Revista Ritos ed 13

RITOS REVISTA DA AMARN | Ano X Nº 13 | dezembro 2015

Há 15 anos, os novos juízes do RN

Mulheres presidiárias e o olhar do Judiciário

Chapéu

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CONSELHO EXECUTIVO

EDITORIAL

Bem-vindo 2016 !

No ano ano em que o Brasil sofreu amargas derrotas nos setores econômicos, políticos e sociais, devemos olhar 2015 com a marca de uma experiência renovada. Tivemos muitos problemas, também no Judiciário como um todo, como crises financeiras, paralisação de atividades, corte no número de servidores, mas também um recomeço. Há sempre um recomeço em todas as lutas. Recomeço com esperança de dias melhores.

Neste ano, a AMARN se consagrou no exemplo de uma eleição com chapa única, como prova de que a associação tem buscado cada vez mais a união e fortalecimento de toda a classe de magistrados e magistradas do Rio Grande do Norte.

Nesta edição da revista Ritos, primeira da atual gestão, a publicação traz uma reportagem de capa contando um pouco, através da juíza Flávia Dantas, os 15 anos de uma turma de juízes que fazem a diferença na magistratura potiguar. “Aos meus honrados colegas, o meu eterno respeito pelo que são, e disso sou testemunha; pelo que fazem, ainda que não tenham qualquer reconhecimento; e, principalmente, pelo muito que haverão de fazer, com destemor e determinação, em nome da Justiça, a despeito das injustiças que rondam e da mediocridade eloquente que brada e prepondera porque é este o dever de todo verdadeiro magistrado!”.

Numa reportagem especial, a situação de mulheres encarceradas e o olhar diferenciado do Judiciário. O Brasil é o quinto país em número de mulheres vivendo em privação de liberdade e esse número vem aumentando nos últimos anos.

Um agradecimento especial aos colaboradores desta edição, com seus artigos, contos, crônicas e textos diversificados, tornando a Ritos cada vez mais uma revista mais aberta para mostrar artes, belezas, informações e principalmente histórias reais ou imaginárias, mas que contribuem para o entretenimento do nosso final de ano.

E, neste clima de despedidas de 2015, esperamos e desejamos um 2016 de boas realizações para todos.

Juiz Cleofas Coelho de Araújo Júnior presidente Juíza Hadja Rayanne Holanda de Alencar Vice-presidente institucional Juíza Érika de Paiva Duarte Tinoco Vice-presidente administrativo Juiz Odinei Wilson Draeger Vice-presidente financeiro Juíza Karyne Chagas de Mendonça Brandão Vice-presidente de Comunicação Juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior Vice-presidente cultural Juiz Jorge Carlos Meira Silva Vice-presidente Social Juiz Gustavo Henrique Silveira Silva Vice-presidente dos esportes Juíza Maria Soledade de Araújo Fernandes Vice-presidente dos aposentados Juiz Breno Valério Fausto de Medeiros Vice-presidente da região Oeste Juíza Marina Melo Martins coordenadora da Região Seridó CONSELHO FISCAL Juiz Agenor Fernandes da Rocha Filho Juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo Juiz Felipe Luiz Machado Barros Juiz João Afonso de Morais Pordeus Juíza Leila Nunes de Sá Pereira Juiz Luiz Alberto Dantas Filho Juiz Mádson Ottoni de Almeida Rodrigues Juiz Marcelo Pinto Varella Juiz Raimundo Carlyle de Oliveira Costa Editora executiva Adalgisa Emídia DRT/RN 784 PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Terceirize Editora - (84) 3211.5075 terceirize@terceirize.com FOTOS Elpídio Júnior GRÁFICA Unigráfica

AMARN

Condomínio Empresarial Torre Miguel Seabra Fagundes R. Paulo B. de Góes, 1840 Salas 1002, 1003 e 1004 Candelária - Natal/RN CEP: 59064-460 Telefones: (84) 3206.0942 3206.9132 | 3234.7770

Um brinde a todos os nossos associados e associadas !

Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte

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Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte

CNPJ: 08.533.481/0001-02

SUMÁRIO

38 artigo

Há 15 anos, os novos juízes do RN

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46

artigo

Não deixe o Judiciário parar Texto do presidente da AMB fala sobre a judicialização no Brasil

ESPECIAL

14 Mulheres presidiárias e o olhar do Judiciário

CONTO

Histórias do juiz Assis Brasil

34 VIAGEM Um passeio ao mundo japonês, pela juíza Karyne Chagas

42 ESPECIAL

Os 20 anos dos Juizados Especiais

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Chapéu artigo

Validade das normas jurídicas em confronto com a ordem moral

Cleanto Fortunato da Silva Juiz da Comarca de Natal

“

O Direito e a moral são as ordens sociais, ou seja, ordens normativas que regulam a conduta humana quando esta está em relação com outras pessoas.”

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A validade das normas jurídicas em confronto com a ordem moral tem sido um tema bastante debatido no estudo na teoria geral do direito. Essa análise crítica é importante para que se firme convicção quanto à aplicabilidade ou não de determinadas regras em casos individuais, visto que muitas vezes a ordem jurídica se contrapõe à ordem moral de determinada coletividade de pessoas, quer seja a maioria ou mesmo uma minoria sujeita ao respectivo ordenamento.

Com essa visão, não se pode olvidar que tanto as normas jurídicas quanto as morais são historicamente condicionadas e levam em consideração os valores culturais próprios da sociedade a que são aplicadas.

A delimitação do conceito de direito, embora não seja uma tarefa fácil, pelas muitas variantes que a influenciam, decorrentes do tempo e do lugar, possui uma grande relevância científica, visto que facilita a definição do seu objeto, assim como pragmática, quanto à sua aplicação, visto que não é ele um fim em si mesmo, mas, na realidade, um instrumento para consecução de uma melhor vida em sociedade, visão esta que não pode ser esquecida, sob pena do Direito ter a sua real significação desvirtuada.

Muitos tem sido os critérios apresentados para fazer a distinção entre o Direito e a Moral, dentre os quais se procurará analisar os mais importantes, para o fim de se verificar a sua coerência e que resultados produzem.

Discussão clássica existente entre os teóricos é aquela que afirma a necessidade ou não do Direito atender a postulados da Moral como pressuposto da sua validade. Aqueles que defendem esta necessidade, evidentemente, atribuem um valor superior à ordem moral, entendendo que as normas jurídicas positivadas devem, necessariamente, conformar-se às normas morais, sob pena de, contrariando-as, não serem aplicáveis aos casos concretos. Alguns, inclusive, chegaram mesmo a dizer que sequer seriam Direito.

Faz-se, porém, de bom alvitre esclarecer que a presente abordagem não pretende, de modo algum, pela sua dimensão

e finalidade, esgotar o tema versado. Busca, na realidade, submeter à discussão já existente uma análise atual, centrada em alguns dos seus aspectos considerados relevantes, tendo como base parte dos doutrinadores que mais se destacaram nesse campo da Ciência Jurídica.

Para se ter uma idéia da importância desse tema, Alexy (2009:3) vai ao ponto de afirmar que o principal problema na polêmica acerca do conceito de direito é a relação entre o Direito e a Moral. Segundo ainda o mencionado autor, apesar de uma discussão de mais de dois mil anos, duas posições fundamentais continuam se contrapondo: a positivista e a não positivista.

Diante dessa perspectiva, será feita uma análise da conformação das normas jurídicas à ordem moral como seu pressuposto de validade, sob a ótica da ética e da justiça.

Direito, Moral e Ética Kelsen (2009:27) afirma que o Direito e a Moral são ordens sociais, ou seja, ordens normativas que regulam a conduta humana quando esta está em relação com outras pessoas. Assim sendo, são elas consideradas sistemas normativos que tem o mesmo objetivo: regular a vida em sociedade. Contudo, o mesmo autor (2009:35) acrescenta que a ordem jurídica prescreve condutas humanas não só em face de outros homens como também em relação aos animais, às plantas e aos objetos inanimados, dando-lhe uma amplitude que abrange todos os interesses que podem ser submetidos à tutela do Estado. Este mesmo fenômeno também se verifica na ordem moral, que inclusive possui alcance mais longo, referindo-se também a fatos de menor relevância, cuja regulamentação é desprezada pelas normas jurídicas.

Como exemplo de fato sobre o qual pode não haver interesse humano direto, é citado por ele a proibição, sob a cominação de pena, de matar certos animais – em qualquer tempo

ou apenas em certas épocas.

Porém, há de se indagar se a finalidade do Direito coincide com a da Moral. Parece que em um primeiro plano sim, visto que ambas as ordens são direcionadas a padronizar as condutas individuais e coletivas, segundo regras estabelecidas como sendo as mais adequadas para que as pessoas de uma mesma comunidade tenham uma vida pacífica e a mais produtiva possível. Em um segundo plano, o Direito se destaca pela sua finalidade de dar certeza e segurança às relações humanas, quando estabelece regras delimitadas e estatuídas ou reconhecidas oficialmente, visando a sua aplicação aos casos ocorrentes.

Assim, o Direito apresenta um acréscimo de finalidade em relação à Moral, que se circunscreve no campo comportamental.

Não há dúvida, porém, de que o Direito está situado em uma área mais qualificada das relações sociais, no campo evolutivo, inclusive confundindo-se com o próprio Estado, no entendimento de alguns, e que busca regular as relações intersubjetivas investindo-se da prerrogativa de punir, legitimamente, em casos de obediência.

Evidentemente que o Direito e a Moral estão intimamente relacionados, sendo porém ordens distintas que precisam ser devidamente compreendidas separadamente.

Muitos tem sido os critérios utilizados para fazer essa distinção. Quem desempenhou papel fundamentou nessa discussão foi Kant (1993: 45-47), para quem a noção do Direito concerne tão somente à relação exterior e prática de uma pessoa com outra enquanto suas ações como fatos possam ter uma influência (mediata ou imediata) sobre outras ações. Assim, segundo esse autor, o Direito não tem absolutamente por objeto senão o que concerne aos atos exteriores, enquanto a Moral dá ênfase ao que se passa no interior do ser humano.

Recusa Kelsen (2009: 65-68) tal distinção, de que o Direito prescreve uma conduta

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Chapéu artigo externa e a Moral uma conduta interna, visto que as normas das duas ordens determinam ambas as espécies de conduta. Corroborando com o citado autor, poderiam ser citados a má-fé, o dolo, a culpa e arrependimento eficaz, como condutas internas que são reguladas pelo Direito; e ao mesmo tempo, a conduta de quem faz um gesto obsceno dirigido a outrem como uma conduta externa reprovada pelo Moral, logicamente motivado por um ato interior, ante os atributos de que o Homem é titular.

Segundo ainda Kelsen, o Direito e a Moral também não se podem distinguir essencialmente com referência à produção ou aplicação das suas normas, visto que as morais, assim como as jurídicas, são criadas pelo costume ou por meio de uma elaboração consciente; bem como, quanto à sua aplicação, as ordens jurídicas primitiva e internacional são completamente descentralizadas, não sendo, assim, suficiente o argumento de que a ordem moral não prevê quaisquer órgãos centrais para a aplicação das suas normas. O autor em apreço, então, conclui que: Uma distinção entre o Direito e a Moral não pode se encontrar naquilo que as duas ordens sociais prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem determinada conduta humana. O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando – como já mostramos – se concebe como uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura obter determinada conduta humana ligando à conduta oposta um ato de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura obter determinada conduta humana ligando à conduta oposta um ato de coerção socialmente organizado, enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, visto que as suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme às

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normas e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não entrando sequer em consideração, portanto, o emprego da força física.

O primeiro argumento apresentado, concernente à produção das normas, parece ser imbatível, até mesmo pelo fato de que as normas antes de ser positivadas juridicamente, quase sempre já foram concebidas e estabelecidas moralmente; mesmo normas eminentemente procedimentais que, a princípio, não tem conteúdo moral, geralmente são fixadas levando-se em especial consideração esta ordem normativa.

O segundo argumento, porém, parece ser equivocado, em decorrência de se utilizar de duas exceções ao que geralmente se observa, bastante discutíveis, como seus fundamentos. Não se deve esquecer que as exceções servem para confirmar a regra. Ora, o próprio Kelsen defende a idéia de que só há uma ordem jurídica onde existem aplicadores do direito socialmente organizados, com competência para a prática de atos de coerção contra aqueles que não se submetem às normas estatuídas, assim pois, como reconhecer como jurídica uma ordem normativa em que haja uma descentralização na sua aplicação? Não parece ser possível a existência de uma organização social, na ótica atual, em que haja essa descentralização. Ou tais aplicadores são reconhecidos pelo Direito, não importando o grau de centralização existente, ou não há ordem jurídica, mas apenas moral ou religiosa.

No que se refere ao Direito Internacional, não serve ele também como fundamento para atestar que, quanto à sua aplicação, não há qualquer distinção entre o Direito e a Moral. Poder-se-ia, hoje, já se falar em uma certa centralização na aplicação de normas internacionais, relegando, desta forma, a discussão sobre o Direito Internacional, se o seu conteúdo é jurídico ou moral. Esta pretendida tendência de centralização é decorrente de convenções estatuídas, cuja

Chapéu aplicação é da competência de organismos supranacionais, criados pelos diversos Estados, estando até a prática de atos de coerção entre as suas atribuições, especialmente no que concerne à ONU – Organização das Nações Unidas. Deve-se admitir, porém, que tal realidade se tem consolidado nas últimas décadas, e que não foi Kelsen contemporâneo dela durante a concepção dos seus principais escritos.

Destarte, quanto à aplicação das suas normas, há sim distinção entre o Direito e a Moral, não só por ser aquele uma ordem de coação socialmente organizada, mas sim por tal organização centralizar no próprio produtor das normas jurídicas, comumente, a atribuição de aplicá-las; o que não acontece na ordem moral, cujas normas aplicam-se por meio de uma consciência coletiva, que pode levar a atos de aprovação ou de desaprovação, os quais conduzem, às vezes, a atos de coerção não organizados.

Desta temática reflexões surgem acerca da ética, tida como o estudo que procura compreender as acepções valorativas sociais, perquirindo o conceito daquilo que é considerado certo e errado, justo e injusto, adequado e inadequado. Propõe reflexões sobre as ações humanas e as suas consequências, não tendo a preocupação de estabelecer normas de conduta. Tem, assim, por finalidade, a análise do conteúdo das normas originadas a partir do Direito e da Moral.

Conformação das normas jurídicas à ordem moral Definida a existência da ordem moral ao lado da ordem jurídica, questão interessante é averiguar-se se, para que seja perfeitamente válido, ou seja, de aplicação obrigatória, há a necessidade da norma jurídica ser conforme a Moral.

Não se pode abordar esse tema sem, necessariamente, volver-se ao Direito Natural que, em posição contrária ao positivismo jurídico, é onde se encontram originalmente

os fundamentos da necessidade de haver a conformação acima referida. Costuma-se afirmar que o direito natural tem sido um aliado antigo para rechaçar as ameaças do Direito Positivo. Invoca-se uma suposta ordem natural, o logos universal, que seria ínsito na razão humana. Por isso, houve um suceder de ondas de jusnaturalismo – a se iniciar pelo platônico-aristotélico.

Na verdade, o cerne de todas as teorias jusnaturalistas é de que, antes de qualquer positivação jurídica, já existe uma ordem natural que confere aos homens direitos (e por consequência imputa obrigações a quem estiver no polo inverso) que são inerentes à sua personalidade. Discute-se, então, qual seria a fonte originária de tal Direito: Deus, a natureza ou a humanidade.

Pouco importando isso, que levaria a uma investigação profunda, de cunho muito mais ideológico, não há como se negar hodiernamente que alguns direitos, tais com os à vida, à liberdade e à livre manifestação do pensamento, são intrínsecos aos seres humanos no Estado Democrático de Direito. É absolutamente impensável a não garantia desses direitos em uma Democracia, que é inegavelmente a melhor forma de governo que pode existir.

