Raízes no Brasil

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Raízes no Brasil

Raízes no Brasil


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Raízes no Brasil / organização Claudia Maximino. – – 1. ed. – – São Paulo : TV1 Editorial, 2008.

ISBN 978-85-60670-03-1

1. Arte popular – Brasil 2. Brasil – História 3. Cultura – Brasil 4. Cultura popular – Brasil 5. Identidade social – Brasil I. Maximino, Claudia.

08-10629

CDD-306.40981

Pesquisa de imagens Guilherme Tosetto

Organização e edição de textos Claudia Maximino – MTb 025.204-SP

Produção Vivian Rosa e Vivian Vigar

Projeto gráfico e direção de arte Renato Leal

Produtor gráfico Marcos Antônio Silveira

Diagramação Thais Bellini e Adriana Fukunari

Tratamento de imagens Leandro Marcenari

Gerente de negócios Renata Camargo

Impressão Gráfica Ipsis

Revisão Silvia Mourão

Projeto e realização

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Cultura : Sociologia 306.40981

Diretor editorial Ernesto Bernardes

2

3


Raízes no Brasil

6

Carta do presidente

4

9

introdução

17 31 literatura

música

45 57 75 87 103 Danças e festejos

fé e crenças

culinária

design e arquitetura

artesanato


Carta do presidente

e produz. E, unindo-se a esses estudiosos, destaca

70 anos. A empresa iniciou sua

neste livro as idéias e os valores dessa gente valorosa,

operação em 1938, extraindo fosfato

que constrói e fortalece o Brasil.

na jazida de Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, numa época em que o acesso à região era

esse importante documento das histórias contadas

bastante precário. Com grande investimento e

por repentistas e poetas, Brasil afora. Depois,

esforço, o negócio cresceu, sempre fornecendo

mostramos como a fé e as crenças, a música e

aos agricultores os fertilizantes necessários para

os festejos influenciaram o que vemos e ouvimos

aumentar a produção no campo.

hoje. Os sabores do Brasil estão presentes no

Nessas sete décadas, o fruto do nosso trabalho se espalhou pelo país e firmou raízes em nosso solo. De nossas minas, extraímos apatita, elemento fundamental para a fabricação de fertilizantes de alta qualidade. Do trabalho diário no campo,

e uso da terra, bem como de gestão agrícola e

texto e nos pratos de um dos maiores cozinheiros

empresarial, para obter o rendimento máximo,

do país, Alex Atala. Por fim, desvendamos como

preservando o meio ambiente, dentro do conceito

nosso design, nossa arquitetura e nosso artesanato

da agricultura sustentável.

contam a história visual desta nação tão criativa,

Para comemorar essa parceria de 70 anos, a

que encanta o mundo com sua produção cultural.

passamos a conhecer profundamente o interior do

Bunge Fertilizantes convidou alguns autores para se

país e os homens que de lá tiram o seu sustento e

debruçar nas tradições do interior do país e descobrir

Firmemente plantadas no campo, de onde vem

produzem alimentos e insumos.

como elas se transformaram e atravessaram os

grande parte de nossa expressão cultural. Assim, é

tempos até chegar, renovadas, aos nossos dias.

com imensa alegria que convidamos todos vocês

Se hoje temos cerca de seis bilhões de pessoas no planeta, ao menos três bilhões devem a

6

Nosso livro começa com a literatura de cordel,

Como os autores que, em seus estudos, a cada dia

A Bunge Fertilizantes tem suas raízes no Brasil.

a participar conosco da saborosa aventura de

sua alimentação ao extraordinário nível de

aprendem novidades sobre os movimentos culturais

produtividade alcançado, graças aos fertilizantes.

de um Brasil que muda continuamente, a Bunge

No Brasil, nossos agricultores se modernizaram

Fertilizantes amplia todos os dias seus conhecimentos

Mario Barbosa

e hoje utilizam as melhores técnicas de preparo

sobre o campo e a cultura do homem que nele vive

Presidente da Bunge Fertilizantes

(re)descobrir o nosso imenso país. Boa leitura!

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

A

Bunge Fertilizantes está fazendo

7


Carta do presidente

e produz. E, unindo-se a esses estudiosos, destaca

70 anos. A empresa iniciou sua

neste livro as idéias e os valores dessa gente valorosa,

operação em 1938, extraindo fosfato

que constrói e fortalece o Brasil.

na jazida de Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, numa época em que o acesso à região era

esse importante documento das histórias contadas

bastante precário. Com grande investimento e

por repentistas e poetas, Brasil afora. Depois,

esforço, o negócio cresceu, sempre fornecendo

mostramos como a fé e as crenças, a música e

aos agricultores os fertilizantes necessários para

os festejos influenciaram o que vemos e ouvimos

aumentar a produção no campo.

hoje. Os sabores do Brasil estão presentes no

Nessas sete décadas, o fruto do nosso trabalho se espalhou pelo país e firmou raízes em nosso solo. De nossas minas, extraímos apatita, elemento fundamental para a fabricação de fertilizantes de alta qualidade. Do trabalho diário no campo,

e uso da terra, bem como de gestão agrícola e

texto e nos pratos de um dos maiores cozinheiros

empresarial, para obter o rendimento máximo,

do país, Alex Atala. Por fim, desvendamos como

preservando o meio ambiente, dentro do conceito

nosso design, nossa arquitetura e nosso artesanato

da agricultura sustentável.

contam a história visual desta nação tão criativa,

Para comemorar essa parceria de 70 anos, a

que encanta o mundo com sua produção cultural.

passamos a conhecer profundamente o interior do

Bunge Fertilizantes convidou alguns autores para se

país e os homens que de lá tiram o seu sustento e

debruçar nas tradições do interior do país e descobrir

Firmemente plantadas no campo, de onde vem

produzem alimentos e insumos.

como elas se transformaram e atravessaram os

grande parte de nossa expressão cultural. Assim, é

tempos até chegar, renovadas, aos nossos dias.

com imensa alegria que convidamos todos vocês

Se hoje temos cerca de seis bilhões de pessoas no planeta, ao menos três bilhões devem a

6

Nosso livro começa com a literatura de cordel,

Como os autores que, em seus estudos, a cada dia

A Bunge Fertilizantes tem suas raízes no Brasil.

a participar conosco da saborosa aventura de

sua alimentação ao extraordinário nível de

aprendem novidades sobre os movimentos culturais

produtividade alcançado, graças aos fertilizantes.

de um Brasil que muda continuamente, a Bunge

No Brasil, nossos agricultores se modernizaram

Fertilizantes amplia todos os dias seus conhecimentos

Mario Barbosa

e hoje utilizam as melhores técnicas de preparo

sobre o campo e a cultura do homem que nele vive

Presidente da Bunge Fertilizantes

(re)descobrir o nosso imenso país. Boa leitura!

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

A

Bunge Fertilizantes está fazendo

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introdução

70 anos de Brasil

9


introdução

70 anos de Brasil

9


LINHA DO TEMPO

anos

1930

anos

1940

anos

1950

anos

1960

anos

1970

anos

1980

anos

1990

anos

2000

Em 1938 nasce a Serrana, primeira

Em 1941, a empresa recebe a

A Bunge Fertilizantes é a primeira

Em 1965, a Bunge Fertilizantes,

Em 1970, a TV chega ao Vale

Em 1982, é lançado o Foscálcio,

Em 1990, cria o Centro de Educação

Em 2000, a Manah é adquirida pela

empresa de fertilizantes do Grupo

concessão de uso do Morro da Mina,

a fomentar o cultivo de soja no Rio

em parceria com pesquisadores

do Ribeira por iniciativa dos

fosfato bicálcico, utilizado na

Ambiental, em Araxá, um dos

Bunge. Em 2008, ao completar

Bunge, para extrair apatita de uma

em Jacupiranga (SP), e constrói uma

Grande do Sul. Também promove a

da USP, desenvolve uma técnica

funcionários da Bunge Fertilizantes.

nutrição animal. No ano seguinte,

primeiros do Brasil. Em 1991, Cajati

70 anos de vida, a Bunge

mina em Cajati, no Vale do Ribeira

fábrica para produzir e distribuir

exportação das colheitas e contribui

inovadora em todo o mundo – a

Em 1973, a Bunge inaugura a

a empresa começa a usar energias

torna-se um município independente,

Fertilizantes comemora a marca

(SP). A apatita, ou minério de

fertilizantes. A Serrana também

para a industrialização do processo.

flotação – para separar o fosfato

primeira escola de primeiro grau de

alternativas para substituir derivados

com mais de 30 mil habitantes.

de mais de 3,5 mil funcionários

fósforo ou de fosfato, é um elemento

investe em infra-estrutura industrial

Do sul, as lavouras se expandem

do calcário e aumentar ainda mais

Cajati. Em 1975, constrói casas para

de petróleo em suas operações.

Em 1996, a Bunge adquire a Fertisul

e 250 agrônomos a serviço de

fundamental para a produção de

e urbana no povoado de Cajati.

e ajudam no desenvolvimento do

o grau de pureza do minério. Essa

os funcionários de Cajati.

Em 1985, a Bunge inaugura a

e assume o controle acionário da

seus 60 mil clientes, de norte a

interior do país.

descoberta, disponibilizada para

primeira sala de cinema de Cajati e

Arafértil e da Ipiranga Serrana. Em

sul do Brasil. A empresa atua de

outras empresas, sem restrições,

contribui também para a construção

1997, compra a IAP e, no ano seguinte,

forma vertical, desde a mineração

foi um divisor de águas na produção

do hospital e da igreja da região.

incorpora a unidade de negócios de

de rocha fosfática e calcário,

de fertilizantes. E incentivou um

fertilizantes da Elekeiroz, além de

passando pelo processamento

crescimento ainda mais acelerado

adquirir parte do capital da Takenaka,

químico, até a entrega do produto

do mercado mundial. Em 1967,

detentora da marca Ouro Verde.

final: fertilizantes, calcário para

é fundada a ANDA – Associação

Ainda em 1998, a Bunge inicia a venda

correção do solo e componentes

Nacional para Difusão de Adubos,

de fertilizante aplicado, inaugurando a

para nutrição animal. Hoje, a Bunge

uma iniciativa dos funcionários da

era da agricultura de precisão.

Fertilizantes, com suas marcas

Bunge Fertilizantes.

No ano seguinte, a fábrica de Araxá,

Iap, Manah, Ouro Verde e Serrana,

em Minas Gerais, torna-se a primeira

é a maior empresa de fertilizantes

no país no setor a obter a certificação

da América do Sul e a líder no

ISO 14001.

segmento de nutrição animal.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

fertilizantes de alta qualidade.

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LINHA DO TEMPO

anos

1930

anos

1940

anos

1950

anos

1960

anos

1970

anos

1980

anos

1990

anos

2000

Em 1938 nasce a Serrana, primeira

Em 1941, a empresa recebe a

A Bunge Fertilizantes é a primeira

Em 1965, a Bunge Fertilizantes,

Em 1970, a TV chega ao Vale

Em 1982, é lançado o Foscálcio,

Em 1990, cria o Centro de Educação

Em 2000, a Manah é adquirida pela

empresa de fertilizantes do Grupo

concessão de uso do Morro da Mina,

a fomentar o cultivo de soja no Rio

em parceria com pesquisadores

do Ribeira por iniciativa dos

fosfato bicálcico, utilizado na

Ambiental, em Araxá, um dos

Bunge. Em 2008, ao completar

Bunge, para extrair apatita de uma

em Jacupiranga (SP), e constrói uma

Grande do Sul. Também promove a

da USP, desenvolve uma técnica

funcionários da Bunge Fertilizantes.

nutrição animal. No ano seguinte,

primeiros do Brasil. Em 1991, Cajati

70 anos de vida, a Bunge

mina em Cajati, no Vale do Ribeira

fábrica para produzir e distribuir

exportação das colheitas e contribui

inovadora em todo o mundo – a

Em 1973, a Bunge inaugura a

a empresa começa a usar energias

torna-se um município independente,

Fertilizantes comemora a marca

(SP). A apatita, ou minério de

fertilizantes. A Serrana também

para a industrialização do processo.

flotação – para separar o fosfato

primeira escola de primeiro grau de

alternativas para substituir derivados

com mais de 30 mil habitantes.

de mais de 3,5 mil funcionários

fósforo ou de fosfato, é um elemento

investe em infra-estrutura industrial

Do sul, as lavouras se expandem

do calcário e aumentar ainda mais

Cajati. Em 1975, constrói casas para

de petróleo em suas operações.

