Revista Maritaca - 4ª Edição

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Edição Nº 04 - Dezembro de 2017.

DESCONTROLE AMBIENTAL Seca prolongada e cultura do fogo provocam queimadas em Bananal e Miguel Pereira 1


Expediente: Esta revista foi produzida na disciplina de Técnicas de Reportagem, em parceria com as disciplinas de Mídia Impressa e Introdução à Fotografia, do curso de Jornalismo do Departamento de Letras e Comunicação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Professoras responsáveis: Cecilia Figueiredo, Sandra Garcia (MTb/PA 1067) e Tatiana Lima (MTb/JP 32631 RJ) Edição e revisão: Gustavo Carvalho. Revisão: Sheila Jacob. Projeto gráfico: Luis Henrick Teixeira e Sandro Schütt. Diagramação: Luis Henrick Teixeira. Foto de capa: Larissa Bozi.

NESTA EDIÇÃO

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Tradição de queimadas

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Manter, motivar e replantar

Miguel Pereira, município da Serra Fluminense, é cercado por vegetação tropical. Mas a prática criminosa de queimadas prejudica a população e devasta a mata.

Durante três dos seis dias de incêndio contínuo, um grupo de voluntários de três associações de moradores e ambientalistas do Vale da Bocaina trabalharam sozinhos no combate às chamas até a chegada do apoio efetivo de órgãos do Estado.

12 Iniciativas contra

incêndios florestais

Devido à falta de controle e à cultura disseminada ao longo do tempo, queimadas invadem fazendas, colocando em risco animais, plantas nativas e até mesmo as casas da região.

25 Reflorestamento em Bananal

No município de Bananal, onde a arquitetura colonial coexiste com uma vastidão de Mata Atlântica, os efeitos das queimadas são visíveis. Nossa equipe encontrou árvores carbonizadas e animais mortos por intoxicação. Também diversas áreas verdes estavam secas e correm o risco de se tornar improdutivas.

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O PODER DO TRABALHO EM COMUNIDADE

O Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA) faz um trabalho na comunidade de Miguel Pereira há 18 anos. A instituição conta com a maior brigada voluntária especializada de todo o estado há pelo menos dez anos.

20 Serra da Bocaina

A prefeitura de Bananal (SP) decretou, no dia 23 de setembro, estado de emergência após seis dias de incêndio na área de amortecimento da Serra da Bocaina.

22 População mobilizada

Projetos de reflorestamento contam com a participação da comunidade para recuperar áreas atingidas pelo fogo em Miguel Pereira.

28 Carbonizar a cultura

O objetivo não é criminalizar queimadas ou apresentar um juízo de valor, mas esclarecer que não existe culpado ou inocente.

32 Bananal ressurge das cinzas

O que antes era predominantemente verde hoje dá lugar ao cinza e ao preto causados pelo fogo.

A história de Teresa Beatriz, a moradora da Serra da Bocaina em 34Perfil: São Paulo, que perdeu duas mil mudas para as queimadas, mas não desiste.

Jul de 2018


Editorial

As maritacas habitam diversas regiões do Brasil e até mesmo partes da Argentina e do Paraguai. Vivendo em bando, são capazes de emitir um som muito alto que chama a atenção das pessoas por onde quer que passem. Nesta edição, a revista tem por objetivo, assim como o grito das aves, fazer ecoar a grave situação que tem ocorrido no principal habitat dessas espécies no sudeste do país.   Restando, hoje, apenas 20% de sua área original, a Mata Atlântica vem sendo vítima de um processo de desmatamento devastador e frenético. Queimadas ocorrem em diversos pontos do território e causam prejuízos ecológicos imensuráveis, assim como também à saúde humana.   Mediante este cenário, professores e estudantes de jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro saíram com gravadores, câmeras, papel e caneta para as cidades de Miguel Pereira (RJ) e Bananal (SP), para mergulhar naquela que é a principal função do jornalismo: ouvir. Dessa maneira, foram escutar as histórias da população local, buscando e cruzando dados para processar informações. O intuito foi o de esclarecer os fatos por trás das notícias prestadas de forma rápida por grandes veículos de comunicação nesta quarta edição deste projeto experimental prático de jornalismo.   Neste processo, os alunos tiveram suas primeiras experiências com o in loco, jargão jornalístico para se referir a uma apuração feita diretamente no local, onde ocorre algum acontecimento. Então, perceber com a experiência prática do processo jornalístico ­‑ perguntar, apurar, reportar e escrever os textos ‑ vai muito além de técnicas ensinadas em sala de aula. A nova revista Maritaca é, portanto, um reflexo do ouvir.   Ao passar estas páginas, espera-se que cada leitor possa entender o quão prejudicial pode ser a cultura do fogo e que se sensibilize, também, para a importância de se envolver e colaborar para que os incêndios não ocorram mais. Roberto Junior

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Foto: Nicolas Teixeira

A tradição que soa tão

quanto

natural

criminosa

Município de São Paulo deve levar mais de 10 anos para se recuperar das queimadas

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Por Ana Beatriz Rosa, Luiz Filipe Lima, Rhayra Almeida e Yago Monteiro

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ão sabíamos o quão distante estávamos da cidade. O sol forte queimava tanto que pensamos, por um momento, ter errado o caminho e ido parar no Vale da Morte, na Califórnia, mas era, na verdade, Miguel Pereira. Município da Serra Fluminense, uma região cercada por vegetação tropical e, historicamente, uma das mais atingidas do estado pela prática criminosa: as queimadas. Não é só Miguel Pereira que sofre com o problema. Fortes queimadas também atingiram a Serra da Bocaina, em Bananal, município no extremo leste de São Paulo, causando estragos que, segundo especialistas, deverão levar de 10 a 15 anos para serem reparados. Na Chapada Diamantina, no centro da Bahia, e também na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, ocorreram incêndios em áreas de preservação ambiental. O mês de setembro de 2017 teve o maior número de queimadas da história do país, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Segundo órgãos locais, existe a suspeita de que parte dos incêndios ocorra por ação criminosa. Em Miguel Pereira, a recorrência das queimadas constrói um debate com diversos pontos conflitantes. O Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA), responsável por ações de conscientização, preservação e combate, acredita que suas ações fazem a diferença na região.

“Ajudamos a criar projetos de lei de repasses de recursos públicos para o município, visando a preservação ambiental. Geramos emprego e renda, movimentando a economia local. Auxiliamos na educação dos jovens do município, a partir de iniciativas que visam conciliar educação sustentável com entretenimento, além de apoiar no combate às queimadas, através da mobilização da população e, diretamente, com nossos brigadistas”, ressalta o secretário-executivo do ITPA, Mauricio Ruiz. Ele reclama da ausência dos bombeiros nos casos recentes de queimadas e a ineficácia do poder público. “Os bombeiros atuam somente nos casos de incêndio próximos a residências. Nos acidentes em vegetação aberta, que são a maioria, são os brigadistas voluntários que realizam o combate. Enquanto isso, a Prefeitura de Miguel Pereira não toma nenhuma atitude quanto às queimadas, e o Instituto ainda sofre retaliações do poder público por nossas ações” afirma Mauricio Ruiz, do ITPA. Já a Secretaria do Meio Ambiente de Miguel Pereira apresenta uma versão diferente sobre o combate a queimadas na cidade. “A prefeitura realiza, frequentemente, ações de conscientização e prevenção de incêndios na cidade. Reconhecemos o trabalho do ITPA, porém ressaltamos que o Instituto possui vínculo contratual que lhe atribui a tarefa de reflorestar certas regiões e também monitorá-las” afirma Luiz Fernando, secretário da pasta. 5


SOLUÇÕES NA BAHIA

VALE DO PARAÍBA: ÁREA DELICADA E MARCADA POR QUEIMADAS Mais precisamente em Bananal, cidade de São Paulo cujas divisas se estendem do Sul Fluminense aos territórios de São José do Barreiro e Arapeí, está a área mais delicada da devastação do Vale do Paraíba por incêndios. Uma situação marcada tanto pela ausência do poder público quanto pela já histórica 6

