Revista T&D nº 140

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ANO 32 - Nº 140

R$ 18,00

Fuzis militares brasileiros Gripen BR: As opções de armamentos

Entrevista com Jackson Schneider, CEO da EDS


| ENTREVISTA |

Ivan Plavetz

CEO da Embraer Defesa e Segurança (EDS) desde janeiro de 2014, Jackson Schneider recebeu, na tarde de 06 de março passado, a reportagem de Tecnologia & Defesa na sede do escritório da empresa, em São Paulo (SP). Na ocasião, o executivo fez um apanhado do atual momento de expansão pelo qual passa a defense house brasileira, incluindo seus principais produtos e projetos e a exposição de sua inovadora e sábia filosofia de gestão, cujos resultados já se fazem sentir através de programas como o do avião de transporte KC-390; de participação como principal contratada brasileira no âmbito do Projeto F-X2; do bem-sucedido A-29 Super Tucano; e da Fase I do SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras). A entrevista a seguir foi gentilmente concedida a Ivan Plavetz e Francisco Ferro.

Uma visão global O CEO da EDS fala à T&D

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Tecnologia & Defesa - O pacote de modernização dos T-27 Tucano, da Força Aérea da Colômbia, é um exemplo de exportação de serviços bem-sucedida na área de aviação militar. O senhor poderia comentar este processo e o seu atual status? Jackson Schneider - Este programa é uma parceria com a colombiana CIAC (“Corporación de la Industria Aeronáutica de Colômbia”), que envolve transferência de tecnologias, capacitação de pessoal e implantação de infraestrutura dedicada na linha de montagem da CIAC. Um protótipo foi modernizado no Brasil, com a participação da engenharia das duas partes. Os 13 exemplares restantes (do lote de 14) estão sendo modernizados pela CIAC, com assistência da Embraer, sendo que o primeiro deles já voou. Asas contendo aperfeiçoamentos estruturais, novos trens de aterrissagens, “glass cockpit” e nova aviônica formam o conjunto central do pacote. A EDS já entregou para a CIAC 14 conjuntos de asas e trens. T&D - Ainda há muitos T-27 operacionais no mundo, incluindo na Força Aérea Brasileira (FAB). A Embraer acredita que há potencial para mais contratos de modernização dessa frota? (1) Schneider - O programa desenvolvido em conjunto com a CIAC é embrionário e, certamente, poderá servir de base para outros clientes interessados. A base do programa colombiano é muito bem desenvolvida e bem formulada, entretanto, poderá sofrer variações de acordo com requisitos específicos e isso poderá ser feito também com a colaboração da CIAC. Estima-se que,


atualmente, há mais de 400 aeronaves do modelo em atividade. T&D - Como estão as moder nizações dos F-5E/F e A-1, da FAB, e a dos A-4 Skyhawk, da Marinha do Brasil? Schneider - O primeiro lote de 46 exemplares de F-5 já foi concluído e a modernização do segundo lote, de 11 unidades, está em andamento. Existem conversações com a FAB em torno de uma possível reprogramação ou revisão de quantidades, notadamente em função da disponibilidade de verbas. O programa de modernização dos F-5E/F, da FAB, capacitou a Embraer para aceitar outros pedidos dessa solução de países da América Latina (2) ou de outras partes do mundo. Temos tecnologia, engenharia, mão-de-obra qualificada e ferramental, portanto, estamos preparados para atendê-los. Com relação aos A-1 e A-4 a movimentação é a mesma, ou seja, possível reprogramação ou revisão das quantidades, contudo, ainda não há condições de saber o que vai acontecer. T&D - Os E-99 estão sendo modernizados. A Índia encomendou plataformas baseadas no EMB-145 AEW&C. México e Grécia adquiriram essas plataformas que também estão chegando ao status que requer modernização. A Embraer já recebeu por parte desses países alguma consulta ou propôs melhorias para as mesmas? Schneider - O programa de modernização dos E-99, da FAB, está em andamento nas mesmas condições que os demais, ou seja, há conversações para eventuais reprogramações de tempo e quantidades. Os EMB 145 AEW&C indianos estão inseridos num projeto específico, haja vista que alguns sistemas, incluindo o radar, serão fornecidos pela indústria local sob coordenação da DRDO (Defence Research & Development Organisation). A campanha de testes e certificações também está a cargo do cliente. A EDS participa também da concorrência para modernizar os EMB 145 AEW&C, da Força Aérea do México. Com relação aos exemplares em serviço na Grécia, ainda não há novidades nessa direção.

T&D - O A-29 Super Tucano opera em dez países, incluindo os Estados Unidos, após uma verdadeira batalha comercial e política, prevalecendo, de fato, o melhor dos dois concorrentes finalistas. O que significou para a Embraer vencer o LAS? Quais as atuais perspectivas de mercado para o A-29? Schneider - Temos várias campanhas para a venda do Super Tucano ocorrendo simultaneamente. Entregamos mais de 190 aeronaves, de um total de 210 encomendadas. A aeronave é, certamente, o produto mais adequado para cenários de guerra não convencional, principalmente aqueles existentes no Oriente Médio, Sul da Ásia e África. É um produto testado e provado em combate, na Colômbia e Norte da África, por exemplo. Foram por essas razões que ganhamos o LAS, e que os A-29 serão empregados no Afeganistão nesse tipo de conflito (assimétrico]). De fato, as perspectivas de mercado são boas e acreditamos que o Super Tucano será produzido por muito tempo. Este avião não tem concorrente capaz de desempenhar as missões que ele realiza de forma equivalente. Além disso, com o tempo, este produto tem incorporado novas tecnologias e equipamentos, a exemplo dos aviões encomendados pela Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), que solicitou, no âmbito do LAS, a integração de novas capacidades, entre outros itens. Essas novas soluções modernizam o produto e irão para a prateleira, ficando disponíveis para outros clientes. T&D - Foram assinadas seis cartas de intenções para a compra do KC-390 (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Portugal e República Tcheca). Até agora, apenas a assinada pela FAB foi transformada em compra firme. Como a Embraer está vendo a evolução do projeto e dos negócios envolvendo o novo avião?

Schneider - O projeto está absolutamente dentro das expectativas e o primeiro voo aconteceu dentro do programado. Imaginávamos que isso viesse a acontecer no final de dezembro último, e aconteceu um mês depois. Para um programa de tal magnitude e com tal nível de tecnologia, acreditamos que estamos avançando muito bem, principalmente se compararmos com outros grandes programas da concorrência, os quais registraram até anos de atrasos. A Embraer recebeu elogios de várias partes do mundo pelo que a companhia conseguiu fazer dentro do prazo combinado e em um projeto dessa complexidade. Quando falamos em termos de mercado, o produto traz consigo uma nova abordagem conceitual, ou seja, conceito multipropósito, algo diferente do que a concorrência oferece. Com uma única plataforma, ele é capaz de cumprir várias missões. É claro que os potenciais clientes querem acompanhar as fases de testes e certificações. Queremos salientar o grande interesse que incide sobre o avião, a exemplo do que já aconteceu na FIDAE (Chile), ano passado, e, mais recentemente, na IDEX (Abu Dhabi), com muitas delegações querendo visitar Gavião Peixoto (linha de montagem final do KC-390, no interior de São Paulo), abrangendo ministros de Defesa e comandantes de Forças Aéreas, por exemplo. É claro e natural, assim acontece no mundo todo. Os países que não estão envolvidos no esforço específico de engenharia de desenvolvimento esperam um pouco, acompanhando as fases do programa para confirmar e conformar sua intenção de compra. Como exemplo, posso citar que dois países atrasaram suas concorrências devido ao interesse despertado pelo KC-390. Já recebemos solicitações de informações oficiais de vários países relativos às características e concepções do novo produto. Quanto aos repasses de verbas para o projeto, o qual depende também do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), isso nos dá uma certa proteção, mas, mesmo assim, diante do atual quadro, a dúvida permanece. Estamos acompanhando e o programa de certificação segue normalmente com a expectativa de que os recursos destinados cheguem. Se esses recursos não chega-

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| REPORTAGEM DE CAPA |

De volta ao futuro? André M. Mileski

O Guarani poderia continuar o sucesso dos blindados da Engesa no além fronteira

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Já na atualidade, muitas das vendas internacionais, dado seu caráter estratégico e exigências de clientes, não são divulgadas ao público. Mas, sabe-se que ícones da indústria setorial, brasileira como a Avibras e Mectron, além da Embraer (ver reportagem nesta edição) são bastante ativas. Os sistemas ASTROS estão em operação por vários usuários no Oriente Médio e Sudeste Asiático, com alguns deles discutindo modernizações e ampliações de capacidades. Existem ainda consumidores de outros produtos da empresa noutras regiões do globo, em particular América do Sul e África, que também demonstram interesse em seus novos desenvolvimentos. No caso da Mectron, alguns de seus modelos de mísseis são operados pela Força Aérea do Paquistão, e há boas perspectivas de ampliação do mercado com o futuro míssil ar-ar de 5ª geração A-Darter, desenvolvido em conjunto com a Denel Dynamics, da África do Sul. Dentre as empresas de pequeno e médio portes, merecem destaque também as exportações de paraquedas e placas de blindagem, que aumentaram sensivelmente nos últimos anos.

