Projeto Clínica Psiquiátrica 2011 Como eu trato demências Cássio M C Bottino PROTER / CEREDIC IPq HC FMUSP cbottino@usp.br
Declaro potenciais conflitos de interesse
Aulas, materiais de divulgação, apoio para participar de reuniões científicas, participação em ensaios clínicos
• Apsen, Boehringer, Janssen, Lilly, Lundbeck, Novartis, Organon, Pfizer, Roche, Wyeth
Demências - conceito • Demência é uma síndrome caracterizada por declínio da capacidade intelectual, suficientemente grave para interferir nas atividades sociais ou profissionais, que independe de distúrbio do estado de consciência (ou da vigília) e é causada por comprometimento do sistema nervoso central • A síndrome demencial pode ser causada por um grupo heterogêneo de doenças que tem em comum a alteração das funções cognitivas – memória, linguagem, praxia, capacidade de reconhecer e identificar objetos, abstração, organização, capacidade de planejamento e seqüenciamento
Evolução do conceito • Século 18 o termo demência apresentava um uso clínico e legal, referindo a um estado de comprometimento da esfera psicossocial, independente da idade, reversibilidade ou antecedente pessoal • Século 19 paradigma cognitivo: conceito de irreversibilidade das demencias, distúrbio associado principalmente ao envelhecimento, caracteristicamente com perda de memória • Século 20 inclusão de aspectos não cognitivos (alucinações, delírios, e alterações comportamentais)
Prevalência de Demência: estudos na comunidade de 1994 a 2000 Faixa etária
N de estudos Prevalência de demência% Aumento das txs (IC 95%) de prevalência
65-69
17
1.2 (0.8-1.5)
--
70-74
19
3.7 (2.6-4.7)
3.0
75-79
21
7.9 (6.2-9.5)
2.1
80-84
20
16.4 (13.8-18.9)
2.0
85-89
16
24.6 (20.5-28.6)
1.5
90-94
6
39.9 (34.4-45.3)
1.6
> 95
6
54.8 (45.6-63.9)
1.3
MEDLINE e LILACS: 38 estudos
Lopes e Bottino, 2003
Fatores de Risco para DA Fator de risco
Risco relativo
IC de 95%
História familiar de demência
3,5
2,6-4,6
História familiar de doença de Parkinson História familiar de Síndrome de Down
2,4
1,0-5,8
2,7
1,2-5,7
Trauma crânio-encefálico
1,8
1,3-2,7
Hipotiroidismo
2,3
1,0-5,4
Depressão
1,8
1,2-2,9
Tabagismo
0,8
0,6-1,0
Fatores de Risco para DV • • • • • • • • •
Idade avançada Hipertensão arterial sistêmica Diabete Hiperlipidemia AVC recorrente Doença cardiovascular Tabagismo Hiperhomocisteinemia Apnéia do sono
Degenerativas Primárias:
Doença de Alzheimer (DA) Degeneração Lobar Frontotemporal (DFT)
Vasculares:
DA senil (DA de início tardio, esporádica) DA pré-senil (DA de início precoce, familiar) Doença de Pick Afasia Progressiva Primária (APP) Afasia Não-Fluente
Demências subcorticais
Doença de Wilson (degeneração hepatolenticular) Doença de Huntington
Parkinson-plus
Demência com corpúsculos de Lewy Demência na doença de Parkinson Paralisia supranuclear progressiva (PSP) Degeneração corticobasal Atrofia de múltiplos sistemas
Doenças priônicas
Doença de Creutzfeldt-Jakob Insônia familiar fatal Doença de Gertsmann-Sträussler-Scheinker
Grandes vasos Infartos isolados (estratégicos) Microangiopatia (substância branca)
Demência por múltiplos infartos corticais giro angular, tálamo, prosencéfalo basal, territórios das artérias cerebrais anterior e posterior Leucodistrofia subcortical difusa Doença de Binswanger
Lesionais:
Lesões cerebrais focais (lesões que ocupam espaço) Traumáticas
Infecciosas
Inflamatórias
Tóxicometabólicas:
Intoxicações crônicas
Anóxicas / hipóxicas
Metabólicas
Nutricionais