Em 1996, a Bunge adquire a Fertisul

e 250 agrônomos a serviço de

fundamental para a produção de

e urbana no povoado de Cajati.

e ajudam no desenvolvimento do

o grau de pureza do minério. Essa

os funcionários de Cajati.

Em 1985, a Bunge inaugura a

e assume o controle acionário da

seus 60 mil clientes, de norte a

interior do país.

descoberta, disponibilizada para

primeira sala de cinema de Cajati e

Arafértil e da Ipiranga Serrana. Em

sul do Brasil. A empresa atua de

outras empresas, sem restrições,

contribui também para a construção

1997, compra a IAP e, no ano seguinte,

forma vertical, desde a mineração

foi um divisor de águas na produção

do hospital e da igreja da região.

incorpora a unidade de negócios de

de rocha fosfática e calcário,

de fertilizantes. E incentivou um

fertilizantes da Elekeiroz, além de

passando pelo processamento

crescimento ainda mais acelerado

adquirir parte do capital da Takenaka,

químico, até a entrega do produto

do mercado mundial. Em 1967,

detentora da marca Ouro Verde.

final: fertilizantes, calcário para

é fundada a ANDA – Associação

Ainda em 1998, a Bunge inicia a venda

correção do solo e componentes

Nacional para Difusão de Adubos,

de fertilizante aplicado, inaugurando a

para nutrição animal. Hoje, a Bunge

uma iniciativa dos funcionários da

era da agricultura de precisão.

Fertilizantes, com suas marcas

Bunge Fertilizantes.

No ano seguinte, a fábrica de Araxá,

Iap, Manah, Ouro Verde e Serrana,

em Minas Gerais, torna-se a primeira

é a maior empresa de fertilizantes

no país no setor a obter a certificação

da América do Sul e a líder no

ISO 14001.

segmento de nutrição animal.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

fertilizantes de alta qualidade.

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população mundial não teria o que comer. Este novo Brasil é mais urbano, mais rico, tem indicadores sociais muito melhores que há 70 anos. O campo, berço das tradições mais importantes da cultura popular brasileira, hoje produz mais com menos gente e usa tecnologia de ponta, dos fertilizantes aos satélites. Apesar de tantas

Ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria

mudanças, ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria. E a Bunge Fertilizantes quer, por meio deste livro, participar do esforço de manter essas tradições vivas e atuantes no país. Nada mais natural para a Bunge do que produzir uma obra como Raízes no Brasil. Afinal, a cultura brasileira sempre fez parte das preocupações da empresa. Já em 1955, a Bunge, por meio de sua Fundação, criou o Prêmio Moinho Santista, atual Prêmio Fundação Bunge, que até

O 12

Brasil mudou. E a Bunge Fertilizantes

Hoje, a maioria da população brasileira vive em

se orgulha de ter colaborado para

cidades e isso não seria possível sem a enorme

tornar essa mudança possível, desde

produtividade da moderna agricultura do país.

que nasceu, há 70 anos. Quando a empresa abriu

Segundo a FAO (sigla em inglês para o Fundo de

sua primeira mina de fosfato no Vale do Ribeira, a

Agricultura e Alimento das Nações Unidas), os

região era de difícil acesso. Corria o ano de 1938. O

fertilizantes são, sozinhos, responsáveis por 50%

Brasil era um país agrícola, que mal começava a se

da produção agrícola do mundo. Se eles não

modernizar.

existissem, metade dos seis bilhões de pessoas da

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

hoje é considerado um dos mais importantes

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população mundial não teria o que comer. Este novo Brasil é mais urbano, mais rico, tem indicadores sociais muito melhores que há 70 anos. O campo, berço das tradições mais importantes da cultura popular brasileira, hoje produz mais com menos gente e usa tecnologia de ponta, dos fertilizantes aos satélites. Apesar de tantas

Ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria

mudanças, ainda são as tradições culturais surgidas no campo que dão ao Brasil sua fisionomia própria. E a Bunge Fertilizantes quer, por meio deste livro, participar do esforço de manter essas tradições vivas e atuantes no país. Nada mais natural para a Bunge do que produzir uma obra como Raízes no Brasil. Afinal, a cultura brasileira sempre fez parte das preocupações da empresa. Já em 1955, a Bunge, por meio de sua Fundação, criou o Prêmio Moinho Santista, atual Prêmio Fundação Bunge, que até

O 12

Brasil mudou. E a Bunge Fertilizantes

Hoje, a maioria da população brasileira vive em

se orgulha de ter colaborado para

cidades e isso não seria possível sem a enorme

tornar essa mudança possível, desde

produtividade da moderna agricultura do país.

que nasceu, há 70 anos. Quando a empresa abriu

Segundo a FAO (sigla em inglês para o Fundo de

sua primeira mina de fosfato no Vale do Ribeira, a

Agricultura e Alimento das Nações Unidas), os

região era de difícil acesso. Corria o ano de 1938. O

fertilizantes são, sozinhos, responsáveis por 50%

Brasil era um país agrícola, que mal começava a se

da produção agrícola do mundo. Se eles não

modernizar.

existissem, metade dos seis bilhões de pessoas da

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

hoje é considerado um dos mais importantes

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estímulos à produção intelectual, por reconhecer o

formatar uma linguagem de dança brasileira.

trabalho de personalidades que contribuem para

Dos santos católicos às carrancas que enfeitam

desenvolvimento cultural do Brasil.

os barcos do rio São Francisco, as imagens de

Ao longo dos anos, a Bunge já consagrou nomes

feição popular são a cara do Brasil. O professor Luiz

como o arquiteto Oscar Niemeyer, os designers

Roberto Alves traça um perfil das mudanças que

Guto Indio da Costa, José Carlos Bornacini e Nelson

ocorreram na iconografia popular do interior do

Ivan Petzold, o escultor Bruno Giorgi, os músicos

país. A culinária é um dos mais fortes elementos

Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri, além do

na constituição da identidade de um povo. E a

grupo Uakti, e da bailarina e coreógrafa Marika

vitalidade das tradições culinárias brasileiras está

Gidali. Na literatura, a empresa reconheceu o

presente na comida do dia-a-dia e na gastronomia

trabalho de grandes nomes como Manuel Bandeira,

brasileira. Ingredientes pouco conhecidos fora

Érico Veríssimo, Jorge Amado, Raquel de Queiroz,

de suas regiões e suas adaptações para pratos

Lygia Fagundes Telles, Ruth Rocha e Hilda Hilst.

modernos são o tema do chef paulistano Alex

Além das premiações, a Bunge também ajudou, por

Atala, um dos mais destacados representantes da

meio de doações e patrocínios, na manutenção de

culinária do país.

diversas igrejas e na revitalização de festas populares

A historiadora Beth Lima mostra as rendas, a

em diversas cidades do interior do Brasil. Criando

cerâmica, as esculturas e os trabalhos em madeira

condições para o desenvolvimento das diversas

que tornam único o artesanato de cada região do

culturas agrícolas e da pecuária no país, a empresa

Brasil. Adélia Borges, jornalista especializada em design, fala da força da cultura popular brasileira na Para este livro, sete especialistas foram reunidos

vertente original, anônima e popular, mas também

para tratar justamente de música, literatura,

como principal influência do melhor design erudito

iconografia, design, culinária e outros aspectos

brasileiro dos últimos anos.

culturais relacionados às tradições populares do

O passado, o presente e o futuro das tradições

Brasil. Tradições que não podem ser conservadas

populares do país. Da literatura de cordel, que se

como num museu, pois estão vivas, modificando-se

recicla como peça de teatro, aos grupos de clóvis,

no contato com o mundo moderno e, por sua vez,

ou bate-bola, que sobrevivem há anos no carnaval

transformando o Brasil num país moderno.

carioca; do maracatu original à sua versão reciclada

O músico e produtor cultural Edson Natale conta

pela segunda geração do mangue beat, Raízes no

como as tradições e a modernidade convivem

Brasil conta a história de como a cultura popular

elegantemente entre músicos brasileiros de diversas

brasileira se mantém ativa e se recicla ao longo

gerações. O sociólogo cearense Eduardo Diatahy

do tempo, mostrando a importância das tradições

Menezes fala da importância do cordel e de suas

populares para a cultura do país.

transformações nos últimos 70 anos. As danças e os

14

maneira de morar de seu povo. Não apenas em sua

O Brasil do campo e o das cidades. O Brasil

festejos típicos a que elas estão ligadas são o tema

erudito e o Brasil popular. O Brasil da agricultura

do pernambucano Antônio Nóbrega. Mais do que

e o da cultura. Todos eles formam o Brasil no qual

seu tema, essas danças e festejos são a vida e a arte

a Bunge Fertilizantes chegou há 70 anos. E, para

desse dançarino, músico e cantor, que hoje busca

todos eles, a Bunge busca fazer diferença.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

colaborou ainda com a culinária brasileira.

15


estímulos à produção intelectual, por reconhecer o

formatar uma linguagem de dança brasileira.

trabalho de personalidades que contribuem para

Dos santos católicos às carrancas que enfeitam

desenvolvimento cultural do Brasil.

os barcos do rio São Francisco, as imagens de

Ao longo dos anos, a Bunge já consagrou nomes

feição popular são a cara do Brasil. O professor Luiz

como o arquiteto Oscar Niemeyer, os designers

Roberto Alves traça um perfil das mudanças que

Guto Indio da Costa, José Carlos Bornacini e Nelson

ocorreram na iconografia popular do interior do

Ivan Petzold, o escultor Bruno Giorgi, os músicos

país. A culinária é um dos mais fortes elementos

Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri, além do

na constituição da identidade de um povo. E a

grupo Uakti, e da bailarina e coreógrafa Marika

vitalidade das tradições culinárias brasileiras está

Gidali. Na literatura, a empresa reconheceu o

presente na comida do dia-a-dia e na gastronomia

trabalho de grandes nomes como Manuel Bandeira,

brasileira. Ingredientes pouco conhecidos fora

Érico Veríssimo, Jorge Amado, Raquel de Queiroz,

de suas regiões e suas adaptações para pratos

Lygia Fagundes Telles, Ruth Rocha e Hilda Hilst.

modernos são o tema do chef paulistano Alex

Além das premiações, a Bunge também ajudou, por

Atala, um dos mais destacados representantes da

meio de doações e patrocínios, na manutenção de

culinária do país.

diversas igrejas e na revitalização de festas populares

A historiadora Beth Lima mostra as rendas, a

em diversas cidades do interior do Brasil. Criando

cerâmica, as esculturas e os trabalhos em madeira

condições para o desenvolvimento das diversas

que tornam único o artesanato de cada região do

culturas agrícolas e da pecuária no país, a empresa

Brasil. Adélia Borges, jornalista especializada em design, fala da força da cultura popular brasileira na Para este livro, sete especialistas foram reunidos

vertente original, anônima e popular, mas também

para tratar justamente de música, literatura,

como principal influência do melhor design erudito

iconografia, design, culinária e outros aspectos

brasileiro dos últimos anos.

culturais relacionados às tradições populares do

O passado, o presente e o futuro das tradições

Brasil. Tradições que não podem ser conservadas

populares do país. Da literatura de cordel, que se

como num museu, pois estão vivas, modificando-se

recicla como peça de teatro, aos grupos de clóvis,

no contato com o mundo moderno e, por sua vez,

ou bate-bola, que sobrevivem há anos no carnaval

transformando o Brasil num país moderno.

carioca; do maracatu original à sua versão reciclada

O músico e produtor cultural Edson Natale conta

pela segunda geração do mangue beat, Raízes no

como as tradições e a modernidade convivem

Brasil conta a história de como a cultura popular

elegantemente entre músicos brasileiros de diversas

brasileira se mantém ativa e se recicla ao longo

gerações. O sociólogo cearense Eduardo Diatahy

do tempo, mostrando a importância das tradições

Menezes fala da importância do cordel e de suas

populares para a cultura do país.

transformações nos últimos 70 anos. As danças e os

14

maneira de morar de seu povo. Não apenas em sua

O Brasil do campo e o das cidades. O Brasil

festejos típicos a que elas estão ligadas são o tema

erudito e o Brasil popular. O Brasil da agricultura

do pernambucano Antônio Nóbrega. Mais do que

e o da cultura. Todos eles formam o Brasil no qual

seu tema, essas danças e festejos são a vida e a arte

a Bunge Fertilizantes chegou há 70 anos. E, para

desse dançarino, músico e cantor, que hoje busca

todos eles, a Bunge busca fazer diferença.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

colaborou ainda com a culinária brasileira.

