Revista Portugal Romano nº 2 (Junio/Julio 212)

Page 1

Revista de Arqueologia romana

CAETOBRIGA Igaedis TONGร BRIGA olisipo

Ano I - nยบ 2 - JUNHO 2012


Índice Editorial

pág 4

Notícias

pág 6

O Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real.

pág 14

A iconografia presente nas Lucernas

Caetobriga

“Uma

visão de conjunto sobre a organização funcional e o espaço físico da Setúbal romana, presumivelmente a Caetobriga referida por Ptolomeu e que tem sido consensualmente localizada na desembocadura do Sado...” pág.56

Estação Arqueológica do Creiro - Setúbal Foto por: Miguel Rosenstok

O teatro romano da cidade de olisipo Por: PortugaRomano.com pág.30

Romanas da praça da Figueira-Lisboa

pág 24

O teatro Romano da cidade de Olissipo

pág 30

Sabia que…Uma cidade Romana…

pág 38

Igaedis

pág 44

A oferta de um relógio aos Igaeditanii

pág 52

Caetobriga

pág 56

Tongóbriga

pág 74

Uma Peça, um museu

pág 83

A valorização das ruínas romanas de Troia

pág 84

Foto-reportagem

pág 98

Resenha sobre defesas urbanas tardias da Lusitânia

pág 106

Museus Nacionais com acervo do Algarve

pág 112

A colonia Augusta Treverorum

pág 124

Itálica: de Urbe Turdetana a patria de los Ulpio-Aelios

pág 134

Roteiro Arqueológico Romano de Caetobriga

pág 152

Igaedis Por Pedro C. Carvalho pág.44 tongóbriga Por Lino Tavares Dias pág.74 pág.

2

Imagem de capa: César Figueiredo (www.cesarfigueiredo.com) pág.

3


Sempre a crescer!!!

o

s números são o reflexo do nosso trabalho diário, é por eles que podemos sentir o sucesso do nosso projecto na divulgação do legado Romano em Portugal.

Editorial

Ficha Técnica

O site Portugal Romano, criado a 7 de Maio de 2011, registou 180 mil visualizações no seu primeiro ano de vida, um sinal claro da importância e atenção que tem recebido por parte dos amantes do Mundo Antigo, em especial da presença romana em Portugal.

Tendo sido desde o início acarinhada pela comunidade científica e cidadãos nos seu geral, é para nós óbvio que o seu sucesso futuro depende da participação de Arqueólogos e investigadores que através destas páginas partilhem o seu conhecimento e ajudem na preservação e divulgação dos magníficos lugares onde a presença romana em Portugal marcou o território. Os números já editados da Revista atingiram 3000 download (numero 0 de Fevereiro 2012) e 1600 download (numero 1 de Abril 2012).

Todos os meses o número de visitantes cresce, sinal claro da importância do site e do lugar que ocupa na divulgação do nosso património romano… Contudo, temos consciência disso, muito locais ainda aguardam o seu lugar na base de dados da presença romana em Portugal, pelo que teremos ainda muito espaço para crescer e cativar novos visitantes.

É um orgulho para esta equipa o reflexo dos números apresentados, muito acima de qualquer expectativa estimada, que reflecte a importância que, afinal, se dá ao Património Cultural, motivo pelo que não posso deixar de agradecer a todos os que a nós se nos vão juntando na divulgação da nossa Herança Romana O caminho é longo e duro, mas a motivação nunca nos ira faltar, creiam!

Em boa hora arriscámos no lançamento da Revista «Portugal Romano.com», pois hoje ocupa um lugar até aqui vazio.

Um abraço amigo Raul Losada

Hoje dedico o meu editorial à avaliação do último ano do projecto, através do que os números espelham…

pág.

4

Direcção: Director: Raúl Losada Dir. Científica e Redactorial: Filomena Barata Dir. de Imagem e Arte: Miguel Rosenstok

Contactos: geral: portugal.romano@gmail.com

Colaboradores externos Adriaan De Man; Alicia M. Canto; Ana Patricia Magalhães; Carlos Fabião; Carlos Tavares da Silva; César Figueiredo; Inês Vaz Pinto; João Ribeiro da Silva; Joaquina Soares; Lídia Fernandes; Lino Tavares Dias; Patricia Brum; Pedro C. Carvalho; Maria Duran Kremer; Vasco Noronha Vieira.

Estatuto editorial 1. A PortugalRomano.com é uma publicação bimensal, podendo vir a tornar-se mensal, que aborda várias temáticas relacionadas com a Arqueologia e a História, com especial ênfase para

a ocupação romana do actual território português. Os princípios que aqui se descrevem também se aplicam ao site ou a qualquer outra extensão de marca PortugalRomano.com . 2. A PortugalRomano.com respeita os direitos e deveres constitucionais da Liberdade de Expressão e de Informação. 3. A PortugalRomano.com rege-se por critérios jornalísticos e científicos de Rigor e Isenção, respeitando todas as opiniões ou crenças. 4. Os jornalistas da PortugalRomano. com comprometem-se a respeitar escrupulosamente o código deontológico de jornalistas e princípios éticos dos especialistas da área da História e Arqueologia. 5. Todos os textos e imagens veiculados pela PortugalRomano.com em qualquer suporte são de autoria reconhecida. 6. A PortugalRomano.com distingue, criteriosamente, as notícias do conteúdo opinativo, reservando-se o direito de ordenar, interp- retar e relacionar os factos e acontecimentos. 7. A PortugalRomano.com comprometese a respeitar o sigilo das suas fontes de informação, quando solicitado, não admitindo, em nenhuma circunstância, a quebra desse princípio. 8. A PortugalRomano.com cumpre a Lei de Imprensa e as orientações definidas neste Estatuto Editorial e pela sua Direção. 9. A PortugalRomano.com, na sua revista, tem um Director, uma Direcção Científica e Redactorial e uma Direcção de Imagem e de Arte, podendo vir a sentir-se a necessidade de vir a ser criado futuramente um Conselho editorial. pág.

5


Festa da Arqueologia 3000 Visitantes!

A

2ª edição da Festa da Arqueologia foi um sucesso! Os 21 participantes, instituições diversas ligadas à Arqueologia, trouxeram ao espaço do Museu Arqueológico do Carmo (e casa da Associação dos Arqueólogos Portugueses), várias actividades interactivas, que permitiram conhecer melhor não só a ciência arqueológica, como as várias outras ciências que a apoiam. Depois de um fim-de-semana intenso de aprendizagem e diversão, em que a chuva deu tréguas e o sol brilhou, 3.000 visitantes de todas as idades sabem agora mais sobre os trabalhos arqueológicos, os projectos e as instituições nacionais. E partem também com excelentes sugestões de sítios arqueológicos a visitar nos próximos meses!

“Introdução ao Estudo da Terra Sigillata” Introdução ao Estudo da

Terra Sigillata Formadora:

Drª. Catarina Viegas

Uniarq (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Dias 8 e 9 de Junho de 2012

Centro de Arqueologia de Almada

pág.

6

Travessa Luís Teutónio Pereira (Cova da Piedade) email: c.arqueo.alm@gmail.com tlf: 212766975 / tlm: 967354861 www.caa.org.pt Inscrição: 35€ (geral); 30€ (estudantes e sócios CAA)

Irá realizar-se nos dias 8 e 9 de Junho de 2012, na sede do Centro de Arqueologia de Almada, na Cova da Piedade, a formação “Introdução ao Estudo da Terra Sigillata”, que terá como formadora a Prof. Doutora Catarina Viegas (Uniarq Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Tendo como público-alvo, Arqueólogos e estudantes de arqueologia, esta é uma oportunidade única de aprender, actualizar e/ou aprofundar os conhecimentos sobre este tipo cerâmico que marca a época romana. Para mais informações: c.arqueo.alm@gmail.com

II Reunião Científica no Redondo e Alandroal Municipal do Redondo e Vila do Alandroal em parceria com o Instituto de Arqueologia de Mérida da Junta de Extremadura. O programa contou com a existência de variadas palestras e debates subordinados ao tema da reunião e visita aos Sítios Arqueológicos do Caladinho e Rocha da Mina e Sitio Arqueológico dos Castelinhos do Rosário.

Decorreu nos dias 24 e 25 de Maio a

segunda edição da Reunião Científica no Redondo e Alandroal, este ano sob o tema: “As paisagens da Romanização: fortins e ocupação do território nos séc. I a. C. a I d. C.” A Reunião

promovida

Inscrição e informações: paisromana@gmail.com Outras informações: Centro Cultural de Redondo Largos Duques de Bragança, 7170-037 redondo Telef: 266 989 216 Alandroal Praça da República 7250 - 116 Alandroal 268 440 045 (Posto de Turismo de Alandroal

pela

Câmara

........................................................................................................................

Notícias

Enoteca

Rua do Castelo, 7170-055 Redondo

Fórum Cultural Transfronteiriço Rossio do Arquiz, 7250-135 Alandroal

ENTRADA LIVRE (mediante inscrição prévia)

Inscrição e Informações: paisromana@gmail.com

pág.

7


SEMINÁRIO

Braga Romana 2012

THOMAR ARQUEOLÓGICO

Irá decorrer na cidade de Tomar nos dias

2 e 3 de Junho do presente ano, ficando na expectativa de que o possam divulgar junto aos vossos contactos da forma que melhor entenderem ou se adapte aos V. objectivos, ficando eternamente gratos pelo gesto.

Organizado em parceria com o IPT – Instituto Politécnico de Tomar, conta com as intervenções de: Prof. Doutora Maria de La Salete da Ponte, que durante bastantes anos dirigiu e acompanhou diversas campanhas de intervenção arqueológica no concelho, entretanto Jubilada; Dr. Ana Carvalho Dias, arqueóloga destacada pelo IGESPAR para o Convento de Cristo e actualmente diretora do Convento, e ainda com a intervenção da Prof. Doutora Alexandra Figueiredo, Diretora da Unidade Departamental de Arqueologia, Conservação e Restauro e Património do IPT. Contaremos também com a presença da Diretora do Museu Municipal de Alvaiázere, Dra. Paula Cassiano.

Informações www.blog.thomar.org/ www.facebook.com/groups/cethomar

De 23 a 27 de Maio de 2012 decorreu a IX edição da Braga Romana 2012.

Reviver o Passado em Bracara Augusta, é viajar no tempo 2000 anos, regressar ao Império Romano, evocando o seu quotidiano como cidade-capital da província da Gallaecia. pág.

8

Nesta iniciativa, que decorre, anualmente, é recriado um mercado romano no centro histórico da cidade que é, também, palco para dois cortejos romanos, espetáculos de artes circenses, representações dramáticas, simulações bélicas, personificações mitológicas, malabarismos, interpretações musicais e danças da época de Bracara Augusta. pág.

9


Arqueólogos da Universidade de Jena (Alemanha) descobrem achado excepcional no Algarve

Um dos testemunhos judéus mais antigos da Península Ibérica Arqueólogos da Universidade de Jena (Alemanha), encontraram uma das mais antigas evidências arqueológicas da Cultura Judaica na Península Ibérica, durante escavações perto da cidade de Silves no Algarve. Numa placa de marmore, com 40cm x 60cm, podemos ler o nome “Yehiel“, seguido de outras letras ainda não decifradas. Os arqueólogos pensam que esta descoberta poderá ser uma lápide

pág.

10

funerária. A datação do achado tem como base os restos zoológicos (hastes) que se encontravam junto da inscrição.“A matéria orgânica das hastes, datada por métodos de radiocarbono, permitiu apontar com rigor para o ano de cerca de 390 AD,“ o responsável pelas escavações, Dr. Dennis Graen, da Universidade de Jena, explica: “Assim sendo, temos um «terminus ante quem» para a inscrição, pois deve ter sido

produzida antes de se ter misturado com o entulho e hastes.“ A mais antiga evidência arqueológica associada à cultura judaica no atual território português é também uma lápide com inscrição em latim e uma gravura de um menorah (candelabro com sete braços) datado de 482 AD. A mais antiga inscrição hebraica que se conhece data do século VI ou VII AD. Nos últimos três anos, uma equipa da Universidade de Jena, tem escavado uma villa romana, descoberta por Jorge Correia durante trabalhos de prospeção arqueológicas perto da Vila de São Bartolomeu de Messines (Silves). O projeto tem como objetivo estudar as economias dos habitantes da Lusitânia que habitavam no Barrocal Algarvio durante o período dos romanos. Enquanto se conhece bem a realidade costeira, as regiões do interior ainda carecem de estudos mais aprofundados. A recente descoberta soma mais um enigma aos muitos que surgiram durante as investigações. “Estávamos realmente na espectativa de encontrar uma inscrição em latim quando viramos a laje”, diz Henning Wabersich, elemento da equipa. Contudo, não foram encontradas inscrições até à data e nada se conhecia sobre a identidade dos habitantes que aqui residiram. Após longas investigações, foi possível reconhecer a língua escrita que se encontrava na laje, visto que a gravação dos caracteres não apresentam um trabalho cuidado. “Enquanto procurávamos especialistas, entre Jena e Jerusalém, para decifrar a escrita, obtivemos de Espanha uma pista” diz Dennis Graen. “Jordi Casanovas Miró, do Museu Nacional d’Art de Catalunya, Barcelona, especialista na área das inscrições hebraicas da Península Ibérica, não tem dúvidas que se lê o nome “Yehiel” – nome que surge na

Bíblia.” Neste caso, não se trata apenas de uma data excepcional, mas também de um contexto invulgar. Nunca antes se detetaram evidências judaicas numa villa romana, explica o arqueólogo de Jena. Durante o império romano, por volta da data da incrição, os judeus escreviam habitualmente em latim, com receio de represálias. O hebraico, tal como se encontra na referida laje, só passa a ser utilizado após o declínio da supremacia romana, respetivamente durante o período de migrações populacionais ocorridas durante o século VI ou VII AD. Ficamos surpreendidos com a descoberta de reminiscências de romanos – neste caso, Lusitanos romanizados – e judeus habitando juntos num contexto rural,” diz Dennis Graen. “Julgávamos que situações destas apenas ocorriam em contexto urbano”. Geralmente a informação relativa às comunidades judaicas na região provem na sua maioria de escrituras. “Durante o Concílio de Elvira, cerca de 300 AD, foram emitidas regras de conduta entre judeus e cristãos. Isto leva-nos a crer que, na Península Ibérica, a população judaica seria já bastante numerosa”, explica Dennis Graen – mas as evidências arqueológicas continuam omissas. “Temos conhecimento da presença de uma comunidade judaica na cidade de Silves durante a Idade Média. Essa comunidade esteve presente até à expulsão dos judeus no ano de 1497.” No próximo verão os arqueólogos de Jena retomarão os trabalhos. Até à data foram escavadas cerca de 160m² da villa romana, apesar de grande parte das estruturas ainda se encontrarem cobertas. “O nosso desejo é saber mais acerca das pessoas que aqui viveram,” explica Graen. “E claro que queremos responder às questões inerentes à inscrição hebraica.”

pág.

11


Revista

Ano: I Nº: 0

al

rtug a em Po

an ia Rom ueolog de Arq Revista

antuário S l a t n e Monum ua Sol deo AdltoadaLVigia o d o n a m Ro , Colares) eológico Sítio Arqu

(Praia das

Maçãs

Tempos Diferentes requerem soluções diferentes Revista Portugalromano.com, soluções de publicidade à sua medida.

a Via Roman ngóbriga o T s li u c O

Budens io Boca do R pag. 1

O Circo de Miróbriga

Mais informações:

portugal.romano@gmail.com

pág.

12

pág.

13


1. Génese

A

O Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real Por: João Ribeiro da Silva

O Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real Por: João Ribeiro da Silva

Director do Museu de Arqueologia e Numismatica de Vila Real e Museu da Vila Velha

Expositores de numismática, exposição permanente de numismática.

pág.

14

pós um século em que vários passos foram dados no sentido da criação de um museu em Vila Real – o que veio a acontecer, com o Museu Etnográfico da Província de Trás-os-Montes e Alto Douro, que fecharia as portas em 1976, e com o Museu de Geologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, aberto ao público em 1985 - em 1987 dava-se um passo fundamental para a criação de um novo museu em Vila Real. Em Outubro desse ano assinava-se um protocolo entre a Câmara Municipal e o padre João Parente, onde este se propunha doar uma colecção de moedas romanas e outros objectos artísticos e arqueológicos, comprometendo-se a autarquia a instalar a referida colecção (1) . Para proceder à respectiva instalação, a Câmara Municipal assinou um auto de cessão de imóveis com o Ministério das Finanças, em 1989, cedendo este ao Município a Torre de Quintela, Monumento Nacional desde 1910. O edifício sofrera já, entre 1982 e 1984, obras de restauro

pág.

15


e adaptação a museu, intervenções realizadas pelo então IPPC. A este facto não será estranha a localização de Quintela na paróquia de Vila Marim, cujo responsável era o padre João Parente, na altura representante do IPPC na região. Ainda assim, e após vicissitudes diversas, não foi possível instalar-se o Museu na Torre de Quintela. Somente em 1995 seria dado novo impulso à criação do museu, desta vez tendo como base a colecção doada ao Município pelo padre João Parente. O problema do local para a instalação de Museu foi resolvido com o apoio da cidade-irmã de Osnabrück (Alemanha), que comparticipou nos custos de aquisição de um edifício destinado à instalação do designado Museu de Vila Real, com sede na Casa do Caminho de Baixo, recuperando-se esse edifício cujas portas foram franqueadas ao público em 30 de Outubro de 1997. Ficou definido, previamente à abertura do MANVR ao público, que a instituição se definiria como um museu de arqueologia e numismática com carácter regional, uma vez que esse é o âmbito do acervo que o compõe. Estipulava-se ainda que, como objectivo primordial, o Museu não pode deixar de ser um ponto de partida de conhecimento e interpretação da região em que se insere, região essa muito rica em vestígios patrimoniais e com uma já longa tradição no domínio da investigação arqueológica. Partiu-se do princípio que há todo um manancial de sítios, de informação com eles relacionada e de espólio que impõe proteger, valorizar, contextualizar e divulgar, para que a população possa olhar para o seu património como uma maispág.

16

valia e como um factor de reconhecimento de uma identidade própria. Definiu-se ainda que a actuação do Museu teria como objectivos principais a extensão cultural (através da promoção de actividades de divulgação e fruição cultural, dirigidas a todos os públicos mas especialmente para as escolas), a inventariação e acervo do património a si confiado e o apoio à investigação, facultando o acesso às suas colecções para estudo, desde que asseguradas as condições de segurança para o espólio.

2. Crescimento No ano 2000 era criada a Estrutura de Projecto Rede Portuguesa de Museus (EP--RPM), cujo modelo fora definido pelo Instituto Português de Museus. Compreendendo a importância fulcral que esta Estrutura de Projecto teria no domínio da museologia, o seu papel descentralizador e, ao mesmo tempo, qualificador dos inúmeros museus existentes em Portugal, entendeu o Município que o MANVR tinha todo o interesse em lhe aderir, uma vez que reuniria as condições necessárias e poderia, futuramente, obter benefícios directos no que respeitava à sua qualificação museológica e museográfica. Em Outubro de 2001 foi aceite a adesão do MANVR à RPM. O MANVR dá a conhecer ao visitante, desde a sua abertura ao público, a Exposição Permanente de Numismática, coleccionada, estudada e exaustivamente inventariada pelo padre João Parente durante 30 anos. Essa colecção compreende cerca de 5 000 numismas,

expostos, e mais aproximadamente 32 000 em acervo. O Museu desenvolve ainda com regularidade, desde Maio de 2001, actividades educativas relacionadas directa ou indirectamente com o espólio existente (exposto ou em reserva). Para além destas actividades, tem funcionado ininterruptamente a Área de Exposições Temporárias do MANVR, que tem como finalidade divulgar aspectos relacionados com a história local, desde acontecimentos a personalidades. Para isso organizamse actividades diversificadas como exposições temporárias, conferências, palestras, refeições gastronómicas e outras acções, quase sempre acompanhadas da respectiva edição de documentos de apoio. O MANVR apresenta igualmente a Exposição Permanente de Arqueologia, desde 2006, exibindo dessa forma valioso espólio historicamente compreendido entre a Pré-História e a Romanização da Península. A maior parte do espólio referido provém de depósitos efectuados por instituições e particulares, sendo que outra parte (não menos importante) estava incluída na doação do padre João Parente. Por outro lado, desde o início de funcionamento do Museu, o Município adquiriu, por proposta do antigo Director do MANVR, algumas peças de enormíssimo valor, não só financeiro como igualmente histórico.

3. As colecções NUMISMÁTICA A colecção de numismática do MANVR

é imponente. Segundo o próprio coleccionador, “iniciou-se em Junho de 1970 com 9 «pacharricas» compradas na aldeia do Cadaval, concelho de Murça, e cresceu seleccionando as moedas diferentes e as variantes encontradas nos tesouros monetários achados em Trás-osMontes durante os últimos 25 anos”(2) . Compõem a colecção, actualmente, mais de 30.000 numismas. A mesma é composta por moedas provenientes, na sua grande maioria, da região trasmontana, sendo ainda de referir a aquisição de 79, em leilões organizados pela Sociedade Portuguesa de Numismática, com o objectivo de representar determinados tipos de moedas, reis ou imperadores considerados importantes para o discurso expositivo delineado pelo coleccionador e primeiro Director da instituição. Constituem esta colecção os numismas originários de três tesouros completos: Santulhão, Reguengo e Vila Marim, sendo que o primeiro pertence ao Distrito de Bragança e os subsequentes ao Distrito de Vila Real. Para além destes tesouros estão representadas porções significativas dos tesouros do Póio, da Campeã, de Mosteirô, de Paredes do Alvão, do Cadaval, de São Caetano e do Fiolhoso, no Distrito de Vila Real; e dos de Izeda e de Santa Maria de Émeres, no Distrito de Bragança. Para além destas estão incluídas no acervo do MANVR várias moedas provenientes de achados isolados. No mapa apresentado (Fig. 1 - pág. 18) podem ver-se os locais de achamento das moedas expostas actualmente no MANVR. O acervo numismático do MANVR está pág.

17


é diversa: uma parte considerável pertencia ao padre João Parente, tendo sido incluída no protocolo de doação. Para além desse núcleo importante, ao longo de muitos anos o padre João Parente foi recebendo inúmeros depósitos e doações, efectuados por pessoas que sabiam da sua vontade de constituir um museu. Desde 1997, após a criação oficial do MANVR, foi sempre intenção do seu Director adquirir objectos de valor arqueológico que, com alguma certeza, pertencessem geograficamente à região de Trás--os-Montes e Alto Douro. Foi baseado nessa premissa que o Município de Vila Real, entre outros objectos, adquiriu, para o MANVR, uma

pedra formosa achada na freguesia de Ribalonga (Alijó) – entretanto classificada como bem de interesse público – e um torques castrejo, proveniente de Rendufe (Valpaços), peça de excepcional valor histórico, estético e mesmo monetário. Cronologicamente, o acervo do MANVR abrange várias épocas, desde o Neolítico à Idade Média, tendo forte representação a Idade do Ferro e a Época Romana. 4. O Museu hoje Quase 15 anos depois da sua abertura ao público, o Museu tem procurado adaptar-se o melhor possível ao contexto penalizador

Fig. - 1 - Locais de achamento das moedas expostas actualmente no MANVR (3).

balizado cronologicamente entre os sécs. V a.C. e VIII d.C. No entanto, a grande maioria das moedas pertence à época do Império Romano, sendo os sécs. III e IV da nossa era os mais representados. Ainda assim podem observar-se quatro moedas gregas, uma cartaginesa, quatro hispanocartaginesas, nove ibero-romanas, oito luso-romanas, vinte e cinco hispanoromanas, um conjunto de cento e vinte e oito da República Romana, três bizantinas e vinte e três visigóticas. Está igualmente representada na colecção a maior parte das oficinas de cunhagem do Império Romano, conforme se pode observar na Figura 2 - pág 19. pág.

18

Do total da colecção foram seleccionados para a Exposição Permanente de Numismática cerca de 5.000 espécimes, considerados como representativos da sua totalidade, procurando o discurso expositivo permitir a percepção, através da quantidade de moedas expostas, da importância desta região no seio do Império Romano (5). ARQUEOLOGIA A colecção de arqueologia do MANVR tem características peculiares. De facto, é composta por objectos interessantíssimos, alguns de grande valor histórico (e mesmo financeiro) e quase todos esteticamente atraentes. A origem do acervo arqueológico

Figura 2 - Oficinas de cunhagem de moeda romana representadas na colecção do MANVR (4) .

pág.

19


crescente às actividades de Serviço Educativo e às exposições temporárias, por considerarmos serem áreas importantes para a atracção de públicos diversos e para a disseminação mais eficaz do património afecto ao Museu. A consciência de que é difícil exibir, mantendo níveis de interesse, colecções de numismática levou-nos a ter um maior cuidado na concepção de exposições temporárias. O sucesso nesta abordagem comprovou-se pela crescente busca que as exposições concebidas têm verificado, como são exemplo as exposições “A mulher romana nas moedas do museu [de Vila Real]” ou “Animais à solta no Museu”, que já foram exibidas noutros museus e escolas (Vila Pouca de Aguiar, Santo Tirso e Braga, por exemplo). Denário de Tibério, exposição permanente de numismática.

O autor não respeita, deliberadamente, o Acordo Ortográfico.

Expositor das alfaias agrícolas romanas, exposição permanente de arqueologia

que abrange todas as áreas de actividade do nosso país. Em 2011 a gestão do equipamento cultural foi transferida para a empresa municipal CULTURVAL, E.E.M., numa perspectiva de maximização de recursos e de agilização de processos. Ao mesmo tempo, o Museu passou a abrir as portas ao público todos os dias da semana (de segunda-feira a domingo). Procurou acrescentar-se um novo pólo de interesse, com a constituição de uma Loja Cultural no piso inferior do Museu, para onde se transferiu igualmente a nova entrada

principal do edifício – contornando-se, desta forma, o problema inicial que se verificava por a porta principal estar numa rua secundária e não numa avenida principal. Por outro lado, com a transição para a empresa municipal constituiu-se uma rede municipal de museus, incluindo o Museu da Vila Velha e o Museu do Som e da imagem, conseguindo-se uma muito maior articulação entre funcionários e áreas de acção, com a rotatividade de exposições a verificar-se com maior regularidade. Nos últimos anos foi dado um destaque pág.

20

Anel romano, exposição permanente de arqueologia;

pág.

21


BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA

LEGENDA

«Documento fundador do MANVR», Dossier Documentos-base do Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real, Vila Real, MANVR.

1 - «Documento fundador do MANVR», Dossier Documentos-base do Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real, Vila Real, MANVR.

PARENTE, João, Museu de Vila Real – Moedas, Tomo I, Barcelos, Ed. Câmara Municipal de Vila Real, 1997

2- PARENTE, João, Museu de Vila Real – Moedas, Tomo I, Barcelos, Ed. Câmara Municipal de Vila Real, 1997, p. 14.

PEREIRA, Isabel, «O desenvolvimento da ciência numismática na contemporaneidade: técnicas de apresentação e projectos de investigação», Actas de la VIII reunión del Comité Internacional de Museos Monetarios y Bancarios, Barcelona, Ed. MNAC, 2003.

3 - Adaptado de PARENTE, João, op. cit., p. 19.

SILVA, João Ribeiro da, O Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real entre o passado e o futuro, Dissertação de mestrado em Museologia e Património Cultural, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005.

4 - Adaptado de PARENTE, João, op. cit., p. 13. 5 - Isabel Pereira considera, após breve descrição do discurso expositivo, que “um catálogo cuidado acompanha a colecção. O rigor científico deste trabalho torna-o de referência para o estudo da circulação monetária ao Norte do Douro” (PEREIRA, Isabel, «O desenvolvimento da ciência numismática na contemporaneidade: técnicas de apresentação e projectos de investigação», Actas de la VIII reunión del Comité Internacional de Museos Monetarios y Bancarios, Barcelona, Ed. MNAC, 2003, pp. 21-30).

a re

p m Se

cer s cre

!!!

site www.portugalromano.com

185.000 visitas Facebook

7800 seguidores

Revista PortugalRomano.com

4200 leitores

pág.

22

pág.

