Prêmio AlphaVille de Urbanismo Sustentável – edição 2009
A cidade humanizada: Requalificação de espaços públicos e edificações urbanas centrais para uma sociedade sustentável
Resumo A fim de resgatar uma área central, como tantas outras do país, da degradação espacial, utilizamos a sustentabilidade como mecanismo de requalificação e manutenção vital dessa área. A proposta do projeto urbanístico fomenta uma prática cada vez mais utilizada entre urbanistas, arquitetos e engenheiros: a produção de espaços públicos humanizados a partir de ações sustentáveis como o uso de materiais adequados e menos agressivos ao meio ambiente, atitudes pró-ecológicas e, principalmente, a geração de emprego e renda da área, evitando o deslocamento dos residentes a grandes percursos para a manutenção das atividades diárias e também a auto-suficiência de comércio, serviços, educação, cultura e lazer, incentivando o uso misto do solo. Localizado em um setor problemático do Bairro Centro, em Fortaleza, Ceará, a abordagem projetual engloba esses fatores já citados e justifica sua atuação pela perspectiva da sustentabilidade social, enfocando a questão residencial como um atrativo de desenvolvimento econômico.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................3 2. CONTEXTO HISTÓRIO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO .................................................4 3. O PROJETO .........................................................................................................................6 3.1 PROPOSTAS ..........................................................................................................6 3.1.1 GERAIS ...............................................................................................................6 3.1.2 ESPECÍFICAS ...................................................................................................11 3.1.2.1 MATERIAIS........................................................................................11 3.1.2.2 DESTINO DO LIXO URBANO .......................................................... 17 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................19 5. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 20
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1. INTRODUÇÃO O termo sustentabilidade, por vezes, permanece na banalidade do uso antes mesmo de se definir exatamente seu significado. Ser sustentável não é somente uma questão ecológica, como reciclar o lixo ou equilibrar o gasto energético de uma edificação, mas uma questão social, na qual contemplam a melhoria da qualidade espacial, a geração de emprego e renda na localidade, a aproximação dos percursos residência-trabalho e a redução da circulação direta ou indiretamente de veículos automotivos. Seguindo as práticas da Carta do Novo Urbanismo, publicada no livro decorrente do Congresso do Novo Urbanismo, realizado em Charlestown, Carolina do Sul - EUA, em 1996, criar comunidades (bairros) sustentáveis em muito se relaciona em conceber núcleos compactos, acolhedores, onde atividades cotidianas possam acontecer a uma distância tal que todos, principalmente aqueles que não podem dirigir, como jovens e idosos, tenham acesso. A democratização do espaço urbano, tanto para ricos, pobres ou para qualquer faixa etária, configura uma cidade mais humanizada, promovendo o convívio entre moradores e a sua consciência de pertencer àquele lugar. Humanizar cidades não quer dizer equipá-la de infraestrutura, tão somente, mas dotá-la de possíveis formas de usufruir o espaço público de modo simples, como: sentar-se sob árvores num banco de praça, usar calçadas acessíveis exercendo o direito de todos de ir e vir ou integrar-se à natureza, mesmo em um ambiente urbano. Trata-se, então, nessa dissertação enfatizar a sustentabilidade pela ótica social através da construção de um espaço dotado de várias atividades (comerciais, de serviços, de lazer, educação e cultura) em benefício do desenvolvimento da comunidade local, contribuindo para o bem-estar, a segurança, o convívio entre os diferentes e a auto-suficiência econômica. Procura-se, como bem enfatiza José Eli da Veiga (1961), em seu livro “Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI”, demonstrar que tal desenvolvimento local proposto 3
independe estritamente do desenvolvimento econômico e sim do diálogo entre a modernização da elite e a eficácia de projetos sociais subjacentes. Na prática, o projeto proposto busca inserirse como socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo, definições que caracterizam o desenvolvimento sustentável, segundo Ignacy Sachs (1927).
