um pouco de espaço na Semana de Arte Moderna, embora não tenha sido tão evidenciada quanto a literatura e a pintura, por exemplo O espanhol Antonio Garcia Moya e o polonês Georg Przyrembel marcaram presença no evento com suas maquetes e croquis. No entanto, especialistas atestam que a presença de obras arquitetônicas no evento não trouxe realizações marcantes para o movimento modernista no Brasil.

O espanhol Antonio Garcia Moya apresentou dezoito projetos distintos, entre eles “Monumento”, também denominado de “Templo”. Já o polonês Georg Przyrembel apresentou um único projeto intitulado de “Taperinha”. A obra foi exposta em local de destaque, no meio do saguão do Teatro Municipal de São Paulo, e consistia em uma maquete e alguns desenhos de uma casa de

veraneio para a própria família de Przyrembel em Ilha Grande, no litoral paulista

Moya era um habilidoso desenhista que trabalhava no escritório do arquiteto Georg Krug, tio de Anita Malfatti Na época do evento, tinha 31 anos e não era formado em arquitetura, graduação que obteve apenas em 1933, na extinta Escola de Belas Artes paulistana Os desenhos que apresentou estavam mais próximos de esboços do que de projetos de arquitetura e nenhum deles chegou a sair do papel Além disso, não pertenciam a uma estilo específico, mesclando uma grande variedade de influências, como elementos da arquitetura asteca e construções encontradas nos desertos do norte africano

Reprodução:acervo

Ao contrário de Moya, a “Taperinha” de Przyrembel era um projeto já executado O arquiteto polonês encontrava se em plena atividade e seguia, em parte de seus projetos, o estilo neocolonial, popularizado pelo arquiteto português Ricardo Severo.

Reprodução:PedroKok/CASACOR O Sesc Pompéia (1986, SP), obra de Lina Bo Bardi , inspirado na arquitetura modernista Projeto para “Taperinha” da Praia Grande (Georg Przyrembel)
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Essa obra recebeu destaque por romper com elementos do tradicionalismo, alinhando se aos pressupostos da Semana de Arte Moderna. Segundo Claudio Santos Lima, doutor em Urbanismo e professor do curso de arquitetura (DeptAU / UFRRJ), o trabalho de Przyrembel “rememorava elementos da arquitetura civil rural tradicional brasileira, mesclada com traços europeus”.

“Todas essas discussões que estavam ali, principalmente na pintura e na literatura, acabaram chegando na arquitetura. Se a Semana de 22 não teve um grande papel, quando a gente fala de arquitetura, ela teve, sim, uma importância no sentido de ressaltar as discussões sobre modernismo”, reflete o especialista.

Segundo o arquiteto Bruno Perenha, pós graduado em História da Arquitetura pela Birkbeck University of London, a escola de artes Bauhaus é que seria precursora da arquitetura modernista no século XX. “A Bauhaus, na Europa, ali em Weimar, surge em 1919, e a Semana acontece justamente em 1922. Então, tem se um intervalo aqui de dois anos. Era muito cedo pra você ter essa arquitetura moderna que a gente conhece na Semana de 22 Então, a gente pode dizer, sim, que, quando se fala em arquitetura, a participação desse tipo de manifestação, o campo é praticamente nulo. E os dois arquitetos internacionais que participaram realmente não tinham nem o conhecimento sobre a arquitetura moderna que a gente conhece hoje”, explica.

Apesar dessa constatação, podemos considerar que o evento trouxe discussões modernistas que repercutiram na época como o que é a arte e arquitetura nacional.

Somente após alguns anos da Semana de Arte Moderna, a arquitetura moderna brasileira surge, fortemente influenciada pelo Movimento Moderno de arquitetura nos países europeus, na década de 20. “Não se inventa arquitetura de uma hora pra outra” explica Julio Sampaio, também professor do curso de arquitetura (DeptAU / UFRRJ) "É algo muito complexo pra você chegar e, num determinado ponto, você dizer: não, daqui pra frente é moderno, pra trás é antigo”

Em 1928, foi construída a primeira edificação modernista no Brasil pelo arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik, a Casa Modernista

A "Casa Modernista" (1928, SP), projetada por Gregori Warchavchik

Todas essas discussões que estavam ali, principalmente na pintura e na literatura, acabaram chegando na arquitetura.
Reprodução:acervo Reprodução:acervo “Monumentos” (Antonio Garcia Moya)
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O arquiteto e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), William Bittar, explica o pioneirismo de Gregori Warchavchik em relação ao surgimento da arquitetura moderna no Brasil “Ele conhecia a Bauhaus, ele conhecia os movimentos modernos alemães, e aí ele faz essa casa quase que experimental, a gente costuma dizer que é uma ‘Casa Manifesto’ " .

O professor conta que o arquiteto fez, em 1929, uma outra casa no Morumbi, que abriu para exposição. “E se você procurar, ‘Exposição de Uma Casa Modernista’, você vê Mário de Andrade subindo a escada, Tarsila do Amaral subindo a escada, a turma toda na tal casa”, conta entusiasmado

E se você procurar, ‘Exposição de Uma Casa Modernista’, você vê Mário de Andrade subindo a escada, Tarsila do Amaral subindo a escada, a turma toda na tal casa

William diz que a arquitetura moderna, no Brasil, começou devagar. Em 1925, apareciam os primeiros artigos a respeito de uma nova estética em curso As construções já citadas surgem entre 1927 a 1930. Os arquitetos brasileiros passaram a estudar obras de arquitetos estrangeiros, como o franco suiço, Le Corbusier, com suas obras marcadas pela funcionalidade e racionalidade

Entre os arquitetos de destaque no Movimento Moderno brasileiro temos nomes como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Attilio Correa Lima, Paulo Mendes da Rocha e outros. Todos executaram grandes obras modernistas que se tornaram marcos desse estilo arquitetônico no país

O antigo Ministério da Educação, atual Palácio Gustavo Capanema, exemplo clássico da arquitetura modernista
AcervodaBibliotecadaFAUUSP Multimeios Reprodução:acervo Print do documentário “Exposição de Uma Casa Modernista”, produzido pela Rossi Film 43
P o e s i a d e A u g u s t o d e C a m p o s , d e 1 9 6 5 , t r ê s a n o s a o p ó s ú l t i m a e d i ç ã o d a r e v i s t a N o i g a n d r e s . L u x o / L i x o

pintura

Curadoria de Pintura

Pinheiro e Rian

A pintura na Semana de 22

Uma preocupação com a representatividade?

P

ara chegarmos ao acervo das pinturas expostas na Semana de 22, é necessário voltar um pouco no tempo. A exposição realizada pela artista Anita Malfatti, entre os dias 12 de dezembro de 1917 e 11 de janeiro de 1918, em São Paulo, foi considerada um passo importante para aquilo que viria ser o evento centenário (na matéria “O apagamento das artistas modernistas da Semana de 22”, explica se melhor essa questão)

Em “Exposição de Pintura Moderna”, Malfatti apresentou diversas obras modernistas, como “O Homem Amarelo (1916)”, “A Estudante Russa (1915)”, entre outras produções da pintora e de outros artistas internacionais que também colaboraram para a realização do evento

A obra foi produzida em carvão e pastel e trata se da segunda versão da proposta, pois a primeira foi feita nos Estados Unidos enquanto Anita estudava A pintura, na verdade, é o retrato de um imigrante italiano e pobre que pediu para que a artista o pintasse com uma expressão desesperada O homem foi representado de forma desconfortável a postura controversa de seu corpo mostra uma tensão e uma sensação de deslocamento. Suas roupas parecem mal colocadas e sua camisa branca parece estar suja Renato Alvim, professor de Teoria e História da Arte, Criação Artística e Gravura do Departamento de Artes (DArt) da UFRRJ, explica o papel de Anita para o que estaria por vir. “Essas influências são explícitas e ela como grande pintora que era, absorve todas elas de maneira impressionante. Tanto o desenho quanto as cores possuem nesta e em outras obras uma qualidade incrível E que dinâmica, que ritmo!”, justifica entusiasmado.

Essas influências são explícitas e ela, como grande pintora que era, absorve todas elas de maneira impressionante. Tanto o desenho quanto as cores possuem, nesta e em outras obras, uma qualidade incrível. E que dinâmica , que ritmo!

Luiz
Felipe
Delaia
O Homem Amarelo (1915) de Anita Malfatti
Reprodução:acervo 46

Para a Crítica de Arte Aracy Amaral, o que abalaria o ambiente em 22 seriam as características “mais Anita” “a cor descompromissada, o traço pincelada gestual, o entrosamento do segundo com o primeiro plano, ( ) a dramaticidade de seu estilo numa exaltação emocional nunca antes vista”, revela.

E isso gerou críticas de gente importante no cenário intelectual da época O escritor pré modernista Monteiro Lobato foi um dos que não entendeu esse processo. “Há duas espécies de artistas Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam na

à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”.

Em linhas gerais, com traços mais espessos e cores que não se correlacionavam à realidade, as obras expostas rompiam com aquilo que os olhos brasileiros estavam habituados a enxergar.

Essa foi a declaração de Lobato a respeito dos artistas modernistas, em seu artigo “A propósito da exposição de Malfatti”, publicado no dia 20 de dezembro de 1917, no jornal ‘O Estado de São Paulo’. E ele não estava sozinho, pois uma parte da sociedade da época via os artistas modernistas com “maus olhos”, pois, para eles, retratavam o mundo com “anomalias e deformidades”

Essa perspectiva tem relação com o costume de se pensar a reprodução estética por representação, a perspectiva da ‘mimesis’, a herança do realismo do século XVIII.

"A
estudante russa " (1915) de Anita Malfatti Reprodução:acervo O escritor Monteiro Lobato fez duras críticas a Anita Malfatti Reprodiução:acervo
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Pouco mais de quatro anos depois, no dia 11 de fevereiro de 1922, iniciava se o famigerado e secular evento. Dentre as pinturas expostas no Teatro Municipal de São Paulo durante aquela semana, estiveram telas como “A Estudante (1915)” e “O Homem de Sete Cores” (1916), ambas de Anita Malfatti, “Amigos (Boêmios)” (1921), de Di Cavalcanti, entre outras obras de diversos artistas.

Mas a repercussão das obras modernistas não se limitou aos burburinhos repercussões da Semana. Em 1928, a pintora Tarsila do Amaral presenteou seu marido à época, Oswald de Andrade, com um quadro Com as cores da bandeira do Brasil, uma figura humana sentada no chão, um cacto ao fundo e com medidas de 85 cm x 73 cm A obra foi nomeada Abaporu, que, em tupi guarani, significa “homem que come gente”, pois, ao analisar a tela, Andrade e seu amigo, o poeta Raul Bopp, enxergaram um índio canibal

Esse quadro carrega grande valor desde o princípio, pois naquele contexto incentivou o Manifesto Antropofágico, escrito por Oswald, e, por conseguinte, o movimento que viria a ser a ‘Antropofagia’.

O uso metafórico da palavra “antropofagia” para fazer uma associação aos hábitos canibais de alguns povos indígenas brasileiros que haviam sido interpretados por Oswald naquela imagem foi muito significativo, pois ele compreendia que o movimento modernista “devorava” a cultura europeia para “digeri la” e devolver ao

público com características que marcassem a cultura e a identidade nacionais. “O quadro acabou virando símbolo de tudo o que o modernismo queria dizer A antropofagia, no sentido de absorver a cultura europeia, dominante na época, e transformá la em algo nacional, tudo isso foi sintetizado com Abaporu". Foi o que revelou Tarsilinha do Amaral, sobrinha neta da artista e responsável pelos direitos da obra, em entrevista à BBC News Brasil.

Confira, a seguir, algumas outras obras de Tarsila do Amaral que, por meio do movimento modernista, mostraram traços marcantes da cultura, história e identidade brasileiras.

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A obra mais famosa de Trasila do Amaral: "Abaporu" (1928)
Operários (1933), Tarsila do Amaral O Ovo (1928), Tarsila do Amaral A Cuca (1924), Tarsila do Amaral R e p r o d i u ç ã o : a c e r v o R e p r o d u ç ã o : a c e r v o Reprodução:acervo

Um marco modernista?

As pinturas expostas na Semana de 22 foram, sem dúvida, um marco para o que o Modernismo traria para esse campo De acordo com o já citado professor Renato Alvim (DArt/UFRRJ), a atuação dos artistas do evento pode ser vista como algo além.

“Acredito que a percepção dos nossos pintores era a de que as conquistas formais feitas por artistas como Picasso, Fernand Léger, Matisse, entre outros, estavam ali para serem assimiladas por todos aqueles que tinham compromisso com as artes visuais naquele momento A coisa toda vai muito além de uma simples assimilação superficial de um estilo, mas ela encontra sua razão de ser na compreensão dos problemas formais colocados por esses artistas”, destaca o docente

Já o professor Arthur Valle, já aqui referenciado, compreende que, depois de 22, esses artistas que expuseram na Semana “manifestaram uma preocupação crescente com o que poderíamos chamar representatividade”, explica. Para o docente, o que tais artistas produziram, lá, no entanto, também necessita ser pensado criticamente “Suas obras não raras vezes reforçam estereótipos sexistas, racistas e/ou primitivistas, ou se valem de estratégias que poderíamos qualificar como apropriação cultural”, comenta o especialista “Uma pintura que, para mim, condensa esses problemas é a famosa Negra, que Tarsila elaborou em Paris em 1923”, alerta.