23


A ICONOGRAFIA PRESENTE NAS LUCERNAS ROMANAS DA PRAÇA DA FIGUEIRA-LISBOA Por: Vasco Noronha Vieira

pág.

24

U

ma das grandes atracções inerentes ao estudo das lucernas romanas é a abundância de iconografia utilizada na sua decoração. São produtos profusamente comercializados por todo o império, e deste modo, tornam-se um meio de transmissão da iconografia, intimamente relacionado com o processo de romanização. Estamos perante um modelo divulgador da cultura mitológica e ideológica no seio das comunidades em pleno processo de adaptação aos costumes romanos. A análise dos motivos decorativos presentes nas lucernas encontra-se bastante referenciada em praticamente todos os estudos existentes, havendo mesmo grandes catálogos onde se pode encontrar toda uma variedade de cenas e que funcionam como base para o estudo desta temática (BAILEY, 1980; DENEAUVE, 1969). Das intervenções arqueológicas que decorreram entre as décadas de 50 e 60 por Irisalva Moita e Bandeira Ferreira, e nos finais do séc. XX por Rodrigo Banha da Silva foram recolhidos um conjunto de 342 fragmentos de lucernas, ou exemplares inteiros. De acordo com a cronologia

pág.

25


apresentada pelas formas identificadas, esta colecção engloba um período que vai do início do séc. I da nossa Era, até ao séc. III. A variedade de cenas identificadas é bastante reduzida tendo em consideração o universo da colecção. De entre as cenas de cariz religioso ou mitológico foi identificada uma representação de Baco usando os atributos associados aos banquetes ou festins nomeadamente flores, corimbos e a nébrida que o cobre. Para os romanos, Baco equivale à divindade grega Dionísio, e encarna a divindade das festas, da liberdade sexual e do vinho (Fig.1) Foi igualmente reconhecida a imagem de um Sátiro com um almofariz (Fig.2) uma cena interpretada como uma figuração dionisíaca, tratando-se de uma momento de vindima, com o Sátiro a amassar as uvas para o fabrico do vinho, recorrendo a um almofariz de grandes dimensões. A representação de Vitória alada, sobre pág.

26

uma orbe é bastante comum (Fig.3) e durante o período imperial, foi amplamente representada na arquitectura e escultura. Era igualmente bastante figurada em objectos do quotidiano, como espelhos e cerâmica, onde se incluía de forma bastante patente e comum as lucernas. Os mitos e lendas clássicos encontram-se igualmente representados neste conjunto, com destaque para a figura de Hércules a lutar contra o centauro Nesso (Fig.4), cena mitológica que corresponde ao momento do combate que ulteriormente irá provocar a morte do herói (GRIMMAL, 1951, p.329). Igualmente no contexto mitológico, podemos observar a figura de Actéon a ser devorado pelos próprios cães (Fig.5) depois da deusa Artémis o ter punido por a ter surpreendido a banhar-se nua numa nascente. A deusa transforma-o em veado, e atiça a própria matilha do caçador que o devora sem reconhecer o dono (GRIMMAL,1951, p.5).

Ulisses também se encontra representado neste conjunto, através de um episódio de A Odisseia de Homero, onde surge prostrado perante o filho Telémaco (Fig.6), depois da deusa Atena o disfarçar de mendigo para se poder aproximar do filho, após o seu regresso a Ítaca (VALÉRIO, 2009, p9). Outra representação dionisíaca demonstra a figura de um centauro carregando no dorso uma Nereida, divindade marítima (Fig.7). A vida quotidiana também está bem reconhecida dentro deste conjunto, com a representação de figuras femininas em cenas de rituais de higiene e intimidade (Figs. 8 e 9). Uma imagem interessante deste conjunto, é uma figura masculina, que se encontra preservada apenas parcialmente, com um falo de dimensões desproporcionadas, para a qual ainda não foi identificado qualquer paralelo, devido

ao facto da cena estar incompleta (Fig.10). A flora e a fauna também estão presentes neste conjunto com representações de um tigre (Fig.11), uma vieira (Fig.12) e uma cratera com uma videira e cachos (Fig.13). Extremamente comum é a figuração de rosáceas com uma esquematização simples, em que por vezes o que varia é a quantidade de pétalas (Fig.14) Existe ainda um pequeno conjunto de representações que devido ao elevado estado de fragmentação, ou desgaste, não foi possível identificar com rigor a cena figurada. As imagens presentes nas lucernas caracterizam a galeria de divindades romanas, assim como os costumes, proporcionado pelas cenas da vida privada e pública onde se incluem não só vários aspectos da vivência romana, como artes e ofícios, ou os costumes de foro mais

pág.

27


privado e íntimo, com a representação das cenas eróticas, que podem ser interpretadas como um possível amuleto para a sexualidade e intimidade dos romanos. A reprodução da fauna e flora pode igualmente integrar-se nesta ideia de difusão das ideias, pois podemos encontrar representados animais e pág. 28

plantas locais, mas de igual modo fauna exótica, que apenas parte da população dos principais núcleos urbanos do império poderiam ter acesso. Elefantes, tigres ou panteras eram certamente desconhecidos para as comunidades das províncias que não teriam acesso a estes tipos de fauna provenientes das regiões mais longínquas.

BIBLIOGRAFIA: BAILEY, D. M. (1980) – A Catalogue of the Lamps in the British Museum, Vol. II, Roman Lamps made in Italy, Londres. DENEAUVE, Jean. (1969) – Lampes de Carthage, CNRS, Paris. GRIMAL, Pierre (1999)- Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Difel, Algés. VALERIO, Miguel (2009) – Identificando Ulisses numa lucerna romana do Museu da Cidade (Lisboa), Trabalho apresentado à Cadeira de História de Arte da Antiguidade Clássica e Tardia em Portugal da licenciatura em Arqueologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. VIEIRA, Vasco N. (2011) – As Lucernas Romanas da Praça da Figueira (Lisboa) – Contributo para o conhecimento de Olisipo, Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Arqueologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.

pág.

29


O

teatro romano da cidade de Olisipo foi edificado nos inícios do séc. I, possivelmente em época do Imperador Augusto. Apesar de não existir qualquer inscrição que nos confirme esta cronologia, existem indícios suficientes para que seja considerada segura.

O Teatro romano da cidade de Olisipo Por: Raul Losada (com base nos conteúdos do site do Museu do Teatro Romano da autoria de Lídia Fernandes Coordenadora do Museu do Teatro Romano

pág.

30

Em contrapartida, encontra-se epigraficamente documentada a remodelação do teatro ocorrida em 57 d.C., comprovada pela inscrição do muro do proscaenium que refere as obras de renovação dessa mesma estrutura, bem como da orchaestra, custeadas pelo seviro augustal Caius Heius Primus. Este tipo de financiamento de obras públicas, que é antes de mais um acto de propaganda para quem as custeia, integra-se nas correntes beneméritas habituais por todo o Império, tendo em Olisipo atingido o auge na época julio-cláudia.

pág.

31


A Descoberta O Teatro romano foi descoberto em 1798, na fase de reconstrução da cidade após o terramoto de 1755. Tradicionalmente deve-se ao arquitecto italiano Francisco Xavier Fabri a sua descoberta. Apesar dos seus esforços, novos edifícios foram construídos sobre as ruínas, tendo progressivamente sido esquecida a memória de ali ter existido um teatro romano.

Para o efeito, foram demolidos vários dos edifícios que se sobrepunham ao monumento. Os trabalhos coincidiram com a parte principal do espaço cénico: a orchaestra, o hyposcaenium e primeiros degraus da cavea. Na ocasião foram recuperados inúmeros elementos arquitectónicos, alguns dos quais hoje em exposição no Museu do Teatro Romano.

Aspectos Construtivos As primeiras campanhas de escavação arqueológica iniciaram-se em 1964, com D. Fernando de Almeida e foram continuadas, entre 1965 e 1967 e por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, pela investigadora Irisalva Moita, então conservadora dos museus municipais.

pág.

32

Edificado a meio da encosta, na actual colina do Castelo de S. Jorge, a construção do teatro de Olisipo aproveitou o declive natural para o assentamento da parte inferior das suas bancadas. Os primeiros degraus da imma cavea foram talhados na rocha e a zona inferior – área da

orchaestra e hyposcaenium – foi rebaixada, desbastando-se o afloramento rochoso aí existente. Com a matéria-prima resultante desse desbaste, foram talhados grande parte dos elementos arquitectónicos que decorariam o monumento, assim como as cantarias que formavam os degraus e as estruturas feitas em opus quadratum ou semi-quadratum. O mesmo material foi utilizado para a realização do opus caementicium, empregue neste monumento de forma intensiva. O opus caementicium utilizava a pedra local, o biocalcarenito, conjuntamente com areia de rio, sobretudo quartzítica, formando um material de extrema coesão e durabilidade. Este cimento tem também a vantagem de ter uma produção rápida, não exigindo operários especializados e, sobretudo, de ser bastante mais económico que a utilização do opus quadratum, que obrigava ao talhe individual de cada um dos elementos. O emprego deste material é evidente em diversas áreas do teatro de Olisipo: - Degraus superiores da imma cavea; - Estrutura norte do aditus maximus

nascente; - Infra-estrutura do teatro: muros semicirculares; - Preenchimento dos espaços ocos deixados pelo afloramento rochoso; - Estrutura interna do muro do postcaenium. As campanhas arqueológicas de 2001, 2005 e 2006 possibilitaram a descoberta do enorme muro do postcaenium. Esta estrutura tinha uma dupla função: por um lado a de suportar a fachada cénica, de cariz simplesmente decorativo, por outro, a de sustentar a colina, de grande declive, onde o teatro se implantou. O aparecimento desta estrutura constitui um dos elementos mais importantes das últimas campanhas, permitindo esclarecer qual a solução adoptada para vencer o enorme desnível topográfico existente neste local entre a R. de São Mamede, a norte – onde se localiza o edifício cénico - e a R. Augusto Rosa, a sul – situada a cerca de 16 m de profundidade em relação à rua a anterior e que deverá respeitar uma antigo traçado viário de época romana. Foram,

assim,

construídos

grandes pág.

33


patamares ou terraços, com uma orientação sensivelmente E/W, suportados por enormes muros alicerçados no próprio afloramento rochoso. Este ambicioso projecto de engenharia, alterou e marcou até aos nossos dias a topografia desta área da cidade de Lisboa, tal como pautou algumas das soluções urbanísticas aqui adoptadas.

Aspectos Decorativos Da decoração do teatro romano de Olisipo, poucos elementos chegaram aos nossos dias. No entanto, é perceptível a diferença entre a época de fundação do teatro – inícios do séc. I – e a altura em que a orchaestra e a estrutura do proscaenium sofreram remodelações em 57 d.C, custeadas por um elemento do colégio de sacerdotes do culto Imperial. Estes actos beneméritos eram normais no Império romano, tendo as acções de propaganda realizadas no teatro romano de Olisipo, contribuído para acentuar a vocação destes edifícios públicos para tais acções. Em 57d.C. foi inaugurado um novo frons pulpitum empregando materiais e técnicas distintas das usadas anteriormente. Também a orchaestra foi pavimentada com lajes de mármore de cor cinza e rosa (as mesmas cores das usadas no muro do proscénio), formando um padrão quadrangular. Para a imagética decorativa foi escolhido o mármore branco. Os poucos exemplares pág.

34

Museu do Teatro Romano

Pátio do Aljube - Lisboa Lisboa Tel: 21 882 03 20 email: museudacidade@cm-lisboa.pt Horário Terça a Domingo das 10:00h às 13:00h e das 14:00h às 18:00h Encerra 2ª feira e feriados Visitas Guiadas Serviço de Animação e Pedagogia da Divisão de Museus e Palácios (Museu da Cidade) Tel. 21753156 Entrada gratuita. Fonte: Museu do Teatro Romano em www.museuteatroromano.pt pág.

35


O Museu O Museu do Teatro Romano de Lisboa, inaugurado em 2001, pretende dar a conhecer um dos monumentos mais emblemáticos da antiga cidade romana de Felicitas Iulia Olisipo. O espaço museológico é pertença da Câmara Municipal de Lisboa e está na dependência do Museu da Cidade.

de estatuária que sobreviveram resumemse a duas representações de sileno e um fragmento de cabeça, possivelmente masculina. A escolha deliberada da matéria-prima a utilizar em cada um dos elementos, procurou um efeito cenográfico óbvio, de características bastante distintas do empregue na fase anterior. Fustes de coluna e capitéis jónicos realizados em pedra local, biocalcarenito, que seriam depois estucados e pintados, abundam no local encontrando-se alguns em exposição no museu. Esta técnica decorativa foi frequentemente empregue antes da utilização generalizada do mármore e de outras pedras coloridas. Estes elementos, assim como outros elementos decorativos, como é o caso de frisos decorados com óvulos e lancetas (peças em reserva), pertencem à primeira fase de edificação do monumento. pág.

36

Abandono

A partir do séc. IV o teatro de Olisipo foi abandonado, não como resultado de qualquer destruição repentina ou cataclismo, mas antes por já ter cumprido a sua função. Terão sido as mudanças de gostos e de atitudes que levaram a que estes espaços fossem lentamente abandonados. Neste período, a construção de outros edifícios públicos de carácter lúdico na cidade de Olisipo, como é exemplo o circo (séc. III/IV) edificado na actual Praça D. Pedro IV (Rossio), significa antes de mais, que a população passou a preferir divertimentos de cariz mais imediato, mais emotivos e audaciosos. Após o abandono, o espaço do teatro foi sendo compartimentado e aproveitado para servir de habitação a uma população empobrecida, resultado das dificuldades económicas e da instabilidade social que caracterizaram a época tardo romana.

Este espaço engloba múltiplas áreas expositivas onde podem ser observados diversos testemunhos arqueológicos, quer referentes ao teatro romano quer a outras construções que foram sendo edificadas no local ao longo dos séculos.

A exposição permanente, dedicada exclusivamente ao teatro, está instalada num edifício seiscentista que pertenceu ao Cabido da Sé. Atravessando a porta do pátio e a Rua de S. Mamede, o espaço museográfico prolonga-se pelo outro lado da rua, onde podem ser vistas as ruínas do antigo teatro romano da cidade de Olisipo. Este último pólo museográfico culmina a viagem através de uma multiplicidade de espaços e de tempos onde a informação é dada à medida que o visitante encontra novos elementos e os visualiza in situ.

pág.

37


Sabia Que:

Uma Cidade Romana ... Por: Filomena Barata

A

Myrtilis (Mértola) Torre do Rio - Recentemente tem sido interpretado como estrutura defensiva, protegendo a atracagem das embarcações. É difícil atribuir-lhe uma cronologia, mas pode-se dizer que certamente será posterior ao século II da nossa era, podendo já ter sido edificada na Antiguidade Tardia.

pág.

38

cidade é um dos alicerces de um Império, que assenta, por um lado, na «normalização» que tenta imprimir às mais longínquas fundações, mas que se sustenta, por outro lado, à custa da diversidade local e da maximização das potencialidades regionais, faz-nos dimensionar a complexidade de questões que se levantam ao estudo da organização urbana em época de dominação romana (1). A própria Romanização não consistiu num processo de aculturação único ou unidireccional, mas numa trama complexa de interacções entre grupos de agentes muito variados. Todo este complexo processo de interacções, a variedade e diversidade infindável de situações e as estruturas urbanas pré-existentes com que os Romanos se deparam na Hispânia fez «flutuar», numa primeira fase, os estatutos administrativos dos aglomerados urbanos, a definição dos seus «territórios», das ciuitates, a unidade territorial de dimensão variável, organizada em torno de um lugarchave urbanizado, a cidade, segundo conceito utilizado por Le Roux, tratandose, em primeiro lugar, de uma divisão territorial dotada de relativa autonomia e

correspondente, nos limites do possível, a uma unidade étnica, segundo Pierre Gross e Torelli. Digamos, que o conceito engloba, portanto, o aglomerado urbano e o território sobre o qual exerce autoridade administrativa e o próprio conceito de cidadania. A noção de urbanidade, de que já os Romanos fizeram um dos pilares «civilizadores», contempla não só o fenómeno citadino propriamente dito, mas também a ideia de centros polarizadores de unidades territoriais, administrativas, económicas e produtivas que geram e partilham da dinâmica da cidade e das permutas feitas entre esta e outros «lugares centrais». À volta de um aglomerado central do ponto de vista político e económico, desenvolvemse no território pertencente à ciuitas um conjunto de actividades económicas de características fundamentalmente rústicas, pois nelas assenta maioritariamente a estrutura do Império que, gradualmente se vai tornando mais comercial. A relação entre estes «centros» e as suas «capitais» e entre eles e os seus «territórios» fornecedores dos produtos indispensáveis para a manutenção dos

pág.

39


aglomerados urbanos não é, por seu lado, estanque ou fixa no tempo, dependendo das relações de dominação militar e política que se estabelecem entre vencidos e vencedores, ou da permeabilidade que se consegue com as pré-existências culturais e económicas. Não obstante, a cidade foi, como continua a ser, o local onde se organizam modelos, onde se apreende o sistema de símbolos comuns que participam de uma determinada cultura dominante, pese a capacidade de nela serem ou não integrados, ou miscigenados, valores de outras que lhe são «alheios». A urbs foi, embora se tenha que atender ao amplo processo de adaptação entre conquistadores e conquistados, o veículo e o suporte da ordem romana dominante e do império: «um poder ecuménico cimentado em cidades e estas num corpo social hierarquizado, em cujo seio a elite perpetuava a ordem tradicional. [...]. Se para os gregos [...] não existia fora da polis espaço para a liberdade, também o sentido romano de libertas era impossível fora de uma colónia ou um município. A romanização jurídica substituía, portanto, no plano ideal o “homem bárbaro” pelo “cidadão”», utilizando as palavras de Abascal e Espinosa, e, 1989: 45, como se poderá confirmar na bibliografia específica deste tema. A criação de núcleos urbanos foi, pois, um dos veículos usados para a penetração e difusão da Romanidade, favorecida pelas elites locais, que procuravam a todo o custo manter a sua situação privilegiada, garantida ou mesmo beneficiada à medida que a municipalização desses núcleos se

pág.

40

vai alargando. É, pois, nesta relação territorial que se afirma o poder da urbs; e é nessa articulação que se enforma o conceito de ciuitas. De uma cidade, podemos, em traços largos, dizer que se conforma dos seus edifícios públicos que no Forum, o centro cívico da cidade, têm a sua maior concentração, pois é aí que se localizam os espaços administrativos e lugares de decisão, os templos, os tribunais e em redor do qual, ou nas proximidades, se localiza geralmente uma zona comercial. Obviamente, e tal como anteriormente referimos, também a estruturação do Forum se altera ao longo do tempo, salientando-se, que o período imperial assiste a um ensimesmamento do mesmo que se passa a fechar mais, pois os templos dedicados ao culto imperial também exigem essa centralidade. Mais do que em qualquer outro lugar do Império, no Ocidente, onde a arquitectura urbana se afirma tardiamente, o forum «representa o local no qual se concentram todos os símbolos da dignidade municipal, os edifícios administrativos e religiosos que definem a paisagem urbana e no qual as gerações que se sucedem, qualquer que seja o estatuto da cidade, adquirem a consciência de pertencer a uma comunidade». Os seus monumentos são a «verdadeira memória da cidade [...] da sua autonomia, e das suas relações com o poder central» , utilizando as palavras de Pierre Gros. Em termos gerais, o modelo básico de fora construídos na Hispânia, em período imperial, é caracterizado pela combinação de três elementos fundamentais: templo, praça e basílica e ainda a Cúria, edifício destinado a sede oficial do Senado do

Felicitas Iulia Olisipo (Lisboa) Claustros da Sé de Lisboa - Vestígios romanos de lojas e calçada romana com degraus datada do século I d.C.

Município ou da cidade que, gradualmente, vai perdendo a sua importância. Mas a cidade é também feita da sua estrutura viária que a organiza, quer os espaços privados e domésticos, os seus bairros ou insulae, os quarteirões de prédios que podem ter vários pisos; das suas habitações ou domus, as casas abastadas; dos seus edifícios termais ou dos balneários, garante da higiene e saúde públicas; dos seus templos ou mercados; das suas estruturas hidráulicas, garantindo o fornecimento e escoamento de águas; dos seus aquedutos, poços e cisternas; das suas actividades artesanais ou industriais, das suas olarias, instalações metalúrgicas ou piscatórias; das suas zonas comerciais, e ainda dos lugares de espectáculo através

dos quais Roma se impõe também nos seus mais longínquos territórios, fossem eles os teatros, anfiteatros ou circos. Dotadas ou não de muralhas ou portas, de plantas hipodâmicas que denunciam fundações de raiz ou precedidas de acampamentos romanos, ou de malhas urbanas menos recticuladas, adaptandose a topografias ou a fundações de épocas anteriores que inviabilizam o modelo ideal vitruviano, as cidades são, sem dúvida os grandes alicerces do Império Romano e o símbolo de um sistema organizativo religioso, social e político. Falar de Cidade, é pois, falar de uma vida intensa que, em Roma, a capital, fez concentrar tanta gente e tantas actividades que fez surgir a necessidade de criar corpos de bombeiros

pág.

41


parcerias Portugalromano.com

Associação dos Arqueólogos Portugueses www.arqueologos.pt/p_aap.html

Turismo do Alentejo - E.R.T. www.visitalentejo.pt

Bracara Augusta (Braga) Fonte do Ídolo - santuário rupestre edificado, nos inícios do século I, este monumento conservou-se, parcialmente, e é um dos locais da cidade romana mais divulgados devido ao seu cariz único.

e legislação adequada ao tráfego de veículos de transporte de mercadorias e que, em escala maior ou menor, as capitais do império quiseram mimetizar. No que respeita ao Ocidente da Península Ibérica, Roma elege três cidades onde centraliza a estruturação da sua nova realidade político Administrativa: Pax Iulia (Beja), uma colónia de cidadãos romanos; Liberalitas Iulia Ebora (Évora), uma cidade de direito latino, e Felicitas Iulia Olisipo (Lisboa), com estatuto de município, todas com o epítetos que evocavam César e as virtudes “júlias”, utilizando as palavras de Carlos Fabião (2006) - ver bibliografia disponível no link abaixo mencionado. Mas a criação da Lusitânia, provalvelmente em 16 ou 15 a.C. com a capital em Augusta Emerita (actual Mérida), fundada em 25 a.C. e a divisão em novas circunscrições

pág.

42

administrativas, os conventus, vem originar a criação de novas capitais: Augusta Emerita; Pax Iulia e Scallabis (Santarém), as três com estatuto colonial, que, por sua vez, vem originar a proliferação de núcleos urbanos de menor escala que estruturaram o território. Mas sobre essa temática das cidades da Lusitãnia, deixaremos a quem tanto ao tema se tem dedicado … Para a Bibliografia específica sobre cidades, ver: www.portugalromano.com/2011/01/ mirobriga-e-as-cidades-romanasbibliografia-por-filomena-barata/ (1) Este artigo baseia-se parcialmente na introdução da tese de mestrado da signatária, disponível em: http://independent.academia. edu/FilomenaBarata/Papers/833828/ Mirobriga_Arquitectura_e_Urbanismo

Liga dos Amigos do Sítio Arqueológico de Miróbriga www.ligadeamigosmirobriga.blogspot.com

Associação de Amigos de Tongobriga

www.amigosdetongobriga.blogspot.com

Museu Dr. Joaquim Manso www.mdjm-nazare.blogspot.com/

Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas www.museuarqueologicodeodrinhas.pt

pág.

43


Fundada

Igaedis (Idanha-a-Velha)

A mais expressiva marca do Império Romano na atual Beira Interior Idanha-a-Velha, vista de sul, com Monsanto ao fundo. Foto: Pedro C. Carvalho

pág.

44

Por: Pedro C. Carvalho

nas margens do Pônsul, numa suave colina flanqueada por um dos seus meandros, a ciuitas Igaeditanorum assumiu-se como uma espécie de ponta de lança da administração imperial nos territórios que na atualidade integram a Beira Interior. Teremos de recuar ao séc. I a.C., provavelmente à década de 30 dessa centúria, para marcarmos o despontar deste lugar – perfeitamente camuflado na paisagem, sem a exposição impositiva do cerro de Monsanto, o qual se apresentaria como o seu pano de fundo. Antes deste momento, e à luz do que atualmente se conhece, não podemos atestar o efetivo povoamento deste lugar específico. É certo que existe referência genérica ao achado em Idanha-a-Velha de alguns materiais habituais em contextos da Idade do Ferro (Almeida e Ferreira, 1964: 95-99, Est. I e II; Vilaça, 2005: 19, nota 5). Mas estes, para além de escassos, constituem materiais avulsos, desconhecendo-se o seu contexto exacto de achado. Também nas escavações que efetuámos (com o patrocínio da Câmara Municipal de pág.

45


Idanha-a-Nova) em 2007, 2008 (Carvalho, 2009) e 2009 na área do forum foram recolhidos alguns fragmentos cerâmicos cujas características de fabrico (pastas grosseiras, muito micáceas, e superfícies decoradas com estreitas bandas

esta alegada ocupação os dois tesouros monetários referenciados para Idanhaa-Velha, datados até 100 a.C. (Hipólito, 1960-61: 70; Villaronga, 1980; Faria, 19911992: 121). Quando muito, estes tesouros poderão documentar a presença do

acampamentos de Cáceres, as legiões romanas poderiam então ter percorrido um corredor natural, o mesmo que – poucas décadas depois – será seguido pela estrada imperial com paragem certa em Igaedis, capital da ciuitas Igaeditanorum.

Porta norte e pano de muralha (possivelmente do Baixo Império), parcialmente reconstruídas por uma recente intervenção. Foto de Pedro C. Carvalho

pintadas, a bege e a vermelho ocre) se distinguem claramente das habituais produções romanas, aproximando-se mais dos fabricos de “feição indígena”, vinculáveis ao mundo ibérico (Idem). Mas também estas cerâmicas, recolhidas já em contexto estratigráfico romano (tardorepublicano ou alto-imperial inicial), não provam por si só uma ocupação préromana do local. Nem sequer, por agora, poderá ser sustentada uma ocupação plenamente republicana deste lugar. Desde logo, não constituem prova para pág.

46

exército romano, talvez então distribuído por uma larga frente de conquista, a qual cruzaria esta região no dealbar da primeira centúria a.C. É ainda pelo menos tentadora a hipótese de localizar Idanha-a-Velha no corredor de passagem dos exércitos que Júlio César comandou, a partir de 61 a.C., contra o Mons Herminius e o último reduto dos Lusitanos (Díon Cássio, XXXVII, 5255), à semelhança do que – volvidos alguns anos – poderá ter ocorrido com a expedição militar dirigida pelo propretor da Ulterior, Q. Cássio Longino. Partindo dos

E neste cenário hipotético, em meados do séc. I a.C., afigura-se igualmente sedutor imaginar os primórdios da futura cidade dos Igaeditani como um lugar de estacionamento militar. Se assim fosse, a um acampamento militar teria sucedido – já sob a égide da Pax Augustana – um estabelecimento civil, corporizando assim outro modelo de ocupação territorial. Mera conjectura, porém, que não encontrou no registo arqueológico, até ao momento, qualquer elemento que a suporte. Seja como for, a fundação deste núcleo

populacional terá ocorrido no ocaso do período tardo-republicano, numa data que – para esta região a norte do Tejo – poderemos considerar recuada. Mas antes mesmo de se constituir como cidade capital – momento associado a um processo de urbanização – poderia então ter-se estabelecido como uicus, sobretudo se este conceito romano for aqui entendido não como um “aglomerado populacional secundário”, mas sim como um núcleo de carácter oficial, resultante de uma decisão institucional, levada a cabo num momento muito inicial de ocupação e estruturação do território. Um lugar com as características deste, ou mesmo dos uici que conhecemos mais a norte, na Capinha (Fundão) e na Meimoa (Penamacor), fundados muito provavelmente poucos anos mais tarde (em plena época augustana), poderão nesta zona da Hispania corporizar o entendimento que Michel Tarpin (2002) faz de uicus, enquanto “instrumento de colonização” – um uicus seria essencialmente entendido como instrumento de controlo e apropriação de zonas conquistadas; a sua fundação seria resultado de uma decisão institucional, tomada no sentido da apropriação formal e duradoura de um território, i.e., da apropriação colonizadora de um espaço; constituiriam, em algumas regiões, importantes agentes do processo de romanização. Igaedis, enquanto hipotético uicus, poderia então, nessa qualidade (transitória), corporizar o arranque de uma nova fase, marcada por um novo modelo de organização e exploração territorial. Poderia mesmo, à semelhança do que se pág.