2. CONTEXTO HISTÓRIO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO Em meados do século XIX o local onde hoje se situa a Praça da Estação era um vasto descampado, denominado Campo d’Amélia, que servia de campo de treinamento do exército. Já no final desse mesmo século, esse campo sofre sua primeira transformação com a construção da linha férrea que ligava Baturité ao Crato, regiões do interior do Ceará. Primeiro surgem o Edifício da Estação João Felipe com o edifício da administração da estação e posteriormente, seus galpões. Diante dessas construções pontuais, configura-se a praça como um lugar de estar e entremeio entre quem vai e quem chega do interior do estado. Uma terrível seca, em 1877, no interior do Ceará mobiliza milhares de migrantes a procurar melhores condições de vida na capital e usufruir do trem como principal meio de fuga. Dessa forma, ao chegar em Fortaleza, refugiam-se ao longo da estação. Inicialmente, por ser o primeiro contato do sertanejo com o lugar e a falta de recursos que o impossibilita a mobilidade e, depois, por ser uma medida do governo local de mantê-lo separado do restante da população fortalezense, dita “saudável e superior”. Diante desse cenário, surgem as primeiras favelas de Fortaleza: a do Pirambu e a do Moura Brasil. Nos anos 30, com a campanha populista de industrialização promovida por Getulio Vargas em seu governo as estações férreas nacionais foram privadas de participarem da modernização promovida à época, o que desencadeou um longo período de decadência de tal setor. Resultado disto foi a degradação espacial que ocorreu nos arredores de tais linhas e 4
estações; como podemos verificar na Praça Castro Carreira, mais conhecida como Praça da Estação, situada na porção central da capital cearense, tendo seu conceito original completamente alterado, de um espaço urbano de convivência para um terminal de ônibus. Estas modificações trouxeram péssimas conseqüências para o desenvolvimento econômico e social da área de estudo, um quadrilátero compreendido entre as ruas General Sampaio, Senador Alencar, Padre Mororó e a Avenida Leste-oeste, na transição do centro da capital cearense e a orla. O crescimento da falta de segurança e da marginalidade, a ausência de políticas públicas eficientes, a saída dos moradores do centro e o agravamento do trânsito pelo aumento do número de veículos contribuíram cada vez mais para a desvalorização imobiliária, cultural e relacional do local e o aumento significativo de vazios urbanos, dentre eles; edificações abandonadas, terrenos à espera da especulação imobiliária, extensos lotes conjugados para o uso exclusivo de estacionamentos privados e grandes áreas subutilizadas como o pátio de manobras da Estação João Felipe. As parcelas de residências da área são formadas pela comunidade do Bairro Moura Brasil e por algumas casas em ruas secundárias que ainda resistem à dinâmica do local. Limitada pelo muro que ladeia o pátio de manobras da Estação João Felipe (ver fig. 1) e a acentuada topografia do terreno, encontra-se a comunidade Moura Brasil isolada e desconexa tanto do centro comercial como também do acesso à praia Leste-oeste. O bairro formou-se com infraestrutura insuficiente e não há uma definição formal dos lotes, consequência de invasões e irregularidades fundiárias. O desordenamento das ruas e travessas denuncia ainda mais essa desordem espacial e também o descaso dado ao planejamento de setores da cidade, evitando a continuidade de vias importantes de escoamento do centro em direção à praia. Ainda observando a questão residencial, há uma notória resistência de alguns moradores tradicionais em ocupar aquela região. Sujeitos à degradação, a insegurança do bairro, porém próximos do local onde trabalham, acreditam e também desejam na melhoria do espaço público com o 5
advento da estação metroviária inserida nas imediações. Apesar desse equipamento de circulação, com a sua construção, estar subtraindo lojas comerciais, promovendo o abandono de prédios históricos, estagnando vias importantes e deteriorando o espaço público continuamente.
Figura 1. Comunidade isolada pelo muro do pátio
3. O PROJETO 3.1
PROPOSTAS
3.1.1 GERAIS A multifuncionalidade do espaço A proposta em questão surge a partir do interesse de solucionar, quanto ao caráter urbanístico, o vazio urbano que surge com a retirada do pátio de manobras (ver fig. 2) da Estação João Felipe (ver fig. 3), localizada no centro de Fortaleza, a qual atualmente é de grande importância para a área por ser ponto convergente da integração intermunicipal. Entretanto, o pátio resulta como segregador espacial, pois, através do seu extenso muro isola a Comunidade Moura Brasil do restante do centro da cidade.
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Figura 2. Pátio de manobras ferroviário
Figura 3. Estação João Felipe
Assim como um dos princípios do projeto Favela- Bairro desenvolvido no Rio de Janeiro, este projeto busca integrar a comunidade à cidade formal e oferecer melhorias na infraestrutura. O projeto visa à integração da comunidade implantando conceitos sustentáveis, desde o âmbito social, através da valorização de residências, até o âmbito físico, através de materiais e práticas utilizadas.