Foto: Reprodução/Anjos da Chapada Diamantina

Na Chapada Diamantina, o impasse entre poder público e voluntários já não é mais um grande problema. Na região, o combate é liderado pela brigada da organização Anjos da Chapada Diamantina. Com 24 horas de plantão e 65 bombeiros civis, eles atendem quase todos os acidentes da região, além dos próprios incêndios, desde remoção de abelhas até primeiros socorros. Também escutam não só as ocorrências na cidade de Seabra, sede da organização, como também em todos os outros municípios da Chapada Diamantina, ainda que o Corpo de Bombeiros Militar esteja na cidade de Lençóis-BA, por volta de 60 km de distância da sede dos brigadistas. Para Antônio Cesar de Oliveira Maciel, coordenador de operações da Anjos da Chapada Diamantina, isso não é obstáculo para um bom trabalho cooperativo entre voluntários e militares. “Somos acionados e trabalhamos em conjunto. Graças a Deus, o trabalho é muito bem feito aqui, em parceria do governo militar e a brigada”, afirmou. Porém, Antônio Cesar faz uma ressalva: nem sempre foi assim. Em declaração ao portal Chapada News, em 7 de março de 2017, ele reclamava da falta de apoio das autoridades locais. “A guarnição que está no local, combatendo o fogo, não tem apoio nem do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, nem de helicóptero, nem do Estado. Nada!”. Expor a situação à imprensa, segundo ele, funcionou para melhoria do suporte governamental nas ações de combate. Agora, os brigadistas estão recebendo mais apoio e equipamentos do Estado, embora ainda careçam de doações para manter a organização. Para medidas a longo prazo, Antonio Maciel destaca o trabalho de conscientização na região intitulado “Bombeiro Mirim”, que ensina as crianças desde cedo a manusear corretamente o fogo e o solo. Ensinando o tratamento adequado, tanto pelo “Bombeiro Mirim”, quanto pelo programa de prevenção “Bahia Sem Fogo”, todos esperam reduzir significativamente o número de incêndios na região, sejam criminosos ou acidentais. Segundo ele, “com a alta temperatura e a estiagem acaba sendo uma coisa praticamente inevitável”, finalizou.

Brigadistas da organização Anjos da Chapada Diamantina combatem o fogo diretamente.

seca que atinge a região entre setembro e outubro, em decorrência da falta de chuvas. No município é a organização comunitária que se sobressai: a Associação de Moradores e Amigos do Vale da Bocaina. Trata-se de uma instituição de caráter comunitário que se dedica a estimular o desenvolvimento socioeconômico e cultural da comunidade, onde atua, se limitando ao vale do rio Bananal, na extensão da estrada da Bocaína (SP 247). O coordenador voluntário da Defesa Civil, Fernando, apontou como problemas a falta de infraestrutura, tanto da assistência quanto do município. Ele também ressaltou que a tradição da prática de queimadas é um dos maiores problemas na região, além da falta de trabalhadores para combater os incêndios. Principalmente porque, na maioria das Jul de 2018


vezes, são serviços prestados voluntariamente, e que poderiam ser melhor difundidos se houvesse algum tipo de remuneração. Ainda na busca por compreender a situação, conversamos com Joaquim Valim, secretário de Turismo de Bananal. Segundo ele, o combate às queimadas pelo Corpo de Bombeiros depende do comandante destacado no dia. O bombeiro ou o combatente podem achar que não são responsáveis por combater incêndio em matas, mas se o comandante disser que ele precisa ir, ele deve obedecer; não é uma medida que parte do bombeiro. No entanto, a batalha contra as queimadas em matas não é uma prioridade para o Corpo de Bombeiros, principalmente levando em consideração as deficiências estruturais e a pouca quantidade de bombeiros.

Quanto ao turismo, o secretário afirmou: “As pessoas só preservam aquilo que elas conhecem. A partir do momento em que as pessoas passam a conhecer mais e que um local passa a ser mais visitado, de certa forma, passa também a ser mais policiado e cuidado. Eu acredito que o turismo sendo realizado de maneira organizada e ordenada só traz benefícios ao município”. Valim ainda acredita que a mídia, no geral, dificulta esse processo. Em especial quando a imprensa ressalta apenas os pontos negativos e, algumas vezes, falsos, no que tange à realidade do município de Bananal. No entanto, ele reconhece que as mídias sociais atualmente são essenciais no apoio, conscientização e comunicação para informar a população local e mobilizá-la. 7


Manter, motivar e replantar Foto: One Tree Planted/Beto Campos

Projeto de conscientização ambiental é criado por assossiação de moradores


Conscientização

Por Alex William Rosa e João Gabriel

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chegada do mês de setembro traz para os moradores do município de Bananal, em São Paulo, além da mudança de estação do ano, uma preocupação. A época da seca, caracterizada pela falta de chuvas, traz grandes queimadas que afetam a fauna e a flora nativa da Serra da Bocaina. Ao riscar de um fósforo e com o auxílio dos ventos, rapidamente o verde pode se transformar em cinzas. No incêndio mais recente, em setembro de 2017, a situação não foi diferente: estima-se que uma área de 1.200 hectares tenha sido consumida pelas chamas. No entanto, entre o fogo e a fumaça, a determinação dos moradores se sobressaiu. Durante três dos seis dias de incêndio contínuo, um grupo de voluntários integrantes de três associações de moradores e ambientalistas do Vale da Bocaina trabalhou sozinho no combate às chamas até a chegada do apoio efetivo de órgãos do Estado. Dentre essas associações, está a Associação de Moradores e Amigos do Vale da Bocaina (Amovale) que, apesar de nova, vem abrindo os olhos da população de Bananal para a importância da preservação ambiental. SOCIEDADE CIVIL UNIDA

Foto: One Tree Planted/Beto Campos

Tudo começou com a reivindicação de obras de pavimentação e asfaltamento da rodovia Sebastião Diniz de Moraes (SP- 247), onde os moradores juntaram forças para fiscalizar e garantir que um bom trabalho fosse feito por parte das autoridades. Ao denunciarem descasos na realização das obras, os moradores perceberam que a união resultou em melhorias. Foi então que decidiram não parar por aí: no dia 24 de março de 2013 nasceu a Amovale, diretamente da necessidade de representação que os moradores do Vale da Bocaina tinham em lugares como, por exemplo, a Câmara Municipal local. “Com uma associação com CNPJ registrado, nós ganhamos maior peso político e poder de influência. O camarada falar comigo individualmente é uma coisa, falar com uma associação de moradores é outra. A conversa ficou de entidade para poder público. E assim nasceu a Amovale”, relata Ismael Amud Filho, um dos primeiros membros da associação.

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Mesmo diante da dificuldade de encontrar apoio financeiro para dar continuidade à organização, os moradores foram à luta: organizaram eventos para arrecadação de fundos, como bazares e festas juninas. O movimento constituído de forma repentina para uma ação, portanto, tomou outra dimensão. Transformou-se em uma representação política comunitária que os associados acreditam ser um projeto para a vida inteira. PRIMEIRO ATO PÚBLICO: ATÉ POLÍCIA APARECEU Em 2014, a Amovale realizou o primeiro ato público da instituição: o Lixo Zero. Dividido em duas etapas, a campanha teve início com um bloco de carnaval que interrompeu o trânsito em um trecho da rodovia levantando a bandeira da conscientização a respeito do despejo inadequado de lixo no Rio Bananal, com marchinha referente ao tema e tudo. Além de publicidade para o ato, o bloco carnavalesco ocasionou o reconhecimento da Polícia Ambiental. “Foi um engarrafamento desgraçado e chegou a Polícia Ambiental. A gente achou que ia levar bronca, mas não: eles se juntaram ao bloco. A au-

toridade percebeu a importância da sociedade civil organizada desenvolvendo esse ato público referente a coisas que ela também fiscaliza. De certa maneira, eles se colocaram como nossos aliados naquele momento”, conta Ismael. Na segunda etapa do Lixo Zero, três mutirões de coleta de lixo foram organizados pela associação. Em apenas um dia, foram coletadas duas toneladas de lixo de dentro do Rio Bananal. Além disso, os moradores disponibilizaram lixeiras ao longo da rodovia para evitar o despejo na estrada. CULTURA COM CONSCIENTIZAÇÃO No ano de 2016, a Amovale expandiu seus horizontes e, apostando no cenário cultural de Bananal, fez o lançamento do projeto AMOMÚSICA, com o objetivo de servir de iniciativa para as crianças que desejam se aprofundar no estudo da música. Em parceria com o Programa Escola da Família, o professor e criador do projeto Luiz Carlos Barbieri (violão clássico), juntamente com a professora Suzana Vaz (flauta doce), ministra aulas quinzenais na Escola Estadual Visconde de São Laurindo para crianças da faixa etária de 8 a 10 anos de idade, selecionadas pelos professores da escola.

