Raízes no Brasil
Raízes no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Raízes no Brasil / organização Claudia Maximino. – – 1. ed. – – São Paulo : TV1 Editorial, 2008.
ISBN 978-85-60670-03-1
1. Arte popular – Brasil 2. Brasil – História 3. Cultura – Brasil 4. Cultura popular – Brasil 5. Identidade social – Brasil I. Maximino, Claudia.
08-10629
CDD-306.40981
Pesquisa de imagens Guilherme Tosetto
Organização e edição de textos Claudia Maximino – MTb 025.204-SP
Produção Vivian Rosa e Vivian Vigar
Projeto gráfico e direção de arte Renato Leal
Produtor gráfico Marcos Antônio Silveira
Diagramação Thais Bellini e Adriana Fukunari
Tratamento de imagens Leandro Marcenari
Gerente de negócios Renata Camargo
Impressão Gráfica Ipsis
Revisão Silvia Mourão
Projeto e realização
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Cultura : Sociologia 306.40981
Diretor editorial Ernesto Bernardes
2
3
Raízes no Brasil
6
Carta do presidente
4
9
introdução
17 31 literatura
música
45 57 75 87 103 Danças e festejos
fé e crenças
culinária
design e arquitetura
artesanato
Carta do presidente
e produz. E, unindo-se a esses estudiosos, destaca
70 anos. A empresa iniciou sua
neste livro as idéias e os valores dessa gente valorosa,
operação em 1938, extraindo fosfato
que constrói e fortalece o Brasil.
na jazida de Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, numa época em que o acesso à região era
esse importante documento das histórias contadas
bastante precário. Com grande investimento e
por repentistas e poetas, Brasil afora. Depois,
esforço, o negócio cresceu, sempre fornecendo
mostramos como a fé e as crenças, a música e
aos agricultores os fertilizantes necessários para
os festejos influenciaram o que vemos e ouvimos
aumentar a produção no campo.
hoje. Os sabores do Brasil estão presentes no
Nessas sete décadas, o fruto do nosso trabalho se espalhou pelo país e firmou raízes em nosso solo. De nossas minas, extraímos apatita, elemento fundamental para a fabricação de fertilizantes de alta qualidade. Do trabalho diário no campo,
e uso da terra, bem como de gestão agrícola e
texto e nos pratos de um dos maiores cozinheiros
empresarial, para obter o rendimento máximo,
do país, Alex Atala. Por fim, desvendamos como
preservando o meio ambiente, dentro do conceito
nosso design, nossa arquitetura e nosso artesanato
da agricultura sustentável.
contam a história visual desta nação tão criativa,
Para comemorar essa parceria de 70 anos, a
que encanta o mundo com sua produção cultural.
passamos a conhecer profundamente o interior do
Bunge Fertilizantes convidou alguns autores para se
país e os homens que de lá tiram o seu sustento e
debruçar nas tradições do interior do país e descobrir
Firmemente plantadas no campo, de onde vem
produzem alimentos e insumos.
como elas se transformaram e atravessaram os
grande parte de nossa expressão cultural. Assim, é
tempos até chegar, renovadas, aos nossos dias.
com imensa alegria que convidamos todos vocês
Se hoje temos cerca de seis bilhões de pessoas no planeta, ao menos três bilhões devem a
6
Nosso livro começa com a literatura de cordel,
Como os autores que, em seus estudos, a cada dia
A Bunge Fertilizantes tem suas raízes no Brasil.
a participar conosco da saborosa aventura de
sua alimentação ao extraordinário nível de
aprendem novidades sobre os movimentos culturais
produtividade alcançado, graças aos fertilizantes.
de um Brasil que muda continuamente, a Bunge
No Brasil, nossos agricultores se modernizaram
Fertilizantes amplia todos os dias seus conhecimentos
Mario Barbosa
e hoje utilizam as melhores técnicas de preparo
sobre o campo e a cultura do homem que nele vive
Presidente da Bunge Fertilizantes
(re)descobrir o nosso imenso país. Boa leitura!
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
A
Bunge Fertilizantes está fazendo
7
Carta do presidente
e produz. E, unindo-se a esses estudiosos, destaca
70 anos. A empresa iniciou sua
neste livro as idéias e os valores dessa gente valorosa,
operação em 1938, extraindo fosfato
que constrói e fortalece o Brasil.
na jazida de Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, numa época em que o acesso à região era
esse importante documento das histórias contadas
bastante precário. Com grande investimento e
por repentistas e poetas, Brasil afora. Depois,
esforço, o negócio cresceu, sempre fornecendo
mostramos como a fé e as crenças, a música e
aos agricultores os fertilizantes necessários para
os festejos influenciaram o que vemos e ouvimos
aumentar a produção no campo.
hoje. Os sabores do Brasil estão presentes no
Nessas sete décadas, o fruto do nosso trabalho se espalhou pelo país e firmou raízes em nosso solo. De nossas minas, extraímos apatita, elemento fundamental para a fabricação de fertilizantes de alta qualidade. Do trabalho diário no campo,
e uso da terra, bem como de gestão agrícola e
texto e nos pratos de um dos maiores cozinheiros
empresarial, para obter o rendimento máximo,
do país, Alex Atala. Por fim, desvendamos como
preservando o meio ambiente, dentro do conceito
nosso design, nossa arquitetura e nosso artesanato
da agricultura sustentável.
contam a história visual desta nação tão criativa,
Para comemorar essa parceria de 70 anos, a
que encanta o mundo com sua produção cultural.
passamos a conhecer profundamente o interior do
Bunge Fertilizantes convidou alguns autores para se
país e os homens que de lá tiram o seu sustento e
debruçar nas tradições do interior do país e descobrir
Firmemente plantadas no campo, de onde vem
produzem alimentos e insumos.
como elas se transformaram e atravessaram os
grande parte de nossa expressão cultural. Assim, é
tempos até chegar, renovadas, aos nossos dias.
com imensa alegria que convidamos todos vocês
Se hoje temos cerca de seis bilhões de pessoas no planeta, ao menos três bilhões devem a
6
Nosso livro começa com a literatura de cordel,
Como os autores que, em seus estudos, a cada dia
A Bunge Fertilizantes tem suas raízes no Brasil.
a participar conosco da saborosa aventura de
sua alimentação ao extraordinário nível de
aprendem novidades sobre os movimentos culturais
produtividade alcançado, graças aos fertilizantes.
de um Brasil que muda continuamente, a Bunge
No Brasil, nossos agricultores se modernizaram
Fertilizantes amplia todos os dias seus conhecimentos
Mario Barbosa
e hoje utilizam as melhores técnicas de preparo
sobre o campo e a cultura do homem que nele vive
Presidente da Bunge Fertilizantes
(re)descobrir o nosso imenso país. Boa leitura!
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
A
Bunge Fertilizantes está fazendo
7
introdução
70 anos de Brasil
9
introdução
70 anos de Brasil
9
LINHA DO TEMPO
anos
1930
anos
1940
anos
1950
anos
1960
anos
1970
anos
1980
anos
1990
anos
2000
Em 1938 nasce a Serrana, primeira
Em 1941, a empresa recebe a
A Bunge Fertilizantes é a primeira
Em 1965, a Bunge Fertilizantes,
Em 1970, a TV chega ao Vale
Em 1982, é lançado o Foscálcio,
Em 1990, cria o Centro de Educação
Em 2000, a Manah é adquirida pela
empresa de fertilizantes do Grupo
concessão de uso do Morro da Mina,
a fomentar o cultivo de soja no Rio
em parceria com pesquisadores
do Ribeira por iniciativa dos
fosfato bicálcico, utilizado na
Ambiental, em Araxá, um dos
Bunge. Em 2008, ao completar
Bunge, para extrair apatita de uma
em Jacupiranga (SP), e constrói uma
Grande do Sul. Também promove a
da USP, desenvolve uma técnica
funcionários da Bunge Fertilizantes.
nutrição animal. No ano seguinte,
primeiros do Brasil. Em 1991, Cajati
70 anos de vida, a Bunge
mina em Cajati, no Vale do Ribeira
fábrica para produzir e distribuir
exportação das colheitas e contribui
inovadora em todo o mundo – a
Em 1973, a Bunge inaugura a
a empresa começa a usar energias
torna-se um município independente,
Fertilizantes comemora a marca
(SP). A apatita, ou minério de
fertilizantes. A Serrana também
para a industrialização do processo.
flotação – para separar o fosfato
primeira escola de primeiro grau de
alternativas para substituir derivados
com mais de 30 mil habitantes.
de mais de 3,5 mil funcionários
fósforo ou de fosfato, é um elemento
investe em infra-estrutura industrial
Do sul, as lavouras se expandem
do calcário e aumentar ainda mais
Cajati. Em 1975, constrói casas para
de petróleo em suas operações.
Em 1996, a Bunge adquire a Fertisul
e 250 agrônomos a serviço de
fundamental para a produção de
e urbana no povoado de Cajati.
e ajudam no desenvolvimento do
o grau de pureza do minério. Essa
os funcionários de Cajati.
Em 1985, a Bunge inaugura a
e assume o controle acionário da
seus 60 mil clientes, de norte a
interior do país.
descoberta, disponibilizada para
primeira sala de cinema de Cajati e
Arafértil e da Ipiranga Serrana. Em
sul do Brasil. A empresa atua de
outras empresas, sem restrições,
contribui também para a construção
1997, compra a IAP e, no ano seguinte,
forma vertical, desde a mineração
foi um divisor de águas na produção
do hospital e da igreja da região.
incorpora a unidade de negócios de
de rocha fosfática e calcário,
de fertilizantes. E incentivou um
fertilizantes da Elekeiroz, além de
passando pelo processamento
crescimento ainda mais acelerado
adquirir parte do capital da Takenaka,
químico, até a entrega do produto
do mercado mundial. Em 1967,
detentora da marca Ouro Verde.
final: fertilizantes, calcário para
é fundada a ANDA – Associação
Ainda em 1998, a Bunge inicia a venda
correção do solo e componentes
Nacional para Difusão de Adubos,
de fertilizante aplicado, inaugurando a
para nutrição animal. Hoje, a Bunge
uma iniciativa dos funcionários da
era da agricultura de precisão.
Fertilizantes, com suas marcas
Bunge Fertilizantes.
No ano seguinte, a fábrica de Araxá,
Iap, Manah, Ouro Verde e Serrana,
em Minas Gerais, torna-se a primeira
é a maior empresa de fertilizantes
no país no setor a obter a certificação
da América do Sul e a líder no
ISO 14001.
segmento de nutrição animal.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
fertilizantes de alta qualidade.
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LINHA DO TEMPO
anos
1930
anos
1940
anos
1950
anos
1960
anos
1970
anos
1980
anos
1990
anos
2000
Em 1938 nasce a Serrana, primeira
Em 1941, a empresa recebe a
A Bunge Fertilizantes é a primeira
Em 1965, a Bunge Fertilizantes,
Em 1970, a TV chega ao Vale
Em 1982, é lançado o Foscálcio,
Em 1990, cria o Centro de Educação
Em 2000, a Manah é adquirida pela
empresa de fertilizantes do Grupo
concessão de uso do Morro da Mina,
a fomentar o cultivo de soja no Rio
em parceria com pesquisadores
do Ribeira por iniciativa dos
fosfato bicálcico, utilizado na
Ambiental, em Araxá, um dos
Bunge. Em 2008, ao completar
Bunge, para extrair apatita de uma
em Jacupiranga (SP), e constrói uma
Grande do Sul. Também promove a
da USP, desenvolve uma técnica
funcionários da Bunge Fertilizantes.
nutrição animal. No ano seguinte,
primeiros do Brasil. Em 1991, Cajati
70 anos de vida, a Bunge
mina em Cajati, no Vale do Ribeira
fábrica para produzir e distribuir
exportação das colheitas e contribui
inovadora em todo o mundo – a
Em 1973, a Bunge inaugura a
a empresa começa a usar energias
torna-se um município independente,
Fertilizantes comemora a marca
(SP). A apatita, ou minério de
fertilizantes. A Serrana também
para a industrialização do processo.
flotação – para separar o fosfato
primeira escola de primeiro grau de
alternativas para substituir derivados
com mais de 30 mil habitantes.
de mais de 3,5 mil funcionários
fósforo ou de fosfato, é um elemento
investe em infra-estrutura industrial
Do sul, as lavouras se expandem
do calcário e aumentar ainda mais
Cajati. Em 1975, constrói casas para
de petróleo em suas operações.
Em 1996, a Bunge adquire a Fertisul
e 250 agrônomos a serviço de
fundamental para a produção de
e urbana no povoado de Cajati.
e ajudam no desenvolvimento do
o grau de pureza do minério. Essa
os funcionários de Cajati.
Em 1985, a Bunge inaugura a
e assume o controle acionário da
seus 60 mil clientes, de norte a
interior do país.
descoberta, disponibilizada para
primeira sala de cinema de Cajati e
Arafértil e da Ipiranga Serrana. Em
sul do Brasil. A empresa atua de
outras empresas, sem restrições,
contribui também para a construção
1997, compra a IAP e, no ano seguinte,
forma vertical, desde a mineração
foi um divisor de águas na produção
do hospital e da igreja da região.
incorpora a unidade de negócios de
de rocha fosfática e calcário,
de fertilizantes. E incentivou um
fertilizantes da Elekeiroz, além de
passando pelo processamento
crescimento ainda mais acelerado
adquirir parte do capital da Takenaka,
químico, até a entrega do produto
do mercado mundial. Em 1967,
detentora da marca Ouro Verde.
final: fertilizantes, calcário para
é fundada a ANDA – Associação
Ainda em 1998, a Bunge inicia a venda
correção do solo e componentes
Nacional para Difusão de Adubos,
de fertilizante aplicado, inaugurando a
para nutrição animal. Hoje, a Bunge
uma iniciativa dos funcionários da
era da agricultura de precisão.
Fertilizantes, com suas marcas
Bunge Fertilizantes.
No ano seguinte, a fábrica de Araxá,
Iap, Manah, Ouro Verde e Serrana,
em Minas Gerais, torna-se a primeira
é a maior empresa de fertilizantes
no país no setor a obter a certificação
da América do Sul e a líder no
ISO 14001.
segmento de nutrição animal.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
fertilizantes de alta qualidade.
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população mundial não teria o que comer. Este novo Brasil é mais urbano, mais rico, tem indicadores sociais muito melhores que há 70 anos. O campo, berço das tradições mais importantes da cultura popular brasileira, hoje produz mais com menos gente e usa tecnologia de ponta, dos fertilizantes aos satélites. Apesar de tantas
Ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria
mudanças, ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria. E a Bunge Fertilizantes quer, por meio deste livro, participar do esforço de manter essas tradições vivas e atuantes no país. Nada mais natural para a Bunge do que produzir uma obra como Raízes no Brasil. Afinal, a cultura brasileira sempre fez parte das preocupações da empresa. Já em 1955, a Bunge, por meio de sua Fundação, criou o Prêmio Moinho Santista, atual Prêmio Fundação Bunge, que até
O 12
Brasil mudou. E a Bunge Fertilizantes
Hoje, a maioria da população brasileira vive em
se orgulha de ter colaborado para
cidades e isso não seria possível sem a enorme
tornar essa mudança possível, desde
produtividade da moderna agricultura do país.
que nasceu, há 70 anos. Quando a empresa abriu
Segundo a FAO (sigla em inglês para o Fundo de
sua primeira mina de fosfato no Vale do Ribeira, a
Agricultura e Alimento das Nações Unidas), os
região era de difícil acesso. Corria o ano de 1938. O
fertilizantes são, sozinhos, responsáveis por 50%
Brasil era um país agrícola, que mal começava a se
da produção agrícola do mundo. Se eles não
modernizar.
existissem, metade dos seis bilhões de pessoas da
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
hoje é considerado um dos mais importantes
13
população mundial não teria o que comer. Este novo Brasil é mais urbano, mais rico, tem indicadores sociais muito melhores que há 70 anos. O campo, berço das tradições mais importantes da cultura popular brasileira, hoje produz mais com menos gente e usa tecnologia de ponta, dos fertilizantes aos satélites. Apesar de tantas
Ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria
mudanças, ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria. E a Bunge Fertilizantes quer, por meio deste livro, participar do esforço de manter essas tradições vivas e atuantes no país. Nada mais natural para a Bunge do que produzir uma obra como Raízes no Brasil. Afinal, a cultura brasileira sempre fez parte das preocupações da empresa. Já em 1955, a Bunge, por meio de sua Fundação, criou o Prêmio Moinho Santista, atual Prêmio Fundação Bunge, que até
O 12
Brasil mudou. E a Bunge Fertilizantes
Hoje, a maioria da população brasileira vive em
se orgulha de ter colaborado para
cidades e isso não seria possível sem a enorme
tornar essa mudança possível, desde
produtividade da moderna agricultura do país.
que nasceu, há 70 anos. Quando a empresa abriu
Segundo a FAO (sigla em inglês para o Fundo de
sua primeira mina de fosfato no Vale do Ribeira, a
Agricultura e Alimento das Nações Unidas), os
região era de difícil acesso. Corria o ano de 1938. O
fertilizantes são, sozinhos, responsáveis por 50%
Brasil era um país agrícola, que mal começava a se
da produção agrícola do mundo. Se eles não
modernizar.
existissem, metade dos seis bilhões de pessoas da
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
hoje é considerado um dos mais importantes
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estímulos à produção intelectual, por reconhecer o
formatar uma linguagem de dança brasileira.
trabalho de personalidades que contribuem para
Dos santos católicos às carrancas que enfeitam
desenvolvimento cultural do Brasil.
os barcos do rio São Francisco, as imagens de
Ao longo dos anos, a Bunge já consagrou nomes
feição popular são a cara do Brasil. O professor Luiz
como o arquiteto Oscar Niemeyer, os designers
Roberto Alves traça um perfil das mudanças que
Guto Indio da Costa, José Carlos Bornacini e Nelson
ocorreram na iconografia popular do interior do
Ivan Petzold, o escultor Bruno Giorgi, os músicos
país. A culinária é um dos mais fortes elementos
Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri, além do
na constituição da identidade de um povo. E a
grupo Uakti, e da bailarina e coreógrafa Marika
vitalidade das tradições culinárias brasileiras está
Gidali. Na literatura, a empresa reconheceu o
presente na comida do dia-a-dia e na gastronomia
trabalho de grandes nomes como Manuel Bandeira,
brasileira. Ingredientes pouco conhecidos fora
Érico Veríssimo, Jorge Amado, Raquel de Queiroz,
de suas regiões e suas adaptações para pratos
Lygia Fagundes Telles, Ruth Rocha e Hilda Hilst.
modernos são o tema do chef paulistano Alex
Além das premiações, a Bunge também ajudou, por
Atala, um dos mais destacados representantes da
meio de doações e patrocínios, na manutenção de
culinária do país.
diversas igrejas e na revitalização de festas populares
A historiadora Beth Lima mostra as rendas, a
em diversas cidades do interior do Brasil. Criando
cerâmica, as esculturas e os trabalhos em madeira
condições para o desenvolvimento das diversas
que tornam único o artesanato de cada região do
culturas agrícolas e da pecuária no país, a empresa
Brasil. Adélia Borges, jornalista especializada em design, fala da força da cultura popular brasileira na Para este livro, sete especialistas foram reunidos
vertente original, anônima e popular, mas também
para tratar justamente de música, literatura,
como principal influência do melhor design erudito
iconografia, design, culinária e outros aspectos
brasileiro dos últimos anos.
culturais relacionados às tradições populares do
O passado, o presente e o futuro das tradições
Brasil. Tradições que não podem ser conservadas
populares do país. Da literatura de cordel, que se
como num museu, pois estão vivas, modificando-se
recicla como peça de teatro, aos grupos de clóvis,
no contato com o mundo moderno e, por sua vez,
ou bate-bola, que sobrevivem há anos no carnaval
transformando o Brasil num país moderno.
carioca; do maracatu original à sua versão reciclada
O músico e produtor cultural Edson Natale conta
pela segunda geração do mangue beat, Raízes no
como as tradições e a modernidade convivem
Brasil conta a história de como a cultura popular
elegantemente entre músicos brasileiros de diversas
brasileira se mantém ativa e se recicla ao longo
gerações. O sociólogo cearense Eduardo Diatahy
do tempo, mostrando a importância das tradições
Menezes fala da importância do cordel e de suas
populares para a cultura do país.
transformações nos últimos 70 anos. As danças e os
14
maneira de morar de seu povo. Não apenas em sua
O Brasil do campo e o das cidades. O Brasil
festejos típicos a que elas estão ligadas são o tema
erudito e o Brasil popular. O Brasil da agricultura
do pernambucano Antônio Nóbrega. Mais do que
e o da cultura. Todos eles formam o Brasil no qual
seu tema, essas danças e festejos são a vida e a arte
a Bunge Fertilizantes chegou há 70 anos. E, para
desse dançarino, músico e cantor, que hoje busca
todos eles, a Bunge busca fazer diferença.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
colaborou ainda com a culinária brasileira.
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estímulos à produção intelectual, por reconhecer o
formatar uma linguagem de dança brasileira.
trabalho de personalidades que contribuem para
Dos santos católicos às carrancas que enfeitam
desenvolvimento cultural do Brasil.
os barcos do rio São Francisco, as imagens de
Ao longo dos anos, a Bunge já consagrou nomes
feição popular são a cara do Brasil. O professor Luiz
como o arquiteto Oscar Niemeyer, os designers
Roberto Alves traça um perfil das mudanças que
Guto Indio da Costa, José Carlos Bornacini e Nelson
ocorreram na iconografia popular do interior do
Ivan Petzold, o escultor Bruno Giorgi, os músicos
país. A culinária é um dos mais fortes elementos
Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri, além do
na constituição da identidade de um povo. E a
grupo Uakti, e da bailarina e coreógrafa Marika
vitalidade das tradições culinárias brasileiras está
Gidali. Na literatura, a empresa reconheceu o
presente na comida do dia-a-dia e na gastronomia
trabalho de grandes nomes como Manuel Bandeira,
brasileira. Ingredientes pouco conhecidos fora
Érico Veríssimo, Jorge Amado, Raquel de Queiroz,
de suas regiões e suas adaptações para pratos
Lygia Fagundes Telles, Ruth Rocha e Hilda Hilst.
modernos são o tema do chef paulistano Alex
Além das premiações, a Bunge também ajudou, por
Atala, um dos mais destacados representantes da
meio de doações e patrocínios, na manutenção de
culinária do país.
diversas igrejas e na revitalização de festas populares
A historiadora Beth Lima mostra as rendas, a
em diversas cidades do interior do Brasil. Criando
cerâmica, as esculturas e os trabalhos em madeira
condições para o desenvolvimento das diversas
que tornam único o artesanato de cada região do
culturas agrícolas e da pecuária no país, a empresa
Brasil. Adélia Borges, jornalista especializada em design, fala da força da cultura popular brasileira na Para este livro, sete especialistas foram reunidos
vertente original, anônima e popular, mas também
para tratar justamente de música, literatura,
como principal influência do melhor design erudito
iconografia, design, culinária e outros aspectos
brasileiro dos últimos anos.
culturais relacionados às tradições populares do
O passado, o presente e o futuro das tradições
Brasil. Tradições que não podem ser conservadas
populares do país. Da literatura de cordel, que se
como num museu, pois estão vivas, modificando-se
recicla como peça de teatro, aos grupos de clóvis,
no contato com o mundo moderno e, por sua vez,
ou bate-bola, que sobrevivem há anos no carnaval
transformando o Brasil num país moderno.
carioca; do maracatu original à sua versão reciclada
O músico e produtor cultural Edson Natale conta
pela segunda geração do mangue beat, Raízes no
como as tradições e a modernidade convivem
Brasil conta a história de como a cultura popular
elegantemente entre músicos brasileiros de diversas
brasileira se mantém ativa e se recicla ao longo
gerações. O sociólogo cearense Eduardo Diatahy
do tempo, mostrando a importância das tradições
Menezes fala da importância do cordel e de suas
populares para a cultura do país.
transformações nos últimos 70 anos. As danças e os
14
maneira de morar de seu povo. Não apenas em sua
O Brasil do campo e o das cidades. O Brasil
festejos típicos a que elas estão ligadas são o tema
erudito e o Brasil popular. O Brasil da agricultura
do pernambucano Antônio Nóbrega. Mais do que
e o da cultura. Todos eles formam o Brasil no qual
seu tema, essas danças e festejos são a vida e a arte
a Bunge Fertilizantes chegou há 70 anos. E, para
desse dançarino, músico e cantor, que hoje busca
todos eles, a Bunge busca fazer diferença.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
colaborou ainda com a culinária brasileira.
15
Literatura
Narrativa Popular em Verso Dr. Eduardo Diatahy B. de Menezes*
17
Literatura
Narrativa Popular em Verso Dr. Eduardo Diatahy B. de Menezes*
17
N
o ensaio O narrador, o teórico da comunicação Walter Benjamin sugere com argúcia que é uma experiência
“Essa história escrevi
transmitida boca a boca a fonte em que beberam
não foi por mim inventada,
todos os narradores e, de todos os escritores
um velho daquela época
que recolheram histórias, os maiores são aqueles
tem ainda decorada
cuja narrativa é a mais fiel à tradição oral dos
minha aqui só são as rimas
contadores anônimos. Além disso, devemos
exceto elas mais nada.”
distinguir, dentre esses mesmos contadores, dois grupos em que há interferências. Se remontarmos
Leandro Gomes de BARROS
aos seus protótipos arcaicos a fim de definir essas
(Peleja de Manoel Riachão com o diabo)
duas categorias de narradores, pode-se dizer que o trabalhador rural sedentário constitui a primeira, e o navegador mercante, a segunda. Benjamin sublinha ainda que o senso prático é
“É bom p’ra quem aprecia
traço característico de muitos contadores natos,
o verso em mythologia
e que aí reside um fato revelador da natureza de
fazendo a comparação.
“Vou descrever um trancoso
toda verdadeira narrativa: explícita ou implícita,
que vem do meu bisavô
ela apresenta sempre um aspecto utilitário. Este
Quem lêr esta narrativa
e ele contou um dia
acha um conto fabuloso
ao velho meu avô
não quero que por ahi
meu avô contou ao meu pai
digam que sou mentiroso
depois meu pai me contou.”
e que na minha cachola só se incute parola
José Costa LEITE
de assumpto mysterioso.”
(A mulher que enganou o diabo)
João Martins de Athayde
Toda narrativa tem como traço característico um aspecto utilitário
(O marco do meio do mundo) e o seu vocabulário é o mundo; ele tira do povo e do mundo a sua história.” João de Cristo Rei (em entrevista com o autor)
18
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
“O dicionário do poeta é o povo
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N
o ensaio O narrador, o teórico da comunicação Walter Benjamin sugere com argúcia que é uma experiência
“Essa história escrevi
transmitida boca a boca a fonte em que beberam
não foi por mim inventada,
todos os narradores e, de todos os escritores
um velho daquela época
que recolheram histórias, os maiores são aqueles
tem ainda decorada
cuja narrativa é a mais fiel à tradição oral dos
minha aqui só são as rimas
contadores anônimos. Além disso, devemos
exceto elas mais nada.”
distinguir, dentre esses mesmos contadores, dois grupos em que há interferências. Se remontarmos
Leandro Gomes de BARROS
aos seus protótipos arcaicos a fim de definir essas
(Peleja de Manoel Riachão com o diabo)
duas categorias de narradores, pode-se dizer que o trabalhador rural sedentário constitui a primeira, e o navegador mercante, a segunda. Benjamin sublinha ainda que o senso prático é
“É bom p’ra quem aprecia
traço característico de muitos contadores natos,
o verso em mythologia
e que aí reside um fato revelador da natureza de
fazendo a comparação.
“Vou descrever um trancoso
toda verdadeira narrativa: explícita ou implícita,
que vem do meu bisavô
ela apresenta sempre um aspecto utilitário. Este
Quem lêr esta narrativa
e ele contou um dia
acha um conto fabuloso
ao velho meu avô
não quero que por ahi
meu avô contou ao meu pai
digam que sou mentiroso
depois meu pai me contou.”
e que na minha cachola só se incute parola
José Costa LEITE
de assumpto mysterioso.”
(A mulher que enganou o diabo)
João Martins de Athayde
Toda narrativa tem como traço característico um aspecto utilitário
(O marco do meio do mundo) e o seu vocabulário é o mundo; ele tira do povo e do mundo a sua história.” João de Cristo Rei (em entrevista com o autor)
18
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
“O dicionário do poeta é o povo
19
se traduz às vezes por uma moralidade, às vezes
Os quatro grandes poetas populares que citei
por uma recomendação prática, um provérbio ou
na epígrafe são conscientes da continuidade
uma regra de vida. Em todo caso, o narrador é um
do rio de criação de que participam e por isso
homem de bom conselho. Nesse trecho de sua
assinalam seu enraizamento numa memória
reflexão, o teórico destaca que a memória ou a
ancestral espalhada pelo mundo que ajudam
“lembrança” funda essa corrente de tradições que
a construir com sua palavra. Seu influxo
transmite os acontecimentos passados de geração
atravessa incólume os séculos, perpetuando-se
a geração – eis por que Mnemósina, “aquela que
em manifestações de todo gênero. Todavia, se
lembra”, era entre os gregos a musa da epopéia.
todas as formas de narrar (verbais ou outras) são
É a lembrança que tece o conjunto da malha
obra de ficção, cuja etimologia aponta para o
formada por todas as histórias; cada uma se liga a
fingimento e a fantasia, sendo o narrador assim
todas as outras, como sempre gostaram de mostrar
um mentiroso autorizado que se arroga o direito
os grandes contadores de histórias, sobretudo os
de instaurar mundos, é legítimo indagar: que
orientais. Como diz Benjamin: “Em cada um deles
interesses, que impulsos ou que necessidades nos
vive uma Scherazade para quem cada episódio de
levam a condutas orientadas a acolher e a fruir
uma história evoca logo outra história”.
tais simulacros do real?
Ora, mesmo as culturas arcaicas, sob o domínio
20
aventuras de heróis das histórias em quadrinhos,
da oralidade, assentavam seu autoconhecimento
todos são fontes incessantes a alimentar a caudal
e se instituíam mediante seus mitos, lendas
narrativa de nosso imaginário sociocultural.
e ritos. Todas as civilizações se fundam e se
Conforme assevera Joseph Campbell, o estudioso
configuram em grandes narrativas, que buscam
de mitologia e religião comparada, trata-se de um
transcender e compensar a irrevogável finitude
monomito, fonte e matriz da criação simbólica
da condição humana. Portanto, mitos, contos e
do homem em todas as áreas fundamentais de
lendas populares, romanceiros, folhetins, novelas
sua existência. É, porém, indubitavelmente, essa
e romances, e mesmo filmes como os de 007 ou
inexaurível capacidade de fabulação que nos
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
É a lembrança que tece o conjunto da malha formada por todas as histórias
21
se traduz às vezes por uma moralidade, às vezes
Os quatro grandes poetas populares que citei
por uma recomendação prática, um provérbio ou
na epígrafe são conscientes da continuidade
uma regra de vida. Em todo caso, o narrador é um
do rio de criação de que participam e por isso
homem de bom conselho. Nesse trecho de sua
assinalam seu enraizamento numa memória
reflexão, o teórico destaca que a memória ou a
ancestral espalhada pelo mundo que ajudam
“lembrança” funda essa corrente de tradições que
a construir com sua palavra. Seu influxo
transmite os acontecimentos passados de geração
atravessa incólume os séculos, perpetuando-se
a geração – eis por que Mnemósina, “aquela que
em manifestações de todo gênero. Todavia, se
lembra”, era entre os gregos a musa da epopéia.
todas as formas de narrar (verbais ou outras) são
É a lembrança que tece o conjunto da malha
obra de ficção, cuja etimologia aponta para o
formada por todas as histórias; cada uma se liga a
fingimento e a fantasia, sendo o narrador assim
todas as outras, como sempre gostaram de mostrar
um mentiroso autorizado que se arroga o direito
os grandes contadores de histórias, sobretudo os
de instaurar mundos, é legítimo indagar: que
orientais. Como diz Benjamin: “Em cada um deles
interesses, que impulsos ou que necessidades nos
vive uma Scherazade para quem cada episódio de
levam a condutas orientadas a acolher e a fruir
uma história evoca logo outra história”.
tais simulacros do real?