Segundo Hart (1994:12), as teorias escolásticas do direito natural defendem a idéia de que o Direito é bem mais compreendido como um “ramo” da moral ou da justiça e de que a respectiva congruência com os princípios da moral e da justiça é da sua “essência”, mais do que a integração por ordens e ameaças. Disso discorda o mencionado autor, para quem tais teorias cofundem uma espécie de conduta obrigatória com a outra e deixa espaço insuficiente para as diferenças em espécie entre as regras jurídicas e as morais e para as divergências nas suas exigências.

Sustenta o citado autor que os critérios de validade jurídica de leis concretas não devem incluir uma referência à moral ou

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Chapéu artigo justiça. Não nega ele, entretanto, que o Direito e a Moral estejam relacionados, o que, acredita, nunca tenha sido negado, visto que o desenvolvimento do Direito tem sido profundamente influenciado, quer pela moral convencional, quer por idéias de grupos sociais particulares. Assim não crê ele que, necessariamente, deva um sistema jurídico mostrar alguma conformidade específica com a moral ou justiça, para que seja perfeitamente válido. Citado por Hart, Dworkin rejeita tal idéia, para quem deve haver, pelo menos, fundamentos morais indiciários para as afirmações de existência de direitos e deveres jurídicos. Para Dworkin, os direitos jurídicos devem ser entendidos como uma espécie de direitos morais.

Na realidade, os argumentos apresentados por Hart, para sustentar o entendimento de que o Direito não precisa ser conforme a Moral para ser válido, são contestáveis.

Ora, defender a tese de que o Direito deve ser conforme a Moral, de modo nenhum é uma forma de confundir estas duas ordens normativas e as regras por elas estabelecidas, mas é sim pretender que o Direito não seja um instrumento de desvirtuamento dos valores sociais estabelecidos, mas que seja na realidade um meio de garantia da estabilidade de tais valores.

Contudo, essa pretensão se torna difícil de ser realizada diante da dificuldade de crença na existência de uma moral absoluta. Por esta razão, Dworkin já faz referência a “fundamentos morais indiciários”, e não que deve haver uma completa conformação.

Em prol do seu entendimento, Kelsen (2009:69) sustenta a relatividade do valor moral, nos termos seguintes: Se, do ponto de vista de um conhecimento científico, se rejeita o suposto de valores absolutos em geral e de um valor moral absoluto em particular – pois um valor absoluto apenas pode ser admitido com base numa crença religiosa na autoridade absoluta e transcendente de uma divinda-

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de – e se aceita, por isso, que desse ponto de vista não há uma Moral absoluta, isto é, que seja a única válida, excluindo a possibilidade de qualquer outra: se se nega que o que é bom e justo de conformidade com uma ordem moral é bom e justo em todas as circunstâncias, e o que segundo esta ordem moral é mau é mau em todas as circunstâncias; se se concebe que em diversas épocas, nos diferentes povos e até mesmo no povo dentro das diferentes categorias, classes e profissões valem sistemas morais muito diferentes e contraditórios entre si, que em diferentes circunstâncias pode ser diferente o que se toma por bom e mau, justo e injusto e nada há que tenha de ser considerado necessariamente bom e mau, justo e injusto em todas as possíveis circunstâncias, que apenas há valores morais relativos – então a afirmação de que as normas sociais devem ter um conteúdo moral, devem ser justas, para poderem ser considerados como Direito, apenas pode significar que estas normas devem conter algo que seja comum a todos os sistemas de Moral enquanto sistemas de Justiça. Em vista, porém, da grande diversidade daquilo que os homens efetivamente consideram como bom ou mau, justo e injusto, em diferentes épocas e nos diferentes lugares, não se pode determinar qualquer elemento comum aos conteúdos das diferentes ordem morais...”

Perelman (1996:307) também tem esse ponto de vista, ou seja, de que à ordem jurídica, obrigatória em dado Estado, não se pode contrapor uma ordem moral única; especialmente nas sociedades pluralistas, que dão valor à liberdade espiritual, onde uma ordem legal única coexiste com diversas concepções morais e religiosas. Contudo, tal autor admite a existência de uma base de moralidade comum, acompanhada de numerosas divergências. Destarte, mesmo não havendo uma ordem moral absoluta, a ordem natural nos oferece o que Dworkin chamou de princípios morais indiciários, e

Chapéu Perelman de base de moralidade comum.

Alexy (2011:110) apresenta o entendimento conclusivo de que se tem um conceito adequado de direito quando três elementos são relacionados: o da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o da correção material.

Segundo ainda esse autor, fica claro que à legalidade conforme o ordenamento se devem acrescentar a eficácia social e a correção material não numa relação geral qualquer, e sim numa relação ordenada e escalonada.

Mais adiante, Alexy (2001: 151) resume que o direito é um sistema normativo que (1) formula uma pretensão à correção, (2) consiste na totalidade das normas que integram uma constituição socialmente eficaz em termos globais e que não são extremamente injustas, bem como na totalidade das normas estabelecidas conforme com essa constituição e que apresentam um mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia e não são extremamente injustas, e (3) ao qual pertencem os princípios e outros argumentos normativos, nos quais se apoia e/ou deve se apoiar o procedimento de aplicação do direito para satisfazer a pretensão à correção.

Na visão de Habermas (1997: 218), o Direito por ser dependente da Política está submetido a um instrumental diverso das normas morais, que são sempre um fim em si mesmas. Diferentemente, as normas jurídicas também se prestam como meios para atingir fins políticos, visto que, além de existirem para solucionar conflitos, como no caso da moral, também tem a finalidade de efetivar programas políticos. Contudo, parece não ser perfeito esse argumento, porquanto, nesse aspecto, há uma evidente carga de valores morais sobre a Política.

Uma importante contraposição a essa tese é o entendimento segundo o qual, na aplicação jurídica, deve o jurista recorrer, em última instância, à moralidade predominante na sociedade. Assim, racionalmente, chegar-se-ia o mais próximo possível da res-

posta correta num caso concreto. Recorrer-se-ia, então, a uma moral expansionista e única, que contrastaria com a moralidade restritiva e fragmentada por Luhmann.

Relação entre moral e justiça Verifica-se que os autores estudados muitas vezes fazem referência à Moral relacionando-a à idéia de Justiça. Ou seja, é como se para ser justa determinada regra jurídica deva ser conforme a Moral.

Muito mais difícil do que o conceito de direito é o de justiça, por seu grau de abstração e relatividade. Contudo, essa dificuldade não deve ser motivo para fuga da sua análise, visto que para um bom funcionamento de qualquer sociedade, é indispensável que se tenha a visão de que as normas aplicáveis levem em consideração a proporcionalidade da importância do fato regulado e das suas consequências para o seio social, sempre visando um convívio harmonioso entre as pessoas, mesmo diante da pluralidade de valores que compõe muitas das coletividades existentes.

Na visão purista de Kelsen, um direito positivo sempre pode contrariar algum mandamento de justiça, e nem por isso deixa de ser válido. Então, o direito positivo é o direito posto pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer a condições formais para tanto, pertencente a um determinado sistema jurídico. O direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito, para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico. Então, direito e moral se separam. Assim, no seu entendimento, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais. Validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto.

O que de fato ocorre é que Kelsen quer expurgar do interior da teoria jurídica a preocupação com o que é justo e o que é injusto.

Mesmo porque, o valor justiça é relativo, e não

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Chapéu artigo há concordância entre os teóricos e entre os povos e civilizações de qual é o definitivo conceito de justiça. Discutir sobre a justiça, para Kelsen, é tarefa da Ética, ciência que se ocupa de estudar não normas jurídicas, mas sim normas morais, e que, portanto, se incumbe da missão de detectar o certo e o errado, o justo e o injusto. E muitas são as formas com as quais se concebem o justo e o injusto.

Na verdade, não há de ser tido como aceitável esse argumento kelseniano, já que a Ética se ocupa não somente do estudo do valor das normas morais, mas também daquelas existentes no ordenamento jurídico.

Tanto é assim que é comum atualmente o questionamento da validade de algumas leis consideradas contrárias à determinada moral, e por isso, consideradas antiéticas, especialmente quando atendem a interesses eminentemente patrimoniais de dada minoria, em detrimento do interesse da coletividade.

Diferentemente, conceituando Justiça, Miguel Reale (1998: 309), adepto do culturalismo, em oposição ao jusnaturalismo, escreve que a Justiça geral é a Justiça por excelência, tendo em vista que o bem comum não se realiza sem o bem de cada homem e o bem de cada um não se realiza sem o bem comum. Considera o bem comum como o objeto mais alto da virtude da justiça, pois não se pode tratar o direito de garantir todas as liberdades individuais em detrimento das liberdades comuns.

Reconhece o mencionado autor (1998: 306) que o valor-fim próprio do Direito é a Justiça, não como virtude, mas em sentido objetivo como justo.

Michel Villey (2014:123) preocupou-se em resgatar o conceito de justiça, antes trabalhado por Aristóteles e São Tomás de Aquino. Segundo esse autor, ela tem seu objeto próprio, que é o de retificar, não as qualidades subjetivas dos indivíduos, mas as relações existentes entre o bem de uma pessoa singular e o de outra. Tem em vista as próprias proporções. Seria essa, pois, a figura perfeita da justiça particular

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Vê-se, pois, que a ideia de Justiça está relacionada com a Moral, nos mesmos moldes em que se relaciona com o Direito. Ambas as ordens sociais existem em decorrência da natureza gregária do Homem, uma surgida de modo puramente espontâneo e outra de modo organizacional, mas que tem um fim comum, e que consideram os valores sociais estabelecidos como parâmetros para suas ordenações, como bem demonstrou Reale em sua teoria tridimensional do direito.

Conclusão É inegável concluir que, na modernidade, via de regra, as normas jurídicas tem sido elaboradas em conformidade com as normas morais constantes da base de moralidade comum, ou então, em conformidade com a ordem moral imperante entre a maioria da população submetida à ordem jurídica estabelecida, com o fim de manter o funcionamento harmonioso das suas relações sociais.

Entretanto, mesmo que isso não ocorra, é forçoso reconhecer que, para que uma ordem jurídica ou regras específicas dessa ordem sejam inicialmente válidas, ou seja, de aplicação obrigatória, não há a necessidade de que elas estejam conforme uma dada ordem moral, ou mesmo, amoldadas à já referida base moral comum. Se as normas jurídicas são produzidas em consonância com o processo legislativo em vigor, não há como se negar vigência abstrata a tais normas, vindo a ser submetidas à reflexão quando da sua aplicação a casos individuais, ou do questionamento da sua constitucionalidade por meio de controle concentrado perante a Corte competente.

O que costuma acontecer é que os princípios morais indiciários tem sido elevados à categoria de princípios constitucionais, após a sua depuração, e tem-se tornado basilares das diversas ordens jurídicas modernas e contemporâneas.

A situação se torna sobremodo complexa quando esse fenômeno não vem a acontecer, e a ordem jurídica contraria até mesmo esses

Chapéu princípios básicos, como aconteceu na Alemanha nazista. Em tal hipótese, essa ordem jurídica pode sim ter a sua validade parcial questionada, como de fato veio a acontecer.

Muito esclarecedor, no Brasil, é o exemplo do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal, mediante decisão colegiada e de aplicação geral, da possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo, reescrevendo o conceito de família inserto no artigo 226 da Constituição Federal. Mesmo contrariando a ordem moral cristã, que é a dominante em nosso país, o estabelecimento dessa regra por meio judicial encontra amparo nos princípios da dignidade humana e da isonomia. Não há como negar vigência a novel disposição, que não contraria a ordem moral de uma dada minoria.

Assim sendo, o Direito se consolida como um ordenamento normativo do qual todos podem participar do seu processo de edificação, tendo suas normas fulcradas na compreensão racional das suas prescrições. Como corolário,

respeita-se o Direito em virtude de sua legitimação pela proteção que presta a todos individualmente, sem colocar em desarmonia a coletividade a qual é ele direcionado.

Desse modo, e a bem da verdade, no processo interpretativo avançado, não se pode ter apenas o procedimento legislativo como bastante para a legitimidade do Direito, se não houver o mínimo de preocupação com o seu conteúdo, que é de grande importância para sua aplicação na atualidade. Não é possível apenas se submeter por completo à técnica, devendo-se buscar a associação entre o Direito e a Moral, já que o primeiro não faz o menor sentido se estiver dissociado da idéia de justiça, consistente no atingimento do bem comum.

Nos casos duvidosos, o magistrado levará em consideração os princípios relevantes, se pretender encontrar aquilo que se mostra “correto” em cada questão que lhe é posta. Não há dúvida que esses princípios, mesmo positivados, estão relacionados a alguma base moral.

Bibliografia ALEXY, Robert (2011). Conceito e validade do direito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes.

HABERMAS (1997). Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Universitário. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler.

HART, Herbert L. A. (1994). O conceito de direito. Lisboa: Calouste Gulbekian. Tradução de A. Ribeiro Mendes.

KANT, Emmanuel (1993). Doutrina do direito. São Paulo: Ícone. Tradução de Edson Bini.

KELSEN, Hans (2009). Teoria pura do direito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. Tradução de João Baptista Machado.

PERELMAN, Chaïm (1996). Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira.

REALE, Miguel (1998). Fundamentos do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

VILLEY, Michel (2014). Questões de Tomás de Aquino sobre direito e política. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. Tradução de Ivone C. ‘Benedetti.

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Conto Chapéu

O HOMEM INVISÍVEL

Paulo Sérgio da Silva Lima

Juiz da 1ª Vara Cível de Natal

“

O amor é virtual.

Tudo é virtual!”

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Numa modorrenta tarde de verão Fernando estava esparramado no sofá diante de sua televisão a cabo trocando compulsivamente de canal, girando, girando. As horas deslizavam sem cessar, e ele se via descendo pelo ralo juntamente com elas. Nada lhe interessava.

Só futilidades! E ele, ele fazia parte dessas futilidades. Digladiando com o seu corpo indolente, levantou-se e foi ao computador ver se existia algo de interessante e útil para fazer. A página inicial apresentava as mesmas notícias da semana e algumas fofocas sem sentido, tipo: “fulana foi fotografada tomando banho de mar”, “sicrano foi visto fazendo compras num shopping center”, e por aí ia.

– Futilidades, só futilidades! – vociferou.

Fernando se limitava a ver as notícias jornalísticas na televisão e periódicos, pois resistia e fazia muxoxos ao mundo virtual, com seus facebooks, youtubes, blogs, etc., até porque sabia, por ouvir dizer, que era mero campo de exibição de vaidades pessoais, o que não o interessava em absoluto.

Resolveu se arrumar e ir ao praticamente único destino da atual vida urbana: shopping center. Ligou para um amigo para tomarem um café. Lá, pelo menos, teriam uma conversa tète-a-tète em que se poderia puxar algum assunto interessante, dotado de calor humano. Durante o percurso até o shopping gostava de ouvir músicas clássicas ou sucessos dos anos 1980, pois não suportava as músicas modernas estridentes e descartáveis. Tentando não parecer um chato ou um peixe fora do aquário, uma vez até buscou sintonizar uma rádio de “hit parades” para não ficar de todo ignorante a respeito, mas, de cara, foi nocauteado com o choque em seus ouvidos: “O amor é feito capim A gente planta, ele cresce Aí vem uma vaca e acaba tudo”.

- Que profundidade! Que poesia!!! - Ironizou, girando com rapidez o botão do rádio para a estação das velhas e eternas canções.

Ao chegar ao encontro com o seu amigo Fred, sentaram no “Café da Praça” e pediram o velho confidente e companheiro das longas conversas: o café expresso. Fernando logo se animou para saber as novidades, quando o telefone do seu interlocutor tocou. De pronto, Fred o atendeu, deixando Fernando com uma sílaba inconclusa na boca. Fred e o seu amigo oculto começaram um animado diálogo sobre um assunto que lhes era particular. Fernando ficou alheio àquela conversação, olhando o tempo e as pessoas passarem, esperando o fim daquele colóquio, no mínimo, inoportuno.

Chapéu - Outro café, por favor! – Bradou Fernando, menos no intuito do café do que da chamada de atenção ao amigo sobre a sua presença ali. Mas o amigo ignorou o ato, absorto que estava naquela animada conversa telefônica.