Tumores cerebrais Hematoma subdural Esclerose múltipla Hidrocefalia de pressão normal (HPN) Demência pugilística Traumatismo craniencefálico Demência associada à AIDS Neurossífilis (Paralisia Geral Progressiva) Neurocisticercose, sarcoidose Meningoencefalites (criptocócica, tuerculosa, fúngica) Encefalites víricas (herpes simples) Vasculites do sistema nervoso central Lúpus eritematoso sistêmico Outras doenças reumatológicas Demência alcoólica Intoxicação por metais pesados (chumbo, mercúrio, arsênico) Intoxicação por monóxido de carbono (anóxia) Anóxia aguda: arritmias cardíacas, parada cardiorrespiratória, anóxia pós-anestésica Crônica: anemias, doença pulmonar obstrutiva crônica Tireoidopatias, Hiperparatireoidismo Distúrbios hipofisários-adrenais Estados pós-hipoglicêmicos Encefalopatia hepática progressiva crônica Uremia crônica (demência dialítica) Deficiências vitamínicas: tiamina (B1), niacina (B3), cobalamina (B12), ácido fólico
DEMÊNCIAS Critérios Diagnósticos - CID-10 A - Evidência de Demência, de um nível especificado de gravidade, baseado em: A1 - Prejuízo de memória A2 - Declínio de habilidades intelectuais (pensamento, raciocínio, fluxo de idéias) - A1 e A2 causam prejuízo de funcionamento das atividades diárias B - Ausência de distúrbio de consciência C - Deterioração no controle emocional, comportamento social ou motivação D - A1 e A2 estão presentes por 6 meses
DEMÊNCIAS Critérios diagnósticos - DSM-IV A - Desenvolvimento de déficits cognitivos múltiplos manifestados por: 1 - comprometimento de memória de fixação e evocação 2 - um (ou mais) das seguintes: a) afasia c) agnosia b) apraxia d) prejuízo de f. executivas B - Os déficits em A1 e A2 interferem com funcionamento ocupacional ou social, e representam um declínio de níveis prévios de funcionamento C - Não ocorrem exclusivamente com delirium D - Evidência de um distúrbio orgânico
Doença de Alzheimer • Doença cerebral degenerativa progressiva (50 a 60% dos casos de demência > 60 anos) • Marcadores histopatológicos: • placas senis (alterações extracelulares carregadas de peptídeo -amilóide) e neuritos distróficos em regiões neocorticais • emaranhados neurofibrilares (ENF) (filamentos helicoidais intracelulares, formados pela proteína tau hiperfosforilada) em regiões temporais mesiais
• Perda de neurônios e de substância branca, angiopatia amilóide, inflamação e dano oxidativo
História Natural da DA Modelo de 3 estágios (8 a 10 anos): 1 DA inicial: Duração de 2 a 3 anos, início insidioso, dificuldade com situações complexas (memória, funções visuo-espaciais, linguagem, aprendizado e concentração - MEEM = 20-30) 2 DA intermediária: Deterioração cognitiva + afasia, apraxia, agnosia (MEEM = 10-19) 3 DA final: Mutismo, sinais neurológicos, incontinência urinária e fecal (MEEM= 0-9)
Sjögren e cols., 1952; Folstein, 1997
História Natural da DA (Gracon e cols., 1997) Sintomas Diagnóstico
MMSE (0 a 30)
Perda da Indenpendência Funcional Alterações de Comportamento Internação Morte
Anos após o diagnóstico (1 a 9)
Vias colinérgicas na DA • 1ª via atingida: conexão entre córtex entorrinal e hipocampo – aferências do hipocampo são originárias do córtex entorrinal (primeira região acometida pelos ENF) – eferências do hipocampo são originadas no CA1 e subiculum (áreas precocemente atingidas pelos ENF) – Hipocampo fica isolado do restante do córtex (prejuízo no processamento da memória) • 2ª via atingida: neurônios colinérgicos - processo degenerativo da DA afeta o prosencéfalo basal, principal origem dos neurônios colinérgicos