Outras obras: Os Fantoches da Meia-Noite (1921), Di Cavalcanti Cabeças de Negras (1920), Vicente do Rego Monteiro Reprodução:acervo Reprodução:acervo 50

Quando a Semana de 22 começou, Di Cavalcanti (1897 1976) tinha um precedente estético. No contexto do artista, estava seu trabalho como ilustrador de publicações na imprensa, com suas artes e designs gráficos, desde 1910 Para a escritora Ana Paula Simioni, a Semana de Arte Moderna começa a ser idealizada no bojo da exposição do admirável álbum “Os Fantoches da Meia Noite”, na livraria O Livro, em 1921, em São Paulo A obra foi inovadora para a época, não apenas pelo conteúdo, mas pelo formato Foi uma das primeiras publicações no Brasil que se caracteriza como um livro de artista composto por desenhos num álbum

Para o crítico de arte Aracy Amaral, já era perceptível a grande influência de Aubrey

UM MARCO

Vincent Beardsley nas ilustrações de Di Cavalcanti, impregnadas de orientalismo O ilustrador inglês marcou o campo das artes com o uso de elementos decorativos, suas linhas leves, alongadas e sinuosas ao estilo art nouveau

Outro artista inovador na semana foi Vicente do Rêgo Monteiro (1899 1970). Vicente levou à exposição de 22 algumas tendências ascendentes em meados do século XIX Duas obras, "Cabeça de Negras” e “Lenda Brasileira”, remontam o interesse do artista pelos “assuntos brasileiros populares e lendários" conforme Anita Malfatti descreveu Para Aracy Amaral, a primeira obra, inclusive, explora uma onda crescente: o cubismo, presente no divisionismo da tela.

M O D E R N I S T A 51

Um artista digital na rota de um novo movimento cultural: o “crialismo”

Juan Calvet é uma das principais referências no meio digital, e com uma poética não muito distante da dos que fizeram história na Semana de 22, afinal, na comemoração dos cem anos da Semana, expôs lado a lado, com artistas como Tarsila do Amaral. Com 24 anos, o estudante de Pintura, da Escola de Belas Artes na UFRJ, retrata, em seus quadros, a brasilidade e a essência de um povo periférico e marginalizado em suas artes

Você é considerado um representante do “crialismo”?

Eu me considero sim, os primeiros que eu vi representando, dessa forma, foram o Vinícius Allencar e o Marcos Alexandre, as minhas grandes influências. Pra mim, se fosse para dar um nome que representasse o movimento seria prinicpalmente Allencar, muito cria!

Você pode explicar um pouco do que se trata esse movimento?

Eu acho que todo mundo que faz a arte de onde vive, não é alguém de São Paulo que vai retratar algo do Rio.

É algo que pertence a quem vive, acho que isso é a essência do Crialismo: colocar o que você vive nas suas obras. As pessoas dessas áreas periféricas não tinham condição de fazer esse tipo de arte, mas, com o acesso, com a internet, ficou mais fácil de mostrar e de ficar em evidência

Eu acho que é o início de um movimento sim, algo novo que as pessoas estão dando voz, podendo falar sobre isso onde vivem

Isso é muito significativo porque a gente não teve contato com o museu próximo de onde a gente mora, o máximo que o pessoal tinha contato com arte era no design e em retratos, e só, sabe! Mas agora, a gente tá criando algo novo, algo nosso e com o nosso cotidiano. Nós só queremos retratar a realidade de pessoas que nunca foram vistas ou ouvidas E que se a gente não falar, vão ser esquecidas para sempre Algo que é invisível, mas que na nossa arte pode ganhar vida.

R e r p o d u ç ã o A r q u i v o p e s s o a l
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O artista plástico crialista Juan Calvet

Você se considera um vanguardista? Um artista inovador?

Acho que eu e outros artistas da área, estamos criando uma estética nova, mais inclusiva talvez Eu estou cursando pintura na UFRJ, e quero muito estudar, para ter uma bagagem maior e consciência do que eu tô falando. Eu sei que a gente é uma voz, um caminho, uma referência para várias pessoas, principalmente para as mais novas, então tenho total consciência da minha responsabilidade. A gente cresceu em um país que não incentiva a cultura, não incentiva a arte, principalmente nesse governo, então naturalmente eu já estava bem atrás

Rerpodução:Arquivopessoal

Quais são seus principais objetivos com a arte? Como foi sua trajetória?

O meio da arte é elitista, é muito difícil uma pessoa de fora ascender. Tem vários artistas brabos na baixada, na periferia, no interior, em vários lugares fora dos eixos centrais, que são esquecidos. O meio da ilustração, historicamente, é para a galera privilegiada, que tem acesso a cursos, à tecnologia.

Até os meus 17 anos eu não sabia que existia gramatura de papel, e olha que eu sempre desenhei! Foi só quando comecei a fazer a faculdade que descobri que existem diferentes tipos de materiais, para diferentes tipos de trabalhos Por isso, resolvi investir na mesa digitalizadora, porque eu não precisaria, por exemplo, comprar várias cores de lápis, de tinta e vários tipos de papel, eu teria tudo digitalmente, em um lugar só A maioria da galera que trabalha hoje, na ilustração digital, é dos quadrinhos, que vem da cultura dos animes, que consome esse tipo de conteúdo de fora. Os quadrinhos que eu lia, quando criança, eram da Turma da Mônica, que mostravam a vida da criança brasileira

E é isso que eu tento passar hoje com o meu trabalho: a realidade do povo, o cotidiano. Se eu tivesse crescido consumindo super heróis estrangeiros, eu teria uma poética totalmente diferente. Por isso, eu acho legal essas pessoas diferentes ascendendo, porque conseguem trazer perspectivas diferentes Geralmente, as coisas que eu passo nas minhas artes, são coisas que eu não costumo ver muito

Eu gosto de ilustrar meu bairro, o bar da esquina, o futebol, que é a paixão nacional, porque rola uma identificação, uma aproximação com o povo

Qual o impacto e missão do seu trabalho artístico, na sua concepção?

Antigamente era muito difícil eu desenhar pessoas negras, muito do que eu aprendi foi no Youtube.

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Juan Calvet, com outros artistas, no evento Topia Art Experience, em Curitiba (junho de 2022)

Lá a maioria das pessoas eram brancas, então consequentemente só aprendi a desenhar pessoas brancas. Eu não conseguia me identificar com meu próprio trabalho, eu não tinha essa consciência social e racial Ao longo da minha vida, fui aprendendo e me desconstruindo, fui vendo a importância que eu tinha na sociedade, principalmente como artista. Se eu não conhecesse o hip hop e o rap, eu, com certeza, não estaria onde estou hoje

Quem te inspirou em seu processo de produção?

Caras como o Emicida, o Bk e o Djonga me inspiram muito Esses artistas foram essenciais para mim, eu via que eles se mostravam mesmo, não tinham medo de botar a cara e criticar o sistema e, por causa deles, eu parei para perceber a importância do meu trabalho e a minha própria importância Muito da minha vontade de expor a representatividade, valorizar a imagem do povo preto, veio daí, e eu percebi também que não podia fazer uma arte vazia, precisava de uma crítica, algo que impactasse e fizesse as pessoas pensarem

Como surgiram seus ideais artísticos?

Por que retratar, por exemplo, cachorros com camisas de time?

Quando comecei no digital, eu queria desenhar carros, um sonho muito distante, talvez ser designer de automóveis Mas precisava da faculdade e muitas outras coisas, algo que eu não tinha acesso na época. Comecei a fazer caricatura por causa do dinheiro e para conquistar um público, mas não queria aquilo pra mim, porque sabia que, desenhando os outros, com certeza minha arte não seria exposta e reconhecida, eu queria ter minha poética e minha identidade. Enquanto eu trabalhava com caricaturas, comecei a criar alguns projetos Por causa das redes sociais, percebi que as pessoas, no geral, gostam de várias coisas. Se eu conseguisse juntar pelo menos duas delas em uma arte, já atrairia dois públicos diferentes Daí veio a ideia dos rappers gringos com as camisas de times brasileiros Eu fiz o Jay Z, a Rihanna, a Beyoncé, com a do Vasco; o Frank Ocean, com a do Flamengo; o Kanye West, com a do Fluminense, e o Childish Gambino com a do Botafogo

Vi, então, que a galera gostou e compartilhou muito, saiu em páginas de rap. Inclusive vieram fazer entrevistas comigo, coisa que eu nunca tinha feito na vida A partir daí, percebi que tinha descoberto um negócio interessante, porque além de ter atraído um público legal, eu estava na minha zona de conforto, já que gosto muito de rap e de futebol Depois de um tempo, enquanto eu fazia uns estudos, dessa vez sobre desenhos antropomórficos, tive uma ideia e decidi juntar a figura do cachorro, que é uma outra coisa que as pessoas gostam muito, com o Vasco, porque sou vascaíno, e aí surgiu o “Dobermann do Vasco”

Reprodução:Arquivopessoal
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Juan
Calvet, com amigos e ilustradores, em
frente
ao
Teatro Positivo em Curitiba (julho de 2022)

Essa arte, por exemplo, deu muito errado no início, por conta de um problema no meu computador e eu perdi metade dela. Mas percebi que tinha ficado muito legal e comecei a fazer de novo

O desenho ficou pronto e postei nas minhas redes quando estava indo dormir. Quando acordei e fui checar, vi que tinha 'bombado', tinha compartilhamento para caramba, seguidor para caramba também, aí pensei: “Beleza, vou fazer dos outros times” e, a partir daí, muito por conta da demanda também, porque me pediam bastante, comecei a me envolver muito com esse tipo de arte, e percebi que eu tinha conseguido criar uma identidade só minha com ela

Como foi pra você ver suas obras expostas no Theatro Municipal de SP, junto a outras obras clássicas expostas, em ocasião da comemoração dos cem anos da Semana de 22?

Minha arte hoje está sendo exposta no Theatro Municipal de São Paulo, e eu mesmo nunca fui. Eu moro longe e não tenho condições, meu trabalho chega em lugares em que eu mesmo não consigo chegar Eu como artista preto e periférico, conseguir expor ao lado de vários artistas contemporâneos e da própria Tarsila do Amaral, isso é surreal. E eu tenho que ter calma, porque mesmo com uma mentalidade, às vezes, à frente do nosso tempo, nós, da periferia, saímos atrás na corrida da vida, mas estamos caminhando e as oportunidades estão aparecendo, mesmo devagar estamos conseguindo chegar lá.

Não acredito em meritocracia, se eu estou aqui hoje é porque muita gente me ajudou.

Minha arte hoje está sendo exposta no Theatro Municipal de São Paulo, e eu mesmo nunca fui. Meu trabalho chega em lugares em que eu mesmo não consigo chegar.

Como incentivar novas gerações?

Eu atualmente, por exemplo, me identifico muito com o Candido Portinari, alguém que só fui conhecer depois de entrar na universidade E é muito doido parar para pensar que, enquanto o pessoal da minha turma já sabia quem era e até mesmo tinha visto ao vivo alguma obra dele, eu estava tendo meu primeiro contato

Por isso, uma coisa que eu prezo muito é o incentivo, ajudar mesmo, porque não acredito em meritocracia. Se eu estou aqui hoje é porque muita gente me ajudou

Divulgar o trabalho de outros artistas, motivar os jovens que estão começando, principalmente as crianças, é muito importante Meu primeiro curso de artes, por exemplo, foi há pouco tempo, com a Escola Revolution, e hoje em dia eu tenho uma parceria com eles. Juntos, estamos disponibilizando mais de 1000 bolsas de estudos para jovens do Brasil inteiro Então acho que é o mínimo que eu posso fazer, já que o próprio sistema nos prejudica e nos desestimula. O meio da arte já é naturalmente muito difícil, para a gente então, nem se fala

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A NOVA DGERAÇÃO E ARTISTAS URBANOS A arte conquistando espaço

CCSP (Centro Cultural de São Paulo) e expressar novas narrativas e visões de mundo acerca da identidade nacional, da mesma forma como fizeram os modernistas de 1922: só que um século depois.

Dia 18 de abril de 2022, no Theatro Municipal de São Paulo, a exposição "Contramemória" proporcionou um choque entre dois momentos da arte nacional. Em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna, a Perifacon (Convenção de Cultura Pop das Favelas) convidou 22 artistas, todos de periferia, para homenagear 22 modernistas. Assim, trabalhos de artistas periféricos puderam ocupar o mesmo espaço que obras do acervo modernista do

"Disseram que eu não ia chegar, cheguei Sem precisar diminuir ninguém Cem anos depois, chegou minha vez de ajudar a revolucionar", declarou o jovem artista Guilherme Lima, de 22 anos, morador da cidade de Jacareí, município a 87 quilômetros da Grande São Paulo, que teve a oportunidade de ver sua arte ocupar o mesmo espaço de pintores como Anita Malfatti.