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Literatura

Narrativa Popular em Verso Dr. Eduardo Diatahy B. de Menezes*

17


Literatura

Narrativa Popular em Verso Dr. Eduardo Diatahy B. de Menezes*

17


N

o ensaio O narrador, o teórico da comunicação Walter Benjamin sugere com argúcia que é uma experiência

“Essa história escrevi

transmitida boca a boca a fonte em que beberam

não foi por mim inventada,

todos os narradores e, de todos os escritores

um velho daquela época

que recolheram histórias, os maiores são aqueles

tem ainda decorada

cuja narrativa é a mais fiel à tradição oral dos

minha aqui só são as rimas

contadores anônimos. Além disso, devemos

exceto elas mais nada.”

distinguir, dentre esses mesmos contadores, dois grupos em que há interferências. Se remontarmos

Leandro Gomes de BARROS

aos seus protótipos arcaicos a fim de definir essas

(Peleja de Manoel Riachão com o diabo)

duas categorias de narradores, pode-se dizer que o trabalhador rural sedentário constitui a primeira, e o navegador mercante, a segunda. Benjamin sublinha ainda que o senso prático é

“É bom p’ra quem aprecia

traço característico de muitos contadores natos,

o verso em mythologia

e que aí reside um fato revelador da natureza de

fazendo a comparação.

“Vou descrever um trancoso

toda verdadeira narrativa: explícita ou implícita,

que vem do meu bisavô

ela apresenta sempre um aspecto utilitário. Este

Quem lêr esta narrativa

e ele contou um dia

acha um conto fabuloso

ao velho meu avô

não quero que por ahi

meu avô contou ao meu pai

digam que sou mentiroso

depois meu pai me contou.”

e que na minha cachola só se incute parola

José Costa LEITE

de assumpto mysterioso.”

(A mulher que enganou o diabo)

João Martins de Athayde

Toda narrativa tem como traço característico um aspecto utilitário

(O marco do meio do mundo) e o seu vocabulário é o mundo; ele tira do povo e do mundo a sua história.” João de Cristo Rei (em entrevista com o autor)

18

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

“O dicionário do poeta é o povo

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N

o ensaio O narrador, o teórico da comunicação Walter Benjamin sugere com argúcia que é uma experiência

“Essa história escrevi

transmitida boca a boca a fonte em que beberam

não foi por mim inventada,

todos os narradores e, de todos os escritores

um velho daquela época

que recolheram histórias, os maiores são aqueles

tem ainda decorada

cuja narrativa é a mais fiel à tradição oral dos

minha aqui só são as rimas

contadores anônimos. Além disso, devemos

exceto elas mais nada.”

distinguir, dentre esses mesmos contadores, dois grupos em que há interferências. Se remontarmos

Leandro Gomes de BARROS

aos seus protótipos arcaicos a fim de definir essas

(Peleja de Manoel Riachão com o diabo)

duas categorias de narradores, pode-se dizer que o trabalhador rural sedentário constitui a primeira, e o navegador mercante, a segunda. Benjamin sublinha ainda que o senso prático é

“É bom p’ra quem aprecia

traço característico de muitos contadores natos,

o verso em mythologia

e que aí reside um fato revelador da natureza de

fazendo a comparação.

“Vou descrever um trancoso

toda verdadeira narrativa: explícita ou implícita,

que vem do meu bisavô

ela apresenta sempre um aspecto utilitário. Este

Quem lêr esta narrativa

e ele contou um dia

acha um conto fabuloso

ao velho meu avô

não quero que por ahi

meu avô contou ao meu pai

digam que sou mentiroso

depois meu pai me contou.”

e que na minha cachola só se incute parola

José Costa LEITE

de assumpto mysterioso.”

(A mulher que enganou o diabo)

João Martins de Athayde

Toda narrativa tem como traço característico um aspecto utilitário

(O marco do meio do mundo) e o seu vocabulário é o mundo; ele tira do povo e do mundo a sua história.” João de Cristo Rei (em entrevista com o autor)

18

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

“O dicionário do poeta é o povo

19


se traduz às vezes por uma moralidade, às vezes

Os quatro grandes poetas populares que citei

por uma recomendação prática, um provérbio ou

na epígrafe são conscientes da continuidade

uma regra de vida. Em todo caso, o narrador é um

do rio de criação de que participam e por isso

homem de bom conselho. Nesse trecho de sua

assinalam seu enraizamento numa memória

reflexão, o teórico destaca que a memória ou a

ancestral espalhada pelo mundo que ajudam

“lembrança” funda essa corrente de tradições que

a construir com sua palavra. Seu influxo

transmite os acontecimentos passados de geração

atravessa incólume os séculos, perpetuando-se

a geração – eis por que Mnemósina, “aquela que

em manifestações de todo gênero. Todavia, se

lembra”, era entre os gregos a musa da epopéia.

todas as formas de narrar (verbais ou outras) são

É a lembrança que tece o conjunto da malha

obra de ficção, cuja etimologia aponta para o

formada por todas as histórias; cada uma se liga a

fingimento e a fantasia, sendo o narrador assim

todas as outras, como sempre gostaram de mostrar

um mentiroso autorizado que se arroga o direito

os grandes contadores de histórias, sobretudo os

de instaurar mundos, é legítimo indagar: que

orientais. Como diz Benjamin: “Em cada um deles

interesses, que impulsos ou que necessidades nos

vive uma Scherazade para quem cada episódio de

levam a condutas orientadas a acolher e a fruir

uma história evoca logo outra história”.

tais simulacros do real?

Ora, mesmo as culturas arcaicas, sob o domínio

20

aventuras de heróis das histórias em quadrinhos,

da oralidade, assentavam seu autoconhecimento

todos são fontes incessantes a alimentar a caudal

e se instituíam mediante seus mitos, lendas

narrativa de nosso imaginário sociocultural.

e ritos. Todas as civilizações se fundam e se

Conforme assevera Joseph Campbell, o estudioso

configuram em grandes narrativas, que buscam

de mitologia e religião comparada, trata-se de um

transcender e compensar a irrevogável finitude

monomito, fonte e matriz da criação simbólica

da condição humana. Portanto, mitos, contos e

do homem em todas as áreas fundamentais de

lendas populares, romanceiros, folhetins, novelas

sua existência. É, porém, indubitavelmente, essa

e romances, e mesmo filmes como os de 007 ou

inexaurível capacidade de fabulação que nos

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

É a lembrança que tece o conjunto da malha formada por todas as histórias

21


se traduz às vezes por uma moralidade, às vezes

Os quatro grandes poetas populares que citei

por uma recomendação prática, um provérbio ou

na epígrafe são conscientes da continuidade

uma regra de vida. Em todo caso, o narrador é um

do rio de criação de que participam e por isso

homem de bom conselho. Nesse trecho de sua

assinalam seu enraizamento numa memória

reflexão, o teórico destaca que a memória ou a

ancestral espalhada pelo mundo que ajudam

“lembrança” funda essa corrente de tradições que

a construir com sua palavra. Seu influxo

transmite os acontecimentos passados de geração

atravessa incólume os séculos, perpetuando-se

a geração – eis por que Mnemósina, “aquela que

em manifestações de todo gênero. Todavia, se

lembra”, era entre os gregos a musa da epopéia.

todas as formas de narrar (verbais ou outras) são

É a lembrança que tece o conjunto da malha

obra de ficção, cuja etimologia aponta para o

formada por todas as histórias; cada uma se liga a

fingimento e a fantasia, sendo o narrador assim

todas as outras, como sempre gostaram de mostrar

um mentiroso autorizado que se arroga o direito

os grandes contadores de histórias, sobretudo os

de instaurar mundos, é legítimo indagar: que

orientais. Como diz Benjamin: “Em cada um deles

interesses, que impulsos ou que necessidades nos

vive uma Scherazade para quem cada episódio de

levam a condutas orientadas a acolher e a fruir

uma história evoca logo outra história”.

tais simulacros do real?

Ora, mesmo as culturas arcaicas, sob o domínio

20

aventuras de heróis das histórias em quadrinhos,

da oralidade, assentavam seu autoconhecimento

todos são fontes incessantes a alimentar a caudal

e se instituíam mediante seus mitos, lendas

narrativa de nosso imaginário sociocultural.

e ritos. Todas as civilizações se fundam e se

Conforme assevera Joseph Campbell, o estudioso

configuram em grandes narrativas, que buscam

de mitologia e religião comparada, trata-se de um

transcender e compensar a irrevogável finitude

monomito, fonte e matriz da criação simbólica

da condição humana. Portanto, mitos, contos e

do homem em todas as áreas fundamentais de

lendas populares, romanceiros, folhetins, novelas

sua existência. É, porém, indubitavelmente, essa

e romances, e mesmo filmes como os de 007 ou

inexaurível capacidade de fabulação que nos

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

É a lembrança que tece o conjunto da malha formada por todas as histórias

21


1. Cordel é folheto em verso

Feiras e praças constituem o espaço público por

Como Manoel Riachão

excelência onde o poeta popular ou seu agente,

Zezinho e Mariquinha

em meio ao burburinho de ambulantes e eventuais

Juvenal e o Dragão

compradores, espalha sobre tampas abertas

Os aventureiros da sorte

de malas rústicas ou sobre lona pelo chão uma

José de Sousa Leão;

“mercadoria” singular: o fascínio do maravilhoso ou do fantástico. São histórias de batalhas ou

2. Narciso e Iracema

de amores trágicos, de pícaros ou fesceninos, de

Jacinto e Esmeraldina

acontecimentos mundiais e locais, catástrofes,

O Príncipe Roldão e Lídia

mortes célebres etc., quase sempre, em sua feição

Juvenal e Jovelina

mais manifesta, apegados à lei e à religião. Ele lê ou

As proezas de João Grilo

entoa, com alguma encenação, parte da narrativa

Princesa da Pedra Fina;

e usa a “trava” ou suspense: “Quem quiser saber como Lampião expulsou o diabo do inferno compre

3. Rogaciano e Dorotéia

o folheto!” Frágeis em sua contextura, impressos

O Herói João de Calais

em papel-jornal pobre, medindo aproximadamente

e a Princesa Constança

15 cm x 11,5 cm, contêm um múltiplo de quatro,

Batalha de Ferrabrás

em geral oito ou 16 páginas, e são chamados

A Prisão de Oliveiros

folhetos ou cadernos; se o relato ocupa 32 páginas

Zé Garcia e outros mais.

é um romance; se maior, é uma história.

caracteriza como humanos. E aí residem as origens

Torna-se mandrião, fala difícil, lê o Lunário Perpétuo

mais remotas da floração da Literatura Popular em

e o Carlos Magno, à noite, na esteira, para a

Verso (LPV) brasileira, a chamada literatura “de

família reunida em torno da candeia”. Isso retrata

cordel”, que foi mais rica nas províncias do norte,

razoavelmente o que se passava, sobretudo, do lado

como se dizia então, desde fins do século XIX até a

dos consumidores de nossa literatura popular. Que

primeira metade do século passado, no que hoje se

dizer do lado de sua produção e como conceber e

conhece como nordeste. Na singularidade de seu

caracterizar essa criação literária do povo?

perfil brasileiro, essa literatura chegou até nós pela via ibérica e sofreu mutações de nossa cultura.