Ora, mesmo as culturas arcaicas, sob o domínio
20
aventuras de heróis das histórias em quadrinhos,
da oralidade, assentavam seu autoconhecimento
todos são fontes incessantes a alimentar a caudal
e se instituíam mediante seus mitos, lendas
narrativa de nosso imaginário sociocultural.
e ritos. Todas as civilizações se fundam e se
Conforme assevera Joseph Campbell, o estudioso
configuram em grandes narrativas, que buscam
de mitologia e religião comparada, trata-se de um
transcender e compensar a irrevogável finitude
monomito, fonte e matriz da criação simbólica
da condição humana. Portanto, mitos, contos e
do homem em todas as áreas fundamentais de
lendas populares, romanceiros, folhetins, novelas
sua existência. É, porém, indubitavelmente, essa
e romances, e mesmo filmes como os de 007 ou
inexaurível capacidade de fabulação que nos
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
É a lembrança que tece o conjunto da malha formada por todas as histórias
21
1. Cordel é folheto em verso
Feiras e praças constituem o espaço público por
Como Manoel Riachão
excelência onde o poeta popular ou seu agente,
Zezinho e Mariquinha
em meio ao burburinho de ambulantes e eventuais
Juvenal e o Dragão
compradores, espalha sobre tampas abertas
Os aventureiros da sorte
de malas rústicas ou sobre lona pelo chão uma
José de Sousa Leão;
“mercadoria” singular: o fascínio do maravilhoso ou do fantástico. São histórias de batalhas ou
2. Narciso e Iracema
de amores trágicos, de pícaros ou fesceninos, de
Jacinto e Esmeraldina
acontecimentos mundiais e locais, catástrofes,
O Príncipe Roldão e Lídia
mortes célebres etc., quase sempre, em sua feição
Juvenal e Jovelina
mais manifesta, apegados à lei e à religião. Ele lê ou
As proezas de João Grilo
entoa, com alguma encenação, parte da narrativa
Princesa da Pedra Fina;
e usa a “trava” ou suspense: “Quem quiser saber como Lampião expulsou o diabo do inferno compre
3. Rogaciano e Dorotéia
o folheto!” Frágeis em sua contextura, impressos
O Herói João de Calais
em papel-jornal pobre, medindo aproximadamente
e a Princesa Constança
15 cm x 11,5 cm, contêm um múltiplo de quatro,
Batalha de Ferrabrás
em geral oito ou 16 páginas, e são chamados
A Prisão de Oliveiros
folhetos ou cadernos; se o relato ocupa 32 páginas
Zé Garcia e outros mais.
é um romance; se maior, é uma história.
caracteriza como humanos. E aí residem as origens
Torna-se mandrião, fala difícil, lê o Lunário Perpétuo
mais remotas da floração da Literatura Popular em
e o Carlos Magno, à noite, na esteira, para a
Verso (LPV) brasileira, a chamada literatura “de
família reunida em torno da candeia”. Isso retrata
cordel”, que foi mais rica nas províncias do norte,
razoavelmente o que se passava, sobretudo, do lado
como se dizia então, desde fins do século XIX até a
dos consumidores de nossa literatura popular. Que
primeira metade do século passado, no que hoje se
dizer do lado de sua produção e como conceber e
conhece como nordeste. Na singularidade de seu
caracterizar essa criação literária do povo?
perfil brasileiro, essa literatura chegou até nós pela via ibérica e sofreu mutações de nossa cultura.
O simples fato de intitulá-la Literatura ou Narrativa Popular em Verso já assinala suas características básicas: é fabulação poética, é do
22
Narrativa popular em verso
povo e se distingue da cultura erudita, além de
Em seu livro Caetés, Graciliano Ramos nos dá este
utilizar rima e ritmo como recursos mnemônicos
perspicaz e duro depoimento: “Quando o nosso
e de facilitação de sua recepção por todos os
matuto tem um filho opilado e raquítico, manda
públicos. Mas deixemos à parte a lógica erudita e
domesticá-lo a palmatória e a murro. O animal
cedamos a palavra ao poeta popular que nos dá
aprende cartilha e fica sendo consultor lá no sítio.
sua concepção em maravilhosa síntese:
Feiras e praças constituem o espaço público onde o poeta de cordel espalha sua mercadoria
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
José Costa LEITE (Sertão, folclore e cordel)
23
1. Cordel é folheto em verso
Feiras e praças constituem o espaço público por
Como Manoel Riachão
excelência onde o poeta popular ou seu agente,
Zezinho e Mariquinha
em meio ao burburinho de ambulantes e eventuais
Juvenal e o Dragão
compradores, espalha sobre tampas abertas
Os aventureiros da sorte
de malas rústicas ou sobre lona pelo chão uma
José de Sousa Leão;
“mercadoria” singular: o fascínio do maravilhoso ou do fantástico. São histórias de batalhas ou
2. Narciso e Iracema
de amores trágicos, de pícaros ou fesceninos, de
Jacinto e Esmeraldina
acontecimentos mundiais e locais, catástrofes,
O Príncipe Roldão e Lídia
mortes célebres etc., quase sempre, em sua feição
Juvenal e Jovelina
mais manifesta, apegados à lei e à religião. Ele lê ou
As proezas de João Grilo
entoa, com alguma encenação, parte da narrativa
Princesa da Pedra Fina;
e usa a “trava” ou suspense: “Quem quiser saber como Lampião expulsou o diabo do inferno compre
3. Rogaciano e Dorotéia
o folheto!” Frágeis em sua contextura, impressos
O Herói João de Calais
em papel-jornal pobre, medindo aproximadamente
e a Princesa Constança
15 cm x 11,5 cm, contêm um múltiplo de quatro,
Batalha de Ferrabrás
em geral oito ou 16 páginas, e são chamados
A Prisão de Oliveiros
folhetos ou cadernos; se o relato ocupa 32 páginas
Zé Garcia e outros mais.
é um romance; se maior, é uma história.
caracteriza como humanos. E aí residem as origens
Torna-se mandrião, fala difícil, lê o Lunário Perpétuo
mais remotas da floração da Literatura Popular em
e o Carlos Magno, à noite, na esteira, para a
Verso (LPV) brasileira, a chamada literatura “de
família reunida em torno da candeia”. Isso retrata
cordel”, que foi mais rica nas províncias do norte,
razoavelmente o que se passava, sobretudo, do lado
como se dizia então, desde fins do século XIX até a
dos consumidores de nossa literatura popular. Que
primeira metade do século passado, no que hoje se
dizer do lado de sua produção e como conceber e
conhece como nordeste. Na singularidade de seu
caracterizar essa criação literária do povo?
perfil brasileiro, essa literatura chegou até nós pela via ibérica e sofreu mutações de nossa cultura.
O simples fato de intitulá-la Literatura ou Narrativa Popular em Verso já assinala suas características básicas: é fabulação poética, é do
22
Narrativa popular em verso
povo e se distingue da cultura erudita, além de
Em seu livro Caetés, Graciliano Ramos nos dá este
utilizar rima e ritmo como recursos mnemônicos
perspicaz e duro depoimento: “Quando o nosso
e de facilitação de sua recepção por todos os
matuto tem um filho opilado e raquítico, manda
públicos. Mas deixemos à parte a lógica erudita e
domesticá-lo a palmatória e a murro. O animal
cedamos a palavra ao poeta popular que nos dá
aprende cartilha e fica sendo consultor lá no sítio.
sua concepção em maravilhosa síntese:
Feiras e praças constituem o espaço público onde o poeta de cordel espalha sua mercadoria
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
José Costa LEITE (Sertão, folclore e cordel)
23
bateu na mãe na sexta-feira da Paixão; O cavalo que descome dinheiro; O encontro de Lampeão com a negra de um peito só etc.). Paralelamente, editavam-se ainda em grande número os títulos tradicionais e consagrados pelo gosto popular. Em sua temática, os folhetos assentavam na exploração de valores como o heróico (quase sempre na forma de valentia individual) e o satírico ou picaresco (sobretudo recorrendo a situações ambíguas, como o fizeram magistralmente Rabelais e Gil Vicente). Com a expansão, passaram a ser dominantes valores como o romântico, o histórico, a moral e a religião (quase sempre em apoio ao catolicismo e combate ao protestantismo), a política e os acontecimentos. Com alguma freqüência, políticas de saúde pública e campanhas eleitorais se utilizaram da ampla força de difusão dos folhetos e do talento dos poetas. Suas ilustrações, especialmente as xilogravuras, superaram pouco a pouco essa função utilitária e se tornaram criação
de folhetos, o que acarretava novo perfil estético
O desprezo ou a apologia
nossos estudiosos cultos beberam no ensaísta
e novas exigências de produção. Tornou-se um
Breve palavra final sobre a repercussão dessa
Teófilo Braga (1843 – 1924) e que, em tempos
dos primeiros dos grandes editores populares:
literatura. Se, na França, sua Littérature de
recentes, se impôs aos poetas populares. Misto
a trajetória de sua casa editorial acompanha os
Colportage, sob certos aspectos semelhante à
de repórter, cronista, pedagogo, pregador,
êxitos e vicissitudes da expansão, do apogeu e
nossa, após as agitações de 1848, foi confiscada
alguns poetas populares foram também grandes
da decadência dessa literatura, passando-a para
e morta pela repressão policial (1852), entre
andarilhos: Joaquim Batista de Sena afirma ter
as mãos habilidosas de Athayde e depois para o
nós, foi quase sempre oscilante e ambígua a
percorrido e cantado desde o norte de Minas até
longo período de José Bernardo da Silva (1901
atitude de nossa tradição letrada em face de
o Alto Amazonas. Parece ter sido Leandro Gomes
– 1970), até seu fechamento nos anos 1980.
nossa LPV: o desprezo ou a apologia. Contudo,
Cordel é uma designação luso-espanhola, que
Nossa LPV, em seu percurso histórico, projetando-
já no século XIX, José de Alencar (1829-1877)
plêiade dos melhores poetas populares [Francisco
se como um bem financeiramente rendoso, suscitou
admirava-se de ver um exemplar da produção
das Chagas Batista (1882 – 1930), João Martins de
outros meios de divulgação e publicidade, em
desse romanceiro veiculado em folhetos
Athayde (1880 – 1959) e alguns mais] o pioneiro
especial na impressão, nas capas e nos títulos (já
populares e foi ele um dos nossos primeiros
no processo de objetivar essa criação, atento ao
distantes dos romances tradicionais, aparecem
intelectuais a fazer o registro de romances em
modo como se dava a recepção e o interesse,
como: A velha debaixo da cama com a perna
versos. Outro fato curioso: algum tempo depois,
superando a oralidade pela escrita e a impressão
cabeluda; A moça que virou cachorra porque
Franklin Távora (1842-1888), em seu romance O
de Barros (1865 – 1918), um dos maiores dentre a
24
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
autônoma, que merece um estudo à parte.
25
bateu na mãe na sexta-feira da Paixão; O cavalo que descome dinheiro; O encontro de Lampeão com a negra de um peito só etc.). Paralelamente, editavam-se ainda em grande número os títulos tradicionais e consagrados pelo gosto popular. Em sua temática, os folhetos assentavam na exploração de valores como o heróico (quase sempre na forma de valentia individual) e o satírico ou picaresco (sobretudo recorrendo a situações ambíguas, como o fizeram magistralmente Rabelais e Gil Vicente). Com a expansão, passaram a ser dominantes valores como o romântico, o histórico, a moral e a religião (quase sempre em apoio ao catolicismo e combate ao protestantismo), a política e os acontecimentos. Com alguma freqüência, políticas de saúde pública e campanhas eleitorais se utilizaram da ampla força de difusão dos folhetos e do talento dos poetas. Suas ilustrações, especialmente as xilogravuras, superaram pouco a pouco essa função utilitária e se tornaram criação
de folhetos, o que acarretava novo perfil estético
O desprezo ou a apologia
nossos estudiosos cultos beberam no ensaísta
e novas exigências de produção. Tornou-se um
Breve palavra final sobre a repercussão dessa
Teófilo Braga (1843 – 1924) e que, em tempos
dos primeiros dos grandes editores populares:
literatura. Se, na França, sua Littérature de
recentes, se impôs aos poetas populares. Misto
a trajetória de sua casa editorial acompanha os
Colportage, sob certos aspectos semelhante à
de repórter, cronista, pedagogo, pregador,
êxitos e vicissitudes da expansão, do apogeu e
nossa, após as agitações de 1848, foi confiscada
alguns poetas populares foram também grandes
da decadência dessa literatura, passando-a para
e morta pela repressão policial (1852), entre
andarilhos: Joaquim Batista de Sena afirma ter
as mãos habilidosas de Athayde e depois para o
nós, foi quase sempre oscilante e ambígua a
percorrido e cantado desde o norte de Minas até
longo período de José Bernardo da Silva (1901
atitude de nossa tradição letrada em face de
o Alto Amazonas. Parece ter sido Leandro Gomes
– 1970), até seu fechamento nos anos 1980.
nossa LPV: o desprezo ou a apologia. Contudo,
Cordel é uma designação luso-espanhola, que
Nossa LPV, em seu percurso histórico, projetando-
já no século XIX, José de Alencar (1829-1877)
plêiade dos melhores poetas populares [Francisco
se como um bem financeiramente rendoso, suscitou
admirava-se de ver um exemplar da produção
das Chagas Batista (1882 – 1930), João Martins de
outros meios de divulgação e publicidade, em
desse romanceiro veiculado em folhetos
Athayde (1880 – 1959) e alguns mais] o pioneiro
especial na impressão, nas capas e nos títulos (já
populares e foi ele um dos nossos primeiros
no processo de objetivar essa criação, atento ao
distantes dos romances tradicionais, aparecem
intelectuais a fazer o registro de romances em
modo como se dava a recepção e o interesse,
como: A velha debaixo da cama com a perna
versos. Outro fato curioso: algum tempo depois,
superando a oralidade pela escrita e a impressão
cabeluda; A moça que virou cachorra porque
Franklin Távora (1842-1888), em seu romance O
de Barros (1865 – 1918), um dos maiores dentre a
24
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
autônoma, que merece um estudo à parte.
25
cabeleira (1876), não só se utiliza de materiais da poesia popular, como no prefácio desse livro formula uma hipótese curiosa que antecipa a razão por que nossa LPV se expandiu sobremodo na região da Bahia ao Amazonas: “As letras têm, como a política, certo caráter geográfico; mais no norte, porém, do que no sul abundam elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o norte ainda não foi invadido, como está sendo o sul de dia em dia, pelo estrangeiro. A feição primitiva, unicamente unificada pela cultura que as raças, as índoles e os costumes recebem dos tempos ou do progresso, pode-se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua genuína expressão, (...) o edifício literário dessa parte do Império que, por sua natureza..., por sua história tão rica de feitos heróicos, por seus usos, tradições e poesia popular há de ter cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua”. Por sua vez, Sílvio Romero, que reconhece em Celso de Magalhães “o primeiro promotor” dos
As inspirações de Ariano Suassuna
estudos da poesia popular brasileira, foi ele próprio
26
e, no entanto, pode ser tomado como paradigma
Autor de vários textos importantes da literatura e do
e a leitura. Meus personagens ora são recriações
das oscilações de nossas elites culturais em relação
teatro brasileiros, entre eles O auto da compadecida e
de personagens populares e de folhetos de cordel,
às criações simbólicas do povo. Com efeito, tanto
A pedra do reino, o escritor, pesquisador e dramaturgo
ora são familiares ou pessoas que conheci. Em O
exprime uma visão bucólica e apaixonada de nossa
Ariano Suassuna sempre se valeu das narrativas da
auto da compadecida, por exemplo, estão presentes
literatura popular. Nascido na cidade da Paraíba (hoje
o Palhaço e João Grilo. O Palhaço é inspirado no
João Pessoa), em 1927, Suassuna cresceu no sertão
palhaço Gregório da minha infância, em Taperoá. Já
e depois mudou-se para o Recife, onde iniciou sua
o João Grilo é o típico nordestino ‘amarelo’, que tenta
vida literária, publicando poemas. Aqui ele explica a
sobreviver no sertão de forma imaginosa. Costumo
origem de suas obras: “Todas as histórias contadas
dizer que a astúcia é a coragem do pobre. O nome
por mim são recriações de histórias populares ou de
dele é uma homenagem ao personagem de cordel e
histórias pessoais. Eu tinha alguns encantamentos
a um vendedor de jornal astucioso que eu conheci na
na infância. Entre esses, os mais fortes eram o circo
década de 1950 e que tinha esse apelido”.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
um dos grandes impulsionadores dessas pesquisas
27
cabeleira (1876), não só se utiliza de materiais da poesia popular, como no prefácio desse livro formula uma hipótese curiosa que antecipa a razão por que nossa LPV se expandiu sobremodo na região da Bahia ao Amazonas: “As letras têm, como a política, certo caráter geográfico; mais no norte, porém, do que no sul abundam elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o norte ainda não foi invadido, como está sendo o sul de dia em dia, pelo estrangeiro. A feição primitiva, unicamente unificada pela cultura que as raças, as índoles e os costumes recebem dos tempos ou do progresso, pode-se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua genuína expressão, (...) o edifício literário dessa parte do Império que, por sua natureza..., por sua história tão rica de feitos heróicos, por seus usos, tradições e poesia popular há de ter cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua”. Por sua vez, Sílvio Romero, que reconhece em Celso de Magalhães “o primeiro promotor” dos
As inspirações de Ariano Suassuna
estudos da poesia popular brasileira, foi ele próprio
26
e, no entanto, pode ser tomado como paradigma
Autor de vários textos importantes da literatura e do
e a leitura. Meus personagens ora são recriações
das oscilações de nossas elites culturais em relação
teatro brasileiros, entre eles O auto da compadecida e
de personagens populares e de folhetos de cordel,
às criações simbólicas do povo. Com efeito, tanto
A pedra do reino, o escritor, pesquisador e dramaturgo
ora são familiares ou pessoas que conheci. Em O
exprime uma visão bucólica e apaixonada de nossa
Ariano Suassuna sempre se valeu das narrativas da
auto da compadecida, por exemplo, estão presentes
literatura popular. Nascido na cidade da Paraíba (hoje
o Palhaço e João Grilo. O Palhaço é inspirado no
João Pessoa), em 1927, Suassuna cresceu no sertão
palhaço Gregório da minha infância, em Taperoá. Já
e depois mudou-se para o Recife, onde iniciou sua
o João Grilo é o típico nordestino ‘amarelo’, que tenta
vida literária, publicando poemas. Aqui ele explica a
sobreviver no sertão de forma imaginosa. Costumo
origem de suas obras: “Todas as histórias contadas
dizer que a astúcia é a coragem do pobre. O nome
por mim são recriações de histórias populares ou de
dele é uma homenagem ao personagem de cordel e
histórias pessoais. Eu tinha alguns encantamentos
a um vendedor de jornal astucioso que eu conheci na
na infância. Entre esses, os mais fortes eram o circo
década de 1950 e que tinha esse apelido”.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
um dos grandes impulsionadores dessas pesquisas
27
poesia (Marcus Accioly), no cinema, tanto em sua temática como em seu andamento ou nos títulos (“O País de São Saruê” de Wladimir Carvalho, além de Lima Barreto e especialmente Glauber Rocha em “Deus e o diabo na terra do sol” e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” etc.), na indústria fonográfica (Marcus Pereira, Musicolor etc.), ou em filme e disco combinados (“Nordeste: cordel, repente & canção”, de Tânia Quaresma). Enfim, uma apropriação erudita mais ampla do popular poderia ser indefinidamente arrolada para todos os setores da cultura: a grande maioria da literatura brasileira “culta” é caudatária dessas fontes populares, assim como as artes plásticas (Di Cavalcanti, Portinari, Carybé, Aldemir Martins, Samico etc.), a música erudita (Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Radamés Gnatali, Guerra Peixe, o Movimento Armorial etc.), a arquitetura decorativa e até mesmo a medicina. E, mais além disso tudo, que significam os inúmeros ensaios e dissertações ou teses de todos os matizes e inclinações que têm poesia popular, como, ao reunir em livro (1888)
atividade criativa alguns dos poetas populares mais
seus estudos sobre a poesia popular do Brasil,
representativos e mais famosos.
chega a afirmar: “O povo do interior ainda lê
Em suma, a força telúrica da LPV terminaria por
Popular em Verso? Deixo ao leitor o ofício de
muito as obras de que falamos, mas a decadência
suscitar o interesse dos eruditos em tomá-la como
refletir sobre a questão e lhe ofereço a arguta
por este lado é patente: os livros de cordel
objeto de estudo (Mário de Andrade, Câmara
observação deste grande estudioso que foi Michel
vão tendo menos extração, depois da grande
Cascudo, Gilberto Freyre, Cavalcante Proença,
de Certeau: “É no momento em que uma cultura
inundação dos jornais”.
Raymond Cantel e muitos outros até hoje). Ou pela
já não possui os meios de se defender que o
recriação da temática dos folhetos populares nos
etnólogo e o arqueólogo aparecem”.
Não é difícil imaginar o que diria o crítico
28
sergipano se tivesse alcançado a expansão do rádio
folhetins televisivos ou “novelas” (Dias Gomes, por
e da televisão. Seu vaticínio solene, contudo, não se
exemplo), na música (Gilberto Gil, Ednardo, Alceu
mostrou tão patente. Por ironia, não só os poetas
Valença, Antonio Nóbrega etc.), na prosa de ficção
populares se utilizaram amplamente das gráficas
(desde Franklin Távora até José Américo, José Lins
dos jornais para a realização de sua produção,
do Rego, Mário de Andrade, Graciliano Ramos,
como ainda os anos que se seguiram à sua profecia
Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa,
foram os mais fecundos dessa literatura e, em
Suassuna etc.), no teatro (João Cabral de Melo
1914, quando de sua morte, estavam em plena
Neto e outra vez Dias Gomes e Suassuna etc.), na
O doutor Eduardo Diatahy B. de Menezes é Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e titular de Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, da Academia Cearense de Letras, do Instituto Histórico do Ceará e da Academia Cearense de Ciências. Membro Titular da AISLF (Association Internationale des Sociologues de Langue Française) e pesquisador do CNPq.
*
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
sido produzidos atualmente sobre a Literatura
29
poesia (Marcus Accioly), no cinema, tanto em sua temática como em seu andamento ou nos títulos (“O País de São Saruê” de Wladimir Carvalho, além de Lima Barreto e especialmente Glauber Rocha em “Deus e o diabo na terra do sol” e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” etc.), na indústria fonográfica (Marcus Pereira, Musicolor etc.), ou em filme e disco combinados (“Nordeste: cordel, repente & canção”, de Tânia Quaresma). Enfim, uma apropriação erudita mais ampla do popular poderia ser indefinidamente arrolada para todos os setores da cultura: a grande maioria da literatura brasileira “culta” é caudatária dessas fontes populares, assim como as artes plásticas (Di Cavalcanti, Portinari, Carybé, Aldemir Martins, Samico etc.), a música erudita (Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Radamés Gnatali, Guerra Peixe, o Movimento Armorial etc.), a arquitetura decorativa e até mesmo a medicina. E, mais além disso tudo, que significam os inúmeros ensaios e dissertações ou teses de todos os matizes e inclinações que têm poesia popular, como, ao reunir em livro (1888)
atividade criativa alguns dos poetas populares mais
seus estudos sobre a poesia popular do Brasil,
representativos e mais famosos.
chega a afirmar: “O povo do interior ainda lê
Em suma, a força telúrica da LPV terminaria por
Popular em Verso? Deixo ao leitor o ofício de
muito as obras de que falamos, mas a decadência
suscitar o interesse dos eruditos em tomá-la como
refletir sobre a questão e lhe ofereço a arguta
por este lado é patente: os livros de cordel
objeto de estudo (Mário de Andrade, Câmara
observação deste grande estudioso que foi Michel
vão tendo menos extração, depois da grande
Cascudo, Gilberto Freyre, Cavalcante Proença,
de Certeau: “É no momento em que uma cultura
inundação dos jornais”.
Raymond Cantel e muitos outros até hoje). Ou pela
já não possui os meios de se defender que o
recriação da temática dos folhetos populares nos
etnólogo e o arqueólogo aparecem”.
Não é difícil imaginar o que diria o crítico
28
sergipano se tivesse alcançado a expansão do rádio
folhetins televisivos ou “novelas” (Dias Gomes, por
e da televisão. Seu vaticínio solene, contudo, não se
exemplo), na música (Gilberto Gil, Ednardo, Alceu
mostrou tão patente. Por ironia, não só os poetas
Valença, Antonio Nóbrega etc.), na prosa de ficção
populares se utilizaram amplamente das gráficas
(desde Franklin Távora até José Américo, José Lins
dos jornais para a realização de sua produção,
do Rego, Mário de Andrade, Graciliano Ramos,
como ainda os anos que se seguiram à sua profecia
Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa,
foram os mais fecundos dessa literatura e, em
Suassuna etc.), no teatro (João Cabral de Melo
1914, quando de sua morte, estavam em plena
Neto e outra vez Dias Gomes e Suassuna etc.), na
O doutor Eduardo Diatahy B. de Menezes é Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e titular de Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, da Academia Cearense de Letras, do Instituto Histórico do Ceará e da Academia Cearense de Ciências. Membro Titular da AISLF (Association Internationale des Sociologues de Langue Française) e pesquisador do CNPq.
*
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
sido produzidos atualmente sobre a Literatura
29
música
Uma nação de sons e ritmos Edson Natale*
31
música
Uma nação de sons e ritmos Edson Natale*
31
V
amos pegar um mapa do Brasil e imaginar que colocaremos um alfinete colorido para cada um dos lugares
onde existe festa com música. Certamente faltaria espaço para os alfinetes, com exceção da região norte do país, por causa do tamanho das florestas. Mesmo assim, poderíamos avistar “cachos” de alfinetes contrastando com o verde do mapa. Quem já foi para Macapá, por exemplo, lembra dos barcos saindo no final da tarde carregando carros, motos e as pessoas, claro, para as festas que acontecem nas ilhas espalhadas pelo rio Amazonas. Por ali, em Macapá mesmo, sempre haverá a possibilidade de acompanhar, no bairro do Laguinho, o marabaixo, o ritmo que imita os passos dos escravos com os pés presos por correntes. Comecei citando a música do Amapá para nos lembrarmos que não existe “apenas” a história da música feita no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em São Paulo, em Minas Gerais e na Bahia. A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada. Personagens como Hélio Mello, do Acre, Waldemar Henrique, do Pará, ou Paixão Cortes, do Rio Grande do Sul, apenas para citar alguns exemplos, devem Isso, para quem já é apaixonado por essa vastidão sonora, será motivo de múltiplas alegrias e descobertas de histórias ricas, rítmicas, diversas e melódicas em todos os estados.
32
A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
ocupar seu espaço na história da música brasileira.
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V
amos pegar um mapa do Brasil e imaginar que colocaremos um alfinete colorido para cada um dos lugares
onde existe festa com música. Certamente faltaria espaço para os alfinetes, com exceção da região norte do país, por causa do tamanho das florestas. Mesmo assim, poderíamos avistar “cachos” de alfinetes contrastando com o verde do mapa. Quem já foi para Macapá, por exemplo, lembra dos barcos saindo no final da tarde carregando carros, motos e as pessoas, claro, para as festas que acontecem nas ilhas espalhadas pelo rio Amazonas. Por ali, em Macapá mesmo, sempre haverá a possibilidade de acompanhar, no bairro do Laguinho, o marabaixo, o ritmo que imita os passos dos escravos com os pés presos por correntes. Comecei citando a música do Amapá para nos lembrarmos que não existe “apenas” a história da música feita no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em São Paulo, em Minas Gerais e na Bahia. A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada. Personagens como Hélio Mello, do Acre, Waldemar Henrique, do Pará, ou Paixão Cortes, do Rio Grande do Sul, apenas para citar alguns exemplos, devem Isso, para quem já é apaixonado por essa vastidão sonora, será motivo de múltiplas alegrias e descobertas de histórias ricas, rítmicas, diversas e melódicas em todos os estados.
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A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
ocupar seu espaço na história da música brasileira.
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Esta nação não é capaz de existir e viver sem música. Nossas diferentes regiões são habitadas por pessoas e suas crenças, virtudes e histórias; mas também pelo jongo, maracatu, samba, fandango, congada, folia de reis, umbigada, bumba-meu-boi, xote, choro, valsa, rasqueado, carimbó, marabaixo, ponteado, embolada e cururu, só para citar alguns. Não há metodologia ou tecnologia capaz de organizar a música brasileira estaticamente nas prateleiras de um museu porque a cada dia existe alguém “bebendo na fonte” e indo além. A sonoridade brasileira só está em crise para aqueles que se acostumaram ou acreditam na programação tradicional e viciada da maioria das rádios que continuam apostando na mesmice e na padronização, ou para os que seguem com os ouvidos descansados e descansando na poltrona da sala.
A nação da música
finais de semana, os violeiros, os churrascos com
A música é um dos principais combustíveis
chamamés, milongas e sanfonas, as serestas, as
ouvir o futuro da música brasileira por meio de
simbólicos do Brasil e temos uma tamanha
“bandas de garagem”, os encontros improvisados
uma viagem prazerosa, com roteiro divertido e
quantidade de ritmos, festas e tradições que,
dos rappers, emboladores e cantadores, sem
improvisado. Como diz o dito popular, sentiremos
neste exato momento em que você lê este texto,
contar os ensaios para que isso tudo aconteça. O
a necessidade de “fritar o peixe com um olho no
algumas delas estão em andamento ou em
caso é que, para o Brasil, a música é uma espécie
gato e o outro no frigideira”, neste caso, melhor
preparação, seja no meio de um vilarejo, na roça,
de argamassa que incessantemente segue sua sina
dizendo, com um olho no passado e o outro no
no sertão ou em um grande centro urbano.
e saga – “tijolo por tijolo num desenho mágico”
futuro. Vamos pegar o exemplo do pandeiro: de
– de construir casas, ocas, tabas, prédios, estradas,
Jackson do Pandeiro a Marcos Suzano e Guello,
com música, os nossos alfinetes também irão
caminhos, trilhas, quebradas, vilas, ruas, favelas,
parece que o dito cujo foi reinventado inúmeras
demarcar as apresentações musicais em teatros,
barracos e palafitas simbólicas onde habitam os
vezes, por meio de experiências e incorporações
centros culturais, bares e casas noturnas, os
desejos, tristezas, alegrias, esperanças, decepções,
rítmicas e tecnológicas. Na verdade, poderíamos
festivais, os concertos, as rodas de choro, de
lutas, vitórias, derrotas, criações e invenções dos
seguir com esse texto degustando saborosamente
violão, o samba e os pagodes que acontecem nos
habitantes deste país.
“somente” o pandeiro!
34
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Vamos imaginar então que, além das festas
Que me perdoem os pessimistas, mas podemos
35
Esta nação não é capaz de existir e viver sem música. Nossas diferentes regiões são habitadas por pessoas e suas crenças, virtudes e histórias; mas também pelo jongo, maracatu, samba, fandango, congada, folia de reis, umbigada, bumba-meu-boi, xote, choro, valsa, rasqueado, carimbó, marabaixo, ponteado, embolada e cururu, só para citar alguns. Não há metodologia ou tecnologia capaz de organizar a música brasileira estaticamente nas prateleiras de um museu porque a cada dia existe alguém “bebendo na fonte” e indo além. A sonoridade brasileira só está em crise para aqueles que se acostumaram ou acreditam na programação tradicional e viciada da maioria das rádios que continuam apostando na mesmice e na padronização, ou para os que seguem com os ouvidos descansados e descansando na poltrona da sala.
A nação da música
finais de semana, os violeiros, os churrascos com
A música é um dos principais combustíveis
chamamés, milongas e sanfonas, as serestas, as
ouvir o futuro da música brasileira por meio de
simbólicos do Brasil e temos uma tamanha
“bandas de garagem”, os encontros improvisados
uma viagem prazerosa, com roteiro divertido e
quantidade de ritmos, festas e tradições que,
dos rappers, emboladores e cantadores, sem
improvisado. Como diz o dito popular, sentiremos
neste exato momento em que você lê este texto,
contar os ensaios para que isso tudo aconteça. O
a necessidade de “fritar o peixe com um olho no
algumas delas estão em andamento ou em
caso é que, para o Brasil, a música é uma espécie
gato e o outro no frigideira”, neste caso, melhor
preparação, seja no meio de um vilarejo, na roça,
de argamassa que incessantemente segue sua sina
dizendo, com um olho no passado e o outro no
no sertão ou em um grande centro urbano.
e saga – “tijolo por tijolo num desenho mágico”
futuro. Vamos pegar o exemplo do pandeiro: de
– de construir casas, ocas, tabas, prédios, estradas,
Jackson do Pandeiro a Marcos Suzano e Guello,
com música, os nossos alfinetes também irão
caminhos, trilhas, quebradas, vilas, ruas, favelas,
parece que o dito cujo foi reinventado inúmeras
demarcar as apresentações musicais em teatros,
barracos e palafitas simbólicas onde habitam os
vezes, por meio de experiências e incorporações
centros culturais, bares e casas noturnas, os
desejos, tristezas, alegrias, esperanças, decepções,
rítmicas e tecnológicas. Na verdade, poderíamos
festivais, os concertos, as rodas de choro, de
lutas, vitórias, derrotas, criações e invenções dos
seguir com esse texto degustando saborosamente
violão, o samba e os pagodes que acontecem nos
habitantes deste país.
