Entrevista com o ministro da Defesa, Aldo Rebelo
| ENTREVISTA |
MD/Exército Brasileiro
a substancial trajetória política do alagoano de Viçosa, José Aldo Rebelo Figueiredo, destaca-se sempre a sua postura nacionalista, permeada por um espírito conciliador e preocupado com a união de todos os brasileiros, independentemente de suas posturas ideológicas. Para ele, as diferenças entre correntes políticas acabam se sobrepondo umas às outras no jogo democrático, mas nunca devem se sobrepor aos interesses maiores do Brasil. Aliás, um fato que demonstra bem sua personalidade e convicções, e que chegou até a ser considerado “exótico”, foi a sua iniciativa em instituir o “Dia Nacional do Saci-Pererê”, conhecido personagem do folclore brasileiro, no dia 31 de outubro, em substituição à importada comemoração do Halloween, uma festa genuína norte-americana. Certamente, essas posturas e atitudes demonstradas na prática, aliadas ao conhecimento que dispõe dos assuntos relacionados ao tema Defesa Nacional e Forças Armadas garantiram a Aldo Rebelo, membro do Partido Comunista do Brasil (PC do B) uma tranquila aceitação quanto à sua indicação para a Defesa. Ex-vereador e deputado federal por São Paulo em diversas legislaturas, traz na bagagem a experiência de ter sido o titular de vários ministérios, entre outros cargos, com um notável livre trânsito entre os segmentos políticos e governamentais. Mesmo em meio ao difícil momento da vida nacional, o ministro Aldo encontrou, em sua apertada agenda, o tempo necessário para conceder à Tecnologia & Defesa a entrevista a seguir.
Soberania nacional é um conceito perene O ministro da Defesa fala à T&D
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Tecnologia & Defesa - Em uma era de globalização, internet e interdependência econômica, como o senhor vê o conceito de Soberania Nacional? Ministro Aldo Rebelo - Há uma perenidade no conceito de Soberania Nacional, mesmo na era da globalização e da internet. Um país é soberano quando faz jus às suas responsabilidades para com sua população e para com seus vizinhos. Para isso, tem que ser capaz de dizer não quando tiver que dizer não, e dizer sim quando tiver que dizer sim. A capacidade de negação, ou dissuasão, como definem nossos documentos de defesa, é garantida com recursos apropriados, sejam eles materiais, científico-tecnológicos, humanos, intelectuais ou morais. Acredito que todos esses fatores são parte da Soberania Nacional. É o que queremos aprimorar, por exemplo, com a
construção do submarino de propulsão nuclear, que nos dará um novo nível de capacidade de negação do uso de nossas águas jurisdicionais. Já a capacidade de dizer sim quando se pode dizer sim se baseia na estratégia de cooperação que o Brasil adota para com seus vizinhos e demais países amigos, fundamental para a construção de um entorno estratégico livre de ameaças. O conceito de Soberania Nacional está intimamente ligado, ainda, ao de Construção Nacional, em torno do qual se podem unir as mais amplas forças do País. Na era contemporânea, o Brasil deve garantir sua Soberania Nacional por meio do desenvolvimento tecnológico em áreas estratégicas no domínio do átomo, do espaço e da segurança cibernética. T&D - Há alguns anos, em artigo escrito para Tecnologia & Defesa, o senhor, como deputado federal, manifestou sua preocupação com questões como demarcação de terras indígenas contínuas, a atuação desembaraçada de ONGs, notadamente na Amazônia, etc. E, de tempos em tempos, continuam a surgir propostas que, aparentemente, buscam respaldo em termos de preservação ambiental ou humanitário. Mais recentemente, tivemos a questão do tal Corredor Triplo A – Andes, Amazônia, Atlântico, por exemplo. Hoje, como integrante do governo e responsável pelo Ministério da Defesa, como o senhor analisa esses movimentos e quais as ações que têm sido realizadas para neutralizá-los, quando do caso? Ministro - Frequentemente surgem propostas que buscam algum novo tipo de gestão do território da Amazônia, como esse chamado “corredor ecológico”. Na Amazônia brasileira, temos nossos próprios programas de preservação das florestas. Assim como cada um dos demais países amazônicos, o Brasil é soberano para definir as estratégias de ocupação territorial e as medidas de proteção ambiental de sua floresta amazônica. Embora tenha sido apresentada ao Congresso colombiano, a proposta do