Processos e descobertas

Desde cedo, Guilherme sempre desenhou muito. Ele não consegue sequer lembrar quando foi o seu primeiro contato com a arte, veio de berço O incentivo de sua mãe, professora, foi fundamental no início de tudo

O artista plástico Guilherme Lima nas escadas do Theatro Municipal de SP

Afinal, quando ele não estava na rua empinando pipa e jogando bola, ficava em casa rabiscando a parte de trás das folhas de provas fornecidas pela mãe, para que pudesse seguir brincando e desenvolvendo sua veia artística

Na escola, Guilherme era destaque por causa de suas habilidades Em concursos de desenho, organizados pelo próprio colégio, ele sempre ganhava. Seus amigos nunca deixaram de admirar, incentivar e elogiar o talento do colega, e, quando havia trabalhos em equipe na escola, Lima era sempre o mais disputado Assim, conforme crescia, Guilherme buscou pesquisar e estudar algumas técnicas para aprimorar os seus traços No entanto, por empecilhos financeiros, teve que se tornar autodidata

Com o passar do tempo, o artista, que também é conhecido como 'ManoIima' (@manolimaa) percebeu, então, que a arte era sua paixão e que talvez fosse possível viver daquilo Assim, ele e sua mãe começaram a procurar uma escola para que pudesse se desenvolver melhor e se tornar um profissional

Depois de muita procura, ele encontrou a Kinoene Arts, escola de arte em São José dos Campos, município ao lado de Jacareí, na região metropolitana do Vale do Paraíba “Era o maior trampo pra mim, tinha que sair muito cedo de casa e ainda pegava 4 ônibus", comentava, toda vez que se sentia prejudicado pelas dificuldades que passava para conseguir estudar Mas Lima demonstrou muita dedicação e potencial, competências que lhe renderam uma bolsa de estudos nessa mesma escola de artes

Reprodução:acervopessoal
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Guilherme Lima aponta, com orgulho, para sua obra sendo exposta, junto a outros artistas
Reprodução:acervopessoal
Criança tira foto com Guilherme, durante a primeira exposição do artista

Tecnologia como aliada

Em 2018, mais uma vez em um projeto da escola, Guilherme se juntou a um amigo que já desenhava em um suporte digital, para projetar as camisas do "terceirão". Na época, ele estudava design de interiores no Instituto Federal e pensava em trabalhar com isso

Mas aí, ele não teve pra onde fugir, foi amor à primeira vista. Ficou encantado com o trabalho que fizeram naquela mesa digitalizadora e percebeu que gostaria de fazer aquilo também. Chegando em casa, baixou todos os programas necessários no seu computador e começou a desenhar pelo próprio mouse

Naquele tempo, ele já trabalhava vendendo sorvete na rua para complementar a renda em casa. Sendo assim, ele abriu mão de muitas coisas. Trabalhou muito e refrescou o paladar de muita gente até acumular a quantia necessária para comprar a sonhada mesa digitalizadora, em 2021

Por outro lado, nem tudo são flores. Até hoje é muito difícil para Guilherme conciliar o trabalho com os estudos e desenhos Diversas vezes, ele estava cansado, com os braços doendo e sono, após um dia inteiro fazendo sorvetes, e, ainda assim, precisava buscar energia para ir à frente do computador estudar e praticar

A cultura da comunidade: ilustrando o cotidiano de um jeito brasileiro

Guilherme Lima sempre gostou da arte, mas nunca se sentiu representado por nenhuma. "Por que ninguém fala do pessoal que joga bola e empina pipa?" Então, decidiu entrar nesse meio para mostrar o que ele vive dentro da realidade dele, através da arte "Arte não é só Leonardo Da Vinci, arte também é quem sabe dar grau na bicicleta e jogar bola", brinca o artista. Ele espera que essa turma entre em uma galeria de arte e se sinta um dia representada Por isso, sempre procura retratar a cultura da comunidade em suas produções

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Reprodução:acervo pessoal Guilherme
na exposição "100 anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922"

Manolima contou, à nossa equipe de reportagem, sobre como se preocupa com um olhar mais inclusivo para a arte, através de uma cena (retratada na foto abaixo) Essa foto foi feita quando Lima estava em sua primeira exposição, na Expo Art SP (entre os 25 e 27 de março deste ano, no espaço Art Lab Gallery.)

O evento estava acontecendo rua Oscar Freire, conhecida por ser um reduto da burguesia paulista, ou como afirma Lima, lugar onde “a desigualdade social está estampada na sua cara”

,De vez em quando, entravam na galeria algumas crianças em vulnerabilidade social, tentando vender alguma coisa, até que o garoto da foto adentrou no local, de modo tímido, para vender pano de prato Como toda criança, sua mente transbordava curiosidade e, num gesto inconsciente, começou a mexer em algumas esculturas que também estavam expostas no lugar. Nesse momento, os seguranças já estavam a postos para retirá lo do local

Foi quando Guilherme apareceu e convidou o menino para conhecer suas obras. Lima descreve que a reação do menino foi surpreendente: "Nossa, que dá hora! Parecem meus amigos!"

Ao ver essa atitude, o artista comentou que disse ao menino: “Eu tô aqui para você se sentir bem e entrar nesse lugar"

Infelizmente, Lima não vendeu nenhum de seus quadros, nesse evento. No entanto, refletiu: “nenhum dinheiro vai pagar o que essa experiência me proporcionou "

Eu to aqui para você se sentir bem e entrar nesse lugar
Nenhum dinheiro vai pagar o que essa experiência me proporcionou.
Reprodução:acervopessoal 60
Manolima
apresenta suas obras
para
o
menino que vendia panos durante sua exposição

Um foguete em ascensão

Quando Guilherme começou, inspirava se muito nos desenhos dos artistas plásticos Juan Calvet, Edu Ribeiro e Ferreirart. Hoje, é gratificante para ele poder conversar e aprender com suas referências. Além disso, Lima também é muito estimulado pelo rap e pelo funk, ele costuma desenhar escutando esses estilos musicais.

Por falar em rap, Manolima elaborou recentemente a arte da música “TRAP DE CRIA 2” do artista Kyan "O Kyan sempre foi

""Eu quero fazer mais exposição, mas dessa vez vender, né Se Deus quiser, um dia chegar no nível do Calvet, para quando falarem dele, falarem do Manolima também, quero ser reconhecido igual" , desabafa o artista

Ele também falou sobre o quão gratificante é fazer parte dessa nova geração de artistas, dos 'crialistas' (considera se um). "Eu estou fazendo parte de uma história que está sendo contada agora e vai fazer sentido para os crias do futuro " O artista ainda refletiu sobre o que falta para que esse mercado de arte absorva artistas periféricos. "Não acredito que falte esforço nosso mas sim

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Guilherme, suas obras e os meninos da periferia Reprodução:acervopessoal

A poesia visual é muitas vezes confundida com a poesia concreta Na primeira, sua estrutura forma imagens, sendo uma expressão poética informal que valoriza os efeitos visuais

Amor & Amar

Fábio Bahia

modernismo negro

REPRESENTATIVIDADE SEM ELES?

APor Rafaela Aguiar pesar de ter a diversidade racial como um dos principais temas das obras modernistas, a Semana da Arte Moderna não contou com a participação de artistas negros presencialmente Mesmo representados por outros artistas brancos em suas obras, não tiveram espaço para expressar sua arte. Nomes, contemporâneos à época, como Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Manuel Querino, Nascimento Morais, Astolfo Marques e Artur Timóteo da Costa, representantes nas belas artes e literaturas, não tiveram lugar algum na cena do evento.

O termo “Modernismo Negro” surgiu anos mais tarde. Sua origem se deu academicamente para representar a busca de tal representatividade do artista negro na elaboração de obras modernistas A mobilização para romper com práticas conservadoras presentes na Semana de 22 continua até hoje e artistas atuais lutam para ganhar espaço e demonstrar suas artes

No livro “Representações do negro no Modernismo Brasileiro: artes plásticas e música” (Editora Miguilim, 2017), o pesquisador Renato Gilioli aponta aspectos da representação, tendo em vista o pensamento da sociedade na época, que retrataria as questões de negritude com certo tom de curiosidade e como um “tabu”.

Em seu livro, o especialista apresenta a relevância da Semana de Arte Moderna de 1922, para a cultura brasileira e para a construção de uma nova estética para

representar o negro, mas, ao mesmo tempo, denota as ambiguidades do modernismo e as tradições escravistas. Segundo Gioli, alguns conceitos como as práticas artísticas, o pensamento estético, cultural, político e ideológico tinham características comuns na busca pela identidade nacional. Por isso, com o modernismo é possível compreender a “noção de brasilidade” da época, observar uma perspectiva diferente em relação às questões raciais do Brasil e também de como uma visão sobre o “ser negro” foi reestruturada.

Em maio de 2022, o ‘Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Organização de Eventos Acadêmicos do curso de Jornalismo da UFRRJ’ apresentou uma mesa redonda sobre o Modernismo Negro, com a participação dos palestrantes Adelcio de Sousa Cruz e Angélica Ferrarez.

Angélica é doutora em história política pela UERJ e tem suas pesquisas atravessadas pelas questões de gênero feminino nos estudos sobre história e cultura africana e afro brasileira. Em sua fala, trouxe reflexões importantes a respeito do tema A primeira delas seria perceber a importância do “Modernismo Negro” muito além dos limites das artes plásticas e literárias: revelando o, na verdade, como um movimento

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Reprodução:MuseudeInhotim

socialmente político Apesar do Modernismo ter tentado pensar a brasilidade identitária e a autenticidade brasileira, é importante salientar que o movimento se deslocou do centro para as margens sociais, os intelectuais que guiaram a corrente eram, em sua maioria, homens paulistas brancos e financeiramente privilegiados.

Ferrarez frisou, igualmente, que o lugar do privilegiado nunca é questionado Para buscar uma brasilidade realmente autêntica, na visão da pesquisadora, deve se olhar “exatamente para o que é deixado de fora por quem está nessa posição”, reflete Assim, é possível perceber que o movimento negro foi deixado de fora das buscas modernistas e, também, da mesma forma, o movimento indígena, por exemplo, recebeu uma pseudorepresentatividade caricata

A figura estigmatizada desempenhada pelos

Outra das maiores evidências desse apagamento apontado é o fato de autores como Lima Barreto, por exemplo, extremamente relevante para o campo da literatura brasileira, por obras conhecidas como Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) e Clara dos Anjos (1948), sequer tenha sido lembrado na famigerada Semana. O autor esteve longe não só fisicamente, mas nem mesmo foi citado na ocasião. Lima Barreto, além de ser um autor negro, é, também, um escritor que conhecia e escrevia com propriedade sobre as camadas socialmente desprivilegiadas da sociedade: isso porque fazia parte de sua rotina frequentar lugares populares, como o trem, as ruas e os bares

Já Adélcio ressaltou, em sua fala, a construção de um projeto ‘etnocida’ no Brasil, com finalidade de “embranquecer” o país, apresentado em 1912, apenas 10 anos

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'Modernismo Negro' ou o “esmaecer” étnico da Semana de 22

Ocentenário da Semana de Arte Moderna, no Brasil, nos traz, de súbito, um regozijar de sentimentos pátrios relacionados à arte e cultura que, a partir daquele evento em São Paulo, se afirmou enquanto discurso plástico de reinvenção temática e pictórica da pintura e outras linguagens artísticas brasileiras. Uma arte moderna, de um período de forte industrialização e constituição da grande metrópole paulistana, que tinha, por objetivo, representar o Brasil em contraponto à escola europeia de representação alheia a nós que, no final do século XIX , forjou o campo ideológico do que se considerava arte por aqui

ARTIGO

Ainda hoje, cem anos depois, o modo de fazer arte ainda se encontra num frontispício eurocêntrico de onde eu, educando de Belas Artes (UFRRJ), me defronto todos os dias E todos os dias rezo a cartilha, pego o que me é bom, conheço de tudo e me aparto das distrações, sempre me questionando o porquê de muitas metodologias e supostos aprendizados Não faz muito tempo que fiquei me questionando o lugar dos artistas negros e indígenas dentro desse movimento, que durou aproximadamente quarenta anos.

Para adentrarmos na problematização de um movimento importante, mas também com muitas contradições, eu resolvi elencar dois grandes artistas negros que foram esquecidos dentro do escopo da arte moderna no Brasil: Rubem Valentim e Abdias do Nascimento

Rubem Valentim foi um artista autodidata nascido em 1922, formado em odontologia e jornalismo Tem um trabalho muito consistente no campo das artes plásticas que o destacam como o “grande pintor construtivista brasileiro”. Com produções extremamente gráficas, simbólicas e vibrantes, ele seguiu até a década de 90 realizando pinturas que exaltam os signos das religiões de matriz africana como o candomblé. Num manifesto aberto, feito depois de muito tempo como pintor, ele dizia não se encaixar em nenhum movimento artístico específico. Reivindicava o Brasil plural como seu material temático e, na geometria sagrada, livro de Nigel Pennick, ele encontrou as características formativas de uma pintura que, além de muito rigor técnico, evocavam o sagrado.

Pouco difundido plasticamente dentro das graduações de Artes pelo Brasil, é sintomático o apagamento do trabalho de

R e p r o d u ç ã o : a c e r v o
Emblema
(1991), Rubem Valentim

Valentim para com a academia Triste constatação, pois ele deveria justamente ser alçado como referência da utilização harmônica das cores, composição e equilíbrio da forma como podemos ver em seus trabalhos como “Emblema poético”, de 1975, e “Emblema”, de 1991

campo das artes plásticas com uma produção muito extensa e pouco promovida Como não se questionar, no íntimo, com a obra “Okê Oxóssi”, que reimagina os signos da bandeira do Brasil, integrando a população negra e indígena? E como não se deixar levar pela profusão imagética de “Vale de Exu”, que representa graficamente uma das entidades mais populares da cosmogonia brasileira?