NÚMEROS Não há números consolidados e oficiais disponíveis sobre o total de exportações brasileiras no setor de defesa e segurança, embora haja indicativos de sua magnitude. No início de setembro de 2014, durante a mostra BID-Brasil, em Brasília (DF), Celso Amorim, então ministro da Defesa, afirmou que a indústria faturaria cerca de US$ 2,8 bilhões com exportações, um aumento de 8% em relação a 2013. Mas, há divergências com números divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE). Seus dados mostram que o setor gera cerca de 30 mil empregos diretos e 120 mil indiretos, movimentando mais de US$ 7,5 bilhões por ano, sendo US$ 3,5 bilhões em exportação, e US$ 4 bilhões em importação. Esses números são variáveis e dependem do andamento dos grandes projetos de defesa. Não há dúvidas, porém, sobre a importância das exportações e de suas cifras bilionárias.

Roberto Caiafa

esmo com o momento atual difícil, decorrente de cortes orçamentários e atrasos em projetos estratégicos, a partir da edição da Estratégia Nacional de Defesa e todos os planos de modernização das Forças Armadas levados adiante nos últimos anos, imagina-se que a mudança de paradigma do setor de defesa no Brasil seja um caminho sem volta. Fato é que hoje indústrias de poucos países no mundo se dão ao luxo de depender apenas de consumo interno desses materiais. Em tempos de crise, aliás, a busca por mercados externos fica ainda mais acentuada, com exemplos bem recentes na Europa, em que grandes grupos empresariais do setor, como forma de mitigar as perdas decorrentes de cortes orçamentários em seus mercados domésticos, buscaram ampliar seus esforços e estratégias em direção à exportação. O Brasil não foge à regra, muito embora sua presença nesse comércio global também não seja algo novo. O auge da indústria brasileira ocorreu entre a metade dos anos de 1970 e início dos anos de 1990, quando nomes tradicionais, com projeção internacional, inclusive, como a Engesa, a Avibras Aeroespacial e a Embraer venderam volumes significativos de veículos blindados, lançadores de foguetes e aviões de treinamento e transporte para dezenas de países na Ásia, África, Oriente Médio e América Latina, mercados que ainda hoje são vistos como prioritários pela Base Industrial de Defesa (BID) local.


Roberto Caiafa

A indústria de materiais de defesa segurança do Brasil, com políticas oficiais consistentes, pode voltar à posição de relevância que já ocupou, em passado recente, no mercado internacional

A versão mais recente do consagrado sistema ASTROS, com novos foguetes e mísseis, tem amplas perspectivas de continuar e ampliar sua carreira operacional muito além do Brasil Ao longo dos próximos anos, existe grande expectativa com um aumento do total exportado, particularmente em razão da chegada do cargueiro militar KC-390, da Embraer e do blindado Guarani, desenvolvido pela IVECO em conjunto com o Exército Brasileiro. Apesar de ainda não ter sido oficialmente confirmado, o Guarani já teria conquistado ao menos uma exportação, no caso, para o Líbano. Segundo uma pesquisa recente realizada pela ABIMDE, os números de empregos e geração de receitas podem mais do que dobrar nos próximos 20 anos, a depender da concretização de grandes projetos como o Sistema de Monitoramento de Fronteiras (SisGAAz), o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SISFRON), o programa F-X2, entre outros. Espera-se que os investimentos alcancem US$ 120 bilhões no longo prazo, sendo que US$ 40 bilhões já foram anunciados para programas voltados para vigilância

das fronteiras marítimas, aéreas e terrestres. Para aqueles que se impressionam com as cifras - de fato grandiosas, o total de investimento previsto para esse período não chega a 1/5 do orçamento militar dos Estados Unidos em 2014, de US$ 640 bilhões. Continuando com os dados da pesquisa da Associação, até 2020, o Brasil tem a possibilidade concreta de praticamente dobrar o número de postos altamente especializados, com o setor gerando cerca de 48 mil novos empregos diretos e 190 mil indiretos. Mais adiante, em 2030, a expectativa é mais otimista, ampliando para 60 mil novas vagas diretas e 240 mil indiretas. O setor de segurança, por sua vez, dividido em segmentos de segurança pública e segurança privada (serviços de vigilância patrimonial e equipamentos de vigilância, alarmes, entre outros) deve apresentar um bom crescimento em 2015, de cerca de 30%. Numa estimativa conservadora,

entende-se que o segmento de segurança privada movimente cerca de R$ 20 bilhões por ano. Em segurança pública, a Condor Tecnologias Não-Letais, do Rio de Janeiro, tem destacada atuação internacional. Seu portfólio conta com cerca de 150 produtos é utilizado por Forças Armadas, forças de paz das Nações Unidas e por diversas polícias de todo o mundo.

APOIO GOVERNAMENTAL Principalmente por sua natureza de oligopsônio - forma de mercado em que há poucos compradores, apenas instituições militares e governos - pelo caráter altamente estratégico e, por consequência, rigidamente regulado, o setor de defesa depende muito dos governos de seus países de origem para a promoção das exportações. Cabe aí, portanto, uma análise sobre o apoio que tem sido dado pelo governo brasileiro para as exportações pela indústria nacional. TECNOLOGIA & DEFESA 31


| REPORTAGEM DE CAPA |

Produtos aeroespaciais de Defesa “Made in Brazil” para o mundo Ivan Plavetz

Estratégia Nacional de Defesa (END) prescreve que todos os contratos de importação envolvendo material militar para as Forças Armadas devem conter cláusulas que contemplem compensações comerciais e tecnológicas (offset) com o propósito de capacitar a indústria de defesa nacional tornando-a capaz de suprir meios desse gênero empregados internamente nessa sensível área, de forma autônoma, em substituição às importações de similares. Essa capacitação

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representa aumento de qualificação de sua engenharia, processo apoiado também pelos programas de pesquisas realizadas no País por institutos e setor acadêmico. Essa evolução tende a tornar a indústria de materiais de defesa e segurança brasileira competitiva no fechado mercado internacional a ponto de disputar em condições de igualdade ou mesmo de superioridade. Como um dos reflexos dessa nova doutrina, em meados de 2014, um convênio assinado por 45 empresas brasi-

leiras do segmento, prevê a participação delas em feiras internacionais até o final de 2016, promovendo seus produtos e serviços em diversas áreas de atividades. Essa iniciativa conta com apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que atua para promover produtos e serviços brasileiros no exterior e atrair investimentos estrangeiros para setores estratégicos. Algumas outras iniciativas também corroboram com o crescimento e qualificação almejada, incluindo


USAF

As excelentes qualidades do A-29 Super Tucano como aeronave especializada em operações de combate assimétrico valeram sua vitória na disputada concorrência norte-americana LAS

a formação do Cluster Aeronáutico Brasileiro, coordenado pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), e as ações da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB). Como instrumento de apoio às atividades do crescente parque industrial aeroespacial e de defesa e segurança, destaca-se o Plano Inova Aerodefesa, uma iniciativa destinada à coordenação das ações de fomento à inovação e ao aprimoramento da integração dos meios disponibilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), pelo Ministério da Defesa (MD) e pela Agência Espacial Brasileira (AEB). Ele foi modelado para duas finalidades, sendo a primeira apoiar pesquisa, desenvolvimento e inovação nas empresas brasileiras, incentivando dessa forma seus respectivos adensamentos e, a segunda, aumentar a coordenação das ações de fomento e aprimorando a integração dos recursos financeiros disponíveis.

UM PLAYER DE PESO Como ícone da plêiade de empresas exportadoras de produtos e serviços relacionados ao setor ou dotadas de potencial, a Embraer encabeça as estatísticas com seus produtos de qualidade comprovada, aceitos pelos mais exigentes usuários.