47


Ponte Velha (sobre o Ponsul) de fundação eventualmente romana. Foto de Pedro C. Carvalho

passa noutras partes do Império (Idem: 257-259), ter ocupado o preciso lugar de um antigo castrum, após o abandono das tropas, embora – como antes referimos – não haja por agora nenhum testemunho consistente que corrobore essa presença ou estacionamento militar. Seja como for, Idanha seria então lugar ainda de poucas casas, dispostas talvez em torno de um edifício público ou de uma pequena área monumental que marcaria o carácter oficial desse estabelecimento. Ainda que habitada quase exclusivamente por indígenas, teria assim já bem patente a marca do poder imperial. Seria então o lugar escolhido pela administração romana para desempenhar um papel de

destaque no quadro de um novo modelo de ocupação destes territórios. E será precisamente durante esta fase inaugural que o lugar de Idanha – regido por magistri indígenas – estreitará os laços que o uniam à sede provincial, Emerita Augusta (Mantas, 1988: 421-423; Étienne, 1992: 359-362), ao mesmo tempo que serão lançadas as bases que sustentarão a sua eleição como cidade capital de ciuitas. Em termos arqueológicos, porém, muito pouco se encontra ainda documentado desta fase inicial. Apenas conhecemos alguns contextos associados e restos de paredes singularmente construídas em terra (nesta arquitectura em terra documentase sobretudo a taipa, mas surge também pág.

48

o adobe), as quais pertencem a um se constituirá verdadeiramente como tal. edifício (aparentemente de consideráveis Por um lado, delimitou-se o seu vasto dimensões) que será expropriado e territorium com a colocação no terreno de demolido aquando da construção do vários termini augustales – dos quais se forum (Carvalho, 2009). conhecem, para norte, os de Peroviseu A época de Augusto será absolutamente (Fundão) e de Salvador (Penamacor), decisiva para datados entre 4 e a organização 6 d.C. Por outro, romana destes t e r - s e - á territórios. A monumentalizado a c e l e r a ç ã o a sua capital – histórica pautará processo que estes anos em terá implicado torno da mudança a construção de Era. Também do forum dos aqui o poder do não Igaeditani, Imperium se imporá precisamente no de forma notória e centro mas num a todos os níveis. dos pontos mais Torre de menagem (séc. XIII) erguida sobre o podium do templo É a inevitabilidade elevados da área do forum romano. Foto de Pedro C. Carvalho da mudança que urbana. Durante as então distintamente se afirma. E esta escavações que efetuámos neste lugar mudança, sobretudo a partir deste novo em 2007 e 2008, os materiais datáveis arco de tempo, ter-se-á começado a recolhidos e estreitamente relacionados processar naturalmente, beneficiando com a construção do forum, sugeriram a de certa forma de uma adesão ou então sua inscrição precisa nos primeiros anos de uma “indiferença activa” – “activa” do séc. I d.C., sendo muito provavelmente por se revelar colaboradora – por parte contemporâneo da delimitação do da população indígena. Será assim esta territorium desta ciuitas peregrina população que também corporizará o (Carvalho, 2009). processo de mudança e que povoará os Assim sendo, cidade e território, enquanto primeiros núcleos urbanos, como Igaedis, componentes fundamentais de uma ciuitas mas sem que veja totalmente diluída (res publica, territorium e populus), serão a sua identidade, i.e., sem que perca resultado de um mesmo programa, i.e., alguns dos elos mais genuínos que a terão sido concebidos e concretizados em ligaria ao passado, ao mundo dos seus simultâneo. Desta forma, os anos 4 a 6 d.C. marcarão um momento decisivo no ascendentes. Será sob este pano de fundo plenamente processo de plena integração da Ciuitas augustano, e já nos primeiros anos da Igaeditanorum no quadro da organização nova Era, que a Ciuitas Igaeditanorum política do Império(1). Tal como serão pág.

49


também tempos decisivos para outros territórios mais setentrionais da Lusitania, como é sugerido por alguns termini (datados

de 5 a 6 d.C.) encontrados tanto mais a norte, noutra zona das Beiras, como para nordeste, na área de Salamanca (Le Roux, 1994: 48-49).

constitucional própria (Ortiz de Urbina, 2000: 150-151, 174 e 243). A atribuição do título de municipium latinum não deixaria de constituir um reconhecimento do papel de relevo que desempenhava ao serviço do Império, deixando assim para trás o estatuto

Paredes em taipa e adobe de um edifício demolido aquando da construção do forum. Foto de Pedro C. Carvalho

Escavações (2009) na esplanada do forum, junto ao podium do templo. Foto de Pedro C. Carvalho

A partir deste momento, e ao longo de todo o séc. I d.C., a Ciuitas Igaeditanorum terá fortalecido o seu papel enquanto principal centro administrativo de um vasto territorium que se estendia desde o Tejo às serras da Gardunha e da Malcata. Mas, desde logo, terá também prosperado pelo facto do seu territorium ser particularmente favorecido em recursos mineiros, sobretudo de natureza aurífera (Sánchez-Palencia y Pérez García, 2005: 267-307; Carvalho, 2007: 102-103 e 350-353). Factores geo-estratégicos e económicos terão assim convergido no sentido de a promover a principal bastião do Império na actual região da Beira Interior. Projecção que a guindaria – durante a dinastia dos Flávios – a um estatuto municipal sustentado por uma carta

pág.

50

de oppidum stipendiarium – estatuto sob o qual continuariam a ser regidas muitas outras ciuitates do norte interior da Lusitania. A notoriedade e hegemonia regional da Civitas Igaeditanorum perdurará inclusivamente no tempo, culminando em meados do séc. VI com a criação da grande diocese suévica da Egitânia (logo depois sede episcopal visigótica) e, mais tarde, com a formação da extensa kura de Laydãniyya ou Antaniya. Porém, a tranferência da sede episcopal egitaniense para a cidade da Guarda, em 1202, porá oficialmente termo a esta centralidade. (1) - Integração de certa forma também denunciada por uma epígrafe (achada em Idanha-a-Velha) que atesta uma consagração imperial, datada do ano 3 (ou inícios de 4 d.C.), gravada em honra de Caius Caesar (então herdeiro de Augusto) (cf. Mantas, 1988: 423; 2006: 59-61; Sá, 2008: 59 e 192).

Proceso de identificação de uma das paredes em taipa préforum. Foto de Pedro C. Carvalho

Bibliografia ALMEIDA, Fernando de (1956): Egitânia. História e Arqueologia, Faculdade de Letras, Lisboa. ALMEIDA, Fernando de (1964): “Antiguidades da Egitânia. Alguns achados dignos de nota”, Arqueologia e História, 8.ª série, vol. XI, Lisboa, p. 95-101. CARVALHO, Pedro C. (2007): Cova da Beira – ocupação e exploração do território na época roma¬na, Conímbriga – Anexos 4, Ed. Câmara Municipal do Fundão e Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (= 2006, Dissertação de Doutoramento em Arqueologia, policopiada). CARVALHO, Pedro C. (2009): “O forum dos Igaeditani e os primeiros tempos da Ciuitas Igaeditanorum (Idanha-a-Velha, Portugal)”, Archivo Español de Arqueología, n.º 82, CSIC, Madrid, p. 115-131. CARVALHO, Pedro C. (2010): “Construções em terra da época augustana na capital da civitas Igaeditanorum (Idanha-aVelha, Idanha-a-Nova, Portugal)”, 6 ATP, 9 SIACOT (Coimbra, Fevereiro de 2010) – CD anexo às Actas. CARVALHO, Pedro C. (2012): “Pela Beira Interior no século I d.C. – Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”, Actas V Congresso de Arqueologia do Interior Norte e Centro de Portugal. ENCARNAÇÃO, José d’ (2006): Mesurer le temps, mesurer l’espace dans la Lusitania romana”, Atti del Colloquio AIEGL – Misurare il tempo, misurare lo spazio, Borghesi, Faenza, p. 79-95. ÉTIENNE, Robert (1992): “L’horologe de la Ciuitas Igaeditanorum et la création de la province de Lusitanie”, Revue des Études Anciennes, 94 (3-4), p. 355-362. FARIA, António Marques (1991-1992): “Achados monetários em Idanha-a-Velha”, Nummus, 14/15, 2.ª série, Porto, p. 121149. HIPÓLITO, Mário Castro (1960/1961): “Dos tesouros de moedas romanas em Portugal”, Conimbriga, II-III, p. 1-166. LE ROUX, Patrick (1994): “Cités et territorires en Hispanie : l’epigraphies des limites”, Mélanges de la Casa de Velázquez, XXX (I), p. 37-51. MANTAS, Vasco G. (1988): “Orarium Donavit Igaiditanis: Epigrafia e funções urbanas numa capital regional lusitana”, 1.º Congreso Peninsular de Historia Antigua, vol. II, Universidad de Santiago de Compostela, p. 415-439. MANTAS, Vasco (2006): “Cidadania e Estatuto Urbano na Civitas Igaeditanorum (Idanha-a-Velha) ”, Biblos, vol. IV, 2.ª série, p. 49-92. ORTIZ DE URBINA, Estíbaliz (2000): “Las Comunidades Hispanas y el Derecho Latino: Observaciones sobre los procesos de integración local en la prática político-administrativa al modo romano”, Anejos de Veleia, series minor 15, Vitoria / Gasteiz. SÁ, Ana (2008): Ciuitas Igaeditanorum: os deuses e os homens, Município de Idanha-a-Nova. SÁNCHEZ-PALENCIA, Javier y PÉREZ GARCÍA, Luís Carlos (2005): “Minería romana de oro en las cuencas de los ríos Erges / Erjas y Bazágueda (Lusitania): la zona minera de Penamacor-Meimoa”, Actas das 2as Jornadas de Património da Beira Interior: Lusitanos e Romanos no Nordeste da Lusitânia, CEI / ARA, Guarda, p. 267-307. TARPIN, Michel (2002) : Uici et pagi dans l’Occident romain, collection de l’École française de Rome, n° 299, Paris-Rome. VILAÇA, Raquel (2005): “Entre Douro e Tejo, por terras do interior: o I milénio a.C.”, Actas das 2as Jornadas de Património da Beira Interior: Lusitanos e Romanos no Nordeste da Lusitânia, CEI / ARA, Guarda, p. 13-32. VILLARONGA, Leandre (1980): “Tresor de Idanha-a-Velha (Castelo Branco, Portugal) de denaris romans, ibèrics i dracmes d’Arse”, Numisma, 165-167, Madrid, p. 103-117.

pág.

51


Inscrição latina de Idanha-a-Velha:

A oferta de um relógio aos Igaeditanii Por: Carlos Fabião

Foto: Raúl Losada

pág.

52

E

sta inscrição latina, uma das mais antigas encontradas em território hoje português, é particularmente importante. Aqui estão claramente expressas algumas das principais dimensões do que normalmente se designa por Romanização. Evoca um acto de benemerência pública de um particular, a doação de um bem público, para uso de uma comunidade. O autor da doação é um dos colonos da cidade de Augusta Emerita, fundada nove anos antes, para acolher militares licenciados, veteranos das últimas guerras de conquista no norte da Península Ibérica. Os seus habitantes foram inscritos na tribo Papíria, o que significava uma vinculação (neste caso, objectivamente fictícia) ao território itálico. Com esta colónia pretendia o poder de Roma instalar um foco de difusão da cultura latina na região e, neste particular, a inscrição pode considerar-se demonstrativa de que os antigos soldados não deixaram de corresponder ao que deles se esperaria. A data da doação coincide com a da segunda viagem de Augusto à Península Ibérica, na sequência da qual teria sido criada a província da Lusitânia, com a sua capital justamente em Augusta Emerita, o que poderá não ser de todo alheio a este acto. pág.

53


Mais interessante é verificar que a doação foi recebida por quatro representantes da comunidade dos Igaeditanii, designados como “magistrados”, um dado assinalável, uma vez que a estrutura do governo local das cidades romanas tinha frequentemente esta composição: quatro magistrados, chamados quattuorviri. No caso concreto, pelos seus nomes, percebemos tratarse de indígenas e não de itálicos, o que esclarece sobre a integração das elites locais e da sua participação no processo de construção do novo mundo provincial. Atendendo a que o exercício de uma magistratura culminava na concessão da cidadania romana, para quem a não possuísse ainda, podemos supor que estes quatro varões estariam em vias de se tornar plenamente romanos, sendo

esta distinção extensível às suas famílias. Não menos significativo será o facto de se anunciar a doação por inscrição lavrada em latim, devidamente datada por referência a quem exercia o consulado em Roma. Em suma, um novo hábito, lavrar inscrição em material durável, evocando o acto; uma nova língua, o latim; uma nova maneira de marcar o calendário, pela referência a quem exercia as mais altas magistraturas na cidade de Roma. Finalmente, o facto de se tratar da oferta de um relógio, destinado a permanecer em local público, assume um especial simbolismo: uma nova maneira de medir o tempo, de marcar os ritmos do dia-a-dia. Trata-se, pois, verdadeiramente, da pública consagração do início de um novo tempo.

Q. TALLIUS. SEX[ti] F[ilius]. PAPI[ria tribu]. AVGV[sta]. ORARIVM. DONAVIT IGAIDITANIS. L[ibens]. A[nimo]. F[ecit]. PER. MAG[istros]. TOUTONI[um]. ARCI. F[ilium] MALGEINI[um]. MANLI. F[ilium] CELTI[um]. ARANTONI. F[ilium] AMMINI[um]. ATI. F[ilium] L. DOMITIO. AENOBARBO P. CORNELIO. SCIPIONE. CO[nsulibus] Tradução: Q. Tallius, filho de Sextus, da tribo Papíria, originário de Augusta Emerita, ofereceu um relógio aos Igaiditanos. Foi de livre e boa vontade que o fez, tendo recebido a doação os magistrados Toutonius, filho de Arcius, Malgeinius, filho de Manlius, Celtius, filho de Arantonius, e Amminus, filho de Atius, sendo cônsules (em Roma) L. Domitius Aenobarbus e P. Cornelius Scipione [corresponde ao ano de 16 a.C.]. pág.

54

pág.

55


Apresenta-se

CAETOBRIGA

UMA CIDADE FABRIL NA FOZ DO SADO Joaquina Soares (1) Carlos Tavares da Silva (2)

Fig.4

pág.

56

uma visão de conjunto sobre a organização funcional e o espaço físico da Setúbal romana, presumivelmente a Caetobriga referida por Ptolomeu e que tem sido consensualmente localizada na desembocadura do Sado, de acordo com o Itinerário de Antonino. Caetobriga dependia administrativamente de Salacia, principal aglomerado urbano do estuário do Sado, capital de civitas. O farol designado por “Torre dos Salakeinoi” no papiro de Artemidoro de finais do século II a. C. (Gallazi et al., 2008) é justamente localizado na desembocadura do Sado, por Jorge de Alarcão (Alarcão, 2011). Porém, o poder económico de Salacia viria a transferir-se para Caetobriga na transição para o século III (Tavares da Silva et al, 1980-81). Atenda-se, por exemplo, ao facto dos centros oleiros de

pág.

57


Barrosinha e Bugio, do círculo portuário imediato de Salacia, terem encerrado no século II (Mayet, Schmit e Tavares da Silva, 1996). A referida deslocalização do polo de desenvolvimento económico do estuário do Sado para jusante pode ter resultado da maior acessibilidade de Caetobriga quer aos recursos piscícolas, quer aos mercados consumidores de salgas e molhos de peixe, em cenário de crescente

2011; Alarcão, 2011). No auge do desenvolvimento de Tróia (século II d. C), as oficinas de salgas de peixe teriam uma capacidade de produção superior a 1400m3 (Pinto et al., 2011, fig. 39), valor actualmente sem paralelo em outros centros produtores de preparados piscícolas (Olisipo, Lixus, Baelo). As salgas da Lusitânia destinavam-se prioritariamente a exportação por via marítima e foram embaladas na ânfora tipo

dinâmica de assoreamento do rio (Freitas e Andrade, 2008). Estes factores teriam contribuído para a emergência e desenvolvimento de importante complexo “industrial” na foz do Sado integrado por Caetobriga, que possuía em Tróia – a ilha de Ácale – o seu principal núcleo fabril (Étienne, Makaroun e Mayet, 1994). Este último teria sido fundado no reinado de Tibério (Pinto et al., 2011), possivelmente por iniciativa de uma rica e influente família da Lusitânia - os Cornelii Bocchi -, na personagem de Lucius Cornelius Bocchus de Salacia (González Herrero,

Dressel 14. Mesmo com recomposição de carga e eventual mudança de vasilhame (substituição de ânforas lusitanas por béticas) no entreposto de Gades, as ânforas Dressel 14 lusitanas dominam consideravelmente as de fabrico bético nos níveis do século II de Ostia (Mayet, 2001); a sua presença nos naufrágios de San Antonio Abad (Ibiza), de SaintGervais (Bocas do Ródano), Cap Bénat I (Var) e Sud-Lavezzi III (Córsega) não deixa dúvidas quanto à rota comercial deste produto lusitano (Fig. 11). Também na Setúbal romana, o núcleo

pág.

58

fabril de salgas de peixe e olaria de ânforas da restinga arenosa da margem esquerda do esteiro do Livramento atinge o apogeu durante o Alto Império. A Caetobriga não se aplica, por agora, a noção de cidade “parasitária” e monumental. Pelo contrário, afirma-se como uma cidade portuária de grande dinamismo produtivo. A partir da segunda metade do século III (após forte

anfórico (Almagro 51c) mais produzido nas olarias do estuário do Sado durante o Baixo-Império. Numerosos centros oleiros da área de influência de Caetobriga continuam a laborar; a actividade piscatória é dirigida para espécies gregárias (sobretudo sardinha e cavala); a avaliar pelas quantidades de sal exigidas na produção

Fig.1

recessão na passagem do século II para o III), os preparados piscícolas continuam a ser o seu motor económico, o mesmo se verificando no centro de produção de salgas da ilha de Ácale; mostram capacidade para proceder a profunda reorganização da produção através de segmentação ou parcelamento dos estabelecimentos oficinais e da diversificação de salgas e molhos, entre os quais se destacaria o garum, em consonância com o tipo

Fig.2

dos molhos (garum, muria, liquamen, hallec, entre outros), a sua exploração deveria exigir um extenso salgado. Ânforas lusitanas do Baixo Império (Almagro 50 e 51c) encontraram-se em naufrágios do arco atlântico-mediterrâneo Gades-Roma-Sicília (Fig. 12). E tal como Francoise Mayet afirma quanto ao naufrágio de Cabrera III (Maiorca), muito provavelmente com carga composta em Gades, as ânforas lusitanas embalariam pág. 59


S. Domingos, observada, em 1906, por A. I. Marques da Costa, quando da abertura do túnel para a linha férrea (Tavares da Silva, 1966). Recentemente, deparámonos com o achado de um fragmento de

Fig.5

o garum lusitano, sob a designação de garum hispanum (Mayet, 2001). É também a partir do século III que adquire expressão arqueológica, na área urbana de Setúbal, a existência de uma “aristocracia” local com elevado poder financeiro, muito provavelmente associada ao controlo do comércio portuário. Referimo-nos às domus com pavimentos musivos (Figs 9 e 10) da colina de Santa Maria (Tavares da Silva, Soares e Wrench, 2010). *** Até às intervenções de arqueologia urbana desenvolvidas pelo MAEDS, no âmbito do projecto de investigação sobre as preexistências de Setúbal, a partir de meados dos anos 70 do século XX (Fig. 2), o paradigma dominante situava Caetobriga em Tróia. Os achados romanos pág. 60

Fig.3

da área urbana de Setúbal recolhidos por José Marques da Costa, em 1957 (Costa, 1960), não haviam logrado alterar aquele paradigma. Actualmente, pensamos que se trata de uma questão ultrapassada. O núcleo principal da povoação (Fig. 3) localizar-se-ia na colina de Santa Maria (cerca de 5 ha.): o fórum e os principais edifícios públicos, na área do terreiro e igreja de Santa Maria (Soares, 2000); o reservatório de água (Fig. 8) para abastecimento público, no topo da mesma colina (Tavares da Silva et al., 2010); e as domus da “aristocracia” local na suave vertente que descia em direcção à praia (Tavares da Silva, Soares e Wrench, 2010). No exterior do núcleo urbano, a nascente, localizavam-se as necrópoles (Soares, 2000), cujo conhecimento se baseia apenas na necrópole tardia da Ladeira de

ânfora romana no subsolo do cemitério de N. S.ª da Piedade, o que pode ser um indicador do prolongamento da área da necrópole romana para nascente, sob o casario do Bairro de S. Domingos e mesmo sob o actual cemitério. A restinga arenosa que da base de Santa Maria se dirige à Praça de Bocage, antiga foz da Ribª do Livramento (Soares, 2000), com cerca de 300x85m (Ruas dos Caldeireiros, Paula Borba, Januário da Silva e lado norte da Av. Luísa Todi), foi urbanizada nos seus cerca de 2,5 ha, sobretudo com oficinas de produção de salgas e molhos de peixe (Figs. 4 e 5), e olaria de ânforas (Fig. 6) (Tavares da Silva, 1996), a partir dos reinados de Tibério/ Cláudio. Na margem direita do esteiro do Livramento, localizava-se o núcleo de Troino (Fig. 3),

por enquanto mal conhecido, mas que de alguma forma poderia estar associado à salicultura. Esta deveria ser praticada nas margens mais interiores do amplo esteiro de Livramento (actual Bairro do Montalvão e Bonfim). A partir do núcleo de Troino tinha-se, igualmente, acesso às pedreiras do Viso (Soares, 1980) e à via terrestre de ligação a Olisipo. Para nascente de Caetobriga (Fig. 1), ao longo da margem direita do Sado, expandiam-se as olarias de produção de ânforas necessárias ao envasamento de largas centenas de toneladas de preparados piscícolas (Quinta da Alegria), ultrapassando mesmo a foz da Ribª. da Marateca (Zambujalinho, Pinheiro, Abul) (Mayet, Schmitt e Tavares da Silva, 1996; Mayet e Tavares da Silva, 1998 e 2002). Estes centros oleiros aliaram, numa lógica de grande racionalidade económica, a

Fig.6

pág.

61


máxima acessibilidade aos barreiros e à floresta, com a manutenção do acesso directo a transporte fluvial. Pela mesma via se chegava à provavelmente mais extensa área de salinas (sapais de Praias do Sado e Gâmbia), onde ocasionalmente têm sido recolhidos materiais anfóricos. Marginando o mar da Arrábida, com os seus portinhos e ancoradouros, foram-se estabelecendo (Fig. 1), “de costas viradas para a Serra”, oficinas de preparados

fabris arrabidinos, o aglomerado urbanoindustrial de Tróia. Este, na antiga ilha de Ácale, dotado de forte especialização mono-industrial, teria sido o principal núcleo produtivo. Aeconomia de Caetobriga, excessivamente especializada na fileira das salgas e molhos de peixe, encontrava-se muito dependente de mercados consumidores exteriores, mediados pela cidadeentreposto de Gades. Sem capacidade de defesa, reflecte as vicissitudes do Império.

Fig.8

piscícolas, como Comenda, Rasca, Creiro, baía de Sesimbra (Tavares da Silva e Soares, 1986). O complexo de produção de preparados de peixe do Baixo Sado deverá ter atingido, durante o século II, uma capacidade produtiva de vários milhares de m3, abrangendo, pois, além da cidade romana de Setúbal e dos pequenos núcleos pág. 62

Fig.7

A uma suposta primeira crise, nos alvores do Baixo Império, a que a economia local parece ter-se adaptado com sucesso, como salientámos anteriormente, pela via da segmentação e diversificação das produções piscícolas, sobreveio, nos finais do século IV e século V, o colapso deste sistema económico-social de forma pág.

63


Fig.9

tão profunda que Setúbal só voltaria a reurbanizar-se de forma consolidada a partir do século XIII/XIV (Soares, 2000). No entanto, um restrito espaço, entre as ruinas da cidade romana, terá resistido, como provam alguns achados de origem bizantina (Fig. 13), atribuíveis ao século VI, exumados em níveis de abandono de estruturas da colina de Santa Maria e Largo da Misericórdia, denunciando, pois, actividade comercial marítima de longa distância. Os recentes achados islâmicos – necrópole da Rua Francisco Augusto Flamengo (Tavares da Silva et al., 2010) –, embora configurem uma ocupação mais estável do que a anteriormente suposta, não nos permitem defender, por enquanto, a existência de um núcleo urbano bem estruturado ***

Fig.10

pág.

64

Temos defendido a correspondência da ilha de Ácale, referida na Ora Marítima de Avieno, com Tróia; a descrição que aquele texto clássico faz da envolvente da ilha está de acordo com o ambiente estuarino da mesma. Por outro lado, a hipótese de ilha reforça a dependência do núcleo de Tróia face ao aglomerado urbano da outra margem. Com efeito, Ácale dependia de Caetobriga em sal, vasilhame, materiais de construção, alimentos vegetais. Em estudo pluridisciplinar realizado para os concheiros neolíticos da Comporta (Tavares da Silva et al., 1986), os dados da malacofauna, sedimentologia e fitossociologia permitiram uma reconstituição do ambiente estuarino do

Sado que estaria aberto ao oceano na zona da Comporta. Mais recentemente, Conceição Freitas e César Andrade (2008) procederam a uma análise de tempo longo da evolução do estuário, propondo a existência de bancos e ilhas arenosas frente a Setúbal, que viriam a dar origem, em tempos recentes, à península da Tróia. Os resultados estratigráficos de algumas sondagens realizadas por um dos signatários (Carlos Tavares da Silva) na península de Tróia, na área onde se encontra implantado presentemente o cais dos ferry boats, cruzados com a distribuição dos vestígios romanos, apoiam também a ideia da existência no local de uma ilha. No âmbito do estudo de impacto ambiental para a construção do cais atrás referido, realizou-se, em 2000, a prospecção geofísica da área, por M. Posselt & Zickgraf Prospektionen Gbr (Fig. 14 e 15). As anomalias detectadas pelo levantamento magnético foram objecto de verificação arqueológica, em 2001, através da abertura de 8 sondagens, em cada uma das manchas anómalas. Todas elas se mostraram arqueologicamente estéreis. Na base das sondagens da Área 1, a cerca de 2,50-2,90m de profundidade (Fig. 16), surgiram conchas de moluscos de fácies marinha, pertencentes ao género Ervilia. Dataram-se duas dessas amostras provenientes das Sondagens 2 e 5 (Quadro 1, Fig. 17) e os resultados, estatisticamente idênticos, calibrados a 2 sigma fornecem o intervalo de 918 a 528 BC, o que nos permite afirmar que a área em apreço estaria imersa durante a Idade do Ferro, ou seja, se partirmos do princípio pág. 65


Fig.11

Fig.12

pรกg.

66

Fig.13

pรกg.

67


Fig.15 Fig.14

pรกg.

68

pรกg.

69


Fig.17

Fig.16

Fig.18

que a área posteriormente ocupada pela jazida romana já se encontrava emersa, não existiria ainda o istmo que mais tarde a viria a ligar ao continente (Fig. 18). Voltando ao intervalo cronológico obtido pelas datações radiométricas, verifica-se que sendo um terminus post quem para a formação da península, vem dar crédito à obscura fonte do périplo massaliota do pág.

70

século VI a. C. em que se terá baseado a Ora Marítima de Avieno.

pág.