A questão central a ser levantada, nesse caso, seria: por que, com o ‘brio’ desses trabalhos, eles não estão também qualificados nos anais da história da arte brasileira como grandes artistas modernos?

Embora tenham produzido diversos trabalhos, a leitura que temos deles, hoje, enquanto artistas plásticos, ainda é parca, isolada e de significância reduzida Quando se fala de Valentim, por exemplo, fala se isoladamente: “um pintor religioso”. E sobre Abdias, “um grande ativista”. Colocam nos isolados em seus respectivos trabalhos A “arte” no Brasil, por esses e outros contextos de silenciamentos, não assume sua diversidade e patina cambaleando frouxa no apagamento do povo que ergueu tudo quanto é parede dessa república Reprodução:acervo

Abdias Nascimento, por outro lado, é uma outra grande figura do movimento negro no Brasil. Mais conhecido por seu ativismo com o livro “O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan Africanista” (Editora Perspectiva, 2019) e sua atuação na companhia “Teatro Experimental do Negro” (1944 1961), ele figura como cidadão notório no campo das lutas pelo direitos da população negra e que também atuou no

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Logotipo Poético (1975), Rubem Valentim Okê Oxóssi (1970), Abdias Nascimento Reprodução:acervo

Nesse sentido, faltaria, por parte da academia, se entender como diversa, falta a ela construir uma reflexão humanista e social da arte dentro de suas especificidades e não apenas no contexto macro Afinal, Dürer, renascentista atento aos cânones da pintura, é bom, mas fala alemão O movimento de 22 foi crível, mas recortado e circunscrito a uma dada realidade.

Por fim, no recorte que aqui faço, tantos outros artistas negros do período moderno ficaram de fora como Heitor dos Prazeres, Lino Guedes, Lima Barreto, José do Patrocínio, Yêdamaria, Lúcia Alencastro e

Lélia Gonzales e tantos outros artistas, escritores e pensadores negros e indígenas que não tiveram lugar no grande período que teve a arte moderna. Arte essa que ousa representar se alegre, vibrante e colorida, mas que retém a voz de tantos, que fala por cima dos “esquecimentos” A Semana de Arte de 22 é importante? Sim! Mas não ousemos comemorá la sem refletir seus porquês e contradições, pois só iremos perpetuar o esmaecer da história, onde o nosso povo negro, indígena e pardo vai desbotando pelo tempo até que tudo fique branco.

Reprodução:acervopessoal
68 O Vale de Exu (1980), Abdias Nascimento

Arnaldo Xavier foi um poeta e teatrólogo negro brasileiro nascido na Paraíba, em Campina Grande 19 de novembro de 1948 Migrou ainda jovem para São Paulo, como vários outros de sua geração Mas tarde, encaminhando se pelo experimentalismo vindo da poesia concreta e das demais correntes vaguardistas, iniciou a produção poesias em diálogo com as artes visuais Morreu prematuramente em 2004

Em defesa da construção de uma expressão literária genuinamente negra, Arnaldo confronta o conceito de cultura brasileira, em seu ver, submisso aos padrões europeus e com o permanente apagamento dos negros e de suas contribuições

ESCULTURA

Juliana Menoio Curadoria de Escultura

AS OBRAS DE VICTOR BRECHERET NA SEMANA

S

omente três escultores participaram da Semana de Arte Moderna Wilhelm Haarberg, nascido na Alemanha, viveu em São Paulo durante alguns anos e apresentou cinco peças para a exposição. Hildegardo Leão Velloso, escultor do Rio de Janeiro, o único nascido no Brasil entre os três, que embora tenha registros de que participou da Semana, não se sabe ao certo quais obras ele teria enviado. Também nem constava no catálogo, o que leva a crer que possa ter sido uma participação decidida em cima da hora E, por último, Victor Brecheret, o artista ítalo brasileiro, que, apesar de não puder estar fisicamente presente na exposição, deixou 12 esculturas expostas no saguão e corredores do Teatro Municipal de São Paulo

Em nossa curadoria, escolhemos analisar duas obras de Brecheret, tendo em vista seu potencial, já que o artista plástico é tido como um dos principais responsáveis pela iniciação da escultura brasileira no movimento modernista internacional. Vittorio Breheret ou Victor Brecheret, pouco importa a pronúncia ou a escrita do nome, foi o elemento polarizador do grupo futurista O conjunto das esculturas ressoava, no saguão do Teatro Municipal, a marcante presença dos ideais modernistas de São Paulo, em gleda e gesso

impressionismo. Apresenta, igualmente, uma contida dramaticidade, que se expressa através de torções do corpo e de volumes trabalhados em luz e sombras acentuadas Foi premiada em Roma, em 1919 Em 1921, “Eva” foi adquirida pela prefeitura de São Paulo e está exposta, atualmente, no Centro Cultural São Paulo, desde 1982.

Sóror Dolorosa (1920)

A escultura é inspirada no livro “Horas de Soror Dolorosa: A que morreu de amor” (Guilherme de Almeida, 1920). A obra conta o conflito de uma monja que ingressa na vida religiosa, após a desilusão provocada por um relacionamento com um homem, sugerindo uma certa ambiguidade entre a adoração religiosa e a ligação carnal.

Sóror Dolorosa, então, é a representações de duas figuras humanas, sendo uma mais feminina (com tranças presas ao cabelo), e a outra, um rosto masculino.

Reprodução:acervo
EVA (1919)
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Victor Brecheret: o escultor dos modernistas

Um dos nomes que apresentou esculturas na Semana e produziu emblemáticas obras em cidades brasileiras foi Victor Brecheret (1894 1955) O artista aprendeu a se expressar através do desenho, da modelagem, da cerâmica e do entalhe em madeira nos cursos noturnos, no Liceu de Artes e Ofícios (RJ).

Embora tenha começado os estudos no Brasil, formou se em Roma Por isso, sua arte se estruturou em bases clássicas, aproximando se da escultura naturalista de Auguste Rodin. Também sofreu influências da linguagem arcaica, estilizada e heroica de Ivan Mestrovic e de Arturo Dazzi

As obras de Brecheret foram motivo de elogios do crítico Monteiro Lobato Para ele, os trabalhos do escultor modernista remetiam ao naturalismo de Rodin.

Os especialistas consideram o artista e seu trabalho a partir de três fases: a chamada “clássica figuração”, em seguida “abstração” (a partir de processos de simplificação e transfiguração), e, posteriormente, uma fase “imagética”, centrada na cultura indígena brasileira.

Em 1920, conheceu os escritores Oswald de Andrade e Mário de Andrade e o pintor Di Cavalcanti, que passaram a

divulgar as suas obras. A partir desse momento, Victor teve os caminhos abertos para que expusesse suas artes em obras de outros modernistas Entre elas, pode se destacar, o livro “A Estrella de Absyntho” (1927), de Oswald de Andrade, em que, na capa, exibe o desenho realizado pelo escultor

Por Ana Carolina Jacome
Capa do livro “A Estrella de Absyntho”, com imagem de escultura de Victor Brecheret O escultor Victor Brecheret, em seu ateliê em SP Reprodução:acervo Reprodução:acervo

Brecheret foi um artista que passou por muitos processos durante sua vida, com uma extensa carreira. Além de Rodin, seus trabalhos iniciais tinham forte influência de Michelangelo e Bourdelle

Na década de XX, já em sintonia com os movimentos europeus, aos poucos foi caminhando em direção à simplificação da forma, inspirado nas esculturas de Constantine Brancusi

Segundo a escultora e professora do curso de Belas Artes (Dart/UFRRJ), Marisa Vales de Oliveira, o artista como modernista, ainda nos anos 20, “vai trabalhar com a síntese da forma, livrando se dos excessos”, explica

Brecheret e a Semana de 22

Por conta de uma bolsa recebida pelo governo de São Paulo, Victor viajou a Paris para estudar. Por isso, esteve ausente dura a Semana de 22. No entanto, ele apresento como mencionado anteriormente, uma lista com doze obras de escultura

Nos anos seguintes, Brecheret continuou a desenvolver obras e projetos de grande repercussão em solo brasileiro Suas habilidades estavam centradas num grande domínio técnico dos materiais da escultura e da modelagem, num enorme talento para desenvolver estratégias formais de estilizações e de volumes Além disso, demonstrava imensa capacidade para esculpir depressões de músculos tensos, contorcidos, provocando efeitos de violenta dramaticidade e tensão, aliada a uma qualidade monumental De acordo com Valles, tal possibilidade se dava em função de um sólido conhecimento que o artista tinha da anatomia humana.

Em 1923, Brecheret recebe uma encomenda do governo do Estado de São Paulo: a execução do 'Monumento às Bandeiras'. Ele levou mais de trinta anos para ser concluído, um dos seus mais importantes trabalhos A obra está exposta, desde 1953, no Parque do Ibirapuera A professora Marisa relata que, nesse sentido, Brecheret acaba sendo, posteriormente, estigmatizado como um ‘escultor de grandes monumentos’, sobretudo para a cidade de São Paulo Além disso, explica que ele trabalhou com monumentos mortuários e funerários, também abertos à visitação.

Nos anos 40, o índio brasileiro marcou presença importante nas esculturas dele, como nas obras “Drama Marajoara” (1951) e “Luta dos Índios Kalapalo” (1951)

Especialistas distinguem, nessa fase, que o artista expressa certa síntese na forma da figuração, chegando perto da abstração.

Ainda nessa perspectiva de inspiração indigenista, o artista vence, no mesmo ano, a "I Bienal Internacional de São Paulo", com a obra “O Índio e a Suassuapara” (1951). O exemplar, em bronze, encontra se hoje na na Antuérpia, Bélgica, no "Middelheim Museu" Este e outros trabalhos apresentaram uma certa inserção do artista no mundo abstrato, o que trouxe um pioneirismo para esse campo

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Reprodução:acervo Escultura Monumento às Bandeiras (1953), Victor Brecheret
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mulheres NO mODERNISMO

O APAGAMENTO DAS ARTISTAS MODERNISTAS DA SEMANA DE 22

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o falarmos sobre a Semana de Arte Moderna de 22, é normal que sejam referência nomes como Mário e Oswald de Andrade, Heitor Villa Lobos e Di Cavalcanti. O comum entre esses artistas é que todos são “homens” Pelo contexto social da época, foram poucas as artistas mulheres que participaram do histórico evento Quando se pensa num nome feminino para o Modernismo, a mulher mais citada é Tarsila do Amaral, que nem participou da empreitada, além de Anita Malfatti, uma das organizadoras da Semana

Enquanto isso, a presença das artistas que atuaram ativamente na Semana foi, aos poucos, apagada da História. Zina Aita, Regina Gomide Graz e a pianista Guiomar Novaes, por exemplo, participaram do evento e, a rigor, deveriam igualmente ser exaltadas.

Formada em Belas Artes pela Universidade Federal do Paraná e dona de um projeto nas redes sociais chamado “Mulheres na Arte”, Vanessa Alves afirma que a presença das mulheres na Semana foi importante. "O Modernismo brasileiro percebe que era muito interessante dar voz às mulheres, tê las ao lado, porque isso seria mais provocativo à elite, que era conservadora", afirma a estudiosa

As obras de Anita Malfatti tiveram bastante importância para a criação do movimento modernista e para a Semana de Arte Moderna, pois foi logo após a sua exposição de 1917 que os modernistas se articularam como um grupo

Em carta enviada à Anita Malfatti, Mário de Andrade, um dos principais nomes do Modernismo, escreveu: "A pintura brasileira hoje está dependendo das mulheres, nas mãos delas. Tu, Tarsila e Zina sempre caminhando, enquanto os homens decaem” .

A pintura brasileira hoje está dependendo das mulheres, nas mãos delas.
Tu, Tarsila e Zina sempre caminhando, enquanto os homens decaem.
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Fotomontagem:equipedeartedarevista

Expressar a arte em um momento difícil para as mulheres

A Semana de Arte Moderna ocorreu em um momento social em que a diferença entre os gêneros prevalecia Na década de 20, a sociedade machista não dava espaço à figura feminina A mulher não tinha direito ao voto, ao divórcio, à guarda dos filhos e também eram retratadas, em certos contextos narrativos, de forma negativa e submissa em filmes

Na Literatura, por exemplo, a coleção “Biblioteca das Moças”, publicada entre 1920 a 1960, era destinada à formação moral das mulheres e ficou famosa no Brasil

Principalmente no meio artístico profissional, a figura feminina era vista apenas como amadora e seus talentos na arte deveriam ser mantidos somente dentro da própria residência.

Na Arte, sobretudo no início do desenvolvimento dessa área no país, as mulheres não tinham espaço para estudar

Em uma roda de conversa intitulada “O feminino e o Modernismo”, organizada pelo “Laboratório de Eventos do Curso de Jornalismo”, no semestre 2021 1, a professora do Departamento de Artes (DArt) da UFRRJ, Marisa Vales, cita a importância, por exemplo, de artistas como Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto (1866 1941), conhecida por ter esculpido o busto de oito presidentes da República A escultora rompeu com diversos paradigmas e foi uma das primeiras a frequentar as aulas de Belas Artes e a fazer esculturas, no início do século XX. Mesmo em um momento no qual a presença feminina não era comum, Nicolina conseguiu obter o reconhecimento de suas obras enquanto estava viva

O mesmo aconteceu com as modernistas Anita e Tarsila, que foram reconhecidas ainda em vida. Por estarem inseridas em contextos semelhantes, sem a valorização da obra de arte feita por mulheres, essas figuras foram de extrema importância na história da arte nacional e internacional

Confira mais sobre o evento “O feminino e o Modernismo no Brasil”, aqui, apontando o celular para o QR Code do cartaz de divulgação do evento.