Após quinze minutos de bate-papo com quem não se via – mas que estava mais presente do que Fernando - finalmente o seu amigo voltou-se para ele. Pediu desculpas alegando ter sido uma conversa de certa importância, o que, sem notar, apequenou ainda mais o ego de Fernando. Prepararam então os espíritos para encetarem a conversação. Nesse exato momento chegou à mesa outro amigo em comum. Juarez cumprimentou-os efusivamente, sendo convidado a sentar-se e juntar-se à mesa redonda. Entabulou-se uma conversa comum sobre amenidades. O clima do encontro estava começando a se tornar agradável, e Fernando já começava a esboçar mentalmente argumentos de crítica ao Governo petista quando, de repente, a conversa foi abruptamente interrompida por um blim-blom. Era uma mensagem do whatsapp no aparelho celular de um dos companheiros de mesa. Imediatamente após, outro blim-blom no celular do outro amigo. Imediatamente, como se fosse um comando cerebral previamente programado, a conversa foi abruptamente interrompida; ficou em suspense.

Os dois amigos abaixaram as cabeças, com os olhares focados na pequena tela, hipnotizados, e, abstraidamente começaram a teclar de maneira frenética. Fernando ficou observando aquele comportamento bizarro e enigmático: ele estava ali, fisicamente presente, mas o mundo virtual e invisível reclamava a atenção dos amigos com mais força para uma confabulação de corpo ausente. Fernando girou o olhar para saber se não tinha alguém observando tal falta de educação.

Qual não foi a sua surpresa ao ver que em quase todas as mesas as pessoas estavam sentadas, em silêncio, de cabeça baixa, teclando em seus aparelhos celulares. Nenhuma olhava ou conversava com a outra! Sentiu-se deslocado!

– Em que mundo estou? – monologou, assombrado.

Fernando se sentiu como se estivesse sendo apagado de um filme cósmico. O mundo que o está circundando já não é mais real! É virtual. As pessoas e as relações são agora virtuais. O amor é virtual. Tudo é virtual! Inventou uma desculpa para se retirar às pressas e voltou para casa, não sem antes entrar numa loja de aparelhos celulares e comprar um com todos os recursos que existissem no mercado, dotado de tecnologia de ponta. Ao chegar a casa pediu para o seu neto de dez anos baixar os aplicativos de redes existentes, cuja tarefa foi desenvolvida pelo infante com a mesma facilidade de quem está pegando um copo de água para beber. Fernando observava boquiaberto a familiaridade daquela criança ao manusear o aparelho, e constatou, com uma certa tristeza, que a sua era estava, de fato, se apagando. Se quisesse sobreviver tinha que se adaptar ao admirável novo mundo. Ao receber o aparelho das mãos de Johnatas – Assim se chamava o seu neto -, sentiu-se como se estivesse recebendo um ingresso para uma nova realidade, e o agradeceu com uma certa reverência.

– Ah! Agora sim, estou conectado com o mundo!

Ainda sob a orientação do neto, baixou os contatos amigos no whatsapp, wibe, instagram, etc. De imediato foi catapultado para um universo paralelo, on-line, mais real do que o real. Que atenção agora lhe foi dispensada! A conversa, os pontos de vista, as piadas, tudo agora fluía com a mais absoluta atenção e consideração. Fernando percebeu que reingressara no mundo, na existência, e que nos dias de hoje é necessário ser invisível para ser visto.

RITOS | 15

Chapéu artigo

GESTOR JURÍDICO: o novo perfil do profissional de direito Carlos Kelsen Silva dos Santos

Advogado, Sócio do Lúcio Teixeira dos Santos Advogados, Professor Universitário, Especialista em Direito Privado, Civil e Empresarial, além de mestrado em Administração carloskelsen@ltsadvogados.com.br

“

O grau de exigência do mercado, no caso dos advogados, e do CNJ, no caso dos magistrados, não mais comporta o ADVOGADO, que apenas ADVOGA; e o JUIZ que apenas JULGA.” 16 | RITOS

Nos últimos anos algumas mudanças têm sido percebidas no perfil dos profissionais da área de direito, embora seja clara a ausência de uma qualificação específica adquirida durante o período de formação universitária.

O ADVOGADO, que até bem pouco tempo apenas ADVOGAVA, passou a ser o administrador do seu escritório de advocacia, a ter o pensamento empreendedor, a adotar atitudes comerciais, a promover o marketing da sua banca de advocacia, enfim, abandonou o exclusivo papel de produzir textos jurídicos, fazer pesquisas, participar de audiências e julgamentos.

Já os JUÍZES, que até pouco tempo apenas JULGAVAM, agregou às suas atribuições a função de gestor de uma Vara, líder de uma equipe, estatístico, conciliador, mediador, enfim, afastou-se do exclusivo papel de elaborar sentenças e despachos.

Diante das novas atribuições, questiona-se: - Os profissionais da área jurídica estão preparados para enfrentar as citadas mudanças?

- Será que o advogado que assume a condição de responsável pela administração do seu escritório terá tempo para também ADVOGAR? - E o magistrado que possui a vocação de JULGAR terá facilidade para ser administrador e líder da sua Vara?

Chapéu Ao iniciar o curso de direito e passar cinco anos aprendendo e debatendo as disciplinas técnicas da área jurídica, em que pese possuir o sonho de ter um escritório próprio, nunca imaginei que apenas a formação jurídica não seria suficiente para proporcionar o conhecimento para estar à frente da administração de um escritório de advocacia.

Atualmente, em razão de integrar o quadro societário de uma sociedade de advogados e passar a ser responsável por parte da sua administração, percebi que seriam indispensáveis conhecimentos básicos da área de gestão. Afinal, diante da visão de que um escritório de advocacia é considerado uma “empresa prestadora de serviços jurídicos”, impossível não pensar em um organograma que contemple pelo menos os seguintes departamentos: a) administrativo e financeiro; b) comercial; c) recursos humanos; d) marketing; e) tecnologia; f) jurídico.

Transportando o referido raciocínio para uma Vara, torna-se possível imaginar os seguintes departamentos: a) de publicações; b) de estatística; c) de gestão de metas; d) de atendimento ao público (advogados e partes); e) de tecnologia; f) jurídico.

A partir da análise das novas atribuições, fácil é concluir que a sociedade exige atualmente do profissional da área jurídica um perfil totalmente diverso daquele para o qual ele vem sendo treinado, durante os cinco anos do curso de direito.

Daí surgir a importante indagação: es-

tão todos preparados para assumir as “novas” atribuições?

Não se tem dúvidas de que o grande marco para a mudança do perfil dos integrantes da magistratura foi à criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o qual, embora tenha trazido incontestáveis avanços, deixou de estabelecer como se daria o treinamento do “novo profissional” exigido pela sociedade.

Enquanto isso, na advocacia, acredita-se que o marco da mudança foi à elevação do número de profissionais que passaram a fazer parte do mercado, aliada à maior consciência dos jurisdicionados, que começaram a exigir um prestação de serviços com menos ou até mesmo nenhum amadorismo.

Independente do momento em que ocorreram as mudanças, o fato é que, seja para a advocacia ou para a magistratura, o profissional de direito que queira ocupar o seu espaço, necessariamente precisará buscar noções básicas de gestão, de economia, de marketing, comercial, de informática, dentre outros ramos.

Afinal, o grau de exigência do mercado, no caso dos advogados, e do CNJ, no caso dos magistrados, não mais comporta o ADVOGADO, que apenas ADVOGA; e o JUIZ, que apenas JULGA. Tornou-se necessária a existência da figura do gestor jurídico, ou seja, será o profissional que, além de ter conhecimento jurídico adquirido durante a sua carreia universitária, buscará a complementação na área de gestão, facilitando assim o dia a dia da sua profissão.

Quem sabe as próprias Universidades deveriam atentar para as citadas mudanças, já efetuando a inclusão de disciplinas que sirvam pelo menos como divulgadoras da nova realidade do mercado jurídico. Afinal, o que é certo é que a simples formação jurídica não se apresenta como suficiente para a busca de espaço profissional.

RITOS | 17

Chapéu artigo

Todos juntos, por um Judiciário mais célere

João Ricardo Costa

presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

“

A realidade mostra que a política de estímulo ao planejamento estratégico e de estabelecimento de metas para os tribunais não vêm surtindo os efeitos desejados para melhorar a eficiência e descongestionar o Judiciário.”

18 | RITOS

Estudo desenvolvido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), consistente na sistematização e análise de dados coletados junto aos Tribunais de Justiça de onze Unidades da Federação, entre os anos de 2010 a 2013, revela uma alta concentração de ações envolvendo um número reduzido de atores, em especial, instituições do poder público, do sistema financeiro e de prestadoras de serviços de telefonia.

O levantamento realizado pela entidade aponta o uso excessivo da Justiça por um pequeno grupo de agentes. Esse diagnóstico contribui para a busca de soluções capazes de ampliar o acesso da sociedade à Justiça, torná-la mais célere e democrática. Para tanto, seria fundamental que os agentes públicos e privados que concentram um maior número de ações revisassem os seus procedimentos, pois apesar dos magistrados brasileiros estarem entre os que mais produzem no mundo segundo estudo elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2011, este desempenho não é suficiente para fazer frente à quantidade de novas demandas geradas diariamente nos protocolos do Poder Judiciário.

A taxa de congestionamento de processos no Brasil é de 70%. Significa dizer que, para cada 100 casos novos que ingressam no Judiciário, apenas 30 são baixados (resolvidos), causando um crescimento contínuo e expressivo do estoque de processos pendentes. Portanto, mais do que apresentar um quadro da concentração dos processos por parte de poucos, o objetivo da AMB com a inédita pesquisa sobre o uso da Justiça por parte dos 100 maiores litigantes é apontar soluções para melhorar o sistema judicial brasileiro.

A entidade sugere ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a criação de Centros de Inteligência e Monitoramento de Demandas de Massa no Poder Judiciário, instalados nos tribunais de todo o País e coordenados pelo próprio CNJ, a partir de um núcleo que funcionará junto ao Departamento de Pesquisa Judiciária daquele órgão.

Tais centros teriam como papel principal acompanhar e monitorar o ingresso de ações judiciais no país, por meio de

Chapéu

um banco de dados, com vistas a prevenir e propor soluções à litigiosidade excessiva, envolvendo todas as áreas do Poder Judiciário.

A realidade mostra que a política de estímulo ao planejamento estratégico e de estabelecimento de metas para os tribunais não vêm surtindo os efeitos desejados para melhorar a eficiência e descongestionar o Judiciário. É necessário redefinir prioridades, a começar pela análise das causas que estão levando ao colapso do Judiciário, como os estímulos e vantagens econômicas à elevada litigiosidade de certos atores da sociedade, e o comportamento dos agentes públicos e privados frente às decisões judiciais, com o uso excessivo de recursos.

A política de enfrentamento ao congestionamento de processos defendida pela AMB é composta também pelo incentivo ao desenvolvimento de ferramentas tecnológicas de análise e tratamento de dados. A adoção de novas tecnologias implicará em maior precisão na unificação e coleta de dados, auxiliando no planejamento das ações de combate à litigiosidade excessiva sendo de vital importância para construção de uma cultura de busca de soluções para resolver das causas dos litígios de massa em todos os

segmentos do Judiciário.

O terceiro passo defendido pela entidade sugere o estímulo em escala a métodos de solução alternativa de conflitos a exemplo da conciliação, da mediação, da arbitragem e, em especial, no caso das demandas de massa, da composição de ações coletivas em face dos maiores litigantes, com mais agilidade e em parceria com importantes órgãos como o Ministério Público, agências reguladoras, entre outros.

A AMB também busca uma maior interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para estimular outros campos de atividades na advocacia com o intuito de minimizar a demanda das ações judiciais e o uso de recursos que contribuem para paralisar o Judiciário. As entidades dialogam sobre como incentivar a criação de composições extrajudiciais, consultorias, mecanismos de conciliação e mediação de conflitos.

Todas essas propostas fazem parte de uma campanha para reduzir a judicialização no Brasil e, assim, tornar a Justiça mais rápida e eficiente. Campanha para a qual a AMB convida a sociedade a participar: Não deixe o Judiciário parar.

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Especial

Grades e batons precisamos falar Por Adalgisa Emídia

Não tem como não sentir repulsa.

Passar pelos portões frios e pesados do Complexo Penal Dr. João Chaves, no presídio feminino, é uma mistura de sentimentos. Apreensão, tensão, medo e curiosidade. Lá dentro, de acordo com o levantamento repassado no dia da reportagem pela vice-diretora Pasqualiana Souza Alves, existem 118 apenadas em regime fechado, 59 no semiaberto e 92 no aberto. A maioria cumpre pena pelo crime de tráfico de drogas, uma realidade triste e silenciosa da situação das mulheres presidiárias, que muitas vezes são levadas pelo marido, companheiro ou namorado para o caminho da marginalização.

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Foi o caso de Ana Patrícia Silva de Lira, de 32 anos e cumprindo pena há 2 anos e 6 meses por ter transportado droga no interior do estado. Antes, trabalhou como camareira, ASG, auxiliar de corte e promotora de vendas de uma operadora de telefonia móvel, até o dia em que conheceu um namorado no carnaval de Macau e o dinheiro fácil do tráfico atraiu Ana, como mais uma no mundo do crime. “É uma coisa que você não imagina nunca. Não desejo essa vida para ninguém. Meu companheiro me abandonou e hoje só recebo visita da minha mãe e dos meus três filhos”, revela Ana Patrícia, uma morena alta, simpática e alegre. Segundo ela, mesmo por trás das grades, a detenta não deixa de ser

mulher e a vaidade continua a mesma.

Na hora da foto, ela solta o cabelo e faz pose sem revelar o rosto, mas sim uma vida feita de pequenos gestos.

Dentro do presídio, as necessidades mais básicas de uma mulher, como pintar ou pranchar o cabelo ou fazer a unha têm enorme valor para elas e a cada dia de cumprimento da pena, uma lição de vida. “Aprendi a valorizar mais as pessoas que me amam. Fiz várias amizades aqui dentro, mas não é fácil viver aqui. O segredo é ter humildade. Pretendo reconstruir minha vida a partir de 2016 e nunca mais voltar para um lugar desse”, afirma Ana com a esperança de passar ao regime semiaberto a partir do próximo ano.

especial

Dados O Ministério da Justiça divulgou em novembro, de forma inédita, um perfil da população penitenciária feminina no Brasil. Houve um crescimento de 567% em 15 anos, durante o período pesquisado entre 2000 e 2014. Segundo o relatório, a população penitenciária feminina subiu de 5.601 para 37.380. A taxa é superior ao crescimento geral da população penitenciária, que teve um aumento de 119% no mesmo período. Esses dados colocam o Brasil na quinta maior população carcerária feminina do mundo, atrás apenas de Estados Unidos (205.400 detentas), China (103.766), Rússia (53.304) e Tailândia (44.751).

No Rio Grande do Norte, o número de mulheres presas em 2007 era de 204. Em 2013; 314 e em 2014, 438 mulheres viviam em situação de privação de liberdade. A maioria tem entre 25 e 29 anos de idade e 65% se identificaram como solteiras. O relatório divulgado, por meio do Depen – Departamento Penitenciário Nacional – serve como um alerta para um tema pouco divulgado e comentado na sociedade e que exige um olhar diferenciado tanto dos gestores públicos como do Poder Judiciário.

A ideia da reportagem era mostrar a situação da mulher presidiária no Rio Grande do Norte, que não é muito diferente dos outros estados.

Nos presídios masculinos, onde a superlotação é mais frequente,

“

A situação carcerária no Rio Grande do Norte é muito ruim.

Os governos pouco vêm fazendo para mudar essa realidade.”

Juiz Henrique Baltazar

há mais fugas, rebeliões e mortes.

Segundo o juiz da Vara de Execuções Penais Henrique Baltazar, os presídios masculinos chamam muito mais a atenção da imprensa por causa da exposição maior à violência. “Primeiro, porque existem mais homens presos; em segundo lugar, porque os homens são mais acostumados à violência física, sendo menos sensíveis a situações extremas, como mortes com armas improvisadas, fugir por espaços muito pequenos ou muito sujos e por túneis”.