Corredor Triplo A não foi objeto de consulta antecipada ao governo brasileiro e é fruto de um projeto concebido por uma ONG britânica. É muito comum que ONGs internacionais utilizem retórica ambiental e indigenista para promover interesses contrários aos dos países amazônicos. Posso citar outros exemplos, como o prolongado impasse entre governo e movimentos sociais na Bolívia que terminou em 2011 com a decisão de Evo Morales de cancelar a construção de uma rodovia estratégica cujo traçado atravessaria uma reserva indígena. Ou o caso do Equador, quando em 2013 o presidente Correa enfrentou muita resistência para pedir ao Congresso a autorização de exploração de reservas de petróleo dentro do Parque Yasuní. A soberania e os interesses nacionais devem imperar em nossas fronteiras, e o Ministério da Defesa e as Forças Armadas têm trabalhado para garantir que isso aconteça. Nas áreas mais afastadas do País, principalmente na Amazônia, as Forças Armadas são a única presença do Estado. Continuamos a garantir essa ocupação estratégica por meio, por exemplo, da ampliação dos Pelotões Especiais de Fronteira, da presença fluvial da Marinha do Brasil e do trabalho da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA). Projetos estratégicos como o Sistema de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) também têm esse foco. T&D - Falando em Ministério da Defesa (MinDef), como é estar à frente de uma pasta que enquadra instituições armadas, tão diferentes das demais da vida nacional em inúmeros aspectos como política de pessoal, trabalho, etc? Ministro - Para mim, é uma honra estar à frente do Ministério da Defesa
e, consequentemente, das nossas Forças Armadas, que são instituições fundadoras da nacionalidade brasileira. Valores centrais cultivados pelas Forças Armadas, como abnegação, patriotismo e excelência, são inspiradores e fundamentais para a sociedade em geral. Ao optar pela carreira militar, o cidadão abre mão de direitos básicos, como a livre associação, a sindicalização ou a greve, e até do habeas corpus. São os ônus constitucionais aceitos pelos que colocam a vocação acima das prerrogativas, dos que colocam, inclusive como condição de servir ao País, o sacrifício ou a renúncia da própria vida. Portanto, é essencial que esta carreira seja dignamente amparada pela sociedade e pelo Estado. As Forças Armadas são instituições tradicionais, com missões, regras e preceitos claros e definidos. Elas têm como principal característica o respeito à hierarquia e ao cumprimento de todas as normas, sem que haja sobre elas qualquer tipo de ingerência política. Por esses motivos, para mim, é uma tranquilidade e uma grande alegria estar ao lado das Forças Armadas, numa relação de respeito e cooperação. T&D - O Brasil, aliás, é um dos poucos países do mundo onde o orçamento da pasta da Defesa inclui o pagamento do salário do pessoal militar. Dadas as constantes dificuldades financeiras e o enxugamento/contingenciamento orçamentário, isso vai se refletir, também, nos valores dos soldos e uma das consequências é o aumento constante das evasões de profissionais das Armas, em cuja formação o País investiu bastante. O senhor vê alguma solução para este problema? Ministro - A restrição orçamentária não afeta a remuneração dos militares diretamente, pois esta é uma despesa caracterizada como obrigatória no orçamento. O adequado nível da remuneração dos militares é tema permanente na agenda do Ministério da Defesa e um de nossos objetivos é possibilitar que as instituições militares sejam capazes de atrair e manter em seus quadros recursos humanos essenciais ao desempenho de suas funções. A valorização da
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Sgto Johnson Barros
|REGISTRO|
Joaquim Pedro Salgado Filho, o primeiro ministro da Aeronรกutica
Força Aérea 75 anos pelo
Brasil nos céus Ivan Plavetz