“somente” o pandeiro!
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Vamos imaginar então que, além das festas
Que me perdoem os pessimistas, mas podemos
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Instrumento de mil faces Um dos principais instrumentos do pessoal que mora
de tocar diferentes. A goiana, por exemplo, é feita com
no interior do Brasil, a viola tem inúmeros nomes:
a caixa sonora escavada na madeira, e a paulista tem
viola caipira, cabocla, sertaneja, chorosa, serena, de
uma espessura de caixa fina. Existem também aquelas
dez cordas, de pinho, de arame... Um pouco menor
feitas com latas, cabaças, bambu e até cascos de tatu.
que o violão, é geralmente feita de pinho ou jacarandá. A tradicional tem dez cordas dispostas (e tocadas)
tronco de madeira inteiriço chamada viola de cocho.
aos pares, mas é possível encontrar variações com
Esse instrumento é tão primitivo, que os estudiosos
até 14 cordas. Seu tamanho peculiar e a maneira de
defendem que veio diretamente do alaúde árabe.
tocar, que utiliza muito as cordas soltas, lhe conferem
Foi nesse estado que nasceram dois grandes nomes
um som único.
da viola brasileira, Almir Sater e Helena Meirelles.
A viola foi trazida ao Brasil pelos portugueses e
Unt nostismolut lor in hent laore velisim zzriliquis dolobore magna conseni
36
Analfabeta e autodidata, Helena ficou conhecida
se espalhou pelo país. Manteve sua estrutura básica,
apenas depois dos 60 anos. Em 1993, foi eleita pela
mas assumiu tradições musicais diferentes de acordo
conceituada revista americana Guitar Player uma das
com cada região. Hoje, em todos os cantos do Brasil
melhores instrumentistas do mundo. Ela morreu em
encontram-se violas de tipos, construções e modos
2005, aos 81 anos, e deixou quatro álbuns gravados.
Toninho Horta, Moacir Santos, Pixinguinha, Villa-
instrumentos possíveis, já que somos considerados
Lobos, Adoniran Barbosa, Egberto Gismonti,
uma das maiores escolas do mundo nesse
Capiba, Radamés Gnattali, Paulo Vanzolini, Tom
instrumento com Garoto, o Duo Assad, Raphael
Jobim, Elis Regina, Nelson Freire, Tom Zé, Hermeto
Rabello, Paulo Bellinati, Dino 7 Cordas, Canhoto
Pascoal, Jards Macalé, Chico Buarque de Hollanda,
da Paraíba, Dilermando Reis, Guinga, Nego Nelson
Maria Bethânia e Wilson das Neves são presente ou
e Yamandú Costa (e isso tudo sem contar aquele
futuro. Ao mesmo tempo podemos perceber que
violão que você tem ali, bem em cima do armário
trabalhos como os da Orquestra Imperial, Seu Jorge,
do seu quarto). Vejam a afirmação do violonista
Kleber Albuquerque, Quartchêto, Sueli Mesquita,
espanhol Paco de Lucia, um dos maiores do
Bossa CucaNova, B Negão, Fred Martins, Clube do
mundo, a respeito de Guinga: “Eu trocaria o meu
Balanço, Cidadão Instigado, Rappin Hood, Renato
universo musical pelo universo dele”. E pensar que
Braz, Macaco Bong e Z’ África Brasil representam e
Guinga, além de um gênio do violão, é dentista...
são o futuro porque souberam trafegar pelas fontes
O fato é que tradição e modernidade convivem
e picadas dos que vieram “antes” enquanto abriam
elegantemente entre músicos de diversas gerações.
os seus próprios caminhos, que são diferentes
E nesse universo paralelo, como diria Tim Maia, já
principalmente em razão das possibilidades
não é possível saber se Jorge Benjor, João Gilberto,
tecnológicas existentes hoje em dia.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
O violão é outro bom exemplo entre tantos
No Mato Grosso, há uma viola esculpida num
37
Instrumento de mil faces Um dos principais instrumentos do pessoal que mora
de tocar diferentes. A goiana, por exemplo, é feita com
no interior do Brasil, a viola tem inúmeros nomes:
a caixa sonora escavada na madeira, e a paulista tem
viola caipira, cabocla, sertaneja, chorosa, serena, de
uma espessura de caixa fina. Existem também aquelas
dez cordas, de pinho, de arame... Um pouco menor
feitas com latas, cabaças, bambu e até cascos de tatu.
que o violão, é geralmente feita de pinho ou jacarandá. A tradicional tem dez cordas dispostas (e tocadas)
tronco de madeira inteiriço chamada viola de cocho.
aos pares, mas é possível encontrar variações com
Esse instrumento é tão primitivo, que os estudiosos
até 14 cordas. Seu tamanho peculiar e a maneira de
defendem que veio diretamente do alaúde árabe.
tocar, que utiliza muito as cordas soltas, lhe conferem
Foi nesse estado que nasceram dois grandes nomes
um som único.
da viola brasileira, Almir Sater e Helena Meirelles.
A viola foi trazida ao Brasil pelos portugueses e
Unt nostismolut lor in hent laore velisim zzriliquis dolobore magna conseni
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Analfabeta e autodidata, Helena ficou conhecida
se espalhou pelo país. Manteve sua estrutura básica,
apenas depois dos 60 anos. Em 1993, foi eleita pela
mas assumiu tradições musicais diferentes de acordo
conceituada revista americana Guitar Player uma das
com cada região. Hoje, em todos os cantos do Brasil
melhores instrumentistas do mundo. Ela morreu em
encontram-se violas de tipos, construções e modos
2005, aos 81 anos, e deixou quatro álbuns gravados.
Toninho Horta, Moacir Santos, Pixinguinha, Villa-
instrumentos possíveis, já que somos considerados
Lobos, Adoniran Barbosa, Egberto Gismonti,
uma das maiores escolas do mundo nesse
Capiba, Radamés Gnattali, Paulo Vanzolini, Tom
instrumento com Garoto, o Duo Assad, Raphael
Jobim, Elis Regina, Nelson Freire, Tom Zé, Hermeto
Rabello, Paulo Bellinati, Dino 7 Cordas, Canhoto
Pascoal, Jards Macalé, Chico Buarque de Hollanda,
da Paraíba, Dilermando Reis, Guinga, Nego Nelson
Maria Bethânia e Wilson das Neves são presente ou
e Yamandú Costa (e isso tudo sem contar aquele
futuro. Ao mesmo tempo podemos perceber que
violão que você tem ali, bem em cima do armário
trabalhos como os da Orquestra Imperial, Seu Jorge,
do seu quarto). Vejam a afirmação do violonista
Kleber Albuquerque, Quartchêto, Sueli Mesquita,
espanhol Paco de Lucia, um dos maiores do
Bossa CucaNova, B Negão, Fred Martins, Clube do
mundo, a respeito de Guinga: “Eu trocaria o meu
Balanço, Cidadão Instigado, Rappin Hood, Renato
universo musical pelo universo dele”. E pensar que
Braz, Macaco Bong e Z’ África Brasil representam e
Guinga, além de um gênio do violão, é dentista...
são o futuro porque souberam trafegar pelas fontes
O fato é que tradição e modernidade convivem
e picadas dos que vieram “antes” enquanto abriam
elegantemente entre músicos de diversas gerações.
os seus próprios caminhos, que são diferentes
E nesse universo paralelo, como diria Tim Maia, já
principalmente em razão das possibilidades
não é possível saber se Jorge Benjor, João Gilberto,
tecnológicas existentes hoje em dia.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
O violão é outro bom exemplo entre tantos
No Mato Grosso, há uma viola esculpida num
37
Há pouco mais de dez anos as possibilidades para a difusão em massa da música eram o rádio, a TV e o disco. Recentemente isso foi pelos ares com a chegada de Napster, telefonia celular, iTunes, MySpace, YouTube, sites, blogs, podcasts, além da multiplicação das possibilidades das TVs aberta e a cabo, rádios (AM, FM, comunitários, livres ou virtuais) e discos, com suas possibilidades de serem lançados por grandes gravadoras, pelas independentes, por cooperativas ou por artistas autônomos. É claro que existe uma série de análises políticas, jurídicas e econômicas a serem feitas: o jornalista Luis Nassif, por exemplo, costuma dizer que o
Nas últimas duas décadas o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat, pelo rap e pela força da música amazônica
produto com maior valor agregado do Brasil é a música brasileira, mas o que queremos abordar aqui é que esta crise da indústria e do suporte da música (LP, CD ou MP3) foi interpretada como uma crise criativa na música. O que não é verdade. Nas últimas duas décadas (antes mesmo da tal crise a que me referi) o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat de Chico Science & Cia, pelo rap dos Racionais MC, MV Bill e Rappin Hood, pela força da música amazônica representada pelo Trio do Rio Grande do Sul, pelos grupos e artistas que chegaram com novos (e antigos também) choros e sambas na Lapa carioca, pelos mais de dois milhões de acessos que a jovem Mallú Magalhães teve no MySpace, ou pelo amadurecimento e a expansão dos veículos especializados em música e comportamento, como o Guia VivaMúsica!
38
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Manari, pela estética do frio de Vitor Ramil, vinda
39
Há pouco mais de dez anos as possibilidades para a difusão em massa da música eram o rádio, a TV e o disco. Recentemente isso foi pelos ares com a chegada de Napster, telefonia celular, iTunes, MySpace, YouTube, sites, blogs, podcasts, além da multiplicação das possibilidades das TVs aberta e a cabo, rádios (AM, FM, comunitários, livres ou virtuais) e discos, com suas possibilidades de serem lançados por grandes gravadoras, pelas independentes, por cooperativas ou por artistas autônomos. É claro que existe uma série de análises políticas, jurídicas e econômicas a serem feitas: o jornalista Luis Nassif, por exemplo, costuma dizer que o
Nas últimas duas décadas o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat, pelo rap e pela força da música amazônica
produto com maior valor agregado do Brasil é a música brasileira, mas o que queremos abordar aqui é que esta crise da indústria e do suporte da música (LP, CD ou MP3) foi interpretada como uma crise criativa na música. O que não é verdade. Nas últimas duas décadas (antes mesmo da tal crise a que me referi) o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat de Chico Science & Cia, pelo rap dos Racionais MC, MV Bill e Rappin Hood, pela força da música amazônica representada pelo Trio do Rio Grande do Sul, pelos grupos e artistas que chegaram com novos (e antigos também) choros e sambas na Lapa carioca, pelos mais de dois milhões de acessos que a jovem Mallú Magalhães teve no MySpace, ou pelo amadurecimento e a expansão dos veículos especializados em música e comportamento, como o Guia VivaMúsica!
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Manari, pela estética do frio de Vitor Ramil, vinda
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Existem alguns nós históricos na circulação da música, na elaboração de circuitos, nas políticas de ensino e de apoio, mas o que impressiona é a vitalidade da nossa música. Se hoje você tiver a oportunidade de assistir a um show (altamente recomendável) de uma banda com o inusitado nome de Móveis Coloniais de Acaju, verá que, apesar de nunca tê-la visto na TV ou ouvido no rádio, o teatro, bar ou festival estará lotado, com a maioria das pessoas cantando a letra junto com a banda. O mesmo acontecerá se você estiver em uma apresentação de Vander Lee, Renato Braz ou Ceumar, que, apesar de tocarem em algumas rádios, são desconhecidos do grande
Das festas ao celular, da internet aos elevadores, dos aeroportos aos quiosques, nada funciona sem música
público; ou ainda pela viola brasileira que ingressa
Paulistinha, Riachão, Maxambomba, que serve
definitivamente nas Salas de Concerto com Roberto
ao rock e à dança catira, ao Saci e ao chip.
40
Ao mesmo tempo em que falamos de crise
rock-n’-roll com o Matuto Moderno. É a mesma
de suporte ou na música, contraditoriamente
viola, introduzida no Brasil no início da colonização,
parece que nada funciona sem música: das
trazida por colonos e jesuítas portugueses,
festas ao celular; da internet aos elevadores,
tornando-se quase parte da paisagem da roça e
dos quiosques das praias aos aeroportos, às
do sertão. Tão íntima que parece que cada qual
rodoviárias e aos estacionamentos, da publicidade
quis lhe dar uma afinação característica com
às carreatas e passeatas. Além disso, existem hoje
nomes como Cebolão, São João, Oitavada, Itabira,
inúmeros festivais espalhados pelo Brasil que
Do-Meio, Rio Abaixo, De-Ponto, Guitarra Inteira,
são realizados pelos governos, como é o caso do
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Correa, Paulo Freire, Ivan Villela, e também no
41
Existem alguns nós históricos na circulação da música, na elaboração de circuitos, nas políticas de ensino e de apoio, mas o que impressiona é a vitalidade da nossa música. Se hoje você tiver a oportunidade de assistir a um show (altamente recomendável) de uma banda com o inusitado nome de Móveis Coloniais de Acaju, verá que, apesar de nunca tê-la visto na TV ou ouvido no rádio, o teatro, bar ou festival estará lotado, com a maioria das pessoas cantando a letra junto com a banda. O mesmo acontecerá se você estiver em uma apresentação de Vander Lee, Renato Braz ou Ceumar, que, apesar de tocarem em algumas rádios, são desconhecidos do grande
Das festas ao celular, da internet aos elevadores, dos aeroportos aos quiosques, nada funciona sem música
público; ou ainda pela viola brasileira que ingressa
Paulistinha, Riachão, Maxambomba, que serve
definitivamente nas Salas de Concerto com Roberto
ao rock e à dança catira, ao Saci e ao chip.
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Ao mesmo tempo em que falamos de crise
rock-n’-roll com o Matuto Moderno. É a mesma
de suporte ou na música, contraditoriamente
viola, introduzida no Brasil no início da colonização,
parece que nada funciona sem música: das
trazida por colonos e jesuítas portugueses,
festas ao celular; da internet aos elevadores,
tornando-se quase parte da paisagem da roça e
dos quiosques das praias aos aeroportos, às
do sertão. Tão íntima que parece que cada qual
rodoviárias e aos estacionamentos, da publicidade
quis lhe dar uma afinação característica com
às carreatas e passeatas. Além disso, existem hoje
nomes como Cebolão, São João, Oitavada, Itabira,
inúmeros festivais espalhados pelo Brasil que
Do-Meio, Rio Abaixo, De-Ponto, Guitarra Inteira,
são realizados pelos governos, como é o caso do
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Correa, Paulo Freire, Ivan Villela, e também no
41
Festival de Campos do Jordão, em São Paulo, por
somente em 1963. Foi capaz de guardar na
exemplo, festivais como o Música Nova, dedicado
garganta, na memória e no coração um elo da
Enquanto nos aquecemos para outras
à música contemporânea e que é realizado
história de uma nação misturada e entrelaçada com
tantas possíveis viagens musicais,
fundamentalmente pela dedicação e obstinação
a África. Ou a história de Cartola, cujo centenário
sugiro um abastecimento nos
do compositor Flô Menezes, ou os festivais como o
de nascimento comemoramos em 2008. Ou as
seguintes postos:
Calango, no Mato Grosso, Goiânia Noise, em Goiás,
obras de Nei Lopes, Ilê Aiyê, Mart’nália, Olodum,
www.abmi.com.br
Varadouro, no Acre, Do Sol, no Rio Grande do
Geraldo Filme, Rappin Hood, Pixinguinha, Sandra
www.abmusica.org.br
Norte, ou DemoSul, no Paraná, só para citar alguns.
de Sá, José Maurício Nunes Garcia, Moacir Santos,
www.bocadaforte.com.br
Itamar Assumpção, MV Bill, Luis Melodia, Ismael
www.abrafin.org
sempre reveladora e parece um livro interminável
Silva, Mano Brown, Milton Nascimento, Johnny
www.cachuera.org.br
de história e melodia, prosa e determinação. Um
Alf, Sinhô, Assis Valente, Samba Coco Raízes de
www.clubedochoro.com.br
exemplo? Como explicar Clementina de Jesus?
Arcoverde, Fabiana Cozza, Lia de Itamaracá, Jongo
www.clubedovioleirocaipira.com.br
Deusa negra, Rainha Quelé nascida em 1901 e
da Serrinha e Thereza Cristina. Por falar nisso, como
www.dicionariompb.com.br
revelada ao Brasil por Hermínio Bello de Carvalho
seria a nossa música sem a existência da África?
www.dynamite.terra.com.br
O fato é que a viagem pela música brasileira é
www.funarte.gov.br www.gafieiras.com.br www.hutuz.com.br www.itaucultural.org.br Cheguei à conclusão de que escrever ou conversar
www.cultura.gov.br
sobre a música brasileira é uma espécie de exercício
www.overmundo.com.br
de esquecimento porque, depois de chegarmos
www.samba-choro.com.br
juntos até quase o fim deste texto, você deve estar se
www.sbme.com.br
perguntado: ele não vai falar nada de Dorival Caymmi,
www.senhorf.com.br
Curumim, Capitão Furtado, Silvio Caldas, Camargo
www.ufrj.br/abet
Guarnieri, Paulinho da Viola, Teixeirinha, Renato Russo, Braguinha, Lenine, Chiquinha Gonzaga, Renato Borguetti, Raul Seixas, Roberto Carlos, Zélia Duncan ou Elizeth Cardoso? Confesso que fico tentado, mas o espaço é pequeno e, mesmo que conseguíssemos falar um pouco a respeito deles, teríamos sempre outro time de estrelas pronto para entrar em campo.
Edson Natale é músico, produtor cultural, escritor e gerente do núcleo de música do Itaú Cultural
*
42
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
A viagem pela música brasileira é sempre reveladora e parece um livro interminável de história e melodia, prosa e determinação
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Festival de Campos do Jordão, em São Paulo, por
somente em 1963. Foi capaz de guardar na
exemplo, festivais como o Música Nova, dedicado
garganta, na memória e no coração um elo da
Enquanto nos aquecemos para outras
à música contemporânea e que é realizado
história de uma nação misturada e entrelaçada com
tantas possíveis viagens musicais,
fundamentalmente pela dedicação e obstinação
a África. Ou a história de Cartola, cujo centenário
sugiro um abastecimento nos
do compositor Flô Menezes, ou os festivais como o
de nascimento comemoramos em 2008. Ou as
seguintes postos:
Calango, no Mato Grosso, Goiânia Noise, em Goiás,
obras de Nei Lopes, Ilê Aiyê, Mart’nália, Olodum,
www.abmi.com.br
Varadouro, no Acre, Do Sol, no Rio Grande do
Geraldo Filme, Rappin Hood, Pixinguinha, Sandra
www.abmusica.org.br
Norte, ou DemoSul, no Paraná, só para citar alguns.
de Sá, José Maurício Nunes Garcia, Moacir Santos,
www.bocadaforte.com.br
Itamar Assumpção, MV Bill, Luis Melodia, Ismael
www.abrafin.org
sempre reveladora e parece um livro interminável
Silva, Mano Brown, Milton Nascimento, Johnny
www.cachuera.org.br
de história e melodia, prosa e determinação. Um
Alf, Sinhô, Assis Valente, Samba Coco Raízes de
www.clubedochoro.com.br
exemplo? Como explicar Clementina de Jesus?
Arcoverde, Fabiana Cozza, Lia de Itamaracá, Jongo
www.clubedovioleirocaipira.com.br
Deusa negra, Rainha Quelé nascida em 1901 e
da Serrinha e Thereza Cristina. Por falar nisso, como
www.dicionariompb.com.br
revelada ao Brasil por Hermínio Bello de Carvalho
seria a nossa música sem a existência da África?
www.dynamite.terra.com.br
O fato é que a viagem pela música brasileira é
www.funarte.gov.br www.gafieiras.com.br www.hutuz.com.br www.itaucultural.org.br Cheguei à conclusão de que escrever ou conversar
www.cultura.gov.br
sobre a música brasileira é uma espécie de exercício
www.overmundo.com.br
de esquecimento porque, depois de chegarmos
www.samba-choro.com.br
juntos até quase o fim deste texto, você deve estar se
www.sbme.com.br
perguntado: ele não vai falar nada de Dorival Caymmi,
www.senhorf.com.br
Curumim, Capitão Furtado, Silvio Caldas, Camargo
www.ufrj.br/abet
Guarnieri, Paulinho da Viola, Teixeirinha, Renato Russo, Braguinha, Lenine, Chiquinha Gonzaga, Renato Borguetti, Raul Seixas, Roberto Carlos, Zélia Duncan ou Elizeth Cardoso? Confesso que fico tentado, mas o espaço é pequeno e, mesmo que conseguíssemos falar um pouco a respeito deles, teríamos sempre outro time de estrelas pronto para entrar em campo.
Edson Natale é músico, produtor cultural, escritor e gerente do núcleo de música do Itaú Cultural
*
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
A viagem pela música brasileira é sempre reveladora e parece um livro interminável de história e melodia, prosa e determinação
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danças e festejos
Um mundo de passos e movimentos Antônio Nóbrega*
45
danças e festejos
Um mundo de passos e movimentos Antônio Nóbrega*
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estão presentes o maracatu, a congada, a moçambique, os caboclinhos, entre outras. São danças que acontecem durante o percurso do cortejo, em determinadas festas. Nelas, a presença da herança africana pode ser percebida, principalmente pela percussão, os tambores ou alfaias, como são chamados em Pernambuco. Essa herança africana no cortejo se ampliou aqui por meio de um procedimento promovido pela própria corte portuguesa. Para que os negros não criassem movimentos rebeldes, os portugueses incentivavam a coroação de um rei negro, o rei Congo, como uma maneira de calar a revolta e manter uma liderança sobre os escravos. A coroação era feita com festas e pompas dentro das igrejas católicas, e se tornou uma das manifestações do sincretismo religioso no país. No Brasil, esse cortejo negro também absorveu
os elementos emblemáticos e simbólicos da corte portuguesa, como a representação do embaixador,
espetáculos em que a dança está
as danças populares foram pouco estudadas e
presente têm uma base tradicional muito
são bastante variadas Brasil afora, por isso, a
forte. Ela remete a heranças culturais dos indígenas
nomenclatura muda muito. Um bom exemplo é
e dos negros, com suas várias etnias, e também dos
a palavra “samba”. Para nós, é um ritmo e uma
lusitanos, que já vieram com um grande amálgama
dança com características fáceis de identificar.
cultural, pois a Península Ibérica é a região mais
Mas, em muitas regiões do Nordeste, existe o
afastada do coração da Europa e a mais próxima
samba de parelha, o samba de maracatu, o samba
do norte da África. Na época da colonização,
de cavalo-marinho... A palavra “samba” tinha um
todas essas heranças culturais em que a dança
sentido anterior ao gênero musical, era sinônimo
estava presente tinham ainda uma ligação com o
de festa, de brincadeira. Quando chegou ao Rio,
religioso, mesmo aquelas de caráter marcial, como
transformou-se num gênero e manteve o nome,
a capoeira. Depois, foram adquirindo uma feição
que adquiriu outro significado.
mais profana. São essas heranças muito antigas
46
Antes de continuar, é preciso deixar claro que
As danças brasileiras podem ser dividas em
que formaram danças como caboclinho, maracatu,
três grupos: o universo dos cortejos, folguedos de
capoeira, bumba-meu-boi, frevo, folia de reis...
espetáculos e danças tradicionais. No primeiro,
do rei, da rainha e das damas do passo, por exemplo. No entanto, a música possuía caráter africano e muitas das cantigas eram entoadas em línguas nativas. Já os passos da movimentação do cortejo continham elementos negros, mas com contaminação ibérica.
São heranças antigas, dos índios, negros e imigrantes que formaram as danças brasileiras
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
N
o Brasil, as danças populares ou os
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estão presentes o maracatu, a congada, a moçambique, os caboclinhos, entre outras. São danças que acontecem durante o percurso do cortejo, em determinadas festas. Nelas, a presença da herança africana pode ser percebida, principalmente pela percussão, os tambores ou alfaias, como são chamados em Pernambuco. Essa herança africana no cortejo se ampliou aqui por meio de um procedimento promovido pela própria corte portuguesa. Para que os negros não criassem movimentos rebeldes, os portugueses incentivavam a coroação de um rei negro, o rei Congo, como uma maneira de calar a revolta e manter uma liderança sobre os escravos. A coroação era feita com festas e pompas dentro das igrejas católicas, e se tornou uma das manifestações do sincretismo religioso no país. No Brasil, esse cortejo negro também absorveu
os elementos emblemáticos e simbólicos da corte portuguesa, como a representação do embaixador,
espetáculos em que a dança está
as danças populares foram pouco estudadas e
presente têm uma base tradicional muito
são bastante variadas Brasil afora, por isso, a
forte. Ela remete a heranças culturais dos indígenas
nomenclatura muda muito. Um bom exemplo é
e dos negros, com suas várias etnias, e também dos
a palavra “samba”. Para nós, é um ritmo e uma
lusitanos, que já vieram com um grande amálgama
dança com características fáceis de identificar.
cultural, pois a Península Ibérica é a região mais
Mas, em muitas regiões do Nordeste, existe o
afastada do coração da Europa e a mais próxima
samba de parelha, o samba de maracatu, o samba
do norte da África. Na época da colonização,
de cavalo-marinho... A palavra “samba” tinha um
todas essas heranças culturais em que a dança
sentido anterior ao gênero musical, era sinônimo
estava presente tinham ainda uma ligação com o
de festa, de brincadeira. Quando chegou ao Rio,
religioso, mesmo aquelas de caráter marcial, como
transformou-se num gênero e manteve o nome,
a capoeira. Depois, foram adquirindo uma feição
que adquiriu outro significado.
mais profana. São essas heranças muito antigas
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Antes de continuar, é preciso deixar claro que
As danças brasileiras podem ser dividas em
que formaram danças como caboclinho, maracatu,
três grupos: o universo dos cortejos, folguedos de
capoeira, bumba-meu-boi, frevo, folia de reis...
espetáculos e danças tradicionais. No primeiro,
do rei, da rainha e das damas do passo, por exemplo. No entanto, a música possuía caráter africano e muitas das cantigas eram entoadas em línguas nativas. Já os passos da movimentação do cortejo continham elementos negros, mas com contaminação ibérica.
São heranças antigas, dos índios, negros e imigrantes que formaram as danças brasileiras
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
N
o Brasil, as danças populares ou os
47
Não existe no Brasil nenhuma manifestação folclórica ou um espetáculo popular que seja 100% ibérico ou 100% negro. Mesmo o candomblé aqui já adquiriu outro caráter, sincrético, devido à Igreja Católica. Outras formas de cortejo trazidas pelos portugueses foram as janeiras e as reisadas. Nelas, os grupos iam de casa em casa pedindo dinheiro e comida para os presépios e as festas, na natividade. O interessante é que o período em que elas acontecem, no final do ano, coincide com o solstício de inverno e, se formos olhar lá atrás no tempo, vamos perceber que o cristianismo se apropriou de certas festas pagãs muito anteriores a ele. Esses cortejos se espalharam pelo Brasil e se modificaram bastante. As reisadas e janeiras passaram a ser chamadas de folias de reis e muitas vezes assimilaram pequenas histórias dramatizadas, como os mistérios medievais, que a princípio tinham temas religiosos. Em algum momento, seguindo o próprio espírito da festa, certos foliões começaram a fazer cantos e danças em louvor ao Menino e, talvez motivados pela catequese,
As reisadas e janeiras assimilaram pequenas histórias dramatizadas
48
que eram romances, narrativas tradicionais
Os bois
em versos, tornaram-se profanas e passaram a
No segundo grupo das danças populares do Brasil,
ser chamadas de entremeios. Daí nasceram os
estão as da família do folguedo de espetáculo,
reisados, por exemplo, José do Vale, Borboleta,
onde se encontram o bumba-meu-boi, como é
Pica-pau, em que os grupos de dançantes faziam
chamado no Maranhão, boi-bumbá, no Pará, boi-
sua procissão e, em algum momento, paravam na
de-mamão, em Santa Catarina, cavalo-marinho,
frente de uma casa e representavam a história dos
na Zona da Mata pernambucana e Paraíba,
personagens. Mais tarde, esse festejo se modificou
boi-calemba, no Rio Grande do Norte, boi-de-
e a dramaturgia assumiu maior importância. Hoje
reis, no Rio de Janeiro, entre outros, todas com
os espetáculos se tornaram teatrais e, às vezes,
a mesma origem. A Igreja Católica foi uma das
duram a noite toda. As danças e os cantos são
disseminadoras desses folguedos, já que todos têm
apenas uma parte da apresentação.
uma base no mito agrário da morte e ressurreição
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
a contar histórias. Com o tempo, essas histórias,
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Não existe no Brasil nenhuma manifestação folclórica ou um espetáculo popular que seja 100% ibérico ou 100% negro. Mesmo o candomblé aqui já adquiriu outro caráter, sincrético, devido à Igreja Católica. Outras formas de cortejo trazidas pelos portugueses foram as janeiras e as reisadas. Nelas, os grupos iam de casa em casa pedindo dinheiro e comida para os presépios e as festas, na natividade. O interessante é que o período em que elas acontecem, no final do ano, coincide com o solstício de inverno e, se formos olhar lá atrás no tempo, vamos perceber que o cristianismo se apropriou de certas festas pagãs muito anteriores a ele. Esses cortejos se espalharam pelo Brasil e se modificaram bastante. As reisadas e janeiras passaram a ser chamadas de folias de reis e muitas vezes assimilaram pequenas histórias dramatizadas, como os mistérios medievais, que a princípio tinham temas religiosos. Em algum momento, seguindo o próprio espírito da festa, certos foliões começaram a fazer cantos e danças em louvor ao Menino e, talvez motivados pela catequese,
As reisadas e janeiras assimilaram pequenas histórias dramatizadas
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que eram romances, narrativas tradicionais
Os bois
em versos, tornaram-se profanas e passaram a
No segundo grupo das danças populares do Brasil,
ser chamadas de entremeios. Daí nasceram os
estão as da família do folguedo de espetáculo,
reisados, por exemplo, José do Vale, Borboleta,
onde se encontram o bumba-meu-boi, como é
Pica-pau, em que os grupos de dançantes faziam
chamado no Maranhão, boi-bumbá, no Pará, boi-
sua procissão e, em algum momento, paravam na
de-mamão, em Santa Catarina, cavalo-marinho,
frente de uma casa e representavam a história dos
na Zona da Mata pernambucana e Paraíba,
personagens. Mais tarde, esse festejo se modificou
boi-calemba, no Rio Grande do Norte, boi-de-
e a dramaturgia assumiu maior importância. Hoje
reis, no Rio de Janeiro, entre outros, todas com
os espetáculos se tornaram teatrais e, às vezes,
a mesma origem. A Igreja Católica foi uma das
duram a noite toda. As danças e os cantos são
disseminadoras desses folguedos, já que todos têm
apenas uma parte da apresentação.
uma base no mito agrário da morte e ressurreição
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
a contar histórias. Com o tempo, essas histórias,
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do boi. Uma representação da história do boi sempre fechava os espetáculos populares e os cortejos. Apesar das origens comuns, em cada região temos especificidades. Em todos os folguedos, de norte a sul, existe, por exemplo, a figura do capitão montado em um cavalo. Só no cavalo-
Nas danças de batuque é representado o confronto entre o homem e a mulher
marinho, porém, temos as figuras das damas e dos galantes, que eram representados apenas por homens porque as mulheres não podiam participar. Já no Cariri, no Ceará, esse festejo tem o nome de figural, devido às figuras que são representadas. No boi do Maranhão, os atores usam cocares muito ricos, uma contaminação do universo indígena que mudou a indumentária do festejo, com uma influência dos franceses na sua riqueza.