Hipótese colinérgica na DA • Sistema colinérgico do prosencéfalo basal: atenção, memória, e emoção • Estimulação de vias colinérgicas por agonistas colinérgicos: melhora a cognição • Medicações anticolinérgicas: efeito negativo sobre as funções cognitivas • Davies e Maloney (1976): pacientes com DA – perda seletiva dos neurônios colinérgicos centrais • Correlação da dimunição da função colinérgica com o declínio cognitivo na DA • Redução de neurônios no nucleus basalis de Meynert: níveis reduzidos de marcadores colinérgicos
Alteração da transmissão colinérgica na DA
Princípios básicos da transmissão colinérgica e mecanismo de ação dos I-ChE
Papel do glutamato nas demências • Morte celular por excitotoxidade - contribui para a lesão e morte das células na DA, outras dças neurodegenerativas, e transtornos agudos como AVC, trauma • Excitoxidade - super-ativação dos receptores glutamatérgicos do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA): excesso de influxo de Ca2+ através do canal iônico associado ao receptor • Ativação excessiva do receptor NMDA: produção de radicais livres e outros processos enzimáticos que contribuem para a morte celular
Sintomas Neuropsiquiรกtricos em pacientes com DA
Lyketsos et al., JAMA 2002; 288:1475-83; Tatsch MF et al., Am J Geriatr Psychiatry 2006; 14:438-45
Tratamento Farmacol贸gico da DA 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 Preval锚ncia
Diagn贸stico
Tratados
I-AChE
South Med J 95(1): 102-108, 2002
Droga
Meia-vida
Efeitos colaterais
Indicação
Dose
Donepezil
70 horas
Náuseas, vômitos, diarréia, cefaléia, insônia, sonhos vívidos, tontura, bradicardia
DA leve, moderada e grave
Início com 5mg até 15mg em 4-6 semanas
Rivastigmina
1.5 horas
DA leve e moderada
Rivastigmina transdérmica
3 horas
Náuseas, vômitos, anorexia, perda ponderal Náuseas, vômitos, anorexia, perda ponderal
Início com 1.5mg até 6mg 2x ao dia em 3-4 semanas Início com adesivo de 4.6mg, aumentando a cada 4 semanas
Galantamina
7 horas
Náuseas, vômitos, diarréia, anorexia
DA leve e moderada
Memantina
60-80 horas
Forlenza, et al., 2011
DA leve e moderada
Início com 8mg ER até 24mg ER em 3-4 semanas Constipação, tontura, DA moderada e Início com 5mg ao dia. cefaléia, dor grave Aumento de 5mg a cada 12h por semana, até o total de 20mg
Resposta Global ao Tratamento com I-ChE em pacientes com DA
Lanct么t et al., 2003
Eficácia e Segurança dos I-ChE para pacientes com DA N droga /placebo 2804/140 1
Resposta Global 9% (6-12)
NNT
EA
12 (9-16)
8% (5-12)
Donepezil
1147/576
13% (8-17)
8 (6-12)
6% (2-9)
Galantamina
1190/605
5% (1-8)
Rivastigmina
467/220
12% (5-19)
Total
22 (12-157) 12% (7-18) --
8% (1-10) Lanctôt et al., 2003
Efeito do Tratamento com I-ChE na cognição de pacientes com DA
Rockwood, 2004
Eficácia dos I-ChE para tratar os sintomas neuropsiquiátricos na DA • 14 estudos (9 com donepezil, 3 com galantamina e 2 com rivastigmina): seguimento médio de 24 semanas • Desfecho: NPI total e escalas para agitação e apatia • Em 3 estudos: mudanças modestas nos escores do NPI • Interpretação dos resultados: escores baixos do NPI no baseline, desfecho 2ario • Na ausência de opções de manejo seguro e efetivo dos sintomas neuropsiquiátricos nos pacientes com DA: uso dos I-ChE é uma alternativa farmacológica apropriada Rodda et al., 2009
Principais efeitos adversos dos I-ChE Sintomas
Náusea Vômito Diarréia Vertigem Perda de Peso Dor Abdominal Constipação Cardiovasculares SNC
Donepezil 5-10 mg ++ + ++ + + + + -
Galantamina 8-24 mg +++ ++ + ++ + + + -
Rivastigmina 3-12 mg +++ +++ ++ +++ ++ + + -
+++ 20-50%; ++ 10-20%; + até 10%; - <5% Hansen et al, 2008 e Lockhardt et al, 2009