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A proposta busca implantar uma forma de urbanismo sustentável, onde a população reside próximo de equipamentos de lazer e cultura, do local onde trabalha, do comércio e etc. Dessa forma, a população está amparada pelo necessário para se manter uma boa qualidade de vida, evitando, assim, grandes deslocamentos, utilizando veículos ou outros meios poluentes. A comunidade sustentável tem ao seu alcance tudo o que precisa, utilizando apenas o meio mais saudável e barato de locomoção, a caminhada. O ponto de partida da criação dessa comunidade sustentável está na reciclagem, ou seja, reaproveitamento de edifícios abandonados existentes no local (ver fig. 5). Esses edifícios eram antigos galpões que serviam á rede ferroviária. É no seu entorno que se desenvolve uma praça com diversos equipamentos que vão alimentar a comunidade e também uma praça de paradas de ônibus, a qual estimula o acesso ao local através do uso de transportes públicos de massa (ônibus e metrô) e que se encontra ao lado da praça desenvolvida neste projeto. A reciclagem de edificações existentes busca diminuir gastos com construções, haja vista que gastos com fundações e alvenarias serão evitados, e , principalmente, evita uma grande quantidade de entulho, que seria jogado nos lixões da cidade. Sabe-se que atualmente um dos grandes problemas ambientais da construção civil está no destino do entulho gerado pela mesma. Portanto, a reciclagem traz além de benefícios econômicos, benefícios ambientais.
Figura 4. Edifício histórico existente a receber novo uso
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Figura 5. Edifício abandonado a ser reciclado
No local há cinco edifícios a serem reciclados (ver fig. 6). Essas edificações irão abrigar: um posto de saúde, tendo em vista que a população local tem carência desse tipo se serviço; um centro urbano de cultura, arte, ciência e esporte (CUCA), o qual é um projeto existente da prefeitura de Fortaleza voltado para educação e lazer de jovens; uma escola de turismo, a qual já possui intenção pela parte da prefeitura de ser implantada na região; um centro cultural, que será locado no prédio histórico da antiga estação de trem e por último um museu, que será locado em um edifício histórico tombado (ver fig. 4). Todos esses edifícios compõem a praça que será locada no imenso pátio de manobras do trem existente.
Figura 6. Planta baixa esquemática
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O projeto prevê ainda outras infra-estruturas para o local. Por se tratar de um local que irá congregar as pessoas das mais diversas faixas etárias, a praça irá dispor também área com areia equipada com brinquedos infantis, área de jogos demarcados na paginação onde as peças do tabuleiro são as pessoas, promovendo assim, maior integração entre os usuários. Há, também, quiosques para pequeno comércio e lanchonetes, restaurante-café, banheiros públicos, posto policial e caixas de auto-atendimento de bancos. A praça possui, ainda, uma centralidade que é marcada pela área de eventos. Esta área consiste em um grande pátio com bancos e arquibancadas ao redor destinados a reuniões e festas típicas do local, como São João, festas natalinas e festivais em geral. Logo em frente à praça, o projeto cria 29 lotes de comércio para, além de serem locais de trabalho dos moradores da região, serem também mais um ponto de abastecimento, movimentação econômica e geração de renda do local. A priorização do pedestre e ciclistas é um ponto forte da proposta, uma vez que “cidades para pedestres” é um dos princípios fundamentais para um urbanismo sustentável. Elementos que valorizam esse aspecto são encontrados em diversos pontos da praça. A pavimentação das vias é feita em paralelepípedo, evitando o uso comum de asfalto, que, além de super aquecer e impermeabilizar o local privilegia o veículo. Foi previsto, também, uma área para estacionamento de veículos, estimulando as pessoas que vem de outras áreas a se locomoverem a pé no entorno da praça. Faixas de pedestres elevadas são encontradas em cada esquina, tornando mais cômodo a locomoção dos pedestres. Parte das vias são destinadas a ciclovias, as quais são devidamente sinalizadas e pavimentadas regularmente com ladrilho hidráulico, evitando trepidação. Outro fator que torna a locomoção dos pedestres mais agradável está nos passeios verdes. Trata-se de um passeio com uma faixa permeável destinada a arborização com espécies nativas, bancos e lixeiras, sendo, assim, um ponto de estadia sombreada para o pedestre que vem passando pelo 10
comércio e deseja algum descanso. Além disso, o passeio possui uma área coberta em toda sua extensão para abrigar o pedestre durante sua caminhada, protegendo-o contra o forte sol do local ou até contra chuvas. A diversidade de atividades na área permitirá aos usuários maior entretenimento e integração social, criando um senso de comunidade e cidadania entre eles. A intensidade de vida urbana aliada ao sentimento de comunidade é o primeiro passo para que as pessoas sintam-se realmente parte de suas cidades e, como tal, responsáveis por ela. Os habitantes passam a cuidar dos seus espaços, a reivindicar e a exercer melhor a cidadania.