O simples fato de intitulá-la Literatura ou Narrativa Popular em Verso já assinala suas características básicas: é fabulação poética, é do

22

Narrativa popular em verso

povo e se distingue da cultura erudita, além de

Em seu livro Caetés, Graciliano Ramos nos dá este

utilizar rima e ritmo como recursos mnemônicos

perspicaz e duro depoimento: “Quando o nosso

e de facilitação de sua recepção por todos os

matuto tem um filho opilado e raquítico, manda

públicos. Mas deixemos à parte a lógica erudita e

domesticá-lo a palmatória e a murro. O animal

cedamos a palavra ao poeta popular que nos dá

aprende cartilha e fica sendo consultor lá no sítio.

sua concepção em maravilhosa síntese:

Feiras e praças constituem o espaço público onde o poeta de cordel espalha sua mercadoria

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

José Costa LEITE (Sertão, folclore e cordel)

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1. Cordel é folheto em verso

Feiras e praças constituem o espaço público por

Como Manoel Riachão

excelência onde o poeta popular ou seu agente,

Zezinho e Mariquinha

em meio ao burburinho de ambulantes e eventuais

Juvenal e o Dragão

compradores, espalha sobre tampas abertas

Os aventureiros da sorte

de malas rústicas ou sobre lona pelo chão uma

José de Sousa Leão;

“mercadoria” singular: o fascínio do maravilhoso ou do fantástico. São histórias de batalhas ou

2. Narciso e Iracema

de amores trágicos, de pícaros ou fesceninos, de

Jacinto e Esmeraldina

acontecimentos mundiais e locais, catástrofes,

O Príncipe Roldão e Lídia

mortes célebres etc., quase sempre, em sua feição

Juvenal e Jovelina

mais manifesta, apegados à lei e à religião. Ele lê ou

As proezas de João Grilo

entoa, com alguma encenação, parte da narrativa

Princesa da Pedra Fina;

e usa a “trava” ou suspense: “Quem quiser saber como Lampião expulsou o diabo do inferno compre

3. Rogaciano e Dorotéia

o folheto!” Frágeis em sua contextura, impressos

O Herói João de Calais

em papel-jornal pobre, medindo aproximadamente

e a Princesa Constança

15 cm x 11,5 cm, contêm um múltiplo de quatro,

Batalha de Ferrabrás

em geral oito ou 16 páginas, e são chamados

A Prisão de Oliveiros

folhetos ou cadernos; se o relato ocupa 32 páginas

Zé Garcia e outros mais.

é um romance; se maior, é uma história.

caracteriza como humanos. E aí residem as origens

Torna-se mandrião, fala difícil, lê o Lunário Perpétuo

mais remotas da floração da Literatura Popular em

e o Carlos Magno, à noite, na esteira, para a

Verso (LPV) brasileira, a chamada literatura “de

família reunida em torno da candeia”. Isso retrata

cordel”, que foi mais rica nas províncias do norte,

razoavelmente o que se passava, sobretudo, do lado

como se dizia então, desde fins do século XIX até a

dos consumidores de nossa literatura popular. Que

primeira metade do século passado, no que hoje se

dizer do lado de sua produção e como conceber e

conhece como nordeste. Na singularidade de seu

caracterizar essa criação literária do povo?

perfil brasileiro, essa literatura chegou até nós pela via ibérica e sofreu mutações de nossa cultura.

O simples fato de intitulá-la Literatura ou Narrativa Popular em Verso já assinala suas características básicas: é fabulação poética, é do

22

Narrativa popular em verso

povo e se distingue da cultura erudita, além de

Em seu livro Caetés, Graciliano Ramos nos dá este

utilizar rima e ritmo como recursos mnemônicos

perspicaz e duro depoimento: “Quando o nosso

e de facilitação de sua recepção por todos os

matuto tem um filho opilado e raquítico, manda

públicos. Mas deixemos à parte a lógica erudita e

domesticá-lo a palmatória e a murro. O animal

cedamos a palavra ao poeta popular que nos dá

aprende cartilha e fica sendo consultor lá no sítio.

sua concepção em maravilhosa síntese:

Feiras e praças constituem o espaço público onde o poeta de cordel espalha sua mercadoria

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

José Costa LEITE (Sertão, folclore e cordel)

23


bateu na mãe na sexta-feira da Paixão; O cavalo que descome dinheiro; O encontro de Lampeão com a negra de um peito só etc.). Paralelamente, editavam-se ainda em grande número os títulos tradicionais e consagrados pelo gosto popular. Em sua temática, os folhetos assentavam na exploração de valores como o heróico (quase sempre na forma de valentia individual) e o satírico ou picaresco (sobretudo recorrendo a situações ambíguas, como o fizeram magistralmente Rabelais e Gil Vicente). Com a expansão, passaram a ser dominantes valores como o romântico, o histórico, a moral e a religião (quase sempre em apoio ao catolicismo e combate ao protestantismo), a política e os acontecimentos. Com alguma freqüência, políticas de saúde pública e campanhas eleitorais se utilizaram da ampla força de difusão dos folhetos e do talento dos poetas. Suas ilustrações, especialmente as xilogravuras, superaram pouco a pouco essa função utilitária e se tornaram criação

de folhetos, o que acarretava novo perfil estético

O desprezo ou a apologia

nossos estudiosos cultos beberam no ensaísta

e novas exigências de produção. Tornou-se um

Breve palavra final sobre a repercussão dessa

Teófilo Braga (1843 – 1924) e que, em tempos

dos primeiros dos grandes editores populares:

literatura. Se, na França, sua Littérature de

recentes, se impôs aos poetas populares. Misto

a trajetória de sua casa editorial acompanha os

Colportage, sob certos aspectos semelhante à

de repórter, cronista, pedagogo, pregador,

êxitos e vicissitudes da expansão, do apogeu e

nossa, após as agitações de 1848, foi confiscada

alguns poetas populares foram também grandes

da decadência dessa literatura, passando-a para

e morta pela repressão policial (1852), entre

andarilhos: Joaquim Batista de Sena afirma ter

as mãos habilidosas de Athayde e depois para o

nós, foi quase sempre oscilante e ambígua a

percorrido e cantado desde o norte de Minas até

longo período de José Bernardo da Silva (1901

atitude de nossa tradição letrada em face de

o Alto Amazonas. Parece ter sido Leandro Gomes

– 1970), até seu fechamento nos anos 1980.

nossa LPV: o desprezo ou a apologia. Contudo,

Cordel é uma designação luso-espanhola, que

Nossa LPV, em seu percurso histórico, projetando-

já no século XIX, José de Alencar (1829-1877)

plêiade dos melhores poetas populares [Francisco

se como um bem financeiramente rendoso, suscitou

admirava-se de ver um exemplar da produção

das Chagas Batista (1882 – 1930), João Martins de

outros meios de divulgação e publicidade, em

desse romanceiro veiculado em folhetos

Athayde (1880 – 1959) e alguns mais] o pioneiro

especial na impressão, nas capas e nos títulos (já

populares e foi ele um dos nossos primeiros

no processo de objetivar essa criação, atento ao

distantes dos romances tradicionais, aparecem

intelectuais a fazer o registro de romances em

modo como se dava a recepção e o interesse,

como: A velha debaixo da cama com a perna

versos. Outro fato curioso: algum tempo depois,

superando a oralidade pela escrita e a impressão

cabeluda; A moça que virou cachorra porque

Franklin Távora (1842-1888), em seu romance O

de Barros (1865 – 1918), um dos maiores dentre a

24

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

autônoma, que merece um estudo à parte.

25


bateu na mãe na sexta-feira da Paixão; O cavalo que descome dinheiro; O encontro de Lampeão com a negra de um peito só etc.). Paralelamente, editavam-se ainda em grande número os títulos tradicionais e consagrados pelo gosto popular. Em sua temática, os folhetos assentavam na exploração de valores como o heróico (quase sempre na forma de valentia individual) e o satírico ou picaresco (sobretudo recorrendo a situações ambíguas, como o fizeram magistralmente Rabelais e Gil Vicente). Com a expansão, passaram a ser dominantes valores como o romântico, o histórico, a moral e a religião (quase sempre em apoio ao catolicismo e combate ao protestantismo), a política e os acontecimentos. Com alguma freqüência, políticas de saúde pública e campanhas eleitorais se utilizaram da ampla força de difusão dos folhetos e do talento dos poetas. Suas ilustrações, especialmente as xilogravuras, superaram pouco a pouco essa função utilitária e se tornaram criação

de folhetos, o que acarretava novo perfil estético

O desprezo ou a apologia

nossos estudiosos cultos beberam no ensaísta

e novas exigências de produção. Tornou-se um

Breve palavra final sobre a repercussão dessa

Teófilo Braga (1843 – 1924) e que, em tempos

dos primeiros dos grandes editores populares:

literatura. Se, na França, sua Littérature de

recentes, se impôs aos poetas populares. Misto

a trajetória de sua casa editorial acompanha os

Colportage, sob certos aspectos semelhante à

de repórter, cronista, pedagogo, pregador,

êxitos e vicissitudes da expansão, do apogeu e

nossa, após as agitações de 1848, foi confiscada

alguns poetas populares foram também grandes

da decadência dessa literatura, passando-a para

e morta pela repressão policial (1852), entre

andarilhos: Joaquim Batista de Sena afirma ter

as mãos habilidosas de Athayde e depois para o

nós, foi quase sempre oscilante e ambígua a

percorrido e cantado desde o norte de Minas até

longo período de José Bernardo da Silva (1901

atitude de nossa tradição letrada em face de

o Alto Amazonas. Parece ter sido Leandro Gomes

– 1970), até seu fechamento nos anos 1980.

nossa LPV: o desprezo ou a apologia. Contudo,

Cordel é uma designação luso-espanhola, que

Nossa LPV, em seu percurso histórico, projetando-

já no século XIX, José de Alencar (1829-1877)

plêiade dos melhores poetas populares [Francisco

se como um bem financeiramente rendoso, suscitou

admirava-se de ver um exemplar da produção

das Chagas Batista (1882 – 1930), João Martins de

outros meios de divulgação e publicidade, em

desse romanceiro veiculado em folhetos

Athayde (1880 – 1959) e alguns mais] o pioneiro

especial na impressão, nas capas e nos títulos (já

populares e foi ele um dos nossos primeiros

no processo de objetivar essa criação, atento ao

distantes dos romances tradicionais, aparecem

intelectuais a fazer o registro de romances em

modo como se dava a recepção e o interesse,

como: A velha debaixo da cama com a perna

versos. Outro fato curioso: algum tempo depois,

superando a oralidade pela escrita e a impressão

cabeluda; A moça que virou cachorra porque

Franklin Távora (1842-1888), em seu romance O

de Barros (1865 – 1918), um dos maiores dentre a

24

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

autônoma, que merece um estudo à parte.