Nasce um ritmo
Ainda dentro dessa família, temos juntamente
Quando chegou ao Brasil, vinda de Angola, na
lutadores de capoeira eram chamados pelos regentes
África, a capoeira era uma espécie de jogo marcial,
das bandas para proteger os músicos tanto dos outros
folgazões, que representam personagens de ordem
com movimentos inspirados nos animais, que por
músicos como da multidão. Essas bandas tocavam
mítica e arquetípica. É uma dança dramática, que
aqui foi usado contra a violência e a repressão dos
dobrados, maxixes e valsas, entre outros ritmos. Com o
conta sempre com a figura
colonizadores. Como os senhores de engenho proibiam
tempo, os capoeiras que as acompanhavam passaram
do valentão, de palhaços, velhas e animais.
qualquer tipo de luta entre os escravos, os passos
a desdobrar o movimento da luta em movimentos de
acabaram sendo adaptados para uma espécie de dança
dança, e as bandas também começaram a modificar o
batuque, como o coco-de-roda e o tambor-de-
marcial que era reproduzida nos terreiros próximos às
seu jeito de tocar. Quando as bandas saíam no período
crioula, em que a música é sempre produzida
senzalas. Com a libertação dos escravos, a capoeira
do carnaval, os movimentos eram seguidos pela
com tambores batidos com a mão. Todas elas
passou a ser apresentada em praça pública em troca
população. Dessa forma, nasceu um novo tipo de dança:
contam com a presença da punga, ou umbigada,
de dinheiro e utilizada por ladrões negros e brancos.
o frevo. A dança assumiu esse nome porque diziam que
que é o convite para que a pessoa entre na roda.
Assim, em 1890, a capoeira foi perseguida e proibida
a música fervia, e passaram a chamar o descampado
Eram danças de pares, mas que se desenvolveram
legalmente em todo o país.
onde a maçaroca de gente pulava de fervedouro ou,
Um terceiro grupo de danças é a família do
de modo diferente pelas regiões do país, com
por corruptela, frevedouro, com o “r” deslocado. Foi
cantigas, ritmos e formas coreográficas diversas,
politizada, tinha várias bandas de corporações militares
assim que se formataram um novo gênero de música e
até chegar à punga. Em algumas regiões,
ligadas a partidos políticos. Todas as vezes que se
uma dança muito rica no repertório dos passos. Com o
inclusive, tornaram-se exclusivamente femininas,
encontravam nas ruas, havia provocações e brigas entre
tempo, tanto a capoeira como o frevo se modificaram,
dados os abusos cometidos pelos homens.
os participantes. Por isso, apesar de serem proibidos, os
mas continuam muito vivas nos dias de hoje.
No entanto, em todas elas é representado o confronto entre o homem e a mulher e todas têm um caráter dionisíaco. 50
Nessa época, a cidade do Recife, que era muito
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
com os bois também a dança dos brincantes ou
51
do boi. Uma representação da história do boi sempre fechava os espetáculos populares e os cortejos. Apesar das origens comuns, em cada região temos especificidades. Em todos os folguedos, de norte a sul, existe, por exemplo, a figura do capitão montado em um cavalo. Só no cavalo-
Nas danças de batuque é representado o confronto entre o homem e a mulher
marinho, porém, temos as figuras das damas e dos galantes, que eram representados apenas por homens porque as mulheres não podiam participar. Já no Cariri, no Ceará, esse festejo tem o nome de figural, devido às figuras que são representadas. No boi do Maranhão, os atores usam cocares muito ricos, uma contaminação do universo indígena que mudou a indumentária do festejo, com uma influência dos franceses na sua riqueza.
Nasce um ritmo
Ainda dentro dessa família, temos juntamente
Quando chegou ao Brasil, vinda de Angola, na
lutadores de capoeira eram chamados pelos regentes
África, a capoeira era uma espécie de jogo marcial,
das bandas para proteger os músicos tanto dos outros
folgazões, que representam personagens de ordem
com movimentos inspirados nos animais, que por
músicos como da multidão. Essas bandas tocavam
mítica e arquetípica. É uma dança dramática, que
aqui foi usado contra a violência e a repressão dos
dobrados, maxixes e valsas, entre outros ritmos. Com o
conta sempre com a figura
colonizadores. Como os senhores de engenho proibiam
tempo, os capoeiras que as acompanhavam passaram
do valentão, de palhaços, velhas e animais.
qualquer tipo de luta entre os escravos, os passos
a desdobrar o movimento da luta em movimentos de
acabaram sendo adaptados para uma espécie de dança
dança, e as bandas também começaram a modificar o
batuque, como o coco-de-roda e o tambor-de-
marcial que era reproduzida nos terreiros próximos às
seu jeito de tocar. Quando as bandas saíam no período
crioula, em que a música é sempre produzida
senzalas. Com a libertação dos escravos, a capoeira
do carnaval, os movimentos eram seguidos pela
com tambores batidos com a mão. Todas elas
passou a ser apresentada em praça pública em troca
população. Dessa forma, nasceu um novo tipo de dança:
contam com a presença da punga, ou umbigada,
de dinheiro e utilizada por ladrões negros e brancos.
o frevo. A dança assumiu esse nome porque diziam que
que é o convite para que a pessoa entre na roda.
Assim, em 1890, a capoeira foi perseguida e proibida
a música fervia, e passaram a chamar o descampado
Eram danças de pares, mas que se desenvolveram
legalmente em todo o país.
onde a maçaroca de gente pulava de fervedouro ou,
Um terceiro grupo de danças é a família do
de modo diferente pelas regiões do país, com
por corruptela, frevedouro, com o “r” deslocado. Foi
cantigas, ritmos e formas coreográficas diversas,
politizada, tinha várias bandas de corporações militares
assim que se formataram um novo gênero de música e
até chegar à punga. Em algumas regiões,
ligadas a partidos políticos. Todas as vezes que se
uma dança muito rica no repertório dos passos. Com o
inclusive, tornaram-se exclusivamente femininas,
encontravam nas ruas, havia provocações e brigas entre
tempo, tanto a capoeira como o frevo se modificaram,
dados os abusos cometidos pelos homens.
os participantes. Por isso, apesar de serem proibidos, os
mas continuam muito vivas nos dias de hoje.
No entanto, em todas elas é representado o confronto entre o homem e a mulher e todas têm um caráter dionisíaco. 50
Nessa época, a cidade do Recife, que era muito
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
com os bois também a dança dos brincantes ou
51
Uma dança brasileira As danças tradicionais estão contidas nesse universo, mas ainda não podemos falar que existe uma dança brasileira, assim como existe uma literatura ou uma música popular brasileira. Somos capazes de citar vários de nossos artistas que fizeram a ligação entre o tradicional e o contemporâneo, criando uma arte brasileira em suas áreas. Não teríamos um Paulinho da Viola ou um Chico Buarque se não fosse o samba, nem um Villa-Lobos, um Ariano Suassuna ou um Glauber Rocha se não tivéssemos uma cultura tradicional. Na dança, existe no Brasil um conjunto de manifestações variadas, com um repertório muito rico de movimentos, passos e procedimentos. Isso, porém, não foi assimilado pela cultura oficial. Não há uma dança com identidade brasileira; só uma dança contemporânea, específica, ou as danças folclóricas. Historicamente, existe uma tendência ou à folclorização da cultura – o que é perigoso porque dá a ela uma dimensão passageira, artificial, de algo exótico –, ou de os coreógrafos trilharem o caminho de absorver as danças tradicionais e colocá-las no palco com um rigor técnico melhor, como o balé popular da Bahia ou o de Recife. Algumas pessoas também tentam uma simbiose dessa dança tradicional com a dança um olhar em relação à dança brasileira.
Ainda não podemos dizer que existe uma dança brasileira
52
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
contemporânea. São caminhos que já acusam
53
Uma dança brasileira As danças tradicionais estão contidas nesse universo, mas ainda não podemos falar que existe uma dança brasileira, assim como existe uma literatura ou uma música popular brasileira. Somos capazes de citar vários de nossos artistas que fizeram a ligação entre o tradicional e o contemporâneo, criando uma arte brasileira em suas áreas. Não teríamos um Paulinho da Viola ou um Chico Buarque se não fosse o samba, nem um Villa-Lobos, um Ariano Suassuna ou um Glauber Rocha se não tivéssemos uma cultura tradicional. Na dança, existe no Brasil um conjunto de manifestações variadas, com um repertório muito rico de movimentos, passos e procedimentos. Isso, porém, não foi assimilado pela cultura oficial. Não há uma dança com identidade brasileira; só uma dança contemporânea, específica, ou as danças folclóricas. Historicamente, existe uma tendência ou à folclorização da cultura – o que é perigoso porque dá a ela uma dimensão passageira, artificial, de algo exótico –, ou de os coreógrafos trilharem o caminho de absorver as danças tradicionais e colocá-las no palco com um rigor técnico melhor, como o balé popular da Bahia ou o de Recife. Algumas pessoas também tentam uma simbiose dessa dança tradicional com a dança um olhar em relação à dança brasileira.
Ainda não podemos dizer que existe uma dança brasileira
52
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
contemporânea. São caminhos que já acusam
53
O meu olhar é diferente. O conjunto dessas
A dança clássica, por exemplo, não tem o mesmo
danças tradicionais tem condições de orientar e
significado na Europa, na China, na Índia ou no
fundamentar um pensamento de dança brasileira.
Brasil. As formas do balé clássico dizem respeito
É possível organizar esse universo dentro de
à cabeça do homem europeu. Na Índia, existem
uma estrutura que lhe dê unidade, como uma
três tipos de danças tão ou mais complexas do
linguagem. Venho trabalhando para fazer uma
que a clássica que conhecemos. Mas, e no Brasil,
dança que não é nem cavalo-marinho, nem frevo,
como podemos expressar por meio da dança os
nem capoeira, mas um apanhado de tudo isso, e
sentimentos desse homem brasileiro, parte europeu
capaz de expressar um sentimento ou uma história
e parte não, no seu todo? Imagine, por exemplo,
que eu queira contar, uma dança autoral com base
representar Macunaíma com as técnicas da dança
brasileira. Claro que, para seguir por esse caminho,
clássica. Vai ser muito difícil.
a tradição popular sozinha não é suficiente. É
O diretor teatral italiano Eugenio Barba diz que
preciso um estudo e um conhecimento patrimonial
as danças são diferentes em suas formas e idênticas
da história e das técnicas de dança no mundo.
em seus princípios. Há técnicas gerais e formas
acidentais, regionais. Um bailarino clássico usa a ponta o tempo todo, por exemplo; já o dançarino da Indonésia trabalha de outra maneira, com o pé voltado para cima. Os princípios, porém, são comuns. Registrando essas técnicas e colocando-as a serviço do material que reuni e assimilei, procuro dar corpo e forma a uma linguagem brasileira de dança. Essa será a maneira de unir o universal e o popular, de enriquecer o léxico da dança no mundo e de aumentar nossas chances de expressar uma cultura genuinamente brasileira. No meu trabalho não interessa tanto o espaço da dança e suas expressões originais: o que importa é a língua. Posso tirar o que é regional e me apropriar de contemporaneidade, mas não da dança contemporânea, que virou uma linguagem por si. O que eu procuro é uma dança brasileira da contemporaneidade.
Antonio Nóbrega é músico, dançarino e pesquisador da cultura popular brasileira. Integrou o Quinteto Armorial na década de 1970 e realizou os espetáculos “Figural”, “Brincante” e “9 de Frevereiro”, entre outros. *
54
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
de uma técnica. Estou procurando um aspecto
55
O meu olhar é diferente. O conjunto dessas
A dança clássica, por exemplo, não tem o mesmo
danças tradicionais tem condições de orientar e
significado na Europa, na China, na Índia ou no
fundamentar um pensamento de dança brasileira.
Brasil. As formas do balé clássico dizem respeito
É possível organizar esse universo dentro de
à cabeça do homem europeu. Na Índia, existem
uma estrutura que lhe dê unidade, como uma
três tipos de danças tão ou mais complexas do
linguagem. Venho trabalhando para fazer uma
que a clássica que conhecemos. Mas, e no Brasil,
dança que não é nem cavalo-marinho, nem frevo,
como podemos expressar por meio da dança os
nem capoeira, mas um apanhado de tudo isso, e
sentimentos desse homem brasileiro, parte europeu
capaz de expressar um sentimento ou uma história
e parte não, no seu todo? Imagine, por exemplo,
que eu queira contar, uma dança autoral com base
representar Macunaíma com as técnicas da dança
brasileira. Claro que, para seguir por esse caminho,
clássica. Vai ser muito difícil.
a tradição popular sozinha não é suficiente. É
O diretor teatral italiano Eugenio Barba diz que
preciso um estudo e um conhecimento patrimonial
as danças são diferentes em suas formas e idênticas
da história e das técnicas de dança no mundo.
em seus princípios. Há técnicas gerais e formas
acidentais, regionais. Um bailarino clássico usa a ponta o tempo todo, por exemplo; já o dançarino da Indonésia trabalha de outra maneira, com o pé voltado para cima. Os princípios, porém, são comuns. Registrando essas técnicas e colocando-as a serviço do material que reuni e assimilei, procuro dar corpo e forma a uma linguagem brasileira de dança. Essa será a maneira de unir o universal e o popular, de enriquecer o léxico da dança no mundo e de aumentar nossas chances de expressar uma cultura genuinamente brasileira. No meu trabalho não interessa tanto o espaço da dança e suas expressões originais: o que importa é a língua. Posso tirar o que é regional e me apropriar de contemporaneidade, mas não da dança contemporânea, que virou uma linguagem por si. O que eu procuro é uma dança brasileira da contemporaneidade.
Antonio Nóbrega é músico, dançarino e pesquisador da cultura popular brasileira. Integrou o Quinteto Armorial na década de 1970 e realizou os espetáculos “Figural”, “Brincante” e “9 de Frevereiro”, entre outros. *
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de uma técnica. Estou procurando um aspecto
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fé e crenças
Os ícones da memória e do desejo Luiz Roberto Alves*
57
fé e crenças
Os ícones da memória e do desejo Luiz Roberto Alves*
57
Se essa dinâmica cultural foi feita por trocas
morte, heroísmo) e de um arsenal poético limitados.
de ritmos, valores locais, recursos técnicos
Desse modo, não há que se falar em repetição ou
disponíveis à nova comunidade ou novas posições
em revolução da arte, mas num sistema criativo de
sociais das pessoas, o que ocorre é o intercâmbio
releituras, recuperações, manutenções e variações.
de sentidos entre as expressões culturais. A morte
Segue a riqueza da literatura popular, embora
de uma cultura ou a sua superação só acontece
bastante alterada por padrões de leitura, preço
no campo da concorrência sem regras. No interior
dos materiais e mudança de hábitos, entre outros.
variações e diferenciações. O ouvinte ou o espectador atento acompanha
M 58
uitos dizem que as traduções
também são traduzidas de lugar a lugar, de uma
costumam trazer consigo a traição.
época para outra, produzindo novas referências
Isso porque quando se transferem
e linguagens, relações interculturais e criações
idéias e conceitos de uma língua para outra
simbólicas entre as comunidades do presente e
ocorrem mudanças que alteram o sentido
as do passado. No entanto, essas mesclas, essas
original. As tradições artísticas populares, na
mestiçagens não significam traição da vida de
literatura, pintura, escultura, música e dança,
grupos originais e muito menos degeneração.
Na história da pintura e da escultura sacras nem se supera o Aleijadinho, nem se esquece do santeiro comunitário, porque são outros os públicos. Alguns
a sucessão de leituras e falas do cordel e a história
trabalharam sob encomenda para a construção
maravilhosa da iconografia que vai de Aleijadinho
da época do ouro, sob orientação de mestres
(e antes dele) ao último dos anônimos santeiros e,
europeus e nativos. Outros ainda mexem no barro
nessa toada, o que vê e ouve? No cordel, temas
para sobreviver e muitos fazem de sua obra um
recorrentes, revividos e modificados ao sabor de
objeto devocional. Evidentemente, pode-se criticar
métricas diversas e de gostos tão diferentes, de
o valor estético das obras e sua beleza, pois as
geração em geração. Trata-se de uma imensidão
artes obedecem a certos padrões, mas não se pode
de motivos pessoais e comunitários dentro de um
desmerecer a importância da obra para seus públicos
conjunto de temas (amor, saudade, desejos, política,
e menos ainda declarar o fim de uma tradição.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
das culturas populares ocorrem interpenetrações,
59
Se essa dinâmica cultural foi feita por trocas
morte, heroísmo) e de um arsenal poético limitados.
de ritmos, valores locais, recursos técnicos
Desse modo, não há que se falar em repetição ou
disponíveis à nova comunidade ou novas posições
em revolução da arte, mas num sistema criativo de
sociais das pessoas, o que ocorre é o intercâmbio
releituras, recuperações, manutenções e variações.
de sentidos entre as expressões culturais. A morte
Segue a riqueza da literatura popular, embora
de uma cultura ou a sua superação só acontece
bastante alterada por padrões de leitura, preço
no campo da concorrência sem regras. No interior
dos materiais e mudança de hábitos, entre outros.
variações e diferenciações. O ouvinte ou o espectador atento acompanha
M 58
uitos dizem que as traduções
também são traduzidas de lugar a lugar, de uma
costumam trazer consigo a traição.
época para outra, produzindo novas referências
Isso porque quando se transferem
e linguagens, relações interculturais e criações
idéias e conceitos de uma língua para outra
simbólicas entre as comunidades do presente e
ocorrem mudanças que alteram o sentido
as do passado. No entanto, essas mesclas, essas
original. As tradições artísticas populares, na
mestiçagens não significam traição da vida de
literatura, pintura, escultura, música e dança,
grupos originais e muito menos degeneração.
Na história da pintura e da escultura sacras nem se supera o Aleijadinho, nem se esquece do santeiro comunitário, porque são outros os públicos. Alguns
a sucessão de leituras e falas do cordel e a história
trabalharam sob encomenda para a construção
maravilhosa da iconografia que vai de Aleijadinho
da época do ouro, sob orientação de mestres
(e antes dele) ao último dos anônimos santeiros e,
europeus e nativos. Outros ainda mexem no barro
nessa toada, o que vê e ouve? No cordel, temas
para sobreviver e muitos fazem de sua obra um
recorrentes, revividos e modificados ao sabor de
objeto devocional. Evidentemente, pode-se criticar
métricas diversas e de gostos tão diferentes, de
o valor estético das obras e sua beleza, pois as
geração em geração. Trata-se de uma imensidão
artes obedecem a certos padrões, mas não se pode
de motivos pessoais e comunitários dentro de um
desmerecer a importância da obra para seus públicos
conjunto de temas (amor, saudade, desejos, política,
e menos ainda declarar o fim de uma tradição.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
das culturas populares ocorrem interpenetrações,
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Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é um auto de Natal que porta os vários componentes de um auto. No entanto, que auto é esse que se encarna na vida difícil e muitas vezes desesperadora do sertão, que leva o homem ao desencanto do viver e sugere o suicídio? Perto do desenlace, seu José (carpinteiro, como o pai de Jesus) escuta o anúncio do nascimento do seu filho e recupera a esperança. Trata-se de uma criança franzina, Severina, mas é criança e por ela o mundo recomeça. A criança da poesia é um ícone da vida renascida. A obra do poeta e embaixador pernambucano tanto mantém valores como reinventa situações e motivos do viver sob mínima esperança. Cultiva o Natal e abre janelas para repensar a terra em que se encena. Todos os presépios, especialmente quando feitos com material humilde e reciclado, são ícones de uma memória muito forte do Advento, mas trata-se de uma iconografia mestiça, atualizada pela mudança de materiais disponíveis. As limitações são compensadas pela memória da fé. Acompanhar, pois, as variações e manutenções de estilos,
Trabalho, devoção e criação
de beleza. O que há, sem dúvida, é uma evidente
atentar para as diversas traduções da arte,
Quando um grupo social sofre modificações
mudança nos materiais usados, na disponibilidade
significa ver a dinâmica da cultura.
no ritmo e na natureza do trabalho, seja uma
do tempo, na participação social e nos recursos.
A festa do divino mudou desde o século XIX, mas isso não significa a perda do espírito de devoção 60
Degeneração e traição podem ocorrer quando há
exemplo, sua ação cultural leva a mudar técnicas,
violência e imposição de idéias estranhas à prática
coreografias, organização de materiais e outros
comunitária. Quando guerras e revoltas levam ao
modos de elaboração de suas artes. Isso ocorre
aniquilamento de museus, igrejas e comunidades
com os santeiros modernos, os grupos de jongo,
humanas, talvez suas tradições locais se folclorizem,
congado, folias de reis, maracatus e outras criações
sejam lembradas, mas não vividas. Geralmente a
artístico-estéticas populares. Na mudança das
violência se dirige mais à iconografia, que é mais
condições de trabalho ocorrem alterações de uso
visível, e estimula o culto popular. Ocorrem também
de materiais, direito de uso do espaço e recursos
as deturpações, porque interesses políticos exigem
disponíveis, entre outros. Uma festa do divino do
novas festas e novos rituais. O que se chamou
século XIX, nas terras de Minas Gerais, não pode
de sincretismo religioso, no Brasil, foi resultado
apresentar-se igual na periferia de Belo Horizonte
do grande esforço dos homens e mulheres
de hoje, o que não significa necessariamente perda
escravizados para a manutenção de suas devoções,
de qualidade, de espírito de devoção e mesmo
limitadas e proibidas.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
comunidade de artistas ou de operários, por
61
Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é um auto de Natal que porta os vários componentes de um auto. No entanto, que auto é esse que se encarna na vida difícil e muitas vezes desesperadora do sertão, que leva o homem ao desencanto do viver e sugere o suicídio? Perto do desenlace, seu José (carpinteiro, como o pai de Jesus) escuta o anúncio do nascimento do seu filho e recupera a esperança. Trata-se de uma criança franzina, Severina, mas é criança e por ela o mundo recomeça. A criança da poesia é um ícone da vida renascida. A obra do poeta e embaixador pernambucano tanto mantém valores como reinventa situações e motivos do viver sob mínima esperança. Cultiva o Natal e abre janelas para repensar a terra em que se encena. Todos os presépios, especialmente quando feitos com material humilde e reciclado, são ícones de uma memória muito forte do Advento, mas trata-se de uma iconografia mestiça, atualizada pela mudança de materiais disponíveis. As limitações são compensadas pela memória da fé. Acompanhar, pois, as variações e manutenções de estilos,
Trabalho, devoção e criação
de beleza. O que há, sem dúvida, é uma evidente
atentar para as diversas traduções da arte,
Quando um grupo social sofre modificações
mudança nos materiais usados, na disponibilidade
significa ver a dinâmica da cultura.
no ritmo e na natureza do trabalho, seja uma
do tempo, na participação social e nos recursos.
A festa do divino mudou desde o século XIX, mas isso não significa a perda do espírito de devoção 60
Degeneração e traição podem ocorrer quando há
exemplo, sua ação cultural leva a mudar técnicas,
violência e imposição de idéias estranhas à prática
coreografias, organização de materiais e outros
comunitária. Quando guerras e revoltas levam ao
modos de elaboração de suas artes. Isso ocorre
aniquilamento de museus, igrejas e comunidades
com os santeiros modernos, os grupos de jongo,
humanas, talvez suas tradições locais se folclorizem,
congado, folias de reis, maracatus e outras criações
sejam lembradas, mas não vividas. Geralmente a
artístico-estéticas populares. Na mudança das
violência se dirige mais à iconografia, que é mais
condições de trabalho ocorrem alterações de uso
visível, e estimula o culto popular. Ocorrem também
de materiais, direito de uso do espaço e recursos
as deturpações, porque interesses políticos exigem
disponíveis, entre outros. Uma festa do divino do
novas festas e novos rituais. O que se chamou
século XIX, nas terras de Minas Gerais, não pode
de sincretismo religioso, no Brasil, foi resultado
apresentar-se igual na periferia de Belo Horizonte
do grande esforço dos homens e mulheres
de hoje, o que não significa necessariamente perda
escravizados para a manutenção de suas devoções,
de qualidade, de espírito de devoção e mesmo
limitadas e proibidas.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
comunidade de artistas ou de operários, por
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As mídias – televisão, rádio, revistas e jornais – também são capazes de deturpar experiências, principalmente quando sua veiculação não inclui a memória dos lugares tradicionais, as pessoas envolvidas não são escutadas e não se narra o modo de organização e participação. A projeção de 30 segundos de uma cavalgada que dura dias e lembra a vida sociocultural da Idade Média, ou a exemplificação de duas ou três imagens de santos ou carrancas de barcos, a partir de milhares de obras criadas, não permite criar identidade entre telespectadores e objetos, e tampouco ajuda a educar para a valorização da cultura ou para a participação social. É preciso ficar claro que a criação cultural popular, como a religiosidade do povo, é uma linguagem construída de solidariedades, gestos de cooperação e sentidos de pertencimento diante da história de grupos e comunidades. Imagens escolhidas e editadas por quem não vive ou não tem solidariedade para com esses grupos sociais de fato não ajudam a valorizar as manifestações
culturais. Por isso, especialistas em comunicação sugerem mudanças profundas na concessão e na organização dos canais de produção e emissão de rádio e televisão, e acreditam que a democracia cultural implica a construção de projetos e organizações comunitárias.
A travessia das culturas As diferentes culturas, tradicionais ou modernas, são dinâmicas por natureza. Vejam-se alguns fatos observados. Na tradição do jongo os participantes iniciam sua “função” com a chamada aos antigos participantes. As falas e os cantos se fazem acompanhar de cenografia e iconografia 62
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
programas de comunicação social a partir das
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As mídias – televisão, rádio, revistas e jornais – também são capazes de deturpar experiências, principalmente quando sua veiculação não inclui a memória dos lugares tradicionais, as pessoas envolvidas não são escutadas e não se narra o modo de organização e participação. A projeção de 30 segundos de uma cavalgada que dura dias e lembra a vida sociocultural da Idade Média, ou a exemplificação de duas ou três imagens de santos ou carrancas de barcos, a partir de milhares de obras criadas, não permite criar identidade entre telespectadores e objetos, e tampouco ajuda a educar para a valorização da cultura ou para a participação social. É preciso ficar claro que a criação cultural popular, como a religiosidade do povo, é uma linguagem construída de solidariedades, gestos de cooperação e sentidos de pertencimento diante da história de grupos e comunidades. Imagens escolhidas e editadas por quem não vive ou não tem solidariedade para com esses grupos sociais de fato não ajudam a valorizar as manifestações
culturais. Por isso, especialistas em comunicação sugerem mudanças profundas na concessão e na organização dos canais de produção e emissão de rádio e televisão, e acreditam que a democracia cultural implica a construção de projetos e organizações comunitárias.
A travessia das culturas As diferentes culturas, tradicionais ou modernas, são dinâmicas por natureza. Vejam-se alguns fatos observados. Na tradição do jongo os participantes iniciam sua “função” com a chamada aos antigos participantes. As falas e os cantos se fazem acompanhar de cenografia e iconografia 62
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
programas de comunicação social a partir das
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apropriadas. Esses velhos jongueiros estão mortos, o que remete a um dos padrões culturais da África, fortemente ligados à vida comunitária. O ato rítmico-musical também se constitui em ato
A Festa do Divino
religioso. Parte significativa das tradições culturalreligiosas da África não secciona morte e vida, mas assume o compartilhamento de atos de vida com a comunidade passada. Realizados nos dias de hoje,
A Festa do Divino é uma das mais populares do
tais rituais e folguedos mostram a permanência
país. De norte a sul, é possível encontrar cidades
de valores no interior da diversidade cultural, pois
que cultuam o Espírito Santo em seus festejos de
os membros da comunidade podem professar
rua. A celebração chegou por aqui junto com os
religiões diversas, acreditar que “morreu, acabou”
colonizadores portugueses, mas pouco se sabe a
e, no entanto, ser simpáticos ao chamado dos
respeito de como era comemorada naquela época e
jongueiros ancestrais.
como se espalhou pelo Brasil.
No campo da música e da arquitetura, basta
De lá para cá, com certeza as festas mudaram
ter atenção ao que se escuta e ao que se ergue
muito, sem, no entanto, romper com a tradição de levar
nos espaços periféricos das grandes cidades. Um
a bandeira do Divino com a pomba branca e, ainda mais importante, coroar pessoas simples da comunidade em nome do imperador. Tradicionalmente, as festas do Divino aconteciam cinqüenta dias após a Páscoa, comemorando o Pentecostes (quando o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos), mas hoje podem ocorrer em épocas variadas. Uma das festas mais famosas do país é a de Pirenópolis, em Goiás, onde ocorrem cavalhadas, congadas, reisados, entre outros. Os municípios de Alcântara, no Maranhão, e São João Del Rei, em Minas, além de cidades em São Paulo e Santa Catarina homenagem ao Divino Espírito Santo.
64
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
também ficaram famosos por suas comemorações em
65
apropriadas. Esses velhos jongueiros estão mortos, o que remete a um dos padrões culturais da África, fortemente ligados à vida comunitária. O ato rítmico-musical também se constitui em ato
A Festa do Divino
religioso. Parte significativa das tradições culturalreligiosas da África não secciona morte e vida, mas assume o compartilhamento de atos de vida com a comunidade passada. Realizados nos dias de hoje,
A Festa do Divino é uma das mais populares do
tais rituais e folguedos mostram a permanência
país. De norte a sul, é possível encontrar cidades
de valores no interior da diversidade cultural, pois
que cultuam o Espírito Santo em seus festejos de
os membros da comunidade podem professar
rua. A celebração chegou por aqui junto com os
religiões diversas, acreditar que “morreu, acabou”
colonizadores portugueses, mas pouco se sabe a
e, no entanto, ser simpáticos ao chamado dos
respeito de como era comemorada naquela época e
jongueiros ancestrais.
como se espalhou pelo Brasil.
No campo da música e da arquitetura, basta
De lá para cá, com certeza as festas mudaram
ter atenção ao que se escuta e ao que se ergue
muito, sem, no entanto, romper com a tradição de levar
nos espaços periféricos das grandes cidades. Um
a bandeira do Divino com a pomba branca e, ainda mais importante, coroar pessoas simples da comunidade em nome do imperador. Tradicionalmente, as festas do Divino aconteciam cinqüenta dias após a Páscoa, comemorando o Pentecostes (quando o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos), mas hoje podem ocorrer em épocas variadas. Uma das festas mais famosas do país é a de Pirenópolis, em Goiás, onde ocorrem cavalhadas, congadas, reisados, entre outros. Os municípios de Alcântara, no Maranhão, e São João Del Rei, em Minas, além de cidades em São Paulo e Santa Catarina homenagem ao Divino Espírito Santo.
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
também ficaram famosos por suas comemorações em
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apropriadas. Esses velhos jongueiros estão mortos, o que remete a um dos padrões culturais da África, fortemente ligados à vida comunitária. O ato rítmico-musical também se constitui em ato
A Festa do Divino
religioso. Parte significativa das tradições culturalreligiosas da África não secciona morte e vida, mas assume o compartilhamento de atos de vida com a comunidade passada. Realizados nos dias de hoje,
A Festa do Divino é uma das mais populares do
tais rituais e folguedos mostram a permanência
país. De norte a sul, é possível encontrar cidades
de valores no interior da diversidade cultural, pois
que cultuam o Espírito Santo em seus festejos de
os membros da comunidade podem professar
rua. A celebração chegou por aqui junto com os
religiões diversas, acreditar que “morreu, acabou”
colonizadores portugueses, mas pouco se sabe a
e, no entanto, ser simpáticos ao chamado dos
respeito de como era comemorada naquela época e
jongueiros ancestrais.
como se espalhou pelo Brasil.
No campo da música e da arquitetura, basta
De lá para cá, com certeza as festas mudaram
ter atenção ao que se escuta e ao que se ergue
muito, sem, no entanto, romper com a tradição de levar
nos espaços periféricos das grandes cidades. Um
a bandeira do Divino com a pomba branca e, ainda mais importante, coroar pessoas simples da comunidade em nome do imperador. Tradicionalmente, as festas do Divino aconteciam cinqüenta dias após a Páscoa, comemorando o Pentecostes (quando o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos), mas hoje podem ocorrer em épocas variadas. Uma das festas mais famosas do país é a de Pirenópolis, em Goiás, onde ocorrem cavalhadas, congadas, reisados, entre outros. Os municípios de Alcântara, no Maranhão, e São João Del Rei, em Minas, além de cidades em São Paulo e Santa Catarina homenagem ao Divino Espírito Santo.