3.1.2 ESPECÍFICAS 3.1.2.1 MATERIAIS Trilho da linha férrea Por se tratar de um pátio de manobras, a área destinada possui em torno de 5675 km de trilhos de trem. Por ser um material extremamente resistente e de elevado potencial estrutural, o trilho do trem foi visto neste projeto, não como mais um entulho da construção, e sim como um elemento que será reutilizado, compondo a arquitetura do lugar. Trata-se de um trilho de perfil leve TR 47 kg/m. Uma parte será elevada ao nível do piso da praça, marcando, como paginação do piso, um eixo de passagem. O restante será utilizado como estrutura (vigas e pilares) de sustentação da coberta sobre o passeio ao longo do comércio e da coberta das paradas de ônibus.
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Telha colonial Telha produzida de forma artesanal, bastante característica da arquitetura da região. Facilmente encontrada em qualquer comércio de materiais de construção da cidade, apresenta também abundante mão-de-obra para execução da coberta. Para tal execução, pode-se contratar moradores da própria comunidade, visto que grande parte deles são pedreiros ou simplesmente capacitados por possuírem experiência em auto-construção. Ladrilho Hidráulico O ladrilho hidráulico é um revestimento tradicional da cidade, sendo encontrado em diversas construções tanto antigas, como atuais. Este material possui produção local, em uma “fábrica” no centro de Fortaleza, sendo, portanto, gerador potencial de empregos para a população e evitando elevados gastos com o transporte para o projeto aqui descrito, também localizado no centro da cidade.
Figura 7. Produção manual de ladrilho
Figura 8. Máquina de prensar manual
Figura 9. Pintura do ladrilho
Figura 10. Secagem
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Trata-se de um revestimento resistente fabricado de forma bem artesanal (ver fig. 7 e 8), praticamente sem gastos de energia e sem liberação de poluentes. Consiste numa mistura de cimento, areia e pó de pedra em três camadas: a massa, o secante, e o pigmento (ver fig. 9). Essa mistura é prensada e moldada numa fôrma de ferro fundido, sem necessidade de máquinas mecanizadas, apenas através do trabalho manual. Após moldada, a peça, ainda mole, é levada à água e dispensa qualquer processo de queima possível de liberar poluentes. Quando retirado da água, é deixado para secar por cinco a sete dias para, só então, poder ser transportado (ver fig. 10). Madeira certificada e concreto Os bancos (da praça, das paradas e da calçada do comércio) serão do mesmo modelo dos bancos de madeira existentes na atual Estação João Felipe (ver fig. 11). Por questão de economia e durabilidade do material, optamos por fazê-lo com o corpo (pernas) em concreto e os tacos em madeira.
Figura 11. Banco da estação João Felipe
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A madeira também será utilizada no madeiramento das cobertas das paradas e do passeio do comércio. Ferro Os postes de iluminação (ver fig. 12) serão em ferro (galvanizado), fazendo referência aos antigos postes de iluminação a gás e ao “ar” (memória) da antiga estação do lugar, o que resgata a história do local. O ferro, para este caso, apresenta maior custo-benefício em relação aos demais metais. Os postes receberão pintura anti-corrosiva. Vale ressaltar que o ferro, além de ser um material resistente, pode ser reciclado. Sua oxidação (ferrugem) representa a volta do ferro à natureza, sendo um processo útil para a reciclagem do material.