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Os
homens sempre juntos, naquela época Mário de Andrade (de óculos), em companhia de Candido Portinari, Antonio Bento e Rodrigo Melo Franco, em 1936

Sobre as histórias de Anita e Tarsila

Anita Catarina Malfatti (1889 1964) foi uma artista plástica brasileira da primeira fase do movimento modernista. Suas pinturas são tidas como modernistas por conta de traços do cubismo e expressionismo, em algumas delas Nas obras “Paisagem de Santo Amaro” (ano) e “Samba” (ano), por exemplo, é possível observar igualmente elementos de brasilidade e a representação de personagens típicos do Brasil

Anita estudou por longos anos fora do país e trouxe, tempos depois, essa experiência internacional adquirida no campo das artes de volta Nos anos de 1910 até 1914, ela esteve em Berlim, na Alemanha, aprofundando seus

conhecimentos em artes e pintura, na Academia Imperial de Belas Artes. Nesse período, também teve bastante contato com o expressionismo Passou um ano, de 1915 a 1916, morando em Nova Iorque, Estados Unidos, aperfeiçoando igualmente seus conhecimentos sobre gravura nas escolas “Arts Students League of New York” e na “Independent School of Art” Toda essa formação permitiu o preparo, no ano seguinte, 1917, de 53 obras na Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti, em São Paulo, evento que precedeu e inspirou a Semana de Arte Moderna (na seção “Pintura”, dessa edição, abordamos mais essa questão)

Em 1923, um ano após a Semana, a pintora modernista ganhou uma bolsa de estudos em Paris, realizando, assim, o sonho de estudar artes na França. Esse foi o último e mais longo período fora do Brasil Em 1928, ela retornou para São Paulo e deu aulas de desenho na Universidade Mackenzie até o ano de 1933 Por 20 anos, a artista também deu aulas de desenho nas dependências de sua casa. Nesse meio tempo, em 1942 ela foi nomeada presidente do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo Aos 74 anos, em 1964, Anita faleceu.

Amiga muito próxima de Anita, Tarsila do Amaral (1886 1973) começou a produzir em sua carreira, potencialmente, entre os anos de 1907 a 1922. Obras como a famosa “Autorretrato com Vestido Laranja” pertencem a esse período Morando em Paris. entre 1920 e 1922, a artista recebeu diversas cartas de Anita para noticiar lhe sobre a organização da Semana de Arte Moderna.

A pintora é conhecida por retratar a brasilidade em seus quadros. As pinturas não eram exclusividade na vida de Tarsila. A artista também trabalhou como colunista nos Diários Associados, juntamente com um

R e p r o d u ç ã o a c e r v o
Á
esquerda de
chapéu Tarsilal do Amaral
À
direita Anita Malfatti

amigo seu, Assis Chateaubriand, conhecido, no meio da Comunicação, por ter trazido a TV para o Brasil, em 1950. Também participou da 1ª Bienal de São Paulo e da IV Bienal, em 1957.

conta de uma complicação na diabetes Somado ao luto por sua filha, a perda de toda a fortuna da família por conta de uma crise nos Estados Unidos, a artista entrou em

O livro “Mulheres Modernistas: Estratégias de Consagração na Arte Brasileira”, da escritora e professora Ana Paula Cavalcanti Simioni, foi lançado em 03 de maio de 2022, pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) A obra retrata a história das mulheres no Modernismo brasileiro, destacando dois principais nomes do movimento: Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Ana Paula expõe, no teor textual desenvolvido, as dificuldades que as artistas femininas enfrentavam na época e quais estratégias foram utilizadas por Anita e Tarsila. O livro também conta sobre a artista Regina Gomide Graz, que introduziu, através do ramo têxtil, as artes decorativas no Brasil

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Perfis femininos

Zina

Tereza Zina Aita, além de pintora, foi ceramista e desenhista. No evento modernista de 22, a artista apresentou oito obras. Dentre elas, seu quadro mais conhecido “Homens trabalhando [A sombra] (1922)" foi recebido com uma admirável aceitação durante a exposição. Com sua afinidade com os modernistas paulistas durante essa época, Zina também criou ilustrações para a revista Klaxon (um veículo criado para divulgar as produções modernistas).

De acordo com a historiadora Marta Rossetti, ao site Escritório de Arte, a artista tinha interesse pelo “caráter decorativo, pela figura humana e pela ligação com o impressionismo''.

Sua pintura, nesse período, aproxima se do movimento art nouveau (estilo artístico modernista que surge em Paris, manifestado, principalmente, nas artes plásticas, com linhas assimétricas, ondulantes e dinâmicas com o objetivo de trazer movimento) e do pós impressionismo (sendo obras de Vincent Van Gogh, como A Noite Estrelada (1889), exemplos desse estilo).

Zina começou a estudar desenho, pintura e cerâmica dos 14 aos seus 18 anos de idade, na Itália. De volta ao Brasil, a artista teve contato com o Modernismo, através de seus amigos, Anita Malfatti e Mário de Andrade.

A professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), Mayra Laudanna, disse, em matéria publicada no site da BBC News Brasil (15/02/2022) que, mesmo nos dias de hoje, quase não se conhece os trabalhos de Zina Aita.

Laudanna também explicou que este esquecimento se deve à falta de pesquisas no Brasil, além de poucas obras serem localizadas em acervos formais. São registradas, no inventário de obras da artista, apenas 19 produções artísticas

Em seus trabalhos, utilizou várias linguagens e técnicas, como o óleo sobre tela, aquarela, tapeçaria, cerâmica e desenho. Em 1924, Zina se mudou para a Itália para assumir os negócios de cerâmica da família, onde esteve até a sua morte

Aita (1900-1967) Reprodução:acervo 80
A
artista
plástica Zina Aita
Homens trabalhando [A sombra] (1922)

Regina Gomide Graz (1897-1973)

Regina Gomide Graz dedicou sua obra à tapeçaria e à confecção de painéis, colchas, almofadas, tecidos e abajures em estilo cubista e art déco Ao dar início à carreira profissional na arte, Regina tornou se parte da sociedade intelectual e conheceu Oswald de Andrade, que a convidou para participar da Semana de 22.

A artista foi a mais produtiva do Modernismo, de 1920 a 1940, introduzindo, também, as artes decorativas no Brasil. Ainda assim, foi reduzida a "colaboradora" do marido, John Graz (1891 1980), e do irmão, Antônio Gomide (1895 1967)

Raramente é descrita como "autora". A professora Ana Paula Cavalcanti Simioni, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, contou ao Jornal da USP que, para compreender a complexidade do Modernismo brasileiro, é preciso destacar os trabalhos de Gomide Graz, dando atenção para a arte total (“Gesamtkunstwerk”, em alemão, é um conceito estético ligado ao compositor Richard Wagner, que acreditava na junção de várias formas de arte). Segundo a estudiosa, o tema é “pouco absorvido entre nós”

Ana Paula também afirmou que, para muitas mulheres de vanguarda, optar por materiais têxteis em suas obras tinha uma “carga revolucionária”, já que queriam expandir a estética de “um novo vestuário, uma nova casa, um novo modo de estar no mundo” harmonioso com a modernidade às ruas, formando uma “mulher moderna”

Um novo vestuário, uma nova casa, um novo modo de estar no mundo

Guiomar Novaes (1894-1979)

Guiomar Novaes participou como pianista de um recital, na terceira noite dos acontecimentos artísticos de 22, com obras de Debussy, um músico francês bastante influenciado pelo Simbolismo e o Impressionismo, e Villa Lobos, compositor brasileiro que reformulou o conceito de

nacionalismo musical no Brasil.

A intérprete começou a tocar piano aos seus 4 anos de idade, e, com 15 anos, Guiomar decidiu estudar música na Europa A musicista ganhou bastante destaque se apresentando internacionalmente. Novaes trouxe composições de outros artistas para suas obras Seu destaque na música clássica foi tão grande que a própria rainha Elizabeth a convidou para ser intérprete de um evento da coroa britânica.

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Reprodução:acervo Ao centro, Regina Gomide Graz Reprodução:acervo

O que se deve a ela será calculado um dia

Assim Oswald de Andrade se referiu a Eugênia Moreyra, uma jornalista feminista, revolucionária e modernista, à frente do seu tempo

Eugênia Álvaro Moreyra (1898 1948) foi uma jornalista, atriz, diretora de teatro e militante do Partido Comunista do Brasil Ela ainda foi pioneira do feminismo no país, uma das líderes da campanha sufragista e esteve fortemente ligada ao movimento modernista Embora tenha sido uma figura importante no início do século XX, Eugênia é mais uma das mulheres que teve sua relevância apagada e esquecida no imaginário popular e midiático.

Nascida em 1898, em Juiz de Fora (MG), filha de Dr. Armindo Gomes Brandão e de Maria Antonieta Armond Brandão, e neta do Barão de Pitangui, a jornalista teve uma infância relativamente tranquila em sua cidade natal, até a morte de seu pai, de onde, junto com sua mãe, precisou mudar se, para o Rio de Janeiro em meados de 1910, por conta de problemas financeiros em sua família. Chegando ao Rio, sua mãe consegue um emprego na agência dos correios no bairro da Lapa, enquanto a filha, autodidata, aprende a ler e escrever em francês e português, a partir da análise de jornais e dicionários.

Aos quinze anos, Eugênia consegue seu primeiro emprego como vendedora da loja de artigos masculinos e femininos Magizin

Parc Royal, no centro do Rio Logo depois passa a trabalhar como atendente da livraria Freitas Bastos, no Largo Carioca É ali, em meio às obras de autores nacionais e internacionais, que ela descobre e toma gosto pela literatura e pelo teatro A partir desse trabalho, começa a se integrar, mesmo tão jovem, à vida boêmia da cidade, inclusive nos trajes e nos modos: tinha o hábito de fumar cigarrilhas e se vestir como homem, de terno e gravata

Foi assim, aos 16 anos, que se apresentou na redação do jornal ‘A Rua’, pleiteando e conquistando, pelo bom texto e ousadia, a única vaga que lhe interessava: a de repórter Apesar de existirem muitas jornalistas anteriores a Eugênia, naquela época o feminino era representado na imprensa apenas por poetisas, folhetinistas, cronistas e ensaístas, o que lhe deu o título de primeira “reportisa” termo utilizado na época, que viria a cair em desuso, para se referir ao feminino de repórter do Brasil.

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A jornalista Eugênia Moreyra

Embora Eugênia dividisse o posto de primeira repórter do Brasil com Pagu e Elsie repóteres que se tornaram suas amigas e que estavam ativas e escrevendo no mesmo período os autores Álvaro Catrine, Carvalho Netto, Magalhães Júnior e Kátia Carvalho sustentam a afirmação de que ela foi a 'primeira repórter feminina do Brasil'. No auge de seu trabalho jornalístico, quando trabalhava para o jornal mencionado, foi noticiado o fim de sua carreira Na época, o periódico noticiou que a jovem decidiu abandonar o emprego para buscar refúgio em um convento, o Asilo Bom Pastor.

Porém, o que não se sabia na época e só foi desvendado meses depois, era o real motivo por trás dessa decisão: realizar uma reportagem investigativa sobre um crime de ampla repercussão, que ficaria conhecido como “A tragédia da rua Dr Januzzi, 13" No entanto, após ter sua tentativa de investigação frustrada, Eugênia começa a escrever matérias sobre acontecimentos peculiares no convento A série resultante de reportagens, publicada em capítulos durante cinco dias seguidos, conquistou um grande número de leitores, rendendo à sua autora não só a primeira capa do jornal como, também, o reconhecimento de seus colegas jornalistas dos jornais concorrentes e do público.

Apesar de prezar por sua carreira, segundo relatos da neta, também jornalista que leva seu nome, Eugênia Moreyra, sua avó foi uma mulher muito apaixonada pelo marido: o poeta Álvaro Moreyra. Os dois se conheceram por meio de amigos em comum, pois frequentavam os mesmos círculos intelectuais e boêmios. Apaixonados, após alguns meses se casam e ela, adotando o sobrenome do

marido, passa de Eugênia Brandão para Eugênia Álvaro Moreyra. Com o casamento, afasta se por um tempo da redação. O casal teve oito filhos, sendo que apenas quatro sobreviveram à infância: Sandro, Luciano, João Paulo, Álvaro Samuel e Rosa Maria. Após um tempo, com os filhos já crescidos, ela volta a escrever para os jornais ‘Para todos’ e ‘D Casmurro’

Por ser companheira de um poeta e intelectual, Eugênia passa a ter um grande contato com artistas mais antenados de sua época Na casa em que morava com o marido e os filhos, a porta esteve sempre aberta para escritores, cineastas e atores, levando o endereço 'Rua Xavier da Silveira 99', em Copacabana, a ser conhecido e assiduamente frequentado por essas personalidades Era muito amiga de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfati com quem teve uma intensa correspondência O casal participou da Semana de Arte Moderna de 1922, chegando a fundar, em 1927, o grupo 'Teatro de Brinquedo', cuja intenção das peças era manifestar e refletir ideias modernistas. Entre 1928 e 1932, realizaram diversas excursões pelo interior e periferias do Rio de Janeiro, apresentando textos de autores modernos europeus.