71


LEGENDA Fig. 1 – Localização de Caetobriga (Setúbal) no contexto arqueológico da ocupação romana do Baixo Sado: 1 – Barrosinha; 2 – Alcácer do Sal; 3 – Bugio; 4 - Echurrasqueira; 5 – Abul; 6 – Pinheiro; 7 – Zambujalinho; 8 – Santa Catarina; 9 – Quinta da Alegria; 10 – Pedra Furada; 11 – Setúbal; 12 – Alferrar; 13 – Pedrão; 14 – Chibanes; 15 – Painel das Almas (Azeitão); 16 – Comenda; 17 – Rasca; 18 – Outão; 19 – Creiro; 20 – Sesimbra; 21 – Tróia. Seg. Tavares da Silva, et al., 2010. Fig. 2 - Principais intervenções arqueológicas desenvolvidas pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, na área urbana de Setúbal: 1 - Rua Francisco Augusto Flamengo; 2 - Travessa dos Apóstolos; 3- Rua Arronches Junqueiro 32-34; 4 - Rua Arronches Junqueiro 73-75; 5 - Rua António Joaquim Granjo; 6 - Rua António Joaquim Granjo (Casa dos Mosaicos); 7 - Travessa de João Galo; 8 - Largo da Misericórdia; 9 - Travessa de Frei Gaspar; 10 - Travessa da Portuguesa; 11 - Av. Luisa Todi (edifício BCP); 12 - Rua Major Afonso Pala; 13 - Rua Álvaro Castelões; 14 a 16 - Rua António Januário da Silva; 17 - Rua Serpa Pinto; 18 - Avenida 5 Outubro; 19 - Rua Luís de Camões; 20 - Praça de Bocage / Av. Luisa Todi (edifício Montepio); 21 - Praça de Bocage; 22 - Largo do Sapalinho; 23 - Praça de Bocage; 24 - Rua de Bocage / Rua Augusto Cardoso (edifício Benetton); 25 - Beco de Dona Maria; 26 - Av. 22 de Dezembro; 27 - Rua Augusto Cardoso; 28 - Praça Miguel Bombarda; 29 - Acácio Barradas; 30 - Rua António Maria Eusébio; 31 - Praça Machado dos Santos; 32 - Largo António Joaquim Correia; 33 – Baluarte da Conceição. Seg. Tavares da Silva, et al., 2010. Fig. 3 – Reconstituição paleogeográfica e planta funcional da Setúbal Romana. A – área residencial e cívica (colina de Santa Maria); B – necrópole (Ladeira de São Sebastião); C – área fabril (restinga); D – núcleo de Troino; E – zona húmida (exploração de sal?). Seg. Soares, 2008. Fig. 4 –Oficina de preparados de peixe da Travessa de Frei Gaspar (Setúbal) Séculos I-V. Fig. 5 – Estabelecimento fabril de salgas e molhos de peixe da Praça de Bocage (Setúbal). Séculos I-II. Fig. 6 –Planta da base de fornos de produção anfórica. Largo da Misericórdia (Setúbal). Primeira metade do século I. Fig. 7 – Travessa de João Galo (Setúbal). Cornija de grandes dimensões do século II, e sua hipotética integração em edifício público. Fig. 8 –Rua Francisco Augusto Flamengo (Setúbal). Planta parcial de reservatório de água do Baixo Império. Fig. 9 – Rua António Joaquim Granjo (Setúbal). Pavimento de mosaico da Sala II do Edifício A. Seg. Tavares da Silva et al., 2010. Fig. 10 – Rua António Joaquim Granjo. Pavimento de mosaico da Sala I do Edifício A. Seg. Tavares da Silva et al., 2010. Fig. 11 - Naufrágios do Alto Império, contendo ânforas lusitanas, Dressel 14. Seg. Mayet, 2001. 1. Naufrágio de San Antonio Abad (Conillera, Ibiza) (Dressel 14, lingotes): NAH, Arq., 6 1962, p. 177-188; ibid., 7 1963, p. 188-194. 2. Naufrágio Saint-Gervais (Fos-sur-Mer, Bouches-du-Rhône) (ânforas Dressel 14, Dressel 7/11, Dressel 20, Dressel 28, Gauloises 4, rodaneanas tardias): Archaeonautica, 2, 1978, p. 109-181. 3. Naufrágio Cap Bénat I (Var) (ânforas de Ibiza, primeira metade du século I d.C.): Cahiers d’archéologie subaquatique, 2, 1973, p. 137-145; Archaeonautica, 5, 1985, p. 152. 4. Naufrágio Sud-Lavezzi III (Corsega) (ânforas Dressel 2/4, Dressel14, Pascual 1; primeira metade do século I d.C): Gallia, 40, 1982, p. 446-450. Fig. 12 - Naufrágios do Baixo Império, contendo ânforas lusitanas. Seg. Mayet, 2001. 1. Naufrágio Cabrera I (Maiorca) (ânforas de Byzacène, Almagro 51c, Beltrán 72): V.M. Guerrero Ayuso e D. Colls Y Puig, Exploraciones arqueológicas submarinas en la Bocana del puerto de Cabrera (Baleares) Trabajos del Museo de Mallorca, 34), Palma, 1982, p. 16-18. 2. Naufrágio Cabrera III (ânforas Dressel 20 e 23, Almagro 50 e 51c, ânforas de Byzacène, Beltrán 68 e 72): Id., Ibid., p. 18-20; V. Guerrero, D. Colls e F. Mayet, Arqueología submarina: el navio romano “Cabrera III”, Revista de arqueologia, VIII, 1987, nº 4, p. 14-24; J.-P. Bost, M. Campo, D. Colls, V. Guerrero e F. Mayet, L’épave Cabrera III (Majorque). Échanges commerciaux et circuits monétaires au milieu du IIIe siècle apres Jésus –Christ (Publications du Centre Pierre Paris, 23), Paris, 1992. 3. Naufrágio Cap Blanc (Maiorca) (ânforas de Byzacène, Almagro 51c): IJNA, 5, 4, 1976, p. 347; Ostia IV, p. 278. 4. Naufrágio Port-Vendres I (Anse Gerbal, Pirineus-Orientais) (ânforas Almagro 50 e 51c, Almagro 51a-b): Gallia, 17, 1959, p. 450-451; 22, 1964, p. 475; RSL, XXXVII, 1971, p. 7-32. 5. Naufrágio Planier 7 (Marselha) (ânforas Almagro 50 e 51c e de Byzacène): Gallia, 20, 1962, p. 157-159, 161. 6. Naufrágio Pomègues (Marselha) (ânforas Almagro 50, Gaulesa 4): Archaeonautica, 2, 1978, p. 101-107. 7. Naufrágio La Chrétienne D (Agay-Anthéor, Var) (ânforas Almagro 51c): RAN, 9, 1976, p. 186-187. 8. Naufrágio Baia de Pamplona (Var) (ânforas Almagro 50 e 51c, Dressel 23, Beltrán 72 e ânforas de Byzacène): RAN, 9, 1976, p. 185-186; MEFRA, 90, 1978, p. 382. 9. Naufrágio Sud-Lavezzi I (Corsega) (ânforas Almagro 50 e 51c, Dressel 23, Beltrán 72): Gallia, 40, 1982, p. 437-444; 5, 4, 1976, p. 347. 10. Naufrágio Cap Ognina (Siracusa, Sicília) (ânforas Almagro 50, Africana I, Kapitän I e II): IJNA, 3, 1, 1974, p. 150-153; MEFRA, 93, 1981, p.376. 11. Naufrágio Marzamemi F (Sicília) (ânforas Almagro 50 e 51c, Africana IIC): IJNA, 5, 4, 1976, p. 347; OSTIA IV, p. 277-278; IJNA, 10, 4, 1981, p. 328. 12. Naufrágio Femina Morta (Ragusa, Sicília) (ânforas Almagro 51c, Africana I, IIc e IId): IJNA, 4, 2, 1975, p. 385; Kokalos, 22-23, 1976-1977, p. 627; MEFRA, 93, 1981, p. 374. 13. Naufrágio Randello (Ragusa, Sicília) (ânforas Almagro 50): A.J. Parker, Poster apresentado ao Congresso de Siena (1986): cf. p. 17, nº 18. Fig. 13 – Ânfora oriental, de proveniência egeia, que terá transportado vinho, no século VI. Rua Arronches Junqueiro (Setúbal). Fig. 14 – Tróia. Localização da área abrangida por prospecção geofísica e subsequentes sondagens arqueológicas. Fig. 15 –Tróia. Cartografia das anomalias magnéticas e das sondagens. Estas revelaram-se arqueologicamente estéreis. Na Área 1, todas as sondagens mostraram a cerca de 2,50-2,80m de profundidade um nível de fácies marinha, rico em conchas do género Ervilia. Fig. 16 – Tróia. Área 1, Sondagem 5 (13,3m x 7,5m x 2,9m). Ofereceu a seguinte sequência estratigráfica (de cima para baixo): 1 – Espessura cerca de 0,4m. Areia cinzento-escura com abundantes restos vegetais. 2 – Espessura cerca de 0,6m. Areia amarelo-clara; numerosas raízes. 3 – Espessura 0,15-0,3m. Areia de cor amarelo-torrado. 4 – Espessura 0,4-0,6m. Areia amarelo-clara, integrando finas lentículas castanho-escuras. 5 – Espessura cerca de 0,5m. Areia grosseira de cor amarelada, embalando nódulos de arenito de grão grosseiro. O nível freático aflora na base. 6 – Espessura indeterminada (escavada numa espessura de cerca de 0,3m). Areia grosseira de cor amarela, de fácies marinha, contendo conchas de Ervilia sp. Fig. 17 e Quadro 1 – Tróia. Datas radiométricas obtidas para a base das sondagens arqueológicas na zona do cais dos ferry-boats, a partir de conchas marinhas, de Ervilia sp. Calibração, com uso da curva marine 09 e delta R=0. Seg. Reimer et al., 2009; Hughen et al., 2004. Fig. 18 – Ensaio de reconstituição paleogeográfica da baía de Setúbal na Época Romana.

pág.

72

BIBLIOGRAFIA ALARCÃO, J. (2011) – Os Cornelii Bocchi, Tróia e Salacia. In J. L. Cardoso & M. Almagro-Gorbea (eds.), Lucius Cornelius Bocchus. Escritor lusitano da Idade da Prata da Literatura Latina. Lisboa-Madrid: Academia Portuguesa da História e Real Academia de la História, p. 323-347. AVIENO, R. (1992) – Ora Marítima (edição comentada por José Ribeiro Ferreira). Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos. COELHO-SOARES, A.; TAVARES DA SILVA, C. (1979) – Ânforas romanas da Quinta da Alegria (Setúbal). Setúbal Arqueológica, 5, p. 205-221. COSTA, A. I. Marques da (1930-31)- Estudo sobre algumas estações da época lusitano-romana nos arredores de Setúbal. O Archeologo Português, 29, p. 2-31. COSTA, J. Marques da (1960) - Novos elementos para a localização de Cetóbriga. Os achados romanos da cidade de Setúbal. Setúbal: Câmara Municipal. EDMONDSON, J. C. (1987) - Two industries in Roman Lusitania. Mining and garum production. Oxford: BAR International Series 362. ÉTIENNE, R.; MAYET, F. (2000) – Les salaisons et sauces de poissons hispaniques. Paris: Diffusion E. de Boccard. ÉTIENNE, R.; MAKAROUN, Y.; MAYET, F. (1994) – Un grand complexe industriel à Tróia (Portugal). Paris: Diffusion E. de Boccard. FREITAS, C.; ANDRADE, C. (2008) – O estuário do Sado. In J. Soares (coord), Embarcações tradicionais. Contexto físico-cultural do estuário do Sado. Setúbal: Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal/Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, p. 21-29. GALLAZZI, C.; KRÄMER, B.; SETTIS, S. (2008) – Il papiro di Artemidoro. Milão: LED. GONZÁLEZ HERRERO, M. (2011) – La figura de L. Cornelius L. F. Gal. Bocchus entre los Praefecti Fabrum originários de Lusitania. In J. L. Cardoso & M. Almagro-Gorbea (eds.), Lucius Cornelius Bocchus. Escritor lusitano da Idade da Prata da Literatura Latina. Lisboa-Madrid: Academia Portuguesa da História e Real Academia de la História, p. 245-258. HUGHEN, K. A.; BAILLIE, M. G. L.; BARD, E.; BAYLISS, A.; BECK, J. W.; BERTRAND, C.; BLACKWELL, P. G.; BUCK, C. E.; BURR, G.; CUTLER, K. B.; DAMON, P. E.; EDWARDS, R. L.; FAIRBANKS, R. G.; FRIEDRICH, M.; GUILDERSON, T. P.; KROMER, B.; MCCORMAC, F. G.; MANNING, S.; BRONK RAMSEY, C.; REIMER, P. J.; REIMER, R. W.; REMMELE, S.; SOUTHON, J. R.; STUIVER, M.; TALAMO, S.; TAYLOR, F. W.; PLICHT, J. van der; WEYHENMEYER, C. E. (2004) - Radiocarbon 46, p. 1059-1086. MAYET, F (2001) – Les amphores lusitaniennes. Céramiques hellénistiques et romaines, III. Paris: Presses universitaires Franc-Comtoises, p. 277293. MAYET, F.; TAVARES DA SILVA, C. (1998) – L’atelier d’amphores de Pinheiro (Portugal). Paris: Diffusion E. de Boccard. MAYET, F.; TAVARES DA SILVA, C. (2000) – La place de Tróia dans l`économie de l`Hispanie romaine. Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida (Trabalhos de Arqueologia, 14), p. 85-99. MAYET, F.; TAVARES DA SILVA, C. (2002) – L’atelier d’amphores d’Abul (Portugal). Paris: Diffusion E. de Boccard. MAYET, F.; SCHMITT, A.; TAVARES DA SILVA, C. (1996) – Les amphores du Sado (Portugal). Prospection des fours et analyse du matériel. Paris: Diffusion E. de Boccard. PINTO, I.V.; MAGALHÃES, A. P.; BRUM, P. (2011) – O complexo industrial de Tróia desde os tempos dos Cornelii Bocchi . In J. L. Cardoso & M. Almagro-Gorbea (eds.), Lucius Cornelius Bocchus. Escritor lusitano da Idade da Prata da Literatura Latina. Lisboa-Madrid: Academia Portuguesa da História e Real Academia de la História, p. 133-167. REIMER, P. J.; BAILLIE, M. G. L.; BARD, E.; BAYLISS, A.; BECK, J. W.; BLACKWELL, P. G.; BRONK RAMSEY, C.; BUCK, C. E.; BURR, G. S.; EDWARDS, R. L.; FRIEDRICH, M.; GROOTES, P. M.; GUILDERSON, T. P.; HAJDAS, I.; HEATON, T. J.; HOGG, A. G.; HUGHEN, K. A.; KAISER, K. F. KROMER, B.; MCCORMAC, G.; MANNING, S.; REIMER, R. W.; RICHARDS, D. A.; SOUTHON, J. R.; TÁLAMO, S.; TURNEY, C. S. M.; VAN DER PLICHT, J.; WEYHENMEYER, C. E. (2009) - IntCal09 terrestrial radiocarbon age calibration, 0-26 cal Kyr BP. Radiocarbon, 51, p. 1111-1150. SOARES, J. (1980) – Estação Romana de Tróia. Setúbal: Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. SOARES, J. (2000) – Arqueologia urbana em Setúbal: problemas e contribuições. Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida (Trabalhos de Arqueologia, 14) p. 101-130. SOARES, J. (coord) (2008) - Embarcações tradicionais. Contexto físico-cultural do estuário do Sado. Setúbal: Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal/Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra. SOARES, J.; TAVARES DA SILVA, C. (1986) – Ocupação pré-romana de Setúbal: escavações arqueológicas na Travessa dos Apóstolos. Actas do I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana, Setúbal, 1985 (Trabalhos de Arqueologia, 3), p. 87-101. STUIVER, M.; POLACH, H. A. (1997) - Discussion. Reporting of 14C data. Radiocarbon, 19. Tucson, p. 355-363. STUIVER, M.; REIMER, P. J. (1993) - Extended 14C data base and revised CALIB 3.0 14C age calibration. Radiocarbon, 35. Tucson, p. 215-230. TAVARES DA SILVA, C. (1966) – Necrópole luso-romana de S. Sebastião (Setúbal). Lucerna, 5, p. 572-577. TAVARES DA SILVA, C. (1996) – Produção de ânforas na área urbana de Setúbal: a oficina romana do Largo da Misericórdia. In Ocupação romana dos estuários do Tejo e do Sado (Actas das Primeiras Jornadas sobre Romanização dos Estuários do Tejo e do Sado). Seixal: CMS, p. 43-54. TAVARES DA SILVA, C.; COELHO-SOARES, A. (1980-81) – A Praça de Bocage (Setúbal) na Época Romana. Escavações arqueológicas de 1980. Setúbal Arqueológica, 6-7, p. 249-294. TAVARES DA SILVA, C.; COELHO-SOARES, A. (1987) – Escavações arqueológicas no Creiro (Arrábida). Campanha de 1987. Setúbal Arqueológica, 8, p. 221-237. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. (1986) – Arqueologia da Arrábida (col. Parques Naturais, 15). Lisboa: Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. (1993) – Ilha do Pessegueiro. Porto romano da costa Alentejana. Lisboa: Instituto da Conservação da Natureza. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; COELHO-SOARES, A. (1986) – Fábrica de salga da Época Romana da Travessa de Frei Gaspar, Setúbal. Actas do I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana, Setúbal, 1985 (Trabalhos de Arqueologia, 3), p. 155-160. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. ; WRENCH, L. N. C. (2010) – Os primeiros mosaicos romanos descobertos em Caetobriga. Musa, 3, p. 149-164. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; BEIRÃO, C. de M.; DIAS, L. F.; COELHO-SOARES, A. (1980-81) – Escavação arqueológica no Castelo de Alcácer do Sal (campanha de 1979). Setúbal Arqueológica, 6-7, p. 149-218. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; CARDOSO, J. L. ; CRUZ, C. S.; REIS, C. A. S. (1986) – Neolítico da Comporta: aspectos cronológicos (datas 14C) e paleoambientais. Arqueologia, 14, p. 59-82. TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. ; COELHO-SOARES, A. , DUARTE, S.; GODINHO, R. M. (2010) – Preexistências de Setúbal. Intervenção arqueológica na Rua Francisco Augusto Flamengo, nos. 10-12. Musa, 3, p. 165-178. VIZCAÍNO SÁNCHEZ, J. (2009) – La presencia bizantina en Hispania (siglos VI-VII). La documentación arqueológica (Antigüedad y Cristianismo, XXIV). Murcia: Universidad de Murcia.

pág.

73


N

Tongobriga O “momento” e a “maneira” de construir uma cidade no noroeste da Hispânia, periferia atlântica do Império. Por: Lino Tavares Dias

pág.

74

um lugar aparentemente inóspito, longe de tudo por estar fora de qualquer rota de estrada principal, conheci em 1980 a pequena aldeia do Freixo. Constava que havia ali uns muros diferentes, conhecidos por “capela dos mouros”. Diziam-me que nos campos vizinhos, ao longo dos tempos, apareciam pedras trabalhadas, bilhas e pratos. Entretanto, reunimos notícias publicadas por diversos autores desde o século XVIII. Iniciamos os trabalhos de escavação e a investigação não mais parou. Tongobriga foi surgindo, permitindo-nos evoluir para a análise da “construção milenar da paisagem” do território de que era capital. Não só por causa esta capitalidade mas também pela exemplaridade da atividade construtiva do homem na transformação do território, neste texto a publicar em Maio de 2012 na revista Portugal Romano, salientarei Tongobriga, desde a situação do castro do final do século I a.C., à cidade do século II d.C., sobre a qual trabalho há já mais de 30 anos (DIAS, 1997).

pág.

75


Sobre o viver do homem nos castros e, também, sobre a alteração de vida que a economia romana lhe trouxe, a uns por imposição, a outros por aculturação, saliento um texto de Aquilino Ribeiro (O Homem da Nave, 1954): “A montanha foi muito tempo o solar do homem primitivo, vagabundo relapso sem outra telha que o céu estrelado. Ali viveu séculos e séculos entre robles frondosos,

sistemática de espaços situados nos 400 metros de altitude, aí construindo casas redondas, a “construção tradicional” coberta com colmo, percecionando que eram assim feitas porque era assim que as sabiam fazer. Confrontados com esta paisagem de castros localizados em pontos altos, com as encostas cobertas por carvalhais e castanheiros(1), o romano promoveu

castanheiros que lhe davam boa sombra e castanhas, esfomeado crónico, mas livre. Um dia empurraram-no para o vale, onde era menos perigoso e onde podia prestar serviços, extraindo a cassiterite das minas, e o castelo dos altos ficou desamparado. O penedal é a ruína palacega da montanha.”

profunda reforma, bem evidenciada arqueologicamente na margem direita e na esquerda do rio Douro. Evidenciado por Estrabão no século I d.C., o homem que habitava a montanha(2) espalhava-se por dezenas de povos(3), pulverizando deste modo qualquer sistema económico que o romano quisesse aproveitar. O facto de comerem pão de bolota(4) durante grande parte do ano mostra, segundo Estrabão, a

Passando da descrição literária para a análise arqueológica, temos que evidenciar os castros nesta paisagem com a utilização pág. 76

pouca importância da agricultura entre os castrejos. Pela quantidade e amplitude das intervenções romanas no território que a investigação tem vindo a mostrar, o romano usou muito a mão-de-obra no cultivo da terra, para além da extração mineira, da construção de novos edifícios e no trabalho artesanal. Em Maio de 2012 posso afirmar que foi nas plataformas situadas em torno dos 300m de altitude que a engenharia e a arquitetura romana, desde o século I , construiu neste território as suas estruturas à “medida do corpo”(5). Tal aconteceu em Tongobriga e em muitas explorações agrárias (Villae) (6) com grande impacto na construção da paisagem, alterando-a profundamente, quer pelo corte intenso de carvalhais e soutos nas encostas, quer promovendo uma revolução na estruturação agrária com consequências ainda hoje identificáveis em algum parcelamento do território. Para além da fundação e construção de povoações e da reforma agrária, social, cultural e económica que provocaram profundas alterações na paisagem, neste território foram construídas estradas que estruturaram e o marcaram de forma determinante durante os séculos seguintes. Denoto pelo conjunto de evidências “castrejo-romanas” aquilo a que posso denominar uma “unidade de paisagem” que permite fazer uma leitura global do território, já que as estradas construídas pelos romanos foram feitas para interligar a rede de cidades com as estruturas rurais, as explorações de minas e as termas medicinais, ligando-as aos rios navegáveis como o Douro e o Tâmega e, daqui, ao mundo globalizado de então,

muito centrado no Mediterrâneo. Reconhecida em encostas e vales, esta “unidade de paisagem património” também pode ser denominada de “travessia e estruturação do território”. Associo a estas características dominantes uma amplitude cronológica que podemos encontrar “do castrejo ao romano, prolongando-se até ao tardo-romano”, já que a profunda alteração, quase se pode dizer revolução, que os romanos provocaram com a reforma agrária e consequente produção intensiva, cujos produtos circulavam nas estradas então construídas, produziu efeitos durante muito tempo. Constatamos a evidência de que este território foi cruzado desde o final do século I d.C. por infraestruturas romanas que o reordenaram e integraram num vasto território geograficamente situado no noroeste peninsular mas que administrativamente pertencia à Tarraconense (território vasto com capital na atual Tarragona). Este ordenamento integrou uma macro estratégia para a bacia hidrográfica do Douro, perspetivada em toda a sua extensão, correspondendo ao Norte da Meseta, desde a cidade de Numância, próximo da atual Sória, até à sua foz, atual Porto e Gaia e que então seriam tão só castros nas atuais zonas da Pena Ventosa e do Castelo (DIAS, 2010). Um “decreto” ditado por Augusto em Fevereiro de 15 a.C., durante a sua presença em Narbona, conhecido por “edicto del Bierzo”, permite-nos perceber alguns ensaios de organização das terras e a “vertebração” do território a norte do rio Douro, para além de induzir diferentes momentos da ocupação do que poderia constituir uma província transduriana pág. 77


(SÁNCHEZ-PALENCIA e outros, 2007,156; SÁINZ, 2005,146). Este ordenamento impulsionado pelos imperadores da dinastia Flaviana no final do século I e início do século II, é evidenciado na região em análise pela construção da via romana(7), autêntica autoestrada de então, que ligava Bracara Augusta a Emérita Augusta (atual Braga à atual Mérida na Andaluzia) e pela edificação da cidade de Tongobriga, primeira marca de urbanismo projetado neste território. A investigação arqueológica desenvolvida nas últimas décadas no noroeste da Hispânia, particularmente na bacia do rio Douro, permite reconhecer o desenvolvimento de cidades neste território periférico do Império, tais como Tiermes, Uxama, Clunia, Petavonium e Aquae Flaviae. Tongobriga, situada na periferia ocidental da Tarraconense, e que segundo Estrabão era montanhosa e de difícil circulação, foi a cidade mais ocidental na bacia do Douro, construída no final do século I e início do II d.C., onde foram aplicadas todas as regras da topografia, com as mais modernas técnicas de implantação dos edifícios públicos e privados, construídos de acordo com projetos de arquitetura de grande qualidade e técnicas de engenharia de grande rigor. Na investigação transdisciplinar que temos procurado desenvolver estamos nos domínios da proporção “vitruviana”, do desenho urbano, do projeto de arquitetura, da técnica construtiva e da cronologia. No territorium de Tongobriga, está comprovado que os arquitetos e os planeadores usaram as medidas romanas relacionadas com o corpo, especificamente pág. 78

o Digitus e o Palmus nas dimensões dos tijolos, o Pes de 0,296m na construção das paredes, o Passus de 147,9 na escala dos edifícios, o Actus de 35,52m e o Actus quadratus de 1261,44 m2 no urbanismo, o Jugerum de 2522,88m2 e a Centuria de 504576m2 nos espaços de intervenção, ambos como resposta pragmática à organização do território mas também, certamente, servindo como suporte ao cadastro e ao registo fiscal. A comparação das técnicas usadas em Tongobriga com as de outras cidades construídas depois da « paz de Augusto » mostra a « transnacionalidade » das técnicas e das políticas construtivas, independentes dos materiais graníticos ou cerâmicos. Um bom exemplo da aculturação e da apropriação dos novos gostos e modas são os tipos de casas, demonstrativos de diferentes formas de construir mas também das mudanças profundas na forma de viver.