Mutirão de reflorestamento da Serra da Bocaina

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Conscientização

Foto: Reprodução/Redes Sociais

RECONHECIMENTO No dia 1 de novembro de 2017, a Amovale recebeu um certificado de reconhecimento pela bravura e dedicação dos 70 voluntários da associação envolvidos no combate ao incêndio do mês de setembro na Serra da Bocaina, diretamente das mãos do secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Maurício Brusadin. Na ocasião, o secretário destacou que a operação Corta Fogo 2017 — trabalho de prevenção e combate aos incêndios florestais no Estado de São Paulo — não seria bem sucedida sem a ação dos moradores. Além do reconhecimento da importância da associação por parte das autoridades, a adesão da população de Bananal segue aumentando. Com cerca de cinco anos de existência, a Amovale e seus integrantes, por meio de campanhas de conscientização, vem modificando cada vez mais velhos costumes locais que são prejudiciais para o meio ambiente. Um exemplo é a queima de lixo doméstico que, mesmo sendo proibida por lei, ainda acontece em Bananal. Com o trabalho da organização, essa prática criminosa passou a ser substituída pela produção de terra vegetal que, além de beneficiar o plantio por ser rica em nutrientes, ainda funciona como uma fonte de renda alternativa para quem a produz. Outro hábito de risco comum é a criação de gado próximo a nascentes que alimentam o rio Bananal. Sem a devida proteção das nascentes com plantação de mata ciliar e o isolamento com cercas, elas acabam sendo pisoteadas pelo gado e, consequentemente, secam, prejudicando a vida do rio. Em uma ação de conscientização sobre esse problema, os integrantes da Amovale conseguiram fazer com que um proprietário rural abrisse mão de parte do seu pasto para preservar a nascente existente em sua propriedade. “Esses são os sintomas de tanto a gente falar. Nós procuramos sempre dar exemplo. Temos que estar sempre juntos, até mesmo no erro”, destaca Ismael.

a Amovale recebeu um certificado de reconhecimento pela bravura e dedicação dos 70 voluntários da associação envolvidos no combate ao incêndio

Recentemente, o projeto ganhou mais um reforço: aulas de viola caipira, com o professor Henrique Bonna. Além do aprendizado, a atenção extraclasse que o AMOMÚSICA proporciona aos alunos participantes desse processo didático fora do esquema convencional se torna um fator importante para a alfabetização dos mesmos. Principalmente, por trazer benefícios como a mudança de comportamento das crianças dentro da sala de aula e a melhora na capacidade de concentração delas. No entanto, a parceria da Amovale com escolas vai além do AMOMÚSICA. Tendo sempre a conscientização ambiental como sua principal missão, uma de suas ações mais recentes foi o plantio de vegetação nativa em áreas de reflorestamento em parceria com alunos da rede municipal de ensino local.

PLANEJAMENTO FUTURO Após levar 44 de seus cem associados ao curso de combate a incêndios na mata, realizado em Bananal com o apoio da Fundação para Conservação e Produção Florestal do Estado de São Paulo, a Amovale renovou seu estoque de conhecimento sobre o combate ao fogo na mata. Foi decidido em reunião que devem ser criados nove núcleos de combate de brigadistas voluntários por região, que já possuem integrantes da Amovale inscritos e prontos para a prevenção e combate às chamas. 11


contra incêndios em áreas florestais

Com equipamentos improvisados, moradores de Bananal entram na mata para combater o fogo e sofrem com problemas de saúde Por Bruno Martins, Gustavo Assis, Lucas França e Nicolas Teixeira

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m Bananal, a ocorrência de queimadas em geral é provocada por fazendeiros. Eles poem fogo na mata para abrir os pastos para o gado. Essas queimadas - que não são fiscalizadas pelos órgãos públicos - acabam invadindo outras fazendas, expondo ao risco animais, plantas nativas e até mesmo as casas dos moradores da região. Como a cidade não possui um quartel ou até mesmo um destacamento do Corpo de Bombeiros, são os próprios moradores que acabam se organizando. Eles realizam exercícios de combate ao fogo e fazem campanhas de conscientização sobre os perigos e consequências desta prática. Quando ocorre uma queimada descontrolada, os moradores se mobilizam rapidamente através de grupos do WhatsApp para irem ao local. Para tentar extinguir as chamas, eles utilizam abafadores improvisados e entram em conjunto na mata, em uma missão perigosa. Esmael Filho, fazendeiro local, relatou um caso de acidente envolvendo um voluntário: “Um rapaz chegou pra apagar o incêndio com uma espécie de soprador, mas a mangueira de combustível do equipamento soltou e caiu por dentro da bota dele. Ele caiu e rolou morro abaixo, parecendo uma bola de fogo”. E completou: “Ele gritava socorro e não conseguia tirar a mochila que estava alimentando o fogo. Alguém gritou pra ele soltar o equipamento e quando ele fez, eu corri pra cima dele e abafei o fogo com a ajuda de mais uma pessoa”. Emael disse ainda que o rapaz acidentado, apesar das graves queimaduras na perna, foi socorrido e se recuperou.

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Os moradores próximos às áreas afetadas e os voluntários para o combate ao incêndio também podem sofrer com a queimadura das vias respiratórias devido ao risco elevado de problemas respiratórios devido à longa inalação de Monóxido de Carbono (CO). A capitã médica do Corpo de Bombeiros, Rosane de Carvalho, explica que a alta temperatura da fumaça também pode provocar queimaduras internas com risco de asfixia. “Como as chamas consomem o oxigênio no ar, ocorre um acúmulo de dióxido de carbono no sangue, fazendo a pessoa se sentir fraca e desmaiar. Além disso, o monóxido de carbono presente na fumaça entra na corrente sanguínea e ocupa o lugar do oxigênio nos glóbulos vermelhos. Isso faz com que o sangue não transporte oxigênio, provocando a morte”, afirmou Rosane de Carvalho. Neste cenário, tanto a saúde física como a mental podem ser afetadas em decorrência dos traumas vivenciados. Esmael Filho relata que muitos dos moradores que auxiliam no combate às queimadas não conseguem nem pensar no assunto direito que entram em desespero, uma vez que as marcas ficam na memória dos moradores. Esmael, inclusive, relatou um caso que aconteceu com ele: “Quando eu era criança, minha mãe dizia que quem brinca com fogo faz xixi na cama e isso é de fato um problema psicológico, pois aconteceu comigo, você não se controla. Em conversa com amigos que estiveram na queimada, um me relatou que também acontecia com ele. Só quem estava lá sabe como que foi”. Jul de 2018

Foto: Nicolas Teixeira

O perigo das iniciativas


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Foto: Juan Melo

O PODER DO TRABALHO EM

COMUNIDADE Mobilização social é o instrumento utilizado em Miguel Pereira para a preservação do meio ambiente

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Mobilização em Miguel Pereira

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Por Juan Melo, Nathalia Mendonça, Rafaela Oliveira e Roberta Costa

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Foto: Reprodução/ site Itpa

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Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA) vem fazendo um trabalho na comunidade de Miguel Pereira, localizada no Rio de Janeiro, há 18 anos. A instituição conta com a maior brigada voluntária especializada de todo o estado há pelo menos dez anos, segundo a ONG. Evitar o avanço das queimadas é um dos objetivos da população em prol da natureza. De acordo com o ITPA, “nenhuma transformação é possível na sociedade sem conscientização e mobilização”. Para o PrevFogo, Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, mais de 90% dos incêndios ocorridos no Brasil são causados por ação humana, ou seja, são criminosos. Esse centro especializado faz parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e apura os impactos das queimadas na biodiversidade da fauna e da flora dos biomas, além da intervenção contra os incêndios e da promoção da educação ambiental em diversas regiões do Brasil. Os danos ao Cerrado e à Floresta Amazônica são devastadores, assim como os da Mata Atlântica. Na região serrana do Rio de Janeiro, os projetos de reflorestamento têm sido amplamente prejudicados. A grande influência da “cultura do fogo” — termo utilizado para designar a prática de queimadas para o uso da terra sem o aproveitamento consciente da natureza — é responsável por inúmeros desastres ecológicos. Atrelado a isso, os fazendeiros ainda utilizam procedimentos rudimentares nas propriedades para expansão da pastagem e do cultivo. Segundo os bombeiros atuantes na área, ainda há possibilidade de o fogo se alastrar mesmo com a tentativa de contenção com os aceiros. A região dispõe também de um Corpo de Bombeiros que enfrenta dificuldades para deter o problema. A unidade militar trabalha apenas com um caminhão híbrido e uma “auto ambulância” (veículo capaz de transportar guarnições e equipamentos de atendimento de emergência) para cobrir toda a cidade, o que prejudica a execução eficaz da contenção do fogo. Além disso, segundo André Luiz, Cabo do Batalhão, não há pessoas suficientes para trabalhar contra os altos índices de queimadas. A prioridade dos resgates é, sobretudo, para casos de ameaça à vida humana. Por essa razão, só há interferência em ocorrências do tipo ambiental quando estas podem afetar as propriedades ou a população. As denún-