São quase 8 mil presos em cerca de 3.550 vagas em unidades sem as mínimas condições de infraestrutura e o sistema entrou em calamidade pública desde março de 2015. “A situação carcerária no Rio Grande do Norte é muito ruim.

Os governos pouco vem fazendo para mudar essa realidade. A solução passa necessariamente pela construção de novas unidades prisionais, o que o governador infelizmente se recusa a fazer”, afirma o juiz Henrique Baltazar.

No presídio feminino Dr. João Chaves, são 8 mulheres em uma cela de pouco mais de 20 metros quadrados. A última fuga registrada aconteceu há um ano e meio, quando uma detenta utilizou uma “teresa” para pular o muro do presídio. Nas celas, há cortinas improvisadas com lençóis que tentam garantir um pouco de privacidade no espaço onde passam a maior parte do tempo.

RITOS | 21

Especial

Vida Uma outra realidade da situação da mulher encarcerada, bem diferente em relação aos homens diz respeito à família. Quando um homem é preso, normalmente sua família continua em casa, esperando por ele. Já a mulher, geralmente, perde o marido e a casa, os filhos são distribuídos entre familiares e abrigos. Enquanto o homem volta para o mundo que o espera, ela sai da prisão a procura de reconstruir o seu mundo.

Quase no final da nossa reportagem, uma cena nos chama a atenção, mas que infelizmente é muito comum nos presídios femininos. Iara Inácio, de 33 anos, embala seu filho ìcaro de seis meses no colo. O marido cumpre pena por tráfico de drogas na penitenciária de Alcaçuz e, em alguma visita íntima, ela engravidou. Como fazia o trabalho do tráfico, na ausência do companheiro, foi presa aos dois meses de gravidez. A história de Iara nos deixa sem palavras, quando ela conta, do seu jeito simples e envergonhado, que tem 8 filhos e Ícaro é o segundo a nascer na prisão. A mãe de Iara já é falecida e ela conta com a ajuda de uma cunhada, da sogra e de uma comadre na criação dos seus filhos e, em breve, Ícaro vai deixar a prisão. “É muito triste ele tem que ir embora. Agora eu aprendi a lição. Nunca mais quero voltar para a cadeia”, revela.

Segundo o juiz da Vara de Execuções Penais Ricardo Arbex, a lei não faz distinção entre o crime praticado por um homem ou uma mulher, mas ele explica a necessidade de um olhar diferenciado. “Embora determine que 22 | RITOS

Detenta embala seu filho de seis meses no colo, cena é comum nos presídios femininos

“

seja verificado vários fatores da vida de cada réu no momento da fixação da pena, entendo não ser observado por grande parte dos magistrados.

Ao fixar a pena de uma mulher que responde a uma ação penal, entendo que deve ser levado em consideração a existência de filhos, e o exercício do papel de mãe daquela pessoa. Isso é necessário porque há uma grande probabilidade dos filhos de uma mulher inserida no sistema carcerário deste Estado quedarem para uma vida às margens da lei”, afirma o magistrado.

Ao fixar a pena de uma mulher entendo que deve ser levado em consideração a existência de filhos, e o exercício do papel de mãe. Isso é necessário porque há uma grande probabilidade dos filhos quedarem para uma vida às margens da lei.”

Juiz Ricardo Arbex

especial

Detentas participam de ações da Pastoral carcerária

Atividades A Lei de Execução Penal prevê o trabalho de pessoas privadas de liberdade com a finalidade educativa e produtiva. Nesse aspecto, as mulheres têm mais participação, de acordo com o relatório do Ministério da Justiça. Em 2014, existiam 6.766 mulheres em atividades laborais, o equivalente a 30% da população de mulheres e no caso dos homens, apenas 14,3%. Dos 26 estados e o Distrito Federal, apenas no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Sergipe não há registro de trabalho.

Apesar disso, há programas do governo para produção de artesanato no presídio Dr. João Chaves e cerca de 30 presas têm participado da fabricação de bonecas, bolsas e roupas. A boa notícia vem da educação. Em 2014, em Sergipe 100% das detentas participavam de atividades de alfabetização, seguido do Rio Grande do Norte, com 75% de participação.

Celas femininas no Complexo Penal Dr. João Chaves

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Especial

Sentimentos Por trás de dados, estatísticas, notícias reais e imagináveis, existem mulheres com sonhos, desejos, esperança. Muitas sobrevivem anos à privação da liberdade, mas a maioria não perde os instintos femininos e as lembranças de filhos e netos as acompanham todos os dias.

Claudineide Marcelino, 38 anos, há um ano e cinco meses cumprimento pena em regime fechado por receptação e porte de arma, tem experiência na cadeia. Cumpriu três 24 | RITOS

anos por tráfico de drogas num presídio de Pernambuco, o marido passou 18 anos preso por assalto e depois da liberdade voltou novamente para a cadeia em 2014 pelo mesmo crime.

Claudineide, desde que chegou na João Chaves, nunca recebeu visita do marido que está no presídio de Parnamirim e nem da família. Ela tem uma filha de 21 anos, que está grávida do segundo filho. Quando fala do neto Davi, de 2 anos e 5 meses, o sentimento de avó é mais forte do que

“

A primeira coisa que eu vou fazer quando sair daqui, será abraçar o meu neto.

Sinto muitas saudades.”

Claudineide Marcelino

especial qualquer frieza e rigidez de um presídio. “A primeira coisa que eu vou fazer quando sair daqui, será abraçar o meu neto. Sinto muitas saudades”, revela.

Claudineide passa a maior parte do tempo pintando panos de prato, desenhando e fazendo artesanato.

No livro “Presos que menstruam”, lançado em 2015 pela editora Record, a jornalista Nana Queiroz revela bem esse drama das mulheres presidiárias. Um livro que esmiúça, sem pudor, uma realidade tão desconhecida da maioria da população.

Nas prisões, há casos de solidão, sofrimento, de violência, conflitos, de mulheres lésbicas e as que se tornam lésbicas lá dentro. Tudo pelas regras da sobrevivência criadas por elas mesmas.

Há a face cruel como a aplicação de castigos. Claudineide nos revela a existência de celas de isolamento, onde as presas ficam vários dias sem luz, as chamadas “chapas” por causa da estrutura metálica que envolve o lugar. “ É muito angustiante, humilhante. O tratamento não é dos melhores. Falta humanidade”, disse.

Para muitas delas, a única esperança que resta está na justiça.

“Toda sanção administrativa deve ser submetida ao crivo do judiciário. O que acontece na prática é uma mera chancela desses abusos que, de fato, existem.

Os juízes da execução penal devem ter uma maior presença dentro dos estabelecimentos prisionais,

com uma análise mais rígida das sindicâncias, as quais, na maior parte, não observa o direito de defesa.

Não há a presença de qualquer defensor ao apenado, sendo adotado o sistema inquisitório na sua face mais arcaica”, afirma o juiz Ricardo Arbex.

O caminho até a porta de saída, para muitas ainda é longo. Até lá, vão passar muitas privações. As histórias vivenciadas como as de Claudineide, Ana Patrícia, Iara e tantas outras acontecem em muitas famílias. Muitas, infelizmente, voltam ao mundo do crime. Mas, a sensação é de que precisamos falar mais das mulheres presidiárias, desse sistema tão complexo e caótico no Brasil.

Livro revela drama das mulheres presidiárias

*A reportagem foi feita no começo de novembro e no final do mês houve rebeliões no presídio feminino e sete apenadas foram transferidas para outras unidades prisionais do RN.

RITOS | 25

Chapéu artigo

AS CONSEQUÊNCIAS DA DESVALORIZAÇÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA

Eduardo Feld

Juiz de direito

“

Valorizar a primeira instância não é questão de mera estrutura, mas sobretudo uma questão legislativa, processual e moral”.

Um fenômeno recente tem sido visto por quem acompanha na mídia as publicações da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros e suas afiliadas, que consiste no “programa de valorização da primeira instância”.

Aquele que adentra no conteúdo destas medidas verifica um conjunto de esforços para melhorar a estrutura dos fóruns.

O fosso entre a penúria dos fóruns de primeira instância e a suntuosidade dos Tribunais já foi tema de muitos livros e artigos.

Mas será realmente este o problema principal a ser atacado? Ou essa deficiência estrutural seria mera consequência de um desvalor moral atribuído aos juízos (e juízes) de primeira instância pela legislação, em seguida pela comunidade jurídica e, finalmente, por toda a Sociedade?

Quando assistimos a filmes, documentários e programas televisivos em geral que vêm da “Coroa”1 e tratam de processos e audiências, várias questões são de plano verificadas por quem vive o dia-a-dia dos nossos processos, a saber. Notando-se que se trata quase na totalidade das vezes de situações de “primeira instância”, são três as constatações básicas: Realmente, há uma estrutura física e humana superior.

A autoridade dos atos praticados pelo juiz tem efeito imediato.

Assim como aqui, também há recursos e modificações de decisões por cortes superiores, porém de modo mais limitado.

Aqui neste item relativo ao efeito imediato, podemos exemplificar que, num julgamento criminal, a soltura ou prisão de um réu logo após este julgamento depende deste resultado.

Já cultura jurídica brasileira tem esta característica marcante, qual seja a necessidade de se esgotar todos os recursos possíveis para se retirar de alguém um bem ou direito. Também há uma extensão maior na possibilidade de se rever uma decisão injusta. Estas peculiaridades, isoladamente consideradas, não devem ser vistas como algo necessariamente ruim.

1 Eufemismo para EUA, lembrando os tempos anteriores à assim chamada “independência” do país

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Chapéu Pode-se, entretanto, verificar algo muito mais pernicioso em vários detalhes da nossa legislação, senão vejamos.

A chamada “Lei da ficha limpa” estabeleceu em 2010 que são inelegíveis os que foram condenados numa decisão “proferida por órgão colegiado”. Aqui se tem a impressão de que, por se tratar de uma decisão proferida por várias “cabeças”, esta seria mais segura do que a proferida por uma só e isto a concederia um “plus” de autoridade suficiente a retirar-lhe a necessidade do trânsito em julgado (esgotamento dos demais recursos). Assim, a cassação em primeiro grau de um político por sentença de juiz singular não teria, por exemplo, a mesma autoridade que aquela proveniente de um acórdão (decisão colegiada), ainda que este julgamento colegiado seja em primeiro grau (a primeira decisão sobre a causa). Isto pela suposta segurança atribuída à “multiplicidade de cabeças pensantes”. Ledo engano, que esconde uma desvalorização da primeira instância, que vai muito além das goteiras presentes na maioria dos fóruns do país.

Se se analisar um pouco mais para trás, na história, veremos que o problema é mais arraigado do que parece. Veremos também verdadeiras pérolas que chegariam algumas até a serem engraçadas, se não trouxessem algo muito patológico no seu conteúdo.

Diz o Código de Processo Penal (em artigo tacitamente revogado pelo Estatuto da Advocacia): “Art. 793. Nas audiências e nas sessões, os advogados, as partes, os escrivães e os espectadores poderão estar sentados. Todos, porém, se levantarão quando se dirigirem aos juízes ou quando estes se levantarem para qualquer ato do processo.

Parágrafo único. Nos atos da instrução criminal, perante os juízes singulares, os advogados poderão requerer sentados.”

Tal ato (“levantar-se perante uma autoridade”) ocorria em respeito à liturgia processual dos atos praticados por esta autoridade.

Moral da história: tinha que levantar na segunda instância, em respeito às autoridades da segunda instância, na primeira podia ficar sentado mesmo.

O artigo não é aplicável, mas permanece em vigência formal (continua “escrito”).

Um outro instituto que desvaloriza a primeira instância é a remessa necessária (antigo “recurso de ofício”), que significa a necessidade de algumas causas passarem pelo reexame da segunda instância para se tornarem imutáveis, ainda que não haja recurso.

Em princípio, trata-se de algo bem arraigado. É previsto pelo Código de Processo Penal de 1941 (artigo 574) e pelo Código de Processo Civil de 1973 (artigo 475). Foi mantido pelo novo CPC (artigo 496).

As causas em questão são basicamente aquelas em que o Estado perde, sejam elas mandados de segurança, habeas corpus ou ações em geral.

Mas qual seria a “ratio legis” (a razão de ser da lei), aparentemente tão obscura, para esta disposição que, por mais bizarra que seja, transpõe as décadas, quiçá os séculos?

Pode-se recorrer à “web”2. Lá serão encontrados não propriamente textos justificativos, mas uma verdadeira verborragia de preconceitos depreciativos. Contra quem? A primeira instância.

Aparentemente, num momento em que se discute a limitação do direito de recorrer, uma causa perdida por parte do Estado seria algo “sério demais” para ser decidido apenas pela primeira instância (ainda que com esta decisão concorde o Ministério Público)3. Basicamente é isto o que se conclui dos textos pesquisados.

Posteriormente, a remessa necessária foi dispensada pela lei em causas de menor valor (Lei nº 10.352, de 2001).

2 https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chromeinstant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=duplo+grau+obriga t%C3%B3rio+justificativa 3 “De primeira instância”

RITOS | 27

Chapéu artigo Moral da história: se o valor for pequeno, tudo bem, deixa isso na mão de uma autoridade “menor”. Toda autoridade tem um valor e o da primeira instância é de 60 salários mínimos.

Aqui temos também uma questão interessante que corrobora o que é afirmado no sentido de ser a desvalorização da primeira instância não apenas uma questão oriunda da legislação mas também da comunidade, o que se revela na interpretação deste instituto.

Não vamos nos aprofundar nesta análise, mas os textos aqui citados dizem que tais ações têm necessariamente que passar por um reexame, não excepcionando qual a autoridade que a emitiu. Entretanto, nunca vi uma decisão oriunda de um Tribunal ser submetida a outro Tribunal para reexame necessário. A lei não diz isto claramente, mas quem interpreta sabe exatamente a quem (ou contra quem) ela foi feita, e “poupa” as demais autoridades judiciárias.

Vamos além. O juiz de primeira instância adquire vitaliciedade após três anos de exercício (e um tal “processo de vitaliciamento” que não existe em lei mas foi inventado pelos Tribunais). O membro de um Tribunal é vitalício desde a posse.

Por outro lado, o juiz de primeira instância tem que passar por um concurso de prova de títulos para tomar posse o que não acontece necessariamente com os membros dos Tribunais. Não haveria aí um contrassenso?

Aquele que foi empossado por méritos intelectuais tem que passar por uma revisão ao passo que aquele que entrou por indicação política é intocável.

Não seria possível ou ao menos seria maçante esgotar as hipóteses em que a lei, a jurisprudência e a própria Sociedade discrimina o juiz de primeira instância como se fosse ele um juiz “menor”. No entanto é ele o que está em contato direto com as partes e as questões do processo e acreditar que várias cabeças podem pensar melhor que aquela que conhece o assunto de perto é mais do que falacioso, é pernicioso. Tenho dois exemplos que vivi na minha experiência como juiz de direito que exemplificam isso.

28 | RITOS

Chapéu Na primeira, ainda na cidade de Upanema, eu interditei uma delegacia de Polícia. O Estado recorreu e o Desembargador relator revogou imediatamente a interdição. Os policiais, entretanto, mesmo após a liberação do prédio, preferiram não voltar lá. Eu conhecia a delegacia, o Excelentíssimo Desembargador não.

Na segunda, já na cidade de Santo Antônio, eu prendi preventivamente um réu de um processo penal. Ele foi solto quase sumariamente por um HC julgado pelo Tribunal de Justiça. No dia seguinte ele matou uma ex-servidora da Justiça, notícia que chocou e ainda choca a cidade4. Eu conhecia o réu. O Excelentíssimo Desembargador não.

Esses são meros exemplos do que ocorre diariamente pela Justiça brasileira: decisões intensamente embasadas de juízes são não raro revogadas por despachos de uma linha que, por sua vez, são posteriormente corroborados por colegiados que nem sabem em que estão votando, apenas “permanecem como se encontram os que concordam com o relator”.

E os danos vêm depois.