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
também ficaram famosos por suas comemorações em
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amigo, morador da antiga favela do Parque São Bernardo, região do ABC paulista, chamou-me a atenção para sua pequenina casa. Segundo ele, tratava-se de uma réplica da morada de seu avô, no agreste paraibano. O pequeno fazendeiro mandara construir uma casa original, dividida para equilibrar os espaços de recolhimento e convivência, certamente complementada por um belo jardim. Casa não rica, mas confortável. Raimundo, seu neto, na radical mudança de vida, que vai das lidas com o gado para o chão da fábrica de montadora multinacional de veículos, fincou na sua pequena casa a memória do avô, o que certamente significaria para ele e sua família alguma visualidade paraibana, a perda menos completa de sua diferença cultural. A favela é o mundo, para lembrar a imagem do romancista Guimarães Rosa
sobre o sertão. Quem vem do sertão, ou do mar,
de trabalho, sofrimento e luta, mas a melodia era
dos pampas e das terras cortadas por muitas águas
um aboio, ritmo lento associado ao movimento
reconstrói no bairro empobrecido alguns traços de
dos animais no campo de trabalho. Na construção
identidade. Às vezes, nas cores usadas, nos móveis,
de letra e melodia erguia-se, também, um tempo
nos adornos, bem como no cultivo de ervas e nas
e um espaço em processo de unificação. Tais
marcas arquitetônicas.
fenômenos são mais presentes do que se supõe,
memorial. Raimundo, o arquiteto da memória, tinha, porém, outras originalidades. Nas terras da
66
bastando ter olhos de ver para apreender a dinâmica da cultura, laica ou religiosa. O terceiro fato lembra a iconografia brasileira,
Paraíba fora aboiador e trabalhara, portanto, no
já citada. Quem gosta de apreciar as incontáveis
universo rítmico do gado e de suas necessidades
peças artesanais, feitas de diferentes argilas e
cotidianas. Seu transplante geográfico-cultural fez
barros e encontradas de norte a sul do país, vê ali
acumular um tempo de silêncio, de observação.
a própria história. Um se espanta com os grandes
Costuma-se chamar esse tempo de mudança na
olhos, outro com vestidos de época nas figuras
vida das pessoas e comunidades de cultura do
femininas e se seguem as atitudes profanas e
silêncio. Em certo ano, inscreveu uma música
devotas, as cores estranhas e as deformações.
no festival realizado pela Pastoral Operária.
O pintor espanhol Pablo Picasso também se
Na execução de sua obra ficava evidente a
espantou com a arte africana e, desse espanto,
modernidade associada à permanência de sua
nasceu um aprendizado muito importante para
história. Tratava-se de letra politizada, que dizia
o desenvolvimento da arte chamada modernista,
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
A casa e o jardim são valores na iconografia
67
amigo, morador da antiga favela do Parque São Bernardo, região do ABC paulista, chamou-me a atenção para sua pequenina casa. Segundo ele, tratava-se de uma réplica da morada de seu avô, no agreste paraibano. O pequeno fazendeiro mandara construir uma casa original, dividida para equilibrar os espaços de recolhimento e convivência, certamente complementada por um belo jardim. Casa não rica, mas confortável. Raimundo, seu neto, na radical mudança de vida, que vai das lidas com o gado para o chão da fábrica de montadora multinacional de veículos, fincou na sua pequena casa a memória do avô, o que certamente significaria para ele e sua família alguma visualidade paraibana, a perda menos completa de sua diferença cultural. A favela é o mundo, para lembrar a imagem do romancista Guimarães Rosa
sobre o sertão. Quem vem do sertão, ou do mar,
de trabalho, sofrimento e luta, mas a melodia era
dos pampas e das terras cortadas por muitas águas
um aboio, ritmo lento associado ao movimento
reconstrói no bairro empobrecido alguns traços de
dos animais no campo de trabalho. Na construção
identidade. Às vezes, nas cores usadas, nos móveis,
de letra e melodia erguia-se, também, um tempo
nos adornos, bem como no cultivo de ervas e nas
e um espaço em processo de unificação. Tais
marcas arquitetônicas.
fenômenos são mais presentes do que se supõe,
memorial. Raimundo, o arquiteto da memória, tinha, porém, outras originalidades. Nas terras da
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bastando ter olhos de ver para apreender a dinâmica da cultura, laica ou religiosa. O terceiro fato lembra a iconografia brasileira,
Paraíba fora aboiador e trabalhara, portanto, no
já citada. Quem gosta de apreciar as incontáveis
universo rítmico do gado e de suas necessidades
peças artesanais, feitas de diferentes argilas e
cotidianas. Seu transplante geográfico-cultural fez
barros e encontradas de norte a sul do país, vê ali
acumular um tempo de silêncio, de observação.
a própria história. Um se espanta com os grandes
Costuma-se chamar esse tempo de mudança na
olhos, outro com vestidos de época nas figuras
vida das pessoas e comunidades de cultura do
femininas e se seguem as atitudes profanas e
silêncio. Em certo ano, inscreveu uma música
devotas, as cores estranhas e as deformações.
no festival realizado pela Pastoral Operária.
O pintor espanhol Pablo Picasso também se
Na execução de sua obra ficava evidente a
espantou com a arte africana e, desse espanto,
modernidade associada à permanência de sua
nasceu um aprendizado muito importante para
história. Tratava-se de letra politizada, que dizia
o desenvolvimento da arte chamada modernista,
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
A casa e o jardim são valores na iconografia
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especialmente a criação cubista, de que ele foi um mestre. Ocorre que as pessoas que criaram essa iconografia aprenderam a duras penas, quase sempre sem estudos escolares e pressionados pela força da sobrevivência. Tratava-se, pois, de lembrar, ver e experimentar. Em sua obra, saíram-se muito bem, porque produziram para a devoção, educaram novas gerações no trato dos materiais, ganharam seu sustento e moveram valores simbólicos de multidões que não puderam ver Aleijadinho e seus discípulos. Efetivamente, ninguém fez melhor os profetas do que o mestre do barroco mineiro, mas milhões de pessoas construíram seus valores e suas idéias no trato cotidiano da iconografia.
O divino nas coisas do povo Participante do Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares , dona Teté (Almerice da Silva Santos), com seu testemunho, ajuda a esclarecer ainda mais as reflexões sobre o assunto. Depois de dizer que aos 8 anos rezava ladainha para o Menino Jesus, ela afirmou que na idade de mocinha começou a cantar na casa do Divino Espírito Santo e a aprender a tocar caixa, apesar da proibição e dos castigos da madrinha.
Nas artes populares vemos o diálogo entre Deus e o mundo 68
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Ao agradecer por sua vida, invoca Deus, Nossa
69
especialmente a criação cubista, de que ele foi um mestre. Ocorre que as pessoas que criaram essa iconografia aprenderam a duras penas, quase sempre sem estudos escolares e pressionados pela força da sobrevivência. Tratava-se, pois, de lembrar, ver e experimentar. Em sua obra, saíram-se muito bem, porque produziram para a devoção, educaram novas gerações no trato dos materiais, ganharam seu sustento e moveram valores simbólicos de multidões que não puderam ver Aleijadinho e seus discípulos. Efetivamente, ninguém fez melhor os profetas do que o mestre do barroco mineiro, mas milhões de pessoas construíram seus valores e suas idéias no trato cotidiano da iconografia.
O divino nas coisas do povo Participante do Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares , dona Teté (Almerice da Silva Santos), com seu testemunho, ajuda a esclarecer ainda mais as reflexões sobre o assunto. Depois de dizer que aos 8 anos rezava ladainha para o Menino Jesus, ela afirmou que na idade de mocinha começou a cantar na casa do Divino Espírito Santo e a aprender a tocar caixa, apesar da proibição e dos castigos da madrinha.
Nas artes populares vemos o diálogo entre Deus e o mundo 68
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Ao agradecer por sua vida, invoca Deus, Nossa
69
Senhora e os Bons Espíritos de Luz. Depois de
Ao final do seu testemunho, dona Teté anunciou
profano na linguagem, a sobrevivência trabalhada
passar pelo teatro amador (no qual fez o papel de
que vai “colocar o cacuriá para a frente” e canta
pela criatividade, a intimidade inteligente do
freira que, segundo ela, é o contrário da vida que
alguns versos:
artista popular e a retórica de quem “não sabe
gosta, por ser “assanhada”), foi para o Tambor de
nada” sabendo muito e sabendo que sabe.
Crioula, entre rezas, ladainhas e danças de cacuriá.
Boa noite, meus senhores, foi agora que eu
Trata-se da autocriação da personagem, persona
No meio do testemunho, afirmou que já gravou
cheguei / Fui chegando e fui cantando, se é do
teatral, o que é coerente com as variações de sua
discos, viajou pelo Brasil e foi até Portugal, apesar
seu gosto não sei / Lera chorou, Lera chorou,
própria vida, entre muitas labutas, dificuldades,
de “não saber nada”. Para ela, as músicas do
eu te disse Lera vão te tomar teu amor / Lera
experiências e performances.
Divino são bonitas, por exemplo:
chorou, Lera chorou, eu te disse Lera vão te tomar teu amor.
Meu Divino Espírito Santo alegra as suas
Os homens e as mulheres das culturas populares encarnam de fato muitas situações, desde o mundo do trabalho até a religiosidade, produtores
caixeiras / Ela vem chegando / Apanhada na
Dona Teté representa as variações, manutenções,
de identidade e construtores de sujeitos. Daí às
roseira / Canta Caixa, vem de dote / Ai não se
as mudanças e recuperações das culturas
formas de associação que garantem vida social e,
ensina prá ninguém / Mas eu ensino prá minha
populares. Mescla valores religiosos na sua
na seqüência, suas expressões de arte, exercício
filha/Prá ser caixeira também.
invocação e agradecimento, o sagrado e o
de liderança, experiências no trato com pessoas e grupos. Na sociedade desigual e, para muitos, empobrecida, toda essa experiência produz uma grande variedade de atos de existência, mesmo porque a expectativa de vida era outra, limitada, reprodutora da família, seguidora das mesmas profissões. Dona Teté, portanto, parece ter muitas vidas, como têm muitas vidas as experiências artísticas populares. Na cultura, a vida empobrecida encontra seu lugar precioso de diferenciação,
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
compartilhamento e riqueza de experiência.
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Senhora e os Bons Espíritos de Luz. Depois de
Ao final do seu testemunho, dona Teté anunciou
profano na linguagem, a sobrevivência trabalhada
passar pelo teatro amador (no qual fez o papel de
que vai “colocar o cacuriá para a frente” e canta
pela criatividade, a intimidade inteligente do
freira que, segundo ela, é o contrário da vida que
alguns versos:
artista popular e a retórica de quem “não sabe
gosta, por ser “assanhada”), foi para o Tambor de
nada” sabendo muito e sabendo que sabe.
Crioula, entre rezas, ladainhas e danças de cacuriá.
Boa noite, meus senhores, foi agora que eu
Trata-se da autocriação da personagem, persona
No meio do testemunho, afirmou que já gravou
cheguei / Fui chegando e fui cantando, se é do
teatral, o que é coerente com as variações de sua
discos, viajou pelo Brasil e foi até Portugal, apesar
seu gosto não sei / Lera chorou, Lera chorou,
própria vida, entre muitas labutas, dificuldades,
de “não saber nada”. Para ela, as músicas do
eu te disse Lera vão te tomar teu amor / Lera
experiências e performances.
Divino são bonitas, por exemplo:
chorou, Lera chorou, eu te disse Lera vão te tomar teu amor.
Meu Divino Espírito Santo alegra as suas
Os homens e as mulheres das culturas populares encarnam de fato muitas situações, desde o mundo do trabalho até a religiosidade, produtores
caixeiras / Ela vem chegando / Apanhada na
Dona Teté representa as variações, manutenções,
de identidade e construtores de sujeitos. Daí às
roseira / Canta Caixa, vem de dote / Ai não se
as mudanças e recuperações das culturas
formas de associação que garantem vida social e,
ensina prá ninguém / Mas eu ensino prá minha
populares. Mescla valores religiosos na sua
na seqüência, suas expressões de arte, exercício
filha/Prá ser caixeira também.
invocação e agradecimento, o sagrado e o
de liderança, experiências no trato com pessoas e grupos. Na sociedade desigual e, para muitos, empobrecida, toda essa experiência produz uma grande variedade de atos de existência, mesmo porque a expectativa de vida era outra, limitada, reprodutora da família, seguidora das mesmas profissões. Dona Teté, portanto, parece ter muitas vidas, como têm muitas vidas as experiências artísticas populares. Na cultura, a vida empobrecida encontra seu lugar precioso de diferenciação,
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
compartilhamento e riqueza de experiência.
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Por isso, como ocorre com os mestres santeiros, com o aboiador Raimundo e os dançarinos das diversas folias e divinos (atrás de quem está todo um povo), dona Teté mescla expressões culturais porque está sempre em busca da vida e suas manifestações. Seu universo original pobre sempre exigiu contínuo aprendizado prático, que, comparado com o mundo escolar e cultivado, parece “não ser nada“. As expressões lingüísticas, pictóricas ou arquitetônicas, que recuperam trovas, fotos, esculturas em madeira e barro, e ritmos, provam o pertencimento, a solidariedade e a atitude de agradecimento que os artistas populares têm para com seus mestres e professores. Quem procura acompanhar e valorizar as artes populares (independentemente de serem profanas ou devotas, pois as culturas dialogam todo o tempo)
Ninguém fez os profetas melhor do que Aleijadinho, mas muitos construíram seus valores e idéias no trato da iconografia
encontra-se com o contínuo diálogo entre Deus
e o mundo, mediado pelos homens e mulheres do povo. Encontra também a saída simbólica da pobreza, pela via da cultura, que é riquíssima até mesmo no repertório limitado e rústico. Vê o curso da história a fabricar novas e surpreendentes formas de solidariedade (o jazz, o soul, as músicas de mutirão, o aboio, as comunidades de santeiros, o cinema indígena, as rádios comunitárias, o teatro do oprimido...) e, nesse movimento, passa a ter certeza de que nossos dilemas podem não ser maiores do cortam a vida) de fato não rompem, porque as memórias, os sons, as falas, os ícones e os gestos os recriam na travessia da vida reencantada.
Luiz Roberto Alves, professor e pesquisador da Universidade Metodista e da USP. Ex-secretário de Educação e Cultura de São Bernardo do Campo e de Mauá. Autor de obras sobre cultura, educação e comunicação.
*
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
que as nossas forças criativas e os tempos (que
73
culinรกria
A cozinha dos Brasis Alex Atala*
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culinรกria
A cozinha dos Brasis Alex Atala*
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por cozinheiros-aventureiros que se disponham a experimentá-las e testá-las em suas receitas. Vários desses ingredientes, tão arraigados na culinária tradicional da região amazônica, deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurantes mais importantes do país. E, para
Vários ingredientes arraigados na culinária amazônica deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurante mais importantes do país
manter seu sabor original, tanto melhor se a técnica utilizada para prepará-los conserva as características usadas na região. Assim, é possível conhecer o verdadeiro sabor da Amazônia, mesmo estando a muitos quilômetros de distância de lá. Um prato moderno com o peixe filhote, por exemplo, pode ser temperado com ingredientes tradicionais como tucupi e tapioca. Além disso, utilizam-se ervas que se tornaram estrelas do famoso mercado Ver-O-Peso, em Belém: jambu (tempero com efeito elétrico que adormece a boca), chicória do Pará e alfavaca do Amazonas. Como na técnica culinária clássica, de matriz francesa, ervas e caldos ressaltam o gosto do peixe. O estilo é internacional, mas o sabor, brasileiríssimo. Para entender pelo menos um pouco dessa
cultura está em cima de uma mesa.
culinária, temos de buscar no passado as diversas
Encontramos na alimentação o
fases e personagens de nossa colonização e da
Tupi, abrange as terras habitadas por índios não-
trilho de estudo das ciências humanas e, assim,
regionalização do Brasil, fazer um apanhado
amazônicos. Ela engloba quase todo o litoral que
uma bela maneira de se descobrir um país. Para
do que nos legaram culturas indígenas e de
era ocupado pela Mata Atlântica. É o paraíso de
se conhecer a culinária brasileira, nada melhor
imigrantes, visitantes antigos e modernos, e
frutas, como o cambuci, e de tubérculos como o
que viajar por suas trilhas, descobrir novos
conhecer a fundo sua base: os ingredientes.
cará e a mandioca – a grande base da culinária
ingredientes e experimentar, de canto a canto,
popular brasileira, que agora, em grande estilo,
pratos tão diferentes e de nomes tão exóticos
As três grandes regiões
passa a fazer parte da alta culinária nacional. A
como feijoada, brigadeiro, bobó, furrundum,
A culinária brasileira pode ser divida em três grandes
nação Tupi abriga também o “país Guarani”, o
escondidinho, cuxá, caribel, vatapá, caruru e
regiões: a Amazônia, a nação Tupi e o sul do país.
Brasil central, de grande biodiversidade – fauna
cartola. Mas, mesmo que não dê para viajar o
76
A segunda região, que chamamos de nação
Dos rios da Amazônia, saem peixes que se
e flora do cerrado – e de sabores típicos: pequi,
quanto gostaríamos em busca desses sabores
tornaram famosos Brasil afora, por seu sabor único,
tão variados, é possível viver a experiência da
como o filhote e o tucunaré. No Amapá se encontra
culinária brasileira dia após dia, em pratos com
a Cairina moscata, a ave imortalizada no pato no
influência européia, alemã e italiana, tendo
ingredientes que revelam um país de sabores,
tucupi, além do camarão pitu. Fora isso, centenas
como ingrediente básico a carne do gado
texturas e aromas.
de ervas e plantas ainda desconhecidas esperam
criado nas pastagens dos pampas. De lá vêm
guariroba, mangaba, jurubeba, ariticum, jatobá. A terceira região seria o sul do país, com sua
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
O
maior elo entre a natureza e a
77
por cozinheiros-aventureiros que se disponham a experimentá-las e testá-las em suas receitas. Vários desses ingredientes, tão arraigados na culinária tradicional da região amazônica, deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurantes mais importantes do país. E, para
Vários ingredientes arraigados na culinária amazônica deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurante mais importantes do país
manter seu sabor original, tanto melhor se a técnica utilizada para prepará-los conserva as características usadas na região. Assim, é possível conhecer o verdadeiro sabor da Amazônia, mesmo estando a muitos quilômetros de distância de lá. Um prato moderno com o peixe filhote, por exemplo, pode ser temperado com ingredientes tradicionais como tucupi e tapioca. Além disso, utilizam-se ervas que se tornaram estrelas do famoso mercado Ver-O-Peso, em Belém: jambu (tempero com efeito elétrico que adormece a boca), chicória do Pará e alfavaca do Amazonas. Como na técnica culinária clássica, de matriz francesa, ervas e caldos ressaltam o gosto do peixe. O estilo é internacional, mas o sabor, brasileiríssimo. Para entender pelo menos um pouco dessa
cultura está em cima de uma mesa.
culinária, temos de buscar no passado as diversas
Encontramos na alimentação o
fases e personagens de nossa colonização e da
Tupi, abrange as terras habitadas por índios não-
trilho de estudo das ciências humanas e, assim,
regionalização do Brasil, fazer um apanhado
amazônicos. Ela engloba quase todo o litoral que
uma bela maneira de se descobrir um país. Para
do que nos legaram culturas indígenas e de
era ocupado pela Mata Atlântica. É o paraíso de
se conhecer a culinária brasileira, nada melhor
imigrantes, visitantes antigos e modernos, e
frutas, como o cambuci, e de tubérculos como o
que viajar por suas trilhas, descobrir novos
conhecer a fundo sua base: os ingredientes.
cará e a mandioca – a grande base da culinária
ingredientes e experimentar, de canto a canto,
popular brasileira, que agora, em grande estilo,
pratos tão diferentes e de nomes tão exóticos
As três grandes regiões
passa a fazer parte da alta culinária nacional. A
como feijoada, brigadeiro, bobó, furrundum,
A culinária brasileira pode ser divida em três grandes
nação Tupi abriga também o “país Guarani”, o
escondidinho, cuxá, caribel, vatapá, caruru e
regiões: a Amazônia, a nação Tupi e o sul do país.
Brasil central, de grande biodiversidade – fauna
cartola. Mas, mesmo que não dê para viajar o
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A segunda região, que chamamos de nação
Dos rios da Amazônia, saem peixes que se
e flora do cerrado – e de sabores típicos: pequi,
quanto gostaríamos em busca desses sabores
tornaram famosos Brasil afora, por seu sabor único,
tão variados, é possível viver a experiência da
como o filhote e o tucunaré. No Amapá se encontra
culinária brasileira dia após dia, em pratos com
a Cairina moscata, a ave imortalizada no pato no
influência européia, alemã e italiana, tendo
ingredientes que revelam um país de sabores,
tucupi, além do camarão pitu. Fora isso, centenas
como ingrediente básico a carne do gado
texturas e aromas.
de ervas e plantas ainda desconhecidas esperam
criado nas pastagens dos pampas. De lá vêm
guariroba, mangaba, jurubeba, ariticum, jatobá. A terceira região seria o sul do país, com sua
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
O
maior elo entre a natureza e a
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também frutos do mar, como as ostras e os camarões de Santa Catarina.
Culinária traduzida A forma como os sabores dessas diferentes regiões chegam até nós, nos dias de hoje, depende muito de quem cozinha. Em muitos casos, os cozinheiros ainda não estão familiarizados com grande parte dos ingredientes tipicamente nacionais. No entanto, vários já descobriram como mesclar elementos da culinária tradicional com a técnica internacional. Isso porque mesmo ingredientes “estranhos” aos nossos gostos, como camarão pitu cru ou tripa de bacalhau, se dispostos nos pratos de uma maneira delicada e com os acompanhamentos certos, tornam-se atraentes. Dessa forma, esses desconhecidos podem ser traduzidos para todo
A forma como os sabores regionais chegam até nós nos dias de hoje depende muito de quem cozinha
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
tipo de paladar. A boa culinária usa 60% de
78
79
também frutos do mar, como as ostras e os camarões de Santa Catarina.
Culinária traduzida A forma como os sabores dessas diferentes regiões chegam até nós, nos dias de hoje, depende muito de quem cozinha. Em muitos casos, os cozinheiros ainda não estão familiarizados com grande parte dos ingredientes tipicamente nacionais. No entanto, vários já descobriram como mesclar elementos da culinária tradicional com a técnica internacional. Isso porque mesmo ingredientes “estranhos” aos nossos gostos, como camarão pitu cru ou tripa de bacalhau, se dispostos nos pratos de uma maneira delicada e com os acompanhamentos certos, tornam-se atraentes. Dessa forma, esses desconhecidos podem ser traduzidos para todo
A forma como os sabores regionais chegam até nós nos dias de hoje depende muito de quem cozinha
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
tipo de paladar. A boa culinária usa 60% de
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79
ingredientes de qualidade e 40% de técnica, e ressalta o sabor de cada elemento, por meio da sobreposição e do contraste.
Os ingredientes Para se conhecer a fundo um ingrediente – e conhecê-lo é fundamental para o cozinheiro e para a culinária – é preciso desmontá-lo. A cozinha é, antes de tudo, um processo de conhecimento. Esse mecanismo de descoberta começa no primeiro contato com o ingrediente e na pesquisa que fazemos sobre ele. A mandioca, a mandioquinha e o cará, por exemplo, são tubérculos gastronomicamente muito potentes por sua textura, sabor e qualidade. É impossível traçar um paralelo de sabor. Eles são diferentes entre si e diferentes da batata, por exemplo. E a mandioca não é apenas um ingrediente, é um elemento arraigado em nossa cultura. Até os colonizadores, ao chegar aqui, preferiram a farinha de mandioca, tornou a base do regime alimentar de grande parte do país e, em alguns rincões, ainda é produzida exatamente como as índias a faziam, mais de 500 anos atrás. Pegue o exemplo de um peixe fresco, recémpescado. Ele deve ser aberto, limpo e analisado. Quais são suas características? A carne é consistente? Tem água? Como devemos tirar as escamas? Com a faca? Com as mãos? E as espinhas? Muito instrutivo e instigante também é conversar com quem conhece. Nenhum cozinheiro deve desprezar o bate-papo com o nativo. Ele tem uma sabedoria ancestral sobre o ingrediente que não pode ser desprezada. No diálogo, aprende-se que, quando um pescador apanha um beijupirá numa rede de sardinhas, a tradição manda que hasteie a bandeira do Brasil. Porque se trata de um peixe raro. Para descobrir mais, pode ser preciso recorrer 80
Até os colonizadores quando chegaram aqui preferiram a farinha de mandioca. Ela se tornou a base alimentar do país e em alguns lugares ainda é produzida exatamente como as índias a faziam há séculos
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
muito mais fresca, à do trigo. A partir daí, ela se
81
ingredientes de qualidade e 40% de técnica, e ressalta o sabor de cada elemento, por meio da sobreposição e do contraste.
Os ingredientes Para se conhecer a fundo um ingrediente – e conhecê-lo é fundamental para o cozinheiro e para a culinária – é preciso desmontá-lo. A cozinha é, antes de tudo, um processo de conhecimento. Esse mecanismo de descoberta começa no primeiro contato com o ingrediente e na pesquisa que fazemos sobre ele. A mandioca, a mandioquinha e o cará, por exemplo, são tubérculos gastronomicamente muito potentes por sua textura, sabor e qualidade. É impossível traçar um paralelo de sabor. Eles são diferentes entre si e diferentes da batata, por exemplo. E a mandioca não é apenas um ingrediente, é um elemento arraigado em nossa cultura. Até os colonizadores, ao chegar aqui, preferiram a farinha de mandioca, tornou a base do regime alimentar de grande parte do país e, em alguns rincões, ainda é produzida exatamente como as índias a faziam, mais de 500 anos atrás. Pegue o exemplo de um peixe fresco, recémpescado. Ele deve ser aberto, limpo e analisado. Quais são suas características? A carne é consistente? Tem água? Como devemos tirar as escamas? Com a faca? Com as mãos? E as espinhas? Muito instrutivo e instigante também é conversar com quem conhece. Nenhum cozinheiro deve desprezar o bate-papo com o nativo. Ele tem uma sabedoria ancestral sobre o ingrediente que não pode ser desprezada. No diálogo, aprende-se que, quando um pescador apanha um beijupirá numa rede de sardinhas, a tradição manda que hasteie a bandeira do Brasil. Porque se trata de um peixe raro. Para descobrir mais, pode ser preciso recorrer 80
Até os colonizadores quando chegaram aqui preferiram a farinha de mandioca. Ela se tornou a base alimentar do país e em alguns lugares ainda é produzida exatamente como as índias a faziam há séculos
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
muito mais fresca, à do trigo. A partir daí, ela se
81
Filhote com tucupi e mandioca (serve 2 pessoas) Filhote
Fumet de peixe
Para temperar o Tucupi
• 400 g de lombo de Filhote (Brachyplatystoma
• 2 kg de carcaça de peixe
• 500 ml de tucupi
• 1 talo de salsão
• 100 ml fumet de peixe
• 200 g de tapioca
• 1 talo de alho-poró
• 1 dente de alho amassado
• 100 g de farinha de mandioca
• 1 cebola média
• 50 g de cebola picada
• 20 g de farinha de bacon
• 3 dentes de alho
• 30 g coentro
• Quanto baste de óleo de canola
• 250 ml de vinho branco
• 10 g de jambu (Spilanthes oleácea)
• Sal e pimenta
• 1 cravo da Índia
• 10 g de chicória do pará (Eryngium foetidum)
• 1 folhas de louro
• 10 g de alfavaca (Ocinum basilicum L.)
Modo de preparo
• 2 g de pimenta do reino em grãos
• Sal
Cozinhe a tapioca por mais ou menos 45 minutos, ou
• Água
• 1/2 pimenta de cheiro ardida
Modo de preparo
Modo de preparo
Coloque os ingredientes em uma panela, acrescente o
Aqueça o tucupi. Adicone a cebola, o alho, o fumet de
Farinha de bacon
vinho e um pouco de água, o suficiente para cobrir toda
peixe, a pimenta e todas as ervas. Deixe em infusão em
• 500 g bacon
a carcaça. Cozinhe por aproximadamente 3 horas, em
fogo baixo até que o tucupi esteja bem aromático. Coe e
farinha de bacon com a farinha de mandioca e faça
• 30 ml de óleo de canola
fogo baixo. Coe e reserve.
acerte o sal.
uma crosta em um lado do peixe.
• Papel absorvente
filamentosum) em cubos de 100 g cada
até que esteja quase transparente (com uma pequena bolinha branca ao centro). Coe e marine com o tucupi (veja receita na página Tempere o peixe com sal e pimenta. Misture a
Em uma frigideira antiaderente, cubra o fundo da
Finalização
panela com o óleo de canola e frite primeiro do lado
Modo de preparo
• Brotos de coentro
da crosta até que fique bem dourado e crocante. Vire
Escolha um pedaço de bacon com bastante carne e menos
• Flor de borago
o peixe rapidamente e finalize no forno por 2 minutos
gordura. Corte em cubos pequenos e leve ao fogo baixo,
• Folhas de jambu
antes de servir.
em uma frigideira com um fio de óleo. Derreta e frite, até o
• Flor de jambu
bacon ficar bem crocante e dourado, sem queimar. Envolva
Coloque a tapioca marinada com tucupi no fundo
os pedacinhos em muitas camadas de papel absorvente e
do prato. Ponha o peixe sobre a tapioca. Distribua as
prense, para tirar o máximo de gordura. Novamente envolva
flores e as ervas. Finalize com tucupi bem quente.
em papel e deixe desengordurar, por 12 horas. Bata no liqüidificador até obter uma farinha e volte a prensar no papel, para que fique sequinha, com a menor quantidade possível de gordura. Passe por uma peneira fina e reserve.
82
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
ao lado).
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Filhote com tucupi e mandioca (serve 2 pessoas) Filhote
Fumet de peixe
Para temperar o Tucupi
• 400 g de lombo de Filhote (Brachyplatystoma
• 2 kg de carcaça de peixe
• 500 ml de tucupi
• 1 talo de salsão
• 100 ml fumet de peixe
• 200 g de tapioca
• 1 talo de alho-poró
• 1 dente de alho amassado
• 100 g de farinha de mandioca
• 1 cebola média
• 50 g de cebola picada
• 20 g de farinha de bacon
• 3 dentes de alho
• 30 g coentro
• Quanto baste de óleo de canola
• 250 ml de vinho branco
• 10 g de jambu (Spilanthes oleácea)
• Sal e pimenta
• 1 cravo da Índia
• 10 g de chicória do pará (Eryngium foetidum)
• 1 folhas de louro
• 10 g de alfavaca (Ocinum basilicum L.)
Modo de preparo
• 2 g de pimenta do reino em grãos
• Sal
Cozinhe a tapioca por mais ou menos 45 minutos, ou
• Água
• 1/2 pimenta de cheiro ardida
Modo de preparo
Modo de preparo
Coloque os ingredientes em uma panela, acrescente o
Aqueça o tucupi. Adicone a cebola, o alho, o fumet de
Farinha de bacon
vinho e um pouco de água, o suficiente para cobrir toda
peixe, a pimenta e todas as ervas. Deixe em infusão em
• 500 g bacon
a carcaça. Cozinhe por aproximadamente 3 horas, em
fogo baixo até que o tucupi esteja bem aromático. Coe e
farinha de bacon com a farinha de mandioca e faça
• 30 ml de óleo de canola
fogo baixo. Coe e reserve.
acerte o sal.
uma crosta em um lado do peixe.
• Papel absorvente
filamentosum) em cubos de 100 g cada
até que esteja quase transparente (com uma pequena bolinha branca ao centro). Coe e marine com o tucupi (veja receita na página Tempere o peixe com sal e pimenta. Misture a
Em uma frigideira antiaderente, cubra o fundo da
Finalização
panela com o óleo de canola e frite primeiro do lado
Modo de preparo
• Brotos de coentro
da crosta até que fique bem dourado e crocante. Vire
Escolha um pedaço de bacon com bastante carne e menos
• Flor de borago
o peixe rapidamente e finalize no forno por 2 minutos
gordura. Corte em cubos pequenos e leve ao fogo baixo,
• Folhas de jambu
antes de servir.
em uma frigideira com um fio de óleo. Derreta e frite, até o
• Flor de jambu
bacon ficar bem crocante e dourado, sem queimar. Envolva
Coloque a tapioca marinada com tucupi no fundo
os pedacinhos em muitas camadas de papel absorvente e
do prato. Ponha o peixe sobre a tapioca. Distribua as
prense, para tirar o máximo de gordura. Novamente envolva
flores e as ervas. Finalize com tucupi bem quente.
em papel e deixe desengordurar, por 12 horas. Bata no liqüidificador até obter uma farinha e volte a prensar no papel, para que fique sequinha, com a menor quantidade possível de gordura. Passe por uma peneira fina e reserve.