Na área militar, por exemplo, ela conseguiu exportar boa parte dos mais de 600 treinadores T/AT-27 Tucano produzidos, adotados por Forças Aéreas de 15 países, incluindo França e Reino Unido. Atualmente, seu irmão mais novo, porém mais potente e dotado de sistemas no “estado-da-arte”, o Super Tucano, já ultrapassou a marca de 200 unidades vendidas, abrangendo aí as Forças Aéreas do Brasil e dos Estados Unidos, este último negócio firmado através do disputado programa Light Air Support (LAS). Outras conquistas internacionais da empresa estão bem representadas pela venda de aeronaves EMB 145 AEW&C para Grécia, México e Índia (alguns sistemas de missão estão sendo integrados pela indústria local) e EMB 145 ISR MP (patrulha marítima), para o México. O dia 03 de fevereiro último marcou a estreia do mais novo produto do portfólio da Embraer endereçado ao mercado de defesa. Com o status de maior e mais complexa aeronave projetada e construída no Brasil, decolou pela primeira vez o KC-390, avião militar de transporte que lança a empresa para uma fase mais madura na atividade aeroespacial oferecendo forte potencial para disputar um nicho antes dividido apenas por empresas de grandes porte e tradição no setor. Calcula-se que 700 aviões militares de transporte de sua classe (20 toneladas de carga útil) deverão ser substituídos

nos próximos anos. Embora não especifique o número que espera vender, a empresa acredita que suas qualidades o tornam um forte competidor. Argentina, Chile, Colômbia, Chile, Portugal e República Tcheca assinaram cartas de intenção de compra e a Suécia dá sinais de interesse no modelo. Acordo assinado entre a Boeing e a Embraer, em junho de 2013, formou uma parceria para promoção e venda do KC-390 em mercados onde a gigante norte-americana possui influência e experiência como, por exemplo, o Oriente Médio , iniciativa que tende a ampliar as expectativas comerciais. Ao mesmo tempo, Atech, Bradar, Harpia, OGMA, Savis e Visiona, subsidiárias da Embraer, reúnem potencial para transformarem-se em players internacionais, cada uma em sua especialidade. Em julho de 2014, a Atech Negócios em Tecnologia S/A foi contratada pela Autoridade Aeroportuária da Índia (AAI) para implantar o sistema Skyflow, de gestão e controle do tráfego aéreo. A Bradar, empresa de base tecnológica, especializada em sensoriamento remoto e radares de vigilância aérea e terrestre, oferece sistemas para cartografia (OrbiSAR), com capacidade de “enxergar” o terreno que está embaixo da vegetação, e o conhecido radar de vigilância aérea de baixa altitude SABER-M60, já adotado pelas Forças Armadas brasiTECNOLOGIA & DEFESA 35


Fotos: Marinha do Brasil

| BRASIL |

Marinha

Grandes responsabilidades e poucos recursos Paulo Maia 44 TECNOLOGIA & DEFESA


história da Marinha do Brasil (MB) se amálgama com a da jovem nação que nasceu, oficialmente, em 1822. De saída, já recebeu uma difícil missão em face de suas deficiências em recursos humanos e materiais, o emprego na Guerra da Independência. O desafio foi encarado por homens corajosos e patriotas e a sua atuação foi decisiva para impedir a fragmentação da unidade nacional. Foi através das massas aquáticas que foi possível a conquista e a manutenção da liberdade. E também foi nesse mesmo ambiente que o Brasil recebeu os maiores golpes contra a sua soberania, nas Guerra do Paraguai e nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Nesses três momentos cruciais a MB amargava a deficiência de meios materiais adequados, superada apenas pelo valor de seus componentes. Apesar da secular restrição orçamentária que condena a instituição a um constante quadro de penúria, manifestada pela posse de navios insuficientes e tecnologicamente defasados, a Esquadra brasileira é reconhecida pelo profissionalismo de suas tripulações e por invejável capacidade operacional. Em contraposição ao baixo nível de investimentos que tem recebido de sucessivos governos, a Força Naval tem procurado ser uma indutora de desenvolvimento e progresso tecnológico. Ações de incentivo na área de construção naval e o programa nuclear são os aspectos mais visíveis dessa vocação. O Brasil é um país de grande potencial marítimo. Entretanto, a mentalidade correspondente de sua população ainda não atingiu a maturidade compatível com a importância do mar para o seu desenvolvimento. A maritimidade brasileira se manifesta pela chamada ‘’Amazônia Azul’’, com cerca de 4.5 milhões de km² e milhares de quilômetros de vias navegáveis interiores, em especial, a Bacia Amazônica. Pelos portos, 95% do comércio exterior é realizado com todo o planeta, sendo o mar responsável por 7% do faturamento do setor de agronegócios; a produção de petróleo no mar equivale a cerca de US$ 190 milhões diários; o turismo marítimo recebe, em média, 800 mil passageiros por ano; e se soma a toda essa riqueza a significativa presença de recursos minerais na plataforma continental. No litoral, e em uma faixa de 300 km da linha da costa, também está concentrada a maioria das capitais brasileiras e seus mais importantes complexos industriais. Deve ser lembrado também que, por força de acordos internacionais, o Brasil responde por uma área de busca e salvamento no Atlântico Sul de quase 15 milhões de km².

Para realizar as tarefas básicas atribuídas a uma Esquadra (controle de área marítima, negar o uso do mar, projetar poder sobre terra e contribuir com a dissuasão) o grande desafio da MB tem sido a convivência com orçamentos exíguos frente a necessidade de preparar um Poder Naval com credibilidade e real capacidade para inibir possibilidades de ações contrárias aos interesses nacionais. A Estratégia Nacional de Defesa (END) é o documento de alto nível que define as prioridades da Marinha para o cumprimento de sua missão constitucional. Entretanto, deixa em aberto as fontes de financiamento para que as Forças Armadas possam ter perenidade para realizar seus programas de equipamentos. Para atender a END, a MB apresentou o Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil (PAEMB), com base em altos estudos estratégicos. Para o período de 2010 a 2022 estava previsto no PAEMB a obtenção de seis submarinos (um de propulsão nuclear e cinco de propulsão convencional); e navios de superfície, os quais seriam dois de múltiplos propósitos, seis de escolta, oito varredores, quatro caça-minas, três de apoio logístico, dois de salvamento de submarino, sete rebocadores de alto mar, dois diques flutuantes, dois navios transporte de apoio, oito patrulha-fluviais, três rebocadores fluviais, nove navios de patrulha oceânicos e 20 navios de patrulha da Classe Macaé, totalizando 82 navios e embarcações. Para ampliar a Aviação Naval foi planejado para o mesmo período a incorporação de 113 aeronaves: quatro de alarme aéreo antecipado, quatro de reabastecimento em voo e transporte de carga, cinco de vigilância marítima, 24 helicópteros de múltiplo emprego, 24 helicópteros de emprego geral de pequeno porte, 37 helicópteros de emprego geral de médio porte e 15 helicópteros de instrução. Essas quantidades indicam claramente a defasagem de meios à disposição da MB para cumprir suas inúmeras tarefas, que incluem, também, tarefas típicas de guarda costeira e as de natureza humanitária. A dura realidade de conviver, ao longo muitas décadas com orçamentos reais e executados, muito abaixo do que seria o ideal, ou ao menos próximo, para manter uma Força compatível com a projeção de um país que detém uma das dez maiores economias mundiais, pode ser verificada através de vários fatos que demonstram a diminuição da capacidade da MB para enfrentar uma crise ou mesmo uma ação beligerante. A fragata Defensora está fora de serviço

desde 2011, com poucas perspectivas de retorno à atividade. Aliás, em relação a esses navios, da Classe Niterói, até hoje a espinha dorsal da Esquadra, destaque-se a sua longevidade. E, como referência ao tempo excessivo de sua permanência em serviço, pode ser registrado o fato de que, quando o atual comandante da Marinha recebeu suas platinas de primeiro-tenente, em 1977, as fragatas Niterói e Defensora já estavam incorporadas. Outro exemplo vivo da falta de recursos é o tempo em que a corveta Julio de Noronha está em processo de manutenção geral e modernização, já que as obras tiveram inicio em 2008. Em fevereiro último, foi expedido um aviso de licitação para a instalação de dois grupos de osmose reversa no navio, indicando que ainda vai permanecer algum tempo afastado das operações. No dia 28 de setembro de 2014, foi realizada a mostra de desarmamento da corveta Frontin, que contava com apenas 20 anos de serviço. No inicio do mês de março chegou, discretamente, a notícia de que a fragata União, navio líder do componente marítimo da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), havia sofrido avarias no sistema de propulsão, ficando inoperante. Para o seu socorro foi designado o navio-patrulha oceânico Apa, que permanecerá na região até a conclusão dos reparos na União. Enquanto o Apa se deslocava para o Mediterrâneo, a fragata Constituição se manteve a serviço da UNIFIL. Este fato mostra que todos os navios da Classe estão chegando, inexoravelmente, ao final de suas vidas úteis e que já deveriam estar sendo substituídos há muito tempo. No entanto, não se percebe, em relação ao Governo Federal, qualquer sensibilidade para uma rápida solução, evitando a obsolescência em bloco da Esquadra. Outro fato que pode agravar ainda mais a capacidade operativa da MB foi o anúncio da presidente Dilma Rousseff de que o contingenciamento do orçamento seria significativo para garantir o cumprimento da meta de superávit primário. Em todos os momentos de ajuste econômico, os primeiros cortes incidem sobre as Forças Armadas.