Esses são os colegiados nos quais confiamos e os juízes dos quais desconfiamos. Sem fazer qualquer generalização, basta assistir a qualquer julgamento colegiado na tv para perceber o “zelo” com que a vida de muita gente é definida. Isto sem contar com os procedimentos “julgados em lote” que consistem numa verdadeira aberração. Dar a estes colegiados uma autoridade maior do que a de um magistrado que acompanhou o caso do início ao fim é algo que deveria ter como premissa a revisão completa do processo nos Tribunais, a começar por medidas que implantem um real debate e aprofundamento das questões.

Valorizar a primeira instância não é fazer uma meia-sola nas goteiras e pinturas descascadas dos fóruns, trata-se de um equívoco. É sobretudo uma questão moral.

4 http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/acusado-dematar-mulher-que-denunciou-assalto-e-preso/163301

RITOS | 29

crônica Chapéu

Macaíba, de nascida a emancipada

Felipe Barros

Juiz Criminal de Macaíba

“

Tenho esperança de dias melhores, sem perder a paixão por andar pela cidade e respirar os ares de sua vasta natureza...”

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Escolhi Macaíba como local de trabalho há mais ou menos uns 3 anos. Por lá cheguei vindo de Poço Branco, meu antigo local de trabalho. A escolha se deu por motivos pessoais, gostaria de ficar mais perto de minha família, que reside em Natal, há pouco mais de 20 km do Fórum Min. Tavares de Lyra.

Não me arrependo da escolha, trabalho e exerço algumas atividades em Macaíba com prazer e, apesar de reconhecer que atualmente a cidade vem sofrendo com uma onda de violência que me parece não ser exclusividade sua, tenho esperança de dias melhores, sem perder a paixão por andar pela cidade e respirar os ares de sua vasta natureza e de sua rica história, reconhecendo sua importância para o Rio Grande do Norte, sob vários aspectos.

Em "Contribuição indígena à fala norte-riograndense", Protásio Pinheiro de Melo, filólogo e professor do antigo Atheneu, escreve que a palavra "macaíba" dá nome a uma espécie de palmeira de grande porte, cuja construção da palavra vem do tupi "ma'kaí'ba (côco amarelo, o fruto da palmeira).

Quanto à fundação da cidade, é de Marcus Cesar Cavalcanti de Morais, em "Terras Potiguares", a informação de que a ascensão do município se deu com a Revolução Industrial da Inglaterra, seguida da Guerra Civil norte-americana, que gerou uma escassez no mercado internacional do algodão, observada a necessidade de criação de um local para armazenamento e distribuição da commoditie produzida no Rio Grande do Norte, e exportada para o Egito e os EUA, fato que se deu na antiga Coité, então batizada por "Macaíba", no ano de 1855.

O responsável pela façanha foi o comerciante Fabrício Pedroza, consoante nos rememora o historiador Anderson Tavares de Lyra (blog "História e Genealogia": www.histoiraegenealogia. com), que, no ano de 1855, mais precisamente em 26 de outubro, é que Macaíba teria nascido para o mundo, parida que foi da iniciativa de Pedroza, ao converter o antigo Engenho Potengi, depois Ferreiro Torto, e em seguida o pequeno povoado do Sítio Coité, no embrião da cidade que viria a se transformar no que é hoje, a partir de sua coragem empreendedora, percebendo a necessidade de um entreposto para escoamento de produtos vindos do interior do Estado.

Chapéu

Praça do M Macaíba, situada às margens do Rio Jundiaí, arrodeada por Natal, São Gonçalo do Amarante, Parnamirim, São José do Mipibu, Vera Cruz, Boa Saúde, Bom Jesus, São Pedro e Ielmo Marinho, repleta de lagoas maravilhosas, plena de água de excelente qualidade, recheada de fazendas, restaurantes, zona industrial propícia ao desenvolvimento, com seus cerca de 70.000 habitantes, emancipou-se politicamente de São Gonçalo apenas no ano de 1877, aos 27 dias do mês de outubro, através da Lei Provincial 801, elevada à categoria de vila.

Portanto, são duas datas importantes, porém diversas, a serem comemoradas pelos macaibenses (que nasceram em macaíba) e os macaibeiros (que tomaram Macaíba por adoção, e dela fazem uso, como eu) em outubro: em 26 de outubro (1855) em alusão ao nascimento da cidade de Macaíba, e em 27 de outubro (1877), o aniversário de emancipação política do município.

Por qualquer das datas, fazendo 160 ou 138 anos de aniversário, contudo, temos razões de sobra para comemorar: Macaíba, berço de Henrique Castriciano e da poetisa Auta de Souza; Macaíba, do Dr. Otacílio Alecrim; Macaíba, Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, inventor do balão dirigível Pax; Macaíba, do ex-governador Augusto Tavares de Lyra; Macaíba, do mercado onde saboreio queijo de manteiga com café; Macaíba, dos peladeiros de futebol;

Macaíba, onde fica a sede campestre da Associação de Magistrados do RN (AMARN); Macaíba, do restaurante Coisas da Roça, fonte de conservação da boa gastronomia regional e da cultura literária potiguar; Macaíba, da Escola Agrícola de Jundiaí; Macaíba, das pessoas honestas e generosas que lá residem ou dali partiram levando e elevando o nome da cidade.

Macaíba, de nascida a emancipada, parabéns, e obrigado por nos acolher diariamente.

Igreja Matriz

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conto Chapéu

A HUMILDE CASA DO HORIZONTE CONTEMPLADA POR ÉDIPO DO TERRAÇO DE SUA PRIMEIRA INFÂNCIA

Francisco de Assis Brasil Queiróz e Silva

“

Juiz da 1ª Vara Criminal da Zona Norte de Natal

Houve palácios no mundo que ruíram, mas inúmeros outros resistiram heroicamente à ação deletéria do homem e do tempo.”

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Qual seria a verdadeira diferença entre um palácio e um casebre? A resposta é óbvia, como é ululante a diferença entre o ser rico e o ser pobre de bens materiais nesta vida terrena.

Primitivamente palácio era a construção ampla e suntuosa, na qual residia o soberano e sua corte. Constituia-se em um edifício de grande luxo, às vezes destinado à habitação de um chefe de Estado ou chefe de Governo, assim como paço ou solar de alguns nobres, bispos e patriarcas.

Também podem ser utilizados como parlamento. Existem também alguns palácios que perderam seu uso original e podem servir como museus, centros culturais, hotéis e outros. As palavras Schloss, em alemão, e Château, em francês, são associadas a palácios.

Por extensão, palácio é uma residência ampla e luxuosa, de pessoa importante ou uma casa grande e pomposa ou um edifício faustoso.

Casebre, cabana, choupana, pardieiro, palhoça, etc., qualquer denominação que se lhe der, é uma casa pequena e muito pobre, construída com material de pouco valor.

Houve palácios no mundo que ruíram, mas inúmeros outros resistiram heroicamente à ação deletéria do homem e do tempo.

A Bíblia fala do Palácio do Rei Salomão que começou a ser construído no quarto ano do seu governo. Foram necessários 30.000 trabalhadores para serrar a madeira do Líbano, 70.000 para o trabalho de cargas e 80.000 que talhavam as pedras nas montanhas, além de 3.300 chefes oficiais.

O palácio media sessenta côvados de comprimento, vinte de largura e trinta de altura. Era todo revestido em seu interior por cedro, madeira nobre e nenhuma pedra se via; o chão era de tábuas de ciprestes, também madeira nobre; depois, cobriu-se todo o interior do palácio de ouro puro.

Chapéu O Santo dos Santos, câmara mais especial que guardava a Arca da Aliança, era revestida totalmente de ouro, sendo um cubo cuja aresta media vinte côvados. O altar também foi coberto de ouro.

O Palácio de Salomão foi destruído totalmente pelas tropas do imperador romano Tito, no ano 70.

Outro palácio famoso foi o de Herodes I, o Grande, aquele que ficou sombriamente conhecido através dos evangelhos pela “matança dos inocentes”.

Era o segundo edifício mais importante em Jerusalém, depois apenas do próprio templo e era localizado na muralha noroeste da cidade alta de Jerusalém, sendo a principal residência de Herodes. Hoje nada resta deste palácio, exceto porções do complexo muralha – torres.

O Palácio de Versalhes localizado na cidade do mesmo nome em França foi o centro do Antigo Regime naquele país europeu. É cercado por uma enorme área de jardins, uma série de plataformas simétricas com canteiros, estátuas, vasos e fontes trabalhados, projetados por André Le Nôtre.

Comporta, além dos apartamentos dos séculos XVII a XVIII, onde os do rei e da rainha se comunicam pela pomposa galeria dos espelhos, um museu de pintura e escultura sobre a história da França e acolhe um centro de música barroca. O Palácio de Versalhes representou o foco da arte clássica francesa em sua versão mais opulenta.

Neste país francês, os castelos recebem o nome de Château e os palácios recebem o nome de palais. As estruturas definidas como palácios ou palais geralmente se localizam nos centros urbanos, como o Conciergerie em Paris e o Palácio dos Papas em Avinhão. As construções definidas como château se localizam nas zonas rurais como o Château de Chantilly e o Château de Amboise.

Na Itália, qualquer prédio urbano construído como uma residência é chamada palazzo. Não era necessário ser um nobre para sua casa ser chamada palazzo. Na cidade de Veneza, a maioria dos palácios pertenciam aos nobres. Os mais conhecidos são o Palácio do Quirinal, o Ca’ da Mosto e o Palazzo Vecchio.

Os palácios mais conhecidos ou mais visitados em Portugal são, nomeadamente, o Palácio Nacional de Sintra, o Palácio Nacional da Pena igualmente em Sintra, o Palácio da Ajuda em Lisboa, o Paço de Vila Viçosa e o Paço dos Duques em Guimarães.

O Palácio de Buckingham é a residência oficial do monarca do Reino Unido. Neste país, por acordo tácito, não houve “palácios”, exceto os utilizados como residências oficiais da realeza e da Igreja Anglicana. No entanto, nem todos os palácios usam o termo em seu nome como, por exemplo, o Palácio de Holyrood na Escócia. Os mais famosos são o Palácio de Buckingham, Palácio de Blenheim, Palácio de Westminster e o Kensington Palace.

“

O Palácio de Versalhes representou o foco da arte clássica francesa em sua versão mais opulenta.”

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conto Chapéu Havia também o palácio de um deus romano chamado de netuno que tem o mar como sua morada, cujo poder se constituía tanto em provocar as mais terriveis tempestades e tormentas, como também as ondas mais pacíficas e tranquilas.

Existiu também o Palácio do Olimpo onde residiam os doze deuses do panteão grego. Tratava-se de um enorme palácio, em algumas versões de cristais, construído no topo do monte Olimpo, uma montanha que ultrapassaria o céu. Estes deuses se alimentavam de ambrósia e bebiam néctar, alimentos exclusivamente divinos, ao som da lira de apolo, do canto das musas e da dança das cárites.

Este palácio se localizava no monte do mesmo nome, sendo a mais alta montanha da Grécia, com 2.917 metros de altitude. Ficava na região da Tessália, próxima ao mar Egeu, a 100 km de Salonica, a segunda maior cidade do país grego.

No Brasil, há palácios imperiais, dentre os mais conhecidos são o Paço de São Cristóvão, localizado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro e o palácio onde funciona o Museu Imperial de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.

Ainda na cidade do Rio de Janeiro, há o Palácio do Catete, sede da Presidência da República até a transferência da capital federal para Brasília e o Palácio Guanabara, ex-residência oficial de D. Isabel de Bragança, Princesa Imperial do Brasil, e atual sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

E cabanas, quantas as há em todo o mundo? Certamente em muito maior número do que palácios até porque é sabido que a concentração de riquezas no mundo se radicalizará ainda mais se os governos e os organismos financeiros unilaterais não adotarem ou reforçarem suas políticas de distribuição de rendas. Um relatório divulgado pela Oxfam International, uma ONG britânica voltada ao combate à pobreza no mundo, anuncia que em 2016 o grupo com 1% das pessoas mais ricas do mundo vai superar as posses dos 99% mais pobres.

Uma delas se imortalizou na literatura universal: a cabana do Pai Tomás, romance antiescravagista da escritora norte-americana Harriet Beecher Stowe (*1811/+1896) que apresenta o conflito vivido entre os escravos norte-americanos e os ricos proprietários de terras no sul dos Estados Unidos, mostrando quanto infame era a escravatura.

O livro lançado em 1852 narra a emocionante história do pai Tomás, velho e bondoso escravo negro, e o sofrimento passado por ele e os seus companheiros que comoveram o povo americano. Pouco a pouco, os ideais de liberdade foram sendo despertados na população e logo o país entrou em guerra civil que culminou com a reunificação dos Estados Unidos e a libertação dos escravos.

Em algumas poucas viagens que realizou, Édipo conheceu pessoalmente alguns palácios que satisfizeram plenamente o seu diletantismo por viagens ao redor do mun-

“

A concentração de riquezas no mundo se radicalizará ainda mais se os governos unilaterais não adotarem ou reforçarem suas políticas de distribuição de rendas.”

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Divulgação/cidadedepedroblog.wordpress.com

Chapéu

do. Entretanto, não foi nenhum palacete que lhe despertara, quando criança, a sua primeira curiosidade de um menino atento e ensimesmado, mas uma solitária cabana no horizonte de uma rua um pouco sinuosa de um subúrbio chamado de Alecrim.

Quem residiria naquela humilde casa lá no horizonte em cujo quintal o sol, qual uma esfera de cor escarlate, se escondia sempre ao anoitecer, a qual era contemplada todas as tardes pelo infante Édipo do terraço da residência dos seus avós? O casebre se apresentava tão distante para ele que não ousava ultrapassar aquele portão da frente do lar avoengo, mas, ao mesmo tempo, encontrava-se próximo se ele decidisse, por alguns momentos, romper a força gravitacional do amor de sua mãe Jocasta que o fazia ficar junto dela, caminhando alguns passos pela Rua Macedo de Almeida até chegar naquela

misteriosa e tão modesta habitação.

A cabana era única, sem vizinhos, quer seja da direita, quer seja da esquerda, erguida no final da rua, de uma solidão impressionante tal qual era a infância de Édipo, misantrópica e silenciosa. Era parecida com a casa modesta, recuada e um pouco abaixo do nível da Rua Américo Barbalho pertencente à sua madrinha, uma mestra-escola que ensinava as crianças de um grupo escolar no bairro do Alecrim. Então, o pequeno Édipo sentia um enorme desejo de poder adentrar naquela cabana solitária e desamparada e brincar com algum menino de sua idade que, porventura, nela habitasse.

Certamente pela humildade da casa alguma família também bem pobre deveria habitá-la. Da varanda da residência dos seus avós, Édipo não dava para perceber quem entrava ou saía da casa pois esta aparecia

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onde a paisagem terminava, sempre com sua porta e a janela da frente fechadas, demonstrando uma orfandade ainda maior.

Sim, porque como as pessoas, as casas também podem ser órfãs, quando se situam afastadas das outras casas, solitárias no fim da rua, inabitada de qualquer mortal, de portas e janelas sempre fechadas. Aquela casa parecia ser uma irmã que Édipo nunca possuiu, e por conta disto como ele tanto a observava! Se por acaso alguma família habitasse aquela casa, quem seriam estas pessoas, o que faziam na vida, como viveriam? Talvez até algum dos seus habitantes se confundisse com um ou outro dos poucos caminhantes que transitavam pela Macedo de Almeida que naquela época espiava as primeiras meditações do pequenino Édipo, presenciava os passos trôpegos do seu octogenário avô, albergava a bodega de doces e bolos de dona Sinhá.

Esta pequena casa parecia que demarcava a fronteira dos bairros do Alecrim com o das Quintas. Situava-se na Rua João Cláudio, onde terminava a Rua Macedo de Almeida, depois da Augusto Limeira em uma

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Novais Photografias/Divulgação

Chapéu conto

das quais necessariamente dobravam os pedestres que continuassem caminhando pela segunda rua já que a referida casa com uma ou outra mais afastadas dela, limitava o final do território da rua Macedo de Almeida.