As casas de planta circular e com cobertura em colmo, características da arquitetura castreja, são totalmente substituídas, em cerca de duas gerações, por casas(8) de arquitetura romana do tipo itálico, casas com circulação sequencial, casas de

corredor(9), casas de pátio(10), casas de impluvium central e cobertas por telha cerâmica. Os telhados foram uma das grandes inovações tecnológicas que mais marcaram a paisagem deste território. A cobertura da “casa com impluvium” em

Tongobriga é um bom exemplo(11). Com a área de 325m2, a cobertura tinha o peso de mais de 21.000kg, exigindo traves e vigas de madeira capazes de suprir vãos de 5m e de 7 metros. Mas o que mais me surpreendeu foi reconhecer a inteligência da implantação urbanística rigorosamente baseada no actus quadratus e a qualidade dos projetos dos edifícios baseados no passus, o que transmite ao sítio uma qualidade urbana visível no forum, nas termas e nas domus. Observemos uma descrição sumária de Tongobriga: Com cronologia do final do século I a.C. e do início do século I d.C., registamos a construção de uma muralha com troços retilíneos. Junto dela, a sul, o balneário do tipo pedra formosa(12). Na área interior da muralha com cerca de 13 hectares (138.000m2), estão identificadas casas de planta circular, todas com alicerces

talhados no afloramento granítico. Em período flaviano, pós Vespasiano, foi construído um conjunto de espaços e edifícios públicos que transformaram Tongobriga. Nesta fase da construção da urbe, o Actus (35,52m) foi o suporte à rede quadricular que ordenou todos os projetos e a construção, apesar da difícil implantação num terreno granítico morfologicamente acidentado. O Passus (147,9m) foi usado como modelo até ao limite do desenho, nos projetos dos edifícios. A partir de finais do séc. I e durante a primeira metade do século II identificamos as construções do Fórum, das Termas, do Teatro em espaços a sul e no exterior da primeira muralha. Por esta razão remodelaram o seu traçado, ampliando-a de modo a integrar os novos espaços,

mas salvaguardando a continuidade dos espaços de necrópole de cremação no exterior do novo traçado. A área global de espaço intramuralha passou para cerca de 21 hectares (21650m2). Ao longo do século II fizeram grandes alterações nos espaços habitacionais onde desmontaram as casas de planta circular e, nesses espaços libertados implantaram casas de tipologia romana. A rede ortogonal implantada em pág. 79


Tongobriga no século I serviu de referência às construções e remodelações feitas ao longo dos séculos II, III e IV. O edifício das Termas foi projetado e construído com os espaços “nobres” a ocuparem um actus quadratus , enquanto o fórum, com a área de cerca de 10.000m2, foi enquadrado em oito actus quadratus. Estas características foram salientadas

geomorfologia do terreno não permitia implantar na quadrícula. Este rigor de implantação confirma a exploração do desenho até ao limite, propiciandonos uma leitura amplificada das ruínas existentes embora ainda não exumadas. A amplitude de TONGOBRIGA tem permitido evidenciá-la como Civitas, entendida como cidade capital de

esta cidade assumiu a partir do século II, constituindo-se como uma das últimas a serem construídas, ao mesmo tempo que o fazia em Londres, na Hungria, na Geórgia e noutras periferias do Império. Estamos numa região montanhosa, de colinas e serras de circulação difícil, bem diferente dos espaços predominantemente mediterrânicos em que a administração romana ensaiara e instalara ao longo do século I o mesmo regime administrativo. Não temos dúvidas em limitar o territorium pelo rio Douro, separando a Província Tarraconense da Lusitania, assim como também a Serra do Marão e o rio Corgo parecem ser limites evidentes. Menos evidentes são os limites que justificadamente se apontam para espaços que atualmente se situam entre Amarante e Celorico de Basto, a norte, Lousada, Paredes e Penafiel, a oeste. Outras civitates fariam vizinhança territorial com TONGOBRIGA. Hipóteses têm sido apontadas para terras de Basto,

Legenda:

num trabalho recente realizado pelo Arqt.º Charles Rocha no âmbito de um desafio académico(13) expresso em desenho que permite apontar perspetivas muito interessantes e inovadoras. Por exemplo, depois da análise da evolução do tecido urbano suportado no actus quadratus, constatamos que foram usadas as diagonais dos actus para implantação de construções nos sítios em que a pág. 80

um territorium que lhe estava adstrito administrativamente e sobre o qual dispunha de competências políticas, para além de congregar lógicas culturais e económicas. Na ausência de documentos indicadores dos limites do territorium da civitas, procuramos elementos orientadores que nos permitam abordar “um espaço coerente” a partir da centralidade que

Penaguião ou Mesão Frio. Impondo-se pela evidência da qualidade construtiva e projetual, Tongobria, incluindo as necrópoles fora da muralha, poderia atingir a área de uma centuria, constituindo caso de estudo que propõe comparação com o resto do império e problematiza as razões profundas da aculturação(14) romana já em fase tardia (século II d.C.) e na distante periferia atlântica do Império. Entretanto, já no século VI foi implantada a basílica paleocristã num espaço central da zona habitacional, sinal evidente de que o fórum não era espaço central para a nova religião. Em suma, este Territorium Tongobricensium permite-nos entender ligações e vizinhanças históricas e perceber a forma como foi construído o território, ajudandonos a refletir sobre a forma como hoje o usamos e administramos.

(1) Estrabão no livro III da Geografia evidência a existência de Carvalhos mas não a de Castanheiros. Autores recentes confirmam a existência de castanheiros, nomeadamente Carlos Aguiar e Bruno Pinto no texto paleo-história e história antiga das florestas de Portugal continental (AGUIAR; PINTO, 2007, 38-42). Por não ser uma árvore mediterrânica, eventualmente Estrabão não refere o castanheiro porque não o conhecia. (2) “…depois, os Vetões e os Vaceus, através dos quais corre o Douro, que é vadeável por altura de Acôncia, cidade dos Vaceus. E os últimos são os Calaicos, que ocupam em grande parte as montanhas.” (ESTRABÃO, III, 3,1-3) (3) “Cerca de trinta povos ocupam a região que se situa entre o Tejo e os Ártabros. Se bem que a região fosse muito favorecida, no que respeita a frutos, animais e quantidade de ouro, prata e outros metais similares, outrora a maioria desses povos, negligenciando os meios de subsistência que a terra produzia, entregavam-se à pilhagem e viviam em guerra, quer uns com os outros, quer com os vizinhos do outro lado do Tejo, até que foram travados pelos Romanos que se tornaram submissos e reduziram a aldeias a maior parte das suas cidades, ou associaram a outras colónias que as tornaram melhores.” (ESTRABÃO, III, 3, 5) (4) “Todos os montanheses são frugais: bebem só água, dormem no chão….” “Os montanheses durante dois terços do ano alimentam-se de lande de carvalho. Secam-nas, trituram-nas, moem-nas e fazem com elas pão que pode guardar-se durante muito tempo. Bebem também cerveja. Vinho, Têm falta dele, e o pouco que logram, rapidamente o consomem nos banquetes…” “Em vez de azeite, usam manteiga.” (ESTRABÃO, III, 3, 6-7) (5) A analogia das escalas com o corpo humano é uma técnica muito usada pelos topógrafos, com ligeiras alterações e adaptações em todo o Império (CHOUQUER, 2010,56). (6) A partir da reconstituição em fotografia aérea, registamos na região algumas villae com fundi contínuos com a média de 50 hectares, embora alguns pudessem atingir 100 hectares, constituindo propriedades maiores que as apontadas por Jorge de ALARCÃO (1998, 89).

pág.

81


(7) Evidencia-se o eixo viário romano que o atravessava; vindo de Bracara Augusta, cruzava os vales de Vizela e Pombeiro, passava por ponte o rio Tâmega em Canaveses (altitude <50 metros), subia a Tongobriga (300m de altitude), atravessava o Douro em Porto Manso (altitude <50m) e, já na margem esquerda, de Porto Antigo (altitude <50 metros) subia ao longo do vale do Bestança, na margem direita deste rio, passando Montemuro. Era também uma variante desta estrada que atravessava o Douro em Aregos, depois de ligar o Gove, Arco, Aguincheiras, Curva da volta de cima, Curva da volta do meio, Vanda das Caldas, Senhor da Boa Passagem, até à margem direita do rio Douro. Este eixo, que consideramos determinante na construção e estruturação do território do século II depois de Cristo, bem ajustado à política flaviana para o Império, ligou as bacias do Douro, do Tejo e do Guadiana (8) PEDRO VEGA (1999, 55-75) aponta três tipos: casas com circulação sequencial, casas de corredor, casas de pátio. (9) Em Tongobriga identificamos este tipo de edifício na casa onde existia a oficina com forja. (10) Vitrúvio (2, 8,17) aponta a obrigação das paredes exteriores terem a espessura de “pé e meio” (29,6cm + 14,8), o que corresponde aos 44,4 cm registados nas paredes exteriores das casas “itálicas” e de “corredor” em Tongobriga. (11) Com a área de 325m2, o telhado tinha o mínimo de 1252 telhas. Cada telha recolhida em escavação tem o peso de 12,5kg, totalizando 15.650kg. Recolhemos também o imbrex com o peso de 3,97kg. Acrescia o cimento que ligava a tegulae ao imbrex e que tem o peso médio de 5,06kg. Este telhado só em materiais cerâmicos e cimento tinha o peso de 21.068kg. (12) ESTRABÃO escreveu: “Dos que habitam junto do rio Douro, alguns vivem à maneira dos Lacedemónios, untam-se duas vezes ao dia e tomam banhos de vapor que fazem com pedras ao rubro.” ( III, 3, 6) (13) Trabalho de dissertação final do Mestrado integrado em Arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, apresentado em Dezembro de 2011. (14) Segundo Christian GOUDINEAU (2007, 29-33) a palavra “romanização” foi criada em torno de 1830-1840 para indicar a passagem do estado de bárbaro para a ordem romana, assumida como paz e civilização. Este conceito evoluiu gradualmente ao longo do século XX, com incidência após a 2ª guerra. Apesar destas reflexões, atualmente é um conceito que continua a alimentar algumas discussões.

Uma peça um Museu

estatueta antropomórfica em osso

Estatueta antropomórfica de osso, proveniente da Travessa Frei Gaspar, Setúbal. Referências bibliográficas AGUIAR, CARLOS; PINTO, BRUNO (2007) Paleo-história e história antiga das florestas de Portugal continental – até à Idade Média, Floresta e Sociedade. Uma história em comum, Fundação LusoAmericana para o Desenvolvimento/Público, Lisboa, p.15-53 ALARCÃO, JORGE (1988) A Paisagem Rural Romana e Alto-Medieval em Portugal, Conímbriga, Coimbra, p. 89-119 CHOUQUER, GÉRARD (2010) La Terre dans le monde romain, editions Errance, Paris DIAS, LINO TAVARES (1997) Tongobriga, Instituto Português do Património Arquitectónico, Lisboa DIAS, LINO TAVARES (2010) Povoamento romano na bacia do Douro: A criação de cidades. Tongobriga e o territorium, Actas do Coloquio Internacional “Património Cultural y Território en el Valle del Duero, Valladolid, ppp.33-52 GOUDINEAU, CHRISTIAN (2007) Réflexions sur la Romanisation, Vivre en Europe romaine, editions Errance, Paris, p. 29-34 SÁINZ, JOSÉ SOLANA (2005) La pacificación de los pueblos del norte de Hispania, Arqueologia Militar Romana en Europa, Segóvia, p.145-163 SÁNCHEZ-PALENCIA, F. J.; FERNÁNDEZ-POSE,M.D.; OREJAS, ALMUDENA; SATRE,INÊS; RUIZ DEL ARBOL,MARIA (2007) Mineria Romana de Oro del Nooreste de Hispania, El Ejército Romano en Hispania, Léon, p. 135-156 VEGA, PEDRO F. (1999) La Casa Romana, ediciones Akal, Madrid, p. 55-75

pág.

82

Museu MEADS (Museu Etnográfico e Arqueológido de Setúbal) - Setubal Para esta peça há um paralelo proveniente das ruínas Romanas de Troia

Foto: Miguel Rosenstok

pág.

83


A Valorização das

Ruínas Romanas de Tróia (2007-2011)

Por: Inês Vaz Pinto (1) Ana Patrícia Magalhães (2) Patrícia Brum (2)

A singularidade das Ruínas Romanas de Tróia

Monumento

Nacional desde 1910, as Ruínas Romanas de Tróia foram um grande centro de produção de salgas de peixe (fig. 1), fundado na primeira metade do século I , que se transformou num aglomerado urbano com casas (fig. 2), termas (fig. 3), estruturas hidráulicas (fig. 4), necrópoles (fig. 5), um mausoléu (fig. 6) e, mais tarde, uma basílica paleocristã (fig. 7), construída nos finais do século IV ou inícios do V .

Fig. 1 - Tanques de salga da oficina de salga 1 Foto: Inês Vaz Pinto Fig. 2 - Núcleo habitacional da rua da Princesa Foto: Inês Vaz Pinto

pág.

84

pág.

85


Este complexo industrial explorava a riqueza em peixe do Atlântico e a qualidade do sal do estuário do Sado, e nele se produziam as salsamenta, o peixe salgado, e os molhos de peixe, entre os quais o famoso garum, muito citado pelos autores latinos. Envasados em ânforas, estes produtos eram levados de barco para Roma e muitas outras províncias do Império Romano. Por isso os elementos mais característicos deste sítio arqueológico são os tanques

mais completas leituras dos rituais funerários romanos, conservando vestígios de incineração e de inumação testemunhados em grandes necrópoles com sepulturas e enterramentos diversificados, em alguns casos únicos, como no caso das sepulturas semicirculares de tipo mensa e da recém descoberta sepultura tardia, com pintura mural, em que três cruzes páteas latinas ornamentam a cabeceira.

asseguravam o ciclo da produção. Com 25 oficinas de salga identificadas, e uma capacidade de produção mínima de 1398 m3, o complexo industrial de Tróia é o maior deste tipo conhecido no mundo romano. De acordo com Robert Étienne, quando descreve os centros de produção de garum, “Le plus grand ensemble de l’Occident romain, et de loin, reste la zone du détroit de Gibraltar, l’ensemble du sudouest de la péninsule Ibérique, depuis Fig. 4 - Roda de água (foto I. Vaz Pinto)

Fig. 5 - Necrópole do mausoléu (foto Miguel Costa)

Fig. 3 - Zona aquecida das termas (foto Miguel Costa)

de salga onde se colocava o peixe no sal. Estes tanques em torno de um pátio formavam “oficinas de salga”, que por sua vez se integravam em “fábricas de salga”, conjuntos de diferentes espaços que pág.

86

Málaga jusqu’à Lisbonne, avec le site le plus important actuellement connu, celui de Tróia, en face de Setúbal“ . No panorama português, as Ruínas Romanas de Tróia permitem uma das

A basílica de Tróia, por sua vez, é um dos mais importantes monumentos da época paleocristã e, de acordo com Rui Pedroso, “Le décor de la “basilique” qui couvre quatre murs entiers constitue, jusqu’à présent, du point de vue de sa surface, l’ensemble le plus important encore existant au Portugal ” . Dada a sua localização geomorfológica, as Ruínas Romanas de Tróia permitem a visão de um conjunto impressionante de edifícios, com uma volumetria notável

Fig. 6 - Interior do mausoléu (foto Miguel Costa)

graças às dunas de areia que os soterraram. Por outro lado, as consideráveis dimensões que os edifícios já escavados apresentam requerem intervenções de conservação e restauro urgentes, algumas já levadas a cabo, de forma a evitar o desmoronamento das paredes pressionadas pelas grandes dunas envolventes. Por conseguinte, as Ruínas Romanas de Tróia constituem um testemunho único da presença romana e espelham um modelo singular de ocupação e utilização do território. pág.

87


Fig. 7 - Basílica paleocristã (foto I. Vaz Pinto)

Historial da investigação As Ruínas de Tróia são conhecidas desde o século XVI, época em que Gaspar Barreiros e André de Resende a tomam pela cidade romana de Cetóbriga (Setúbal) e chamam a atenção para as suas salgadeiras onde se curava o peixe. Visitada por inúmeros estudiosos nos séculos XVII e XVIII, delas são levadas estátuas, colunas, inscrições e outras antiguidades. No séc. XVIII tem lugar a primeira escavação de que há notícia em Portugal, organizada pela Infanta D. pág.

88

Maria, futura D. Maria I. Também Frei Manuel do Cenáculo, bispo de Beja e arcebispo de Évora, um dos maiores eruditos do seu tempo, fez investigações em Tróia e recolheu peças que ainda hoje se conservam no Museu de Évora. Com o intuito de escavar Tróia surge em Setúbal, em 1849, a primeira sociedade arqueológica do país, a Sociedade Arqueológica Lusitana. Desenvolve trabalhos neste sítio arqueológico entre 1850 e 1856, essencialmente no núcleo habitacional da rua da Princesa e nas termas. Pouco depois, em 1866, Tróia é visitada

pelo escritor Hans Christian Andersen, que lhe chama “a Pompeia de Setúbal”. Nos finais do século XIX e inícios do século XX são publicados os primeiros estudos sobre as Ruínas de Tróia, com destaque para os de José Leite de Vasconcelos e Inácio Marques da Costa. Em 1948 começa uma longa série de escavações em Tróia, sob a égide da Junta Nacional de Educação, dirigidas por Manuel Heleno, professor na Faculdade de Letras de Lisboa e director do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos (hoje Museu Nacional de Arqueologia) que manterá a direcção dessa missão até 1967. Neste período é escavada a Necrópole da Caldeira, com cerca de 150 sepulturas, e são escavados vários núcleos, nomeadamente umas termas, oficinas de salga, um mausoléu e uma necrópole nas traseiras desse mausoléu. A Manuel Heleno sucede D. Fernando de Almeida, como director do Museu e igualmente das escavações de Tróia, responsabilidade que assumirá até 1976, centrando os seus trabalhos no núcleo religioso e no “Porto Romano”. Pôs a descoberto o complexo da basílica paleocristã e as oficinas de salga que o circundam, mas também uma importante necrópole com sepulturas mensae, em forma de mesa (actualmente protegida com areia), e parte de outra oficina de salga perto desta necrópole. A investigação do sítio arqueológico de Tróia deu matéria a um sem número de artigos publicados, mas os dois estudos interpretativos mais importantes são da década de 90 do século XX. O primeiro, uma monografia da autoria de Robert

Étienne, Yasmine Makaroun e Françoise Mayet intitulada Un grand complexe industriel à Tróia (Portugal) (1994), foca a importância do sítio enquanto produtor de salgas de peixe. O segundo, parte integrante da obra de Justino Maciel, Antiguidade tardia e paleocristianismo em Portugal, debruça-se sobre o núcleo religioso da basílica paleocristã. Desde os anos 70 até aos primeiros anos do novo milénio, este sítio arqueológico esteve sob a responsabilidade do arqueólogo António Cavaleiro Paixão, e em 2006, ao abrigo de um protocolo celebrado pela empresa proprietária do terreno com o Instituto Português de Arqueologia e o Instituto Português do Património Arquitectónico, constituiu-se, no troiaresort, uma equipa de Arqueologia, signatária deste artigo, com a missão de cuidar da sua conservação e valorização. O referido protocolo instituiu igualmente uma Comissão Científica com a missão de orientar, supervisar e coordenar os trabalhos arqueológicos a desenvolver neste sítio. O projecto de valorização que se apresenta neste artigo integra-se nos objectivos definidos nesse protocolo. A primeira fase de valorização Em 2007 começou-se a preparar a valorização das Ruínas Romanas de Tróia, optando por fasear essa valorização, e escolhendo a área com maior extensão de estruturas escavadas para iniciar a requalificação do sítio. Por outro lado, perante o enorme volume de trabalhos de conservação e restauro que se afiguravam necessários nesta vasta área, optou-se por executar os mais urgentes e pág.

89


abrir o sítio ao público, continuando esses trabalhos nos anos seguintes. A primeira área valorizada tem cerca de 6.500 m2 e compreende a maior fábrica de salga conhecida neste complexo industrial, as termas, o mausoléu, a necrópole do mausoléu e o núcleo habitacional da rua da Princesa (figs. 8 e 9). A requalificação desta área exigiu trabalhos de limpeza, desafogamento de areias, escavação pontual e trabalhos de conservação e restauro, de forma a permitir a instalação

empresa Nova Conservação – Restauro e Conservação do Património ArtísticoCultural, Lda., sob a responsabilidade do conservador-restaurador Nuno Proença. O projecto de arquitectura paisagista é da autoria de Hipólito Bettencourt (HB – Arquitectura Paisagista, Lda.), enquanto a sinalética, os painéis explicativos e as peças de divulgação (guia, desdobrável e folheto) foram concebidos pelo designer Francisco Providência. As reconstituições que figuram nos painéis e no guia de visita

Fig. 8 - Planta do núcleo principal das ruínas de Tróia com o novo percurso de visita

de um percurso de visita com sinalética e painéis explicativos que permitisse a sua abertura ao público. O projecto é coordenado pela equipa de arqueologia do troiaresort, que dirige e executa também todos os trabalhos arqueológicos, estando os trabalhos de conservação e restauro a cargo da pág.

90

foram da autoria do desenhador Pedro Ramos. Um dos princípios norteadores deste projecto é o respeito pelas estruturas arqueológicas, tanto em termos de conservação e restauro, recorrendo apenas à intervenção mínima que não alterasse a

volumetria das paredes, como na escolha de soluções construtivas e arquitectónicas não intrusivas, minimizando o impacto da intervenção paisagística. Nesse sentido, procurou-se materiais que não destoassem nem distraíssem a atenção do visitante das próprias ruínas através do ensaio e escolha de métodos construtivos e materiais adequados ao sítio e com texturas e cores integradas na imagem do local.

mais larga a toda a área valorizada, e um percurso curto que percorre apenas a fábrica de salga e as termas. Para assegurar a acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida, criaram-se percursos alternativos que garantissem o acesso a todos os núcleos e respectivos pontos de observação, evitando os lances de escadas em dois sítios do percurso principal, impossíveis de suprimir devido aos vestígios arqueológicos que estão por

Dada a complexidade da área a valorizar, pretendeu-se instalar um percurso de visita com várias alternativas, que formalmente não interviessem na imagem das ruínas e do seu espaço envolvente, e que permitissem ao visitante explorar o sítio sem ter que seguir um percurso obrigatório. Criou-se um percurso principal, a diferentes níveis e com diferentes perspectivas sobre o objecto arqueológico, que dá a volta

Fig. 9 - Vista aérea da área valorizada

baixo. Estes percursos estão devidamente assinalados no desdobrável facultado ao visitante à chegada. No mesmo sentido, a sinalética foi colocada a uma altura que possibilitasse a sua visualização pelas crianças e pessoas sentadas em cadeiras de rodas. No seu conjunto, este projecto implicou pág.

91


uma complexa articulação entre as várias equipas. A equipa de arqueologia teve que adaptar as intervenções arqueológicas no terreno ao projecto de arquitectura e às necessidades da conservação e restauro em termos de sondagens preparatórias, e, da mesma forma, o projecto de arquitectura teve que respeitar os constrangimentos do próprio monumento em termos de modelação do terreno. Também os trabalhos de conservação incidiram prioritariamente em áreas afectas ao novo percurso de visita de modo a permitir a sua instalação. Contou-se igualmente com a consultadoria de engenharia civil de Miguel Braga, da empresa OA4, que interveio na avaliação dos pavimentos em betonilha projectados e das soluções propostas para áreas sensíveis necessitadas de conservação e restauro. Outra opção de fundo foi que os trabalhos preparatórios fossem feitos numa óptica de investigação e de reinterpretação do sítio arqueológico, obtendo-se dados novos significativos, apresentados em reuniões científicas e publicados, ou a publicar, em actas ou revistas da especialidade. A metodologia de desenvolvimento deste projecto implicou várias etapas: Trabalhos preparatórios A área a valorizar necessitou de desmatação, limpeza e desafogamento de areias, enquanto alguns núcleos necessitaram de escavação. A oficina de salga 2, em especial, era uma das zonas mais escondidas pelas areias e em mau estado de apresentação. Em 2007, com a colaboração do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra, fez-se uma campanha de limpeza e escavação de pág.

92

tanques de salga que tinham ficado por escavar (fig. 10). Em 2008, fez-se a escavação da sua área noroeste (fig. 11), para pôr à vista a totalidade da sua planta e poder assim apresentar ao público uma oficina de salga completa. Em 2008 e 2009, para desafogamento das areias e colocação de uma contenção, procedeu-se à escavação de uma área a sudeste desta oficina, que permitiu a identificação de dois anexos da fábrica de salga em que esta se integra. Fez-se ainda, nesses anos, o desafogamento da oficina 1, para a aliviar do peso da duna situada a sudeste, e em particular libertar a escadaria de acesso ao poço que estava a ceder sob a pressão das areias. Em 2009, escavou-se uma faixa junto ao referido poço para permitir a sua conservação e restauro e abrir espaço para a implantação do passadiço de visita.

Fig. 10 - Aspecto dos trabalhos na oficina 2 em 2007 (foto I. Vaz Pinto)

Em 2010 fizeram-se várias sondagens necessárias à conservação e restauro, e concluiu-se a escavação da faixa onde iria ser implantado o acesso ao mausoléu, iniciada em 2009. Estes trabalhos, feitos com todo o rigor arqueológico, ofereceram dados muito significativos para a interpretação do sítio. Na oficina 1, junto ao poço situado no pátio, foi escavada parte de uma lixeira do segundo quartel do século V que permite datar o abandono da produção de salgas desse período. Dos trabalhos realizados nesta oficina resultou a tese de mestrado de uma das arqueólogas da

Fig. 11 - Aspecto dos trabalhos na área noroeste da oficina 2 em 2008 (foto I. Vaz Pinto)

pág.

93


equipa, Ana Patrícia Magalhães, intitulada A terra sigillata da oficina de salga 1 de Tróia: contextos de escavações antigas (1956-1961) e recentes (2008-2009), apresentada em 2011 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Para além desta tese, foram entregues para publicação alguns artigos de forma a divulgar os contextos escavados. A descoberta mais importante terá sido na faixa escavada sob o acesso ao mausoléu, onde se identificou um nível de construção da oficina 2 que adiantou para o segundo quartel do século I a fundação deste complexo de produção de salgas de peixe, revelando que é o mais antigo que actualmente se conhece no estuário do Sado . Texto interpretativo e proposta de valorização Um ponto essencial no desenvolvimento deste projecto foi a redacção de um texto interpretativo e de uma proposta de valorização preparados pela equipa de arqueologia para servir de ponto de partida e de orientação à elaboração do projecto de arquitectura paisagista e da sinalética, depois de devidamente apreciados e aprovados pela Comissão Científica. Trabalhos de conservação e restauro Os trabalhos de conservação e restauro foram o passo seguinte na execução deste projecto. Foram iniciados em 2010 e tiveram continuidade em 2011, já depois de o sítio estar aberto ao público. Deverão continuar nos próximos anos de acordo com os meios financeiros disponíveis. Confiados à Nova Conservação – Restauro e Conservação do Património pág.

94

Artístico-Cultural, Lda., os trabalhos de conservação e restauro beneficiam dos princípios que norteiam o trabalho desta empresa, que preconiza que “As adições construtivas e os materiais usados nas acções de conservação devem não só ser as mínimas necessárias para os objectivos propostos, mas também respeitar inteiramente os originais, como devem manter a diferenciação temporal da intervenção, mas integrando-se e preservando as valências estéticas e históricas existentes”, sendo o objectivo último a “melhoria das valências interpretativas e funcionais, não alterando a actual fruição do Sítio e a imagem já sedimentada e historiada.” Embora o percurso de visita esteja concluído, prosseguem os trabalhos de conservação, ao ritmo possível, pelo que a primeira fase da valorização das Ruínas Romanas de Tróia não está concluída. Projecto de arquitectura paisagista O projecto de arquitectura paisagista foi elaborado por Hipólito Bettencourt, como acima foi referido, segundo os critérios já apontados. Em termos de materiais, na construção dos percursos de visita foram conjugadas duas soluções distintas. Nas zonas planas ou levemente inclinadas, o arquitecto optou por um pavimento em betonilha com cerâmica triturada, inspirado nas argamassas romanas do próprio sítio arqueológico. Nos passadiços sobrelevados, nas escadas e nas estadias para observação dos vários núcleos, a opção foi o deck em madeira. Foi inovadora a conjugação do pavimento

em betonilha com o deck em madeira, e também o próprio pavimento em betonilha com cerâmica triturada, que foi alvo de várias experiências e feito no próprio local. Este pavimento, de cor rosada, foi feito com materiais modernos (cimento, cimento branco e tijolo de fábrica), mas

Este projecto foi devidamente aprovado pela Comissão Científica e pelo IGESPAR e custeado integralmente pelo troiaresort.

inspira-se na argamassa utilizada em vários revestimentos romanos, revelandose muito apropriado, por se conjugar bem com as estruturas romanas em termos de cor e textura (fig. 12). O percurso de visita inclui ainda três estadias com ensombramentos e bancos para descanso dos visitantes, além de um pequeno edifício de recepção com sanitários.

ao público a visita sem acompanhamento nas Ruínas de Tróia, tornaram-se absolutamente necessários painéis explicativos, colocados em sete pontos de observação, uma sinalética clara e um desdobrável que indicassem os percursos possíveis, e um guia de visita. Os painéis explicativos, o desdobrável e o guia de visita apresentam desenhos de reconstituição livre de vários núcleos

pág.

95

Concepção da sinalética, desdobrável e guia de visita Tendo em conta a opção de proporcionar


das ruínas, da autoria de Pedro Ramos, ajudando o visitante a imaginar como seriam as construções e as actividades na época romana. A produção destes materiais foi precedida da criação de um logótipo próprio das Ruínas de Tróia, que evoca a salga do peixe em tanques, e que está bem patente nos vários materiais produzidos. O logótipo foi concebido por Francisco Providência, tal como o design do desdobrável e do guia de visita. Os painéis explicativos apresentam plantas faseadas, desenhos de reconstituição das áreas a observar e textos interpretativos em português e inglês. O desdobrável é igualmente bilingue, apresentando os percursos de visita e explicações sumárias dos vários núcleos. O guia de visita tem explicações detalhadas e é profusamente ilustrado, com versões em português e inglês.