25


cabeleira (1876), não só se utiliza de materiais da poesia popular, como no prefácio desse livro formula uma hipótese curiosa que antecipa a razão por que nossa LPV se expandiu sobremodo na região da Bahia ao Amazonas: “As letras têm, como a política, certo caráter geográfico; mais no norte, porém, do que no sul abundam elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o norte ainda não foi invadido, como está sendo o sul de dia em dia, pelo estrangeiro. A feição primitiva, unicamente unificada pela cultura que as raças, as índoles e os costumes recebem dos tempos ou do progresso, pode-se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua genuína expressão, (...) o edifício literário dessa parte do Império que, por sua natureza..., por sua história tão rica de feitos heróicos, por seus usos, tradições e poesia popular há de ter cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua”. Por sua vez, Sílvio Romero, que reconhece em Celso de Magalhães “o primeiro promotor” dos

As inspirações de Ariano Suassuna

estudos da poesia popular brasileira, foi ele próprio

26

e, no entanto, pode ser tomado como paradigma

Autor de vários textos importantes da literatura e do

e a leitura. Meus personagens ora são recriações

das oscilações de nossas elites culturais em relação

teatro brasileiros, entre eles O auto da compadecida e

de personagens populares e de folhetos de cordel,

às criações simbólicas do povo. Com efeito, tanto

A pedra do reino, o escritor, pesquisador e dramaturgo

ora são familiares ou pessoas que conheci. Em O

exprime uma visão bucólica e apaixonada de nossa

Ariano Suassuna sempre se valeu das narrativas da

auto da compadecida, por exemplo, estão presentes

literatura popular. Nascido na cidade da Paraíba (hoje

o Palhaço e João Grilo. O Palhaço é inspirado no

João Pessoa), em 1927, Suassuna cresceu no sertão

palhaço Gregório da minha infância, em Taperoá. Já

e depois mudou-se para o Recife, onde iniciou sua

o João Grilo é o típico nordestino ‘amarelo’, que tenta

vida literária, publicando poemas. Aqui ele explica a

sobreviver no sertão de forma imaginosa. Costumo

origem de suas obras: “Todas as histórias contadas

dizer que a astúcia é a coragem do pobre. O nome

por mim são recriações de histórias populares ou de

dele é uma homenagem ao personagem de cordel e

histórias pessoais. Eu tinha alguns encantamentos

a um vendedor de jornal astucioso que eu conheci na

na infância. Entre esses, os mais fortes eram o circo

década de 1950 e que tinha esse apelido”.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

um dos grandes impulsionadores dessas pesquisas

27


cabeleira (1876), não só se utiliza de materiais da poesia popular, como no prefácio desse livro formula uma hipótese curiosa que antecipa a razão por que nossa LPV se expandiu sobremodo na região da Bahia ao Amazonas: “As letras têm, como a política, certo caráter geográfico; mais no norte, porém, do que no sul abundam elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o norte ainda não foi invadido, como está sendo o sul de dia em dia, pelo estrangeiro. A feição primitiva, unicamente unificada pela cultura que as raças, as índoles e os costumes recebem dos tempos ou do progresso, pode-se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua genuína expressão, (...) o edifício literário dessa parte do Império que, por sua natureza..., por sua história tão rica de feitos heróicos, por seus usos, tradições e poesia popular há de ter cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua”. Por sua vez, Sílvio Romero, que reconhece em Celso de Magalhães “o primeiro promotor” dos

As inspirações de Ariano Suassuna

estudos da poesia popular brasileira, foi ele próprio

26

e, no entanto, pode ser tomado como paradigma

Autor de vários textos importantes da literatura e do

e a leitura. Meus personagens ora são recriações

das oscilações de nossas elites culturais em relação

teatro brasileiros, entre eles O auto da compadecida e

de personagens populares e de folhetos de cordel,

às criações simbólicas do povo. Com efeito, tanto

A pedra do reino, o escritor, pesquisador e dramaturgo

ora são familiares ou pessoas que conheci. Em O

exprime uma visão bucólica e apaixonada de nossa

Ariano Suassuna sempre se valeu das narrativas da

auto da compadecida, por exemplo, estão presentes

literatura popular. Nascido na cidade da Paraíba (hoje

o Palhaço e João Grilo. O Palhaço é inspirado no

João Pessoa), em 1927, Suassuna cresceu no sertão

palhaço Gregório da minha infância, em Taperoá. Já

e depois mudou-se para o Recife, onde iniciou sua

o João Grilo é o típico nordestino ‘amarelo’, que tenta

vida literária, publicando poemas. Aqui ele explica a

sobreviver no sertão de forma imaginosa. Costumo

origem de suas obras: “Todas as histórias contadas

dizer que a astúcia é a coragem do pobre. O nome

por mim são recriações de histórias populares ou de

dele é uma homenagem ao personagem de cordel e

histórias pessoais. Eu tinha alguns encantamentos

a um vendedor de jornal astucioso que eu conheci na

na infância. Entre esses, os mais fortes eram o circo

década de 1950 e que tinha esse apelido”.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

um dos grandes impulsionadores dessas pesquisas

27


poesia (Marcus Accioly), no cinema, tanto em sua temática como em seu andamento ou nos títulos (“O País de São Saruê” de Wladimir Carvalho, além de Lima Barreto e especialmente Glauber Rocha em “Deus e o diabo na terra do sol” e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” etc.), na indústria fonográfica (Marcus Pereira, Musicolor etc.), ou em filme e disco combinados (“Nordeste: cordel, repente & canção”, de Tânia Quaresma). Enfim, uma apropriação erudita mais ampla do popular poderia ser indefinidamente arrolada para todos os setores da cultura: a grande maioria da literatura brasileira “culta” é caudatária dessas fontes populares, assim como as artes plásticas (Di Cavalcanti, Portinari, Carybé, Aldemir Martins, Samico etc.), a música erudita (Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Radamés Gnatali, Guerra Peixe, o Movimento Armorial etc.), a arquitetura decorativa e até mesmo a medicina. E, mais além disso tudo, que significam os inúmeros ensaios e dissertações ou teses de todos os matizes e inclinações que têm poesia popular, como, ao reunir em livro (1888)

atividade criativa alguns dos poetas populares mais

seus estudos sobre a poesia popular do Brasil,

representativos e mais famosos.

chega a afirmar: “O povo do interior ainda lê

Em suma, a força telúrica da LPV terminaria por

Popular em Verso? Deixo ao leitor o ofício de

muito as obras de que falamos, mas a decadência

suscitar o interesse dos eruditos em tomá-la como

refletir sobre a questão e lhe ofereço a arguta

por este lado é patente: os livros de cordel

objeto de estudo (Mário de Andrade, Câmara

observação deste grande estudioso que foi Michel

vão tendo menos extração, depois da grande

Cascudo, Gilberto Freyre, Cavalcante Proença,

de Certeau: “É no momento em que uma cultura

inundação dos jornais”.

Raymond Cantel e muitos outros até hoje). Ou pela

já não possui os meios de se defender que o

recriação da temática dos folhetos populares nos

etnólogo e o arqueólogo aparecem”.

Não é difícil imaginar o que diria o crítico

28

sergipano se tivesse alcançado a expansão do rádio

folhetins televisivos ou “novelas” (Dias Gomes, por

e da televisão. Seu vaticínio solene, contudo, não se

exemplo), na música (Gilberto Gil, Ednardo, Alceu

mostrou tão patente. Por ironia, não só os poetas

Valença, Antonio Nóbrega etc.), na prosa de ficção

populares se utilizaram amplamente das gráficas

(desde Franklin Távora até José Américo, José Lins

dos jornais para a realização de sua produção,

do Rego, Mário de Andrade, Graciliano Ramos,

como ainda os anos que se seguiram à sua profecia

Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa,

foram os mais fecundos dessa literatura e, em

Suassuna etc.), no teatro (João Cabral de Melo

1914, quando de sua morte, estavam em plena

Neto e outra vez Dias Gomes e Suassuna etc.), na

O doutor Eduardo Diatahy B. de Menezes é Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e titular de Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, da Academia Cearense de Letras, do Instituto Histórico do Ceará e da Academia Cearense de Ciências. Membro Titular da AISLF (Association Internationale des Sociologues de Langue Française) e pesquisador do CNPq.

*

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

sido produzidos atualmente sobre a Literatura

29


poesia (Marcus Accioly), no cinema, tanto em sua temática como em seu andamento ou nos títulos (“O País de São Saruê” de Wladimir Carvalho, além de Lima Barreto e especialmente Glauber Rocha em “Deus e o diabo na terra do sol” e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” etc.), na indústria fonográfica (Marcus Pereira, Musicolor etc.), ou em filme e disco combinados (“Nordeste: cordel, repente & canção”, de Tânia Quaresma). Enfim, uma apropriação erudita mais ampla do popular poderia ser indefinidamente arrolada para todos os setores da cultura: a grande maioria da literatura brasileira “culta” é caudatária dessas fontes populares, assim como as artes plásticas (Di Cavalcanti, Portinari, Carybé, Aldemir Martins, Samico etc.), a música erudita (Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Radamés Gnatali, Guerra Peixe, o Movimento Armorial etc.), a arquitetura decorativa e até mesmo a medicina. E, mais além disso tudo, que significam os inúmeros ensaios e dissertações ou teses de todos os matizes e inclinações que têm poesia popular, como, ao reunir em livro (1888)

atividade criativa alguns dos poetas populares mais

seus estudos sobre a poesia popular do Brasil,

representativos e mais famosos.

chega a afirmar: “O povo do interior ainda lê

Em suma, a força telúrica da LPV terminaria por

Popular em Verso? Deixo ao leitor o ofício de

muito as obras de que falamos, mas a decadência

suscitar o interesse dos eruditos em tomá-la como

refletir sobre a questão e lhe ofereço a arguta

por este lado é patente: os livros de cordel

objeto de estudo (Mário de Andrade, Câmara

observação deste grande estudioso que foi Michel

vão tendo menos extração, depois da grande

Cascudo, Gilberto Freyre, Cavalcante Proença,

de Certeau: “É no momento em que uma cultura

inundação dos jornais”.

Raymond Cantel e muitos outros até hoje). Ou pela

já não possui os meios de se defender que o

recriação da temática dos folhetos populares nos

etnólogo e o arqueólogo aparecem”.

Não é difícil imaginar o que diria o crítico

28

sergipano se tivesse alcançado a expansão do rádio

folhetins televisivos ou “novelas” (Dias Gomes, por

e da televisão. Seu vaticínio solene, contudo, não se

exemplo), na música (Gilberto Gil, Ednardo, Alceu

mostrou tão patente. Por ironia, não só os poetas

Valença, Antonio Nóbrega etc.), na prosa de ficção

populares se utilizaram amplamente das gráficas

(desde Franklin Távora até José Américo, José Lins

dos jornais para a realização de sua produção,

do Rego, Mário de Andrade, Graciliano Ramos,

como ainda os anos que se seguiram à sua profecia

Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa,

foram os mais fecundos dessa literatura e, em

Suassuna etc.), no teatro (João Cabral de Melo

1914, quando de sua morte, estavam em plena

Neto e outra vez Dias Gomes e Suassuna etc.), na

O doutor Eduardo Diatahy B. de Menezes é Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e titular de Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, da Academia Cearense de Letras, do Instituto Histórico do Ceará e da Academia Cearense de Ciências. Membro Titular da AISLF (Association Internationale des Sociologues de Langue Française) e pesquisador do CNPq.

*

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

sido produzidos atualmente sobre a Literatura

29


música

Uma nação de sons e ritmos Edson Natale*

31


música

Uma nação de sons e ritmos Edson Natale*

31


V

amos pegar um mapa do Brasil e imaginar que colocaremos um alfinete colorido para cada um dos lugares

onde existe festa com música. Certamente faltaria espaço para os alfinetes, com exceção da região norte do país, por causa do tamanho das florestas. Mesmo assim, poderíamos avistar “cachos” de alfinetes contrastando com o verde do mapa. Quem já foi para Macapá, por exemplo, lembra dos barcos saindo no final da tarde carregando carros, motos e as pessoas, claro, para as festas que acontecem nas ilhas espalhadas pelo rio Amazonas. Por ali, em Macapá mesmo, sempre haverá a possibilidade de acompanhar, no bairro do Laguinho, o marabaixo, o ritmo que imita os passos dos escravos com os pés presos por correntes. Comecei citando a música do Amapá para nos lembrarmos que não existe “apenas” a história da música feita no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em São Paulo, em Minas Gerais e na Bahia. A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada. Personagens como Hélio Mello, do Acre, Waldemar Henrique, do Pará, ou Paixão Cortes, do Rio Grande do Sul, apenas para citar alguns exemplos, devem Isso, para quem já é apaixonado por essa vastidão sonora, será motivo de múltiplas alegrias e descobertas de histórias ricas, rítmicas, diversas e melódicas em todos os estados.

32

A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

ocupar seu espaço na história da música brasileira.

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V

amos pegar um mapa do Brasil e imaginar que colocaremos um alfinete colorido para cada um dos lugares

onde existe festa com música. Certamente faltaria espaço para os alfinetes, com exceção da região norte do país, por causa do tamanho das florestas. Mesmo assim, poderíamos avistar “cachos” de alfinetes contrastando com o verde do mapa. Quem já foi para Macapá, por exemplo, lembra dos barcos saindo no final da tarde carregando carros, motos e as pessoas, claro, para as festas que acontecem nas ilhas espalhadas pelo rio Amazonas. Por ali, em Macapá mesmo, sempre haverá a possibilidade de acompanhar, no bairro do Laguinho, o marabaixo, o ritmo que imita os passos dos escravos com os pés presos por correntes. Comecei citando a música do Amapá para nos lembrarmos que não existe “apenas” a história da música feita no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em São Paulo, em Minas Gerais e na Bahia. A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada. Personagens como Hélio Mello, do Acre, Waldemar Henrique, do Pará, ou Paixão Cortes, do Rio Grande do Sul, apenas para citar alguns exemplos, devem Isso, para quem já é apaixonado por essa vastidão sonora, será motivo de múltiplas alegrias e descobertas de histórias ricas, rítmicas, diversas e melódicas em todos os estados.