ESPERANDO POR DIAS MELHORES Diante do quadro de sistemática falta de recursos, o que vem trazendo algum alento à MB é o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub), intimamente ligado ao Programa Nuclear da Marina (PNM), contemplando a construção de quatro submarinos de propulsão convencional TECNOLOGIA & DEFESA 45


| BRASIL |

Transformação do Exército Roberto Caiafa

chamada Era do Conhecimento tem como seu fator determinante o acesso à informação. Pessoas, organizações e instituições estão sendo instigadas a participar deste novo mundo, conectado, veloz, informacional e transparente. A palavra de ordem, portanto, é “transformação”. As organizações precisam ousar para manterem-se minimamente atuais nesse ambiente em constante evolução. Nos últimos 50 anos, o mundo inovou e criou mais do que em todo o restante da história da humanidade. O Exército Brasileiro (EB) viu-se diante da urgente necessidade de tornar-se capaz de enfrentar os novos desafios no cenário internacional, advindos do surgimento da Era do Conhecimento e da imprevisibilidade dos conflitos. O Brasil busca assumir um novo papel como um ator global e potência regional responsável, atuando em um ambiente de elevado nível de incertezas e, ao mesmo tempo, mantendo-se

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preparado para combater as ameaças clássicas como o conflito entre nações, conflitos internos, étnicos ou religiosos. A Transformação do Exército é um processo que cria sinergia com este mundo “plano” e altamente tecnológico da “aldeia global”. Neste contexto, os Projetos Estratégicos do Exército (PEE) são a face mais visível e palpável da concretização desses objetivos. Como previsto na Evolução do Processo de Transformação até o presente ano de 2015, está em curso uma fase de preparação e implementação dos Objetivos Estratégicos do Exército (OEE), das estratégias e ações decorrentes, contemplados no Plano Estratégico do Exército (PEEx), proporcionando o desejável alinhamento estratégico de toda a instituição. Dessa forma, foram elaborados Projetos em duas vertentes principais, classificados em Estruturantes, conduzidos pelo Estado-Maior do Exército (EME) e pelos Órgãos de Direção Setorial (ODS); e

Indutores do Processo de Transformação, conduzidos pelo Escritório de Projetos do Exército (EPEx).

PROJETOS ESTRUTURANTES No momento atual, o objetivo principal do Exército é preparar-se para obter as bases estruturais para a Transformação com foco na dimensão humana. Assim, são os seguintes: “AMAZÔNIA PROTEGIDA” 7ª Subchefia/EME – (O Projeto Estratégico Estruturante Amazônia Protegida é um portfólio de projetos e de ações estratégicas orientadas para a preservação da soberania brasileira sobre a sua região amazônica, tendo a defesa, o desenvolvimento sustentável, a paz social e a preservação ambiental como eixos estruturantes. O Projeto tem por objetivo a implantação, construção, reorganização, transformação e rearticulação de Or-


Fotos: Roberto Caiafa

A evolução dos PEE


| ESPECIAL POLÔNIA |

PGZ Polska Grupa Zbrojeniowa T&D foi conhecer o Grupo Polonês de Armamento, a principal fonte de independência tecnológica e produtiva do setor de defesa da Polônia Kaiser David Konrad, de Varsóvia e Radom

Adam Roik/ Poland MoD

O veículo de combate de Infantaria Rosomak em patrulha no Afeganistão 80 TECNOLOGIA & DEFESA


atisfazer as necessidades operacionais ao apoiar o processo contínuo de modernização das Forças Armadas nacionais, garantindo a independência tecnológica e a capacidade de produção em tempos de paz ou guerra. Essas são algumas das responsabilidades da forte e reconhecida base industrial de defesa da Polônia. Parte desses equipamentos é derivada daqueles produzidos na antiga União Soviética, enquanto outros foram desenvolvidos de acordo com novos requerimentos, frutos da estreita cooperação com empresas estrangeiras, principalmente da Inglaterra, Alemanha e de Israel. A indústria de defesa polonesa é composta por cerca de 150 empresas. Várias delas controladas pelo Estado, pois se entende que a indústria de defesa é um bem estratégico da nação, sendo que muitas delas têm a participação de capital estrangeiro, o que tem garantido a injeção de recursos e o acesso a novas tecnologias, dando mais solidez e competitividade, além de abrir novos mercados aos produtos poloneses. Cerca de 90% da produção destina-se às Forças Armadas, que estão divididas em Marinha, Força Aérea, Exército e Forças Especiais. O restante vai para o mercado externo, onde o país tem mostrado a qualidade e confiabilidade dos seus produtos, que têm sido provados em combate nos mais diversos teatros de operações, entre eles no Afeganistão, Leste Europeu e no continente africano.

A ASSOCIAÇÃO E PRODUTOS O Grupo Polonês de Armamento (PGZ) reúne 30 das maiores companhias do segmento e é o principal fornecedor de armamentos do país com uma forte participação no mercado internacional. Um exemplo disso foi a

venda de 48 carros de combate PT-91 para a Malásia. Fabricado pela OBRUM é uma variante do T-72 soviético, totalmente atualizado com sistemas eletrônicos ocidentais, e que foi pré-selecionado numa concorrência internacional feita pelo Exército Peruano. Pelo menos 233 carros continuam em operação no Exército Polonês. A mesma empresa apresentou recentemente o conceito do novo MBT polonês, o PL-01, com linhas futurísticas, chamando muita atenção dos visitantes da feira MSPO, em Kielce, em 2013. Embora audacioso e de alta-tecnologia e complexidade devido ao seu projeto inovador, deverá sofrer algumas mudanças para atender as novas especificações do Exército, haja vista que os cenários estratégicos e operacionais vêm mudando rapidamente na região. No planejamento, está previsto a substituição de todos os MBTs atualmente em uso por um único modelo, uma padronização que vai também reduzir os custos. Outro veículo que se tornou um dos pilares das Forças Armadas é o Rosomak, a versão polonesa do finlandês Patria AMV. O blindado 8X8 é produzido sob licença pela WZM S/A em diferentes versões, incluindo blindado de combate de Infantaria, equipado com torreta Oto Melara Hitfist-30P, e já participou de ações no Iraque, Afeganistão e nas operações de paz no Chade e República Centro Africana. O Rosomak é oferecido no mercado internacional e reconhecido como um dos mais avançados VBTP-MR da atualidade.

GROM - TROVÃO No campo dos mísseis antiaéreos de curto alcance (VSHORAD) a Polônia já é integrante do seleto grupo de

nações capazes de desenvolver e fabricar este tipo de arma, que é estratégica no campo de batalha. O Grom é um míssil antiaéreo guiado por infravermelho, desenvolvido pelo Skarżysko Rocket Design Bureau para destruir alvos localizados visualmente ou detectados por radar e que entrem no seu envelope operacional. Como um MANPADS da classe fire and forget ele pesa apenas 10 kg e pode ser transportado e utilizado por uma única pessoa ou ser parte de um sistema operado remotamente equipado com lançadores múltiplos. O míssil é capaz de atingir helicópteros ou aeronaves de caça voando a mais 1.000 km/h numa altitude de 4.000 metros, a distâncias de até 5 km. Foi fornecido também para o Japão (número não declarado, destinado a unidades militares próximas à fronteira russa). O Grom também equipa o sistema Kusza, para a defesa de infraestruturas críticas e instalações militares. (ver T&D nº 135) Durante a guerra de 2008, na Geórgia, um lote completo de mísseis que estava sendo transportado num trem foi capturado pelo Exército Russo que, em 2014, o repassou ilegalmente aos rebeldes separatistas, no leste da Ucrânia. De fácil operação, mais uma vez o míssil foi amplamente utilizado, agora pelas forças separatistas pró -russas infringindo pesadas perdas às aeronaves de ataque da Força Aérea e aos helicópteros do Exército ucranianos. Segundo informações obtidas por T&D, a Polônia estaria interessada em oferecer uma parceria para fabricação conjunta e o desenvolvimento de uma nova versão do míssil, o que poderia ser de grande interesse para o Brasil que ainda não domina este tipo de tecnologia, altamente controlada, e possui a necessidade imediata de equipar as unidades militares desdobradas na Amazônia.