Brigada voluntária junto ao corpo de bombeiros de Miguel Pereira

cias são feitas por meio do disque 193 do Corpo de Bombeiros de Miguel Pereira. O bombeiro reafirma: “Recebemos pedidos de socorro pelo 193, o nosso serviço é um serviço de pronto atendimento”. Já os brigadistas voluntários possuem um grupo online que os auxilia. O veículo serve de espaço para receber alertas em caso urgentes. Entretanto, não há acusações diretas por parte dos moradores, pois é permanente o receio de sofrer represália devido à proximidade com os autores das queimadas. De acordo com André Luiz, “esse ano de 2017 tem tido muitos focos de incêndio. A maioria é criminosa. Essa vigilância teria que ser feita pela Polícia Florestal. Mas, a demanda é muito pequena. O certo é denunciar. Mas às vezes as pessoas não denunciam porque são vizinhos, conhecidos”. Um incêndio na mata ocorrido no dia 22 de outubro, em Vera Cruz, bairro da cidade de Miguel Pereira, evidenciou na prática o quanto as queimadas interferem negativamente nas tentativas de reflorestamento e proteção ao meio ambiente. De acordo com a página no Facebook do Jul de 2018


Mobilização em Miguel Pereira morro com isso é muito cansativo. Precisamos de lugares de captação de água para reabastecer. É um método de extinção muito prático. Em vegetação, trabalhamos com água e mangueira, onde ela alcança, a bomba costal e o abafador. Também fazemos a capina. É mais conhecida como aceiro, geralmente de dois a três metros, para que passamos controlar. Não dá para extinguir o fogo antes de controlá-lo. Dependendo da direção do vento, fazemos a técnica do fogo contra fogo. Mas, é preciso material humano para fazer essa técnica, pois ela é perigosa. Nem sempre dá para utilizar todos, depende da extensão do incêndio”. O subtenente Donato, há 3 anos trabalhando em Miguel Pereira, relata: “Na sexta-feira passada (13/10), eu estive em uma situação de fogo, entre Vassouras e Valença. Fui escalado para ir para lá, e além desses métodos nós trabalhamos com o uso de aeronaves, pois era uma região de mata fechada. Não tínhamos acesso, era muito alto, então a usamos para auxílio de lançamento de água. Era uma área muito grande. O fogo já estava queimando há dias. No sábado à noite começou a chover e foi a nossa salvação. No domingo já estava tudo controlado. Nessa ocasião, era o helicóptero do INEA [Instituto Estadual do Ambiente]. Nós trabalhamos em conjunto”. O TRABALHO DOS BRIGADISTAS

Instituto Terra de Preservação Ambiental, mais de 60 mil mudas replantadas poderiam ter sido completamente destruídas. A EXPERIÊNCIA DOS BOMBEIROS O Corpo de Bombeiros de Miguel Pereira expôs as dificuldades reais enfrentadas pelos profissionais. André Silva, Cabo do Batalhão, explica: “Em combate, são apenas um motorista e dois combatentes na viatura. O motorista, na maioria das vezes, precisa tomar conta da viatura e os dois outros sobem com abafadores e com a bomba costal. Às vezes usamos mais os abafadores do que a própria água, a atuação é mais em morros. Pessoas no interior fazem o abafador até com galhos. Quando se abafa o fogo, o oxigênio para de alimentá-lo e ele cessa, mas usar isso em incêndios de grande extensão é difícil. Dependendo da situação também não dá para usar o abafador então usamos a bomba costal, que é uma mochila cheia de água. Ela pesa cerca de 20Kg, então subir um

O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) atua ensinando as técnicas de prevenção e combate aos brigadistas voluntários e demais trabalhadores rurais. Segundo Cosme da Silva e Samuel de Jesus, esse treinamento é totalmente eficiente. Mas, o que os motiva é o poder de transformação do reflorestamento, que recupera vidas e diminui o impacto às nascentes fluviais. Em meio às dificuldades de deter as grandes ocorrências, os agentes voluntários cooperam com a ajuda dos ambientalistas e dos profissionais. Para eles, os empecilhos começam a surgir nos caminhos até os locais de incêndio. “A maior dificuldade é chegar nas áreas”, conta Cosme. Além disso, Samuel relata que a situação se agrava à noite, sobretudo, nas regiões mais íngremes, visto que a cidade de Miguel Pereira possui vasta extensão de grande altitude. De acordo com esses brigadistas, para cada tipo de combate existe um planejamento diferente. A equipe é formada, geralmente, por cinco pessoas em ação. Contudo, a ronda diária é feita por apenas três combatentes. Conforme a dimensão da queimada e a avaliação da periculosidade de cada caso, são acionados mais homens ou não. 17


Segundo Samuel, o trabalho da defesa civil poderia ser mais bem aproveitado. Cosme complementa: “Se os guardas ambientais do nosso município tivessem uma base em pontos estratégicos, as queimadas propositais seriam evitadas”. Embora os brigadistas denunciem e façam boletins de ocorrência para que fique registrado, e a perícia seja chamada, é muito difícil encontrar um responsável. Com as queimadas, não apenas a flora é prejudicada, muitos animais acabam sendo carbonizados. “Esse problema afeta não só a natureza, mas também os animais. As pessoas precisam ter mais consciência nos seus atos. É importante preservar a natureza”, opina Samuel. Já para Cosme, o município, conhecido por possuir um dos melhores climas do mundo, poderia ser mais participativo em políticas públicas em relação ao meio ambiente. “As pessoas deveriam cobrar ações de incentivo à preservação do meio ambiente dos governantes. Tanto de controles de incêndios em florestas, como reflorestamento, controle e fiscalizações de poluições de nascentes, cachoeiras, rios e lagoas”, ressalta.

Apesar das dificuldades, os moradores de Miguel Pereira são participativos à educação ambiental. Segundo Samuel, os brigadistas visitam as casas de moradores, principalmente aqueles que moram perto das áreas de restauração, para conversarem sobre o trabalho voluntário. “A conscientização está transformando as pessoas”. Entendendo a cultura do fogo, as pessoas colaboram para que os incêndios não ocorram e os combatem também. Em caso de incêndios propositais, o ideal é denunciar. A lei n. 9.605 /98 aborda sanções penais e administrativas advindas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O artigo 41 tipifica a conduta de provocar incêndio em mata ou floresta como crime contra a flora. A pena é de dois a quatro anos de reclusão e multa. Para Maurício Ruiz, secretário executivo do ITPA, poucos cidadãos tratam o fogo como crime, e mudar esse imaginário sobre a cultura do fogo é um passo fundamental para uma vida mais sustentável. A seguir estão algumas dicas de como prevenir incidentes e queimadas.

Cabo André Silva e Subtenente Donato em entrevista

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Foto: Juan Melo

MODOS DE COMBATE Direto: trabalha diretamente na margem das chamas. Indireto: quando não é possível trabalhar na margem das chamas. Técnicas para evitar e controlar incêndios: construir aceiros, que podem ser feitos de forma manual, com o uso de máquinas ou com de uma queima controlada. Essa técnica precisa ser refeita a cada ano ou de dois em dois anos. Remoção da vegetação seca: a retirada é necessária porque muitas vezes as folhas secas facilitam o crescimento do incêndio, pois pega fogo facilmente. A remoção pode ser feita por meios químicos ou com uma queima controlada, geralmente com o uso do equipamento conhecido como pinga fogo. Toda queimada deve ser autorizada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e deve ser feita de maneira correta. Abrir linhas de defesa: remover toda a vegetação fazendo linhas que limitam o alcance do fogo. Para isso pás e enxadas. Uso da bomba costal: é um modelo de mochila que carrega água para ser utilizada no combate direto. Ela abaixa o calor e facilita a aproximação do brigadista para o uso do abafador. Uso dos abafadores: são instrumentos que devem ser utilizados para o controle do fogo. É preciso bater o abafador com força no chão para extinguir o fogo rapidamente.