Alguns transeuntes que passavam por estas ruas se originavam do beco da cabocla, uma viela que ficava perpendicular à casa dos avós de Édipo, onde havia alguns antros nos quais se reuniam todas as madrugadas insones notívagos do bairro do Alecrim daquela década de 1950, dentre os quais se destacavam marinheiros, vagabundos e prostitutas que se esborniavam em bebedeiras, jogatinas e orgias sexuais, sempre acompanhados de tétricas e invisíveis sombras oriundas dos pélagos infernais que se regozijavam com a perdição das almas daqueles mortais.

Mais a sudeste da linha do horizonte despontava o rio Potengi margeando o distante distrito do Igapó ainda inóspito e pouco habitável, conhecido pela sua ponte de ferro construída pelos holandeses no século a qual constituía na porta de entrada e saída de Natal para o interior do Estado. As Quintas já eram profundas pelas suas ruas tortuosas,

Chapéu pelas suas vielas subterrâneas, pelo seu matadouro municipal tão distante da aldeia habitada, perdido no meio da estrada arenosa para Macaíba do qual os ônibus da linha Rocas-Quintas não se atreviam a ultrapassar. Édipo contemplou esta cabana muitas vezes durante toda sua infância, a reviu em algumas ocasiões durante os primeiros anos de sua juventude, nunca mais a espiou quando amadureceu até porque aquela pequena varanda da casa dos seus avós desapareceu quando estes se extinguiram, pois os herdeiros a venderam para um quiosqueiro que a transformou em uma birosca que vendia sanduíches, pastéis e refrigerantes para os novos passageiros da Rua Macedo de Almeida.

Este bodegueiro não somente profanou aquele terraço de êxtase do pequeno Édipo como mutilou toda casa onde viveram seus últimos anos os antepassados de Édipo, fechando alguns cômodos, abrindo outros, desde que servissem para acomodar a sua quitanda.

Na verdade, quando Édipo anoiteceu, este casebre que existiu em suas observações da varanda do lar dos seus avós, em sua primeira infância, voltou a povoar a sua vida desta feita nas evocações do seu coração que despertaram com mais intensividade no outono de sua existência.

Como o sol das tardes se escondia em seu quintal, quiçá esta casa não tenha nunca pertencido a este plano terreno, mas às plagas siderais, quem sabe a alguma região dos sonhos do menino Édipo que adormecia no regaço de sua mãe Jocasta naquele terraço

tão místico, tão transcendental.

Então, para tirar a prova se, deveras, esta cabana algum dia existiu, certo sábado, já no início do outono de sua vida, Édipo decidiu rever aquela casa não mais daquele terraço místico de sua primeira infância, mas bem de perto, sentindo-lhe a sua energia. Quando adentrou na rua Macedo de Almeida de pronto não a reconheceu pois esta rua estava mutilada tendo se transformado literalmente em um estacionamento público de carros. As casas vizinhas ao lar dos seus antepassados desapareceram e os seus habitantes encantaram-se.

O Bairro do Alecrim de ruas tranquilas onde antigamente vivia uma gente humilde e provinciana que conversava vespertinamente em suas calçadas no exercício da arte da boa vizinhança, transmudou-se em um verdadeiro pandemônio de lojas comerciais, estacionamentos de carros e espaços de camelôs.

Quanto à casa humilde do horizonte, em seu lugar restou apenas o seu espectro já que se transformou em uma tapera com as paredes enegrecidas de sujeira e de abandono, desta vez com a porta da frente semiaberta, anunciando que, finalmente, alguém estaria lá residindo.

Enfim, quem hoje habitará aquela tapera carcomida pelo tempo e desprezada pelos seus moradores que outrora fora uma humilde casa tão taciturna e tão órfã que Édipo tanto observara durante as tardes de sua primeira infância da pequena varanda do lar dos seus avós?

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Como o sol das tardes se escondia em seu quintal, quiçá esta casa não tenha nunca pertencido a este plano terreno.”

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artigo Chapéu

PRESSUS1

Flávia Sousa Dantas Pinto

4ª Juíza de Direito Auxiliar da Comarca de Natal

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Faz-se necessário que busquemos, urgentemente, resgatar o respeito à magistratura que advém, não do poder ou status da função, mas da honradez daqueles que carregam a toga.”

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Era 16 de outubro de 2000, por volta das 19:00 hrs, no auditório do Hotel Pirâmide, na Via Costeira.

Os convidados começavam a ocupar os seus lugares, como de costume, mas o burburinho era enorme. Aqui e acolá, ouvia-se uma gargalhada espontânea, apertos de mãos eufóricos, abraços efusivos. A alegria estava no ar! Mais adiante, um grupo menor, com uma indisfarçável ansiedade, aguardava em fila a platéia acalmar-se para adentrar o recinto. Alguns eram tão jovens que se esforçavam em vão para passar a impressão de que detinham a experiência geralmente esperada para o exercício da função que estavam a abraçar, como se o árduo caminho até ali palmilhado já não os tivesse marcado o suficiente com o carimbo do compromisso e da retidão, igualmente importantes. Outros chegavam ali sem qualquer referência afetiva, familiar ou profissional nos solos potiguares, vindos de lugares em que eram “alguém” para se enfurnarem nos recantos desse Rio Grande do Norte, cientes de que a solidão seria sua companheira, ao menos no início da jornada que ali tinha seu marco inicial. Havia também aqueles que, na flor da idade, traziam consigo pequeninos seres que sequer desconfiavam do que os esperava, mas que se alegravam com a alegria dos seus. Independente do motivo, de sua história de vida e das circunstâncias de cada qual, aquele era “o” momento.

Autoridades a postos, deu-se início àquela cerimônia que para sempre marcaria as vidas de seus protagonistas. Um a um, receberam de seus pais, avós, tios, maridos, esposas ou filhos um manto negro com torçais alvos. Mas, a despeito da cor preta representar a ausência de luz, havia um brilho especial naqueles rostos. Algo de iluminado. Algo de diferente. O grand finale ficou por conta de apenas um de nós, porta-voz de todos e a quem coube traduzir o sentimento que já invadira e impregnara todo o ambiente. Foram muitas e intensas emoções. Depois de muitos estudos, renúncias e dedicação, éramos, a partir daquele dia, oficialmente Juízes de Direito! Quanta honra e quanta responsabilidade!

1

Termo em latim que deu origem à palavra “preto” e que remete ao ato de compressão.

Chapéu Hoje, 15 anos e dezenas de comarcas, milhares de quilômetros e milhões de processos depois, olho para trás e tento refletir sobre o que ganhamos e também sobre o que perdemos nessa longa estrada.

Ganhamos experiência, sem dúvida alguma.

Ganhamos amigos de uma vida, que conosco compartilham as mesmas angústias. Ganhamos a doce recordação do amparo quase familiar que muitas vezes recebemos nas comarcas pelas quais passamos e que tornava a labuta diária mais palatável, ainda que transformada em lágrimas (muitas, em alguns casos) a cada despedida.

Ganhamos a lição e o prazer do convívio com o povo simples do nosso tão sofrido sertão, que nos fez descobrir, de uma vez por todas, que nossos lamentos nada representam quando comparados às dificuldades por estes enfrentadas e, com isso, também ganhamos a irrenunciável oportunidade de nos tornarmos mais humanos e menos “técnicos”.

E porque não dizer que ganhamos, também, estabilidade profissional e um papel a ser desempenhado em nossa sociedade, tornando-nos atores relevantes nas cenas quotidianas de nosso povo?

Mas também descobrimos, a duras penas, que não temos o poder de, sozinhos, mudar o mundo, as coisas erradas, as injustiças ou de implantar a paz social, como dantes sonhado, não obstante as alegrias de pequenas vitórias diárias que conseguimos com o que nos resta do velho idealismo. Sentimos, bem de perto, o cheiro da relativa impotência.

Descobrimos, ainda, e rápido, o descaso, o menoscabo e, muitas vezes, até mesmo o

ataques gratuitos do ódio irracional e da inveja descabida.

A função pública inevitavelmente expõe aqueles que a exercem ao jugo das mais diversas críticas, positivas ou negativas. E a despeito de termos sido preparados para as negativas, como decorrência da própria atividade de julgar, em que sempre haverá um perdedor, jamais desconfiaríamos que os ataques seriam tão frequentes e, na maioria das vezes, descabidos e injustos.

Fomos muitas vezes transformados em números. Quase sempre achacados por dentro e por fora da nossa instituição, por colegas, servidores, familiares, “amigos” e desconhecidos, que sem qualquer pudor ou cuidado em afastar as generalizações tão perniciosas, acusam-nos, diuturna e injustamente, por todos os meios de comunicação, de ignorantes, vagabundos, privilegiados e venais, num total menoscabo e desprezo à verdade individual e sem sequer se dar ao trabalho de lançar um simples e despretencioso olhar sobre as nossas atividades profissionais diárias. Ignoram, ainda que conheçam, as horas que dedicamos ao nosso trabalho, o nosso esforço hercúleo de mantermos coerência entre o que julgamos e o que somos, entre o magistrado e o cidadão, entre o dever ser e o ser.

Fingem não ver a coerência que procuramos manter nas ideias, nos valores e nas condutas.

Muitos de nós chegam a ter vergonha, quiçá receio, de dizer, ou mesmo permitir que se saiba, em rodas sociais, de nossa função de magistrado.

E diante desse caldeirão de apanágios indignos, confundem nossos algozes, propositada e maldosamente, o trabalho de cada um

“

A função pública inevitavelmente expõe aqueles que a exercem ao jugo das mais diversas críticas, positivas ou negativas.”

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artigo Chapéu dos profissionais Juízes, com os resultados quase sempre insatisfatórios da atividade jurisdicional, impregnando-lhes da indevida culpa, como se fosse possível atribuir responsabilidade ao trabalho quase sempre digno dos profissionais pelas mazelas do sistema em que se inserem, a exemplo de se culpar médicos e outros profissionais pelo caos do sistema de saúde ou imputar responsabilidade aos dedicados professores pela calamidade da educação.

Sequer se dão ao trabalho de ressalvar que o Juiz brasileiro tem a maior carga de trabalho entre os magistrados do mundo inteiro; que julgam mais processos do que todos os seus colegas de outras nações; que tais magistrados trabalham no país em que mais se busca a Justiça, graças a um sistema extremamente burocratizado, em que quase tudo na vida do cidadão, do seu nascimento à sua morte, incluindo as suas relações profissionais, contratuais e pessoais, passam pelo crivo da Justiça e, mais acentuadamente, da Justiça Estadual.

A estes, que não são capazes de buscar a “verdadeira verdade”, seria supérfluo repetir o óbvio, de que a maior virtude de um verdadeiro magistrado não é a quantidade de processos que julga, embora efetivamente julgue muito mais do que o razoável; nem é a quantidade de medalhas ou títulos que amealhou, ainda que tenha que buscar perene atualização de conhecimentos; muito menos a capacidade de expressar bonitas palavras, ainda que seja eternamente condenado pelo seu silêncio. Seria supérfluo afirmar que a maior virtude de um verdadeiro magistrado é a sua retidão de caráter, a sua imparcialidade, o seu compromisso com o certo, a sua mais profunda independência.

E assim, nesta equação perdas x ganhos, embora tenhamos tido numericamente mais ganhos, carrego a sensação de que, qualitativamente, as perdas foram mais significativas ou, pelo menos, mais profundas, mais marcantes, mais ferinas. É que temos a sensação de termos perdido, ao longo desse tempo, o que há de mais sagrado para uma pessoa de bem, idealista e que se dedica à causa pública: o respeito.

Não sei se falo por todos, mas tenho absoluta certeza de que falo por muitos.

Descobrimos, entretanto, também ao longo desta dura jornada e apesar das desilusões, das incompreensões, das injustiças, dos ataques mesquinhos, que nossas mãos e nossos ombros podem suportar um peso muito maior do que supunha nossa existência e, munidos desta constatação, se faz necessário que busquemos, urgentemente, resgatar o respeito à magistratura que advém, não do poder ou status

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Chapéu da função, mas da honradez daqueles que carregam a toga.

Não quero aplausos, nem reconhecimentos, nem medalhas. Não quero que me amem ou que deixem de me odiar. Não almejo que concordem com as minhas opiniões ou decisões.

Quero simplesmente respeito: respeito pelo meu esforço de ser ou tentar ser coerente, pois a busca pela coerência por vezes cobra o pesado preço de amizades desfeitas e vínculos familiares abalados; e respeito pela minha dedicação ao trabalho, ainda que nem sempre me leve a atingir a produtividade que me é imposta, mas que necessariamente implica em inúmeras renúncias, principalmente por parte daqueles colegas que ainda estão em comarcas do interior.

Diante disso, meus amigos, colegas nesta jornada, percebemos que, ao contrário do que pensávamos, a nossa luta estava apenas começando há 15 anos e que carregamos conosco, dentre outros, o encargo de resgatarmos a honradez a que fazemos jus, não apenas por nós, mas pelas gerações vindouras e pelo próprio bem da sociedade em que vivemos.

Pois no atual contexto político-social em que nos encontramos hoje inseridos, em que pesadas e plúmbeas nuvens podem ser vistas no horizonte, não será outro o refúgio dos que anseiam por justiça, que não os nossos colos.

No espectro de significações científicas e culturais que o preto encerra, precisamos afastar da nossa toga negra qualquer correlação com o pessimismo, a morte, a maldade e inequivocamente aproximá-la daquilo que verdadeiramente representa de positivo: dignidade, sobriedade, neutralidade e, o mais importante, hombridade.

Espero que ao cabo dos próximos 15 anos de magistratura, se tiver a felicidade de os alcançar, possamos, juntos, olhar para trás, sentirmos orgulho do que fomos e fizemos e rirmos dos desvarios daqueles que tentaram colocar sob a nossa toga a indignidade e a iniquidade de uns poucos desmerecedores do nosso honrado pressus.

A eles, o meu desprezo e futuramente, quiçá, o meu perdão. Aos iníquos, a lei e o desterro. Aos justos, a minha admiração. E aos meus honrados colegas, o meu eterno respeito pelo que são, e disso sou testemunha; pelo que fazem, ainda que não tenham qualquer reconhecimento; e, principalmente, pelo muito que haverão de fazer, com destemor e determinação, em nome da Justiça, a despeito das injustiças que rondam e da mediocridade eloquente que brada e prepondera, porque é este o dever de todo verdadeiro magistrado!

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Especial

Juizados Especiais completam 20 anos de atuações no Brasil Por Adalgisa Emídia

A empresária Marília Amorim passou por um constrangimento durante uma viagem aos Estados Unidos em 2010. Ao desembarcar na cidade de Nova York ela constatou que uma mala havia ficado no Brasil e, somente após seis dias, a empresária conseguiu receber a mala no hotel. Ela entrou com uma ação contra a empresa aérea no Juizado Especial 42 | RITOS

e um ano e meio depois conseguiu uma indenização de quase dez mil Reais. “Só quem passou pela situação de chegar em uma cidade sem sua mala com roupas, medicamentos e objetos pessoais, sabe o quanto é difícil. A ação judicial foi uma resposta a falta de respeito com o consumidor e graças a Deus tudo se resolveu bem”, afirma Marília Amorim.

Casos como esse existem todos os dias nos Juizados Especiais e a

demanda tem aumentado cada vez mais. Em 20 anos de atuação, completados em 2015, a justiça tem se consolidado e procurado difundir a prática da cultura de conciliação, uma das marcas dos Juizados Especiais. No Rio Grande do Norte, somente neste ano foram aprazadas 30 mil audiências de conciliação, conforme relatório apresentado durante a semana estadual dos Juizados Especiais realizada em setembro na capital potiguar.

Segundo dados da Corregedoria de janeiro a setembro deste ano, foram 64. 203 processos distribuídos e 49.802 audiências de conciliação realizadas.

O Rio Grande do Norte, ao todo somam 96 varas dos Juizados Especiais e em Natal são 21. Desses 16 Cíveis; 2 Criminais e 3 da Fazenda Pública. “O Juizado Especial se caracterizou pela celeridade e simplicidade dos processos. O acesso da população é bem maior e o atendimento ao público ocorre de forma direta”, afirma o Coordenador do Juizado Especial Cível e Criminal juiz Paulo Luciano Maia.