Forças Especiais polonesas testando o míssil antiaéreo GROM

TECNOLOGIA & DEFESA 81


Gino Marcomini

| BRASIL |

88 TECNOLOGIA & DEFESA


Olhando à frente A Força Aérea Brasileira planeja o seu futuro alinhando-se à Estratégia Nacional de Defesa, observando a conquista de elevadas mobilidades tática e estratégica, interoperabilidade com as outras Forças, e também estrangeiras, e ter presença efetiva em todo o território nacional Ivan Plavetz

TECNOLOGIA & DEFESA 89


| ESPECIAL ITÁLIA |

AMX Ghibli: o pequeno notável

T&D acompanhou as operações do caça-bombardeiro de maior sucesso em combate na história recente da Aeronautica Militare

Kaiser David Konrad

Kaiser David Konrad, da Base Aérea de Istrana, Itália

102 TECNOLOGIA & DEFESA


inda me lembro como se fosse hoje. Era o dia 14 de abril de 1999. Eu havia decolado da Base Aérea de Istrana para aquela que seria minha primeira missão, e também a primeira sortida sobre o Kosovo feita pelo 103º Esquadrão. O tempo estava bonito e ensolarado e eu me sentia confortável e confiante. Todos aqueles anos gastos em difíceis treinamentos e muito estudo foram concentrados num único momento, tão importante na minha vida. Meu ala e eu seguimos em direção ao Adriático para executar o reabastecimento em voo no Boeing 707 da Força Aérea Italiana, e depois nos dirigimos para o ponto de espera ao sul de Kosovo. Nossa tarefa era realizar o apoio aéreo aproximado (CAS) em suporte à “Operação Allied Force”, da OTAN, e eu esperava receber informações táticas e a coordenação JTAC,

mas nós não recebemos nada. Então mantivemos nossa posição no ponto de espera por cerca de uma hora e meia até recebermos a ordem para atacar o alvo, que se tratava de um depósito de munição. Este era o momento que eu estava esperando. Minha missão era realizar o ataque e retornar para casa em segurança. No dia anterior, nós havíamos recebido as fotos do alvo e pudemos estudá-lo e planejar a missão. A área era protegida por mísseis de curto e médio alcances e artilharia antiaérea, o que representava uma ameaça concreta a todas as aeronaves que operavam naquela região. Durante a corrida para o ataque eu estava focado e só pensava em adquirir o alvo o mais rápido possível e cumprir minha tarefa. E nós fizemos isso, lançamos as bombas e imediatamente deixamos a área, seguindo em direção ao “tanker” italiano que nos esperava no ponto de reunião. Nós reabastecemos uma segunda vez e então seguimos de volta para casa. No meu caminho de retorno eu me sentia satisfeito e confiante. A missão foi um sucesso e o AMX se comportou grandiosamente durante seu “batismo de fogo”.*

* O relato acima é de um coronel-aviador do 51º Stormo, que falou com exclusividade à T&D sobre como foi a primeira missão de ataque realizada por um AMX, quando foram lançadas bombas Elbit Systems Opher guiadas por infravermelho. Seu nome precisou ser mantido em sigilo pois encontra-se, atualmente, no Kwait coordenando as operações italianas na coalizão internacional que combate o Estado Islâmico.

TECNOLOGIA & DEFESA 103


Uma Força Aérea na vanguarda operacional e pronta para o combate “Il Capo” da Aeronautica Militare Italiana fala à T&D comandante da Força Aérea Italiana (Aeronautica Militare), general Pasquale Preziosa, foi piloto de diversas aeronaves de combate, entre elas o MB-326 (conhecido no Brasil como AT-26 Xavante), e o Tornado IDS, e foi comandante do 156º Gruppo e do 36º Stormo. Para falar um pouco sobre sua instituição, estrutura operacional, prontidão para o combate e as relações com a Força Aérea Brasileira, ele recebeu o jornalista de T&D, Kaiser David Konrad, no Quartel General da Aeronautica Militare, localizado dentro das muralhas do Castro Pretório, onde ficava a Guarda Pretoriana, na Roma Antiga. Acompanhe a entrevista exclusiva: Tecnologia & Defesa – Um panorama da Força Aérea Italiana. General Pasquale Preziosa - A “Aeronautica Militare”- AMI - está a serviço do povo italiano e por isso age de acordo com as diretivas das instituições políticas. Entre as várias atribuições institucionais da Força Aérea, a defesa aérea é uma das mais importantes. Essa tarefa é realizada por meio de uma rede de alerta e de defesa, que inclui várias Alas de Caça (com bases em Grosseto, Gioia del Colle e Trapani), cada uma equipada com aviões Eurofighter, integradas a um sistema de alerta que permite uma intervenção rápida contra todas as formas de ameaça aérea. Além disso, a “Aeronautica Militare” contribui para a rede integrada de defesa aérea e de mísseis da OTAN, desde o seu início. As tarefas de reconhecimento e ataque ao solo, empregados nos diferentes teatros de operações, são de responsabilidade dos Tornado IDS e AMX. Os Tornado estão localizados nas bases aéreas de Ghedi e Piacenza, enquanto os AMX estão em Istrana. A aeronave de última geração F-35 irá substituir ambas as plataformas, permitindo-nos

114 TECNOLOGIA & DEFESA

assim possuir uma estrutura logística e operacional unificada, com substancial economia de recursos em médio e longo prazos. Também somos responsáveis por outras tarefas importantes, tais como a busca e salvamento (SAR), realizada por uma frota de helicópteros HH-139 pertencentes ao “15ª Wing Combat SAR”, com centros operando a partir de várias bases estrategicamente espalhadas pelo território nacional. Graças à aviação de transporte e às 14ª e 3ª e 46ª Brigadas Aéreas, a AMI é capaz de fornecer um apoio fundamental para o serviço nacional de saúde, por meio do transporte de emergência de pessoas em condições críticas ou órgãos destinados a transplantes. A Força Aérea é, de fato, a única organização capaz de cobrir, num prazo muito curto e muito rapidamente, todo o território nacional, incluindo as ilhas. Esta capacidade foi recentemente ampliada com incorporação de uma unidade de emergência biológica, destinada a pacientes com doenças altamente contagiosas, e isso, recentemente, revelou-se útil com a bem sucedida repatriação de um médico que foi infectado pelo vírus Ebola durante seu trabalho na África. Outro importante campo de proficiência em que a AMI tornou-se um dos principais atores na última década, é o das ARPs. Temos sido os primeiros a desenvolver regras e leis que permitam seu voo em todo o território nacional, e temos realizado operações reais por muitos anos. Recentemente, assinou-se um acordo com as agências de aplicação da lei para permitir o uso dessas aeronaves em apoio às atividades de segurança pública e defesa civil, conforme solicitado pelos ministérios responsáveis. A nossa experiência neste campo é referência para vários parceiros europeus, que nos pediram contribuições em termos de”know how” e cooperação.

T&D – Operações internacionais e prontidão para o combate. General Preziosa - Para levar a cabo a sua missão, a “Aeronautica Militare” passou por um processo gradual de transformação, mudando de uma postura estática para um novo conceito, de desdobramento rápido e conjunto. Esta mudança foi obrigatória por causa dos novos cenários de crise e ameaças provenientes de várias partes do mundo. Precisávamos de uma nova Força, menor, mais rápida e capaz de uma resposta mais eficaz. Atualmente, temos cerca de 700 pessoas envolvidas em operações no exterior. Quanto aos meios empregados, a Força Aérea Italiana está operando no Afeganistão com os C130J Hércules, da 46ª Brigada Aérea (Pisa). Em Djibouti, nossos Predadores A+ estão apoiando a campanha antipirataria da União Europeia, proporcionando uma capacidade de reconhecimento de valor inestimável. Além disso, a Itália participa da missão contra o terrorismo internacional, tendo enviado um tanker KC-767A, dois Predadores B e quatro Tornado para conduzir missões de reconhecimento e ataque em nome da coalizão que combate o Estado Islâmico. Também vale a pena mencionar o uso de aeronaves AMX, os “Black Cats”, que foram empregadas com sucesso no Afeganistão cumprindo missões de apoio aéreo aproximado e reconhecimento armado, até junho de 2014. Nossa JEDI EC27 (“Jamming and Electronic Defense Instrumentation”) também foi muito apreciada durante suas operações no Afeganistão. Esta versão do C27J voa com um sistema inteiramente concebido e desenvolvido no âmbito da AMI, capaz de interferir e inutilizar IEDs. O JEDI contribuiu grandemente para liberdade de movimento das forças terrestres e sua segurança, sendo operado como escolta aérea dos comboios da OTAN no Afeganistão até dezembro do ano passado.