Cerimônia de passagem dos meios aéreos para o Ministério da Aeronáutica, em 27 de janeiro de 1941
ob o lema “Asas que protegem o País”, a Força Aérea Brasileira (FAB) ingressou no século 21 promovendo importantes e, em alguns casos, urgentes mudanças em todos os seus setores, como material de voo, qualificação de pessoal e doutrinas de emprego. Ano passado, a assinatura dos últimos documentos do Programa F-X2 marcou definitivamente a trajetória rumo à modernidade e ascensão tecnológica da indústria aeroespacial brasileira. Há que se considerar também o novo avião militar de transporte KC-390, um divisor de águas. A FAB recebeu nos últimos meses unidades do maior helicóptero em operação no País, o H225M (Programa H-XBR). Ao mesmo tempo, a introdução de aeronaves remotamente tripuladas (ARP), potencializou a capacidade de vigilância terrestre da Força. A FAB evoluiu na capacidade de vigiar o espaço aéreo com radares, nas comunicações, através de sistemas no “estado-da-arte” como os rádios digitais definidos por software e na
interoperabilidade de meios de acordo com o conceito de Operações Centradas em Rede (NCW). Os processos de modernização são verificados, ainda, na profundidade das missões ocupando vazios até pouco tempo sem cobertura por falta de aeronaves adequadas e aeródromos estrategicamente situados, notadamente quando de ações humanitárias na Amazônia, poder de mobilização que ficou bem aparente durante desastres naturais ocorridos de norte a sul do Brasil nos últimos anos. Não se pode esquecer a responsabilidade sobre um espaço aéreo com mais de 22 milhões de km², incluindo 13,5 milhões de km² do Atlântico Sul onde está a Zona Econômica Exclusiva. O Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), organismo de pesquisas e desenvolvimentos subordinado ao Comando da Aeronáutica (ComAer), tem contribuído expressivamente com essa evolução participando em um variado leque de projetos que
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Roberto Caiafa
| CONJUNTURA |
Projetos Estratégicos do
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Hora de repensar as ações para manter o rumo
Fotos: EB
Roberto Caiafa ecnologia & Defesa, ao longo dos últimos anos, apresentou em suas páginas diversas matérias e artigos sobre os Projetos Estratégicos do Exército Brasileiro (PEE), considerados indutores de transformação da Força. Nomeados ASTROS 2020, Defesa Antiaérea, Defesa Cibernética, Guarani, OCOP, Proteger e SISFRON, esses sete projetos “estruturantes” norteiam todo o processo. O Projeto Estratégico ASTROS 2020 foi criado para dotar o Exército Brasileiro (EB) com meios capazes de prestar um apoio de fogo de longo alcance, com elevada precisão e letalidade. Este PEE prevê a criação e implantação de uma unidade de mísseis e foguetes; um centro de instrução de Artilharia de Mísseis e Foguetes; um centro de logística de mísseis e foguetes; uma bateria de busca de alvos; paióis de munições (Forte Santa Bárbara); e uma base de administração e o Campo de Instrução de Formosa (CIF); a modernização do atual 6º Grupo de Lançadores Múltiplos de Foguetes, transformando-o em 6º Grupo de Mísseis e Foguetes; o desenvolvimento de dois novos armamentos, o foguete guiado SS 40 e o míssil tático de cruzeiro com alcance de 300 km; e a construção de próprios nacionais residenciais (PNR) na Guarnição de Formosa (GO). O Projeto Estratégico Defesa Antiaérea tem como objetivo defender as estruturas estratégicas terrestres do País de possíveis ameaças aéreas. Sua principal finalidade é reequipar as atuais organizações militares (OM) de Artilharia Antiaérea mediante a aquisição de novos meios e modernização dos existentes; desenvolvimento de itens específicos pelo fomento à indús-