Contrafogo: é uma técnica arriscada e só pode ser aplicada por brigadistas treinados. Um incêndio puxa o outro, controlando a coluna convectiva. Fase de extinção: depois de controlar o foco, é necessário apagar todas as chamas desse local. Se árvores estiverem pegando fogo, é preciso cortá-las para que não aconteça imprevistos. Requer muito cuidado e atenção. Os combates podem durar dias dependendo da proporção do incêndio. Equipamentos para contenção: abafadores, bomba costal, pinga fogo, enxadas, facões, foices, machado, pá, mangueira, bomba d’água, motosserra, enxadão, ancinho, pulaski e mcleod. Segundo os bombeiros é muito importante verificar, com antecedência, quais equipamentos necessários, quais estão disponíveis e se eles estão em boas condições para uso. Também é preciso que a administração desses instrumentos seja feita de maneira correta para que não ocorram acidentes. Segurança: É necessário o uso de roupas e equipamentos de proteção para executar o combate, como óculos de proteção, capacetes ou até mesmo bonés, roupas e calçados que protejam a pele com materiais resistentes ao fogo. Esses são elementos essenciais para a proteção dos brigadistas e voluntários. 19


A ÚLTIMA CIDADE Incêndios causam perdas irreparáveis em Bananal Por Andressa Binéli, Bernardo Moreira, Giovanna Bandeira e Kaliel Barbosa 20

Jul de 2018


E DE SP

Foto: Bernardo Moreira

A

Estado de Emergência

prefeitura de Bananal (SP) decretou, no dia 23 de setembro, estado de emergência após seis dias de incêndio na área de amortecimento da Serra da Bocaina. O fogo chegou a consumir uma área de aproximadamente 720 hectares, o equivalente a 7,2 km². A partir de julho, a umidade relativa do ar fica muito baixa na região, o que aumenta o risco de queimadas. O prefeito acredita que o início dos incêndios tenha acontecido proposital e criminosamente, tornando a situação ainda mais preocupante. Os criadores de gado têm o costume de atear fogo para “limpar’’ o pasto. O ato está culturalmente enraizado e, apesar de ser considerado crime, é muito comum em diversas regiões do país. A professora Ana Lucia Vaz, membro da Associação de Moradores e Amigos do Vale da Bocaina (Amovale), defende que criminalizar não é o suficiente para solucionar o problema: ‘’É um longo trabalho, não adianta ter pressa e querer enfrentar a cultura, tem que ir ganhando as pessoas. A única coisa que pode garantir a longo prazo é a prevenção bem-feita’’. No entanto, a falta de estrutura na cidade dificulta tal prevenção. “A única coisa que o município tem é uma Defesa Civil, que funciona precariamente. Mas, pelo menos, tem”, afirma Joaquim Valim, secretário de Turismo e Cultura da cidade. E completa: “A prefeitura de Bananal não tem um fiscal de meio ambiente. A secretaria de Meio Ambiente é junto com a de Obras e de Agricultura, são três Secretarias em uma só. Às vezes você tem um secretário de Meio Ambiente, que não entende nada de obras e que não entende de agricultura”. Segundo Valim, Bananal não possui Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar Ambiental, que contava com quatro equipes, hoje, tem apenas uma. Ao ser questionada sobre a falta de estrutura com relação às queimadas, Teresa Carvalho, moradora de Bananal, revela: “A cada incêndio a gente senta e chora, não tem o que fazer”. Segundo a bióloga Suzana Vaz, o único Corpo de Bombeiros que atende Bananal é o de Cruzeiro, cidade a 100 quilômetros de distância. A ausência de forças especializadas no combate ao fogo mobilizou os moradores que, com baldes de água e abafadores improvisados, se uniram para conter as chamas nos primeiros seis dias. O Whatsapp foi uma ferramenta essencial no processo, pois, assim, as brigadas de incêndio conseguiram reunir e organizar os voluntários para contê-lo. Hoje, a brigada de incêndio conta com bombas costais e estão à espera de carros-pipa. O trabalho agora é em torno da prevenção, conscientização e do reflorestamento. Apesar de toda a mobilização social, ainda há a necessidade de que o Governo do Estado de São Paulo auxilie não só Bananal, como todas as outras cidades que sofrem com esse problema. 21


Alunos do Colégio Estadual Álvaro Alvim participando do Projeto “Ação de Cidadania e Ecologia”

Iniciativas de preservação ambiental mobilizam a população Projetos de reflorestamento contam com a participação da comunidade para recuperar áreas atingidas pelo fogo em Miguel Pereira Por Ana Carla Longo, Laryssa Baião, Raíssa Rodrigues e Roberto Júnior

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C

erca de 165 ativistas, moradores e até alunos da rede pública de ensino têm desenvolvido um importante trabalho voluntário no plantio de mudas e no reflorestamento na região de Miguel Pereira, interior do Rio de Janeiro. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre os meses de janeiro e novembro de 2017, os focos de queimadas no Estado do Rio de Janeiro praticamente dobraram em comparação com todo o ano de 2016. Isso mostra a importância de projetos de preservação ambiental em locais como o corredor de biodiversidade Tinguá-Bocaina, que, com 195 mil hectares, é a parte mais devastada de uma área contínua da Mata Atlântica. Os estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro estão ligados pelo corredor da Serra do Mar, um território que é a maior extensão contínua de Mata Atlântica ainda preservada no país. Porém, há uma ruptura do cordão entre as cidades de Vassouras, Jul de 2018


Iniciativas de preservação

Foto: Laryssa Baião

Miguel Pereira, Paty do Alferes, Barra do Piraí, Piraí, Paracambi, Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes e Rio Claro. Degradado devido a incêndios florestais criminosos associados a interesses econômicos, o corredor Tinguá-Bocaina tem sido o principal foco de projetos de reflorestamento, como os desenvolvidos pelo Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA). Já foram plantados aproximadamente 1 milhão e 200 mil mudas de árvores na região de Miguel Pereira e o ITPA vem trabalhando com a educação ambiental da população local. Com foco no desenvolvimento sustentável, o instituto é uma organização privada e sem fins lucrativos que surgiu em 1998 e vem atuando, principalmente, nos municípios fluminenses por onde há uma ruptura de todo esse bioma, começando na Reserva Biológica do Tinguá e indo até o Parque Nacional da Serra da Bocaina. O Secretário Executivo do ITPA, Mauricio Ruiz, afirma que a implantação de áreas de restauração florestal está dentro da política de geração de trabalho e renda do instituto. Contudo, chamou a atenção também para a comum desvalorização do meio ambiente frente aos interesses econômicos. “A economia é totalmente desassociada da ecologia, uma área de pasto vale mais que uma área de floresta, economicamente. Os serviços da floresta não são valorados”, completou.

Segundo ele, as queimadas são vistas como forma de manter o status da terra, sem levar em conta a importância que a floresta tem na manutenção do clima e do ciclo da água. O instituto prioriza, portanto, áreas de margens de rios e riachos para reflorestamento. Muitas atividades vêm sendo desenvolvidas e coordenadas pelo projeto em busca de proteger e reflorestar áreas deterioradas. Tendo atualmente 60 voluntários inscritos e somado ao apoio de mais 165 alunos da rede estadual, iniciativas de recuperação da vegetação degradada puderam ser tomadas. Uma delas foi o último mutirão de plantio que envolveu toda a comunidade local. O público que mais colabora com a iniciativa do ITPA, surgida há 8 anos, são os jovens entre 15 a 30 anos, tanto homens quanto mulheres, moradores das cidades Miguel Pereira, Paty de Alferes e, inclusive, da capital do Rio de Janeiro. Esse ano, o projeto “Ação de Cidadania e Ecologia” contou com a parceria com os colégios estaduais da cidade onde tem sua principal sede em Miguel Pereira. No total, 522 estudantes participam das atividades durante todo o ano. Já foram realizados três cursos voltados para o meio ambiente e duas atividades voluntárias. O terceiro curso, por exemplo, tratou da recuperação de áreas degradadas e ensinou aos alunos a prática do plantio por meio das bombas de sementes.

Foto: Raíssa Rodrigues

Área afetada pelas queimadas em Miguel Pereira

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Foto: Raíssa Rodrigues Bombas de sementes são pequenas bolas feitas de argila e adubo, recheadas com sementes variadas. São usadas como estratégia de reflorestamento, e quando são arremessadas e ficam expostas ao sol e à chuva, germinam, até mesmo em solo pouco fértil.