T&D – A indústria aeronáutica italiana, alta tecnologia e sua importância. General Preziosa - O domínio da aeronáutica sempre exigiu um alto nível de tecnologia, pedindo soluções inovadoras na vanguarda deste campo de pesquisa, com o objetivo de ultrapassar os limites humanos em condições ambientais extremas, onde as mentes geniais têm dado uma contribuição significativa, a partir de Leonardo da Vinci e sua máquina voadora (Século 15). Hoje em dia, os aviões são a expressão das soluções de alta tecnologia em diversas áreas de engenharia, tais como propulsão, materiais, estruturas, eletrônica, comunicações, etc., e, devido às exigências de segurança, as indústrias aeronáuticas são obrigadas a seguir um processo rígido de controle de qualidade para garantir a menor probabilidade de falhas. As últimas operações têm enfatizado ainda mais a tendência acima referida. Na verdade, a fim de enfrentar eficazmente o cenário operacional em rápida evolução, a necessidade de soluções à medida de urgência aumentou significativamente, tanto em aeronaves como em sistemas de armas, para maxi-

mizar o efeito militar e proteger (mesmo de fogo amigo) os meios envolvidos. As indústrias aeronáuticas italianas assumiram o desafio, investindo em novas tecnologias e processos de qualidade, apresentando produtos inovadores e com interesse contínuo no mercado de exportação. Em relação a este aspecto, vale a pena mencionar o Alenia Aermacchi M-346, um treinador avançado fase IV com performances e capacidades que despertaram o interesse de diferentes países. Outra aeronave, o M-345 High Efficiency Trainer (HET) representa uma nova cooperação com o objetivo de desenvolver um treinador turbojato básico, com o custo operacional de um turboélice, para responder com eficácia a um mercado onde os custos são a principal exigência. A Alenia Aermacchi também faz parte do consórcio Eurofighter para o desenvolvimento do caça EF2000A, a mais importante empresa aeronáutica europeia, atraindo um grande interesse do mercado, também pela disponibilidade de possuir uma arma de superioridade aérea como o míssil Meteor (“Beyond Visual Range Air to Air Missile” - BVRAAM), desenvolvido pelo

consórcio europeu MBDA. Por outro lado, as indústrias italianas estão fornecendo várias soluções na área das aeronaves remotamente pilotadas, entre os quais se destaca o mais recente Piaggio Aerospace P.1HH HammerHead, ARP da categoria MALE desenvolvido para executar tarefas de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (ISR) de longa duração. Por último, mas não menos importante, gostaria de destacar a forte e eficaz cooperação entre a Força Aérea e a indústria aeronáutica italiana no sentido de desenvolver produtos e soluções voltados a responder rapidamente às novas necessidades operacionais emergentes dos cenários atuais. Um exemplo extraordinário foi o desenvolvimento em cooperação da variante C-27J JEDI, que trouxe um incremento significativo nas tarefas anti-IEDs (“Improvised Electronic Devices”) realizadas pela AMI em prol da proteção das forças terrestres, como mencionei anteriormente. T&D - O M346 e a formação da nova geração de caçadores da AMI. General Preziosa - A entrada em operação de aeronaves de combate de

TECNOLOGIA & DEFESA 115


| ESPECIAL |

Os Exércitos da

América do Sul em 2015 Paulo Roberto Bastos Jr. e Helio Higuchi

o presente trabalho, Tecnologia & Defesa apresenta a ordem de batalha e os principais equipamentos adotados pelos Exércitos de cada país da América do Sul, inclusive da Guiana e Suriname, países que embora pertençam ao sub-continente sul-americano, raramente são incluídos em anuários de defesa. É necessário esclarecer que esse trabalho visa apresentar os equipamentos do acervo de cada Força, adquiridos, encomendados e não baixados, o que não quer dizer que os mesmos se encontrem operacionais.

126 TECNOLOGIA & DEFESA


Juan Carlos Cicalesi

ARGENTINA

Um UAV Lipan M3. O Exército Argentino é um dos poucos do sub-continente que usam UAV e o único que tem uma solução de desenvolvimento nacional em operação O Ejército Argentino foi criado oficialmente em 1870 e participou de combates externos contra o Brasil (Guerra da Cisplatina, 1828), Peru (Confederación Perú-Boliviana, 1935-38), Paraguai (1864-70) e Grã-Bretanha (Guerra das Malvinas, 1982). Atualmente, conta com um efetivo aproximado de 41.000 homens, organizados em três Divisões e uma Força de Deslocamento Rápido. Suas principais unidades são 26 Regimentos de Infantaria (sendo dez Mecanizados), 15 Regimentos de Cavalaria (sendo nove de carros de combate), 14 Grupos de Artilharia (sendo quatro

Autopropulsados), três Grupos de Artilharia Antiaérea, um Grupo de Artilharia de Foguetes, 15 Batalhões e sete Companhias de Engenharia (sendo um Batalhão e uma Companhia de Blindados e uma Companhia de Guerra Química) e dois Batalhões, dois Esquadrões e nove Seções de Aviação. O armamento padrão da Infantaria é o fuzil FN FAL, calibre 7,62mm, produzido localmente pela DGFM, e tem como armamento anticarro mísseis BGM-71 TOW, lança -rojões M72 LAW e Bofors AT-4, e o míssil Bofors RBS-70, para defesa antiaérea.

PRINCIPAIS EQUIPAMENTOS: Equipamentos Terrestres Modelo

Função

Quantidade

TAM VC (1)

Carro de Combate 105mm

230

TAM VCTP

Blindado de Apoio de Infantaria

108

TAM VCPC

Blindado Posto de Comando

9

TAM VCTM

Blindado Porta-Morteiro 120mm

16

TAM VCA “Palmaria”

Obuseiro AP 155mm/L41

TAM VCCDT / VCCDF

Blindado de Direção de Tiro de Artilharia

17

TAM VC Amun

Blindado Municiador de Artilharia

SK-105 Kurassier

Carro de Combate Leve 105mm

4K-4FA-SB20 “Greif”

Blindado de Socorro/Recuperação

6

VC Tan “Patagón” (2)

Carro de Combate Leve 105mm

4

GIAT AMX-13/105 (3)

Carro de Combate Leve 105mm

24

GIAT AMX-13 VCTP/VCPC/VCDT

VBTP/Posto de Comando/Diretora de Tiro

30

4/2 2 118

GIAT AMX Mk. F3

Obuseiro Autopropulsado 155mm

24

M113A1/A2 (1)

VBTP-SL

374

M106A2

Blindado Porta-Morteiro 120mm

26

TECNOLOGIA & DEFESA 127


SAAB

| ARMAMENTO AÉREO |

Garras e dentes para o novo guardião dos céus brasileiros,

os mísseis ar-ar As possibilidades para o Gripen Ivan Plavetz

Gripen NG (ou E, como os suecos o designam), da SAAB, está sendo desenvolvido com vistas a que possa ser modelado tecnologicamente de acordo com as exigências ditadas pela evolução da arena de combate aéreo esperada para as próximas décadas, incluindo as novas e sofisticadas táticas de enfrentamento ar-ar da era da guerra centrada em rede ou NCW (Network Centric Warfare). 162 TECNOLOGIA & DEFESA

Considerado de 5ª geração em alguns aspectos, o Gripen NG deverá incorporar sistema de armas compatível com sua característica multifuncional, ou seja, numa mesma surtida transportará um eclético conjunto bélico para atacar alvos de superfície, interceptar aviões inimigos, ou deles se defender. Todo esse conjunto vai trabalhar integrado ao avançado radar multifuncional de varredura eletrônica ativa (AESA) Selex ES-05 Raven,

com o moderno detector e engajador infravermelho de alvos (IRST) Selex Skyward G, com um capacete de ultima geração dotado de visor digital (HMD) e com um eficiente sistema de comunicações por enlace de dados (datalink), uma combinação que possibilita um notável espectro de novas táticas aéreas nunca antes experimentadas. Apesar do caráter multifuncional do caça, sua primeira função na Força Aérea Brasileira (FAB) será prover a


mísseis ar-ar de última geração que contenham tecnologias restritas e de arquitetura fechada . Mas, de toda forma, os Gripen NG brasileiros precisarão de armas modernas para cumprir sua missão, mesmo porque não faz sentido adquirir aviões com essa complexidade e potência para equipá-los com armas já mais antigas. De acordo com isso, analisar as alternativas nesse campo já começou a ocupar espaço na agenda de estudos e negociações dos especialistas do Comando da Aeronáutica e a mobilizar potenciais fornecedores.

AS OPÇÕES Uma das marcantes características do Gripen NG será a sua compatibilidade com armas de várias procedências, incluindo misseis ar-ar, qualidade que concede um apreciável leque de opções para escolha desse tipo de arma no mercado. Paralelamente, ao dominar todo o ciclo de integração de armas, o Brasil poderá escolher o que mais lhe convém e buscar outras alternativas caso haja problemas com fornecedores ou intercorrências de outra natureza. Em princípio, mísseis ar-ar em uso na FAB, como o Python IV e Derby, ambos da israelense Rafael, poderão ser usados pela nova frota até que os de nova geração estejam disponíveis no seu arsenal. É oportuno lembrar que uma aeronave de superioridade aérea moderna é, normalmente, municiada com uma combinação de mísseis ar-ar de curto e longo alcances, guiados através de infravermelho e/ou radar,

podendo, assim, cumprir missões em qualquer condição meteorológica, de dia ou à noite. Entre as opções de última geração para combates quando o alvo situa-se à distancias fora do alcance visual, situação conhecida mundialmente como Beyond Visual Range (BVR) destacamse o Meteor, desenvolvido sob liderança do consórcio europeu MBDA ; o Derby, da israelense Rafael; e o AIM-120C/D, da norte-americana Raytheon. Para enfrentamentos a curta distância, dentro do alcance visual (WVR) estão disponíveis o A-Darter, em fase final de desenvolvimento pela sul-africana Denel com participação brasileira; omaa -1B da também brasileira Mectron; os Python IV e V, da Rafael; o IRIS-T, um projeto capitaneado pela alemã Diehl; e o AIM-9X, da Raytheon, sendo todos dotados de buscadores por radiação termal ou infravermelha (IR).