Fig. 13 - Aspecto das oficinas de salga com os passadiços instalados (foto Miguel Costa)

Obra de construção do percurso de visita A obra de construção do novo percurso de visita realizou-se entre Junho e Julho de 2010 e implicou a articulação dos vários pág.

96

trabalhos: escavação, conservação e restauro, construção dos pavimentos em betonilha e instalação dos decks em madeira. Tal como previsto na autorização do Projecto de Valorização concedida pelo IGESPAR, foi necessário efectuar o acompanhamento arqueológico de toda a obra realizada. Abertura ao público Concluída a instalação do percurso de visita em Fevereiro de 2011 com a instalação dos painéis explicativos e da sinalética, o novo percurso de visita passou a estar aberto à visita todos os sábados, e de terça-feira a sábado durante os meses de Junho, Julho e Agosto. Procura-se deste modo permitir a fruição deste espaço e ao mesmo tempo sensibilizar a população para a importância deste património, criando um novo pólo cultural que diferencia a oferta turística da região e permite a conservação e a preservação das ruínas. Está aberto em permanência à visita de escolas e grupos com marcação prévia e há um calendário de visitas guiadas dadas pelas arqueólogas responsáveis pelo sítio. No âmbito da sua política de responsabilidade social, o troiaresort faculta a visita gratuita a este Monumento Nacional a todos os grupos escolares e instituições de solidariedade social sem fins lucrativos, realizando-se regularmente actividades pedagógicas com os grupos escolares que o solicitam. A visita é ainda oferecida a todas as crianças até aos 12 anos, numa óptica de promoção da educação patrimonial.

Fig. 14 - Painel explicativo das termas em dia de visita escolar (foto Cláudia Bastos)

Exposição “Tróia Romana” Como complemento do percurso de visita, instalou-se um pequena exposição intitulada “Tróia Romana” no troiagolf, a cerca de 5 km, que funciona como centro interpretativo e mostra peças arqueológicas recolhidas nos trabalhos de escavação realizados de 2007 a 2010, dando resposta à solicitação de muitos visitantes que mostram desejo de ver peças recolhidas nas Ruínas. Por outro lado, a exposição permitiu a integração de peças recentemente descobertas, como a pintura mural da sepultura descoberta na orla que foi destacada do suporte original e reconstituída num suporte móvel (fig. 15). Esta pequena exposição pode ser visitada no troiagolf todos os dias, das 8h às 20h, de Março a Agosto, ou das 8h às 18h, de Setembro a Fevereiro. Para informações sobre as Ruínas Romanas de Tróia, consulte: www.troiaresort.pt

Fig. 15 - Exposição “Tróia Romana” no troiagolf (foto I. Vaz Pinto)

LEGENDA

(1) Equipa de Arqueologia do troiaresort, CEAUCP-CAM. (2) Equipa de Arqueologia do troiaresort. (3) PINTO, I. V.; MAGALHÃES, A. P.; BRUM, P. (2011) – O complexo industrial de Tróia desde os tempos dos Cornelii Bocchi. In CARDOSO, J. L. e ALMAGRO-GORBEA, M. (Eds.) - Lucius Cornelius Bocchus. Escritor Lusitano da Idade de Prata da Literatura Latina. Colóquio Internacional de Tróia (6-8 de Outubro de 2010). Academia Portuguesa da História. Real Academia de la Historia. Lisboa-Madrid, p. 133-167. (4) MACIEL, J. (1996) – Antiguidade tardia e paleocristianismo em Portugal. Lisboa. (5) ETIENNE, R. (2005) – Garum. Em Dictionnaire de l’Antiquité. Paris: P.U.F., p. 957. (6) PEDROSO, R. N. (2001) – “La «Basilique» de Tróia. Un décor luso-romain du IVe S. AP. J.C. ”, La peinture funéraire antique, Alix Barbet (dir.), Actes du VIIe colloque de l’association internationale pour la peinture murale antique (AIPMA), Saint-Romain-en-Gal-Vienne. Paris, p. 305.

pág.

97


FOTO-REPORTAGEM

estação ARQUEOLÓGICa DO CREIRO SETÚBAL - ABRIL DE 2012 Por: Miguel Rosenstok

pág.

98

pág.

99


pág.

100

© Miguel Rosenstok - 2012

pág.

101


pág.

102

© Miguel Rosenstokpág. - 2012103


pรกg.

104

pรกg.

105


A

Resenha sobre defesas urbanas tardias da Lusitânia Por Adriaan De Man Idanha-a-Velha

pág.

106

o longo de duas ou três décadas do período romano tardio, determinadas cidades foram alvo de uma renovação urbanística importante, instigada por abundante legislação imperial. Um dos aspectos mais monumentais deste fenómeno consistiu na construção de novas muralhas, que geralmente afectaram zonas públicas mas também residenciais, causando assim múltiplos problemas na vida quotidiana dos respectivos habitantes. Mesmo em teoria, transformações desta magnitude dificilmente seriam gratuitas, tendo sido procuradas, ao longo do tempo, diferentes explicações plausíveis para ela (no contexto hispânico, veja-se em particular Richmond 1931 ou Balil 1960; para interpretações actuais, uma série de textos de Fernández Ochoa e Morillo Cerdán, p. ex. 2005). A que por

pág.

107


vezes ainda persiste é a da relação com as pressões bárbaras, numa perspectiva historiográfica carregada de dramatismo, hoje impossível de manter. Em finais do século III o problema simplesmente não existia, pelo menos não da forma em que, mais de cem anos depois, viria a concretizar-se. Por volta do ano 300, nenhum habitante da Lusitânia consideraria sequer a hipótese dos problemas com que os seus descendentes viriam a lidar a partir de 409, e por conseguinte não construiria defesas para o efeito. Mesmo

concluir que as cidades em questão são relativamente pequenas. Grandes capitais lusitanas, como Mérida ou Beja, não foram refortificadas nesta época, mas apenas em fases pós-romanas e sem afectar o recinto original, algo muito bem observável no primeiro caso (Alba 2004; Mateos 2004). O facto de muitas das cidades lusitanas de média dimensão, muralhadas sob os tetrarcas (como Conimbriga, Idanha, Viseu, Cáceres, Coria, Coimbra e várias outras) terem acabado por adquirir uma

de receitas próprias, bem com aos muito comuns trabalhos compulsivos. Mas em nenhuma lei se refere uma obrigatoriedade de construção de muralhas, nem qualquer género de envolvimento imperial directo, sendo apenas concedidas facilidades destinadas a obras públicas não

Faro

Coninbriga

já em finais do século IV, uma quantidade muito grande de cidades próximas do Reno e Danúbio não dispunha de muralhas novas, o que anula quase por completo a pura concepção estratégica militar, de “defesa em profundidade” (Luttwak 1979), que aliás se apoia em noções modernas, inexistentes na Antiguidade. Outra observação dos factos leva a pág.

108

Cáceres

relevância tardo-antiga e alto-medieval, quase sempre até como centros episcopais, não pode ser usado como argumento retrospectivo para explicar a sua construção original. Esta deve ser entendida num contexto imperial específico, no qual as cidades poderiam realizar este investimento, recorrendo à retenção fiscal e à canalização

especificadas, e à genérica renovação de monumentos urbanos. Em toda esta dinâmica poderia existir também uma certa dimensão competitiva entre centros ainda tecnicamente equivalentes. Uma cidade capaz de erigir uma muralha passava a deter um novo estatuto, em particular perante os seus vizinhos imediatos. Um exemplo gráfico seria o contraste entre Conimbriga e Collipo, sítios que nos princípios do Alto Império não difeririam muito em termos de localização geográfica e exposição aos circuitos comerciais, mas cujo destino último não poderia ter sido mais desigual (a primeira mantém-se como centro episcopal visigótico até finais do s. VI; para o declínio precoce de Collipo vide Bernardes 2007). Pondo a questão em termos algo simplistas, os núcleos urbanos

que não quiseram, ou não conseguiram, investir em muralhas durante a tetrarquia acabaram por perder, com notável rapidez, toda a relevância administrativa num mundo pós-romano, com apenas algumas excepções à regra. Na Lusitânia, tal como noutros lados,

Évora

as defesas urbanas tardias só podem ser olhadas numa relação com novas realidade fiscais, em particular a recolha anonária cada vez mais obsessiva, e com novos paradigmas securitários de pequena amplitude. Há, de novo, vários elementos legais que enquadram neste cenário. Em suma, a pequena cidade amuralhada servia propósitos fiscais, logísticos e de policiamento, numa dimensão regional (a ideia encontra-se desenvolvida em De Man 2011). É de descartar o seu desígnio militar, contrastando neste aspecto com outras regiões, onde funcionaram guarnições permanentes em cidades fortificadas. Nota: as imagens tanto ilustram troços originais (Viseu, na Rua Formosa, e Mérida, na Alcazaba) como reconstruções medievais de muralhas tardo-romanas.

pág.

109


Referências ALBA CALZADO, M. (2004) “Evolución y final de los espacios romanos emeritenses a la luz de los datos arqueológicos (pautas de transformación de la ciudad tardoantigua y altomedieval)”, in Augusta Emerita. Territorios, Espacios, Imágenes y Gentes en Lusitania Romana, Monografías Emeritenses 8, Mérida: Museo Nacional de Arte Romano, p. 207-255 BALIL, A. (1960) “La defensa de Hispania en el Bajo Imperio”, in Zephyrus XI, 1 – 2, Salamaca: Universidad de Salamanca, p. 179-197 BERNARDES, J. P. (2007) “A Ocupação Romana na Região de Leiria”, Far: Universidade do Algarve DE MAN, A. (2011) “Defesas Urbanas Tardias da Lusitânia”, Studia Lusitana 6, Mérida: Museo Nacional de Arte Romano FERNÁNDEZ OCHOA, C.; MORILLO CERDÁN, A. (2005) “Walls in the urban landscape of late Roman Spain: defense and imperial strategy”, Hispania in Late Antiquity, Current Perspectives, Leiden: Brill, p. 299340. LUTTWAK, E. N. (1979) “The Grand Strategy of the Roman Empire, From the First Century A. D. to the Third”, Baltimore – London: The Johns Hopkins University Press MATEOS CRUZ, P. (2004) “Topografía y evolución urbana”, Mérida, Colonia Augusta Emerita, Las Capitales Provinciales de Hispania 2, Roma: L’Erma di Bretschneider, p. 27-39

Mérida pág.

110

RICHMOND, I. A. (1931) “Five town-walls in Hispania Citerior”, The Journal of Roman Studies, vol. 21, London: Society for the Promotion of Roman Studies, p. 81-100

pág.

111


Museus Nacionais com acervo do Algarve Por Filomena Barata

T

Foto: Ávaro Rosendo

pág.

112

Lucernas. Faro. Horta do Pinto. Época romana, século I. Faro, Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique. Comp. máx. 130 mm; comp. mín. 80 mm.

endo em mente o dia dos Museus, data escolhida para a apresentação pública de mais uma revista do Portugal Romano, escolho dedicar este artigo aos Museus nacionais com acervo arqueológico preveniente do Algarve. Isto porque a temática dos Museus é fundamental para o Projecto Portugal Romano e porque tantas vezes reflectimos, para além da sua vocação, enquanto “depósitos de memória”, sobre os seus aspectos formativos, educativos e de conservação, bem como a importância da gestão dos seus acervos, tantas vezes, dando corpo e coesão ao inúmero conjunto de colecções que se encontram dispersas por todo o país com a mesma proveniência ou de territórios com afinidades ou proximidade.

pág.

113


Assim, tal como já referimos em anterior Revista Portugal Romano, nº 0, uma vez que nunca se constituiu o «Museu do Algarve», o sonho tristemente gorado de Estácio da Veiga, pese a dedicação e labor de uma vida (Ver artigo sobre o Museu do Algarve na Revista «Portugal Romano, nº 0), as colecções de arqueologia do Algarve acabaram por se manter pulverizadas em vários Museus e Núcleos Museológicos, quer desta Província, quer no Alentejo, em Vila Viçosa, no Paço Real, e no Museu de Évora, quer em Lisboa, no Museu Nacional de Arqueologia, e ainda mais a Norte, na Figueira da Foz, no Museu Santos Rocha, dando origem a que, usando as palavras de Maria Luisa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, seja «desproporcional e relativamente fraca, apesar das escavações em curso, a representação do património arqueológico em Museus do Algarve, isto é do seu próprio território, face à superfície da região, ao número de estações e totalidade das

colecções conhecidas. Por exemplo, fazse sentir a falta de colecções ou de peças que de forma especial caracterizem o esplendor do Calcolítico, ou documentem o requintado grau de Romanização atingido pelas cidades indígenas» (1). Deste modo, e tendo por base fundamental o trabalho publicado por Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos na obra abaixo referida, bem como a recolha que efectuei quando coordenava a obra «Algarve, Noventa Séculos e o Mar» e ainda o conhecimento de novos museus, Centros Interpretativos e Núcleos Museológicos do Algarve, a exemplo do Cerro da Vila e de Milreu, para falar do período romano, apresento a seguinte proposta de Itinerário pelos Museus Nacionais com acervo proveniente do Algarve. Sobre os Museus com colecções de vidro, pode ver-se neste mesmo site: http://www.portugalromano.com

Museu Municipal de Lagos O antigo Museu Regional de Lagos foi criado pela autarquia em 1930, por iniciativa do Dr. José Formosinho, utilizando as instalações da sacristia da igreja de Santo António. Como anteriormente dito, José Formosinho vê, em 1930, aprovada pela Câmara Municipal uma sua iniciativa para a criação, em Lagos, de um pequeno museu regional, tendo sido nomeado Conservador do mesmo museu, sem direito a qualquer remuneração. «É em sessão camarária de 23 de Agosto de 1930.Posteriormente pág.

114

Balsamário antropomórfico de bronze, proveniente de Monte Molião. - Museu Regional de Lagos Foto: Álvaro Rosendo

interessa a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais na instalação do museu e assim vai conseguir ampliálo, por fases, consecutivamente de 1931 a 1954! As colecções de Arqueologia, grande parte provenientes das escavações realizadas pelo seu fundador, que «Inicia, desde logo (grande parte à sua própria custa), explorações arqueológicas em estações localizadas nos concelhos de Lagos, Aljezur, Vila do Bispo, Portimão e Monchique, das quais salva da perda irreparável inúmeras preciosidades, que irão constituir grande parte do espólio que enriquece o Museu Regional de Lagos. De especial interesse vão ser as intervenções do Dr. José Formosinho nas zonas arqueológicas de Aljezur, Alcalar, Boca do Rio, Abicada e Caldas de Monchique » (Ver: O DR. JOSÉ FORMOSINHO E A ARQUEOLOGIA DO ALGARVE, in Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, IPPAR. Mas de salientar ainda as Abel Viana e Octávio da Veiga Ferreira que a par do fundador do Museu vêm a permitir que o seu acervo seja representativo quer para da Pré-história, quer da Época romana, Período árabe, dos concelhos de Lagos, Vila do Bispo e Monchique. É de notar uma importante colecção de numismática, um núcleo de epigrafia romana e a escultura da cabeça do imperador Galiano. Veja-se: José FORMOSINHO (1997) - “O Dr. José Formosinho e a Arqueologia do Algarve”, Noventa séculos entre a serra e o mar, IPPAR, Lisboa, pp. 59-67 ...

Museu de Portimão O Museu de Portimão, inaugurado em 17 de Maio de 2008, e instalado na antiga fábrica de conservas Feu, e foi integrado

Anfora proveniente da Villa Romana de Vale de Arrancada - Museu de Portimão

Foto: Álvaro Rosendo

na Rede Portuguesa de Museus. Tem uma secção dedicada à «Origem e Destino de uma Comunidade», onde se pretende interpretar os a evilução histórica das populações a partir da Pré-História até à actualidade, agregando materiais provenientes de várias sítios arqueológicos em meio terrestre e subaquático.

pág.

115


Colecção arqueológica das Termas das Caldas de Monchique Trata-se de uma colecção monográfica, constituída por peças arqueológicas provenientes das escavações das termas romanas, de que destaca uma árula romana dedicada às Águas Sagradas (AQUIS SACRIS)- Possui ainda peças portuguesas de várias cronologias, correspondentes às várias fases de ocupação das termas. Museu Municipal de Silves Criado em 1989 por iniciativa da autarquia, sob a coordenação do arqueólogo Mário Varela Gomes, também autor do projecto museológico. O edifício próprio desenvolve-se em torno de um poçocisterna almoada, classificado como Monumento Nacional, tendo sido também integrado um troço de muralha da mesma época. Em 1991, obteve um Prémio Nacional do Património. O Museu tem colecções pré-históricas, proto-históricas, romanas e medievais, salientando-se o acervo de cerâmica islâmica, obtido em grande parte nas escavações realizadas no Castelo de Silves. O Museu funciona como centro de investigação e edita a revista XELB.

Por seu lado, o património arqueológico do Algarve central conserva-se nos museus de Albufeira, Cerro da Vila, Loulé e Faro.

pág.

116

Museu Municipal de Albufeira Com a extinção do Museu HistóricoArqueológico, fundado em 1960 na ermida de S. Sebastião pelo Padre Semedo Azevedo, as suas colecções ficaram na tutela do Município, até que, em 20 de Agosto de 1999, é inaugurado o Museu Municipal de Arqueologia, passando a integrar a rede Portuguesa de Museus. Localiza-se na zona antiga de Albufeira, outrora designada por Praça de Armas, actual Praça da República. As colecções são de Época romana e são maioritariamente provenientes de escavações efectuadas na Retorta, em Santa Eulália e noutros locais do concelho. Centro Interpretativo do Cerro da Vila (Vila Moura) Propriedade da Lusotour, localiza-se na villa romana com o mesmo nome. O seu acervo é maioritariamente constituído pelos materiais arqueológicos recolhidos nas escavações do Sítio Arqueológico e é formado por um núcleo da Idade do Bronze e por colecções romanas e árabes e estelas mediavais. Museu Municipal de Loulé Localizado no Castelo, onde desde 1991 havia a mostra de uma cozinha tradicional, a colecção arqueológica está instalada em duas antigas dependências da Alcaidaria, que remontam ao século XIV. O seu acervo é constituído por objectos arqueológicos que vão desde o período proto-histórico até à Idade Média, passando pelos períodos romano, romano-visigótico e islâmicoque, salientando-se uma colecção de cerâmica tardo-romana proveniente do Loulé-Velho.

Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique de Faro Fundado em 1894 pelo Cónego Pereira Boto, vice-reitor do Seminário, é actualmante tutelado pela Câmara Municipal. Inicialmente instalado em algumas salas do edifício da Câmara, a Capela de Santo António dos Capuchos, foi em 1973 transferido para o Convento de Nª. Senhora da Assunção. De sacientar o seu acervo arqueológico,

Busto de Agripina Minor, proveniente da “Villa” romana de Milreu, Museu Arqueologico de Faro. Foto: Ricardo Soares

composto por materiais pré-históricos, proto-históricos, romanos, visigóticos, árabes e portugueses. Salienta-se a colecção romana com um notável núcleo de epigrafia latina e peças arquitectónicas, bustos e o mosaico Oceano, proveniente de Faro, vidros e cerâmicas romanas de importação e um importântíssimo espólio proveniente de Milreu, Estói. Centro Interpretativo de Milreu, Estói Localizado na Villa romana, pretende dar a conhecê-la , vivendo fundamentalmente de materiais gráficos e fotográficos.

No Algarve Oriental, em zona da Ria Formosa, podem conhecer-se os seguintes Museus: Museu de Olhão Instalado na Casa do Compromisso Marítimo, é tutelado pela Câmara Municipal. O núcleo mais importante é o acervo constituído pelo colecionador e historiador local Abílio Gouveia, salientando-se as inscrições latinas e peças romanas da Quinta de Marim. Parque Natural da Ria Formosa Criado por Decreto-Lei 373/87 de 9 de Dezembro, é tutelado pelo Ministério do Ambiente. Instalado, em 1991, na Quinta de Marim, assenta numa “villa” romana. Tem um espaço museológico organizado na sala dos aquários, com peças arqueológicas recolhidas em prospecções e outros trabalhos realizados em estações do litoral, no sítio do Arroio, Pedras d`El Rei, Cacela, etc. Museu Paroquial de Moncarapacho Tutelado pela diocese do Algarve, está instalado, desde 1981, em edifício anexo à capela do Santo Cristo, tendo sido construído com o apoio do Ministério das Obras Públicas, Fundação Calouste Gulbenkian e Câmara Municipal de Olhão. Possui um núcleo de arqueologia romana, de que se destaca um marco miliário, verdadeira raridade no Algarve, colecções árabes e da época portuguesa. pág.

117


Câmara Municipal de Tavira Tem uma colecção de arqueologia onde estão representadas algumas estações arqueológicas do Concelho, desde o Neolítico, existindo intenção de se vir a criar um Museu. Associação para a Defesa, Reabilitação, Investigação e Promoção do Património Natural e Cultural de Cacela Criada em Maio de 1991 pelo arquitecto Desidério Baptista, tem um núcleo de peças arqueológicas provenientes dos sótios romanos de Cacela e da Manta Rota. Núcleo museológico de Castro Marim Fundado pelo Município, instalado numas salas do Castelo da Vila, e, a partir de 2007, está aberto ao público o Núcleo Museológico do Castelo de Castro Marim, onde se podem ver as colecções provenientes das escavações arqueológicas realizadas nas últimas décadas na pequena colina do Castelo, que denunciam uma ocupação desde o Bronze Final, Idade do Ferro à Época Romana, e ainda outros períodos da História, bem como de outros pontos do concelho.

pág.

Estela funerária em calcário datável do século II d.C., proveniente da Quinta do Marim, Olhão, contendo um epitáfio a Patrícia, de onze anos, e a Patricio de 43, que muito possivelmente se tratariam de escravos. Foto: Álvaro Rosendo

118

Segunto ainda o levantamento de Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, mas actualizando-o, podemos referir os seguintes Museus com acervo proveniente do Algarve: Museu Arqueológico de Vila Viçosa Pertence à Fundação da Casa de Bragança, as suas colecções arqueológicas transitaram do Paço Ducal para o Castelo em 1960. Entre estas encontra-se uma inscrição funerária, a Ploce Catula, encontrada na Quinta do Arroio, Luz de Tavira. Fez parte da rica colecção do Rei D. Fernando II, presumindo-se que lhge tenha sido oferecida por Teixeira de Aragão, que havia escavado a necrópole do Arroio. Museu Regional de Évora É tutelado pelo Estado através do I.M.C. organismo dependente da Secretaria de Estado da Cultura. Criado pelo Decreto nº 1355 de 01 de Março de 1915, este Museu está instalado no edifício do antigo paço arquiepiscopal, situado em frente ao templo romano (14). Entre as colecções arqueológicas conservamse duas peças oriundas do Algarve, uma inscrição latina de S. Bartolomeu de Messines, e um busto romano feminino, de grande qualidade plástica, procedente das proximidades de Tavira. Recentemente remodelado, nele se podem ver os vestígios dessa enorme praça pública romana ou Forum onde se inscreve o Templo fronteiro e os restos de uma necrópole. Vale a pena ver com atenção os vidros romanos, as esculturas e os fragmentos escultóricos. Entre as colecções arqueológicas conservamse duas peças oriundas do Algarve, uma inscrição latina de S. Bartolomeu de Messines, e um belíssimo busto romano feminino, procedente das proximidades de Tavira.

Museus de Lisboa Museu da Academia das Ciências de Lisboa Depende da Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia. «Fundada em 1781 por D. Maria I, já possuia na 1ª metade do século XIX um Museu de História Natural, herdeiro do Museu Maynense do séc. XVIII, sucessivamente aumentado com a transferência das colecções da Ajuda, em 1836 para a Academia, por doações reais e pelos trabalhos da Comissão Consultiva de Minas iniciados em 1852. As colecções de zoologia e mineralogia foram posteriormente transferidas para a Escola Politécnica. Este Museu chegou até aos nossos dias com uma vasta colecção de materiais de várias disciplinas. Está actualmente sob a direcção do Prof. Rómulo de Carvalho que já publicou o catálogo dos Instrumentos de Física. É possível que nele se encontrem alguns materiais arqueológicos do Algarve de acordo com a notícia do académico algarvio João Baptista Silva Lopes, que informa ter oferecido em 1839 moedas romanas de prata encontradas na serra de Tavira (2)». Museu Arqueológico do Carmo Instituição particular pertencente à Associação dos Arqueólogos Portugueses, foi recentemente remodelado. Fundado em 1864 pela Real Associação dos Architectos Civis e Archeólogos Portugueses situa-se nas ruínas da Igreja do antigo Convento de Nossa Senhora do Carmo. Entre o seu acervo, podemos destacar um conjunto de inscrições latinas provenientes da Quinta das Antas, na freguesia da Luz de Tavira.

Museu Nacional de Arqueologia Também tutelado Instituto dos Museus e da Conservação, organismo dependente da Secretaria de Estado da Cultura, foi fundado por iniciativa de José Leite de Vasconcelos, através de decreto de 20.12.1893 de Bernardino Machado com a designação de Museu Etnográfico Português. Em 1897 passou a chamar-se Museu Etnológico Português, e mais tarde Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcelos. Instalado na sua fase inicial no edifício da Academia das Ciências, foi transferido em 1903 foi para o Mosteiro dos Jerónimos onde ainda se encontra, pese as inúmeras polémicas em torno da sua transferência. Nos anos 60, sua a designação passou a ser Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, e, em 1990, foi novamente mudada para Museu Nacional de Arqueologia Doutor Leite de Vasconcelos. Neste Museu «foram integradas ao abrigo de uma cláusula do decreto que previa «o direito de anexar colecções do Estado dispersas e sem instalação própria», as colecções do Museu Arqueológico do Algarve, organizado em 1880 por Estácio da Veiga com o produto de dois anos de escavação, acrescentado com materiais descobertos em 1882, e outras colecções que posteriormente reuniu e que conservou na sua casa de campo das Cabanas de Tavira, até à data em que faleceu. Outras colecções algarvias independentes de grande núcleo foram constituídas por doações e trabalhos de campo efectuados no Algarve por Leite de Vasconcelos e funcionários do Museu Etnológico» (3), motivo pelo que, ainda nos nossos dias, é uma instituição fundamental para o conhecimento da Arqueologia do Algarve.

pág.

119


Museu Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz) Tutelado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, foi fundado em 1894 por iniciativa do arqueólogo Santos Rocha, que foi o seu primeiro director. «Com instalação provisória na Casa do Paço foi transferido para o andar nobre da Câmara Municipal, construída nesse ano, onde se manteve até 1975 . Nesta data é transferido para um edifício construído de raíz, modelarmente organizado e dirigido» (4). As colecções arqueológicas que, em grande parte, são provenienetes das escavações realizadas no Alagarve pelo arqueólogo Santos Rocha nas villae da Boca do Rio, de S. João da Venda, da Quinta do Marim e ainda das necrópoles romanas da Fonte Velha e Marateca, são constituídas por um núcleo significativo de peças romanas. Destacam-se as “terra sigillata”, os vidros e estelas funerárias, bem como os dolia.

Urna funerária com tapadeira de taça TS, proveniente da necrópole da Fonte Velha de Bensafrim. Museu da Figueira da Foz Foto: Álvaro Rosendo

Legenda (1) a (4) - Segundo Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos. Bibliografia que serviu de base fundamental a este artigo: Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, MUSEUS E CONSERVAÇÃO DO PATRIMONIO ARQUEOLÓGICO MÓVEL DO ALGARVE, in Algarve, Noventa Séculos entre a Serra e o Mar. IPPAR. http://www.portugalromano.com/2011/11/o-vidro-em-por-romano-em-portugal-e-suas-coleccoes/ http://www.cultalg.pt/EspacosCulturais/?subpagina=espacos.html&dominio=200011&dopesq=Mostrar +Agenda http://www.cultalg.pt/EspacosCulturais/ http://algarvivo.com/arqueo/museus/museus-algarve.html

pág.

120

Garrafa de vidro soprado, proveniente da necrópole da Fonte Velha de Bensafrim- Século I e início do século II d.C. - Museu Dr. Santos Rocha, Figueira da Foz Foto: Álvaro Rosendo

pág.