Nos últimos três anos, dentro dos tribunais de pequeno porte, o Rio Grande do Norte foi destaque entre os que mais julgamentos foram realizados. Apesar da falta de juízes e servidores, um dos entraves para agilizar ainda mais a demanda que vem aumentando a cada ano.

Uma das expectativas do Judiciário, para melhorar ainda mais os resultados no estado, seria a contratação de juízes leigos. Houve um concurso realizado pelo Tribunal de Justiça com a aprovação de 65 candidatos aptos e mandato de dois anos, mas ainda não houve as contratações. O TJRN não efetivou a nomeação dos candidatos porque submeteu à consulta ao Tribunal de Contas do Estado a questão da natureza orçamentária do pagamento a esses profissionais. Vale ressaltar que o CNJ já analisou caso semelhante de outros Tribunais e já firmou o entendimento que não se

Juiz Paulo Luciano Maia

trata de despesa com pessoal. Os candidatos aprovados não precisam ser necessariamente advogados, mas devem ter 3 anos de experiência jurídica, podendo ser advocacia ou assessoria jurídica em qualquer instituição (MP, Judiciário, Executivo ou Advocacia).

Mas, há ainda um outro desafio a ser superado, segundo o juiz

coordenador. “O nosso grande desafio é a Fazenda Pública que acumula em três varas vinte mil processos em tramitação relacionados a, por exemplo, causas de medicamentos e cirurgias no valor inferior a 40 salários mínimos. O estado e o município são hoje os maiores clientes dos Juizados Especiais”, relata o juiz Paulo Luciano Maia.

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Especial Além dessa demanda, há casos dos mais simples até aos que se arrastam pela falta da cultura de conciliação por alguma das partes envolvidas. Foi o caso do técnico em operação de televisão Francisco Magno da Silva teve o nome inscrito de forma indevida no Serasa em 2012, por causa da empresa Claro Tv que alegava falta de pagamento de mensalidades. Após constatar o erro da empresa, mesmo assim, ele foi informado no Serasa de que teria um prazo de cinco dias para retirar seu nome da lista de devedores. Mas, o procedimento só foi realizado depois de 20 dias. O caso chegou até o Juizado Especial em dezembro de 2012 através de uma ação por danos morais. A primeira audiência de conciliação aconteceu em abril do ano seguinte e, com não houve acordo, a decisão saiu em definitivo em agosto de 2014. “A juíza deu um prazo para a Claro TV me pagar uma indenização de 7 mil Reais, mas o pagamento não foi feito e as contas da empresa foram bloqueadas”, afirma o técnico Francisco Magno da Silva.

Após juros e correções, ele recebeu o pagamento da empresa no valor de 10 mil e 93 Reais em julho de 2015. Apesar do processo de quase 3 anos, segundo Francisco Magno, caso não fosse o Juizado Especial, a situação seria ainda mais crítica. “O resultado foi o que eu esperava e fiquei muito satisfeito com essa resposta do Judiciário. O atendimento foi muito bom e facilitou ainda o fato de não precisar constituir advogado”, disse Francisco Magno.

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Juizados Especiais criados por Lei estão distribuídos em 15 cidades do RN: Pau dos Ferros, Apodi, Mossoró, Assu, Areia Branca, Macau, Caicó, Currais Novos, Santa Cruz, Nova Cruz, João Câmara, Ceará-Mirim, São Gonçalo do Amarante, Macaíba e Parnamirim.

1 juizado em cada uma das 50 comarcas do estado restantes.

Total: 71 juizados especiais no interior.

22 juizados na capital e mais 3 turmas recursais.

Total geral: 96 unidades.

Maiores demandantes nos Juizados Especiais no RN: Estado e município; Cosern; Banco do Brasil; Claro Celular; Telemar-OI; TIM; Banco Itaú; Banco Santander; Banco Bradesco e BV Financeira.

Dados da Corregedoria de Janeiro a Setembro de 2015 apontam: Processos Distribuídos: 64203 Audiências realizadas: 49802 Outros dados: Acervo (Em setembro/2015): 121.188 Arquivados definitivamente : 49311 (76,80% dos distribuídos) = *Índice de atendimento à demanda (IAD) Sentenças: 52472 (81,72% dos distribuídos) Remetidos a turma recursal: 3.692 Cartas Precatórias recebidas: 1862 Cartas Precatórias devolvidas: 1568 * Índice utilizado pelo CNJ no relatório do Justiça em Números.

Fonte: Assessoria dos Juizados Especiais - Coordenadoria

Projetos As novidades neste ano de comemorações dos 20 anos, foram o lançamentos de dois projetos. O “Devolver para reparar”, onde o Poder Judiciário estará devolvendo à sociedade o dinheiro que é pago em virtude do cometimento de crimes. Graças ao pagamento dessas penas pecuniárias, foram recuperados mais de 366 mil Reais. Recursos estes aplicados na área de segurança na cidade de Mossoró, onde somente a Delegacia de Defraudações recebeu 14 mil 602 Reais e 38 centavos para a melhoria da infraestrutura do prédio. Além disso, para a manutenção e reposição de peças de viaturas foram destinados 12 mil 94 Reais e 36 centavos.

Outro projeto criado foi o Proesc – Programa de Estágio Curricular Obrigatório no curso de direito da Faculdade Estácio de Sá – sem custos para o TJRN, o estudante cursa a disciplina prática jurídica dentro das dependências do Juizado Especial, como nas audiências de conciliação, contribuindo para ampliar o atendimento ao público e agilizando o andamento dos processos em trâmite.

Os Juizados Especiais representam hoje um importante ponto de referência da justiça brasileira no sentido de não só facilitar o acesso da população, mas também agilizar os processos. Nesses 20 anos, se consolidaram como referência de boas práticas, mas ainda existem desafios importantes a superar e, na avaliação do juiz Paulo Luciano Maia as maiores dificuldades são a carência de força de trabalho. ■ RITOS | 45

conto Chapéu

O BÁLSAMO

Enéas Olímpio Maia

Juiz de Direito aposentado

“

O Bálsamo nunca morreu.

Transformou-se naquilo sempre lembrado, estimado e querido.”

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O espaço temporal transcorre naturalmente, independente de qualquer manifestação volitiva, gerando nesse inter o existencialismo do que, por mera simplificação se denomina vida. O PAI - Universo, a MÃE natureza - numa interação perfeita, geram, criam e transformam - tudo e todos, produzindo ciclos evolutivos modificando os elementos, melhorando ou piorando a sua gênese original, em qualquer dos seus reinos.

Por economia de verbo, não se adentra nas profundezas e mistérios que envolvem os reinos animal e mineral. E ponto.

O reino vegetal, do qual fiz e faço parte, este sim, é o foco dessa manifestação filosófica, se é assim que se pode definir. Na verdade, nem sei como surgiu o meu mais remoto ancestral: se de uma minúscula semente ou de uma rebrotação radicular. De um modo ou de outro, nasci de um processo evolutivo: se de uma semente - é porque existiu a fruteira que produziu o fruto que gerou a semente que me deu vida; se de uma rebrotação é porque já existia a matriz de onde surgi. Exsurge, assim, a infinda dialética: Quem primeiro apareceu - a semente, o fruto ou a fruteira - um sempre preexistindo o outro? Sem um não haveria o outro. De qualquer modo, nasci, cresci e fui modificado; nunca, porém, morri para sempre. Espontaneamente, alguma semente foi deixada cair sobre as terras férteis daquela bela montanha chamada Serra das Betônicas, ao pé da qual nasci e me desenvolvi num lugar na Paraíba, batizado Brejo do Cruz. Nessa Serra vivi, certamente, por muitos e muitos anos, quiçá séculos, até ser notado por mordaz predador ganancioso – desejoso de auferir ganho mais fácil, “um homem machadeiro” que, sem fazer juízo bem pensado, logo arquitetou o meu fim, consumando-o com golpes que me puseram abaixo.

Não compreendi nem conheci como fui conduzido e retirado do meu mato querido. Certo é, entretanto, que fui arrastado até um galpão de uma antiga bolandeira de beneficiar algodão. E ali permaneci esquecido por muitos anos ou até décadas. Abandonado, quem me cortou, com absoluta certeza, não lucrou o seu nefasto trabalho nem consumou o seu desejo e o seu intento.

Muito adiante, decorrendo o ano de 1938, mais ou

Chapéu menos, a velha edificação, que ainda me abrigava, já ruindo aos pedaços, mudou de proprietário. Era ele um notarial público; e precisando reformar a casa velha, assim chamada por décadas e por muitos, para servir de cartório, contratou um carpinteiro do lugar para cuidar do seu fechamento. Este, laborando, detectou a presença daquele tronco enegrecido pela intempérie dos ventos, do calor e da poeira, associada à umidade constante. Nem conheceu, nem sabia quem eu era. De ordem, porém, fui aberto em tábuas vermelhas - novinhas e lindas pela cor e agradáveis pelo seu cheiro perfumoso. O carpinteiro era um velho profissional, mas demorou a identificar-me. Eu era uma raridade da flora local - já em extinção àquela época - um exemplar de bálsamo vermelho. Ainda assim, mesmo velho, produzi um belo tabuado e dele fui transformado em três lindos móveis: um pequeno armário, uma mesa também pequena e um birô (bureau) na sua melhor modificação com sete gavetas, tudo dispensado tinta para completar-lhes a formosura. Apenas esmalte natural me bastaria à toda beleza. E assim servi, num mesmo lugar, na mesma destinação, sem mudar como se imóvel fosse, por décadas continuadas, quase meio século, sem tratos especiais nem maus tratos.

No meado da década dos anos setenta, ainda plenamente servível, tornei-me estimada relíquia familiar, removido para um aposento nesta casa, nesta fazenda, neste Município de Serra Negra do Norte, tão próximo do meu lugar de nascimento que, se eu tivesse olhos, ouvidos e boca estaria a ver, ouvir e gritando o meu protesto contra inconsequentes abates - não mais dos meus irmãos que foram ceifados sem nenhuma avaliação ou comiseração, mas também de outras espécies co-irmãs que ainda teimam heroicamente buscando um lugar ao sol, na vã tentativa de não figurar na triste lista dos extintos.

Aconteceu que fui acomodado em lugar digno, não desprezado, mais sem o zelo merecido.

Sobre mim muito trabalho foi executado, propiciando rendas e valores que alimentaram três gerações sucessivas - pais – filhos e netos.

Assim visto, sempre lembrado, mereci um tratamento especial e restei renovado, lindo como nos primeiros tempos, indo definitivamente para um lugar belo e sossegado, onde estou com destaque justo e merecido, suportando a minha constante e velha companheira de tantos anos de serventia - essa REMINGTON QUIT RITTR importada que, juntos, tanto fazemos recordar uma figura tão ilustre e querida que a sua lembrança evoca tantas emoções de saudade, de tristeza ou de alegria que fazem alguém verter sentidas lágrimas e desejar vê-los juntos novamente, ainda que só no imaginário. É por isso que expresso que nunca se morre, apenas se muda de lugar ou de estado, passando por transformação, permanecendo vivo na lembrança visual ou da mente de quem fica.

O Bálsamo nunca morreu. Transformou-se naquilo sempre lembrado, estimado e querido.

Quem o transformou, nem se mudou: permanece eternamente vivo no coração, na alma e no cérebro de quem assim pensa para si mesmo em futuro, certamente próximo. (a.a) O Bálsamo O Birô O Pensador

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Chapéu Viagem

Templo Kinkaku-ji, conhecido como Pavilhão Dourado, é um legado do Japão medieval

Saudações NIPÔNICAS Por Karyne Chagas

Iniciado o procedimento de pouso em terras japonesas, a emoção é inevitável. A ansiedade para descortinar um pouco dessa admirada cultura toma conta do ser, não tem jeito. São muitas expectativas...

Do outro lado do mundo há várias impressões a respeito do Japão, muitas delas são confirmadas, outras tantas, meras ilusões do mundo ocidental.

A religiosidade do povo japonês é algo marcante, perceptível rapidamente ao se adentrar nos templos e santuários, onde se revela o respeito aos rituais, dentre eles o da purificação através da água ou dos incensos.

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Os japoneses possuem uma perspectiva prática e politeísta da religião, que é vista como instrumento para pleitear aos deuses benesses e/ou sucesso, seja na vida profissional, estudantil ou pessoal.

O xintoísmo, a religião mais antiga do Japão, possui como conceito central as divindades kami, que podem se hospedar em todas as coisas, sejam vivas, mortas ou inanimadas. O grande símbolo dos santuários xintoístas é o torii, que consiste em portal de madeira, ferro ou bronze, geralmente pintado de vermelho com pequenas decorações pretas e douradas. Os sacerdotes xintoístas são facilmente identificados por suas vestimentas nas cores branca

e laranja. Eles presidem lindas cerimônias de purificação. É comum, nos santuários, a venda de talismãs (omamori) que, via de regra, são escritos em papel ou tábua fina, cobertos por um tecido (jamais podem ser abertos), e devem ser utilizados junto ao corpo, segundo a tradição.

O budismo, por sua vez, chegou ao Japão através da China e da Coreia no século 6º. Esta religião perdeu apoio oficial em 1868, mas retomou forças após a Segunda Guerra Mundial. Os templos budistas no Japão podem incluir pagode, cemitérios e edifícios usados pelos monges, bem como um pequeno santuário xintoísta. Um ponto a ser ressaltado, é que a adoção da religião xintoísta não

Viagem exclui a budista e vice-versa. Frequentemente, os japoneses adotam ambas, por isso a mistura dos respectivos símbolos, seja em templos (tradução vinculada ao budismo) ou santuários (tradução relacionada ao xintoísmo).

O confucionismo é, por vezes, apontado como religião não oficial do Japão, a terceira depois do budismo e do xintoísmo. Trata-se, na realidade, de regras morais que consistem em ferramentas para organização social.

Esta doutrina ou filosofia, como denominam alguns, influiu fortemente no pensamento japonês desde a sua introdução, também no século 6º.

A alimentação japonesa é conhecida dos ocidentais, pois tem sido bastante difundida nas últimas décadas, ou seja, os brasileiros que apreciam os restaurantes japoneses irão desfrutar os melhores sushis e sashimis de atum que já comeram. Isto mesmo, lá o peixe mais valorizado é o atum, havendo no cardápio, inclusive, várias opções de qualidade.

Advirta-se, contudo, que as variações de sushi com queijo, foie gras e outras coisinhas mais não são encontradas nas ci-

dades japonesas. Deve-se lembrar que o povo japonês é rígido nas suas tradições.

Uma das percepções corretas que os ocidentais possuem a respeito do Japão é a paixão pela fotografia. No Japão, vale muito a pena pedir para alguém tirar uma foto para você! Sim, os japoneses são mesmo ótimos fotógrafos! Muito tímidos, vão ficar um pouco sem graça diante da solicitação, mas logo que estiverem de posse da câmera, não vão parar mais de fotografar.

A postura do povo é, sem dúvida, o ponto mais estonteante da cultura japonesa. As pessoas se conduzem com um espírito de coletividade que dá inveja a qualquer brasileiro. No país do sol nascente e das lindíssimas cerejeiras floridas, a mais bela estrela é a educação nipônica. As ruas são silenciosas, independente da lotação do local, as pessoas se cumprimentam com reverências, e os departamentos de achados e perdidos funcionam como em nenhum outro lugar do mundo. Se perdeu algo, não importa onde, acha-se.

Tóquio, apesar de possuir uma das áreas urbanas com maior densidade

Jardim Japonês encravado no Centro Financeiro de Tóquio

Juíza Karyne Chagas Titular da 11ª Vara Cível da Comarca de Natal

“

A postura do povo é, sem dúvida, o ponto mais estonteante da cultura japonesa. As pessoas se conduzem com um espírito de coletividade que dá inveja a qualquer brasileiro.