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A história da música brasileira é tão vasta que ainda está por ser desvendada ou, no mínimo, compartilhada

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

ocupar seu espaço na história da música brasileira.

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Esta nação não é capaz de existir e viver sem música. Nossas diferentes regiões são habitadas por pessoas e suas crenças, virtudes e histórias; mas também pelo jongo, maracatu, samba, fandango, congada, folia de reis, umbigada, bumba-meu-boi, xote, choro, valsa, rasqueado, carimbó, marabaixo, ponteado, embolada e cururu, só para citar alguns. Não há metodologia ou tecnologia capaz de organizar a música brasileira estaticamente nas prateleiras de um museu porque a cada dia existe alguém “bebendo na fonte” e indo além. A sonoridade brasileira só está em crise para aqueles que se acostumaram ou acreditam na programação tradicional e viciada da maioria das rádios que continuam apostando na mesmice e na padronização, ou para os que seguem com os ouvidos descansados e descansando na poltrona da sala.

A nação da música

finais de semana, os violeiros, os churrascos com

A música é um dos principais combustíveis

chamamés, milongas e sanfonas, as serestas, as

ouvir o futuro da música brasileira por meio de

simbólicos do Brasil e temos uma tamanha

“bandas de garagem”, os encontros improvisados

uma viagem prazerosa, com roteiro divertido e

quantidade de ritmos, festas e tradições que,

dos rappers, emboladores e cantadores, sem

improvisado. Como diz o dito popular, sentiremos

neste exato momento em que você lê este texto,

contar os ensaios para que isso tudo aconteça. O

a necessidade de “fritar o peixe com um olho no

algumas delas estão em andamento ou em

caso é que, para o Brasil, a música é uma espécie

gato e o outro no frigideira”, neste caso, melhor

preparação, seja no meio de um vilarejo, na roça,

de argamassa que incessantemente segue sua sina

dizendo, com um olho no passado e o outro no

no sertão ou em um grande centro urbano.

e saga – “tijolo por tijolo num desenho mágico”

futuro. Vamos pegar o exemplo do pandeiro: de

– de construir casas, ocas, tabas, prédios, estradas,

Jackson do Pandeiro a Marcos Suzano e Guello,

com música, os nossos alfinetes também irão

caminhos, trilhas, quebradas, vilas, ruas, favelas,

parece que o dito cujo foi reinventado inúmeras

demarcar as apresentações musicais em teatros,

barracos e palafitas simbólicas onde habitam os

vezes, por meio de experiências e incorporações

centros culturais, bares e casas noturnas, os

desejos, tristezas, alegrias, esperanças, decepções,

rítmicas e tecnológicas. Na verdade, poderíamos

festivais, os concertos, as rodas de choro, de

lutas, vitórias, derrotas, criações e invenções dos

seguir com esse texto degustando saborosamente

violão, o samba e os pagodes que acontecem nos

habitantes deste país.

“somente” o pandeiro!

34

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Vamos imaginar então que, além das festas

Que me perdoem os pessimistas, mas podemos

35


Esta nação não é capaz de existir e viver sem música. Nossas diferentes regiões são habitadas por pessoas e suas crenças, virtudes e histórias; mas também pelo jongo, maracatu, samba, fandango, congada, folia de reis, umbigada, bumba-meu-boi, xote, choro, valsa, rasqueado, carimbó, marabaixo, ponteado, embolada e cururu, só para citar alguns. Não há metodologia ou tecnologia capaz de organizar a música brasileira estaticamente nas prateleiras de um museu porque a cada dia existe alguém “bebendo na fonte” e indo além. A sonoridade brasileira só está em crise para aqueles que se acostumaram ou acreditam na programação tradicional e viciada da maioria das rádios que continuam apostando na mesmice e na padronização, ou para os que seguem com os ouvidos descansados e descansando na poltrona da sala.

A nação da música

finais de semana, os violeiros, os churrascos com

A música é um dos principais combustíveis

chamamés, milongas e sanfonas, as serestas, as

ouvir o futuro da música brasileira por meio de

simbólicos do Brasil e temos uma tamanha

“bandas de garagem”, os encontros improvisados

uma viagem prazerosa, com roteiro divertido e

quantidade de ritmos, festas e tradições que,

dos rappers, emboladores e cantadores, sem

improvisado. Como diz o dito popular, sentiremos

neste exato momento em que você lê este texto,

contar os ensaios para que isso tudo aconteça. O

a necessidade de “fritar o peixe com um olho no

algumas delas estão em andamento ou em

caso é que, para o Brasil, a música é uma espécie

gato e o outro no frigideira”, neste caso, melhor

preparação, seja no meio de um vilarejo, na roça,

de argamassa que incessantemente segue sua sina

dizendo, com um olho no passado e o outro no

no sertão ou em um grande centro urbano.

e saga – “tijolo por tijolo num desenho mágico”

futuro. Vamos pegar o exemplo do pandeiro: de

– de construir casas, ocas, tabas, prédios, estradas,

Jackson do Pandeiro a Marcos Suzano e Guello,

com música, os nossos alfinetes também irão

caminhos, trilhas, quebradas, vilas, ruas, favelas,

parece que o dito cujo foi reinventado inúmeras

demarcar as apresentações musicais em teatros,

barracos e palafitas simbólicas onde habitam os

vezes, por meio de experiências e incorporações

centros culturais, bares e casas noturnas, os

desejos, tristezas, alegrias, esperanças, decepções,

rítmicas e tecnológicas. Na verdade, poderíamos

festivais, os concertos, as rodas de choro, de

lutas, vitórias, derrotas, criações e invenções dos

seguir com esse texto degustando saborosamente

violão, o samba e os pagodes que acontecem nos

habitantes deste país.

“somente” o pandeiro!

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Vamos imaginar então que, além das festas

Que me perdoem os pessimistas, mas podemos

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Instrumento de mil faces Um dos principais instrumentos do pessoal que mora

de tocar diferentes. A goiana, por exemplo, é feita com

no interior do Brasil, a viola tem inúmeros nomes:

a caixa sonora escavada na madeira, e a paulista tem

viola caipira, cabocla, sertaneja, chorosa, serena, de

uma espessura de caixa fina. Existem também aquelas

dez cordas, de pinho, de arame... Um pouco menor

feitas com latas, cabaças, bambu e até cascos de tatu.

que o violão, é geralmente feita de pinho ou jacarandá. A tradicional tem dez cordas dispostas (e tocadas)

tronco de madeira inteiriço chamada viola de cocho.

aos pares, mas é possível encontrar variações com

Esse instrumento é tão primitivo, que os estudiosos

até 14 cordas. Seu tamanho peculiar e a maneira de

defendem que veio diretamente do alaúde árabe.

tocar, que utiliza muito as cordas soltas, lhe conferem

Foi nesse estado que nasceram dois grandes nomes

um som único.

da viola brasileira, Almir Sater e Helena Meirelles.

A viola foi trazida ao Brasil pelos portugueses e

Unt nostismolut lor in hent laore velisim zzriliquis dolobore magna conseni

36

Analfabeta e autodidata, Helena ficou conhecida

se espalhou pelo país. Manteve sua estrutura básica,

apenas depois dos 60 anos. Em 1993, foi eleita pela

mas assumiu tradições musicais diferentes de acordo

conceituada revista americana Guitar Player uma das

com cada região. Hoje, em todos os cantos do Brasil

melhores instrumentistas do mundo. Ela morreu em

encontram-se violas de tipos, construções e modos

2005, aos 81 anos, e deixou quatro álbuns gravados.

Toninho Horta, Moacir Santos, Pixinguinha, Villa-

instrumentos possíveis, já que somos considerados

Lobos, Adoniran Barbosa, Egberto Gismonti,

uma das maiores escolas do mundo nesse

Capiba, Radamés Gnattali, Paulo Vanzolini, Tom

instrumento com Garoto, o Duo Assad, Raphael

Jobim, Elis Regina, Nelson Freire, Tom Zé, Hermeto

Rabello, Paulo Bellinati, Dino 7 Cordas, Canhoto

Pascoal, Jards Macalé, Chico Buarque de Hollanda,

da Paraíba, Dilermando Reis, Guinga, Nego Nelson

Maria Bethânia e Wilson das Neves são presente ou

e Yamandú Costa (e isso tudo sem contar aquele

futuro. Ao mesmo tempo podemos perceber que

violão que você tem ali, bem em cima do armário

trabalhos como os da Orquestra Imperial, Seu Jorge,

do seu quarto). Vejam a afirmação do violonista

Kleber Albuquerque, Quartchêto, Sueli Mesquita,

espanhol Paco de Lucia, um dos maiores do

Bossa CucaNova, B Negão, Fred Martins, Clube do

mundo, a respeito de Guinga: “Eu trocaria o meu

Balanço, Cidadão Instigado, Rappin Hood, Renato

universo musical pelo universo dele”. E pensar que

Braz, Macaco Bong e Z’ África Brasil representam e

Guinga, além de um gênio do violão, é dentista...

são o futuro porque souberam trafegar pelas fontes

O fato é que tradição e modernidade convivem

e picadas dos que vieram “antes” enquanto abriam

elegantemente entre músicos de diversas gerações.

os seus próprios caminhos, que são diferentes

E nesse universo paralelo, como diria Tim Maia, já

principalmente em razão das possibilidades

não é possível saber se Jorge Benjor, João Gilberto,

tecnológicas existentes hoje em dia.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

O violão é outro bom exemplo entre tantos

No Mato Grosso, há uma viola esculpida num

37


Instrumento de mil faces Um dos principais instrumentos do pessoal que mora

de tocar diferentes. A goiana, por exemplo, é feita com

no interior do Brasil, a viola tem inúmeros nomes:

a caixa sonora escavada na madeira, e a paulista tem

viola caipira, cabocla, sertaneja, chorosa, serena, de

uma espessura de caixa fina. Existem também aquelas

dez cordas, de pinho, de arame... Um pouco menor

feitas com latas, cabaças, bambu e até cascos de tatu.

que o violão, é geralmente feita de pinho ou jacarandá. A tradicional tem dez cordas dispostas (e tocadas)

tronco de madeira inteiriço chamada viola de cocho.

aos pares, mas é possível encontrar variações com

Esse instrumento é tão primitivo, que os estudiosos

até 14 cordas. Seu tamanho peculiar e a maneira de

defendem que veio diretamente do alaúde árabe.

tocar, que utiliza muito as cordas soltas, lhe conferem

Foi nesse estado que nasceram dois grandes nomes

um som único.

da viola brasileira, Almir Sater e Helena Meirelles.

A viola foi trazida ao Brasil pelos portugueses e

Unt nostismolut lor in hent laore velisim zzriliquis dolobore magna conseni

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Analfabeta e autodidata, Helena ficou conhecida

se espalhou pelo país. Manteve sua estrutura básica,

apenas depois dos 60 anos. Em 1993, foi eleita pela

mas assumiu tradições musicais diferentes de acordo

conceituada revista americana Guitar Player uma das

com cada região. Hoje, em todos os cantos do Brasil

melhores instrumentistas do mundo. Ela morreu em

encontram-se violas de tipos, construções e modos

2005, aos 81 anos, e deixou quatro álbuns gravados.