121


Revista

Ano: I Nº: 0

al

rtug a em Po

an ia Rom ueolog de Arq Revista

antuário S l a t n e Monum ua Sol deo AdltoadaLVigia o d o n a m Ro , Colares) eológico Sítio Arqu

(Praia das

Maçãs

Tempos Diferentes requerem soluções diferentes Revista Portugalromano.com, soluções de publicidade à sua medida.

a Via Roman ngóbriga o T s li u c O

Budens io Boca do R pag. 1

O Circo de Miróbriga

Mais informações:

portugal.romano@gmail.com

pág.

122

pág.

123


Uma cidade romana no coração da Europa:

A Colonia Augusta Treverorum Por: Maria de Jesus Duran Kremer

“O

s treverii, acostumados a combates diários por se encontrarem muito próximo dos germanos, não se distinguem destes nem nos usos e costumes nem na ferocidade, e só acatam as nossas ordens quando o exército os obriga a fazê-lo” (Aulus Hirtius) Em tempos imemoráveis surgiu, entre a confluência do rio Sarre no rio Mosela e o estreito que marca a entrada do vale do Mosela nas montanhas de ardósia que o acompanham até ao Reno, uma baía de de 20 km de comprimento e cerca de 3 km de largura: é a chamada “planície de Trier”, encurralada entre as faldas devónicas das montanhas do Hunsrück, a leste (datadas de há cerca de 380 milhões de anos) e as faldas mais suaves, de arenitos polícromos dos Eifel, a oeste (de 220 milhões de anos).

Retrato de mulher/Palácio de Constantino © Rudolf Schneider

pág.

124

pág.

125


Zona protegida pelas montanhas circundantes, cedo atraíu caçadores de Neandarthal e, mais tarde, do CrôMagnon: inúmeros achados – ossos de mamute, de cavalos selvagens, de bisontes - testemunham a sua permanência em terras do vale do Mosela. Mais tarde, porém, a chegada de povos vindos do oriente, detentores de uma cultura mais desenvolvida e sedentária, fez com que, a partir do séc. V a.C., a agricultura, a criação de gado e o processamento de metais transformou a face da região e preparou as bases para um povoamento duradoura da região. A fundação de uma cidade romana não se fez, pois, numa área despovoada, embora não existisse ainda ali um povoado comparável a uma cidade, que se pudesse utilizar como ponto de partida: muito pelo contrário, a região foi escolhida para essa nova fundação devido às extraordinárias qualidades de defesa e acessibilidade que apresentava. Conquistada por Caesar e Labienus no decorrer das Guerras Gálicas (58-50 a.C.), os celtas da tribu dos Treverer nem por isso deixaram de oferecer resistência passiva aos conquistadores. Só com Augusto, quase 30 anos mais tarde, Roma pôde finalmente integrar e romanisar totalmente a Gália. Datam dessa época a construção de um acampamento militar numa das colinas que rodeiam a cidade (o Petrisberg), como medida de protecção das etapas seguintes - a construção de estradas e pontes, indispensáveis à defesa das fronteiras com os germanos. Ainda que não disponhamos de fontes literárias seguras sobre a data da fundação pág.

126

de Trier, a análise endocronológica de restos de postes de madeira da primeira ponte a ser construída sobre o Mosela – bem perto aliás da actual “ponte romana” (Römerbrücke) - apontam para o ano 16 a.C. Construída junto de um templo dedicado a uma divindade nativa, a nova cidade recebeu o nome de “Augusta Treverorum”. O séc. I d.C. viu a cidade desenvolverse rapidamente. Construída segundo as regras clássicas de Hippodamos de Milet, a sua situação estratégica, ponto charneira nos contactos militares e comerciais entre o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste, a cidade em breve foi considerada pelos historiadores romanos como “uma cidade muito rica e abastada” Nos quase 200 anos de paz que se seguiram à sua fundação, a Augusta Treverorum assistiu à construção de imponentes obras arquitectónicas: as ruinas do anfiteatro, que podia abrigar até 20.000 pessoas , e as termas públicas “Barbarathermen” são prova viva desse desenvolvimento. Ainda nessa época foi toda a cidade rodeada de muros com 4 torres de defesa, que permitiam a entrada: resta-nos hoje a porta Norte – a Porta Nigra – imponente ruína que constitui, por assim dizer, a “marca” de Trier. Com uma superfícia três vezes superior à da Colonia Claudia Ara Agrippinensium (hoje Colónia), foi Trier residência do governador da província Belgica e do responsável pelo levantamento dos impostos: a administração de toda a província encontrava-se, pois , concentrada nesta bela cidade na margem do Mosela, centro económico de todo o

Ponte romana. © retirada de “Trier, Kaiserresidenz und Bischofssitz“

pág.

127


Porta Nigra. © Werner Richner

pág.

128

território aquém da fronteira do Império, confluência de uma rede de estradas muito desenvolvida, ponto de recolha e de comércio de produtos da agricultura, da olaria, do fabrico de tecidos, do cultivo e produção de vinho. O ano de 275 marcou uma viragem na história de Trier. O ataque dos Francos que, depois de atravessarem a Limes incendiaram Trier e a reduziram a pó, e a necessidade de proteger melhor a parte ocidental, levou o imperador Dioclciano a dividir o Império: em 293 “Treveris” – como a cidade se passou a chamar desde então – foi nomeada residência do imperador, capital política e centro militar do Império Romano do Ocidente. A Augusta Treverrorum transformara-se na “Roma secunda”. Nos 100 anos que se seguiram a cidade intra portas foi reconstruída, recuperando um esplendor digno da capital de uma parte do Império Romano. O anfiteatro e as termas públicas (Barbarathermen) foram reconstruídas, no centro da cidade o palácio imperial, com a “aula” e o circo dominavam toda a cidade. No século IV a cidade abrigava 80.000 habitantes, o que fazia dela a maior cidade a Norte dos Alpes. O esplendor da corte imperial trouxe bem cedo consigo a propagação religiosa da fé cristã. Constantino o Grande, nomeado Imperador em Trier no ano 313, autorizara a prática do cristianismo – decisão para a qual contribui decisivamente sua mãe, Sta. Helena. Bem junto ao palácio foi edificado em décadas e décadas de trabalhos um centro religioso, sobre cujas ruínas se encontram ainda hoje a Sé Catedral e a

Igreja Liebfrauen. No entanto, os ataques germanos continuavam, agravados pelos grandes surtos migratórios de fins do séc. IV, princípios do séc. V, obrigando os imperadores a transferir a sua residência para Arles, n o Sul de França. Com a partida da corte imperial, Treveris entrou num período de declínio. No decorrer das primeiras décadas do séc. V, a cidade foi conquistada e incendiada quatro vezes pelos Francos, ficando sobre o seu domínio. Terminara a era romana em Treveris. Hoje, porém, o passado romano desta cidade está mais presente do que nunca. Preservadas através dos séculos, a Porta Nigra, as ruínas das termas imperiais, das termas públicas Barbarathermen e, descobertas mais recentemente quando da construção de um parque de estacionamento subterrâneo, as Viehmarktthermen, integradas em todo um bairro romano com as suas casas, ruas, lojas, o anfiteatro, ainda hoje utilizado no Verão não só para concertos como sobretudo para Jogos Romanos (Panem et circensis), a ponte romana, os múltiplos mosaicos encontrados um pouco por toda a parte, tudo contribuiu para que Trier seja hoje uma das cidades com maior número de monumentos considerados património universal pela UNESCO (http:// whc.unesco.org/archive/advisory_body_ evaluation/367.pdf) No entanto, é de esperar que os próximos anos tragam à luz do dia ainda mais testemunhos da época áurea da cidade. Diz-se em Trier em tom de gracejo que “não se pode abrir um buraco para plantar pág.

129


uma árvore que não apareçam ruínas romanas”: a verdade porém é que é raro começar-se uma obra de construção de uma casa, de uma nova estrada, sem que o solo descubra as suas riquezas guardadas desde há séculos. Como podemos imaginar hoje a vida nesta Roma secunda há mais de 1700 anos? Inúmeros achados chegados até nós podem dar-nos uma ideia, ainda que forçosamente ténue, do esplendor quotidiano da capital do Império Romano do Ocidente. Um exemplo único pela sua beleza é sem dúvida a pintura do tecto de uma sala do edifício que se encontrava por debaixo da actual Sé catedral, classificado quando do seu achado como pertencendo ao palácio de Constantino. As mais recentes escavações apontam para a construção das Igrejas naquele local por volta de 330 d.C.: o que constitui um terminus ante quem para a datação da villa a que pertenceram estas pinturas e que terá sido destruída nessa altura. Um puzzle gigante, reconstituído pacientemente nos anos que mediaram entre 1945/46 e 1983 e a cujas primeiras peças se vieram juntar novas peças em 1967/68, à medida que se procedia a novas escavações, esta decoração encontra-se hoje exposta no Museu do Bispado, em Trier. Mas o dia a dia da cidade em pouco se distinguia do de outras cidades romanas. Os sarcófagos, tal espelho da vida, levantam o véu sobre o quotidiano de uma família romana: a toilette matinal, a escola, o almoço em família, os jogos de azar... Mas Trier alberga ainda hoje entre os seus muros uma relíquia única e de valor

Kaiserthermen. © Werner Richner

Aula palatina © Maria Duran Kremer

pág.

130

pág.

131

inestimável para os cristãos: a túnica de Cristo. Segundo o evangelho de São João, 19, 23-24, os vestidos de Cristo foram repartidos em quatro partes, a túnica, porém, tecida de alto a baixo sem costura, foi jogada às sortes entre eles. Mas, como chegou e quando chegou a Trier? Diz a lenda que, em 1100, no mosteiro benedictino de Eucharius, em Trier, um copista leu, pela primeira vez, a história da túnica ao copiar um documento que falava da vida e obra de Constantino e de sua mãe, Santa Helena: “ Depois de vencer Maxentius em 312, Constantino parte para Roma, acompanhado de sua mãe, onde inicia a construção de numerosas Igrejas. Em 327 Helena parte em peregrinação à Terra Santa, fazendo-se acompanhar da sua corte, distribuindo dinheiro pelos pobres que encontrava na sua longa jornada. Chegada a Jerusalém é recebida pelo Bispo Macharius que lhe mostra os trabalhos de escavação junto à sepultura de Cristo e um pouco por toda a parte nos lugares santos. A pouco e pouco começam a surgir pedaços e pregos da cruz de Cristo. Helena trá-las para Roma, juntamente com a Túnica. Em 329 Helena morre em Constantinopla, não sem primeiro ter dito a Constantino que deseja que as relíquias sejam enviadas para Trier, onde são recebidas pelo Bispo Agritius.” Data dessa altura o primeiro relato da vida e obra de Constantino e de sua mãe. O que se passou desde esse momento até 1196 pertence à bruma dos tempos. Sabemos apenas que no dia 1 de Maio de 1196 o arcebispo Johann I. a transladou da parte ocidental da catedral para o altar-


Imperium Romanorum

Trier

A Túnica de Cristo © Maria Duran Kremer

mor, onde ficou até que, 316 anos mais tarde, o recém-nomeado arcebispo Richard von Greiffenklau exigiu vê-la com os seus próprios olhos. Desde então a túnica foi mostrada aos crentes primeiro anualmente, depois, e porque se degradava cada vez mais, só em determinadas ocasiões. De 12 de Abril a 13 de Maio de 2012 a túnica foi de novo exposta ao público: de perto e de longe, da Ásia, da África, das Américas, de toda a Europa, os peregrinos vieram a Trier para ver, com os seus próprios olhos, a Túnica de Cristo. E puderam fazê-lo: fechada numa enome caixa de madeira com tampo de vidro, pág.

132

colocada aos pés do altar mor da Catedral de Trier, a túnica de Cristo, frágil embora protegida pelas muitas camadas de tecido com que, através dos séculos, foi rodeada e protegida, ela ali esteve, não para ser adorada mas para induzir à meditação. O moto da peregrinação foi um sinal para muitos: “ Unir o que deve estar unido” (“Zusammen bringen was zusammen gehört”). Augusta Treverorum – Treveris – Roma Secunda – Trier: uma cidade onde cada pedra, cada recanto nos fala de uma História que é também a nossa, a História da Civilização Ocidental.

Bibliografia escolhida: Archäologischen Trier-Kommission (1972), Rettet das römische Trier, Trier Böhner, K., Weidemann, K., Katalog der Ausstellung gallien in der Spätantike. Von Kaiser Constatntin zu Frankenkönig Childerich. Philip von Zabern Verlag, Mainz Cüppers, Heinz et al. (1983), Katalog der Ausstellung Die Römer an Mosel und Saar. Philip von Zabern Verlag, Mainz Cüppers, Heinz et al. (1984), Katalog der Ausstellung Trier. Augustusstadt der Treverer I. Philip von Zabern Verlag, Mainz Cüppers, Heinz et al. (1984), Katalog der Ausstellung Trier. Augustusstadt der Treverer II. Philip von Zabern Verlag, Mainz Heinen, Heinz (1985), Trier und das Trevererland in römischer Zeit, Trier Richner, W., Scherer, H (1992), Trier. Deutschlands älteste Stadt. Heidelberg, 1992 Schützeichel, Heribert et al. (1996), Heilig-Rock Wallfahrt 96. Mit Jesus Christus auf dem Weg“. Bischöflichen Generalvikariat Trier. Weber, Winfried (2000), Constantinische Deckengemälde aus dem römischen Palast unter dem Dom. Bischöfliches Dom- und Diözesanmuseum Trier

pág.

133


ITÁLICA: DE URBE TURDETANA A PATRIA DE LOS ULPIO-AELIOS Por: Alicia M. Canto Universidad Autónoma de Madrid. De las Reales Academias de la Historia y de Extremadura - Escipión en Turdetania

E

Foto: Raul Losada

pág.

134

n el verano de 208 a.C. Publio Cornelio Escipión el Joven se retiraba tranquilamente a invernar en sus cuarteles de Tarraco, tras vencer a Asdrúbal Barca en Baecula, ciudad (según Tito Livio) un poco al oeste de la famosa y semitizada Castulo. Aunque prudentemente había permitido la huída del hermano de Aníbal hacia Italia, lo que en cierto modo empañaría su primera, aunque no muy gloriosa, victoria en combate, y le granjearía algunas críticas en Roma, sabía bien que con ambas acciones había asegurado su triunfo definitivo sobre Cartago en Hispania. Se acercaba el fin de una década de cautelas, alianzas, traiciones, triunfos y derrotas en este nuevo y gigantesco territorio hispano. Se acababa de apoderar, en el corazón de la Oretania, del principal distrito minero de plata, plomo y mercurio de la península,

pág.

135


el de Castulo–Sierra Morena, mucho más productivo que el de la propia Carthago Nova, conquistada por sorpresa el año anterior, aunque ésta le había facilitado la base de operaciones más segura posible, y una estratégica generosidad hacia los rehenes hispanos que allí se encontró

retenidos. Pero no sólo eso, sino que la posición muy favorable de Baecula, sobre la calzada que llevaba tanto hacia el valle bajo del Baetis como hacia la Meseta, le permitiría poder proteger su retaguardia pág.

136

al mismo tiempo que preparar el último avance romano hacia el sur, hacia Corduba, Hispalis, Gades y el Océano, y con ello la definitiva victoria romana sobre los cartagineses y la expulsión de Hispania del odiado enemigo. Aquel que poco antes, en 211 a.C., había arrebatado

Fig.1

a Roma, junto a miles de conciudadanos, a dos de sus más brillantes consulares pero, ante todo, su padre y su tío. Los proyectos de Escipión se cumplieron y,

en efecto, en la campaña siguiente de 207, reuniendo en la propia Baecula todas su tropas, llegadas desde Cartagena y desde Levante (Fig. 1), se atrevió por primera vez a seguir el valle del Guadalquivir, entrando en la imbellis Turdetania, y decidiendo al tiempo el mejor y más seguro escenario para el encuentro final contra Hanón, Magón Barca y Asdrúbal Giscón. Éstos eran todavía enemigos temibles, por sí mismos y por los refuerzos que durante el invierno habían hecho venir de África y de Celtiberia, sumando entre 55 y 70.000 hombres, que le esperaban, de nuevo protegiendo lo último que no podían perder: sus bases fuertes de Hispalis y Gades, y con ellas el acceso a la potente minería de cobre, plomo, plata y oro de Riotinto (Huelva), la legendaria faja metalífera que alcanzaba hasta los hoy São Domingos (Mértola), Aljustrel (Beja) e incluso Salacia (Alcácer do Sal), más allá del Guadiana y de la Baeturia de los Célticos. Tras un año de posicionamientos, escarceos, motines y actividades diplomáticas, el choque final tuvo lugar, en efecto, en la campaña de 207 o 206 a.C. (las fuentes divergen), junto a Ilipa (hoy Alcalá del Río, Sevilla), fuerte ciudad filopúnica y buen puerto al que llegaban las mareas oceánicas del Baetis. Usando siempre de sus características tácticas de sorpresa para compensar su inferioridad numérica (y de elefantes), la batalla resultó tan victoriosa como la había planeado, y los restos del ejército cartaginés huyeron hacia Gades (cuya ciudad, de creer a Estrabón, les dio la espalda) y, desde allí, a Cartago. Acababa así de comenzar la dominación romana de Hispania, que lentamente se

alargaría durante seis siglos y hacia cuya mitad los hispanos mismos, irónicamente, se harían con el control de Roma. Y no fue tan injusto, ya que puede decirse que el gigantesco Imperio romano se fundó desde sus momentos iniciales, a modo de solidísimos cimientos, sobre el oro, la plata, el bronce, los acerados hierros –éstos en forma de certeras armas–, el aceite y el trigo de Hispania, lo mismo que el Imperio español de la Edad Moderna, como una nueva Roma, se erigió sobre los ricos metales de la América recién conquistada. No eran otras sus respectivas y principales ambiciones. Terminados los asuntos más urgentes de la guerra, en 206 a.C. Escipión pudo pensar en los de la paz, y con ello en instalar a sus veteranos y heridos en algún lugar apropiado del territorio recién adquirido, que además ofreciera ventajas frente a los nuevos intereses de Roma: Itálica. - De ciudad turdetana a pólis Italiké Una vez expulsados los ejércitos cartagineses, los romanos debían asentarse y empezar a organizar la explotación del territorio conquistado, más un embarque seguro de lo que necesitaban para continuar la guerra aún no acabada, pues duraría hasta Zama en octubre del 202 a.C. y el tratado final del año siguiente, sobre todo metales, aceite y trigo. En este punto es importante considerar que, después de casi tres décadas de más efectivo dominio africano, debían de quedar en la Hispania meridional muchos filopúnicos, tanto ciudades como pág.

137


individuos (recuérdense, por ejemplo, la heroica caída de Astapa, o las tremendas divisiones internas en Castulo). Que las ciudades y tribus eran capaces de traicionar y no eran fiables ya lo habían demostrado en el pasado Iliturgi y Castulo, por ejemplo, o los propios celtíberos, como cuando su tío, en Ilorci (Segura de la Sierra, J.). Esta desconfianza justificada

es la que a mi juicio explica que el primer asentamiento estable de los romanos no se hiciera en las grandes o medias ciudades del entorno, aunque éstas contaran con infraestructuras urbanas, puertos y comodidades: No servían ni Ilipa, ni Gades, ni Hispalis, cuyas raíces semitas se hundían aún más atrás, en pág.

138

el pasado fenicio, y el lugar elegido por Escipión, pues, fue una pequeña pero vigilante altura del Aljarafe sevillano, a medio camino entre Hispalis e Ilipa. (Fig. 2: al fondo, Sevilla). Es Apiano de Alejandría quien, a mediados del siglo II d.C., en su obra sobre todas las guerras de Roma, nos ofrece, muy lacónicamente, el texto capital, Iberiké 38:

Fig.2

“Fue en esta época, poco antes de la 144 Olimpíada, cuando los romanos comenzaron a enviar cada año a las naciones conquistadas de Hispania dos pretores, en calidad de gobernadores o supervisores del mantenimiento de la paz. Escipión dejó allí un pequeño ejército,

el más propio de un tiempo de paz, y avecindó a los (soldados) heridos en una ciudad a la que llamó “Itálica”, del nombre de Italia: ésta fue la patria de Trajano y de Adriano, que más tarde llegaron a ser emperadores de los romanos. Escipión por su parte regresó a Roma con una gran flota, magníficamente engalanada y llena de cautivos, plata, armas y toda clase de botines.” Este resumen, dentro de su brevedad, nos aporta cuatro datos esenciales sobre este momento: 1) El comienzo inmediato de la administración dúplice de Hispania, y con ella la necesidad de una capital administrativa romana para la recién creada Hispania Ulterior; lo que explica bien que muy poco después (y no 50 o 60 años más tarde, como suele creerse) se produjera una primera verdadera expedición colonial organizada (apoikía) desde Roma a Corduba, la para Estrabón (leyendo bien su frase en III.2,1-2) “primera colonia enviada a Turdetania”, para que esta importante ciudad del valle medio del Baetis sirviera ex arjés (“desde el principio”) como capital. 2) Que el asentamiento en campaña de los romanos se produjo ἐς πόλιν, esto es, en lo que era ya una “ciudad”. 3) Que se avecindó a los romanos en “coexistencia” junto con los indígenas que allí vivían, pues Apiano usa el muy preciso verbo griego συνῴκισε (un detalle que ha pasado inadvertido durante mucho tiempo). Por tanto, este asentamiento romano in situ –que sería el primero de Roma fuera de las propias Italia y Sicilia– no se creó ex novo, ni en forma de “dipolis”, separadamente, como varios

arqueólogos han sostenido con denuedo, sino que fue sinoicístico, como Corduba h. 204 a.C., o como Carteia en 171 a.C. (ésta ya con los que llamo “criollos”), y muchas otras ciudades. 4) Por último que, sin duda en virtud de la naturaleza de los asentados, que debían de ser en su mayoría aliados itálicos, aquella pequeña ciudad, turdetana pero cuyo nombre indígena ignoramos, llamada a un gran destino, fue renombrada Italica. - De colonia militar y colonia Latina a Municipium Italica, civium Romanorum Mucho tiempo se han repetido, gracias a la poderosa influencia, en el siglo XIX, de Theodor Mommsen y Emil Hübner sobre todo (por CIL II 1119), y en el siglo XX, de A. García y Bellido, las ideas de que Itálica fue en sus comienzos sólo un “lazareto” y de que hasta época de César y Augusto no pasó de ser un humilde vicus civium Romanorum, esto es, una “aldea, barrio” (tales son los significados de vicus) “de ciudadanos romanos” (lo que ya en sí encerraría una notable contradicción), sin estatuto alguno. Sin embargo, observando bien el emplazamiento, y teniendo en cuenta algunos detalles arqueológicos y epigráficos, puede llegarse a otras conclusiones. El lugar elegido por Escipión parece, en efecto, un lugar insignificante, una pequeña colina junto al Baetis o Guadalquivir (que por entonces, y aún en 1835, como se puede probar geológica, hidrográfica, y gráficamente, corría a sus pies), aunque saludable y muy bien aireada. Pero en la elección del lugar se pueden adivinar pág.

139


algunas cualidades más, que alejan a Itálica de ser un simple “hospital de campaña”. En primer lugar, porque contaba con un puerto (hoy no imaginable por su alejamiento del río) (fig. 3), a donde podían llegar las embarcaciones medias incluso desde Castulo y Corduba, y por ello lo que se transportara fluvialmente. En segundo, que estaba comunicada por

tierra con Hispalis y las demás ciudades del Aljarafe sevillano al S, y al N con la Beturia Céltica y férrica, por la que más tarde conoceríamos como la vía XXII. Por tanto, sin negar lo que Apiano nos cuenta, su fundación en este preciso lugar parece además bastante estratégica y vigilante, por estar entre Hispalis e Ilipa, pero también enfrente de la primera, y por ello

mismo debió de estar relacionada, no con una lejana e improbable defensa de los lusitanos (como a veces se ha dicho), sino con circunstancias económicas de interés primordial para Roma en ese momento, como el depósito y embarque del mineral de todas las cuencas mineras principales del O, con las que estaba bien comunicada por un antiguo y sugestivo “Camino de los Camelleros” y por el río Ribera de Huelva.

Vetus Urbs, afortunada definición del venerable maestro para la Itálica más antigua. Sin embargo, un estudio de las fotografías aéreas de 1954 y 1980 (hoy el panorama urbano del pueblo se presenta ya demasiado degradado y confuso, al no haberse puesto apenas coto a su increíble crecimiento), y la orientación dentro de ella de los pocos edificios y epígrafes conocidos, me permitió en 1983 y 1985

Fig.4

Fig.3

pág.

140

Y esto, en este momento, era lo más vital para los romanos: poder sacar con seguridad los metales de ambas zonas, Sierra Morena y la faja pirítica lusohispana. La segunda observación es sobre la forma urbana que debió de adoptar el núcleo antiguo fundacional. Éste, desde comienzos del siglo XVII, fue quedando sepultado bajo el pequeño pueblo de Santiponce. A partir de García y Bellido siempre se sostuvo que era difícil o imposible saber nada de esta oculta

sugerir una planta inicial hipodámica (fig. 4), bastante canónica al compararla con los planos de las colonias militares de la propia Italia, como Capua, Marzabotto, la primitiva Pompeya y, sobre todo, Placentia, fundada sólo 13 años antes que Itálica, en 218 a.C., y también tras el éxito de una guerra, que lo fue ortogonal, de militares y con derecho latino. En efecto, lo lógico es pensar que, en el extranjero, los romanos se organizaran para vivir como lo hacían en sus propios campamentos y en Italia, lo mismo que los colonos de cualquier pág.

141


imperio (español, portugués, británico…) trasladaron sus modelos urbanos y sus costumbres sociales a las nuevas y lejanas colonias. En sendas excavaciones de 1973 y 1977 los Prof. Blanco y Pellicer probaron en la Vetus Urbs tanto el primitivo sistema militar de fossa y vallum como los niveles hasta el siglo IV a.C. del hábitat

indígena, en la zona alta del teatro. Esta propuesta urbanística tiene igualmente que ver con otras dos, y con otros documentos arqueológicos y epigráficos: Por un lado que, en el ejercicio del sinoicismo, lo normal es pensar que la ciudad elegida para convivir con pág.

142

turdetanos tenía que tener determinadas élites de confianza, que se hubieran manifestado favorables o incluso ayudado a los romanos ya durante la guerra. De ello tenemos un buen ejemplo del mismo Escipión (Apiano, ibid. 32), que en el 206 a.C. decidió para Cástulo, “junto a la nueva guarnición romana”, que la gobernara “uno

Fig.5

de sus propios ciudadanos, un hombre de buena reputación”. Por otro lado, otro motivo para descartar el supuesto vicus civium Romanorum es que, si la mayoría de los fundadores eran socii o aliados itálicos, ellos mismos carecían por aquella

época de tan alto estatuto. En cambio, una buena parte de sus ciudades en Italia eran de ius Latii, de Derecho Latino, como las antes citadas. Bajo estos supuestos pude también suponer en su momento (hace un cuarto de siglo) que la nueva Italica debió de gozar del estatuto jurídico inicial de colonia Latina, al que poco a poco se irían incorporando las más notables familias locales. Un esquema que debió de aplicarse en otras muchas ciudades hispanas durante la primera mitad del siglo II a.C. Un precioso documento italicense (fig. 5) vino poco tiempo después a reforzar ambas hipótesis, la urbana y la estatutaria a la vez, y además a darnos la primera llamada de atención sobre una familia, puramente turdetana, que debió de contarse entre esas élites “de buena reputación” llamadas a coexistir, sin duda ricos locales (que, quasi ludens, he llamado otras veces “colaboracionistas”): Un soberbio mosaico de opus signinum republicano, aparecido en 1984 en el extremo O del que supongo el foro antiguo, donde debían de hallarse el tabularium y la curia colonial, ésta ubicada, como en Roma y otros lugares, junto a un santuario de Apolo. Pocas veces un hallazgo parcial (pues la mayor parte del mosaico por desgracia fue dejado sepultado in situ) resulta tan oportuno. El mosaico (sistemáticamente mal fechado en época de Augusto por Caballos, León, Luzón, Rodríguez Hidalgo, Stylow, Beltrán, Corzo y casi todos los autores meridionales) por sus paralelos arqueológicos y epigráficos es sin duda de hacia 10070 a.C. (por cierto que no muy lejos de

la Pótnia therón de la colección Lebrija), y su interrumpida cartela reza: M(arcus) Trahius C(aii) f(ilius), pr(aetor), Ap[ollinis aedem?] de stipe, idem(que) caul[as d(e) s(ua) p(ecunia) fac(iendum) coir(avit)?]. Este apasionante epígrafe nos presenta a un pr(aetor), justamente el magistrado típico de las colonias latinas (un desarrollo pr(aefectus) es muy poco viable en estas fechas), que además se llamaba “Marco Trahio, hijo de Cayo”, con una latinidad de al menos dos generaciones. Con él se comprobaron por primera vez los ya antes imaginados (1983) Traii italicenses, antepasados directos, paternos, del futuro emperador Trajano, y la causa de que la pequeña Itálica, casi dos siglos más tarde, tuviera tantos motivos para pasar a la gloria nacional e internacional. No sabemos mucho más de la Itálica del siglo II a.C., pero algo sí. Por ejemplo de sus lógicas buenas relaciones con el prestigioso Lucius Aemilius Paullus del Bronce de Lascuta, gobernador de la Ulterior 191-189 a.C. que, tras su victoria en Pidna (168 a.C.), hizo a nuestra ciudad algunos regalos griegos que ignoramos; se trata de una muy famosa inscripción, en copia del II d.C., que en el nuevo CIL republicano de 1986 ya fue por esta causa excluída de los llamados tituli Mummiani, entre los que (también a causa de la pareja Mommsen-Hübner) se la contó durante casi siglo y medio. Itálica cuenta hasta la época de Augusto, como digo, con poquísimas referencias epigráficas y textuales, pero éstas son muy sugerentes, como la de un Caius Marcius (App., Iber. 66) que, siendo un anér Íber ex pólis Italiké (es decir, otro “criollo”), era en 143 a.C. pág.