Meteor Inovador em sua concepção, o míssil ar-ar de engajamento além do alcance visual BVRAAM Meteor emerge como uma das mais potentes armas dessa classe para o Gripen NG. A inovação começa pelo seu sistema de propulsão híbrida foguete/ramjet identificada como TDR (Throttleable Ducted Rocket-foguete de empuxo variável canalizado). O princípio de funcionamento desse sistema consiste em injetar o gás quente gerado pela queima do combustível sólido na câmara de combustão do ramjet misturando-o ao ar comprimido MBDA

instituição de capacidade para conter, em condições igualdade, eventuais ameaças que venham pelo ar dissuadindo sua ação, ou eliminando-as. Essa missão de superioridade aérea exigirá mísseis ar-ar de geração avançada, além da moderna plataforma Gripen NG, projetada para oferecer oposição sem restrições a qualquer intruso ou atacante que desafie a integridade do espaço aéreo sob sua proteção. O dia 24 de outubro de 2014 marcou para a FAB o desfecho da longa concorrência F-X que demandou criteriosos estudos, extensas negociações e intensos debates e, por fim, elegeu o SAAB Gripen NG para reaparelhar a sua frota de aviões de combate a partir de 2019. Uma característica importante e bastante divulgada da decisão ficou por conta das contrapartidas, ou offsets, que deverão render mais capacitação para a indústria de defesa brasileira e recuperar a meta do País na área de desenvolvimento de aviões de combate de alta-performance. Ao mesmo tempo, a chegada do Gripen NG será um divisor de águas, e também um grande salto, ao projetar a aviação de combate da FAB para elevados patamares em praticamente todos os aspectos. Um ponto pouco comentado, porém muito importante, refere-se às “garras e dentes” que o avião receberá quando começar a operar regularmente nos esquadrões da FAB. Além de sigiloso por poder vir a implicar em efeitos geopolíticos com países vizinhos, o assunto é também sensível quando se trata, por exemplo, da obtenção de poderosos

Míssil ar-ar MBDA Meteor entra em operação na Força Aérea da Suécia ao longo do corrente ano TECNOLOGIA & DEFESA 163


| ARMAMENTO |

O Brasil e seus fuzis militares Ronaldo Olive

esde as épocas mais remotas, foi sempre o infante quem decidiu o resultado final das guerras. Após as cargas de bigas egípcias ou assírias, por exemplo, lá vinham os homens a pé com suas espadas e lanças eliminando as últimas resistências do inimigo e consolidando o terreno ocupado. Idem para os afamados elefantes do general cartaginês Aníbal. O mesmo se aplicou ao longo dos séculos com o efeito de choque das cargas de cavalaria e o crescente uso da artilharia: quando a poeira baixava e a fumaça diminuía, avançavam os infantes, de arma em punho. Nos conflitos mais modernos, mesmo com o vasto uso de meios mais sofisticados (blindados, aviação de combate, etc.), continua nas mãos da infantaria e suas armas individuais a tarefa de assegurar a posse e o controle das zonas de combate. Em destaque, seus fuzis.

BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO Como não poderia deixar de ser, as armas longas em uso no Brasil no período colonial, de 1500 a 1822, eram as mesmas das tropas portuguesas, uma mistura modelos de origem europeia (Portugal e outros países), desde as primitivas armas de mecha até as de pederneira. A partir da fase imperial, começaram a chegar grandes quantidades de mosquetes do tipo Brown Bess (India Pattern e Short Land Pattern), de fabricação britânica, sistema de ignição por pederneira e em calibre 19mm. Na mesma época, foram adquiridos na Bélgica cópias do fuzil francês Modelo 1777, também de pederneira, porém, em calibre 17mm. Mais ou menos a partir de 1850, os mosquetes do Exército Imperial começaram a ser substituídos por exemplares com sistema de percussão,

196 TECNOLOGIA & DEFESA


Fotos e arquivo do autor

Dois tipos de mosquetes com sistema de ignição por pederneira usados no Brasil Imperial: o inglês Brown Bess, calibre 19mm (alto), e o francês Modelo 1777, em 17mm que foi o armamento básico das tropas brasileiras que atuaram na Guerra do Paraguai (1864). Aquele sangrento conflito também marcou a entrada em serviço e subsequente padronização dos projéteis do tipo Minié, calibre 14,8mm que, disparados a partir de um cano com alma raiada, ofereciam maior precisão que a dos tradicionais projéteis esféricos. Os mosquetes com canos de alma lisa e calibre 19mm foram posteriormente modificados para disparar os projéteis Minié de menor calibre, sendo geralmente conhecidos como Modelos 1864/1865. A Guerra do Paraguai também foi palco para o emprego em combate da carabina (ou clavina, como era aqui comumente chamada) Spencer, calibre 12,7mm, de fogo circular e retrocarga, fabricada nos Estados Unidos e dotação de unidades de Cavalaria do Exército Brasileiro. De certa forma revolucionária para aqueles tempos, era uma arma de repetição com carregador tubular de sete tiros embutido na coronha de madeira, os processos de alimentação e ejeção de cartuchos sendo feitos por uma alavanca existente na parte

inferior, que, fechada, funcionava como guarda-mato. A ação de armar o cão (engatilhamento), todavia, tinha que ser feita manualmente a cada disparo. De qualquer maneira, seu sistema de funcionamento permitia que um atirador devidamente adestrado chegasse a uns 20 disparos por minuto. Após a compra inicial de 2.000 exemplares, o Brasil tentou adquirir, sem sucesso, novos lotes junto ao fabricante, a Fogerty Rifle Company, mas a firma havia falido. O recurso foi comprar o armamento na Bélgica, já que empresas locais formaram o consórcio Union Armuriere Belge, de Liège, que passou a fabricar e comercializar a Spencer. Um dos fabricantes belgas da arma foi a Falisse & Trapman, na mesma cidade, de onde saíram as armas destinadas ao País. Em 1877, todas as clavinas deste tipo foram modificadas pela Fábrica Imperial da Conceição, no Rio de Janeiro (RJ), para utilizarem cartuchos de fogo central, permanecendo este armamento em uso por mais uns 13 anos. A Cavalaria brasileira, no entanto, precisava de um número maior de clavinas do que as Spencer adquiridas nos Estados

Unidos e Bélgica, voltando seus olhos para a também norte-americana Winchester Modelo 1866, cujas principais aquisições vieram em 1872 e 1874, sendo posteriormente transformadas para disparar munição de fogo central. As compras finais se deram em 1892, desta feita, as armas sendo fornecidas já prontas para usar cartuchos de fogo central. A arma regulamentar do Exército Imperial, adotada em 1873, foi a carabina belga Comblain, calibre 11mm, que funcionava no regime de tiro a tiro: uma alavanca/guarda-mato era puxada para baixo, fazendo o bloco da culatra descer e abrir a câmara, sendo introduzido manualmente um cartucho e, depois, fechado para o tiro. O Modelo 1 era praticamente igual ao padrão regulamentar belga de 1873, mas, ao longo de seu extenso período de serviço no Brasil, diversas modificações foram introduzidas, como uma telha de madeira sobre o cano, colocação (posteriormente, remoção) de uma trava de segurança no gatilho, modificação e reforço da trava da alavanca de armar, etc. Isso levou aos chamados Modelos 2, 3, 4, 5 e, até, 6.

A carabina norte-americana Spencer, calibre 12,7mm, foi dotação de unidades de Cavalaria do Exército Brasileiro que combateram na Guerra do Paraguai

Adotada em 1872, a carabina belga Comblain, calibre 11mm, foi usada durante muitos anos no Brasil, aqui recebendo diversas modificações TECNOLOGIA & DEFESA 197


| ESPECIAL ISRAEL |

ATMOS T&D esteve no deserto do Negev para acompanhar os testes com o moderno sistema de artilharia autopropulsada Kaiser David Konrad, de Shivta, Israel

Fotos do autor

ntre as propostas existentes no mercado internacional para sistemas de artilharia de 155mm autopropulsados sobre rodas, o ATMOS (Autonomous Truck Mounted Howitzer System), da Elbit Systems, já está em serviço em vários Exércitos, participando de operações de combate, quando demonstra suas elevadas mobilidade, flexibilidade, rapidez de resposta e extraordinárias precisão e alcance. Para conhecer um pouco o sistema Tecnologia & Defesa, convidada, acompanhou com exclusividade uma demonstração de tiro real no polígono de testes das Forças de Defesa de Israel (FDI), em Shivta, no deserto do Negev, região da península do Sinai. Na ocasião também estiveram presentes autoridades militares brasileiras, para as quais o ATMOS exibiu-se em condições próximas ao combate, com preparação das tripulações, localização, identificação e aquisição dos alvos – com o apoio da nova versão do Mini-UAS Skylark, ARP padrão para reconhecimento e espotagem de tiro na Artilharia israelense -, tiro real em cadência, remuniciamento e desmontagem automática do obuseiro, troca de posição e nova sequência de tiro. O objetivo, aliás alcançado, foi mostrar porque as características


do ATMOS poderão ser revolucionárias para o processo de modernização e o emprego da Artilharia de Campanha do Exército Brasileiro, pois os observadores manifestaram-se bem impressionados, especialmente para equipar a futura Brigada de Infantaria Mecanizada.