Toninho Horta, Moacir Santos, Pixinguinha, Villa-

instrumentos possíveis, já que somos considerados

Lobos, Adoniran Barbosa, Egberto Gismonti,

uma das maiores escolas do mundo nesse

Capiba, Radamés Gnattali, Paulo Vanzolini, Tom

instrumento com Garoto, o Duo Assad, Raphael

Jobim, Elis Regina, Nelson Freire, Tom Zé, Hermeto

Rabello, Paulo Bellinati, Dino 7 Cordas, Canhoto

Pascoal, Jards Macalé, Chico Buarque de Hollanda,

da Paraíba, Dilermando Reis, Guinga, Nego Nelson

Maria Bethânia e Wilson das Neves são presente ou

e Yamandú Costa (e isso tudo sem contar aquele

futuro. Ao mesmo tempo podemos perceber que

violão que você tem ali, bem em cima do armário

trabalhos como os da Orquestra Imperial, Seu Jorge,

do seu quarto). Vejam a afirmação do violonista

Kleber Albuquerque, Quartchêto, Sueli Mesquita,

espanhol Paco de Lucia, um dos maiores do

Bossa CucaNova, B Negão, Fred Martins, Clube do

mundo, a respeito de Guinga: “Eu trocaria o meu

Balanço, Cidadão Instigado, Rappin Hood, Renato

universo musical pelo universo dele”. E pensar que

Braz, Macaco Bong e Z’ África Brasil representam e

Guinga, além de um gênio do violão, é dentista...

são o futuro porque souberam trafegar pelas fontes

O fato é que tradição e modernidade convivem

e picadas dos que vieram “antes” enquanto abriam

elegantemente entre músicos de diversas gerações.

os seus próprios caminhos, que são diferentes

E nesse universo paralelo, como diria Tim Maia, já

principalmente em razão das possibilidades

não é possível saber se Jorge Benjor, João Gilberto,

tecnológicas existentes hoje em dia.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

O violão é outro bom exemplo entre tantos

No Mato Grosso, há uma viola esculpida num

37


Há pouco mais de dez anos as possibilidades para a difusão em massa da música eram o rádio, a TV e o disco. Recentemente isso foi pelos ares com a chegada de Napster, telefonia celular, iTunes, MySpace, YouTube, sites, blogs, podcasts, além da multiplicação das possibilidades das TVs aberta e a cabo, rádios (AM, FM, comunitários, livres ou virtuais) e discos, com suas possibilidades de serem lançados por grandes gravadoras, pelas independentes, por cooperativas ou por artistas autônomos. É claro que existe uma série de análises políticas, jurídicas e econômicas a serem feitas: o jornalista Luis Nassif, por exemplo, costuma dizer que o

Nas últimas duas décadas o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat, pelo rap e pela força da música amazônica

produto com maior valor agregado do Brasil é a música brasileira, mas o que queremos abordar aqui é que esta crise da indústria e do suporte da música (LP, CD ou MP3) foi interpretada como uma crise criativa na música. O que não é verdade. Nas últimas duas décadas (antes mesmo da tal crise a que me referi) o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat de Chico Science & Cia, pelo rap dos Racionais MC, MV Bill e Rappin Hood, pela força da música amazônica representada pelo Trio do Rio Grande do Sul, pelos grupos e artistas que chegaram com novos (e antigos também) choros e sambas na Lapa carioca, pelos mais de dois milhões de acessos que a jovem Mallú Magalhães teve no MySpace, ou pelo amadurecimento e a expansão dos veículos especializados em música e comportamento, como o Guia VivaMúsica!

38

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Manari, pela estética do frio de Vitor Ramil, vinda

39


Há pouco mais de dez anos as possibilidades para a difusão em massa da música eram o rádio, a TV e o disco. Recentemente isso foi pelos ares com a chegada de Napster, telefonia celular, iTunes, MySpace, YouTube, sites, blogs, podcasts, além da multiplicação das possibilidades das TVs aberta e a cabo, rádios (AM, FM, comunitários, livres ou virtuais) e discos, com suas possibilidades de serem lançados por grandes gravadoras, pelas independentes, por cooperativas ou por artistas autônomos. É claro que existe uma série de análises políticas, jurídicas e econômicas a serem feitas: o jornalista Luis Nassif, por exemplo, costuma dizer que o

Nas últimas duas décadas o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat, pelo rap e pela força da música amazônica

produto com maior valor agregado do Brasil é a música brasileira, mas o que queremos abordar aqui é que esta crise da indústria e do suporte da música (LP, CD ou MP3) foi interpretada como uma crise criativa na música. O que não é verdade. Nas últimas duas décadas (antes mesmo da tal crise a que me referi) o Brasil foi chacoalhado pelo mangue beat de Chico Science & Cia, pelo rap dos Racionais MC, MV Bill e Rappin Hood, pela força da música amazônica representada pelo Trio do Rio Grande do Sul, pelos grupos e artistas que chegaram com novos (e antigos também) choros e sambas na Lapa carioca, pelos mais de dois milhões de acessos que a jovem Mallú Magalhães teve no MySpace, ou pelo amadurecimento e a expansão dos veículos especializados em música e comportamento, como o Guia VivaMúsica!

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Manari, pela estética do frio de Vitor Ramil, vinda

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Existem alguns nós históricos na circulação da música, na elaboração de circuitos, nas políticas de ensino e de apoio, mas o que impressiona é a vitalidade da nossa música. Se hoje você tiver a oportunidade de assistir a um show (altamente recomendável) de uma banda com o inusitado nome de Móveis Coloniais de Acaju, verá que, apesar de nunca tê-la visto na TV ou ouvido no rádio, o teatro, bar ou festival estará lotado, com a maioria das pessoas cantando a letra junto com a banda. O mesmo acontecerá se você estiver em uma apresentação de Vander Lee, Renato Braz ou Ceumar, que, apesar de tocarem em algumas rádios, são desconhecidos do grande

Das festas ao celular, da internet aos elevadores, dos aeroportos aos quiosques, nada funciona sem música

público; ou ainda pela viola brasileira que ingressa

Paulistinha, Riachão, Maxambomba, que serve

definitivamente nas Salas de Concerto com Roberto

ao rock e à dança catira, ao Saci e ao chip.

40

Ao mesmo tempo em que falamos de crise

rock-n’-roll com o Matuto Moderno. É a mesma

de suporte ou na música, contraditoriamente

viola, introduzida no Brasil no início da colonização,

parece que nada funciona sem música: das

trazida por colonos e jesuítas portugueses,

festas ao celular; da internet aos elevadores,

tornando-se quase parte da paisagem da roça e

dos quiosques das praias aos aeroportos, às

do sertão. Tão íntima que parece que cada qual

rodoviárias e aos estacionamentos, da publicidade

quis lhe dar uma afinação característica com

às carreatas e passeatas. Além disso, existem hoje

nomes como Cebolão, São João, Oitavada, Itabira,

inúmeros festivais espalhados pelo Brasil que

Do-Meio, Rio Abaixo, De-Ponto, Guitarra Inteira,

são realizados pelos governos, como é o caso do

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Correa, Paulo Freire, Ivan Villela, e também no

41


Existem alguns nós históricos na circulação da música, na elaboração de circuitos, nas políticas de ensino e de apoio, mas o que impressiona é a vitalidade da nossa música. Se hoje você tiver a oportunidade de assistir a um show (altamente recomendável) de uma banda com o inusitado nome de Móveis Coloniais de Acaju, verá que, apesar de nunca tê-la visto na TV ou ouvido no rádio, o teatro, bar ou festival estará lotado, com a maioria das pessoas cantando a letra junto com a banda. O mesmo acontecerá se você estiver em uma apresentação de Vander Lee, Renato Braz ou Ceumar, que, apesar de tocarem em algumas rádios, são desconhecidos do grande

Das festas ao celular, da internet aos elevadores, dos aeroportos aos quiosques, nada funciona sem música

público; ou ainda pela viola brasileira que ingressa

Paulistinha, Riachão, Maxambomba, que serve

definitivamente nas Salas de Concerto com Roberto

ao rock e à dança catira, ao Saci e ao chip.

40

Ao mesmo tempo em que falamos de crise

rock-n’-roll com o Matuto Moderno. É a mesma

de suporte ou na música, contraditoriamente

viola, introduzida no Brasil no início da colonização,

parece que nada funciona sem música: das

trazida por colonos e jesuítas portugueses,

festas ao celular; da internet aos elevadores,

tornando-se quase parte da paisagem da roça e

dos quiosques das praias aos aeroportos, às

do sertão. Tão íntima que parece que cada qual

rodoviárias e aos estacionamentos, da publicidade

quis lhe dar uma afinação característica com

às carreatas e passeatas. Além disso, existem hoje

nomes como Cebolão, São João, Oitavada, Itabira,

inúmeros festivais espalhados pelo Brasil que

Do-Meio, Rio Abaixo, De-Ponto, Guitarra Inteira,

são realizados pelos governos, como é o caso do

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Correa, Paulo Freire, Ivan Villela, e também no

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Festival de Campos do Jordão, em São Paulo, por

somente em 1963. Foi capaz de guardar na

exemplo, festivais como o Música Nova, dedicado

garganta, na memória e no coração um elo da

Enquanto nos aquecemos para outras

à música contemporânea e que é realizado

história de uma nação misturada e entrelaçada com

tantas possíveis viagens musicais,

fundamentalmente pela dedicação e obstinação

a África. Ou a história de Cartola, cujo centenário

sugiro um abastecimento nos

do compositor Flô Menezes, ou os festivais como o

de nascimento comemoramos em 2008. Ou as

seguintes postos:

Calango, no Mato Grosso, Goiânia Noise, em Goiás,

obras de Nei Lopes, Ilê Aiyê, Mart’nália, Olodum,

www.abmi.com.br

Varadouro, no Acre, Do Sol, no Rio Grande do

Geraldo Filme, Rappin Hood, Pixinguinha, Sandra

www.abmusica.org.br

Norte, ou DemoSul, no Paraná, só para citar alguns.

de Sá, José Maurício Nunes Garcia, Moacir Santos,

www.bocadaforte.com.br

Itamar Assumpção, MV Bill, Luis Melodia, Ismael

www.abrafin.org

sempre reveladora e parece um livro interminável

Silva, Mano Brown, Milton Nascimento, Johnny

www.cachuera.org.br

de história e melodia, prosa e determinação. Um

Alf, Sinhô, Assis Valente, Samba Coco Raízes de

www.clubedochoro.com.br

exemplo? Como explicar Clementina de Jesus?

Arcoverde, Fabiana Cozza, Lia de Itamaracá, Jongo

www.clubedovioleirocaipira.com.br

Deusa negra, Rainha Quelé nascida em 1901 e

da Serrinha e Thereza Cristina. Por falar nisso, como

www.dicionariompb.com.br

revelada ao Brasil por Hermínio Bello de Carvalho

seria a nossa música sem a existência da África?

www.dynamite.terra.com.br

O fato é que a viagem pela música brasileira é

www.funarte.gov.br www.gafieiras.com.br www.hutuz.com.br www.itaucultural.org.br Cheguei à conclusão de que escrever ou conversar

www.cultura.gov.br

sobre a música brasileira é uma espécie de exercício

www.overmundo.com.br

de esquecimento porque, depois de chegarmos

www.samba-choro.com.br

juntos até quase o fim deste texto, você deve estar se

www.sbme.com.br

perguntado: ele não vai falar nada de Dorival Caymmi,

www.senhorf.com.br

Curumim, Capitão Furtado, Silvio Caldas, Camargo

www.ufrj.br/abet

Guarnieri, Paulinho da Viola, Teixeirinha, Renato Russo, Braguinha, Lenine, Chiquinha Gonzaga, Renato Borguetti, Raul Seixas, Roberto Carlos, Zélia Duncan ou Elizeth Cardoso? Confesso que fico tentado, mas o espaço é pequeno e, mesmo que conseguíssemos falar um pouco a respeito deles, teríamos sempre outro time de estrelas pronto para entrar em campo.

Edson Natale é músico, produtor cultural, escritor e gerente do núcleo de música do Itaú Cultural

*

42

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

A viagem pela música brasileira é sempre reveladora e parece um livro interminável de história e melodia, prosa e determinação

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Festival de Campos do Jordão, em São Paulo, por

somente em 1963. Foi capaz de guardar na

exemplo, festivais como o Música Nova, dedicado

garganta, na memória e no coração um elo da

Enquanto nos aquecemos para outras

à música contemporânea e que é realizado

história de uma nação misturada e entrelaçada com

tantas possíveis viagens musicais,

fundamentalmente pela dedicação e obstinação

a África. Ou a história de Cartola, cujo centenário

sugiro um abastecimento nos

do compositor Flô Menezes, ou os festivais como o

de nascimento comemoramos em 2008. Ou as

seguintes postos:

Calango, no Mato Grosso, Goiânia Noise, em Goiás,

obras de Nei Lopes, Ilê Aiyê, Mart’nália, Olodum,

www.abmi.com.br

Varadouro, no Acre, Do Sol, no Rio Grande do

Geraldo Filme, Rappin Hood, Pixinguinha, Sandra

www.abmusica.org.br

Norte, ou DemoSul, no Paraná, só para citar alguns.

de Sá, José Maurício Nunes Garcia, Moacir Santos,

www.bocadaforte.com.br

Itamar Assumpção, MV Bill, Luis Melodia, Ismael

www.abrafin.org

sempre reveladora e parece um livro interminável

Silva, Mano Brown, Milton Nascimento, Johnny

www.cachuera.org.br

de história e melodia, prosa e determinação. Um

Alf, Sinhô, Assis Valente, Samba Coco Raízes de

www.clubedochoro.com.br

exemplo? Como explicar Clementina de Jesus?