Eugênia, sempre

83 R e p r o d u ç ã o a c e r v o
ousada e à frente do seu tempo

No início da década de 30, com a fragmentação do movimento modernista brasileiro após a revolução em curso, Eugenia passa a defender posições de esquerda, participando ativamente da Aliança Nacional Libertadora, juntamente com Álvaro, Pagu e Oswald de Andrade Um tempo depois, a jornalista e seu marido filiam se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) Perseguida pelo Governo Vargas é presa na porta de sua casa, em novembro de 1935, e permanece na Casa de Detenção da Rua Frei Caneca por quatro meses Teve, nesse período, como companheiras de cela, outras militantes importantes. Olga Benário (mulher de Luís Carlos Prestes), Maria Werneck de Castro e Eneida de Moraes são alguns exemplos, o que a fez tornar se personagem no livro 'Memórias do Cárcere', de Graciliano Ramos

Eugênia é libertada da prisão por falta de provas, na madrugada de 1º de fevereiro de 1936 Após sair do cárcere, retoma ao ativismo político, organizando manifestações, na escada do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, contra a deportação de Olga, e depois em prol da libertação de Anita Leocádia, filha de Olga e Prestes, que nasce em um campo de concentração nazista. Ainda passa a integrar o grupo de fundadores da União Feminina do Brasil, do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Em 1937, de volta ao cenário artístico, o casal Moreyra excursiona com a “Companhia Dramática Brasileira”, pelos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, realizando posteriormente uma temporada de três meses no teatro Regina, no Rio de Janeiro.

Em uma das duas últimas atividades, presidiu por dois anos o Sindicato dos Profissionais de Teatro.

Recorte da chamada de capa do jornal 'A Rua' ,que noticiava "aposentadoria " de Eugênia, em 1914.

Da esquerda para a direita: Pagu, Elsie Lessa, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Eugênia Álvaro Moreyra Fotografia tirada durante exposição de Tarsila do Amaral no Rio de Janeiro, em 1929 Reprodução:acervo

Apesar de ser eleita para um novo mandato em fevereiro de 1939, Eugênia foi impedida de assumir a função por Filinto Müller, que encaminhou, ao Ministério do Trabalho, à época, a denúncia de que se tratava de “pessoa que figura como comunista na Delegacia de Segurança e Política Social”

Anos depois, candidatou se à deputada federal constituinte nas eleições gerais de 1945, com o objetivo de representar os interesses femininos durante a elaboração da Constituição Brasileira de 1946. Na ocasião, no entanto, nenhuma mulher conseguiu ser eleita.

Aos cinquenta anos, Eugênia Álvaro Moreyra faleceu em sua casa, após sentir se mal enquanto jogava cartas. A jornalista veio a óbito pouco depois, em seu quarto ao lado dos filhos, em decorrência de um derrame cerebral (AVC) O sepultamento aconteceu em um cemitério no Rio de Janeiro

Reprodução:acervo

A jornalista Eugenia Moreyra ingressou na Globo em 1978. Passou por programas como Globo Esporte, Globo Repórter e Fantástico Foi diretora geral da GloboNews, de 2011 a 2017, quando se aposentou

Mesmo após a sua morte, o seu legado se perpetuou por gerações. O filho, Sandro Moreyra, foi um dos maiores jornalistas de esporte do país, as netas Sandra Moreyra e Eugênia Moreyra tornaram se conhecidas jornalistas da Rede Globo. Sua bisneta, Cecília Moreyra é professora do curso de Jornalismo da UFRRJ

Apesar de sua intensa jornada como ativista política, líder de movimentos sufragistas, jornalista, repórter e a ligação com movimentos artísticos, tudo o que ela fez não foi o suficiente aos olhos de uma sociedade patriarcal marcada pelo machismo para ter sua vida contada em livros de história

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Sandra Moreyra começou a carreira de jornalista em 1976, como repórter do Jornal do Brasil Na TV Globo, ingressou em 1984, atuando como repórter, apresentadora, diretora de programação e editora Ela faleceu de câncer, aos 61 anos, em 10/11/201
Reprodução:acervo

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Mercadoria

Quimera Shewood, é o nome artístico de Jessica Melo, estudante de jornalismo da UFRRJ Ela é cantora, ilustratora, pintora, poetisa e escritora nas horas vagas, além de defensora do meio ambiente e dos direitos humanos Para saber mais sobre a autora confira seu instagram @jessicademelogomess2

MÚSICA

Heitor VillaLobos, um maestro e compositor visionário no panorama modernista

Por Ana Carolina Jacome

heitor Villa Lobos (1887 1959), visto na cena musical como compositor, maestro, violoncelista, pianista e violonista brasileiro, participou da Semana de Arte Moderna de 1922, a convite do escritor Graça Aranha A “modernidade” percebida nele fez com que fosse o único compositor a apresentar suas obras no evento

Descrito como " a figura criativa mais significativa do Século XX na música clássica brasileira", o multi instrumentista Heitor Villa Lobos, ao mesmo tempo que apreciava a música erudita europeia, era encantando com o repertório popular brasileiro Assim, escreveu diversas obras com influência de Richard Wagner, de Giacomo Puccini, do modernismo da Escola de Frankfurt, dos impressionistas e da musicalidade brasileira, incluindo ritmos folclóricos e populares, sendo algumas delas executadas durante a Semana de Arte Moderna, em São Paulo.

Uma das primeiras tentativas de mostrar a “modernidade" na música aconteceu com “Danças Características Africanas”. Apresentadas no primeiro dia da Semana de 22, percebe se que a composição retrata a cultura musical erudita da África, na época Mesmo após 34 anos da abolição da escravidão, o racismo se encontrava muito presente. Nesse caso, a proposta modernista de causar espanto e gerar ruptura cumpriu bem o papel

Além dessa peça artística, o repertório musical da Semana continha o “Trio n 2”, “Valsa Mística”, “Rodante” e a “Fiandeira” Dividida em três partes, a obra se apresentou com caráter descritivo, imergindo os ouvintes nas cenas, imagens ou estados de ânimos

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O músico Heitor Villa Lobos, ainda jovem (1922)
Reprodução:acervo

Apesar da apresentação no evento ter tido pouca aceitação por parte da sociedade, o músico passa a ser reconhecido mundialmente pela música erudita. Tal prestígio possibilitou que, um ano após a Semana, ele recebesse um financiamento do Governo de São Paulo para ir a Paris e divulgar o seu talento. O reconhecimento que queria no Brasil foi visto nos Estados Unidos e na Europa Por conta desse projeto, foi eleito membro da Academia de Belas Artes de Nova York e recebeu o título de Doutor Honoris pela Universidade de Nova York. Além disso, na Europa, por conta do sucesso, passou a reger orquestras importantíssimas e mostrar a música regional, popular e brasileira internacionalmente

Já no Brasil, durante a Era Vargas(1937 1945), o músico foi responsável pela Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA) Nesse período, era obrigatório o ensino da música nas escolas regulares. Assim, levando em consideração o cargo que ocupava, Villa Lobos orientava os professores da rede pública a ensinar música para crianças, introduzindo métodos que ele mesmo elaborou, o Canto Orfeônico e o Guia Prático, contribuindo, assim, para a educação

musical no país Pode se destacar, também, que, entre os títulos mais importantes, ele foi o fundador e o primeiro presidente da Academia Brasileira de Música.

O responsável por apresentar novas ideias da arte nacional escreveu mais de duas mil composições, incluindo peças orquestras, instrumentais e vocais até o ano do seu falecimento, em 1959. Em homenagem, a comemoração do 'Dia da Música Clássica' no Brasil ficou marcada no calendário nacional pela data de aniversário do maestro, em 05 de março. Além de ser memorizado, em diversas ruas e cidades até os dias atuais, o governo do Brasil, nos anos de 1980, criou o Museu Villa Lobos, no Rio de Janeiro, onde reúne suas principais obras

Em uma época em que apenas a música clássica europeia era consumida, Heitor Villa Lobos expôs suas composições adicionando elementos formadores do povo brasileiro (animais, índios, florestas, negros, africanos, danças) na música clássica. Portanto, o maior legado e o principal da geração de artistas, incluindo o maestro, foi abrir o pensamento cultural brasileiro para novas estéticas que circulavam no mundo.

Reprodução:acervo

Concerto em Tel Aviv (1952), o maestro Villa Lobos e orquestra

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Inovações na música

A Semana de 22 não foi transformadora para esse campo, mas o que estaria por vir no século XX seria revolucionário no universo musical brasileiro

Segundo o professor de teoria literária do curso de Letras (DLC/UFRRJ), Roberto Bozzetti, especificamente a apresentação de Villa Lobos no evento caracterizou um momento de releitura da música clássica Isso porque os redutos da alta cultura, de acordo com o especialista, sempre deram preferência para o erudito “O que se considerava música digna de ser ouvida, de ser escutada, digna de ser considerada, era a música de concerto. Que vinha da tradição europeia, é aquilo que a gente chama de música erudita, ou música clássica Eu prefiro chamar de ‘música de concerto’, que é escrita por compositores que dominam a composição, a parte teórica dos sons " , explicita Bozzeti

O Modernismo, como movimento estético importante para a cultura musical, valorizou, ao longo do século XX, um hibridismo entre o popular e o erudito, com ênfase para elementos da brasilidade e da cultura nacional Foram herdeiros desse processo, movimentos musicais, como, por exemplo, a Bossa Nova e a Tropicália, entre os anos 40 e 60. Nomes como Gilberto Gil e Caetano Veloso apostaram numa verdadeira reativação do “antropofagismo cultural” em suas canções.

ASemana de 22 trouxe poucas referências para a inovação no campo da música brasileira. Como já abordado em outras matérias desse periódico, as apresentações de Heitor Villa Lobos e Guiomar Novaes deram o tom das performances mais importantes.

Em uma conversa publicada no livro "Balanço da Bossa e Outras Bossas" (Editora Perspectiva, 1993), de Augusto de Campos, Caetano Veloso expõe sua admiração pelo modernista Oswald de Andrade. "Fico apaixonado por sentir, dentro da obra de Oswald, um movimento que tem a violência que eu gostaria de ter contra as coisas da estagnação, contra a seriedade", relata o cantor.

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Já no cenário musical brasileiro, em meados dos anos 60 70, os festivais de música deram a base para o fortalecimento do que depois se chamaria MPB (Música Popular Brasileira), pouco depois do florescimento do Tropicalismo (final dos anos 60) A sigla MPB condensava, em sua gênese, a busca por um contexto musical que expressasse o Brasil como projeto de nação.

Mesmo censurada, por ter ascendido na fase mais autoritária do regime militar (com ênfase para o período 1968 1975) e possuir letras expressando liberdade, justiça social e modernidade, essa repreensão ajudou o complexo musical a se consolidar como espaço de resistência cultural e política E de lá saíram grandes nomes como Elis Regina e Belchior, além do retorno dos tropicalistas Caetano e Gil com a mudança do consumo musical do país

Na década de 1980, o rap foi um dos movimentos que, se assim podemos dizer, deu continuidade ao tom irreverente, de protesto e transgressão, inspirados na Semana de 22.

De acordo com o professor Bozzetti, o gênero constitui uma verdadeira concretização do “projeto modernista”, com a cultura das ruas ocupando os holofotes. Outros movimentos anteriores, como a “vanguarda paulista” e o movimento “cultural brasileiro” também ilustraram esse processo

Os anos 90 viram nascer também movimentos como o manguebeat, que tinha como proposta estabelecer valores da contracultura, promovendo uma renovação musical, artística e cultural no cenário musical brasileiro.

Foi um movimento que surgiu na cidade do Rio de Janeiro, criado por jovens músicos da classe média carioca, no final dos anos 50, e que durou pouco mais de uma década, terminando em 1966. Mas o término do movimento está longe de significar o fim das criações musicais desse estilo.

O movimento que propunha mudanças na forma de se cantar e no ritmo, teve uma forte influência do jazz norte americano e do samba. Tem como referência nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Nara Leão e Vinícius de Moraes A ideia inicial era criar uma nova forma de tocar samba.

O termo surgiu da expressão “bossa” que, na época, significava uma forma de fazer as coisas “Bossa nova” um novo jeito de se fazer música.

Bossa Nova (anos 50)
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João Gilberto (1931 2019), um dos ícones da Bossa Nova Reprodução:acervo

TROPICALISMO (anos 60 -70)

Cunhado como um movimento cultural brasileiro marcado pela crítica social no contexto da ditadura militar, propôs uma mistura de ritmos como o rock, o samba e a bossa nova. Tudo começou na terceira edição do "Festival de Música Popular Brasileira", em 1967, em que os cantores Gilberto Gil, Caetano Veloso e a banda 'Os Mutantes' apresentaram suas canções A partir daí, outros nomes se juntaram ao movimento e promoveram uma revolução no cenário musical com referências à antropofagia modernista

Vanguarda Paulista (anos 70)

Surgiu no final da década de 70 e início da década de 80 O nome do grupo foi dado pela imprensa, uma vez que estudavam músicas de vanguarda no terreno erudito na Universidade de São Paulo. A intenção da Vanguarda Paulista era fazer uma música diferente e independente, que não se escutava nos rádios ou na TV Muitos consideravam suas músicas engraçadas e estranhas por não ser algo de costume ao se escutar. Seus membros gostavam de colocar doses de ironia em suas letras, e havia muita mistura de linguagens, tinha punk, jazz, rock e poesia.