Seguimento dos pacientes tratados com I-ChE • Atenção aos efeitos adversos (gastrointestinais, perda de peso, tonturas, síncopes) • Reavaliação para quantificar a resposta inicial (3-6 meses) • Administrar e interpretar medidas cognitivas e funcionais breves (paciente e cuidador) • Resposta favorável (melhora, estabilização ou redução da taxa de declínio pré tratamento): manter a farmacoterapia, com reavaliações no mínimo a Hogan et al., 2008 cada 6–12 meses
Eficรกcia da Memantina nos sintomas neuropsiquiรกtricos
Maidment et al., 2008
Eficácia da Memantina nos sintomas neuropsiquiátricos • Tratamento pode reduzir comportamentos existentes e ajudar no manejo de novos comportamentos • Memantina pode reduzir a necessidade de antipsicóticos atípicos e de outros medicamentos antipsicóticos • Dados de análise post hoc de desfechos 2arios: redução da agitação, melhora de delírios e redução da irritabilidade Gauthier et al., 2010
Tratamentos não farmacológicos para DA leve a moderada • Efetividade do treinamento cognitivo ou da reabilitação cognitiva para melhorar ou manter desempenho cognitivo e funcional: evidências insuficientes • Efetividade de intervenções ambientais para melhorar o desempenho funcional: alguma indicação de benefício nas AVDs • Programas de exercícios individualizados: boa evidência de impacto no desempenho funcional Hogan et al., 2008
Treinamento cognitivo para DA leve • Revisão - MEDLINE (PubMed), CINAHL, PsycInfo, Cochrane Library • Keywords: cognition, reality orientation, Alzheimer's disease, psychosocial factors, cognitive therapy, brain plasticity, enriched environments, and memory training • Treinamento cognitivo: melhora cognição, AVDs, e tomada de decisões • Intervenções mais efetivas: estruturadas e focadas em perdas específicas relacionadas ao processo patológico da DA, e em habilidades residuais dos pacientes Yu et al., 2009
Manejo dos sintomas comportamentais na DA • Psicoeducação dos cuidadores é efetiva, com efeitos duradouros (especialm. individual) • Benefícios semelhantes com técnicas de manejo comportamental focadas no paciente ou em comportamentos do cuidador • Musicoterapia e estimulação sensorial, são úteis, mas o efeito não se mantém • Manejo interpessoal • Manejo ambiental
Gauthier et al., 2010
Conclusões - 1 • I-ChE possuem um efeito modesto, mas consistente sobre a melhora global, cognição, AVDs e alterações de comportamento no tratamento de 6 meses a 1 ano dos pacientes com DA leve a moderada • Existem evidências menos consistentes de benefício no tratamento de médio (2 anos) e longo (mais de 2 anos) • Evidências sobre a Memantina também sugerem um efeito modesto no tratamento de pacientes com DA moderada a grave
Conclusões - 2 • I-ChE podem também ser úteis para tratar pacientes com outras demências hipo-colinérgicas (DV, DCL, e DPk), assim como, para tratar os pacientes com CCL • Abordagens não farmacológicas estruturadas, com foco nos pacientes e/ou nos cuidadores, podem trazer benefícios para a cognição, AVDs e sintomas comportamentais
• O 1o Congresso Sul-Americano de Esquizofrenia será organizado pela Schizophrenia International Research Society em conjunto com o Departamento e Instituto de Psiquiatria da FMUSP - Centro de Convenções Rebouças de 5 a 7 de agosto de
2011. • Quatro palestrantes da Europa e da América do Norte: Sir Robin Murray (Grã-Bretanha) / John Kane (EUA) / Lynn DeLisi (EUA) / René Kahn (Holanda)
• Outros
palestrantes
de
diversos
países
da
América
do
Sul
e
do
Brasil
Tradução Simultânea Informações : www.sirssouthamerica.org
INSCRIÇÕES PODEM SER FEITAS DURANTE O EVENTO “CLÍNICA PSIQUIÁTRICA” (procurar balcão de inscrições)