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
ao lado).
83
aos livros e à internet e assim ficar sabendo que o
restaurantes estrelados. A trufa chegou direto da
A memória do sabor
beijupirá está em toda a costa brasileira – mais que
terra para a mesa da gastronomia, foi valorizada.
Além de combinar técnicas clássicas e ingredientes
isso, em todo o Oceano Atlântico. Mas mantém sua
Na zona rural da França, os moradores preservam
brasileiros, pode-se também criar uma memória do
aura de nobreza. Não é tão fácil de achar e pescar
os restos de carne em banha. Os chefes de cozinha,
sabor, nessa busca de, pela via da culinária, trazer
como uma garoupa, um badejo, uma sardinha. Não
tendo essa conserva como base, preparam o confit
o país a quem não o conhece. Essas memórias são,
é à toa que os pescadores apelidaram o beijupirá de
de pato, uma receita mundialmente famosa.
num primeiro momento, experiências pessoais.
“peixe-rei”. Sua carne dura, semelhante à do cação,
No entanto, em Minas Gerais, as famílias
Mergulhar no mundo de aromas e sabores do
tem bastante gordura e se presta ao congelamento.
colocam o porco na banha há séculos e isso nunca
mercado Ver-O-Peso. Pescar com um ribeirinho no
Mas o sabor do beijupirá fresco é inigualável.
foi valorizado gastronomicamente. A galinha
rio Araguaia, assisti-lo limpar e temperar o peixe,
É comum encontrá-lo, entre outros lugares, no
caipira sempre foi menos bem vista do que a
comer com ele. Acompanhar uma caçada de
mercado Ver-O-Peso, em Belém do Pará.
galinha de granja, o oposto do que acontece na
índios, temperar a carne com ervas do mato, jantar
Com um ingrediente assim, dissecado
Itália ou na França. Na Itália, os caracóis criados
junto com a tribo. Essas experiências viram receitas
profundamente, podem-se inventar receitas
são menos valorizados do que os selvagens. Isso
e trazem com elas o sabor da vivência.
maravilhosas, que combinem o sabor regional
não é costume no Brasil.
com a técnica e a criatividade da alta gastronomia.
Por isso, é possível, especialmente em São
Da mesma forma, um bom prato não evoca apenas a viagem feita pelo cozinheiro. Quem
Paulo e no Rio de Janeiro, conseguir qualquer
já esteve na Amazônia, já comeu um peixe
Cozinha nacional
ingrediente de qualquer lugar do mundo. Mas, se
no Araguaia, ou uma carne no Pantanal irá
As cozinhas nacionais são variações dessa mesma
você quiser fazer um pato no tucupi, vai ter que
reconhecer os sabores nessas receitas. Quem
técnica clássica, misturada com ingredientes
bater muita perna e pode nem chegar a juntar
nunca foi para esses lugares pode acreditar: a
locais e dados culturais. O espanhol Ferran Adrià,
tudo o que é preciso.
Amazônia, o Pantanal, o Araguaia estão lá.
o cozinheiro mais famoso da atualidade, já disse:
Isso acontece porque talvez faltem cozinheiros
“Vocês não têm idéia de como o seu país é rico
que procurem conhecer e entender os ingredientes
e potente. Se você olhar o mapa-múndi, verá
e seus preparos, que busquem se embrenhar pelo
que todos os cantos do mundo já deram sua
país para aprender com humildade com quem
contribuição gastronômica ao Brasil. A China
cozinha no dia-a-dia.
Alex Atala é um dos mais importantes chefes de cozinha do país e autor de vários livros de gastronomia. Seu restaurante, o D.O.M., aberto em São Paulo em 1999, já está há três anos na lista dos 50 melhores do mundo feita pela revista inglesa Restaurant.
*
e o Japão mandaram as algas, o shoyu e o gengibre. A Índia enviou as especiarias. A Rússia, a vodca e o caviar. O Mediterrâneo, as azeitonas e os azeites. A Europa, as caças, as ervas e as
Com um ingrediente como o peixe beijupirá podemos inventar receitas maravilhosas, que combinem o sabor regional com a técnica e a criatividade da alta gastronomia
Amazônia. Vocês têm ervas, peixes, frutas, uma infinidade de sabores”. No Brasil, porém, os ingredientes amazônicos e mesmo os tradicionais nunca chegaram à mesa da gastronomia pela porta da frente. A cozinha da senzala entrou na casa grande, mas nunca com brilho. Na Itália, o caipira sai com seu porco farejando a terra e encontra fungos. Depois, eles são vendidos, in natura, como trufas nos
84
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
trufas. Existe, no entanto, um lugar intocado: a
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aos livros e à internet e assim ficar sabendo que o
restaurantes estrelados. A trufa chegou direto da
A memória do sabor
beijupirá está em toda a costa brasileira – mais que
terra para a mesa da gastronomia, foi valorizada.
Além de combinar técnicas clássicas e ingredientes
isso, em todo o Oceano Atlântico. Mas mantém sua
Na zona rural da França, os moradores preservam
brasileiros, pode-se também criar uma memória do
aura de nobreza. Não é tão fácil de achar e pescar
os restos de carne em banha. Os chefes de cozinha,
sabor, nessa busca de, pela via da culinária, trazer
como uma garoupa, um badejo, uma sardinha. Não
tendo essa conserva como base, preparam o confit
o país a quem não o conhece. Essas memórias são,
é à toa que os pescadores apelidaram o beijupirá de
de pato, uma receita mundialmente famosa.
num primeiro momento, experiências pessoais.
“peixe-rei”. Sua carne dura, semelhante à do cação,
No entanto, em Minas Gerais, as famílias
Mergulhar no mundo de aromas e sabores do
tem bastante gordura e se presta ao congelamento.
colocam o porco na banha há séculos e isso nunca
mercado Ver-O-Peso. Pescar com um ribeirinho no
Mas o sabor do beijupirá fresco é inigualável.
foi valorizado gastronomicamente. A galinha
rio Araguaia, assisti-lo limpar e temperar o peixe,
É comum encontrá-lo, entre outros lugares, no
caipira sempre foi menos bem vista do que a
comer com ele. Acompanhar uma caçada de
mercado Ver-O-Peso, em Belém do Pará.
galinha de granja, o oposto do que acontece na
índios, temperar a carne com ervas do mato, jantar
Com um ingrediente assim, dissecado
Itália ou na França. Na Itália, os caracóis criados
junto com a tribo. Essas experiências viram receitas
profundamente, podem-se inventar receitas
são menos valorizados do que os selvagens. Isso
e trazem com elas o sabor da vivência.
maravilhosas, que combinem o sabor regional
não é costume no Brasil.
com a técnica e a criatividade da alta gastronomia.
Por isso, é possível, especialmente em São
Da mesma forma, um bom prato não evoca apenas a viagem feita pelo cozinheiro. Quem
Paulo e no Rio de Janeiro, conseguir qualquer
já esteve na Amazônia, já comeu um peixe
Cozinha nacional
ingrediente de qualquer lugar do mundo. Mas, se
no Araguaia, ou uma carne no Pantanal irá
As cozinhas nacionais são variações dessa mesma
você quiser fazer um pato no tucupi, vai ter que
reconhecer os sabores nessas receitas. Quem
técnica clássica, misturada com ingredientes
bater muita perna e pode nem chegar a juntar
nunca foi para esses lugares pode acreditar: a
locais e dados culturais. O espanhol Ferran Adrià,
tudo o que é preciso.
Amazônia, o Pantanal, o Araguaia estão lá.
o cozinheiro mais famoso da atualidade, já disse:
Isso acontece porque talvez faltem cozinheiros
“Vocês não têm idéia de como o seu país é rico
que procurem conhecer e entender os ingredientes
e potente. Se você olhar o mapa-múndi, verá
e seus preparos, que busquem se embrenhar pelo
que todos os cantos do mundo já deram sua
país para aprender com humildade com quem
contribuição gastronômica ao Brasil. A China
cozinha no dia-a-dia.
Alex Atala é um dos mais importantes chefes de cozinha do país e autor de vários livros de gastronomia. Seu restaurante, o D.O.M., aberto em São Paulo em 1999, já está há três anos na lista dos 50 melhores do mundo feita pela revista inglesa Restaurant.
*
e o Japão mandaram as algas, o shoyu e o gengibre. A Índia enviou as especiarias. A Rússia, a vodca e o caviar. O Mediterrâneo, as azeitonas e os azeites. A Europa, as caças, as ervas e as
Com um ingrediente como o peixe beijupirá podemos inventar receitas maravilhosas, que combinem o sabor regional com a técnica e a criatividade da alta gastronomia
Amazônia. Vocês têm ervas, peixes, frutas, uma infinidade de sabores”. No Brasil, porém, os ingredientes amazônicos e mesmo os tradicionais nunca chegaram à mesa da gastronomia pela porta da frente. A cozinha da senzala entrou na casa grande, mas nunca com brilho. Na Itália, o caipira sai com seu porco farejando a terra e encontra fungos. Depois, eles são vendidos, in natura, como trufas nos
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
trufas. Existe, no entanto, um lugar intocado: a
85
design e arquitetura
Coisas e jeitos de morar Depoimento de AdĂŠlia Borges*
87
design e arquitetura
Coisas e jeitos de morar Depoimento de AdĂŠlia Borges*
87
do brasileiro de pegar o que está ao seu redor e
casa popular no Brasil: sustentabilidade,
fazer uma reinvenção inteligente. Restos de palhas
inventividade e diversidade. Muito antes
de milho são misturados ao algodão no tear para
de a palavra ecologia constar do dicionário, o povo
compor tecidos; sementes de plantas viram cortinas;
brasileiro já era ecológico. Essa postura se revela
tampinhas de refrigerante se transformam em
na escolha de materiais da paisagem natural em
capachos que não ficam nada a dever aos das
que a habitação está inserida. As madeiras, o barro
melhores lojas; restos de garrafa pet viram vassoura.
que se agrega à trama de madeira para preencher
E por aí vão os inúmeros exemplos que aliam a
o pau a pique ou que se transforma em tijolo, as
postura ecológica a uma grande inventividade.
palhas das palmeiras da cobertura que protege do
Até o início dos anos 1980 não havia tanta
sol... São muitos os exemplos do uso inteligente
preocupação com a ecologia. O tema estava
dos materiais locais em técnicas transmitidas de
vinculado a um mundo distante, da floresta.
geração a geração. Eles são um conjunto de saberes
Empresas respeitáveis tinham em seu logotipo a
que revelam uma intimidade com a natureza da
chaminé como um símbolo de progresso. Só no
qual resultam soluções de paisagem construída que
final dos anos 1980 é que começa a se difundir a
estão em perfeita harmonia com a natural.
consciência de que a ecologia tem a ver também
A sustentabilidade está presente nas técnicas
com o mundo industrial e, além disso, está
construtivas, na “casca” da arquitetura e nos
relacionada a nossos comportamentos e atitudes.
equipamentos domésticos. É notável a capacidade
Foi nesse momento que governo, organizações da
No design popular a simplicidade construtiva é comum. Em outros meios é vista como algo tão complicado que demanda muito estudo dos especialistas
88
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
T
rês características principais marcam a
89
do brasileiro de pegar o que está ao seu redor e
casa popular no Brasil: sustentabilidade,
fazer uma reinvenção inteligente. Restos de palhas
inventividade e diversidade. Muito antes
de milho são misturados ao algodão no tear para
de a palavra ecologia constar do dicionário, o povo
compor tecidos; sementes de plantas viram cortinas;
brasileiro já era ecológico. Essa postura se revela
tampinhas de refrigerante se transformam em
na escolha de materiais da paisagem natural em
capachos que não ficam nada a dever aos das
que a habitação está inserida. As madeiras, o barro
melhores lojas; restos de garrafa pet viram vassoura.
que se agrega à trama de madeira para preencher
E por aí vão os inúmeros exemplos que aliam a
o pau a pique ou que se transforma em tijolo, as
postura ecológica a uma grande inventividade.
palhas das palmeiras da cobertura que protege do
Até o início dos anos 1980 não havia tanta
sol... São muitos os exemplos do uso inteligente
preocupação com a ecologia. O tema estava
dos materiais locais em técnicas transmitidas de
vinculado a um mundo distante, da floresta.
geração a geração. Eles são um conjunto de saberes
Empresas respeitáveis tinham em seu logotipo a
que revelam uma intimidade com a natureza da
chaminé como um símbolo de progresso. Só no
qual resultam soluções de paisagem construída que
final dos anos 1980 é que começa a se difundir a
estão em perfeita harmonia com a natural.
consciência de que a ecologia tem a ver também
A sustentabilidade está presente nas técnicas
com o mundo industrial e, além disso, está
construtivas, na “casca” da arquitetura e nos
relacionada a nossos comportamentos e atitudes.
equipamentos domésticos. É notável a capacidade
Foi nesse momento que governo, organizações da
No design popular a simplicidade construtiva é comum. Em outros meios é vista como algo tão complicado que demanda muito estudo dos especialistas
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
T
rês características principais marcam a
89
sociedade civil e empresas incorporaram a noção de
modo de morar do brasileiro. Com a participação
arquitetura da região da Quarta Colônia, no Rio
que a sustentabilidade passa pelo aproveitamento
e a liderança de dois grandes professores, o
Grande do Sul, de origem italiana.
das matérias-primas locais, em geral orgânicas e
arquiteto Carlos Lemos e o historiador Ulpiano
biodegradáveis, e dos objetos ligados ao meio de
Bezerra de Meneses, da Universidade de
diversidade. As casas da Quarta Colônia – que
vida da população. E isso o povo brasileiro já fazia,
São Paulo e então conselheiros do Museu,
abrigaram a quarta leva de imigrantes da Itália
há muito tempo... Quem está hoje na faixa dos 40
examinamos portfólios de todo o país, revelando
– são de pedra, tal como as da região do Vêneto.
anos deve ter tido uma avó que guardava tudo, da
um multifacetado painel. Na primeira edição,
Os imigrantes optaram pelo granito, abundante
lata de biscoito à caixa de sapatos, e os aproveitava
pontuamos tipologias e mostramos o olhar
no local, e pelo arenito, constituindo paredes
vida afora. Um tempo depois, houve uma fase em
do fotógrafo em quatro micro-regiões. Anna
grossas para proteger do inverno rigoroso. Nas
que isso nos envergonhava, era um sinal de pobreza,
Mariani, conhecida por seu extenso e seminal
casas do Cariri, predominavam as paredes de taipa,
tornou-se mais bacana comprar pronto, perfeito.
trabalho sobre fachadas nordestinas, mostrou a
encontradas também na Chapada Diamantina,
Agora, vemos um retorno à reutilização.
vida dentro de casas de Nova Olinda, na região
onde conviviam com alvenaria. Já no sul do Paraná,
do Cariri, no Ceará. A baiana Iêda Marques
as casas dos imigrantes são de madeira.
Uma imagem poderosa para ilustrar essa
Nesses ensaios ficou clara uma grande
capacidade de criar a partir das sobras é a da
compareceu com residências da Chapada
colcha de retalhos, presente em culturas em que
Diamantina, na Bahia, especialmente as cozinhas.
Pontos em comum
houve escravidão, como a brasileira e a norte-
Os sinais domésticos da imigração polonesa no
Há alguns pontos que se mantêm em quase todas
americana, e em que os escravos tinham às mãos
Paraná foram retratados pelo paranaense João
as casas brasileiras. Um deles é a importância da
apenas os restos da casa grande. Os pequenos
Urban. Já o gaúcho Andrés Otero trouxe à tona a
cozinha. De norte a sul, a cozinha sempre foi um
mãos habilidosas e mentes criativas em mosaicos encantadores, muito mais ricos do ponto de vista estético do que peças industrializadas. Essa mesma capacidade se revela na lata furada para fazer um ralador; nos móveis de madeira montados com encaixes; no cesto de fibras trançadas com maestria. São soluções que primam pela simplicidade construtiva – e todo mundo que freqüentou uma escola sabe como é complicado ser simples, como só os verdadeiramente sábios chegam às soluções da simplicidade. Da soma de sustentabilidade com inventividade chegamos à terceira característica: a diversidade. Se a prática da construção e da elaboração dos equipamentos é ligada às condições locais, num país de dimensões continentais só poderíamos falar em “casas brasileiras”, no plural. Quando dirigi o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, iniciamos um projeto chamado Casas do Brasil, que mostrava fotografias mapeando o 90
De norte a sul a cozinha nas casas brasileiras sempre foi um lugar de sociabilidade. Não era só para cozinhar, era um ambiente de estar, de reunir a família
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
retalhos descartados são transformados por
91
sociedade civil e empresas incorporaram a noção de
modo de morar do brasileiro. Com a participação
arquitetura da região da Quarta Colônia, no Rio
que a sustentabilidade passa pelo aproveitamento
e a liderança de dois grandes professores, o
Grande do Sul, de origem italiana.
das matérias-primas locais, em geral orgânicas e
arquiteto Carlos Lemos e o historiador Ulpiano
biodegradáveis, e dos objetos ligados ao meio de
Bezerra de Meneses, da Universidade de
diversidade. As casas da Quarta Colônia – que
vida da população. E isso o povo brasileiro já fazia,
São Paulo e então conselheiros do Museu,
abrigaram a quarta leva de imigrantes da Itália
há muito tempo... Quem está hoje na faixa dos 40
examinamos portfólios de todo o país, revelando
– são de pedra, tal como as da região do Vêneto.
anos deve ter tido uma avó que guardava tudo, da
um multifacetado painel. Na primeira edição,
Os imigrantes optaram pelo granito, abundante
lata de biscoito à caixa de sapatos, e os aproveitava
pontuamos tipologias e mostramos o olhar
no local, e pelo arenito, constituindo paredes
vida afora. Um tempo depois, houve uma fase em
do fotógrafo em quatro micro-regiões. Anna
grossas para proteger do inverno rigoroso. Nas
que isso nos envergonhava, era um sinal de pobreza,
Mariani, conhecida por seu extenso e seminal
casas do Cariri, predominavam as paredes de taipa,
tornou-se mais bacana comprar pronto, perfeito.
trabalho sobre fachadas nordestinas, mostrou a
encontradas também na Chapada Diamantina,
Agora, vemos um retorno à reutilização.
vida dentro de casas de Nova Olinda, na região
onde conviviam com alvenaria. Já no sul do Paraná,
do Cariri, no Ceará. A baiana Iêda Marques
as casas dos imigrantes são de madeira.
Uma imagem poderosa para ilustrar essa
Nesses ensaios ficou clara uma grande
capacidade de criar a partir das sobras é a da
compareceu com residências da Chapada
colcha de retalhos, presente em culturas em que
Diamantina, na Bahia, especialmente as cozinhas.
Pontos em comum
houve escravidão, como a brasileira e a norte-
Os sinais domésticos da imigração polonesa no
Há alguns pontos que se mantêm em quase todas
americana, e em que os escravos tinham às mãos
Paraná foram retratados pelo paranaense João
as casas brasileiras. Um deles é a importância da
apenas os restos da casa grande. Os pequenos
Urban. Já o gaúcho Andrés Otero trouxe à tona a
cozinha. De norte a sul, a cozinha sempre foi um
mãos habilidosas e mentes criativas em mosaicos encantadores, muito mais ricos do ponto de vista estético do que peças industrializadas. Essa mesma capacidade se revela na lata furada para fazer um ralador; nos móveis de madeira montados com encaixes; no cesto de fibras trançadas com maestria. São soluções que primam pela simplicidade construtiva – e todo mundo que freqüentou uma escola sabe como é complicado ser simples, como só os verdadeiramente sábios chegam às soluções da simplicidade. Da soma de sustentabilidade com inventividade chegamos à terceira característica: a diversidade. Se a prática da construção e da elaboração dos equipamentos é ligada às condições locais, num país de dimensões continentais só poderíamos falar em “casas brasileiras”, no plural. Quando dirigi o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, iniciamos um projeto chamado Casas do Brasil, que mostrava fotografias mapeando o 90
De norte a sul a cozinha nas casas brasileiras sempre foi um lugar de sociabilidade. Não era só para cozinhar, era um ambiente de estar, de reunir a família
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
retalhos descartados são transformados por
91
lugar de sociabilidade, usada como um ambiente de estar, o local de reunir a família. O cheiro do café sendo coado é um signo da ocupação humana daquele abrigo. Como lembra o professor Carlos
A rede é um equipamento doméstico brasileiro por excelência, existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre
Lemos, “desde os tempos de muito antigamente, o fogo aceso para o cozimento dos alimentos é que indicava a habitação em pleno funcionamento e,
escravocrata, em que é feio trabalhar com as mãos
daí, lar, o nome da pedra do fogão romano, hoje
e se valoriza ou o trabalho intelectual, interditou-
significar justamente o local onde a família sobrevive
se ao “bem nascido” as delícias da alquimia dos
em paz. O lugar no qual as comidas são preparadas,
alimentos. Quem é rico não faz, manda fazer. Isso
inclusive na casa modesta do brasileiro simples,
empobreceu a vida doméstica por um tempo. No
comparece como o centro de interesse a cuja
entanto, hoje se assiste à revalorização da cozinha
volta surgem os demais componentes da lista das
como um lugar de encontro.
atuações do dia-a-dia, a que os arquitetos chamam de programa de necessidades”.(1) Essa tradição foi rompida nas casas das classes
Outro ponto em comum na casa brasileira é a rede de dormir. Usada pelos índios, era feita de fibras vegetais ou de algodão. O português a assimilou por suas inúmeras qualidades: é leve,
empregada doméstica na cozinha. Numa sociedade
fácil de transportar e muito adequada para um
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
médias altas urbanas, em que se segregou a
92
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lugar de sociabilidade, usada como um ambiente de estar, o local de reunir a família. O cheiro do café sendo coado é um signo da ocupação humana daquele abrigo. Como lembra o professor Carlos
A rede é um equipamento doméstico brasileiro por excelência, existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre
Lemos, “desde os tempos de muito antigamente, o fogo aceso para o cozimento dos alimentos é que indicava a habitação em pleno funcionamento e,
escravocrata, em que é feio trabalhar com as mãos
daí, lar, o nome da pedra do fogão romano, hoje
e se valoriza ou o trabalho intelectual, interditou-
significar justamente o local onde a família sobrevive
se ao “bem nascido” as delícias da alquimia dos
em paz. O lugar no qual as comidas são preparadas,
alimentos. Quem é rico não faz, manda fazer. Isso
inclusive na casa modesta do brasileiro simples,
empobreceu a vida doméstica por um tempo. No
comparece como o centro de interesse a cuja
entanto, hoje se assiste à revalorização da cozinha
volta surgem os demais componentes da lista das
como um lugar de encontro.
atuações do dia-a-dia, a que os arquitetos chamam de programa de necessidades”.(1) Essa tradição foi rompida nas casas das classes
Outro ponto em comum na casa brasileira é a rede de dormir. Usada pelos índios, era feita de fibras vegetais ou de algodão. O português a assimilou por suas inúmeras qualidades: é leve,
empregada doméstica na cozinha. Numa sociedade
fácil de transportar e muito adequada para um
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
médias altas urbanas, em que se segregou a
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Por mais simples que seja a casa brasileira, há um desejo de beleza e harmonia e uma grande preocupação com a simetria
país quente e úmido como o Brasil. Esse é um equipamento doméstico brasileiro por excelência. Existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre. Numa residência, “o corpo dispõe de um abrigo fechado onde pode estirar-se, dormir, fugir do barulho, dos olhares, da presença de outras pessoas, garantir suas funções e seu entretenimento mais íntimo”, nas palavras do escritor Michel de Certeau.(2) No entanto, o papel da casa vai muito além de abrigo das intempéries. Como diz o filósofo francês Gaston Bachelard, “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz”.(3) Talvez a partir dessa reflexão possamos compreender como as casas populares brasileiras transcendem a busca da funcionalidade ou do conforto para almejar a beleza, verificada no esmero de um detalhe que tem a única “função” de alegrar a vista, ou percebida nos enfeites simetricamente dispostos nos ambientes, como se a simetria fosse uma garantia de tranqüilidade e paz. Na casa popular brasileira, a forma seguiu a roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato
que a forma segue a função. Desse ponto de vista,
protegendo a terra para que a água não a arraste
o bom design independe de tempo e lugar. Essa
presença constante, seja por meio de um pequeno
e não se perca a sua riqueza”; “Se o sertanejo
visão veio da Bauhaus, movimento surgido no início
altar, de imagens na parede, ou esculturas e
obedecer a esses preceitos, a seca vai aos poucos
do século XX na Alemanha. O programa chegou
oratórios. Em algumas regiões, esses espaços
se acabando, o gado melhorando, e o povo terá
aqui pronto da Escola de Ulm, da Alemanha, que
da espiritualidade são mais exuberantes. É o
sempre o que comer; mas se não obedecer, dentro
seguia os preceitos da Bauhaus. Esse vínculo com o
caso do Cariri, onde é seguida ao pé da letra a
em pouco o sertão todo vai virar um deserto só”.
funcionalismo deixou marcas profundas no design
recomendação do Padre Cícero Romão de que cada
Que belas e pertinentes recomendações!
brasileiro, desestimulando a pesquisa em torno da
falarem dos conceitos de design emocional. O espaço de conexão com o sagrado é uma
nossa cultura material popular.
casa deveria ter um altar e uma oficina – o que,
94
diga-se, influenciou muito a qualidade da cultura
Design: valorização das raízes
material local. Além de importante líder religioso,
Em geral, os povos colonizados, como o brasileiro,
imprimiram feições brasileiras em seu trabalho. O
Padre Cícero também pode ser considerado um
têm complexo de inferioridade, como se as coisas
carioca Sérgio Rodrigues teve uma preocupação
precursor dos líderes ambientalistas. Costumava
feitas na metrópole fossem mais importantes ou
deliberada nesse sentido e buscou nas raízes
orientar os sertanejos com frases simples, como:
mais corretas. No campo do design brasileiro,
ibéricas um fio condutor para suas pesquisas, que
“Não toque fogo nem no roçado, nem na
houve outro fator. As primeiras universidades eram
resultaram em móveis robustos. Já o português
caatinga”; “Não plante em serra acima, nem faça
vinculadas a um modo de ver funcionalista, em
Joaquim Tenreiro viu que as pessoas usavam, no calor
Nadando contra a corrente, alguns designers
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
emoção, o coração, muito antes de os compêndios
95
Por mais simples que seja a casa brasileira, há um desejo de beleza e harmonia e uma grande preocupação com a simetria
país quente e úmido como o Brasil. Esse é um equipamento doméstico brasileiro por excelência. Existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre. Numa residência, “o corpo dispõe de um abrigo fechado onde pode estirar-se, dormir, fugir do barulho, dos olhares, da presença de outras pessoas, garantir suas funções e seu entretenimento mais íntimo”, nas palavras do escritor Michel de Certeau.(2) No entanto, o papel da casa vai muito além de abrigo das intempéries. Como diz o filósofo francês Gaston Bachelard, “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz”.(3) Talvez a partir dessa reflexão possamos compreender como as casas populares brasileiras transcendem a busca da funcionalidade ou do conforto para almejar a beleza, verificada no esmero de um detalhe que tem a única “função” de alegrar a vista, ou percebida nos enfeites simetricamente dispostos nos ambientes, como se a simetria fosse uma garantia de tranqüilidade e paz. Na casa popular brasileira, a forma seguiu a roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato
que a forma segue a função. Desse ponto de vista,
protegendo a terra para que a água não a arraste
o bom design independe de tempo e lugar. Essa
presença constante, seja por meio de um pequeno
e não se perca a sua riqueza”; “Se o sertanejo
visão veio da Bauhaus, movimento surgido no início
altar, de imagens na parede, ou esculturas e
obedecer a esses preceitos, a seca vai aos poucos
do século XX na Alemanha. O programa chegou
oratórios. Em algumas regiões, esses espaços
se acabando, o gado melhorando, e o povo terá
aqui pronto da Escola de Ulm, da Alemanha, que
da espiritualidade são mais exuberantes. É o
sempre o que comer; mas se não obedecer, dentro
seguia os preceitos da Bauhaus. Esse vínculo com o
caso do Cariri, onde é seguida ao pé da letra a
em pouco o sertão todo vai virar um deserto só”.
funcionalismo deixou marcas profundas no design
recomendação do Padre Cícero Romão de que cada
Que belas e pertinentes recomendações!
brasileiro, desestimulando a pesquisa em torno da
falarem dos conceitos de design emocional. O espaço de conexão com o sagrado é uma
nossa cultura material popular.
casa deveria ter um altar e uma oficina – o que,
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diga-se, influenciou muito a qualidade da cultura
Design: valorização das raízes
material local. Além de importante líder religioso,
Em geral, os povos colonizados, como o brasileiro,
imprimiram feições brasileiras em seu trabalho. O
Padre Cícero também pode ser considerado um
têm complexo de inferioridade, como se as coisas
carioca Sérgio Rodrigues teve uma preocupação
precursor dos líderes ambientalistas. Costumava
feitas na metrópole fossem mais importantes ou
deliberada nesse sentido e buscou nas raízes
orientar os sertanejos com frases simples, como:
mais corretas. No campo do design brasileiro,
ibéricas um fio condutor para suas pesquisas, que
“Não toque fogo nem no roçado, nem na
houve outro fator. As primeiras universidades eram
resultaram em móveis robustos. Já o português
caatinga”; “Não plante em serra acima, nem faça
vinculadas a um modo de ver funcionalista, em
Joaquim Tenreiro viu que as pessoas usavam, no calor
Nadando contra a corrente, alguns designers
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
emoção, o coração, muito antes de os compêndios
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do Rio de Janeiro, sofás de veludo e brocado, porque
presidente Juscelino Kubitschek, chamada “Bahia”,
as elites queriam se comportar como se estivessem
que marcou época. Ali, expôs toda a força da criação
na França. A isso Tenreiro respondeu com móveis
baiana, colocando folhas secas no chão, orixás
muito leves, em madeiras delgadas e palhinhas.
grandes, colchas de retalho e objetos do cotidiano.
Uma figura bastante importante foi Lina Bo Bardi,
Nos anos 1970, o artista plástico e designer
arquiteta formada na Itália, que veio para o Brasil
pernambucano Aloísio Magalhães foi designado
com seu marido, Pietro Maria Bardi, chamado por
para a Secretaria da Cultura, que respondia ao
Assis Chateaubriand para criar o Masp (Museu de
Ministério de Educação e Cultura. Certa vez, Severo
Arte de São Paulo). Ao chegar, encantou-se com a
Gomes, então ministro da Indústria e Comércio,
cultura popular. Lina dizia: “Procurar com atenção
perguntou a Aloísio: “Por que o produto brasileiro
as bases culturais de um país, sejam quais forem
não é conhecido lá fora? Por que ele não tem uma
– pobres, míseras, populares – quando reais, não
cara?”. Aloísio respondeu que era porque nós não
significa conservar as formas e os materiais, significa
conhecíamos nossas raízes. A partir daí nasceu, no
avaliar as possibilidades criativas originais”.(4) Ela
âmbito do Ministério da Indústria e Comércio, o
compreendeu a vitalidade do que passou a chamar
Centro Nacional de Referência Cultural, dirigido por
de “a civilização brasileira”, contrapondo-se a quem
Aloísio, que começou a fazer uma documentação
achava que o que havia aqui não era civilização. Em
do artesanato e das indústrias nascentes, como
1959, fez uma exposição no parque do Ibirapuera,
a do aproveitamento do caju, no nordeste.
na Bienal de Arte de São Paulo, aberta pelo então
Nesse momento houve, pela primeira vez, uma
Brasileiros pelo mundo Referência no Brasil e no mundo, a obra do maior
e mobiliário com fios emaranhados e entrelaçados,
arquiteto brasileiro e um dos dez gênios vivos do planeta,
retalhos, estampas e materiais variados, como plástico,
segundo a empresa de consultoria Synectics, está
tecidos, cordas e reciclados. Além da beleza plástica, suas
intimamente ligada à cultura popular brasileira. Oscar
peças materializam o gênio inventivo, explosivo, inquieto
Niemeyer recebeu claras influências do arquiteto suíço
e o espírito imaginativo contemporâneo do nosso povo.