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venção e controle de incêndios. Mas, ressalta que é indispensável uma relação com a população local. “Assim, uma das principais estratégias seria uma aproximação e/ou parcerias com as comunidades do entorno (grandes causadoras dos incêndios, na maioria dos casos) a fim de esclarecer e informar sobre os prejuízos ambientais e sociais.”  Segundo o professor, a prática das bombas de sementes, assim como é ensinada pelo ITPA à comunidade escolar no projeto “Ação de Cidadania e Ecologia”, é realmente uma técnica interessante, mas o processo de reflorestamento não é tão simples e tem um custo muito elevado, estimando-se em até 20 mil reais por hectare. Dessa forma, a técnica que apresenta os melhores resultados é o plantio de mudas. Ele acrescenta que o reflorestamento não é um processo rápido e, levando em conta que restabelecer a condição natural original da terra pode variar de um lugar para outro, é maior a necessidade dos incêndios serem evitados de qualquer maneira. “Os critérios legais indicam que a restauração florestal deve ser feita em 20 anos (Código Florestal de 2012). No entanto, determinados ambientes e práticas antrópicas à restauração pode ser irreversível”, afirma Bruno, esclarecendo que a ação humana pode causar prejuízos definitivos. Jul de 2018

Foto: Amanda Lopes

Já os trabalhos direcionados ao mutirão de plantio foram iniciados no ano passado, juntamente com as inscrições para atividades voluntárias. Entre os três mutirões de plantio já realizados, o ITPA afirma que irá completar 2 milhões de mudas de árvores plantadas. “Existe uma diferença muito profunda entre você receber informação e você se conscientizar. A conscientização pressupõe uma mudança interior. Quando você toma consciência de algo, não tem como fazer diferente. Nosso trabalho é transformar informação em conscientização”, enfatizou Maurício Ruiz. A prática do reflorestamento, contudo, requer também conhecimento e medidas que visem um maior aproveitamento das condições da área escolhida. É importante pensar a respeito de fatores como a época do plantio, adubação, preparo das covas para as mudas, escolha das espécies adequadas, combate aos insetos e irrigação apropriada. O engenheiro florestal e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Bruno Araujo Furtado de Mendonça, comenta que algumas técnicas como a construção de aceiros, que é a abertura de uma linha na vegetação para evitar que o fogo se propague, e até mesmo a construção de reservatórios de água para auxiliar no controle e constituir uma barreira física, são importantes meios de pre-


Reflorestamento em

Bananal

Projetos de reflorestamento contam com a participação da comunidade para recuperar åreas atingidas pelo fogo em Miguel Pereira

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Por Amanda Lopes, Laura Oliveira, Mariane Freitas e Mariana Lima

A

nualmente, os meses de setembro e outubro são demarcados por períodos de seca no Brasil. Como consequências de tais condições climáticas, determinados locais dentro do território nacional são afetados por queimadas. Mesmo com toda precaução, os estragos são sempre devastadores para os moradores destas regiões afetadas. Na última semana de setembro, o fogo consumiu boa parte da vegetação da Serra da Bocaina, no Vale do Paraíba. Embora a causa do incêndio não tenha sido determinada pelas autoridades locais, os moradores suspeitam que o dano ambiental tenha sido consequência de uma ação humana. É o caso de Potyra Carvalho, 43, jornalista carioca da TV Alerj que, junto com a sua mãe, Teresa, de 63 anos, é dona de uma das fazendas mais afetadas pela queimada em Bananal. Segundo ela, os criadores de gado da região costumam atear fogo em seus terrenos, com a intenção de “renovar” a pastagem para os animais. Além disso, Potyra conta que essa prática é realizada amplamente por trabalhadores do setor agrícola, reduzindo a capacidade do solo de absorver nutrientes e levando à poluição de nascentes e águas subterrâneas por meio das cinzas. O incêndio florestal, que durou seis dias, foi contido graças a ação de brigadistas voluntários e do Corpo de bombeiros, após a Prefeitura ter declarado estado de emergência no sábado (23). Depois do fim das chamas, a cidade se empenhou em reparar as consequências da queimada, e em prevenir novas ocorrências do problema por meio da conscientização. Potyra e Teresa contam que que a população de Bananal a partir de mensagens no grupos da ONG Amovale nas redes sociais, envia mensagens de alerta sobre possíveis incêndios via whatsapp. Desta forma, as queimadas em estágio inicial são fáceis de serem contidas pelos moradores da região.

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Material utilizado pelo mutirão do plantio. As mudas foram doadas pela CEDAE e o hidrogel foi comprado com a contribuição dos voluntários.

PREVENÇÃO CONTÍNUA A fim de recuperar as áreas verdes que o fogo consumiu, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Bananal, em uma ação conjunta com a Amovale reuniu também nos dias 4 e 5 de novembro do ano passado um mutirão para reflorestamento dos terrenos mais afetados. Diversos voluntários reuniram-se para plantar cerca de cinco mil mudas de espécies variadas, fornecidas à Prefeitura pelo programa Replantando Vida, da CEDAE. De acordo com Joaquim Valim, secretário de Turismo de Jul de 2018


Foto: Mariane Freitas

Bananal, esse projeto busca ressocializar apenados dos regimes aberto e semiaberto do sistema prisional brasileiro, capacitando-os para serem agentes de reflorestamento e para o preparo de mudas, como as que foram plantadas na região. O clima chuvoso contribuiu para o sucesso do plantio, que contou com a presença de universitários das regiões de Barra Mansa, Volta Redonda e de representantes de vários órgãos ambientalistas. . Dentre as diversas mudas plantadas nos dois dias havia exemplares de sibipiruna, ipê-amarelo, pau-viola, ingá, quaresmeira e embiruçu. Para agilizar o processo de recuperação

da cobertura florestal devastada, foi utilizado o método de irrigação com hidrogel durante o procedimento de plantio. O gel proporciona uma facilidade no manejo do plantio e, principalmente, diminui as perdas de água e nutrientes por lixiviação. Além de diminuir a frequência de irrigação em até 50% e favorecer o crescimento do plantio. No sítio Tarumã, da bióloga Suzana Vaz, parceira da Amovale, um grupo de universitários voluntários produziram “bombas” de argila que continham sementes e hidrogel, que foram utilizados no reflorestamento em lugares menos acessíveis. 27


Foto: VinĂ­cius Alves.

A cultura que carbonizada 28

Jul de 2018


Preservação ambiental em Miguel Pereira

e deve ser Por Ana Beatriz Evangelista, Raissa Testahy, Renata Rijo e Vinícius Alves

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O

fogo, que tem por definição o calor e a luz produzidos pela combustão. O fogo, esse que foi descoberto pelo homem e que está sendo usado contra ele mesmo. O fogo, que antes era comunicação, subsistência, defesa e caça, serve hoje para ameaçar vidas. Porém, não estamos falando somente de vida humana, que é indiretamente afetada, mas também a vida da fauna e da flora, que são constantemente ameaçadas por esse fogo que avança e alastra. O fogo, intenso como ele só, rompeu todas as barreiras, ganhou licença poética, virou enredo para Camões. E esse senhor que desculpe nossa ignorância, mas fogo e amor não podem estar na mesma estrofe. Esse mesmo fogo invadiu a Literatura Modernista, virou assunto para Monteiro Lobato e foi apelidado de “Velha Praga”. Mas o que leva o indivíduo a colocar fogo no próprio lixo? No próprio lugar onde mora? Onde vai criar seus filhos, seus netos e de onde vai retirar seu próprio alimento? Olhando um pouco para nossa história, podemos perceber que essa prática do fogo não surgiu na modernidade, não veio com a globalização ou com

os anos 2000. Ela está na nossa sociedade há alguns séculos. Para os índios, o uso do fogo dava sinal de vida e garantia a subsistência, era uma ferramenta insubstituível. No futuro foi ganhando novas formas de uso e tornou-se culturalmente enraizado. As raízes, estas que tomaram todo território nacional, chegaram até o pequeno município do estado do Rio de Janeiro, Miguel Pereira. A moradora Fernanda Borges, de 36 anos, comenta que o município vive em chamas. “Ultimamente tem tido muita queimada aqui, meus vizinhos têm mania de colocar fogo”. A culpa sempre é do vizinho. Ninguém assume a responsabilidade e as raízes da cultura do fogo vão crescendo na pequena cidade. Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mais de 99% dos incêndios florestais em território nacional são iniciados por ação humana, seja ela espontânea, criminal ou acidental. Agoniada e com uma voz de repúdio, a moradora Ana Maria conta que, no dia 17 de outubro, o morro na região do interior de Miguel Pereira ficou em chamas: “Foi horrível. É terrível ver aquele morro todo em chamas vermelhas”.

Naturalização do fogo em Miguel Pereira: enquanto homens trabalham, as chamas invadem residências

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Jul de 2018


Queima de lixo

RAÍZES E ESPERANÇAS

99% dos incêndios florestais em território nacional são iniciados por ação humana

Foto: Vinícius Alves.