143


nada menos que quaestor, segundo, del gobernador Quinctius durante la guerra con Viriato (y por ello quizá ya senador). Para el año 76 a.C. Orosio el cristiano (V.23.10) la llama urbs Baeticae, y precisa que, en lucha contra Metelo en las guerras sertorianas, el general sertoriano Hirtuleyo perdió “junto a la ciudad” nada menos que 20.000 hombres, lo que nos da una idea

clara al menos de lo adecuado del sitio, y de su carácter de urbs, aunque no deje saber de qué bando se hallaba Itálica. Las segundas y últimas citas, entre el 48 y el 45 a.C., ya de las guerras cesarianas, nos dejan los nombres de cinco personajes, casualmente todos militares. Tres de ellos, Tito Vasio, Lucio Marcelo y el extremadamente cruel Munacio Flaco (Val. Max. IX.2.4), filopompeyanos, se conjuran en Córdoba, con muchos otros, contra el ávido Casio Longino; no sólo eran omnes Italicenses, sino que son llamados municipes (Bell. Alex. 52.4). Otro, Tito Torio, aparece como jefe electo pág. 144

de dos legiones filopompeyanas (Bell. Alex. 57.3) y, por último, un Q. Pompeius Niger, miembro del orden ecuestre, cesariano, y protagonista de un curioso duelo en el decisivo año 45 a.C. (Bell. Hisp. 25.4). Es poco, pero nos confirma y configura una ciudad noble por su origen y noble por sus habitantes, que cuenta desde muy pronto con familias ilustres y

Fig.6

ricas, latinizadas o romanas: las gentes o familias Trahia, Ulpia, Aelia, Marcia, Vasia, Munatia, Toria… con algunos individuos senatoriales y ecuestres que cuentan en la poca historia romana de Hispania que conocemos de estos primeros siglos. Dadas su participación en el mundo militar, y las últimas más del lado cesariano, no es difícil aceptar que, si no lo era ya de antes (recordemos a los tres italicenses que ya antes eran llamados municipes), Itálica pudo ser una de las ciudades a las que César, vencedor en Munda a pesar de las traiciones béticas, reorganizando la

provincia y en su autoridad como dictator, premió su fidelidad en marzo del año 45 a.C. con el estatuto de municipium civium Romanorum, como a Ulia Fidentia (Montemayor, Córdoba), frente a las ciudades traidoras, más filopompeyanas (Corduba, Ucubi, Urso, Hasta, Hispalis y otras), que fueron castigadas con el estatuto colonial, mucho más pesado (reinterpretación de Dión Casio XLIII.39.5: Canto, Gerión 1997, 276). La tribu electoral de Itálica sería la poco frecuente Sergia. Es ahora seguramente, por la recepción del nuevo estatuto, cuando, como en Gades, se empieza a construir el primer teatro estable de Itálica (fig. 6). Sus materiales más antiguos, enormes tambores de orden dórico, de caliza y anchas estrías, estucadas y pintadas de azul, las cornisas calizas de cyma reversa, y varios capiteles de orden toscano, igualmente estucados, se han perdido, entre las mútiples restauraciones modernas del edificio y el habitual empeño en una datación augusteo/tiberiana del teatro, pero existieron. Ya en época de Augusto, el municipium Italica o Italicensium recibe por primera vez el permiso para acuñar moneda. Y lo hace con la colección de reversos más romanos de toda Hispania: Genio del Pueblo Romano, Ejército de Roma, Loba y Gemelos, Cornucopia, Capricornio de Augusto, Altar de la Providencia imperial, Germánico, Druso y Livia, lo que es buen indicio de la máxima integración de sus habitantes en las “esencias” del Imperio, y de una excelente relación de la ciudad con la domus o dinastía reinante, la julioclaudia.

- De los Ulpio-Aelios y la Colonia Aelia Augusta Italica, a campo de ruinas Poco a poco, los descendientes de los turdetanos, latinizados primero y romanizados después como los Trahii, habían ido mezclándose con los de los primeros pobladores itálicos y romanos, entre ellos los remotos Ulpios y Aelios, ya todos ellos italicenses, y todos ellos en fin hispanorromanos. El más remoto senador italicense del que por ahora tenemos noticia es el bisabuelo del futuro emperador Adriano, Aelius Marullinus (Script.Hist.Aug. Hadr. I.2), buen astrólogo como él. Pero, con el tiempo, y sobre todo en las últimas épocas de los emperadores claudios y flavios (69-96 d.C.), especialmente Tito y Domiciano, cada vez fue mayor el número de senadores y équites de origen italicense, y su influencia, de modo que, en un mapa de distribución de senadores que hice en 1998, para la gran exposición Hispania. El legado de Roma. En el año de Trajano (pág. 240), Itálica, con 17 senadores, resultaba ser, sólo tras Tarraco, la ciudad romana con mayor número de ellos, y ello aunque nunca fue capital de provincia, ni de convento jurídico. Esta creciente influencia condujo finalmente a lo que me permito entender como un verdadero coup d’état de béticos y narbonenses, con algunos tarraconenses, con objeto de asesinar a Domiciano y sentar brevemente a un débil Nerva en el trono, para que éste finalmente recayera en Trajano, muy persuasivamente situado al mando del ejército de Germania, el más cercano a Roma. pág.

145


Comienza con Trajano, el Optimus Princeps, “el mejor siglo de la historia de la humanidad”, como dijo Gibbon, en el que se sucedieron 6 emperadores, todos los cuales estaban familiarmente emparentados (por vía directa o por la femenina) y eran béticos, bien por nacimiento (Trajano y Adriano), por matrimonio y adfinitas (Antonino Pío), o por origen familiar (Marco Aurelio, Lucio Vero y Cómodo). Una brillante y entroncada serie imperial que, muy injustamente, viene siendo universalmente llamada desde el siglo XVII “dinastía de los Antoninos”, de “los Adoptivos”, o de “los Buenos”, cuando la descripción histórica que mejor les define es la de “UlpioAelios” (Canto, Gerión 2003). Aunque todo esto exige aceptar, como he dicho en otros momentos, que hubo una muy clara “hispanización” de Roma, por emperadores “venidos de fuera” (advenae), que además resultaron “mejores que los italianos”, al pág.

146

decir posterior, a modo de balance, de Aurelio Victor (Césares, 11.12). Muchos historiadores no estuvieron (ni están) dispuestos a ello. Volviendo a Itálica, es difícil creer que semejante acontecimiento, sentar a un emperador en el trono de Roma, y además a uno nacido entre los viejos Traii turdetanos (ya que el padre de Trajano, y esforzado general flavio, fue posiblemente un Traius vinculado por matrimonio y adopción a un Marco Ulpio, de donde su cognomen Traianus, lo único que explica satisfactoriamente, y no con alambicadas descendencias maternas, la rehuída frase de Dión Casio LXVIII.4.1-2: que “Trajano era un ibero: ni italo ni italiota, sino un alloethnés”, un “hombre de otra raza”), no tuviera ninguna repercusión urbanística en la Fig.7

ciudad. Por el contrario, es verosímil suponer que ya desde el 98 d.C. Trajano empezara a pensar o actuar en

la ampliación y embellecimiento de su patria natal. Algo que la ciudad misma también compartiría, entusiasmada. De los “muchos dones y regalos” de Trajano a Itálica no nos ha quedado noticia textual (como sí en el caso de Adriano), pero no es lógico dudarlo. Sí sabemos que, al producirse en el 117 d.C. la proclamación de un segundo emperador italicense, Adriano, sobrino nieto de Trajano y nacido entre ellos en 76 d.C., el viejo municipio se decidió (si es que no lo había iniciado ya con Trajano) a pedir y obtener, aun en contra del consejo de Adriano (Aul. Gel., Noct. Att. XIV.13.4), su conversión en la Colonia Aelia Augusta Italicensium. Para su deductio formal, los dos primeros duoviros (alcaldes) y los tres pontifices primi creati de la nueva colonia (a tenor de la Lex Ursonensis caps. 66-68, no siendo propio “crearlos” en los municipios, que por principio eran autónomos) fueron nombrados por el propio emperador y, a juzgar por sus nomina y cognomina, los dos primeros serían notables parientes locales de ambos emperadores, actuando para la ocasión por delegación de Adriano: L. Blattius Traianus Pollio y C. Traius Pollio (Pollio por su parte es un cognomen típico entre los Aelios). Ambos orgullosamente dejaron memoria de su contribución personal (de sua pecunia) al ampliado y renovado teatro en una larga inscripción, de más de 20 m de lujoso mármol blanco y letras de bronce, hoy todas perdidas (fig. 7), mencionando en ella, entre otros regalos, la nueva orchestra, de bello mármol “verde antico” (recién descubierto en Tesalia en época de Trajano). Con ello, al mismo tiempo que

honraban al emperador, designado sólo como “Augusto” (en plena Itálica no hacía falta más protocolo…), agradecían a sus conciudadanos el haberles reelegido ya para un segundo mandato en la alcaldía, y de ahí el IIvir(i) design(ati) iter(um) con el que se autodefinen. En verdad esta espléndida inscripción, con sus completos nombres, sus cargos y su iteración, son en extremo difíciles de explicar con seriedad en otra época que no sea ésta de principios del siglo II d.C., por mucho empeño que hace décadas tantos autores pongan en ello. Y no digamos tratar de fecharla más o menos en la misma época que el mosaico de opus signinum de Trahius al que más atrás hacía referencia... El fautor o pigmalión de Trajano y Adriano (junto con Plotina y Urso Serviano), el también italicense y poderoso senador y triple cónsul Lucio Licinio Sura (donante del famoso arco de Bará en Tarragona), contribuyó con al menos la nueva decoración pictórica del muro del pulpitum, como se leía en una láurea hoy ya prácticamente perdida (pero bien visible en los años 70, cuando fue descubierta) y que en su día (1983) restituímos a su nombre. Lo que tomamos como indicio, ya que Sura falleció en 108 d.C., de que los trabajos de ampliación del teatro se habían iniciado ya en tiempos de Trajano, cuando el años después tercer pontífice del primer colegio colonial, Lucius Herius, había ya prometido (pollicitus) su contribución para ello al todavía municipio. De esta forma todos los datos encajan, si bien, para toda la cuestión cronológica de la gran ampliación del teatro, lo más decisivo sigue siendo la estratigrafía de M. Pellicer pág.

147


en 1977, que así lo garantizó (1982, 18): “a principios del siglo II p.C.”. A estas pocas décadas de exaltación y ayuda imperiales se debe todo lo que arqueológica y turísticamente hizo mucho más tarde celebérrima a la ya arruinada Itálica: la Nova Urbs con la ampliación simbólica de la vieja muralla,

con su templo a la Victoria Augusta (que muy generalmente, pero sin prueba epigráfica alguna, desde 1981 se conoce como “Traianeum”) y unas nuevas, enormes, termas; el gran anfiteatro con su Nemeseion (fig. 8), la ya citada soberbia ampliación y ornamento del viejo teatro cesariano; muchas de las mejores pág.

148

esculturas y retratos de la Península (fig. 9); decenas de lujosos mosaicos (fig. 10), que embellecían las mansiones (de 500 m2 como media) que las élites italicenses colaboraron levantando, o el nuevo acueducto del siglo II (fig. 11) (Itálica ya tenía uno anterior, que abastecía a la Vetus Urbs), entre otras mejoras. El material

epigráfico conservado de la ciudad, en su mayoría también del siglo II, supera ya los 400 ejemplares, y algunos de los epígrafes son evidencia de esta feliz cooperación, de imagen y urbanística, entre los emperadores, la ciudad y los conciudadanos. Aunque a finales del siglo II, y no a

causa del “bujeo” o cuarteamiento estival de las tierras (otro típico tópico italicense) sino de las purgas de las élites hispanas, sobre todo béticas, que practicó el nuevo emperador, Septimio Severo (198 d.C.), Itálica comenzó su larga decadencia, replegándose de nuevo a la Vetus Urbs. Todavía su respeto y

Fig.8

pasado le mantuvieron el derecho de ser sede episcopal, sufragánea, aunque tan próxima, de la metrópolis hispalense. Se documentan varios obispos de ella en los concilios, y se conservan diversos materiales paleocristianos. Y, por más que modernamente (desde finales del siglo

XIX y sobre todo en el XX) los modernos historiadores los hayan borrado de sus “haberes” históricos, Itálica o sus cercanías vieron nacer también al último de los emperadores de la vieja Roma, Teodosio I (379-395 d.C) –cuya esposa, Flaccilla, era también hispana y, como Adriano, de la prestigiosa familia o gens Aelia– y también a su hijo Arcadio (383-408), el primer emperador de un Imperio ya dividido. Con lo que la noble Itálica (aunque eso no lo llegaría a saber Apiano) no fue cuna de dos, sino de cuatro emperadores. La ciudad mantuvo un hálito de vida, ya muy apagada, en las épocas visigoda – cuando sus murallas fueron reforzadas por Leovigildo, 583 d.C. – y árabe. En el siglo IX-X hasta produce aún un par de literatos, dos al-Taliqí, y luego muere del todo, pasando a ser Talikah y los “Campos de Talca”. En el siglo XIII perderá incluso su verdadera identidad, oculta durante 600 años bajo el nombre de “Sevilla la Vieja”. No recobraría su antigua denominación hasta, curiosamente, un decreto del francés José Bonaparte, el 9 de febrero de 1810. Ya desde su caída la tan rica pero también pobre ciudad fue expoliada en todas las formas y métodos imaginables, en beneficio principalmente de la vecina Sevilla, y de obras públicas, como diques contra el ya entonces Guadalquivir, o arreglos camineros. Lo que hoy vemos de la “Itálica famosa” de Rodrigo Caro es un pálido fantasma de lo que fue, menos y peor aún que los “despojos” que en el siglo XVII conmovieron hasta las lágrimas al erudito humanista y poeta, aunque las modernas excavaciones, desde 1781-1788 (por los pág.

149


itá Fig.9

Fig.10

monjes de San Isidoro del Campo), 18391840 (por Ivo de la Cortina), a todas las intermitentes del siglo XX (por muchos investigadores), han conseguido al menos salvar muchas piezas, y acercarnos un poco más (aunque no siempre mejor) a su pasado material, a veces seguido de un lamentable exceso de fantasía pág.

150

restauradora. La mayor parte de los pocos pero inmejorables testimonios originales salvados de sus escombros pueden ser admirados en el Museo Arqueológico Provincial de Sevilla. Como diría Caro, “para envidia del mundo y sus estrellas”.

Fig.11

Imperium Romanorum

lica

Bibliografía básica * R. Caro, Antigüedades y principado de la ilustríssima ciudad de Sevilla, y Chorographia de su convento iurídico, o antigua Chancillería, Sevilla, 1634, fol. 101v-113r. * F. de Zevallos, La Itálica (msc. 1783), Sevilla, 1886 (reed. Sevilla, 2005). * A. García y Bellido, Colonia Aelia Augusta Italica, Madrid, CSIC, 1960 (reed. 1985). * VV.AA, Itálica (Santiponce Sevilla), Actas de las I Jornadas sobre excavaciones arqueológicas en Itálica (Sevilla, septiembre de 1980), Madrid, 1982. * VV.AA., Itálica MMCC, Actas de las Jornadas del 2200 aniversario de la fundación de Itálica. Sevilla, 1997. * A. Mª Canto, “La Vetus Urbs de Itálica, quince años después. La planta hipodámica de don Demetrio de los Ríos, y otras novedades”, CuPAUAM 25.2, 1999, 145-191 (on line). * J. Mª Luzón, Sevilla la Vieja. Un paseo histórico por las ruinas de Itálica, Sevilla, 1999. * A. Mª Canto, Las raíces béticas de Trajano: los Traii de la Itálica turdetana, y otras novedades sobre su familia, Sevilla, 2003 (on line). Créditos de las ilustraciones Figs. 1-4: elaboración propia (mapa base fig. 1 de Vicens Vives, y estuario según J. L. Escacena; foto aérea base fig. 2: Junta de Andalucía). Figs. 5-6, 8-10 izq. y 11: Junta de Andalucía. Fig. 7: Archivo de Itálica, reg. 7-3-11. Fig. 10 dcha.: Archivo de Itálica. - Montajes de la autora.

pág.

151


Foto: Estação Arqueológica do Creiro - Miguel Rosenstok

Roteiro

pág.

Roteiro Arqueológico Romano de Caetobriga (SETÚBAL) Por: Raul Losada

152

pág.

153


C

alçada de origem romana, que constitui um pequeno troço da via que partindo de Equabona (Coina), passaria por Cetóbriga (Setúbal), em direcção a Salácia (Alcácer do Sal), Ébora (Évora), e atingia Emerita (Mérida).

Calçada Romana do Viso

Atendendo à sua técnica de construção, com uma espessa infra-estrutura e um piso calcetado por blocos de média e grande dimensão, rematado lateralmente por margens bem diferenciadas, parece ajustar-se á estrutura característica das calçadas romanas (Foto 1). Da serra de S. Luís e da Arrábida os romanos exploram pedreiras que seriam transportadas até Setúbal por esta via, segundo os investigadores, no transporte dos blocos extraídos da zona seria utilizada as marcas a cada sete metros para auxilio nas subidas mais acentuadas. Os romanos colocaram blocos toscos de pedra, para marcação das distâncias (foto 2), alguns deles ainda preservados. Á semelhança desta obra construtiva romana, criaram na via regueiros escavados no pavimento, junto de passagens de linha de água, com o fim de a proteger. A Estrada Romana do Viso com cerca de mil metros visitáveis, ainda se mantém em quase perfeito estado de conservação mais de dois mil anos depois de ter sido construída. Localização: Casal das Figueiras ao Grelhal

foto: Raul Losada

Inicio: R. de Alfarrobeira 38º 31’ 37’’ N 8º 55’ 23’’ W

pág.

Final: R. dos Romanos 38º 31’ 33’’ N 8º 54’ 52’’ W Distancia: cerca de 1000 metros

154

pág.

155


Pelourinho de Setúbal Localizado na Praça Marquês de Pombal, antiga Praça de São Pedro, e numa das zonas de expansão da cidade durante as épocas moderna e contemporânea, o pelourinho de Setúbal foi construído, originalmente, para a Praça da Ribeira (antigo Largo da Ribeira Velha), em pleno centro histórico setubalense, no coração do burgo medieval. Possui um fuste de origem romana provavelmente reaproveitado de um antigo edifício romano em ruínas. A coluna ou fuste, de mármore de veios negros, é um elemento de grande qualidade, pelo seu perfil delgado e bem proporcionado. É comum dizer-se que foi trazida das escavações das ruínas romanas de Tróia, patrocinadas por D. Maria, mas tal informação dificilmente corresponderá à verdade. Está classificado pelo IGESPAR como Monumento Nacional desde 16 de Junho de 1910.

Localização: Praça Marquês de Pombal 38º 31’ 25’’ N 8º 53’ 55’’ W pág.

156

Foto - Pelourinho de Setúbal - Fuste Romano por: Raul Losada

Fábrica Romana de Salga de Peixe

Localização: Travessa de Frei Gaspar - posto de Turismo nº 10, do lado direito. 38º 31’ 25’’ N 8º 53’ 25’’ W As ruínas da Fábrica Romana de Salga foram descobertas em 1979, aquando das obras de construção de um edifício situado na Travessa de Frei Gaspar, em Setúbal. Este complexo industrial destinava-se à preparação de derivados de peixe, incluindo o garum, ou pasta de peixe salgada, que na época constituía valiosa moeda de troca. Setúbal, a Cetóbriga romana, era então um importante entreposto comercial, baseado em grande parte no comercio das conservas do abundante pescado do estuário do Sado.

Para além da fábrica da Travessa de Frei Gaspar, conhecem-se duas outras na cidade, situadas na Rua Januário da Silva e na Praça de Bocage. A laboração destas salgadeiras implicava o desenvolvimento de indústrias auxiliares, como as olarias, os estaleiros, as manufacturas de redes de pesca, as salinas e as quintas agrícolas, dinamizando desta forma toda a região. As escavações arqueológicas realizadas no sítio revelaram dois grandes grupos estruturais. Um primeiro conjunto de estruturas teria eventual carácter habitacional, sendo datável de meados pág. 157


do século I d. C., época na qual seriam construídos o peristilo e a zona do pátio. No último quartel da centúria foi edificada a fábrica de salga, que se desenvolvia em torno do pátio central já referido, numa série de estruturas das quais apenas uma parte se encontra identificada. Junto da construção existiria um forno de olaria, para fabricação das ânforas nas quais os preparados de peixe eram embalados para exportação. A fábrica foi abandonada ao longo do século IV, quando os tanques ou cetárias passaram a ser utilizados como lixeiras, mas seria recuperada no século seguinte, quando se deu a segunda fase de construção do complexo. Embora não voltasse a laborar em pleno, os tanques foram beneficiados com novos revestimentos, em opus signinum, aparelhamento habitualmente utilizado para impermeabilizar estruturas, constando de cal e cerâmica triturada. Na mesma época, um dos tanques quadrangulares de maiores dimensões foi dividido em dois, e o pátio do século I foi igualmente revestido por um segundo pavimento. É em torno deste que se organizam, e são ainda visíveis, 14 tanques quadrangulares, dispostos em duas fiadas paralelas. A fábrica seria definitivamente abandonada no século V ou VI, certamente devido à decadência dos mercados e do comércio que se seguiu à queda do Império Romano, em 476 d.C.. Classificado como Imóvel de Interesse Público.

pág.

158

Fabrica Romana do Creiro Complexo de cetárias implantado na encosta da Praia do Creiro/Portinho da Arrábida (Setúbal/São Lourenço), entre Tróia/Setúbal e Sesimbra. O sítio arqueológico foi escavado em 1987 sob a direcção de Carlos Tavares da Silva. A fábrica de salga apresenta planta rectangular, com 13 m de comprimento (direcção ENE-WSW) e 4,6 e 4,8 de largura. Foi completamente murada e possui onze tanques e um pátio que abre para o exterior, a sul. Apresenta uma abertura de 1,4 m no lado sul, servida por soleira formada por dois grandes blocos de calcário conquífero com pequeno degrau frustamente talhado. É admissível acreditar na construção desta fábrica em meados do terceiro quartel do século I d.C. funcionando até cerca dos finais do mesmo século. O Complexo possuía um sistema de captação, canalização e armazenamento de água. O funcionamento deste centro de preparos piscícolas exigia importante volume de água doce que seria, pelo menos em parte, fornecida por um poço de mergulho. A partir deste, a água era canalizada para a cisterna, junto do balneário. Conjunto de compartimentos, de planta rectangular com funções de armazenamento. Parcialmente escavados. O Balneário do complexo possui banhos quentes (caldarium) e frios (frigidarium). Voltou a ser ocupada durante o século IV, inícios do século V e depois mais tarde, durante o século XII, com a presença de materiais marcadamente islâmicos. Localização Praia do Creiro - Serra da Arrábida 38º 28’ 54’’ N 8º 58’ 37’’ W

pág.

159


Mosaicos Romanos de Caetobriga O local terá sido ocupado partir da Época Romana, segunda metade do século I, tendo esta primeira ocupação tido um carácter residencial. Dois mosaicos dos séculos III e IV estão entre os achados arqueológicos das escavações efectuadas pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS) no centro histórico da cidade. São achados arqueológicos que comprovam a importância económica da cidade de Setúbal na época Romana. Os mosaicos situados na Rua António

Joaquim Granjo encontra-se prevista a musealização do espaço. Além do mosaico da Rua António Joaquim Granjo, e de outro semelhante numa casa particular da rua Arronches Junqueiro, as escavações do MAEDS, perto do Miradouro de São Sebastião, permitiram também descobrir um reservatório que fornecia água a Cetóbriga. Localização: Condicionado – Visitas através de Contacto com MAEDS.

Museu de Setúbal / Convento de Jesus (Encerrada Sala de Arqueologia)

Apresenta colecções relacionadas com arte, história, arqueologia e numismática. Ao nível artístico sobressaem as colecções de pintura, sobretudo a do século XVI, escultura sacra, ourivesaria, azulejaria e outras artes decorativas. A arte contemporânea adquire também representatividade devido às incorporações dos últimos 20 anos.

pág.

160

Localização Rua do Balneário Dr. Paulo Borba 38º 31’ 35’’ N 8º 53’ 40’’ W Horário 3.ª feira a Sábado: 9:00-12:00 e 13:30-17.30 Encerrado ao público ao Domingo, 2.ª feira e feriados

pág.

161


Museu MAEDS

O Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal foi fundado em Dezembro de 1974, pela Junta Distrital de Setúbal. O Museu possui um valioso acervo representativo do Distrito de Setúbal no domínio arqueológico: Colecções pré-históricas (Paleolítico inferior e médio, Epipaleolítico, Mesolítico, Neolítico, Calcolítico, Idades do Bronze e do Ferro); romanas e pós-romanas. Colecções de etnografia: artefactos relativos às actividades tradicionais de pesca, recolecção, salicultura, criação pág.

162

de gado, agricultura, construção naval, fiação e tecelagem, arte popular e artesanato rural e urbano. O desenvolvimento da investigação arqueológica levou à criação do Centro de Estudos Arqueológicos. Edita uma revista da especialidade, Setúbal Arqueológica, e co-edita a revista Musa. Museus, Arqueologia e Outros Patrimónios, além de outras obras e catálogos de exposições. Possui uma biblioteca especializada com cerca de 10 000 volumes. Mantém em funcionamento um Serviço Educativo e de Animação Cultural.

Localização: Avenida Luisa Todi, nº162 38º 31’ 23’’ N 8º 53’ 21’’ W Horário Das 9h às 12.30h e das 14h às 17.30h, de Terça a Sábado. Encerra às Segundas, Domingos e Feriados. Durante o mês de Agosto, encerra aos Sábados. ENTRADA GRATUITA http://museu-maeds.org pág.

163


Revista

Ano: I Nº: 0

al

rtug a em Po

an ia Rom ueolog de Arq Revista

antuário S l a t n e Monum ua Sol deo AdltoadaLVigia o d o n a m Ro , Colares) eológico Sítio Arqu

(Praia das

Maçãs

Tempos Diferentes requerem soluções diferentes Revista Portugalromano.com, soluções de publicidade à sua medida.

a Via Roman ngóbriga o T s li u c O

Budens io Boca do R pag. 1

O Circo de Miróbriga

Mais informações:

portugal.romano@gmail.com

pág.

164

pág.

165


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.