tria nacional de defesa; capacitação de pessoal; e a implantação de um sistema logístico integrado (SLI), para oferecer suporte aos produtos de defesa (PRODE) durante todos os seus ciclos de vida. A opção pela aquisição de meios modernos de Defesa Antiaérea e a sua nacionalização permitirá que o Exército cumpra missões como a defesa de refinarias, aeroportos, usinas hidrelétricas, centros de poder, entre outros, protegendo as estruturas estratégicas do País. O Projeto Estratégico de Defesa Cibernética é encarregado de exercer a governança, de forma colaborativa, entre os vetores que compoem a defesa no campo cibernético. Essa necessidade foi atendida com a criação, em 2010, do Centro de Defesa Cibernética (CDCiber), por determinação do Comando do Exército. As premissas de trabalho deste órgão são coordenar e integrar os esforços dos vetores da defesa cibernética. Para atuar neste segmento tão específico, iniciou-se, entre outras atividades, o processo de capacitação de recursos humanos, possibilitando o domínio de temas multidisciplinares. Especial enfoque foi destinado ao desenvolvimento de doutrina de proteção dos próprios ativos; na capacidade de atuar em rede; na de implementar pesquisa científica voltada ao tema; e coordenar relações com instituições civis acadêmicas e empresariais. O Projeto Estratégico Guarani visa transformar as organizações de Infantaria Motorizada em Mecanizada e modernizar aquelas de Cavalaria Mecanizada. Para isso, estão sendo desenvolvida uma nova família de viaturas blindadas sobre rodas. A primeira foi a viatura blindada para transporte de tropa Guarani (VBTP-MR Guarani),
possibilitando a substituição dos Urutu, em uso há mais de 40 anos. Essa nova família contempla uma subfamília média, com as versões de reconhecimento, transporte de pessoal, morteiro, socorro, posto de comando, central de tiro, oficina e ambulância; e uma subfamília leve, com as versões reconhecimento, anticarro, morteiro leve, radar, posto de comando e observação avançada. O Projeto Estratégico Obtenção da Capacidade Operacional Plena (OCOP) que busca atender a uma demanda reprimida de equipamentos e adestramento, mais o recompletamento dos Quadros de Dotação de Material (QDM), através da aquisição de produtos de defesa para atingir a operacionalidade da Força Terrestre. O OCOP tem por objetivo dotar as unidades operacionais de material de emprego em seu nível mínimo e imprescindível, com a finalidade de atender às exigências de defesa da Pátria previstas no caput do Art. 142 da Constituição, assim como às operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e às diversas missões subsidiárias atribuídas ao Ministério da Defesa. O OCOP compõe-se de 17 Projetos Integrantes (PI). O Projeto Estratégico Sistema Integrado de Proteção da Sociedade (PEE PROTEGER) é um sistema complexo que visa ampliar a capacidade do Exército de coordenar operações na proteção da sociedade, destacandose a proteção de estruturas estratégicas terrestres em situação de crise, apoio à defesa civil em caso de calamidades naturais ou provocadas, coordenação de segurança em grandes eventos, realização de operações de Garantia da Lei e da Ordem, de Garantia da Votação e da Apuração, de contraterror, de defesa química, biológica, nuclear e radioló-
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| EXร RCITO |
Maturacรก
Japurรก 60 TECNOLOGIA & DEFESA
EB
EB
Ipiranga
EB
Tiriós
Principe da Beira
A Força Terrestre
brasileira e as
aeronaves de asas fixas Ivan Plavetz TECNOLOGIA & DEFESA 61
|ESPECIAL |
Uma nova Guerra Fria na Ucr창nia Kaiser David Konrad
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Fotos do autor
O relato dos bastidores do conflito pelo único jornalista especializado que esteve na zona de operações
O repórter especial de T&D, Kaiser David Konrad, foi escoltado por unidades Spetsnaz ucranianas na região de Donetsk
Um breve voo ao
passado
75S ANO
Arquivo histórico FAB
Lembrando alguns modelos que marcaram época na Força Aérea
Biplanos Stearman A76 da Escola de Aviação Militar, em 1938
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Arquivo histórico FAB Coleção Aparecido Camazano Alamino
Arquivo histórico FAB
P-47D do 1º GAvCa na Itália, em 1945
Finda a Segunda Guerra Mundial, a FAB recebeu muito material de procedência norteamericana como as B-17 Fortaleza Voadora (acima), que no Brasil foram adaptadas para transporte e SAR, e os PBY-5A Catalina, muito usados na região amazônica até os anos de 1970 TECNOLOGIA & DEFESA 109
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