Le Corbusier, mas a originalidade de seus projetos reside na integração da arquitetura moderna com elementos
e museus internacionais, que culminaram com uma
da arte colonial brasileira, como o uso decorativo de
retrospectiva no MoMA (Museu de Arte Moderna) de
azulejos. Em atividade desde 1937, ele enfeitou com sua
Nova York em 1998, suas criações se espalharam pelo
arquitetura de estilo próprio muitas cidades pelo país.
mundo. Desde então, os irmãos Campana justamente
Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Niterói contam
porque têm esse DNA de brasilidade muito forte, embora
com obras suas, além de várias cidades no exterior.
não esteriotipado, continuam buscando provar que
Também conhecidos internacionalmente, os irmãos
96
Nos anos 1990, depois de exposições em galerias
o trabalho com materiais simples, de maneira quase
Fernando e Humberto Campana transformam tudo o
artesanal, é o melhor jeito de expressar, num mundo tão
que fazem em obras de arte: criam objetos de design
globalizado, uma forma brasileira de morar e de viver.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Dos anos 1990 para cá, estamos assistindo a um renascimento muito forte da cultura popular brasileira dentro do design
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do Rio de Janeiro, sofás de veludo e brocado, porque
presidente Juscelino Kubitschek, chamada “Bahia”,
as elites queriam se comportar como se estivessem
que marcou época. Ali, expôs toda a força da criação
na França. A isso Tenreiro respondeu com móveis
baiana, colocando folhas secas no chão, orixás
muito leves, em madeiras delgadas e palhinhas.
grandes, colchas de retalho e objetos do cotidiano.
Uma figura bastante importante foi Lina Bo Bardi,
Nos anos 1970, o artista plástico e designer
arquiteta formada na Itália, que veio para o Brasil
pernambucano Aloísio Magalhães foi designado
com seu marido, Pietro Maria Bardi, chamado por
para a Secretaria da Cultura, que respondia ao
Assis Chateaubriand para criar o Masp (Museu de
Ministério de Educação e Cultura. Certa vez, Severo
Arte de São Paulo). Ao chegar, encantou-se com a
Gomes, então ministro da Indústria e Comércio,
cultura popular. Lina dizia: “Procurar com atenção
perguntou a Aloísio: “Por que o produto brasileiro
as bases culturais de um país, sejam quais forem
não é conhecido lá fora? Por que ele não tem uma
– pobres, míseras, populares – quando reais, não
cara?”. Aloísio respondeu que era porque nós não
significa conservar as formas e os materiais, significa
conhecíamos nossas raízes. A partir daí nasceu, no
avaliar as possibilidades criativas originais”.(4) Ela
âmbito do Ministério da Indústria e Comércio, o
compreendeu a vitalidade do que passou a chamar
Centro Nacional de Referência Cultural, dirigido por
de “a civilização brasileira”, contrapondo-se a quem
Aloísio, que começou a fazer uma documentação
achava que o que havia aqui não era civilização. Em
do artesanato e das indústrias nascentes, como
1959, fez uma exposição no parque do Ibirapuera,
a do aproveitamento do caju, no nordeste.
na Bienal de Arte de São Paulo, aberta pelo então
Nesse momento houve, pela primeira vez, uma
Brasileiros pelo mundo Referência no Brasil e no mundo, a obra do maior
e mobiliário com fios emaranhados e entrelaçados,
arquiteto brasileiro e um dos dez gênios vivos do planeta,
retalhos, estampas e materiais variados, como plástico,
segundo a empresa de consultoria Synectics, está
tecidos, cordas e reciclados. Além da beleza plástica, suas
intimamente ligada à cultura popular brasileira. Oscar
peças materializam o gênio inventivo, explosivo, inquieto
Niemeyer recebeu claras influências do arquiteto suíço
e o espírito imaginativo contemporâneo do nosso povo.
Le Corbusier, mas a originalidade de seus projetos reside na integração da arquitetura moderna com elementos
e museus internacionais, que culminaram com uma
da arte colonial brasileira, como o uso decorativo de
retrospectiva no MoMA (Museu de Arte Moderna) de
azulejos. Em atividade desde 1937, ele enfeitou com sua
Nova York em 1998, suas criações se espalharam pelo
arquitetura de estilo próprio muitas cidades pelo país.
mundo. Desde então, os irmãos Campana justamente
Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Niterói contam
porque têm esse DNA de brasilidade muito forte, embora
com obras suas, além de várias cidades no exterior.
não esteriotipado, continuam buscando provar que
Também conhecidos internacionalmente, os irmãos
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Nos anos 1990, depois de exposições em galerias
o trabalho com materiais simples, de maneira quase
Fernando e Humberto Campana transformam tudo o
artesanal, é o melhor jeito de expressar, num mundo tão
que fazem em obras de arte: criam objetos de design
globalizado, uma forma brasileira de morar e de viver.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Dos anos 1990 para cá, estamos assistindo a um renascimento muito forte da cultura popular brasileira dentro do design
97
preocupação deliberada com o que os brasileiros faziam e como criavam os artefatos. Aluísio invocava a imagem do estilingue, em que “quanto mais para trás a borracha vai, mais longe a pedra alcança”, para dizer que deveríamos valorizar a tradição para extrair dela a inovação. Depois da morte prematura de Aluísio, em 1982, a iniciativa foi interrompida. Mas, à medida em que o mundo se globalizou, a atenção se voltou cada vez mais para as coisas locais. Dos anos 1990 para cá, assistimos a um renascimento forte da valorização da cultura popular dentro do design. Descobrimos o capim dourado do Jalapão como um material nobre, as possibilidades dos tipos de barro e das fibras vegetais. As faculdades não ensinavam isso, mas agora vemos a descoberta de técnicas e materiais locais. Mesmo com essa resistência, as peças de artesanato nunca correram o risco de desaparecer. Uma coisa que nos caracteriza é a mestiçagem,
o hibridismo, a contaminação, a mistura e a
um pano para o sofá, comprava um padrão floral
capacidade de transformação. Isso existe muito no
inglês. Hoje, procura por objetos e estampas que
design brasileiro. Andando pelo país, percebemos
expressem nossas raízes.
o desejo de auto-afirmação, o orgulho. Voltando à colcha de retalhos, por exemplo. Hoje, foi
voltadas à valorização das culturas do povo.
revalorizada e se sofisticou. Já o fuxico, uma
Um avanço importante foi a legislação sobre o
técnica bem brasileira, virou uma febre. No país
patrimônio imaterial. Antes, só se preservavam
todo há a valorização dos elementos regionais, e
os monumentos; agora, o conceito passou
não só aqui
para bens intangíveis, nos quais se inscrevem
Esse fenômeno de junção do global com o local
desde um instrumento como a viola de cocho
é forte no design de equipamentos para o habitat,
do Mato Grosso, até um utensílio doméstico
no design do próprio habitat e no do ambiente,
como a panela de barro feita em Goiabeiras, no
no que chamamos de arquitetura de interiores.
Espírito Santo. Estamos percebendo que esses
Na Amazônia, os arquitetos aprendem com a casa
saberes, o conhecimento, a tecnologia, o modo
ribeirinha, que se ergue sobre palafitas e tem boa
de trabalhar, são muito valiosos e devem ser
ventilação. Anos atrás, quem ia construir uma casa
mantidos e transmitidos.
na montanha fazia um chalé suíço; quem queria 98
Há também políticas governamentais
Muito mais do que em outros países, as culturas
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Estamos valorizando nossas coisas, descobrindo o capim dourado do Jalapão como um material nobre
99
preocupação deliberada com o que os brasileiros faziam e como criavam os artefatos. Aluísio invocava a imagem do estilingue, em que “quanto mais para trás a borracha vai, mais longe a pedra alcança”, para dizer que deveríamos valorizar a tradição para extrair dela a inovação. Depois da morte prematura de Aluísio, em 1982, a iniciativa foi interrompida. Mas, à medida em que o mundo se globalizou, a atenção se voltou cada vez mais para as coisas locais. Dos anos 1990 para cá, assistimos a um renascimento forte da valorização da cultura popular dentro do design. Descobrimos o capim dourado do Jalapão como um material nobre, as possibilidades dos tipos de barro e das fibras vegetais. As faculdades não ensinavam isso, mas agora vemos a descoberta de técnicas e materiais locais. Mesmo com essa resistência, as peças de artesanato nunca correram o risco de desaparecer. Uma coisa que nos caracteriza é a mestiçagem,
o hibridismo, a contaminação, a mistura e a
um pano para o sofá, comprava um padrão floral
capacidade de transformação. Isso existe muito no
inglês. Hoje, procura por objetos e estampas que
design brasileiro. Andando pelo país, percebemos
expressem nossas raízes.
o desejo de auto-afirmação, o orgulho. Voltando à colcha de retalhos, por exemplo. Hoje, foi
voltadas à valorização das culturas do povo.
revalorizada e se sofisticou. Já o fuxico, uma
Um avanço importante foi a legislação sobre o
técnica bem brasileira, virou uma febre. No país
patrimônio imaterial. Antes, só se preservavam
todo há a valorização dos elementos regionais, e
os monumentos; agora, o conceito passou
não só aqui
para bens intangíveis, nos quais se inscrevem
Esse fenômeno de junção do global com o local
desde um instrumento como a viola de cocho
é forte no design de equipamentos para o habitat,
do Mato Grosso, até um utensílio doméstico
no design do próprio habitat e no do ambiente,
como a panela de barro feita em Goiabeiras, no
no que chamamos de arquitetura de interiores.
Espírito Santo. Estamos percebendo que esses
Na Amazônia, os arquitetos aprendem com a casa
saberes, o conhecimento, a tecnologia, o modo
ribeirinha, que se ergue sobre palafitas e tem boa
de trabalhar, são muito valiosos e devem ser
ventilação. Anos atrás, quem ia construir uma casa
mantidos e transmitidos.
na montanha fazia um chalé suíço; quem queria 98
Há também políticas governamentais
Muito mais do que em outros países, as culturas
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Estamos valorizando nossas coisas, descobrindo o capim dourado do Jalapão como um material nobre
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erudita e popular no Brasil estão muito entrelaçadas. O arquiteto Oscar Niemeyer usa muitas formas curvas que são iguais às das ocas, têm a mesma suavidade, os espaços internos generosos. Daí, cria as colunas do Palácio da Alvorada em Brasília e elas passam a ser replicadas Brasil afora, em casas, pés de mesa e objetos. Há um trânsito grande. O povo se apropria da cultura erudita e a transforma, e vice-versa. Muita coisa mudou na cultura popular brasileira. Só o que não muda é o que está morto e a cultura popular brasileira está viva, bem viva, nos dando lições. Em um livro muito interessante do arquiteto Marcelo Ferraz sobre a arquitetura rural da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, o professor Antonio Cândido aponta essa sabedoria com a qual temos tanto a aprender: “Impressiona nessas casas o entrosamento de inúmeros aspectos, essa articulação entre a paisagem, a habitação, a faina de todo dia, os costumes, os folguedos, resultando num exemplo do poder ordenador que a inteligência pode ter, quando sabe entender o
Estamos percebendo que esses saberes – o conhecimento, a tecnologia, o modo de trabalhar – são muito valiosos e devem ser mantidos e transmitidos
Notas (1) Lemos, Carlos A. C. Casas do Brasil . Carlos A. C Lemos, Ulpiano T. Bezerra de Menezes; fotografias de Andrés Otero... [et al.]. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006. p. 10. (2) Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano: 2.morar, cozinhar. Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Tradução de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich Orth, Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. (3) Bachelard, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988. (4) Bardi, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994. (5) Ferraz, Marcelo Carvalho. Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira. Quadrante, 1992.
Adélia Borges é mineira de Cássia, onde nasceu em 1951. Vive em São Paulo e atua como jornalista, curadora de exposições e professora de História do Design. Textos de sua autoria para imprensa, catálogos ou livros já foram publicados em alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês. De 2003 a 2007 foi diretora do Museu da Casa Brasileira. *
100
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
mundo e escolher nele o pedaço significativo”.(5)
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erudita e popular no Brasil estão muito entrelaçadas. O arquiteto Oscar Niemeyer usa muitas formas curvas que são iguais às das ocas, têm a mesma suavidade, os espaços internos generosos. Daí, cria as colunas do Palácio da Alvorada em Brasília e elas passam a ser replicadas Brasil afora, em casas, pés de mesa e objetos. Há um trânsito grande. O povo se apropria da cultura erudita e a transforma, e vice-versa. Muita coisa mudou na cultura popular brasileira. Só o que não muda é o que está morto e a cultura popular brasileira está viva, bem viva, nos dando lições. Em um livro muito interessante do arquiteto Marcelo Ferraz sobre a arquitetura rural da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, o professor Antonio Cândido aponta essa sabedoria com a qual temos tanto a aprender: “Impressiona nessas casas o entrosamento de inúmeros aspectos, essa articulação entre a paisagem, a habitação, a faina de todo dia, os costumes, os folguedos, resultando num exemplo do poder ordenador que a inteligência pode ter, quando sabe entender o
Estamos percebendo que esses saberes – o conhecimento, a tecnologia, o modo de trabalhar – são muito valiosos e devem ser mantidos e transmitidos
Notas (1) Lemos, Carlos A. C. Casas do Brasil . Carlos A. C Lemos, Ulpiano T. Bezerra de Menezes; fotografias de Andrés Otero... [et al.]. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006. p. 10. (2) Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano: 2.morar, cozinhar. Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Tradução de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich Orth, Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. (3) Bachelard, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988. (4) Bardi, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994. (5) Ferraz, Marcelo Carvalho. Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira. Quadrante, 1992.
Adélia Borges é mineira de Cássia, onde nasceu em 1951. Vive em São Paulo e atua como jornalista, curadora de exposições e professora de História do Design. Textos de sua autoria para imprensa, catálogos ou livros já foram publicados em alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês. De 2003 a 2007 foi diretora do Museu da Casa Brasileira. *
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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
mundo e escolher nele o pedaço significativo”.(5)
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artesanato
O fazer por devoção e precisão Por Beth Lima*
103
artesanato
O fazer por devoção e precisão Por Beth Lima*
103
As primeiras informações sobre atividades organizadas em torno desse universo datam da década de 1940 – um dos eventos mais importantes aconteceu em 1947, quando o Movimento Regionalista de Recife organizou a
As raízes do artesanato estão fincadas nas culturas dos indígenas, dos negros e dos imigrantes
1a Exposição de Cerâmica Popular do Nordeste. É certo que, desde então, essas manifestações repousaram tão-somente na esfera do fazer local e funcional. O que era produzido, era-o para ser usado no dia-a-dia ou trocado por outros bens de primeira necessidade, nas feiras que aconteciam pelo interior do país, como as do Crato, de Bezerros e Caruaru (PE), Arapiraca (AL), Olhos d’Água (GO), Taubaté (SP)... Era nesses locais que grande parte da produção local excedente era mostrada e vendida. Panelas de barro, quartinhas para água, colheres de pau, candeeiros de lata, cestos, abanos, trançados e rendas, livrinhos de cordel, imagens de santos e brinquedos ficavam expostos ao lado de alimentos, garrafadas medicinais, animais de carga e de passeio e toda sorte de
104
Felizmente, nos últimos sessenta ou setenta
de uma diversidade cultural sem
anos, esse universo vem se destacando. Estudiosos,
precedentes e com pouco mais de 500
pesquisadores e intelectuais – como Mário de
anos, se levarmos em conta somente a sua história
Andrade, Cecília Meireles, Luís da Câmara Cascudo,
desde o momento em que aqui desembarcaram
Roger Bastide, Darcy Ribeiro, Rossini Tavares, Edison
os primeiros portugueses. No entanto, suas raízes
Carneiro, Clarival do Prado Valladares, Jacques
estão fincadas nas culturas dos povos indígenas
Van de Beuque, Lina Bo Bardi, Silvia Coimbra e
que aqui sempre habitaram, nos saberes trazidos
Lélia Frota Coelho, só para citar alguns – deitaram
pelos escravos africanos e, mais recentemente, na
seu olhar sobre esse fazer mais autêntico e quase
contribuição de povos que para cá emigraram. Sem
sempre definido como “o fazer do povo”, tentando
esses fatos em mente, fica difícil entender nossa
entender, a partir daí, a nossa identidade histórica
própria história, essa diversidade cultural e suas
e cultural. Como já disse Darcy Ribeiro, em O povo
manifestações mais autênticas, como a arte
brasileiro, uma tarefa “muito difícil e penosa, mas
popular e o artesanato brasileiro.
também muito mais bela e desafiante”.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
O
Brasil é um país continental, dono
105
As primeiras informações sobre atividades organizadas em torno desse universo datam da década de 1940 – um dos eventos mais importantes aconteceu em 1947, quando o Movimento Regionalista de Recife organizou a
As raízes do artesanato estão fincadas nas culturas dos indígenas, dos negros e dos imigrantes
1a Exposição de Cerâmica Popular do Nordeste. É certo que, desde então, essas manifestações repousaram tão-somente na esfera do fazer local e funcional. O que era produzido, era-o para ser usado no dia-a-dia ou trocado por outros bens de primeira necessidade, nas feiras que aconteciam pelo interior do país, como as do Crato, de Bezerros e Caruaru (PE), Arapiraca (AL), Olhos d’Água (GO), Taubaté (SP)... Era nesses locais que grande parte da produção local excedente era mostrada e vendida. Panelas de barro, quartinhas para água, colheres de pau, candeeiros de lata, cestos, abanos, trançados e rendas, livrinhos de cordel, imagens de santos e brinquedos ficavam expostos ao lado de alimentos, garrafadas medicinais, animais de carga e de passeio e toda sorte de
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Felizmente, nos últimos sessenta ou setenta
de uma diversidade cultural sem
anos, esse universo vem se destacando. Estudiosos,
precedentes e com pouco mais de 500
pesquisadores e intelectuais – como Mário de
anos, se levarmos em conta somente a sua história
Andrade, Cecília Meireles, Luís da Câmara Cascudo,
desde o momento em que aqui desembarcaram
Roger Bastide, Darcy Ribeiro, Rossini Tavares, Edison
os primeiros portugueses. No entanto, suas raízes
Carneiro, Clarival do Prado Valladares, Jacques
estão fincadas nas culturas dos povos indígenas
Van de Beuque, Lina Bo Bardi, Silvia Coimbra e
que aqui sempre habitaram, nos saberes trazidos
Lélia Frota Coelho, só para citar alguns – deitaram
pelos escravos africanos e, mais recentemente, na
seu olhar sobre esse fazer mais autêntico e quase
contribuição de povos que para cá emigraram. Sem
sempre definido como “o fazer do povo”, tentando
esses fatos em mente, fica difícil entender nossa
entender, a partir daí, a nossa identidade histórica
própria história, essa diversidade cultural e suas
e cultural. Como já disse Darcy Ribeiro, em O povo
manifestações mais autênticas, como a arte
brasileiro, uma tarefa “muito difícil e penosa, mas
popular e o artesanato brasileiro.
também muito mais bela e desafiante”.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
O
Brasil é um país continental, dono
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entretenimento, como cantadores e repentistas, bandas de pífano e teatro de bonecos. Porque dia de feira era dia de festa. Assim como os dias de santos padroeiros, com suas romarias, novenas e barracas, onde se podia comprar de tudo. Ao ganhar a nova roupagem da arte popular, essas peças entram para um mercado muito mais amplo e exigente. Começam a ser vistas com outros olhos, com os olhos da estética da arte e gradativamente vão deixando de ser produtos meramente locais e de primeira necessidade. São alçados até o frágil limite entre a “arte erudita” e a “arte regional, espontânea”, ou até mesmo “ingênua”, e começam a ser expostos em lojas das cidades e galerias de arte dos grandes centros urbanos, obtendo então um novo status no mercado. Um dos fatores utilizados para essa caracterização é o fato de esses artistasartesãos não possuírem formação acadêmica ou mesmo primária. E, mais importante, o fato de dependerem exclusivamente desse fazer para sua sobrevivência. Em todos os cantos do país, é comum ouvi-los repetir a máxima “a necessidade é a mãe das invenções” e, precisamente por isso, nunca fizeram grandes distinções entre arte e ao seu redor – barro, madeira, galhos e raízes,
com os avós, pais ou parentes; começaram
ainda que simplista, entre o artesão que repete
fibras, areia, latas e, mais recentemente, materiais
ajudando e foram se desenvolvendo. Alguns
o aprendido, pois seu produto tem boa aceitação
reciclados. No entanto, como já foi observado,
trilharam caminhos muito próprios, enquanto
nas feiras e mercados, e rapidamente várias
é nas regiões mais pobres que essa realidade
outros se mantêm na mesma tradição aprendida.
pessoas da comunidade se envolvem nesse fazer,
ganha contornos muito próprios. Ali, onde não
e o artista que cria suas peças, sem qualquer
se podem comprar as coisas necessárias – de uma
preocupação com a utilidade, executando
panela a um brinquedo – a única alternativa é
trabalhos com forte apelo estético e, quando
fazê-los. Outra realidade bastante comum é o fato
possível, colocando neles suas iniciais. Esses,
de muitas famílias migrarem do interior para as
em geral, produzem peças figurativas, expressão
capitais e, depois que os adultos se aposentam,
direta de seus sentimentos, capazes de manter
começam a fazer nas horas vagas o que sempre
sua sobrevivência e sua razão.
souberam – por exemplo, amassar o barro, trançar
Alguns artesãos trilharam caminhos próprios; outros mantêm a tradição 106
Nesse ponto, é preciso fazer uma distinção,
Independentemente da região, esses artistasartesãos sempre trabalharam com o que estava
fios ou cavoucar pedaços de pau, os fazeres mais característicos do povo brasileiro.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
ofício. Quase sempre aprenderam o que sabem
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entretenimento, como cantadores e repentistas, bandas de pífano e teatro de bonecos. Porque dia de feira era dia de festa. Assim como os dias de santos padroeiros, com suas romarias, novenas e barracas, onde se podia comprar de tudo. Ao ganhar a nova roupagem da arte popular, essas peças entram para um mercado muito mais amplo e exigente. Começam a ser vistas com outros olhos, com os olhos da estética da arte e gradativamente vão deixando de ser produtos meramente locais e de primeira necessidade. São alçados até o frágil limite entre a “arte erudita” e a “arte regional, espontânea”, ou até mesmo “ingênua”, e começam a ser expostos em lojas das cidades e galerias de arte dos grandes centros urbanos, obtendo então um novo status no mercado. Um dos fatores utilizados para essa caracterização é o fato de esses artistasartesãos não possuírem formação acadêmica ou mesmo primária. E, mais importante, o fato de dependerem exclusivamente desse fazer para sua sobrevivência. Em todos os cantos do país, é comum ouvi-los repetir a máxima “a necessidade é a mãe das invenções” e, precisamente por isso, nunca fizeram grandes distinções entre arte e ao seu redor – barro, madeira, galhos e raízes,
com os avós, pais ou parentes; começaram
ainda que simplista, entre o artesão que repete
fibras, areia, latas e, mais recentemente, materiais
ajudando e foram se desenvolvendo. Alguns
o aprendido, pois seu produto tem boa aceitação
reciclados. No entanto, como já foi observado,
trilharam caminhos muito próprios, enquanto
nas feiras e mercados, e rapidamente várias
é nas regiões mais pobres que essa realidade
outros se mantêm na mesma tradição aprendida.
pessoas da comunidade se envolvem nesse fazer,
ganha contornos muito próprios. Ali, onde não
e o artista que cria suas peças, sem qualquer
se podem comprar as coisas necessárias – de uma
preocupação com a utilidade, executando
panela a um brinquedo – a única alternativa é
trabalhos com forte apelo estético e, quando
fazê-los. Outra realidade bastante comum é o fato
possível, colocando neles suas iniciais. Esses,
de muitas famílias migrarem do interior para as
em geral, produzem peças figurativas, expressão
capitais e, depois que os adultos se aposentam,
direta de seus sentimentos, capazes de manter
começam a fazer nas horas vagas o que sempre
sua sobrevivência e sua razão.
souberam – por exemplo, amassar o barro, trançar
Alguns artesãos trilharam caminhos próprios; outros mantêm a tradição 106
Nesse ponto, é preciso fazer uma distinção,
Independentemente da região, esses artistasartesãos sempre trabalharam com o que estava
fios ou cavoucar pedaços de pau, os fazeres mais característicos do povo brasileiro.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
ofício. Quase sempre aprenderam o que sabem
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Amassar o barro Perdem-se no tempo as origens desse fazer que é a base da formação de todos os povos do mundo. No Brasil, os primeiros colonizadores que aqui desembarcaram encontraram a cerâmica indígena, com seus engobes e pigmentos (misturas usada para pintar o barro) e suas formas bojudas. As técnicas e desenhos trazidos pelos ibéricos misturaram-se àqueles ensinamentos e também à contribuição africana. A técnica do rolete ou “cobrinha”, a mais comum, se mantém e se repete. O torno mecânico, com a roda impulsionada pelo pé, chegou aqui trazido de fora.
Curiosa é a história contada por dona Etelvina Rosa dos Santos, de São José (SC). Ali, em 1944, foi fundada pelos açorianos – que colonizaram a ilha de Florianópolis e a costa do continente – a primeira Escola de Oleiros de que se tem notícia no Brasil. Os homens trabalhavam em seus tornos, modelando vasilhas e jarras, pratos e potes. As mulheres ficavam com as figuras. “Antigamente as mulheres não podiam ir para o torno porque usavam saia. Então elas modelavam, eram figureiras”, conta dona Etelvina. Essa situação se repete em várias regiões do Brasil, mesmo em locais onde o torno não era comum. Homens faziam algumas vasilhas trabalho na roça, nos canaviais e fazendas. As mulheres ficavam com o grosso da produção de utensílios e brinquedos, porque este era um fazer que lhes permitia, ao mesmo tempo, cuidar da casa e da prole. Falar em poucas linhas desse fazer, citando seus expoentes, é correr o risco de cometer injustiças com muitos artistas. Escolhemos citar somente algumas regiões mais conhecidas e com 108
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
e telhas moldadas na coxa e ocupavam-se do
109
Amassar o barro Perdem-se no tempo as origens desse fazer que é a base da formação de todos os povos do mundo. No Brasil, os primeiros colonizadores que aqui desembarcaram encontraram a cerâmica indígena, com seus engobes e pigmentos (misturas usada para pintar o barro) e suas formas bojudas. As técnicas e desenhos trazidos pelos ibéricos misturaram-se àqueles ensinamentos e também à contribuição africana. A técnica do rolete ou “cobrinha”, a mais comum, se mantém e se repete. O torno mecânico, com a roda impulsionada pelo pé, chegou aqui trazido de fora.
Curiosa é a história contada por dona Etelvina Rosa dos Santos, de São José (SC). Ali, em 1944, foi fundada pelos açorianos – que colonizaram a ilha de Florianópolis e a costa do continente – a primeira Escola de Oleiros de que se tem notícia no Brasil. Os homens trabalhavam em seus tornos, modelando vasilhas e jarras, pratos e potes. As mulheres ficavam com as figuras. “Antigamente as mulheres não podiam ir para o torno porque usavam saia. Então elas modelavam, eram figureiras”, conta dona Etelvina. Essa situação se repete em várias regiões do Brasil, mesmo em locais onde o torno não era comum. Homens faziam algumas vasilhas trabalho na roça, nos canaviais e fazendas. As mulheres ficavam com o grosso da produção de utensílios e brinquedos, porque este era um fazer que lhes permitia, ao mesmo tempo, cuidar da casa e da prole. Falar em poucas linhas desse fazer, citando seus expoentes, é correr o risco de cometer injustiças com muitos artistas. Escolhemos citar somente algumas regiões mais conhecidas e com 108
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
e telhas moldadas na coxa e ocupavam-se do
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O mesmo acontece com os artesãos de Juazeiro do Norte (CE), com os temas das festas, procissões, as histórias do cangaço e do cotidiano do lugar. Quase sempre as peças contêm uma história como explicação. Desde coisas vividas quando os autores eram crianças, seus sonhos, até fatos que buscam uma explicação divina diante da penúria da vida ou simplesmente como atos de fé. Podemos citar também a influência indígena marajoara na cerâmica produzida no distrito de Icoaraci, em Belém (PA), que recebeu de Mestre Cardoso um impulso diferente e sofisticado. Mestre Cardoso era descendente direto de uma etnia marajoara e estudioso autodidata desse fazer. Não faltariam nomes para continuar contando histórias do barro, desde o centro-oeste, por exemplo, com os moradores de São Gonçalo BeiraRio (MT), até terras do sul, como São Borja (RS). Vamos concluir esta abordagem com o trabalho muito peculiar do Vale do Jequitinhonha, em características bem próprias, mantendo o alerta
Hoje muitos já utilizam um forno para cozer suas
Minas Gerais. Ali, os barros de vários tons, do
de que esse universo é imenso e surpreendente.
peças e garantir a elas maior durabilidade.
branco até o preto, passando pelo vermelho, o rosado e o amarelo, ornamentam rostos e corpos
é a principal atividade econômica local, por
Nuca, Mestre Vitalino (Pernambuco) e Mestre
delicados de bonecas que retratam mulheres em
exemplo, Maragogipinho, na Bahia, onde 80%
Cardoso (Pará), só para enumerar uns poucos,
seu trabalho diário. São grávidas, noivas, moças
da população trabalha em olarias, torneando
são hoje referências nacionais e internacionais.
faceiras, artesãs e donas-de-casa com suas flores
todo tipo de vasilhas e objetos decorativos. Ou
Os três últimos, por exemplo, são responsáveis por
e galinhas, moldadas em um barro bem claro, que
Tracunhaém, em Pernambuco, que reúne inúmeros
desenvolver em suas cidades pólos importantes de
tem em dona Isabel Mendes a grande patrona. Ela
santeiros que esculpem com maestria figuras de
atividade artesanal que respondem pela força da
ensinou, divulgou e até hoje visita os artesãos e
até dois metros de altura. Em Vitória, no Espírito
economia local.
comunidades da região de Araçuaí (MG), cuidando
Santo, as paneleiras do bairro de Goiabeiras
É o que aconteceu no distrito de Alto Moura,
para que esse fazer permaneça. Vale ressaltar aqui
tiveram seu ofício reconhecido como Patrimônio
em Caruaru (PE), terra de Vitalino e Joel Galdino.
Ulisses Pereira, ou Ulisses de Caraí, também do
Cultural Brasileiro.
Expoentes como Manuel Eudócio, Elias Francisco,
Vale do Jequitinhonha, escultor maior da região,
Luiz Antonio da Silva, Marliete Rodrigues da
com suas figuras antropomórficas e quase divinas.
é famosa pelo trabalho de seus figureiros, em sua
Silva, entre outros, continuam a lide de mostrar
Inspirou seus filhos e parentes, que hoje continuam
maioria mulheres que modelam cenas domésticas,
e contar as histórias do sertão para o mundo.
trabalhando e desenvolvendo seu modo de modelar
pavões e personagens do célebre escritor
Hoje, cada um a seu modo, retratam o cotidiano
sentimentos no barro. As esculturas de Ulisses nada
Monteiro Lobato, colocando-os para secar ao sol e
com as transformações naturais havidas após a
têm de utilitárias e são disputadas por galerias de
colorindo-os com tintas fortes de cores primárias.
chegada das estradas, dos correios e da televisão.
arte e colecionadores daqui e do exterior.
A cidade de Taubaté, em São Paulo, também
110
Já nomes como Antonio Poteiro (Goiás), Mestre
Em Minas, barros de todas as cores ornamentam figuras delicadas
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Existem cidades nas quais a arte do barro
111
O mesmo acontece com os artesãos de Juazeiro do Norte (CE), com os temas das festas, procissões, as histórias do cangaço e do cotidiano do lugar. Quase sempre as peças contêm uma história como explicação. Desde coisas vividas quando os autores eram crianças, seus sonhos, até fatos que buscam uma explicação divina diante da penúria da vida ou simplesmente como atos de fé. Podemos citar também a influência indígena marajoara na cerâmica produzida no distrito de Icoaraci, em Belém (PA), que recebeu de Mestre Cardoso um impulso diferente e sofisticado. Mestre Cardoso era descendente direto de uma etnia marajoara e estudioso autodidata desse fazer. Não faltariam nomes para continuar contando histórias do barro, desde o centro-oeste, por exemplo, com os moradores de São Gonçalo BeiraRio (MT), até terras do sul, como São Borja (RS). Vamos concluir esta abordagem com o trabalho muito peculiar do Vale do Jequitinhonha, em características bem próprias, mantendo o alerta
Hoje muitos já utilizam um forno para cozer suas
Minas Gerais. Ali, os barros de vários tons, do
de que esse universo é imenso e surpreendente.
peças e garantir a elas maior durabilidade.
branco até o preto, passando pelo vermelho, o rosado e o amarelo, ornamentam rostos e corpos
é a principal atividade econômica local, por
Nuca, Mestre Vitalino (Pernambuco) e Mestre
delicados de bonecas que retratam mulheres em
exemplo, Maragogipinho, na Bahia, onde 80%
Cardoso (Pará), só para enumerar uns poucos,
seu trabalho diário. São grávidas, noivas, moças
da população trabalha em olarias, torneando
são hoje referências nacionais e internacionais.
faceiras, artesãs e donas-de-casa com suas flores
todo tipo de vasilhas e objetos decorativos. Ou
Os três últimos, por exemplo, são responsáveis por
e galinhas, moldadas em um barro bem claro, que
Tracunhaém, em Pernambuco, que reúne inúmeros
desenvolver em suas cidades pólos importantes de
tem em dona Isabel Mendes a grande patrona. Ela
santeiros que esculpem com maestria figuras de
atividade artesanal que respondem pela força da
ensinou, divulgou e até hoje visita os artesãos e
até dois metros de altura. Em Vitória, no Espírito
economia local.
comunidades da região de Araçuaí (MG), cuidando
Santo, as paneleiras do bairro de Goiabeiras
É o que aconteceu no distrito de Alto Moura,
para que esse fazer permaneça. Vale ressaltar aqui
tiveram seu ofício reconhecido como Patrimônio
em Caruaru (PE), terra de Vitalino e Joel Galdino.