No mercado, não tiveram muito apoio de empresários ou gravadoras. Os vanguardistas foram escutados por quem frequentava o underground paulista Eles não se rendiam à estética do momento ou tentavam seguir o padrão sonoro, queriam mexer no ‘coreto nacional’, fazer uma renovação Assim como no Modernismo, as produções traziam uma diversidade estética.

Dentre as principais figuras desse movimento, destacamos nomes como os de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Pedro Lua, Le Dantas e Cordeiro, Paulo Barroso, Tiago Araripe Também ganham destaque o Grupo Rumo e, nesse contexto, as cantoras Suzana Salles, Tetê Espíndola, Eliete Negreiros, Vânia Bastos e Ná Ozzetti são menções importantes desse momento. Também os grupos Premeditando o Breque, Patife Band e Língua de Trapo.

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O RAP significa “rhythm and poetry poesia). No Brasil, o movimento apa volta dos anos 80, em São Paulo. M nascido nos guetos da Jamaica, em pode ser definido brevemente com poesia ritmada que possui uma importantíssima tríade de discurso cultural e social nas suas letras. Dez surgir, no quinto maior país insular d do Caribe, aparece nas ruas do Bro Nova Iorque (EUA) No início, o rap f com muito preconceito, já que se t um estilo musical periférico e conti sua maioria, letras com críticas dura Estado Apesar de mal recebido pe sociedade, o rap ganha espaço nas indústria fonográfica com grandes n como Thaíde e DJ Hum, o primeiro rap a produzir um disco brasileiro M os Racionais MCs que se tornaram grupo a representar o RAP no Brasil canções como "Homem na estrada que relata a trajetória de um homem criança, envolvido em criminalidade dado momento foi preso e, ao cum pena, pretende mudar de vida

Manguebeat (anos 90)

Movimento de contracultura surgid Recife (PE), o manguebeat misturou elementos regionais com ritmos co e o hip hop. Por meio do manifesto "Caranguejos com Cérebro", publica imprensa local, em 1992, os artistas reivindicavam uma transformação n recifense, " capaz de conectar as bo vibrações dos mangues com a rede de circulação de conceitos pop " c um trecho do manifesto O movimento contou com nomes como Chico Science e Fred Zero Quatro.

AmarElo - É Tudo pra Ontem

Rapper e produtor musical brasileiro, Emicida "tem uma postura quase didática, em suas produções”, nas palavras do professor Roberto Bozzetti. Em seu álbum e documentário "AmarElo", gravado no Teatro Municipal de São Paulo, o rapper revisita a história do país sob o triângulo "AmarElo + samba + modernismo".

“AmarElo É Tudo pra Ontem” (tempo) foi lançado em 2020, pela Netflix Nele, Emicida empreende o projeto de transformar o rap em neosamba, o que desprende o movimento da cultura americana para ganhar status de nacional "Foram diluindo a coisa estadunidense, mostrando que é impossível passear pelo caldeirão cultural do Brasil sem ser influenciado pela alma local", conta o artista no filme

O documentário foi gravado nos bastidores do álbum musical do rapper, também chamado "AmarElo", no Teatro Municipal de São Paulo mesmo palco em que subiram os modernistas na Semana de Arte Moderna, diante de vaias e chuva de tomates. Para Emicida, ocupar o teatro é um passo de reparação histórica, uma forma de revisitar o passado e revelar personalidades negras esquecidas dos livros de história tradicionais.

RAP (anos 80) 94

O SOM DA TRANSFORMAÇÃO

O projeto Orquestra do Amanhã leva a música erudita ao coração do Complexo da Maré

pandemia, na cidade do o Rio de Janeiro em Copacabana, nos dias 25, 26 e 27 de março. No domingo (27/03), a OMA fez uma releitura do show realizado em 2019, no Rock In Rio De lá pra cá, outras apresentações já forma realizadas.

Mas essa, em especial, de retomada aos palcos, tratou se de uma apresentação diversa, repleta de músicas tradicionais, como 'Águas de Março' (Tom Jobim), e de músicas atuais, como 'Mulher de Fases' (banda Raimundos).

AOrquestra Maré do Amanhã (OMA), projeto educativo e musical contemporâneo, localizado na zona Norte do Rio de Janeiro, no complexo de favelas da Maré, nasceu em 2010 e atende cerca de 3.500 crianças. A proposta da orquestra é levar a música clássica às periferias.

O projeto trabalha com apresentações que interligam partituras clássicas com a atualidade brasileira, iniciativa que tomou forma com o advento do Modernismo. A orquestra ficou responsável pelo espetáculo que reinaugurou a Sala Baden Powell, pós

O espetáculo teve uma plateia de faixas etárias distintas, que variava desde bebês de colo até a terceira idade, como Afonso Pereira, 72 anos, advogado e professor aposentado Afonso conheceu a Orquestra Maré do Amanhã na sexta feira anterior e não perdeu a oportunidade de prestigiar mais uma vez os jovens músicos.

Tão expressiva. Tão contundente.

Comparável às orquestras do Brasil e do mundo.

Por Ana Clara Ferreira, Karoline Calumbi, Letícia Tagliamento e Victória da Silva
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Primeira turma do projeto, em 2010

Nossa equipe de reportagem, ao conversar com o maestro responsável pela orquestra, Filipe Kochem, observou o quanto a Semana de 22, caudatária do movimento modernista, representou mudanças significativas no cenário musical brasileiro, no século XX “Então, eu acredito que o grande legado que ficou da Semana de 22 foi o reconhecimento pelo próprio brasileiro da qualidade da música nacional, a gente era muito refém de escutar e ter acesso às músicas que vinham do exterior. [...] Então, para os artistas foi um incentivo a continuar a produção artística e foi um incentivo para quem não conhecia a música brasileira ” , afirmou o professor e maestro

Ao exemplificar o uso da inovação musical que se consolidou ao longo do século XX, Filipe falou sobre artistas contemporâneos e

vanguardistas como a funkeira Anitta, hoje celebridade internacional, oriunda da periferia carioca (Honório Gurgel). O single "Girl From Rio" (lançado em 2021), da cantora e dançarina, faz um remake da grandiosa canção da bossa nova brasileira mix do samba brasileiro com o jazz e blues internacional "Garota de Ipanema" Esse exercício de mixagem trouxe um clássico da MPB para os dias atuais, com repercussão internacional, na intenção de trazer, ao mesmo tempo, uma crítica e homenagem à música composta por Antônio Carlos Jobim e letrada por Vinicius de Moraes em 1962

O que a nata da sociedade paulista pensaria se visse uma orquestra subir ao palco junto a uma cantora de funk? Menos de 100 anos após o evento que chocou São Paulo, no réveillon de 2018, subiram ao palco, da praia de Copacabana, Anitta e os jovens da OMA, cantando e tocando o hit Vai Malandra, da cantora.

Então, eu acredito que o grande legado que ficou da Semana de 22 foi o reconhecimento pelo próprio brasileiro da qualidade da música nacional, a gente era muito refém de escutar e ter acesso às músicas que vinham do exterior.

A n a C a r a F e r r e i r a
Integrantes da equipe na apresentação musical na Sala Baden Powell em março de 2022

Música que revoluciona vidas

Cerca de 200 alunos, entre 4 e 18 anos, têm aulas diárias de teoria e prática de instrumentos nesse projeto da Maré Outros 40 adolescentes, de 13 a 18 anos, compõem a orquestra

David Vicente, de 23 anos, faz parte da OMA desde seus 11 anos e hoje diz que a orquestra se tornou tão importante para ele quanto seu pai e sua mãe O violinista foi um dos primeiros alunos do projeto e, atualmente, usa seus conhecimentos adquiridos nas aulas para ensinar outros jovens que tenham o mesmo interesse pela música

David conheceu a orquestra por meio de um colega de escola que foi convidado a participar das aulas Embora o amigo tenha desistido e sem nenhum conhecido no projeto, o violinista decidiu continuar participando das aulas como observador, até que acabou sendo convidado a se tornar aluno do projeto, tornando se, mais tarde, um dos integrantes mais ativos

“Ninguém imaginava que a orquestra faria uma mesclagem entre o erudito e o clássico em suas apresentações, mas ao tocar uma música popular eu acabo conseguindo expressar minha própria personalidade, já em uma canção erudita, preciso ter mais foco e seriedade”, explica entusiasmado. Além disso, Vicente acredita que, para desmistificar o instrumento da orquestra na favela, é bem mais fácil fazer isso tocando uma música da Anitta do que tocando Mozart.

Por isso, a mesclagem musical foi importante para o crescimento da adesão do projeto

O jovem também comentou que, com sua participação nos projetos da Maré, ele conseguiu se conectar mais com a arte brasileira, pois começou a conhecer diversos cantores de quem nunca tinha ouvido falar antes:

“Eu não sabia quem era Tom Jobim, antes de tocar Tom Jobim, eu não sabia quem era um monte de gente, na verdade, até tocar esse monte de gente. Eu nunca tinha parado pra escutar Milton Nascimento até tocar Milton Nascimento”, destacou

Eu não sabia quem era Tom Jobim, antes de tocar Tom Jobim, eu não sabia quem era um monte de gente, na verdade, até tocar esse monte de gente. Eu nunca tinha parado pra escutar Milton Nascimento, até tocar Milton Nascimento.

A internacional funkeira Anitta, em 2018, cantando com os jovens da OM,A, em Copacabana

Armando Prazeres: como tudo começou

Armando Prazeres foi um incentivador do processo de socialização por meio da cultura e procurava realizar diversos concertos em escolas públicas e favelas. Além disso, tinha o sonho de construir uma organização responsável por impactar positivamente os jovens periféricos

O regente nasceu em 8 de agosto de 1934, em Arouca, Portugal. No Seminário de São José, c descobriu seu dom artístico e a paixão pela música. Apesar de sua família incentivá lo a concluir a formação na carreira religiosa, Armando já demonstrava seu interesse apenas pelo estudo da música, mas continuou realizando a vontade da família e foi para Europa se aperfeiçoar

Sua passagem pela Europa foi primordial para que Prazeres se tornasse um dos melhores maestros do Brasil Neste período, ele aperfeiçoou seus ensinamentos musicais e foi responsável por reger, em primeira apresentação, as composições de D Pedro I, já mostrando seu interesse em mesclar o erudito com o popular nas apresentações musicais

Ao voltar para o Brasil, o maestro também foi responsável pela criação de uma orquestra, chamada Pró Música, atualmente conhecida como 'Orquestra Sinfônica Petrobrás Pró Música", local onde ensinou seu filho, Carlos Prazeres, a tocar diversos instrumentos e despertou nele o interesse em seguir no ramo musical Armando, no entanto, não pode ver seu sonho de construir esse projeto ser realizado. O maestro teve sua vida interrompida em janeiro de 1999, após ser vítima de um sequestro relâmpago.

Nas palavras de seu filho Carlos Eduardo Prazeres, para o jornal GQ, em dezembro de 2019, o legado de Armando, deixa, até hoje, um rastro de transformação “Aprendi com ele a amar música e a replicar seus gestos generosos. Graças ao exemplo de vida dele, hoje existe a ‘Orquestra Maré do Amanhã’, transformando a vida de crianças e adolescentes nas comunidades do Complexo da Maré”, revela Carlos ressalta que, extraiu do luto a força necessária para prosseguir com o sonho de seu pai, levar a música para a comunidade. Desde o início da Orquestra da Maré, o projeto já acumulou diversos prêmios, entre eles: a medalha Pedro Ernesto, a mais alta honraria da Câmara Municipal do Rio, e impactou positivamente diversas vidas na Maré, justamente no local onde Armando foi morto e que seu sonho ganhou um novo legado

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Xícara

Fabio Sexugi é um poeta contemporâneo brasileiro premiado no Brasil, no Uruguai e na Itália, ocupando a cadeira Nº 7 da Academia Mourãoense de Letras Além disso, é mestre em Sociedade e Desenvolvimento, com graduação em Letras e também em História Atualmente é professor da educação básica da rede municipal de Peabiru (PR)

cinema

Cinema novo e Modernismo

Por Augusto Ribeiro ma câmera na mão e uma ideia e cabeça”. Foi com esse lema que o ‘Cinema Novo’ surgiu, cerca de três décadas após a Semana de 22. O pensamento modernista chegava finalmente às telas de cinema Ambos movimentos estão diretamente ligados, principalmente por buscarem romper com as práticas realizadas até então e valorizar a cultura e realidade nacional e popular

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Foi nessa época que jovens cineastas como Glauber Rocha, Cacá Diegues e Joaquim Pedro de Andrade deram início ao movimento do Cinema Novo, independente de grandes recursos, estúdios, equipamentos e elenco Indo no caminho oposto do que era feito até então, como nas comédias musicais de baixo orçamento das chanchadas, o foco agora era, portanto, mostrar a realidade brasileira, incluindo seus problemas

Em 1955, foi lançado “Rio 40 Graus”, longa de Nelson Pereira dos Santos, inspirado no “neorrealismo italiano” e na escola “nouvelle vague " francesa A história da obra de ficção é considerada o marco zero do gênero. Retrata, em linhas gerais, a vida de cinco meninos moradores de uma favela carioca que saem na tarde de um domingo para vender amendoim em pontos turísticos da capital fluminense.