Figura 12. Modelo 3D do poste de iluminação
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Tijolo adobe com fibra de coco O tijolo de adobe é produzido com terra-crua. A construção com tijolos de terra-crua data da antiguidade, e hoje tem sido uma alternativa utilizada para construções de interesse social. Os tijolos de adobe apresentam diversas vantagens: •
econômica, devido a matéria-prima ser abundante e de custo baixíssimo;
•
energética, pois a utilização da terra dispensa a queima de qualquer combustível;
•
sócio-cultural, pois, além de reduzirem o custo da obra, o próprio usuário pode participar da execução do tijolo e da obra, uma vez que se trata de um trabalho artesanal;
•
e o desempenho
físico
do
material:
edificações em terra crua possuem
comprovadamente excelente conforto térmico e acústico. Uma inovação a essa técnica é o acréscimo da fibra de coco verde ao adobe, o que confere maior resistência ao tijolo. Essa, porém, não é a única vantagem da utilização do coco. Sua importância se deve ao fato de que cerca de 85% do peso bruto da matéria-prima(coco) que é processada representa lixo, podendo tornar-se fator de inviabilização das atividades de processamento. Atualmente, este material é de difícil descarte, sendo enviado para lixões e aterros sanitários. A casca do coco verde é o mais importante resíduo gerado em cidades turísticas do litoral brasileiro, sendo de difícil manuseio no acondicionamento e transporte e representando uma fonte poderosa de proliferação de ratos, baratas e outros insetos vetores de inúmeras doenças. As cascas levam aproximadamente oito anos para se degradar e estima-se ainda que 70% de todo o lixo gerado no litoral dos grandes centros urbanos do Brasil são cascas de coco verdes, as quais, em Fortaleza, somam 9% dos resíduos sólidos domiciliares.
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Uma avaliação mecânica realizada, em 2005, pelo Grupo de Pesquisa em Agropecuária, Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Ceará (UFC), verificou, por meio do ensaio de resistência à compressão simples, que os tijolos de adobe com 10% em volume de fibras apresentam-se como alternativa viável para substituir tijolos convencionais de vedação, pois obtiveram resultado muito próximo a 1 MPa de acordo com a norma NBR 7171/92 para os blocos cerâmicos empregados em paredes de vedação. Apesar do custo dos tijolos de adobe produzidos com fibra de coco verde ser superior aos tijolos de adobe sem fibras, aqueles tem características físicas e ambientais muito mais desejáveis do que estes. Piso drenante Cobertas de asfalto, as cidades se tornam impermeáveis, cabendo aos bueiros receber a maior parte da água da chuva. Frequentemente, ocorrem casos em que os bueiros não agüentam o fluxo e transbordam, alagando as ruas da cidade. Visando valorizar o solo e permitir a permeabilidade da água para o lençol freático, optamos utilizar um piso drenante. Esse piso é composto por camadas de pedras, pedriscos, manta permeável e areia grossa. Sobre essas camadas colocam-se blocos pré-moldados de 40 x 40 cm, feito com uma primeira camada de concreto granulado e a segunda de concreto granulado e fibra de coco, que aumenta a resistência e a flexão do material. Segundo Benedito Abbud, arquiteto paisagista que desenvolveu esse tipo de piso, se esse piso drenante fosse usado em todas as calçadas da cidade de São Paulo - cerca de 72 milhões de m² segundo a Secretaria da Coordenação das Subprefeituras - seria drenado o equivalente a 120 piscinões iguais ao da Praça Charles Miller, com capacidade de 75 mil m³, comprovando a eficácia ambiental desta pavimentação. 16
Produzido em uma indústria em São Paulo, o uso do bloco drenante em Fortaleza vai contra um dos princípios da sustentabilidade, que prioriza o uso de materiais locais, evitando o gasto com transporte, assim como poluição, visto que os veículos transportadores também são fontes de poluição. Entretanto, sua capacidade de drenar mais de 90% da água que cai em sua superfície, foi considerada um enorme benefício frente à desvantagem do processo de transporte. Esses benefícios estão na possibilidade de: reduzir alagamentos, visto que assim como São Paulo, ocorrem alagamentos em diversas vias da cidade; adquirir mais água para o lençol freático, permitindo, assim, a possibilidade de poços artesanais e evitando o desperdício de água; mais um uso para a fibra do coco, material o qual já foi explicitado suas vantagens de uso anteriormente neste projeto (tijolo adobe com fibra de coco). Devido à simplicidade dos materiais envolvidos e a disponibilidade local de ambos para a fabricação deste piso, não se descarta a possibilidade de haver uma demanda local para sua produção, fazendo com que empresários despertem interesse para a região ou até mesmo facilitando sua produção em canteiro na própria obra.