Ulisses Pereira, ou Ulisses de Caraí, também do
Cultural Brasileiro.
Expoentes como Manuel Eudócio, Elias Francisco,
Vale do Jequitinhonha, escultor maior da região,
Luiz Antonio da Silva, Marliete Rodrigues da
com suas figuras antropomórficas e quase divinas.
é famosa pelo trabalho de seus figureiros, em sua
Silva, entre outros, continuam a lide de mostrar
Inspirou seus filhos e parentes, que hoje continuam
maioria mulheres que modelam cenas domésticas,
e contar as histórias do sertão para o mundo.
trabalhando e desenvolvendo seu modo de modelar
pavões e personagens do célebre escritor
Hoje, cada um a seu modo, retratam o cotidiano
sentimentos no barro. As esculturas de Ulisses nada
Monteiro Lobato, colocando-os para secar ao sol e
com as transformações naturais havidas após a
têm de utilitárias e são disputadas por galerias de
colorindo-os com tintas fortes de cores primárias.
chegada das estradas, dos correios e da televisão.
arte e colecionadores daqui e do exterior.
A cidade de Taubaté, em São Paulo, também
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Já nomes como Antonio Poteiro (Goiás), Mestre
Em Minas, barros de todas as cores ornamentam figuras delicadas
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
Existem cidades nas quais a arte do barro
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Bordados e trançados Outros fazeres intrincados e delicados, que nem sempre conseguem acompanhar as transformações impostas pela máquina do desenvolvimento econômico e social, felizmente parecem resistir. O Brasil possui um número muito grande de trançados e bordados que dão origem a rendas, as mais diversas possíveis. Se tivéssemos de escolher uma renda bem característica no país seria a renda de bilro, herança portuguesa, embora sua origem seja francesa, encontrada notadamente em todo o nordeste e no sul, em Santa Catarina, onde chegou pelas mãos dos imigrantes açorianos. Foram também os portugueses que levaram o bilro para o nordeste.
Com mais de 70 anos, Rosa Ribeiro Bruno vive em Fortaleza (CE) e não consegue se imaginar sem a almofada e os bilros (pauzinhos) com que tece com velocidade os desenhos herdados da avó e da mãe. Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos delicados são enrolados em papel de seda. Rosa não esconde a preocupação: “Estou idosa e os jovens não querem mais saber disso. Todas as rendeiras estão saindo do interior ou das praias tem os turistas, aqui tem ainda quem compre”. Sua reclamação reflete a realidade da competição da indústria que hoje consegue fabricar rendas
eu continuo fazendo por teimosia e porque às vezes
parecidas em teares industriais, a uma velocidade e
alguém compra, alguém que ainda gosta disso”.
com preços desleais para o trabalho que há gerações
112
Situação semelhante pode ser sentida em
Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos enrolados em papel de seda
é aprendido por essas mulheres, e cantadas em prosa
comunidades que trançam palhas e fibras, tecendo
e verso no imaginário popular. “Depois, hoje em dia
redes e esteiras aprendidas há muitas gerações.
trabalho para embalagens e objetos decorativos
ninguém mais faz suas roupas. Todo mundo quer
Algumas contam hoje com a ajuda de organizações
atuais. Um esforço mais do que válido, quando
pronto e tem essa coisa da moda. Minhas rendas,
ou associações e buscam aprimorar e derivar seu
está em jogo a sobrevivência coletiva.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
mais afastadas e estão vindo para a capital. Aqui
113
Bordados e trançados Outros fazeres intrincados e delicados, que nem sempre conseguem acompanhar as transformações impostas pela máquina do desenvolvimento econômico e social, felizmente parecem resistir. O Brasil possui um número muito grande de trançados e bordados que dão origem a rendas, as mais diversas possíveis. Se tivéssemos de escolher uma renda bem característica no país seria a renda de bilro, herança portuguesa, embora sua origem seja francesa, encontrada notadamente em todo o nordeste e no sul, em Santa Catarina, onde chegou pelas mãos dos imigrantes açorianos. Foram também os portugueses que levaram o bilro para o nordeste.
Com mais de 70 anos, Rosa Ribeiro Bruno vive em Fortaleza (CE) e não consegue se imaginar sem a almofada e os bilros (pauzinhos) com que tece com velocidade os desenhos herdados da avó e da mãe. Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos delicados são enrolados em papel de seda. Rosa não esconde a preocupação: “Estou idosa e os jovens não querem mais saber disso. Todas as rendeiras estão saindo do interior ou das praias tem os turistas, aqui tem ainda quem compre”. Sua reclamação reflete a realidade da competição da indústria que hoje consegue fabricar rendas
eu continuo fazendo por teimosia e porque às vezes
parecidas em teares industriais, a uma velocidade e
alguém compra, alguém que ainda gosta disso”.
com preços desleais para o trabalho que há gerações
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Situação semelhante pode ser sentida em
Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos enrolados em papel de seda
é aprendido por essas mulheres, e cantadas em prosa
comunidades que trançam palhas e fibras, tecendo
e verso no imaginário popular. “Depois, hoje em dia
redes e esteiras aprendidas há muitas gerações.
trabalho para embalagens e objetos decorativos
ninguém mais faz suas roupas. Todo mundo quer
Algumas contam hoje com a ajuda de organizações
atuais. Um esforço mais do que válido, quando
pronto e tem essa coisa da moda. Minhas rendas,
ou associações e buscam aprimorar e derivar seu
está em jogo a sobrevivência coletiva.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
mais afastadas e estão vindo para a capital. Aqui
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Madeiras que falam No entanto, de teimosia vivem vários outros artistas e artesãos brasileiros. Não seria exagero dizer que quase todos se encaixam no mesmo cenário, levados pela necessidade e pela serventia. Com certeza, depois do barro, a madeira é o material mais importante para os artistas e artesãos brasileiros. Pedaços de madeira, galhos e árvores ou raízes vão sendo cavoucadas, esculpidas ou talhadas em formas e cores que sempre têm a ver com o ambiente onde vivem. Aqui também a lista de renomados mestres seria interminável. De norte a sul, dezenas e dezenas de entalhadores, santeiros e escultores enchem os nossos olhos com cenas e figuras de raro talento.
Santos católicos e deuses africanos misturam-
seus altares. Por último, a observação aguçada de
se prazerosamente a figuras humanas, animais
caboclos, caiçaras e ribeirinhos, que não deixam
e flores, formas abstratas, pilões e brinquedos,
passar despercebida a grandiosidade da fauna e
reiterando o talento de um povo que tem nas
da flora locais. Todos esses temas possuem seus
coisas da terra o seu cordão umbilical.
representantes maiores e seria injusto nomear
cobertas de ouro, com seus santos trazidos da Europa, forjaram um barroco colorido, ondulado e
114
somente alguns. No entanto, vale novamente ressaltar algumas situações bastante peculiares. Para começar, estamos falando de um mundo
exuberante, que se espalhou por todo o país. Índios,
notadamente masculino. Por isso, chamam a
escravos e colonos foram escalados para entalhar
atenção escultoras como Zefa (Araçuaí, MG), Luzia
e esculpir a fim de ornamentar a fé, revelando
Dantas (Currais Novos, CE), Salete Diniz (Lagoa
talentos excepcionais, como Aleijadinho. E, nos
Seca, PB), Verônica Amorim (Pedro II, PI) e Mestre
terreiros de candomblé, os tambores chamavam
Elda (Ibimirim, PE) que, com suas faquinhas ou
aqueles que trouxeram da África a beleza das linhas
canivetes, transformam com talento inigualável
fortes e simples nas figuras e ornamentos para
troncos e galhos.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
As missões jesuíticas e as grandes catedrais
115
Madeiras que falam No entanto, de teimosia vivem vários outros artistas e artesãos brasileiros. Não seria exagero dizer que quase todos se encaixam no mesmo cenário, levados pela necessidade e pela serventia. Com certeza, depois do barro, a madeira é o material mais importante para os artistas e artesãos brasileiros. Pedaços de madeira, galhos e árvores ou raízes vão sendo cavoucadas, esculpidas ou talhadas em formas e cores que sempre têm a ver com o ambiente onde vivem. Aqui também a lista de renomados mestres seria interminável. De norte a sul, dezenas e dezenas de entalhadores, santeiros e escultores enchem os nossos olhos com cenas e figuras de raro talento.
Santos católicos e deuses africanos misturam-
seus altares. Por último, a observação aguçada de
se prazerosamente a figuras humanas, animais
caboclos, caiçaras e ribeirinhos, que não deixam
e flores, formas abstratas, pilões e brinquedos,
passar despercebida a grandiosidade da fauna e
reiterando o talento de um povo que tem nas
da flora locais. Todos esses temas possuem seus
coisas da terra o seu cordão umbilical.
representantes maiores e seria injusto nomear
cobertas de ouro, com seus santos trazidos da Europa, forjaram um barroco colorido, ondulado e
114
somente alguns. No entanto, vale novamente ressaltar algumas situações bastante peculiares. Para começar, estamos falando de um mundo
exuberante, que se espalhou por todo o país. Índios,
notadamente masculino. Por isso, chamam a
escravos e colonos foram escalados para entalhar
atenção escultoras como Zefa (Araçuaí, MG), Luzia
e esculpir a fim de ornamentar a fé, revelando
Dantas (Currais Novos, CE), Salete Diniz (Lagoa
talentos excepcionais, como Aleijadinho. E, nos
Seca, PB), Verônica Amorim (Pedro II, PI) e Mestre
terreiros de candomblé, os tambores chamavam
Elda (Ibimirim, PE) que, com suas faquinhas ou
aqueles que trouxeram da África a beleza das linhas
canivetes, transformam com talento inigualável
fortes e simples nas figuras e ornamentos para
troncos e galhos.
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
As missões jesuíticas e as grandes catedrais
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O símbolo do Mato Grosso do Sul
A artesã Conceição Freitas da Silva, ou Conceição dos Bugres, foi a responsável pela criação da peça de artesanato mais importante do Mato Grosso do Sul. Os bugrinhos nasceram no final dos anos 1960 depois de um sonho de Conceição. Ao acordar, ela foi ao jardim
As mulheres brigam para conquistar seu espaço num cenário dominado por mestres santeiros
e viu a imagem do sonho em uma rama de mandioca. Pegou a rama e ali mesmo produziu seu primeiro bugrinho. O interessante é que, sem saber, ela retomou a confecção de um ícone dos povos nativos da região do Alto do Paraguai, já que esculpir bonecos similares aos bugrinhos era uma tradição entre os índios que habitavam a região. Rústicos, esculpidos a machadadas, cada peça
Mestre Elda conta que, por ser mulher, tinha de
as famílias amazonenses Alcântara e Pires,
de Conceição tem a sua fisionomia. De lá para cá, a
fazer uma imagem desde o começo, talhando a
e os grandes santeiros de Ibimirim (PE), sem falar
imagem se tornou famosa no Estado e é usada em
madeira com o machado até a lixa mais fina do
nos mestres da região de Sete Povos das Missões,
publicidade, estampas e logotipos.
acabamento. “Eu ajudava um cunhado. A primeira
no Rio Grande do Sul. Além deles, foram artistas
Depois da morte da artesã, em 1984, seu neto,
peça que fiz foi um arcanjo e ninguém acreditou”,
como Nino (PE), G.T.O. e Artur Pereira (MG) bem
Mariano, continuou esculpindo e vendendo as peças,
explica. Também a golpes rudes de um pequeno
como Manuel Graciano que ainda hoje trabalha
principalmente para turistas, muitos de fora do país,
machado, Conceição dos Bugres, artista maior
em Juazeiro do Norte (PE), que, descobertos
perpetuando a imagem que virou símbolo do seu Estado.
das terras pantaneiras, talhava suas figuras,
por colecionadores e estudiosos, exibiram
cheias de sensibilidade e delicadeza.
a arte popular brasileira para o mundo.
Já Verônica Amorim, escultora de mão cheia,
Por fim, merecem destaque as famosas
conta que começou escondido, com medo de
carrancas. Colocadas nas proas dos barcos
mostrar ao marido, mestre santeiro dos mais
do rio São Francisco para espantar os maus-
aclamados no Piauí. Ela esculpe mulheres que,
olhados, acabaram se transformando em uma
como ela, brigam para viver, e produz suas
espécie de cabeça de vampiro. Curioso é ouvir os
figuras em meio a um cenário dominado por
escultores de Petrolina (PE) dizer que, antes, todos
extraordinários mestres santeiros da estirpe
eram carranqueiros, mas a venda foi diminuindo:
inaugurada por Mestre Dezinho.
“Hoje somos todos santeiros, pois as pessoas
E por aí vão as histórias cujo resultado concreto
116
paranaenses Espedito Rocha e Denis Paraná,
preferem um anjo barroco bonitinho em sua sala,
nada fica a dever aos escultores de mão cheia,
em vez de uma cara tão feia como a carranca”,
consagrados, como o mineiro Maurino, os
conta o escultor Roque Santeiro.
Bunge Fertilizantes, Fertilizantes,70 70Anos. Anos.Raízes Raízesno noBrasil Brasil
Com a garra bem conhecida dos sertanejos,
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O símbolo do Mato Grosso do Sul
A artesã Conceição Freitas da Silva, ou Conceição dos Bugres, foi a responsável pela criação da peça de artesanato mais importante do Mato Grosso do Sul. Os bugrinhos nasceram no final dos anos 1960 depois de um sonho de Conceição. Ao acordar, ela foi ao jardim
As mulheres brigam para conquistar seu espaço num cenário dominado por mestres santeiros
e viu a imagem do sonho em uma rama de mandioca. Pegou a rama e ali mesmo produziu seu primeiro bugrinho. O interessante é que, sem saber, ela retomou a confecção de um ícone dos povos nativos da região do Alto do Paraguai, já que esculpir bonecos similares aos bugrinhos era uma tradição entre os índios que habitavam a região. Rústicos, esculpidos a machadadas, cada peça
Mestre Elda conta que, por ser mulher, tinha de
as famílias amazonenses Alcântara e Pires,
de Conceição tem a sua fisionomia. De lá para cá, a
fazer uma imagem desde o começo, talhando a
e os grandes santeiros de Ibimirim (PE), sem falar
imagem se tornou famosa no Estado e é usada em
madeira com o machado até a lixa mais fina do
nos mestres da região de Sete Povos das Missões,
publicidade, estampas e logotipos.
acabamento. “Eu ajudava um cunhado. A primeira
no Rio Grande do Sul. Além deles, foram artistas
Depois da morte da artesã, em 1984, seu neto,
peça que fiz foi um arcanjo e ninguém acreditou”,
como Nino (PE), G.T.O. e Artur Pereira (MG) bem
Mariano, continuou esculpindo e vendendo as peças,
explica. Também a golpes rudes de um pequeno
como Manuel Graciano que ainda hoje trabalha
principalmente para turistas, muitos de fora do país,
machado, Conceição dos Bugres, artista maior
em Juazeiro do Norte (PE), que, descobertos
perpetuando a imagem que virou símbolo do seu Estado.
das terras pantaneiras, talhava suas figuras,
por colecionadores e estudiosos, exibiram
cheias de sensibilidade e delicadeza.
a arte popular brasileira para o mundo.
Já Verônica Amorim, escultora de mão cheia,
Por fim, merecem destaque as famosas
conta que começou escondido, com medo de
carrancas. Colocadas nas proas dos barcos
mostrar ao marido, mestre santeiro dos mais
do rio São Francisco para espantar os maus-
aclamados no Piauí. Ela esculpe mulheres que,
olhados, acabaram se transformando em uma
como ela, brigam para viver, e produz suas
espécie de cabeça de vampiro. Curioso é ouvir os
figuras em meio a um cenário dominado por
escultores de Petrolina (PE) dizer que, antes, todos
extraordinários mestres santeiros da estirpe
eram carranqueiros, mas a venda foi diminuindo:
inaugurada por Mestre Dezinho.
“Hoje somos todos santeiros, pois as pessoas
E por aí vão as histórias cujo resultado concreto
116
paranaenses Espedito Rocha e Denis Paraná,
preferem um anjo barroco bonitinho em sua sala,
nada fica a dever aos escultores de mão cheia,
em vez de uma cara tão feia como a carranca”,
consagrados, como o mineiro Maurino, os
conta o escultor Roque Santeiro.
Bunge Fertilizantes, Fertilizantes,70 70Anos. Anos.Raízes Raízesno noBrasil Brasil
Com a garra bem conhecida dos sertanejos,
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Tempos de mudança O cenário descrito até agora mudou pouco nos últimos anos. É certo que poderíamos falar de muitos outros materiais, mas nenhum como os reciclados mostra que as cidades estão crescendo, os produtos industrializados estão invadindo rios, praias e florestas, e algo precisa ser feito. Em todo o mundo, artistas plásticos famosos já utilizam esses refugos em suas obras, criando grandes instalações e questionando a população global. Com menos elaboração, mas com a mesma crítica contundente, artistas como Getúlio Damado (RJ), Joca dos Galos (PB), Jonas (SP) ou Efigênia Rolim (PR) constroem um mundo povoado por seres feitos de lata, papelão, plástico e até papel de bala. Anos atrás, seriam disputados como brinquedos. Hoje, são requisitados por colecionadores e galeristas. Da mesma forma, colheres, lamparinas e candeeiros feitos de lata quase não são mais vistos nas paredes e gavetas de lares modernos. Coisa dos tempos, é bem verdade. Mas o fundamental continua sendo saber o que significam, quem
Conhecer as raízes
que, ao ampliá-las relacionando-as com outras
Nas pequenas vilas e cidades, todos os habitantes
culturas do mundo, saibamos onde estamos e
se conheciam. Por isso ali nunca existiu produção
quem somos. Essa lição maior, já indicada pelo
anônima. Quando começaram a correr mundo,
professor Darcy Ribeiro, nos sinaliza o futuro e,
essas peças parecem que perderam o jeito de ser.
nesse processo, a educação é prioritária. As novas
Passaram a ser anônimas para um mundo que, de
gerações precisam ser nossas aliadas e agentes
tão grande e apressado, não parou para perguntar
dessa transformação, o que garantirá novos
seus nomes.
caminhos, mais duradouros e consistentes,
O interesse crescente pela arte popular e
ao mesmo tempo em que se tornarão maiores
o artesanato mostra que o Brasil está em um
as chances de esses artistas-artesãos viverem
processo de amadurecimento que não podemos
e trabalharem com dignidade.
deixar inacabado. Não são poucas as pessoas que hoje defendem que identificar, conhecer e reconhecer as nossas raízes é importante para 118
Elisabeth Marie de Lima é designer, artista plástica e arte-educadora, pesquisadora da arte popular brasileira e de craft art internacional.
*
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
os fez, de onde vieram e para onde vão.
119
Tempos de mudança O cenário descrito até agora mudou pouco nos últimos anos. É certo que poderíamos falar de muitos outros materiais, mas nenhum como os reciclados mostra que as cidades estão crescendo, os produtos industrializados estão invadindo rios, praias e florestas, e algo precisa ser feito. Em todo o mundo, artistas plásticos famosos já utilizam esses refugos em suas obras, criando grandes instalações e questionando a população global. Com menos elaboração, mas com a mesma crítica contundente, artistas como Getúlio Damado (RJ), Joca dos Galos (PB), Jonas (SP) ou Efigênia Rolim (PR) constroem um mundo povoado por seres feitos de lata, papelão, plástico e até papel de bala. Anos atrás, seriam disputados como brinquedos. Hoje, são requisitados por colecionadores e galeristas. Da mesma forma, colheres, lamparinas e candeeiros feitos de lata quase não são mais vistos nas paredes e gavetas de lares modernos. Coisa dos tempos, é bem verdade. Mas o fundamental continua sendo saber o que significam, quem
Conhecer as raízes
que, ao ampliá-las relacionando-as com outras
Nas pequenas vilas e cidades, todos os habitantes
culturas do mundo, saibamos onde estamos e
se conheciam. Por isso ali nunca existiu produção
quem somos. Essa lição maior, já indicada pelo
anônima. Quando começaram a correr mundo,
professor Darcy Ribeiro, nos sinaliza o futuro e,
essas peças parecem que perderam o jeito de ser.
nesse processo, a educação é prioritária. As novas
Passaram a ser anônimas para um mundo que, de
gerações precisam ser nossas aliadas e agentes
tão grande e apressado, não parou para perguntar
dessa transformação, o que garantirá novos
seus nomes.
caminhos, mais duradouros e consistentes,
O interesse crescente pela arte popular e
ao mesmo tempo em que se tornarão maiores
o artesanato mostra que o Brasil está em um
as chances de esses artistas-artesãos viverem
processo de amadurecimento que não podemos
e trabalharem com dignidade.
deixar inacabado. Não são poucas as pessoas que hoje defendem que identificar, conhecer e reconhecer as nossas raízes é importante para 118
Elisabeth Marie de Lima é designer, artista plástica e arte-educadora, pesquisadora da arte popular brasileira e de craft art internacional.
*
Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil
os fez, de onde vieram e para onde vão.
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CRÉDITOS DE IMAGENS ABLC / Créditos especiais: gravuras vetorizadas – pág. 18: Gonçalo Ferreira da Silva (texto); MS (capa); pág. 19: José Pacheco (texto); J. Victtor (capa); pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/embaixo); J. Victtor (capa); pág. 26: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 29: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em baixo); Joel (capa); ABLC / Créditos especiais: capas de livro completas – pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 26: Severino Milanês (texto/ embaixo); Stênio (capa); ACERVO BUNGE pág. 6: Clóvis Ferreira; pág. 10 (esq./dir.) e 13 (em cima dir.): Coleção Serrana; pág. 10 (meio): Fujimiya; pág. 11, 13 (esq.): Ivson; pág. 13 (embaixo dir.): Olavo Esteves; pág. 7, 8, 12: Sociedade da Comunicação; ARGOSFOTO pág. 47 (em cima), 49, 53: Marcos Issa; CALDAS pág. 21: Débora 70; pág. 14, 15, 80, 81 (em cima), 118 (em cima): José Caldas; pág. 95: Ricardo Beliel; CORBIS pág. 43 (em cima): Jim Zuckerman; pág. 113: Viviane Moss; FOLHA IMAGEM pág. 106 (em cima): Alex Almeida; pág. 51: Fernando Donasci; pág. 73 (embaixo): Fernando Moraes; pág. 63 (em cima): Julia Moraes; pág. 106 (embaixo): Leonardo Wen; FOTOARKIVO pág. 30: Sergio Sade; pág. 37: Tiago D. Martins; FULLPRESS pág. 48 (em cima), 50 (em cima), 86: Marcello Vitorino; FUTURA PRESS pág. 117: Moisés Palácios; GETTY IMAGES pág. 41: Cristopher Pilitz; pág. 42 (esq.): Robin Lyne Gibson; KINO pág. 16, 23, 71 (esq.), 105 (esq.): Alexandre Belém; pág. 63 (embaixo): Carlos Terrana; pág. 62: Ricardo Cavalcanti; pág. 28, 64 (em cima): Werner Rudhart; OPÇÃO BRASIL IMAGENS pág. 84 (dir.): Beatrix Boscardin; pág.118 (embaixo esq.): Carlos Goldgrub; pág. 22, 29 (em cima), 36 (esq.), 114 (dir. e esq.), 111 (em cima), 116: Evangelista; pág. 110: Flávio Veloso; pág. 36 (dir.), 77 (embaixo): Geraldo Gomes; pág. 38: Hans Von Manteuffe; pág. 71 (dir.): Lula Sampaio; pág. 109 (em cima), 119: Luiz Cláudio Marigo; pág. 24, 39 (embaixo), 43 (embaixo), 74, 92, 98 (embaixo): Marcos André; pág. 79 (em cima), 118 (embaixo dir.): Photononstop; pág. 112 (embaixo): Rachel Canto; pág. 27: Silvestre Machado; pág. 115: Wallis; pág. 84: Zig Koch; OTHER IMAGES pág. 66 (dir.): Cícero Viegas; PULSAR IMAGENS pág. 39 (em cima), 67, 70: Cynthia Brito; pág. 40 (esq.), 46, 52, 55 (embaixo): Delfim Martins; pág. 73 (em cima): Edson Sato; pág. 58, 64 (embaixo): Rogerio Reis; pág. 55 (em cima): Rubens Chaves; SAMBA PHOTO pág. 111 (em cima): Ana Ce; pág. 77 (dir.), 105 (dir.): André Penner; pág. 44: Andréa D’Amato; pág. 33 (em cima), 35 (dir.), 99: Anísio Magalhães; pág. 19 (em cima): Alan Nielsen; pág. 107: Alexandre Schneider; pág. 100 (em cima): Caio Ferrari; pág. 101 (embaixo/em cima), 108: Cristiano Mascaro; pág. 98 (em cima): Daniel Arantes; pág. 96: Dorival Moreira; pág. 56: Edu Lyra; pág. 94: Edu Simões; pág. 112 (em cima): Eduardo Bagnoli; pág. 89 (embaixo): Eduardo Barcellos; pág. 50 (embaixo), 54: Eduardo Queiroga; pág. 35 (esq.), 76: Enio Berwanger; pág. 66 (esq.), 91, 93: Flavio Coelho; pág. 20: Geyson Magno; pág. 61: Iatã Cannabrava; pág. 48 (embaixo): Izan Petterle; pág. 65, 88, 90: Juan Pratginestós; pág. 78, 104: Kiko Ferrite; pág. 69 (em cima): Lalo de Almeida; pág. 79 (embaixo): Luis Pacheco; pág. 32, 47 (embaixo), 60 (embaixo): Marcelo Peri; pág. 68, 97: Marcelo Reis; pág. 34: Marcos Piffer; pág. 40 (dir.), 69 (esq.), 72: Mauricio Simonetti; pág. 100 (embaixo): Milton Montenegro; pág. 33 (embaixo): Norami Imagens; pág. 102: Paulo Fridman; pág. 59: Pisco Del Gaiso; pág. 81 (embaixo), 83, 85, 109 (esq.): Rogério Assis; pág. 89 (em cima): Sergio Ranalli; TYBA pág. 42 (dir.), pág. 60 (em cima): Rogério Reis.
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CRÉDITOS DE IMAGENS ABLC / Créditos especiais: gravuras vetorizadas – pág. 18: Gonçalo Ferreira da Silva (texto); MS (capa); pág. 19: José Pacheco (texto); J. Victtor (capa); pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/embaixo); J. Victtor (capa); pág. 26: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 29: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em baixo); Joel (capa); ABLC / Créditos especiais: capas de livro completas – pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 26: Severino Milanês (texto/ embaixo); Stênio (capa); ACERVO BUNGE pág. 6: Clóvis Ferreira; pág. 10 (esq./dir.) e 13 (em cima dir.): Coleção Serrana; pág. 10 (meio): Fujimiya; pág. 11, 13 (esq.): Ivson; pág. 13 (embaixo dir.): Olavo Esteves; pág. 7, 8, 12: Sociedade da Comunicação; ARGOSFOTO pág. 47 (em cima), 49, 53: Marcos Issa; CALDAS pág. 21: Débora 70; pág. 14, 15, 80, 81 (em cima), 118 (em cima): José Caldas; pág. 95: Ricardo Beliel; CORBIS pág. 43 (em cima): Jim Zuckerman; pág. 113: Viviane Moss; FOLHA IMAGEM pág. 106 (em cima): Alex Almeida; pág. 51: Fernando Donasci; pág. 73 (embaixo): Fernando Moraes; pág. 63 (em cima): Julia Moraes; pág. 106 (embaixo): Leonardo Wen; FOTOARKIVO pág. 30: Sergio Sade; pág. 37: Tiago D. Martins; FULLPRESS pág. 48 (em cima), 50 (em cima), 86: Marcello Vitorino; FUTURA PRESS pág. 117: Moisés Palácios; GETTY IMAGES pág. 41: Cristopher Pilitz; pág. 42 (esq.): Robin Lyne Gibson; KINO pág. 16, 23, 71 (esq.), 105 (esq.): Alexandre Belém; pág. 63 (embaixo): Carlos Terrana; pág. 62: Ricardo Cavalcanti; pág. 28, 64 (em cima): Werner Rudhart; OPÇÃO BRASIL IMAGENS pág. 84 (dir.): Beatrix Boscardin; pág.118 (embaixo esq.): Carlos Goldgrub; pág. 22, 29 (em cima), 36 (esq.), 114 (dir. e esq.), 111 (em cima), 116: Evangelista; pág. 110: Flávio Veloso; pág. 36 (dir.), 77 (embaixo): Geraldo Gomes; pág. 38: Hans Von Manteuffe; pág. 71 (dir.): Lula Sampaio; pág. 109 (em cima), 119: Luiz Cláudio Marigo; pág. 24, 39 (embaixo), 43 (embaixo), 74, 92, 98 (embaixo): Marcos André; pág. 79 (em cima), 118 (embaixo dir.): Photononstop; pág. 112 (embaixo): Rachel Canto; pág. 27: Silvestre Machado; pág. 115: Wallis; pág. 84: Zig Koch; OTHER IMAGES pág. 66 (dir.): Cícero Viegas; PULSAR IMAGENS pág. 39 (em cima), 67, 70: Cynthia Brito; pág. 40 (esq.), 46, 52, 55 (embaixo): Delfim Martins; pág. 73 (em cima): Edson Sato; pág. 58, 64 (embaixo): Rogerio Reis; pág. 55 (em cima): Rubens Chaves; SAMBA PHOTO pág. 111 (em cima): Ana Ce; pág. 77 (dir.), 105 (dir.): André Penner; pág. 44: Andréa D’Amato; pág. 33 (em cima), 35 (dir.), 99: Anísio Magalhães; pág. 19 (em cima): Alan Nielsen; pág. 107: Alexandre Schneider; pág. 100 (em cima): Caio Ferrari; pág. 101 (embaixo/em cima), 108: Cristiano Mascaro; pág. 98 (em cima): Daniel Arantes; pág. 96: Dorival Moreira; pág. 56: Edu Lyra; pág. 94: Edu Simões; pág. 112 (em cima): Eduardo Bagnoli; pág. 89 (embaixo): Eduardo Barcellos; pág. 50 (embaixo), 54: Eduardo Queiroga; pág. 35 (esq.), 76: Enio Berwanger; pág. 66 (esq.), 91, 93: Flavio Coelho; pág. 20: Geyson Magno; pág. 61: Iatã Cannabrava; pág. 48 (embaixo): Izan Petterle; pág. 65, 88, 90: Juan Pratginestós; pág. 78, 104: Kiko Ferrite; pág. 69 (em cima): Lalo de Almeida; pág. 79 (embaixo): Luis Pacheco; pág. 32, 47 (embaixo), 60 (embaixo): Marcelo Peri; pág. 68, 97: Marcelo Reis; pág. 34: Marcos Piffer; pág. 40 (dir.), 69 (esq.), 72: Mauricio Simonetti; pág. 100 (embaixo): Milton Montenegro; pág. 33 (embaixo): Norami Imagens; pág. 102: Paulo Fridman; pág. 59: Pisco Del Gaiso; pág. 81 (embaixo), 83, 85, 109 (esq.): Rogério Assis; pág. 89 (em cima): Sergio Ranalli; TYBA pág. 42 (dir.), pág. 60 (em cima): Rogério Reis.
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Raízes no Brasil
Raízes no Brasil