NATURALIZAÇÃO

A cultura do fogo está tão naturalizada entre os moradores que, quando perguntamos o porquê de a moradora não colocar fogo, ela respondeu que os vizinhos iriam denunciar. Ou seja, descarta todos os outros motivos, tanto criminal quanto ecológico. O objetivo não é criminalizar o ato ou apresentar juízo de valor, mas esclarecer que não existe culpado ou inocente e sim uma herança falha que deve ser carbonizada. Assim como o fogo que carboniza as florestas e os animais cotidianamente, seja no nordeste do país ou até mesmo no pequeno município de Miguel Pereira. Enquanto as chamas se alastram pelo município, as autoridades fecham os olhos para acontecimentos desse tipo. O Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA), por sua vez, tem como objetivo reflorestar e conscientizar a população sobre o mal dessa cultura. “Nosso trabalho é transformar informação em ferramenta de conscientização”, afirma o secretário executivo, Mauricio Ruiz. Ele comenta que descontruir essa cultura de raízes tão profundas é um grande desafio. A solução mais eficaz seria inserir a educação sustentável no cotidiano das pessoas, para a compreensão que o mundo não está aí para ser utilizado de qualquer maneira. Estamos agredindo a nós mesmos no processo, e precisamos enxergar o verdadeiro valor da floresta: vê-la como uma fonte de recursos naturais que alimentam a vida.

Crianças no chão, mãos que moldam um novo começo. Foi esse o cenário encontrado no dia 19 de outubro, no ITPA. Uma turma da Escola Estadual Álvaro Alvim participava de um encontro, onde saíram da teoria e foram para a prática, fazendo bombas de sementes para reflorestar mais uma área afetada pelas queimadas. A conscientização não depende só da educação, mas sim de um vínculo com a economia, já que nossa sociedade vê a terra como um meio econômico. Ruiz esclarece que a maneira mais convincente de resolver o problema é trabalhar com o equilíbrio, pois, na maioria das vezes, as queimadas estão ligadas a questões econômicas. “Você tem uma propriedade e tem que tirar um sustento, ou seja, você tem que usar a propriedade como uma maneira de se sustentar e a floresta vai virando uma barreira”, explica. O diretor acrescenta ainda que as pessoas não fazem por que querem, mas porque não têm opção: “A economia não proporciona outros meios. A pessoa sabe que está errada, só que existe uma diferença profunda entre você receber uma informação e conseguir conciliá-la com a realidade”.   O trabalho do ITPA é justamente o de encontrar maneiras de resolver o problema de forma que fique razoável para os dois lados. Por isso, a troca de informação por conhecimento através da educação ambiental realizada pelo ITPA, junto às escolas municipais e estaduais, pode ser uma forma de ter acesso à importância sobre a terra e o reflorestamento.

Se você presenciar algum foco de incêndio, ligue para o telefone 193 (Corpo de Bombeiros) ou (24) 24838712 (Instituto Terra de Preservação Ambiental ) Todos somos responsáveis por não deixar o verde se transformar em cinzas 31


Bananal

ressurge cinzas das

Por Akemy Morimoto, Eduarda Fernandes, Mayara Mascarenhas e Raíssa Amaral

Após queimada devastadora, população luta para reflorestar a área

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umaça para sinalizar destruição, solo escuro para guardar vestígios do que um dia teve vida. O espaço, que antes era predominantemente verde, dá lugar às cores cinza e preta causadas pelo fogo. Este foi o cenário vivido pela população da pequena cidade de Bananal, em São Paulo, onde ocorreu o maior incêndio florestal da região em setembro do ano passado. O fogo matou centenas de pássaros e obrigou outros a trocarem de moradia. Eliminou nutrientes fundamentais para o solo. Matou microrganismos que auxiliam no desenvolvimento das plantas, devorou árvores frutíferas e que trazem vento, queimando e empobrecendo a terra. Tudo que restou foi, aproximadamente, 720 hectares desmatados. No momento em que o fogo se espalhou, os animais recuaram. Alguns sufocados pela fumaça fugiram para a estrada. Em meio às chamas, um veado foi intoxicado e não resistiu. “Fui avisada e fiquei à espera dele para atendimento. Infelizmente, ele morreu antes de chegar aqui”, explicou Vanessa Olímpio, veterinária da região. Ainda, de acordo com ela, uma coruja também foi encontrada com as asas fraturadas. Ela também morreu. A região afetada faz parte da Zona Tampão do Parque Nacional da Bocaina. Área de preservação de extrema importância no amortecimento dos impactos ambientais das atividades humanas, como ruídos, poluição e espécies invasoras. Porém, a intensidade e rapidez das chamas não pouparam a flora de Bananal. Antes rica e diversa, agora, boa parte da vegetação está composta por plantas consideradas pragas, como a braquiária, que suga os nutrientes da terra e não dá espaço para outras plantas nascerem.

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Na fazenda de Teresa Beatriz, o estrago dava para ser visto de longe. As grandes crateras que se abriram no terreno, conhecidas como voçorocas, evidenciavam a degradação do solo com as queimadas, que alteram as características químicas, biológicas e físicas da terra. As minas de água da propriedade só não secaram porque a família sempre fez questão de preservar e cuidar da vegetação próxima de fontes d’água, o que possibilitou que algumas árvores resistissem ao fogo. Do alto do morro da fazenda, é possível observar que existem poucas áreas com árvores na região. A maioria dos proprietários de terra utiliza seus terrenos para criar gado ou para plantações monocultoras, sem pensar em um sistema sustentável. Algumas das poucas microflorestas presentes, que, em meio a tanto gado, mantinham a biodiversidade de Bananal, foram consumidas pelo fogo. Teresa e sua filha Potyra, que sempre lutaram pela causa ambiental, plantaram em janeiro quase 200 árvores, mas as chamas devoraram toda a plantação nos incêndios de setembro. O prejuízo só cresceu com a quantidade de mudas queimadas: cerca de duas mil. A fazenda fica localizada no Km 1,5 da rodovia 247 e pertence à família de Teresa desde 1982. Segundo Potyra, as queimadas são constantes na região. Ela ainda alertou para uma prática muito comum no Brasil: “Muitas pessoas não sabem que queimar lixo é crime. A polícia pode bater na sua porta”. A população da área tenta se prevenir para que, nas épocas de seca, o fogo não se alastre. Para isso, utiliza-se a técnica do aceiro, comum para barrar a propagação do fogo através da redução do material combustível. O objetivo é tirar a vegetação para onde o fogo Jul de 2018


Renascimento

Foto: Raíssa Amaral.

Suzana Casaccia explicando métodos para adubar o solo.

está se encaminhando. Mas, devido à altura das labaredas, o fogo se espalhou. “Manter uma parte limpa, sem plantas entre um terreno e o outro, não foi suficiente para conseguir fazer com que o fogo não se espalhasse. As chamas eram muito altas”, desabafou Potyra. O abrigo de animais da região eram as florestas, mas elas também foram carbonizadas, o que deixou as espécies vulneráveis à caça, já que eles tinham as árvores e as plantas como proteção. Além disso, com a perda de espécies, a reprodução foi fortemente prejudicada. Segundo Thiago Nogueira, integrante da Fundação Florestal, o ateamento de fogo em pastos é, muitas vezes, premeditado. “As pessoas que provocam os incêndios são muito espertas. Elas tiram o gado antes e, aí sim, colocam fogo no pasto”, explica. E complementa: “É comum que a própria pessoa que colocou fogo vá à polícia denunciar para tirar a culpa dela”. Ele também ressalta a importância medicinal das plantas da região, que podem ser utilizadas para estudos científicos. Com as queimadas, as possibilidades de cura para diversas doenças diminuíram. A bióloga Suzana Casaccia, juntamente com a Amovale, tenta devolver esperança à população de Bananal ao promover um reflorestamento nas áreas afetadas pelas queimadas. Suzana é dona do Sítio Tarumã e desde 2013 desenvolve estudos sobre a fauna e flora da região. Sua função na Amovale é selecionar as melhores espécies para o plantio.