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Viagem demográfica do mundo, é uma cidade de ritmo eminentemente pacato. Nada de multidões ou atropelos. Os arranha-céus fartos de neon são fruto da imaginação dos ocidentais. Em geral, os prédios japoneses são baixos, dada a frequência dos terremotos. As luzes em neon existem, mas em pouquíssimas ruas, dentre elas na movimentada, famosa e pequenina Tokeshita Dori, onde os jovens japoneses extravasam toda a criatividade nas vestes, que são verdadeiras fantasias ou mesmo homenagens a grandes astros ou super-heróis. Frise-se que é o único local tumultuado da cidade, principalmente aos domingos.

Ao deixar o bairro de Harajuku, onde está encravada a referida viela, deixa-se para trás todo o movimento, e passa-se a contemplar apenas um vai e vem harmônico de pessoas, numa sintonia admirável. Nem mesmo um terremoto vivenciado a 150 metros de

Santuário Heian, em Quioto

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altura desafina a musicalidade da marcha, pois durante o procedimento de desocupação da Torre de Tóquio, todos descem ordenadamente, sem ultrapassagem ou desespero.

Os jardins e bosques tomam conta da cidade, grande contradição para uma capital que é caracterizada pelos hotéis cápsula e apartamentos de menos de 10m2 . Os templos e santuários são coroados com lindos jardins ou bosques.

O Santuário de Meiji, por exemplo, é sombreado por cedros. É o mais importante de Tóquio e nele estão os restos mortais do Imperador Meiji e da sua esposa Imperatriz Shoken. O lugar é lindo e de uma espiritualidade incrível. Há no local um jardim esplendoroso e o Anexo do Museu de Tesouros Meiji, que abriga pertences do casal real, roupas e móveis.

O Templo de Senso-ji, conhecido como Templo Kannon, é o mais sagrado e espetacular da cidade. O cheiro de incenso enebria todos, em razão do

grande queimador que atrai pessoas confiantes na purificação através dos incensos. É um verdadeiro complexo, onde se encontram também o Pagode de Cinco Andares, o Jardim Dembo-in, o Pavilhão Yogodo, Templo Hexagonal, a Capela Awashima e a Nakamise Dori, que é uma ruela com várias lojas de produtos artesanais locais, tais como quimono, faixas, leques, pentes etc.

A região do Palácio Imperial merece uma visita e impressiona pela beleza do parque bucólico localizado no entorno.

Tóquio é uma cidade completa, com o bairro Ginza destacado por suas lojas de departamentos e ruas cravejadas das grifes mais desejadas do mundo.

O ontem dos templos e santuários convive harmonicamente com o amanhã dos prédios modernos e dos trens futurísticos. Falando em meio de transportes, importante destacar a educação, retidão e elegância dos taxistas com seus impecáveis “caps” e brancas luvas.

Em Hakone, cidade próxima a Tóquio, é imperdível uma visita ao Vale de Owaku-dani e o passeio de barco pelo Lago Ashi com uma parada no Santuário Hakone. A beleza do lugar é surpreendente, um real encontro com a natureza tendo o Monte Fuji como pano de fundo. Inesquecível!

Nara é marcante em razão da imponência do Templo Todai-ji, com a enorme imagem do Buda, e do Parque das Renas Sagradas. Os animais passeiam soltos pelo parque e são alimentados pelos visitantes que compram ração em forma de biscoito. Segundo os relatos históricos, é a cidade mais oriental da Rota da Seda.

Santuário de Hakone

Quioto é a cidade dos sonhos, um encanto aos olhos e uma prisão para o coração. Inevitável sentir saudade da sua atmosfera! O mistério e fascínio das gueixas, que circulam pelo bairro de Gion, aguçam a curiosidade e imaginação dos ocidentais.

O Santuário Fushimi Inari Taisha com centenas de torii vermelhos, é impactante e o local ideal para se manter uma conexão com o próprio eu. São necessárias duas horas, no mínimo, para flanar por toda sua extensão.

O bairro de Arashiyama, no limite oeste de Quioto, possui um ambiente encantador de vila no meio da montanha. Casas de chá, cafezinhos charmosos, lojas de cerâmicas artesanais, tudo emoldurado por florestas de bambus, cerejeiras nas montanhas, riquixás e um lindo e formoso rio.

O Santuário Heian, que possui um dos maiores torii do Japão, também não decepciona. O Templo Kinkaku-ji, conhecido como Pavilhão Dourado, é

Gueixa encontrada no Bairro de Gion em Quioto

um legado do Japão medieval e um local cujas fotos rendem um admirável cartão- postal.

O verdadeiro kobe beef é uma das atrações mais desejadas e admiradas por todos. Apesar do alto custo, é uma iguaria que faz jus à cada yen cobrado. A carne é macia e possui um sabor inenarrável.

A emoção transborda na face de quem pisa no solo da Cidade de Hiroshima. Impossível conter as lágrimas na visita ao Museu Memorial da Paz, que revela através de fotos, vídeos e manequins os efeitos da bomba atômica. No Parque onde se encontram ainda dezenas de monumentos, o mais emocionante é o Monumento à Paz das Crianças, que retrata uma garota com as mãos estendidas segurando um “tsuru” (pássaro que segundo a lenda japonesa pode viver até mil anos) feito de origami. A imagem refere-se à Sadako Sasaki, uma menina que faleceu em decorrência dos efeitos da irradiação, e que du-

Monumento à Paz das Crianças em Hiroshima

rante sua internação ficou fazendo origami na crença de que ao atingir 1000 dobraduras alcançaria a cura. Pessoas do mundo inteiro encaminham origamis que são guardados no local. Ainda no capítulo da guerra, é dolorida a visita à Cúpula da Bomba-A, antigo Salão da Promoção Industrial que ficava próximo ao epicentro da bomba. Todos os ocupantes do edifício morreram instantaneamente no momento da explosão.

Mas Hiroshima possui outras atrações, como por exemplo, o Santuário Xintoísta Itsukushima, famoso pela porta “Torii” no mar, reconhecido como patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO, e os deliciosos “bolinhos” momiji (existem vários sabores). O trem bala que faz o trajeto Quioto/Hiroshima é também um ponto alto do passeio.

Hora de retornar à realidade, iniciando a decolagem com destino ao Brasil, ciente de que parte do coração permanecerá nas terras nipônicas.

Sayounara!

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artigo Chapéu

Teoria do caos judiciário

Cícero Macedo Filho

juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública de Natal

“

O déficit de produtividade e morosidade que os números das pesquisas estão a revelar deve-se comprovadamente à falta de recursos humanos.”

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Em Uma Breve História do Tempo o físico teórico Stephen Hawking afirma que uma boa teoria deve satisfazer dois requisitos básicos: 1) precisa descrever com precisão um número razoável de observações, com base em um modelo que contenha poucos elementos arbitrários; 2) deve prever com boa margem de definição resultados de observações futuras. Como sabemos, a construção de uma teoria requer um método, que se convencionou chamar de método científico, ou seja, a união indissociável do conjunto de hipóteses testáveis e testadas capaz de explicá-los.

O método começa pela observação, que deve ser sistemática e controlada, para que se tenha o controle dos fatos científicos. Os fatos científicos, embora não sejam necessariamente reprodutíveis, têm que ser necessariamente verificáveis. As hipóteses têm que ser testáveis frente aos fatos.

O leitor já deve estar se perguntando o que isso tem a ver com uma proposta de teoria do caos judiciário, título deste texto. Respondo: tem tudo a ver! Mesmo que se encare isso como uma brincadeira! Cientistas já concluíram que o caos é uma das leis mais importantes do Universo, presente na essência de tudo que nos cerca. A ideia central da teoria do caos é que uma pequenina mudança no início de um evento qualquer pode trazer consequências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro. Pode parecer assustador se falar da aplicação dessa teoria no âmbito judiciário, mas é só dar uma olhada no histórico da evolução do fenômeno das demandas judiciais no Brasil para constatar que essa ideia faz sentido. Ou seja, é possível se conceber uma teoria do caos judiciário a partir da observação sistemática e controlada do número de demandas hoje existentes nos foros do país. Reproduzida e facilmente verificável no dia a dia forense, essa observação é o teste definitivo que demonstra que estamos vivenciando o fenômeno do caos.

Segundo dados do levantamento anual do Justiça em Números, feito pelo CNJ e divulgados no dia 15/9/15, atingimos, em 2014, a marca de 100 (cem) milhões de processos judiciais. No ano de 2015 está prevista a tramitação de 107 (cento e sete) milhões de processos. Isso para uma população de pouco mais de 203 (duzentos e três milhões de habitantes). Já segundo levantamento feito pela AMB, a cada 5 (cinco) segundos um novo processo judicial nasce no Brasil.

A pesquisa científica foi coordenada pela respeitada pesquisadora

Chapéu Maria Tereza Sadek (AMB Informa. Edição n. 166 – julho-agosto 2015). Ninguém em sã consciência deixará de reconhecer que isso é a comprovação perfeita e acabada da teoria do caos no âmbito judicial no nosso país. Temos hoje um processo judicial para cada dois habitantes. E isto sem falar que em muitos entes federados ainda não existem defensorias públicas, e a população não tem acesso à justiça por não poder pagar advogado, dentre outras dificuldades. Concretizada que seja a perspectiva de criação desse órgãos – alvissareira, ao menos do ponto de vista da cidadania –, e adquira a população condições econômicas melhores que possibilite acesso à justiça, será o caos definitivo em número de processos judiciais, como se fosse um Big Bang ao contrário! Poderemos chegar a mais de um processo para cada um habitante! É realmente uma hipótese assustadora!

Não é difícil concluir que nenhum modelo de prestação jurisdicional pode resistir muito tempo a tamanha avalanche de processos judiciais, que cresce em progressão geométrica enquanto se constata, por outro lado, que a estrutura do Poder Judiciário no país cresce em progressão aritmética. São poucos juízes e faltam mais servidores para lidar com a avassaladora carga de processos.

Como se pode imprimir celeridade à resolução dos conflitos numa situação tão caótica como a que chegamos? Essa geometria é reveladora, pois em pesquisa científica os gráficos indicam quando um evento é caótico. E os gráficos e dados tanto do CNJ como da AMB estão a mostrar o caos que hoje se vive, especificamente, no primeiro grau de jurisdição. De cada 10 (dez) ações, 09 (nove) estão nas varas ou juizados especiais.

E a maior encrenca no gargalo do Judiciário está no ramo estadual, consistindo em 80% (oitenta por cento) do número de demandas existentes no país, segundo o levantamento do CNJ. Antes da vigência da Constituição de 1988 existia no país apenas 6 (seis) milhões de processos judiciais. Uma grande mudança operou-se a partir da vigência da Carta, mas o Judiciário brasileiro não se preparou para enfrentar a nova realidade, ignorando os alertas feitos por muitos

juristas e administradores públicos da grande gama de direitos trazidos pela Carta, do alargamento do papel do Judiciário, dos vários instrumentos de controle e de acesso à Justiça, que para muitos especialistas trariam enormes repercussões no cotidiano forense nacional como, de fato, ocorreu, ficando o Judiciário sem condições de dar respostas, principalmente em razão da falta de recursos materiais e humanos. As consequências dessa falta de preparo são enormes nos dias atuais, em que pesem os esforços feitos ao longo dos anos para a sua melhora. O fato concreto e incontroverso é que passados pouco mais de 25 anos da vigência da Carta, é o Brasil hoje certamente o campeão mundial não só no ativismo judicial mas também no número de processos em relação à população. Mas a estrutura judiciária não é suficiente para suportar esse fenômeno.

O nosso Poder Judiciário é hoje o grande protagonista tanto nas questões sociais, grandes e pequenas, como também das questões políticas, tendo o poder público como o seu maior cliente.

Isso, por si só, já é mais que suficiente para a instalação do caos. Mas tem ainda as demandas privadas, que também só crescem a cada dia, especialmente aquelas envolvendo o sistema financeiro e instituições de crédito, telefonia e comunicações, planos de saúde, dentre outras.

Mas a estrutura material e humana do Judiciário não acompanhou o exponencial crescimento das demandas. São apenas 16 (dezesseis mil) juízes a operar neste caótico universo judiciário. Os servidores são insuficientes, apesar de se constatar nos levantamentos o número impressionante de 278 (duzentos e setenta e oito) mil efetivos e 139 (cento e trinta e nove) mil terceirizados. Aos olhos estranhos ao ambiente judiciário pode parecer paradoxal que com tanta gente a trabalhar estejamos a beira do caos total. Mas é isso que ocorrerá se medidas não forem dotadas e adotadas para o aumento do aparato material e humano, considerando-se ainda que estamos num país de dimensões continentais e com mais de 5.500 municípios, onde vivem as pessoas que

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artigo Chapéu diariamente batem às portas do órgãos judiciários, desde os grandes centros aos mais distantes rincões. Não é a toa que a recente campanha lançada pela AMB após a divulgação da pesquisa inédita, visando melhoras nesse caótico sistema, recebeu o sugestivo nome “Não Deixe o Judiciário Parar”.

Os números estão postos e são frutos dos levantamentos de dados coletados diariamente pelo CNJ e pela AMB. E restou demonstrado que eles só tendem a crescer. A mudança ocorrida a partir de 1988 deu início a um evento de conflituosidade que atinge hoje índices inimagináveis, e o Judiciário não tem como dar resposta de forma ágil como se espera com a atual estrutura material e humana. Estamos, pois, no momento, a vivenciar o caos, e os números provam isso, eis que são frutos de pesquisa científica muito séria e que apresenta o diagnóstico correto da situação. Mas mesmo diante dessa realidade, não se ouve falar de uma proposta sólida que possa contribuir para a melhoria do sistema em relação aos recursos humanos, como a contratação de servidores qualificados. Diante a realidade vivenciada na quadra atual, é possível, pois, falar-se em teoria do caos judicial, pois as evidências estão postas por meios científicos sérios, e não há argumentos para sua contestação. Até porque, como diz o velho provérbio português, contra fatos não há argumentos. Os números são argumentos sólidos por natureza, pois calcados na realidade diretamente encontrada nos órgãos de jurisdição do país. São argumentos intransponíveis.

Pode-se alegar que a situação chegou à beira desse Big Bang ao inverso por falta de recursos financeiros. É verdade que o sistema brasileiro de justiça (incluindo Judiciário, Ministério Público, defensorias e advocacias públicas) é um dos mais caros do mundo, com peso do sistema no PIB de 1,8%, ou nove vezes mais que a França e seis vezes mais que a Itália, e esse percentual hoje representa R$ 121 bilhões por ano. Mas esses países têm conflituosidade judicial quase insignificante se comparada com a nossa. A mes-

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ma coisa acontece em outros países. O Japão, por exemplo, quase não tem litígios judiciais, e o custo do Judiciário é insignificante. No Brasil, a parte específica do Judiciário nesses números do PIB corresponde a 1,2%. Decerto é muito quando comparado com outros países. Mas é preciso levar em consideração o dado mais importante, que é a carga de processos judiciais no nosso país atualmente e a necessidade de servidores e juízes para enfrentá-la. Não há como separar o joio do trigo neste caso. O mote que mais se ouve hoje em dia é acesso à justiça. É a palavra de ordem, e para fazer frente a essa realidade incontestável somente com aumento de despesas. E a democracia não pode negar acesso à justiça e, muito menos, justiça. E ela tem um custo. Como costuma dizer o Ministro Marco Aurélio, do STF, a democracia tem um preço, e a nossa ainda é de um preço módico.

Por fim, é preciso dizer que o deficit de produtividade e morosidade que os números das pesquisas estão a revelar deve-se comprovadamente à falta de recursos humanos. Basta se debruçar sobre os números para verificar essa realidade. Não haverá solução para esse caos sem os meios humanos. Nesta altura em que o acesso à justiça concretizou-se de modo massificado e os recursos humanos são insuficientes para responder com razoável duração aos reclamos desse cada vez maior contingente de litigantes, se algumas medidas não forem adotadas em pouco tempo teremos o caos definitivo. Então só nos restará uma resposta a dar ao nosso jurisdicionado: Fim!

A AMARN deseja a todos os associados e associadas um Feliz Natal.

Chapéu

AMARN

Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte

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Chapéu

Um ano novo repleto de boas notícias e uma magistratura voltada cada vez mais para a melhoria da sociedade.

2016 FELIZ

AMARN

Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte

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