Diabetes Caso 43

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43: “Desaparecimento” da hiperglicemia após uma cirurgia


43. “Desaparecimento” da hiperglicemia após uma cirurgia JMG 56 anos, portador de diabetes há 7 anos. O paciente é hipertenso e possui bom controle glicêmico e pressórico com metformina 850 mg (duas vezes ao dia), glibenclamida (10 mg), maleato de enalapril e hidroclorotiazida. Sem complicações.

Devido a dores abdominais, fez ultrassonografia de abdome que identificou colelitíase

com indicação cirúrgica. Durante o pro cedimento cirúrgico, o sangramento foi maior que o habitual, o paciente teve hipotensão grave por aproximadamente 40 minutos e recebeu drogas vasoativas durante cerca de 20 minutos. Recuperou-se bem e teve discreto prejuízo da função renal, que reverteu totalmente após cinco dias (a creatinina sérica elevou-se de 0,87 mg/dL para 2, 9 mg/dL).

Durante o pós-operatório, o paciente não precisou de antidiabéticos orais, que inicial-

mente foi atribuído a menor ingestão calórica. Após a alta hospitalar, continuou sem medicação para o tratamento do diabetes e também necessitou de dose menor de hipotensores. Oito meses após o procedimento, o paciente referia astenia, indisposição geral, tonturas contínuas e mal caracterizadas e diminuição de libido. Na avaliação clínica, observou-se palidez cutânea e hipotensão postural, enquanto os exames laboratoriais mostraram (entre parênteses estão os valores normais ou de referência): T4 livre 0,4 ng/dL (Valor Normal - VN: 0,70 a 1,50 ng/dL); TSH 1,2 µU/mL (VN: 0,4 a 4,5 µU/mL); Cortisol sérico 2,1 µg/dL (VN: 5 a 25 µg/dL); Testosterona total 110 ng/dL (VN: 271 a 965 ng/dL ); LH 4,5 IU/L (VN: 1,0 a 8,4 IU/L); FSH 6,2 IU/L (VN: até 10,5 IU/L); IGF-1: 65 ng/mL (VN: 91a 246 ng/mL). A ressonância magnética de hipófise mostrou sela parcialmente vazia. Iniciado reposição com prednisona, levotiroxina sódica e ésteres de testosterona com melhora de todos os sintomas e necessidade de reintrodução de metformina por causa de aumento dos valores de hemoglobina glicada. DISCUSSÃO Os dados relatados oito meses após a cirurgia, indicam que este paciente tem panhipopituitarismo, caracterizado por redução das concentrações de hormônios das glândulas alvo controladas por hormônios pituitários como: T4 livre, cortisol e testosterona; ao mesmo


tempo, os hormônios pituitários estavam normais ou diminuídos (TSH, LH e FSH dentro dos parâmetros de normalidade, sem informações sobre o ACTH). E, além disso, há evidência de produção diminuída de GH pela dosagem muito baixa de IGF-1.

Apoplexia pituitária é condição rara, potencialmente muito grave; em geral, ocorre

em um tumor hipofisário não diagnosticado previamente, associado a sintomas de efeito de massa intracraniana como: dor de cabeça, perda visual, oftalmoplegia e eventualmente coma. A apoplexia pode ser causada por hemorragia súbita ou infarto da glândula pituitária, a causa mais comum é o infarto hemorrágico de grandes adenomas hipofisários, mas também pode ocorrer em tumores pequenos; enquanto, o infarto isquêmico em pessoas sem doenca hipofisária prévia é extremamente raro. A Síndrome de Sheehan é um exemplo clássico de infarto da hipófise, geralmente decorrente de hemorrágias no momento do parto, com alterações hemodinâmicas e hipotensão arterial grave. Durante a gravidez há um aumento fisiológico da pituitária, tornando esta glândula mais sensível à redução do fluxo arterial. Outras causas de infarto hipofisário (ou pituitário) sem relação com a gravidez são muito mais raras, mas existem relatos da associação da apoplexia pituitária a uma grande variedade de medicamentos, procedimentos e estados patológicos, entre os quais anticoagulação, traumatismo craniano, cirurgia recente com alteração hemodinâmica. O mecanismo de infarto e hemorragia na pituitária sem adenoma é muito difícil de explicar. A hipófise anterior recebe vascularização pelo seu sistema venoso portal, com pedículo vascular estreito, esse suprimento vascular incomum provavelmente contribui para a frequência da apoplexia pituitária. Além das mudanças no fornecimento vascular, a presença de fatores precipitantes como doenças sistêmicas ou medicamentos que resultam em flutuações na pressão arterial; bem como o aumento transitório da pressão intracraniana causada pela pressão de ventilação mecânica pode ser um fator agravante, reduzindo o fluxo de sanguíneo na glândula pituitária, com consequente necrose apoplética ou hemorragia do pituitária. O próprio diabetes e hipertensão arterial têm sido considerados fatores predisponentes a apoplexia pituitária por causa de alterações degenerativas na microvasculatura da glândula. No entanto, não há evidência de que apoplexia pituitária seja mais comum em pacientes diabéticos ou hipertensos. Outro ponto importante na apresentação deste caso foi considerar a “cura do diabe-


tes” após a cirurgia. Sabe-se que mudanças no estilo de vida podem reduzir drasticamente a necessidade de medicamentos em portadores de diabetes, mas não há um relato evidente de que isto tenha acontecido neste paciente. Outras razões para a redução de necessidades de hipoglicemiantes, incluem insuficiência renal e diminuição da produção de hormônios contrarreguladores, como o hormônio de crescimento e o cortisol, que são importantes na manutenção do metabolismo glicídico, que também estão diminuídos nas dosagens laboratoriais realizadas 8 meses após cirurgia e, esta diminuição , correlaciona-se a melhora do controle glicêmico. A contraprova de que estas alterações influenciaram na melhora do controle glicemia está no fato de que após iniciar a reposição com prednisona, levotiroxina e testosterona, houve necessidade de reintroduzir parte dos medicamentos usados ao inicio do quadro. Em conclusão, trata- se que quadro extremamente raro de hipopituitarismo que ocorreu em pessoa com diabetes após um procedimento cirúrgico e que teve como consequência a diminuição das necessidades de antidiabéticos orais


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