O reflorestamento conta com centenas de espécies de plantas, entre elas o pau cigarra, guapuruvu, amendoim bravo e maricá, que serão usadas para o plantio. Os lugares que serão reflorestados são os Km 1,5 e o Km 6. Mas, a tarefa não será fácil, uma vez que há um custo elevado para manter a vegetação em bom estado. Joaquim Valim, secretário de Turismo de Bananal, conseguiu parceria com a CEDAE para a doação de cerca de 5 mil mudas. A Prefeitura da cidade também fez doação de insumos para que os danos causados pelas chamas sejam reparados. Mesmo com todos esses esforços, a recuperação de Bananal será um trabalho duro e gradativo. A topografia da área, com morros íngremes, dificulta o acesso de carros para o transporte das mudas do reflorestamento. Além disso, é preciso escavar o solo duro, adubar e plantar cada muda individualmente, o que exige uma grande mão de obra. Porém, mesmo com os transtornos causados pelas queimadas em Bananal, há perseverança. “Agora é arregaçar as mangas e começar tudo de novo”, diz Teresa, que se inspira na árvore de sua fazenda. Um mês após o período de incêndios, a árvore, que foi completamente incendiada, começou a florescer novamente. Isso mostra que, em meio ao caos, há sempre a esperança de que cada semente e cada árvore que o fogo consumiu venham a brotar novamente, como uma fênix. 33


DAS

CINZAS

A história de Teresa, mulher que perdeu duas mil mudas para as queimadas na Serra da Bocaina em São Paulo Por: Matheus Meireles, Pablo Paiva e Thamires Melo

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FAÍSCAS Nascida em 1954, no Município de Bananal, localizado no Vale do Paraíba, mas criada na localidade próxima de Vila Luanda, Teresa se mudou para o Rio de Janeiro aos 8 anos de idade, onde cresceu e teve um filho e uma filha. Retornou para Bananal quando se aposentou e viu seus filhos já encaminhados para a vida adulta. Para alguns, a calmaria do interior pode ser um lugar de descanso, ainda mais após anos e anos em uma das metrópoles mais agitadas do Brasil. Porém não para ela que disse em um tom incansável: ‘‘não quero sossego, não. Eu quero bastante trabalho ainda’’. A motivação de seu retorno à terra natal foi para cuidar da propriedade pertencente à sua família desde 1981. Suas visitas ocorriam pelo menos uma vez por mês desde que se mudou para o Rio. Muito diferente do que fazia quando era jovem, época em que seu pai tinha um hotel fazenda na propriedade e as suas visitas, sempre frequentes, incluíam ajudá-lo “botando a mão na terra”. Teresa conta que dentro de suas propriedades não existem apenas grandes extensões de campo para plantio, mas também minas de água no subsolo. Essa foi a razão principal pela qual escolheu o lugar para iniciar a plantação: “Eu preferi aqui por causa das nascentes, a gente precisa preservar água… precisa. Nós precisamos crescer e fazer a ‘água crescer’, as plantas crescerem”. Sua preocupação era preservar essas terras, garantir que as nascentes não fossem pisoteadas pelo gado, criado em diversas fazendas nas proximidades, dando lugar a uma área de cultivo e preservação do meio ambiente livre de práticas não ecológicas. Jul de 2018

Foto: Raíssa Amaral.

ênix é uma ave da mitologia grega que renasce de suas próprias cinzas passado algum tempo. Teresa Beatriz de Almeida Carvalho, 63 anos, moradora de Bananal, também teve de renascer das cinzas — literalmente. Sua aparência esconde o poder e determinação ali existentes: longos cabelos, já grisalhos, e um corpo franzino, características que entregam seus anos de existência, assim como os do seu sítio. A emoção percebida quando Teresa narra os momentos que já passou vivendo naquele lugar evidencia sua relação com o sítio. Após uma íngreme subida no morro existente na propriedade, que separa sua casa das terras de plantio - acompanhados de sua filha, Potyra Carvalho (42) - nos deparamos com a silhueta borrada da entrevistada à distância, retirando as mudas queimadas do solo. Ao nos aproximarmos, pudemos ver algo que chamava mais atenção do que seu empenho em cavar a terra com a enxada: o seu sorriso, que era tão duradouro e tenaz quanto a figueira-da-índia localizada em sua propriedade, que, mesmo com 400 anos de idade, conseguiu sobreviver às chamas. Teresa nos recebeu com abraços e nos levou para caminhar pelo terreno arenoso, testemunhando que, em meio ao caos, a vida resiste. Mostrou sulcos na terra por onde corriam as fontes de água subterrâneas, desmoronamentos ao longo das encostas, causados pelas queimadas, buracos cavados para o plantio de mudas, a vegetação já queimada, a que havia nascido, e até seu celular: de modelo simples como a proprietária, com a opção de recarregar a bateria tanto através da eletricidade quanto pela luz solar. Tudo dela tem seu jeito. Ao longo do trajeto, conversamos com Dona Teresa sobre a sua história e a do seu sítio. As narrativas parecem se confundir, de tanto apreço que ela tem pela natureza e vida ali existentes.


ÀS

FOLHAS

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quando eu cheguei aqui e sentei lá em cima, eu só chorei e chorei

Foto: Raíssa Amaral.

FOGO Teresa posa ao lado de sua filha Potyra enquanto alunos de jornalismo fazem fotografias. Objetos incendiados pela queimada disputam espaço com as mudas do “replantio”.

Dona Teresa, mesmo sem conhecimento técnico, cuidou da propriedade utilizando o que aprendeu durante a vida na roça: plantou mudas ao longo das extensões de terra e fez árvores e plantas brotarem dali praticando uma agricultura agroflorestal e benéfica para o solo com a ajuda de amigos e familiares. Segundo ela, duas mil mudas foram plantadas na propriedade. Mas o sol se põe até no paraíso.   Após o árduo trabalho de cuidar do plantio, durante uma viagem entre agosto e setembro, ela recebeu um dos telefonemas mais tristes que alguém dedicado à natureza poderia receber. A filha Potyra ligava para avisar que o sítio havia sido assolado por um incêndio, iniciado em terras vizinhas, mas que saiu de controle e se estendeu até a área cultivada por ela durante cinco anos. Ao retornar para casa, ela se deparou com a catástrofe: todo o seu esforço foi consumido pelas chamas. “Quando eu cheguei aqui e sentei lá em cima eu só chorei e chorei”, recordou-se em lágrimas. Das mudas, batizadas carinhosamente com o nome de seus amigos, “só a Jô sobrou”, conta cabisbaixa, enquanto acariciava o galho da pequena árvore. Os incêndios, porém, não pararam aí. O Vale do Paraíba foi parcialmente consumido pelo fogo que teve início no dia 17 de setembro e se prolongou por sete dias, quando a Prefeitura de Bananal decretou estado de emergência.

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Perfil CINZAS A terra estava castigada, mas Teresa não se deixou abater. Com a ajuda de sua filha e de funcionários de terras vizinhas, ela iniciou a preparação para o plantio de novas mudas. A ajuda voluntária dos chamados “peões” foi de grande importância para Dona Teresa, que é contra o vocábulo. “Eu não chamo de peão, chamo de ‘amigo’ os caras que vieram aqui pra ajudar a gente’’, explica, enquanto se mostra grata. Por conta da localização, o acesso ao ponto do reflorestamento é difícil para o transporte de água, necessária para irrigar as sementes. Porém, o automóvel de Dona Teresa, um fusquinha, a auxilia nesta tarefa. É com ele que ela consegue chegar até o local com ferramentas, galões de água, mudas e todos equipamentos necessários.

Dona Teresa fez também um viveiro, com diversas mudas e sementes das mais variadas espécies, incluindo as que já existiam na propriedade, as coletadas nas ruas de Bananal e as recebidas de presente. “Se vier me visitar e trouxer sementes de presente eu já fico feliz”. Algumas delas estão sendo cuidadas neste viveiro que tem mais de 300 mudas. Inclusive as de saboeiro, que passaram por um longo e difícil processo, com banho de sol de três meses, até se tornar uma muda pronta para replantio — uma árvore bastante conhecida pela cidade e encontrada em frente à Igreja do Rosário. Quando questionada sobre o que quer plantar, Tereza tem a resposta na ponta da língua: “Nós vamos plantar de tudo. Vou chamar um especialista para estudar, inclusive a gente estava pensando em fazer uma horta com aquele galinheiro no meio”. A incansável luta pela preservação do solo e das nascentes de água é para Teresa uma função social de responsabilidade de todos: “Esqueçam o governo, esqueçam as políticas e atuem vocês. Ou a gente planta pra ‘água nascer’ ou seus filhos não vão ter o que beber”. Apesar de vegetariana, para ela não deve haver briga entre criadores de gado e ambientalistas, mas sim um consenso, com participação ativa também daqueles que consomem carne, para saber a origem de seus alimentos e o impacto disso no ecossistema. Simples, gentil e sábia, Dona Teresa acredita nas gerações que estão por vir, e crê piamente num futuro melhor para a humanidade se trabalharmos juntos, pensando em um uso dos recursos do mundo de forma consciente, sem desperdício e destruição.

Foto: Raíssa Amaral.

FLORESCER

Fotografia da Figueira-da-Índia, árvore que habita as terras de Teresa há aproximadamente 400 anos e que resistiu às chamas

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