Ainda que tenham executado de forma diferente, a quebra de “costumes, realizada pelo Modernismo e pelo Cinema Novo, fez com que ambos os movimentos se

aproximassem, mesmo com o longo período entre eles. Ao Correio Braziliense, Cacá Diegues, responsável por clássicos como “Xica da Silva” (1976) e “Ganga Zumba” (1963), declarou a esse respeito: “O Modernismo é a fonte de criação que alimentou o Cinema Novo. Fazer filmes originais, únicos no mundo, e ao mesmo tempo voltados à descoberta e formação da civilização brasileira, esse é o projeto do Cinema Novo e seria o do Modernismo se eles se encontrassem historicamente”.

Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Glauber Rocha e Leon Hirszman se encontram em 1967 Reprodução: David Drew Zingg - Instituto Moreira Salles
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O Modernismo é a fonte de criação

que alimentou o Cinema Novo

“Macunaíma” (1969) e "O Homem do Pau Brasil" (1982), filmes de Joaquim Pedro de Andrade, também integram a estética do Cinema Novo, escancarando ainda mais a ponte entre o movimento e o Modernismo, já que o primeiro foi inspirado na obra homônima do escritor modernista Mário de Andrade e o segundo narra a trajetória de Oswald de Andrade "Macunaíma" ainda é considerado a grande obra audiovisual modernista, sendo, também, a primeira produção popular do Cinema Novo. “Esses cineastas se ligam às propostas modernistas mais individualizadas Eles vão discutir essas propostas em seus filmes E aí o diálogo de Joaquim Pedro com Mário de Andrade e Oswald de Andrade com essas concepções te.”, aia, tica e V, ao de ana de de 22

O movimento antropofágico, idealizado por Oswald de Andrade e já abordado aqui em outro momento, defendia o ato de se alimentar das artes produzidas na Europa na época e, a partir disso, realizar renovações na arte nacional, usando das técnicas já estabelecidas em outros países para criar novas nuances para a construção da identidade nacional Wolney insere o Cinema Novo na ideia da antropofagia. “E o cinema novo vai ter isso”, explica. “Glauber foi um que escreveu muito sobre isso e coloca justamente essas múltiplas influências que o Cinema Novo recebe Ele fala do cinema soviético, do neorrealismo italiano, da nouvelle vague francesa e também do filme de western americano Ele fala de todas essas influências para mostrar que o que nós produzimos aqui é algo brasileiro, porém nós temos essas influências se compenetrando, se dialogando e influenciando se mutuamente", finaliza

Temos essas influências se compenetrando, se dialogando e influenciando se mutuamente.
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Cena do filme Macunaíma (1969) Cena de Macunaíma (1969), com Grande Otelo e Rodolfo Arena

Para essa edição da Maritaca, o professor de História do Colégio Pedro II, Wolney Vianna Malafaia, selecionou os filmes que considera essenciais do Cinema Novo, separando-os de acordo com as três fases do movimento Confira aqui

Vidas Secas (1964)

Ramos

Fuzis (1964)

Guerra

Deus e o Diabo na terra do sol (1964)

Glauber Rocha

Terra em Transe (1967)

Glauber Rocha

Como era gostoso o meu Francês (1971) Macunaíma (1969)

Joaquim Pedro de Andrade

Os Herdeiros (1970)

Cacá Diegues Nelson Pereira dos Santos

Amuleto de Ogum (1974) Guerra Conjugal (1975) Xica da Silva (1976)

Nelson Pereira dos Santos Joaquim Pedro de Andrade Cacá Diegues

A Idade da Terra (1980)

Glauber Rocha

Eles não usam black tie (1981)

Leon Hirszan

Memórias do Cárcere (1984)

Nelson Pereira dos Santos

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Graciliano
Os
Ruy
P a u l o L e m i n s k i L u a n a Á g u a

Paulo Leminski (1944 1989) foi um poeta, escritor, crítico literário, jornalista, músico, publicitário, tradutor e professor brasileiro. Leminski tinha uma poesia marcante pois inventou um jeito próprio de escrever, usando de trocadilhos, brincadeiras com ditos populars, gírias e palavrões, além da influência do haicai. Sua estreia como escritor foi na Revista Invenção, do grupo concretista de São Paulo em 1964, sucessora da revista Noigandres (que inaugurou a poesia concreta no Brasil).

Do Dadá ao Meme

A relação da cultura dos memes com a Semana de 22

Ele é arte? Ele é apenas entretenimento? Ele faz parte da cultura? Ele é um produto da mídia? O que é cultura dos memes?

Odadaísmo foi um movimento importante e com forte influência na consolidação do Modernismo, em função da inovação estética que promoveu, seu tom transgressor e desconstruído Tinha como base a realização de críticas sociais através de imagens chocantes, que tinham a proposta de provocar e criar impacto visual. Seus artistas buscavam romper com a arte tradicional e o passado, pautados na espontaneidade, ironia e liberdade

O que talvez não esteja muito evidente e popular sobre essa escola estética é o fato de que existem especialistas e pesquisadores que entendem que o meme, esse modo tão leve, humorístico e sarcástico de reproduzir a realidade, tenha tido origem, muito antes do surgimento da internet e redes sociais, em ideais dadaístas

Os memes podem ser vistos como um dos tantos novos gêneros da escrita digital. Quando falamos sobre carisma, internet e linguagem, torna se inevitável falar sobre memes Cada um deles possui um público muito direcionado e carrega um conjunto de significados Até figuras sociais como educadores às vezes se contaminam, copiam sua estrutura e textos e disseminam nas salas de aula com seus alunos oriundos da era digital Entretanto, qual é o limite do meme?

O artigo “From Dada to memes” (tradução “Do Dadá ao meme”, publicado em inglês no site ‘Art News’), escrito pelos pesquisadores Ara Merjian e Mike Rugnetta, demonstra como pinturas dadaístas se assemelham com os memes da atualidade e como isso não é apenas uma coincidência da história “A ironia te permite trazer pontos importantes com imagens bobas, porque você diz: Isso não é uma dissertação. Isso não é um anúncio para a televisão aberta É algo que as pessoas vão olhar rapidamente, rir e entender” explica Rugnetta, buscando uma definição breve do que seriam os memes.

Peças gráficas antinazistas e de teor dadaísta produzidas por John Heartfield, entre 1932 e 1942

R e p r o d u ç ã o a c e r v o
Reprodução:acervo
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O estilo sarcástico, muitas vezes com críticas sociais, dos memes, é comparado com diversas obras dadaístas antinazistas. “Memes compartilham de muitas estratégias de estética ou anti estética com Dadá e o trabalho de John Heartfield”, explica Merjian

John Heartfield foi um artista alemão dadaísta do século XX. Ele, por diversas vezes, tecia críticas ao governo alemão e ao nacionalismo exacerbado que surgia na Alemanha na década de 20, de forma irônica No caso, os movimentos têm mais semelhanças que diferenças, ainda que em épocas separadas e com recursos distintos As críticas sociais, o estilo sarcástico e um certo deboche tornam a comparação mais palpável ainda

Também o estudante tem, no acervo de imagens, memes sobre o Modernismo

Numa das imagens, ele compara os métodos usados pelas artes dadaístas no século XX com o que é utilizado hoje pelo modelo “shitpost” (criadores de memes trashs) Observando bem, de forma dinâmica e descontraída, o historiador busca demonstrar como algo que é separado por aproximadamente 100 anos pode ser parecido em vários aspectos

Dadaísmo

(aprox 1916)

Desafia os modelos tradicionais da arte Desconstrução de alguma imagem ou conceito pré existente Ênfase no nonsense Uso de objetos ou outras obras ligadas ao cotidiano

Shitpost (aprox 2017 presente)

Desafia os modelos tradicionais do humor

Desconstrução de alguma imagem ou entretenimento cultural pré existente Ênfase no nonsense

Uso de referências à cultura pop (e por vezes até o "underground")

Em paralelo ao que é debatido entre os especialistas, tomamos como exemplo também o historiador Leandro Marin, estudante de História do campus IM UFRRJ e criador da página "História no Paint” (@historianopaintoficial), no Instagram Nesse espaço, publica imagens de memes ligados ao estudo da História

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Reprodução: @historianopaintoficial Reprodução: @historianopaintoficial

A respeito da ideia do meme se p como expressão artística, Leand considera o gênero um modo de entanto, costuma receber duras c essa visão, embora sua página d tenha a marca de mais de 290 m já tenha tido um de seus memes Museu da República, no Rio de J memes escolhidos para a mostra da exposição “A política dos mem memes da política”, organizada p #MUSEUdeMEMES (projeto de p extensão liderado por pesquisad ficou, entre os dias 18/05/2019 a em cartaz

É interessante observar que os memes podem ser, em função de sua circularidade expressiva no mundo contemporâneo, fonte de inspiração para que artistas plásticos possam usá lo como base para a produção de pinturas artísticas

memes

É o caso do artista plástico Seámus Wray, que produz obras de arte em tela, a partir da linguagem dos memes Nascido em 1994, de Chicago, Estados Unidos, Wray publica suas obras nas redes sociais, por onde tornou se conhecido.

Durante a pandemia, ele postou uma série de autorretratos continuados que lhe renderam mais exposição.

Em entrevista ao site Bored Panda, em 2020, no auge do isolamento social, o artista explicou que começou a pintar com 2 ou 3 anos de idade, incentivado por seus pais. Ele ainda comenta que gosta de explorar as dimensões de cor do rosto humano e continuará a fazer o que gosta, e que as pinturas com certeza serão parte disso

Em seu instagram (@seamuswray), há várias imagens que demonstram a relação das pinturas com a cultura dos memes Seámus também possui um website, por onde suas obras podem ser acessadas e compradas, além de opções que transformam as obras em estampas de roupas, acessórios e até body para bebês

Créditos:GoogleImage R
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Leandro Marin na exposição
“A política dos
e os memes da política”, em cartaz de 18/05/2019 a 29/09/2019, no Museu da República (RJ)
O artista plástico Seámus Wray (autorretrato, 2020)

É “meme”, é?! Sabia não!

Quem nunca recebeu aquela imagem ou vídeo bem humorado que está “bombando” nas redes sociais? Aposto que você já ouviu alguém chamar algum conteúdo assim de “meme”. Mas não basta “viralizar” para ser meme. Como diria Leônidas, um pouco mais...

O termo foi usado pela primeira vez pelo biólogo Richard Dawkins, no livro de 1976 “O gene egoísta” (Companhia das Letras, 2007), para descrever uma espécie de gene responsável pela transmissão da cultura. Para ele, essa unidade cerebral de informação passada entre gerações se repetiria e se recombinaria em todo o mundo, o que explicaria os padrões culturais da humanidade. ‘Lansou a braba’.

Em meio a discussões sobre essa teoria em fóruns online, na década de 1990, passam a questionar qual seria exatamente o meme que tinha gerado o nazismo. Não demoraria para que a questão fosse satirizada na internet. Toda vez que algo parecia autoritário, era ironizado como “parente” da ditadura nazista Qualquer semelhança com os memes não é mera coincidência

Foi a partir dessa sátira que esse conceito se espalhou nas primeiras redes sociais, o que permanece até hoje como sua essência. Como naquela primeira aparição nas redes, o humor (ainda que de teor duvidoso) do meme surge quando a imagem, vídeo ou frase são deslocados de seu contexto original, mas conservando seu sentido

Um exemplo clássico, que habita o imaginário social, é de uma personagem vilã da novela Senhora do Destino, exibida pela Rede Globo, em 2004. Passados 18 anos, a atriz Renata Sorrah ainda é lembrada pela inesquecível Nazareth Tedesco A personagem era um poço de maldades na trama, mas caiu no gosto do público, por todo esse tempo, transformando se num dos ícones mais expressivos para a construção de memes nas redes sociais Acredita se que pelo seu sarcasmo, frieza e pela personagem ter tido uma vilania também maracda pelo humor.

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No exemplo acima, os memes mostram Nazaré cercada por fórmulas matemáticas, demonstrando estar perdida, sem entender o que acontece Como na perspectiva biológica, à medida que é repassado, o meme de internet se “adapta” ao meio e reage, bota um 'cropped', quer dizer, sofre “mutações”, como montagens, deformações, comparações e o que mais a imaginação permitir. Assim o meme sobrevive: a comunidade de “descendentes” se apropria do imaginário popular e, numa constante releitura, cria uma cultura própria, um imaginário internético

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Augusto de Campos, 1970 Amortemor

A ilustradora freelancer e designer Laila Arêde divulgou, em seu Instagram (@lailartsy), produção artístico gráfica, que faz uma releitura pós modernista de Abaporu (1928), uma das obras mais famosas de Tarsila do Amaral. A arte, segundo Laila, ainda conta com forte inspiração em Cândido Portinari

A ilustração foi uma das cinco produzidas exclusivamente para o #Museu dos Memes, em 2018, projeto de extensão e pesquisa interdisciplinar da UFF

1922 Ano 7 8º edição @maritaca.ufrrj 2022

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