CONHECENDO O SISTEMA E FABRICANTE Conforme observado, a flexibilidade que o sistema ATMOS oferece está também na possibilidade de ser montado em viaturas militares em serviço no Brasil, 6X6, como é o caso do MAN Constellation 31320, de 10 toneladas, recentemente adotado pelo Exército. Essa montagem, no caso do ATMOS, poderia ser feita pela Ares Aeroespacial e Defesa S/A, de Duque de Caxias (RJ), uma subsidiária da Elbit e tradicional parceira da Força Terrestre, e também a Marinha, brasileiras, e particularmente voltada para a fabricação, montagem, manutenção e assistência técnica de estações de armas para sistemas terrestres e navais, como a Remax, de 7,62mm e 12,7mm, a montagem e o processo de nacionalização da UT-30BR e o desenvolvimento de uma estação, com capacidade antiaérea, de 30mm chamada TORC 30, dentre outros. A empresa pode efetuar a manutenção dos equipamentos em suas próprias instalações ou, ainda, nas unidades militares, preparando, inclusive, o pessoal, como já faz em outras forças.

Em caso de uma eventual adoção pelo Brasil, o ATMOS poderia vir a ser montado e, progressivamente, nacionalizado pela Ares, a qual também poderia vir a estabelecer uma cadeia de fornecedores domésticos para peças, componentes e serviços. Por sinal, a empresa conta com um conjunto eletrônico completo e integrado, de última geração, e que se “comunica” com as suítes eletrônicas que dotam os autopropulsados sobre lagartas M-109 comprados pelo Exército. Em relação aos mapas existentes e o sistema de Comando e Controle (C² de Combate) do Exército Brasileiro, o ATMOS já traz um conjunto eletrônico embarcado que permite uma precisa navegação e operação autônoma, reduzindo a guarnição, otimizando o poder de fogo. O uso de um chassi de viatura que já esteja em dotação para a montagem do obuseiro, com a adequação e blindagem da cabine, reduz o custos e aumenta a disponibilidade do material em seu ciclo de vida. A cabine do ATMOS é projetada para uma guarnição de 5/6 homens, sendo um motorista, um comandante de peça e 3 a 4 serventes com todo o equipamento e armamento individuais, e conta com ar condicionado para resfriamento, oferecendo maior conforto. Conforme a necessidade, a cabine pode ser customizada e receber proteção NQBR. Com peso total de 23 toneladas, o ATMOS possui carregamento automático, mas pode ser operado manualmente. O tubo (em 33, 39, 45 ou 52 calibres) garante um alcance

O ATMOS em testes de tiro real no deserto do Negev

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O Keshet em

ação!

Acompanhando infantes israelenses e seu apoio de fogo Kaiser David Konrad, da Faixa de Gaza

Brigada de Infantaria Nahal é uma das mais bem treinadas unidades das Forças de Defesa de Israel (FDI). Parte da 162ª Divisão, está subordinada ao Comando Central do Exército de Israel (Tzahal). Criada em 1982 em resposta à crescente necessidade de tropas de Infantaria durante Primeira Guerra do Líbano, ela é atualmente formada por recrutas regulares, muitos deles soldados oriundos do Kibbutz Nahal Oz, situado no Sul de Israel, e onde vivem muitos 214 TECNOLOGIA & DEFESA

imigrantes da Argentina. A unidade tem uma característica que é ser um tipo de serviço militar obrigatório combinado com voluntariado social e trabalho nas comunidades agrícolas. A Brigada também tem sido a escolha de muitos dos judeus da Diáspora que querem servir às FDI como voluntários, o que fez dela uma unidade altamente motivada e disciplinada. Dividida em quatro batalhões, respectivamente o 50º, 931º, 932º e 934º (um deles de reconhecimento e inteligência visual),

trabalha em rodízio nos patrulhamentos das fronteiras mais conturbadas do país, como Líbano, Síria, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Como uma grande unidade de operações especiais a Brigada Nahal conduz patrulhas e vigilância de fronteira, operações antiterrotistas e de controle de distúrbios, além do suporte ao assalto tático. Durante a primeira Intifada foi responsável por criar a doutrina de emprego da tropa em operações antiterroristas e de combate urbano.


Kaiser David Konrad

OPERAÇÃO LIMITE PROTETOR Em 08 de julho de 2014, o Tzahal, apoiado pela Força Aérea lançou na Faixa de Gaza uma operação designada “Limite Protetor”, em resposta aos milhares de foguetes lançados pelo Hamas contra cidades israelenses. A operação visava também destruir a rede de túneis construída pelo grupo extremista que ameaçava a segurança da população nas cidades próximas, além de servir de esconderijo de armas e munições. Uma verdadeira cidade subterrânea interligava as posições do Hamas e dava liberdade de manobra evitando serem localizados pelas aeronaves remotamente pilotadas israelenses. O que era para ser mais uma rápida operação para destruir as capacidades inimigas acabou virando uma invasão de média escala e, consequentemente, uma dor de cabeça aos estrategistas israelenses. Já se sabia que a campanha de ataques aéreos não seria suficiente. Era preciso uma ofensiva por terra, vasculhando casa por casa, rua por rua. Mas isso poderia ter um custo alto. O pesadelo do combate urbano em território inimigo estava por vir. E para lá foram desdobradas duas unidades de elite das FDI, as Brigadas Golani e Nahal, para uma operação que somente a Infantaria era capaz de realizar.

DENTRO DE GAZA As operações em localidade trazem imensos riscos aos soldados e aos civis, e as forças defensoras têm sempre a vantagem de conhecer o terreno onde lutam, atraindo o adversário para emboscadas, impondo seu modo de lutar. Sempre que as tropas israelenses progrediam dentro de Gaza os civis eram avisados via mensagens de SMS e também por panfletos lançados por caças A-4N Skyhawk. Israel se esforçava ao máximo para evitar vítimas civis, mas esta era a verdadeira arma do Hamas e sua grande estratégia: vencer a guerra não no campo de batalha, mas através da manipulação da opinião pública internacional transmitindo imagens de crianças mortas e da infraestrutura pública e religiosa destruída. O Hamas instalara, propositalmente, suas baterias de foguetes sobre escolas, hospitais, abrigos e mesquitas, ou escondia seu arsenal nesses locais. Somente uma ofensiva terrestre poderia acabar com aquilo. O 50º batalhão de Infantaria, da Brigada Nahal, foi acionado e entrou com três pelotões em Gaza. Os soldados recebiam em tempo real imagens

Morteiro de 120mm Keshet instalado em viatura blindada M113A3, do Exército Israelense aéreas enviadas por ARPs e sua localização georreferenciada no terreno através de um tablet militarizado. Pelas ruas e vielas a situação era realmente muito perigosa, e as tropas recebiam fogo direto de armas leves e RPGs. Os integrantes do Hamas ficavam escondidos em esquinas, janelas ou sobre as lajes dos prédios. Todas as vezes que era necessário entrar em alguma edificação, era preciso usar explosivo para detonar as paredes, pois o Hamas sempre coloca explosivos presos às aberturas, escondidos atrás de portas e janelas, mas isso geralmente causa mais vítimas entre os próprios moradores do que entre soldados israelenses, que já conhecem bem a tática. Explosivos improvisados acionados remotamente eram uma das principais fontes de preocupação.

À medida em que o Nahal avançava pelas ruas a resistência ficava mais forte. Num dado momento a tropa foi emboscada e necessitava requisitar apoio de fogo imediato. Pelo rádio o comandante acionou o pelotão de morteiros pesados. Mas onde estavam eles que não haviam entrado na cidade? Por doutrina operacional, os pelotões de morteiros (um para cada batalhão) trabalham na retaguarda e na maioria das vezes nem enxergam diretamente o combate. E isso acontece graças à tecnologia incorporada aos novos morteiros e suas munições, fazendo deles armas inteligentes e com alta precisão, ideais para operar em combate urbano, onde se procura evitar danos colaterais, vítimas civis e a destruição de infraestruturas críticas e adjacentes aos alvos. TECNOLOGIA & DEFESA 215



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