3.1.2.2 DESTINO DO LIXO URBANO O lixo vem, cada vez mais, sendo alvo de temáticas sobre o ambiente. Sabe-se que um brasileiro produz cerca de 500g a 1 kg de lixo por dia. Diante dessa situação é inaceitável que a população como um todo não passe a tomar providencias e tratar o lixo de forma diferente. Os benefícios gerados pela reciclagem do lixo são diversos, como: •
Diminui a exploração de recursos naturais;
•
Reduz o consumo de energia;
•
Diminui a poluição do solo, da água e do ar;
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•
Prolonga a vida útil dos aterros sanitários;
•
Possibilita a reciclagem de materiais que iriam para o lixo;
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Diminui os custos da produção, com o aproveitamento de recicláveis pelas indústrias;
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Diminui o desperdício;
•
Diminui os gastos com a limpeza urbana;
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Cria oportunidade de fortalecer organizações comunitárias;
•
Gera emprego e renda pela comercialização dos recicláveis. Atualmente, muitas famílias sobrevivem com o dinheiro vindo do lixo, através da
triagem e venda de produtos recicláveis encontrados nos lixos. Várias associações de catadores de lixo já atuam em Fortaleza, entretanto, sabemos que não são suficientes para a demanda de lixo produzido. Neste cenário o projeto contempla a implantação da coleta seletiva na comunidade através da criação de um Posto de Entrega Voluntária (PEV). Este posto, além de servir a comunidade, serve como um posto de entrega de materiais recicláveis de pessoas de toda a cidade que desejem dar um destino correto ao seu lixo. A comunidade vende para indústrias interessadas o lixo reciclável coletado, possuindo, assim, mais uma fonte de emprego e de renda. Para isso, é necessário ocorrer primeiramente um trabalho de conscientização e capacitação dos moradores, e ainda adicionar uma política de oficialização, dos atuais ambulantes, com placas de registro, normas de conduta e regras de atuação na cidade e nos bairros, mostrando a importância de se reciclar lixo e o retorno que isso traz para a comunidade e o ambiente. Para essa coleta se concretizar, a praça abriga um quiosque de coleta e um espaço 18
para depósito deste material, onde os mesmos ficam guardados até se juntar a quantidade suficiente para venda. No entorno também são encontradas lixeiras apropriadas para a coleta seletiva.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Projetar com qualidade, amparado nos pressupostos da sustentabilidade, traduz a preocupação apresentada pela equipe em todas as etapas da produção do espaço. Fatores como a escolha da área de interferência do projeto, o modo como a comunidade iria ser afetada, a observação da vida cotidiana dos usuários dessa área, a possibilidade de reciclagem de edifícios antigos adequando aos novos usos, o uso recorrente de materiais tradicionais da região evitando degradações ambientais desnecessárias e principalmente, a promoção da requalificação da área escolhida visando um bem comum, mostram a possibilidade de trabalhar um espaço urbano visando primordialmente o respeito à natureza e como consequência, ao homem. Diante disso, um passo adiante na inovadora concepção projetual alia, em qualquer circunstância e todas as etapas da produção do espaço urbano, os ideais e as boas práticas de um produto final sustentável, coerente com a realidade da região afetada.
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5. BIBLIOGRAFIA
ROGERS, Richards e GUMUCHDJIAN, Philip. (2001) Cidades para um pequeno planeta. 1ª Edição, Editorial Gustavo Gili AS. Barcelona, 2001. VEIGA, José Eli. Desenvolvimento Sustentável; O Desafio do Século XXI. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2005. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2002. Calçada drenante. Revista Téchne n°152, novembro 2009. Editora Pini CHAVES, Gylmar. VELOSO,Patrícia. CAPELO, Peregrina (org.). Ah, Fortaleza! Fortaleza-Ce: Terra da Luz Editorial, 2006. SOARES, Raquel; SILVA, Adeildo e PINHEIRO, José César. Tijolos de terra crua estabilizados com fibras de coco verde: alternativa para habitação de interesse social. Julho 2008. Acessado em 20 de dezembro de 2009. http://www.sober.org.br/palestra/9/741.pdf O Rio de Janeiro e o Favela-Bairro. Rio estudos n°120. Setembro 2003.Acessado em: 27 de dezembro de 2009. http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/arquivos/64_o%20rio%20de%20janeiro%20e%20o %20favela-bairro.PDF
Acessado em 03 de janeiro 2010. http://www.cempre.org.br/ Acessado em 5 de dezembro de 2009. http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc011/mc011.asp
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