Arcoverde, Fabiana Cozza, Lia de Itamaracá, Jongo

www.clubedovioleirocaipira.com.br

Deusa negra, Rainha Quelé nascida em 1901 e

da Serrinha e Thereza Cristina. Por falar nisso, como

www.dicionariompb.com.br

revelada ao Brasil por Hermínio Bello de Carvalho

seria a nossa música sem a existência da África?

www.dynamite.terra.com.br

O fato é que a viagem pela música brasileira é

www.funarte.gov.br www.gafieiras.com.br www.hutuz.com.br www.itaucultural.org.br Cheguei à conclusão de que escrever ou conversar

www.cultura.gov.br

sobre a música brasileira é uma espécie de exercício

www.overmundo.com.br

de esquecimento porque, depois de chegarmos

www.samba-choro.com.br

juntos até quase o fim deste texto, você deve estar se

www.sbme.com.br

perguntado: ele não vai falar nada de Dorival Caymmi,

www.senhorf.com.br

Curumim, Capitão Furtado, Silvio Caldas, Camargo

www.ufrj.br/abet

Guarnieri, Paulinho da Viola, Teixeirinha, Renato Russo, Braguinha, Lenine, Chiquinha Gonzaga, Renato Borguetti, Raul Seixas, Roberto Carlos, Zélia Duncan ou Elizeth Cardoso? Confesso que fico tentado, mas o espaço é pequeno e, mesmo que conseguíssemos falar um pouco a respeito deles, teríamos sempre outro time de estrelas pronto para entrar em campo.

Edson Natale é músico, produtor cultural, escritor e gerente do núcleo de música do Itaú Cultural

*

42

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

A viagem pela música brasileira é sempre reveladora e parece um livro interminável de história e melodia, prosa e determinação

43


danças e festejos

Um mundo de passos e movimentos Antônio Nóbrega*

45


danças e festejos

Um mundo de passos e movimentos Antônio Nóbrega*

45


estão presentes o maracatu, a congada, a moçambique, os caboclinhos, entre outras. São danças que acontecem durante o percurso do cortejo, em determinadas festas. Nelas, a presença da herança africana pode ser percebida, principalmente pela percussão, os tambores ou alfaias, como são chamados em Pernambuco. Essa herança africana no cortejo se ampliou aqui por meio de um procedimento promovido pela própria corte portuguesa. Para que os negros não criassem movimentos rebeldes, os portugueses incentivavam a coroação de um rei negro, o rei Congo, como uma maneira de calar a revolta e manter uma liderança sobre os escravos. A coroação era feita com festas e pompas dentro das igrejas católicas, e se tornou uma das manifestações do sincretismo religioso no país. No Brasil, esse cortejo negro também absorveu

os elementos emblemáticos e simbólicos da corte portuguesa, como a representação do embaixador,

espetáculos em que a dança está

as danças populares foram pouco estudadas e

presente têm uma base tradicional muito

são bastante variadas Brasil afora, por isso, a

forte. Ela remete a heranças culturais dos indígenas

nomenclatura muda muito. Um bom exemplo é

e dos negros, com suas várias etnias, e também dos

a palavra “samba”. Para nós, é um ritmo e uma

lusitanos, que já vieram com um grande amálgama

dança com características fáceis de identificar.

cultural, pois a Península Ibérica é a região mais

Mas, em muitas regiões do Nordeste, existe o

afastada do coração da Europa e a mais próxima

samba de parelha, o samba de maracatu, o samba

do norte da África. Na época da colonização,

de cavalo-marinho... A palavra “samba” tinha um

todas essas heranças culturais em que a dança

sentido anterior ao gênero musical, era sinônimo

estava presente tinham ainda uma ligação com o

de festa, de brincadeira. Quando chegou ao Rio,

religioso, mesmo aquelas de caráter marcial, como

transformou-se num gênero e manteve o nome,

a capoeira. Depois, foram adquirindo uma feição

que adquiriu outro significado.

mais profana. São essas heranças muito antigas

46

Antes de continuar, é preciso deixar claro que

As danças brasileiras podem ser dividas em

que formaram danças como caboclinho, maracatu,

três grupos: o universo dos cortejos, folguedos de

capoeira, bumba-meu-boi, frevo, folia de reis...

espetáculos e danças tradicionais. No primeiro,

do rei, da rainha e das damas do passo, por exemplo. No entanto, a música possuía caráter africano e muitas das cantigas eram entoadas em línguas nativas. Já os passos da movimentação do cortejo continham elementos negros, mas com contaminação ibérica.

São heranças antigas, dos índios, negros e imigrantes que formaram as danças brasileiras

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

N

o Brasil, as danças populares ou os

47


estão presentes o maracatu, a congada, a moçambique, os caboclinhos, entre outras. São danças que acontecem durante o percurso do cortejo, em determinadas festas. Nelas, a presença da herança africana pode ser percebida, principalmente pela percussão, os tambores ou alfaias, como são chamados em Pernambuco. Essa herança africana no cortejo se ampliou aqui por meio de um procedimento promovido pela própria corte portuguesa. Para que os negros não criassem movimentos rebeldes, os portugueses incentivavam a coroação de um rei negro, o rei Congo, como uma maneira de calar a revolta e manter uma liderança sobre os escravos. A coroação era feita com festas e pompas dentro das igrejas católicas, e se tornou uma das manifestações do sincretismo religioso no país. No Brasil, esse cortejo negro também absorveu

os elementos emblemáticos e simbólicos da corte portuguesa, como a representação do embaixador,

espetáculos em que a dança está

as danças populares foram pouco estudadas e

presente têm uma base tradicional muito

são bastante variadas Brasil afora, por isso, a

forte. Ela remete a heranças culturais dos indígenas

nomenclatura muda muito. Um bom exemplo é

e dos negros, com suas várias etnias, e também dos

a palavra “samba”. Para nós, é um ritmo e uma

lusitanos, que já vieram com um grande amálgama

dança com características fáceis de identificar.

cultural, pois a Península Ibérica é a região mais

Mas, em muitas regiões do Nordeste, existe o

afastada do coração da Europa e a mais próxima

samba de parelha, o samba de maracatu, o samba

do norte da África. Na época da colonização,

de cavalo-marinho... A palavra “samba” tinha um

todas essas heranças culturais em que a dança

sentido anterior ao gênero musical, era sinônimo

estava presente tinham ainda uma ligação com o

de festa, de brincadeira. Quando chegou ao Rio,

religioso, mesmo aquelas de caráter marcial, como

transformou-se num gênero e manteve o nome,

a capoeira. Depois, foram adquirindo uma feição

que adquiriu outro significado.

mais profana. São essas heranças muito antigas

46

Antes de continuar, é preciso deixar claro que

As danças brasileiras podem ser dividas em

que formaram danças como caboclinho, maracatu,

três grupos: o universo dos cortejos, folguedos de

capoeira, bumba-meu-boi, frevo, folia de reis...

espetáculos e danças tradicionais. No primeiro,

do rei, da rainha e das damas do passo, por exemplo. No entanto, a música possuía caráter africano e muitas das cantigas eram entoadas em línguas nativas. Já os passos da movimentação do cortejo continham elementos negros, mas com contaminação ibérica.

São heranças antigas, dos índios, negros e imigrantes que formaram as danças brasileiras

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

N

o Brasil, as danças populares ou os

47


Não existe no Brasil nenhuma manifestação folclórica ou um espetáculo popular que seja 100% ibérico ou 100% negro. Mesmo o candomblé aqui já adquiriu outro caráter, sincrético, devido à Igreja Católica. Outras formas de cortejo trazidas pelos portugueses foram as janeiras e as reisadas. Nelas, os grupos iam de casa em casa pedindo dinheiro e comida para os presépios e as festas, na natividade. O interessante é que o período em que elas acontecem, no final do ano, coincide com o solstício de inverno e, se formos olhar lá atrás no tempo, vamos perceber que o cristianismo se apropriou de certas festas pagãs muito anteriores a ele. Esses cortejos se espalharam pelo Brasil e se modificaram bastante. As reisadas e janeiras passaram a ser chamadas de folias de reis e muitas vezes assimilaram pequenas histórias dramatizadas, como os mistérios medievais, que a princípio tinham temas religiosos. Em algum momento, seguindo o próprio espírito da festa, certos foliões começaram a fazer cantos e danças em louvor ao Menino e, talvez motivados pela catequese,

As reisadas e janeiras assimilaram pequenas histórias dramatizadas

48

que eram romances, narrativas tradicionais

Os bois

em versos, tornaram-se profanas e passaram a

No segundo grupo das danças populares do Brasil,

ser chamadas de entremeios. Daí nasceram os

estão as da família do folguedo de espetáculo,

reisados, por exemplo, José do Vale, Borboleta,

onde se encontram o bumba-meu-boi, como é

Pica-pau, em que os grupos de dançantes faziam

chamado no Maranhão, boi-bumbá, no Pará, boi-

sua procissão e, em algum momento, paravam na

de-mamão, em Santa Catarina, cavalo-marinho,

frente de uma casa e representavam a história dos

na Zona da Mata pernambucana e Paraíba,

personagens. Mais tarde, esse festejo se modificou

boi-calemba, no Rio Grande do Norte, boi-de-

e a dramaturgia assumiu maior importância. Hoje

reis, no Rio de Janeiro, entre outros, todas com

os espetáculos se tornaram teatrais e, às vezes,

a mesma origem. A Igreja Católica foi uma das

duram a noite toda. As danças e os cantos são

disseminadoras desses folguedos, já que todos têm

apenas uma parte da apresentação.

uma base no mito agrário da morte e ressurreição

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

a contar histórias. Com o tempo, essas histórias,

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Não existe no Brasil nenhuma manifestação folclórica ou um espetáculo popular que seja 100% ibérico ou 100% negro. Mesmo o candomblé aqui já adquiriu outro caráter, sincrético, devido à Igreja Católica. Outras formas de cortejo trazidas pelos portugueses foram as janeiras e as reisadas. Nelas, os grupos iam de casa em casa pedindo dinheiro e comida para os presépios e as festas, na natividade. O interessante é que o período em que elas acontecem, no final do ano, coincide com o solstício de inverno e, se formos olhar lá atrás no tempo, vamos perceber que o cristianismo se apropriou de certas festas pagãs muito anteriores a ele. Esses cortejos se espalharam pelo Brasil e se modificaram bastante. As reisadas e janeiras passaram a ser chamadas de folias de reis e muitas vezes assimilaram pequenas histórias dramatizadas, como os mistérios medievais, que a princípio tinham temas religiosos. Em algum momento, seguindo o próprio espírito da festa, certos foliões começaram a fazer cantos e danças em louvor ao Menino e, talvez motivados pela catequese,

As reisadas e janeiras assimilaram pequenas histórias dramatizadas

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que eram romances, narrativas tradicionais

Os bois

em versos, tornaram-se profanas e passaram a

No segundo grupo das danças populares do Brasil,

ser chamadas de entremeios. Daí nasceram os

estão as da família do folguedo de espetáculo,

reisados, por exemplo, José do Vale, Borboleta,

onde se encontram o bumba-meu-boi, como é

Pica-pau, em que os grupos de dançantes faziam

chamado no Maranhão, boi-bumbá, no Pará, boi-

sua procissão e, em algum momento, paravam na

de-mamão, em Santa Catarina, cavalo-marinho,

frente de uma casa e representavam a história dos

na Zona da Mata pernambucana e Paraíba,

personagens. Mais tarde, esse festejo se modificou

boi-calemba, no Rio Grande do Norte, boi-de-

e a dramaturgia assumiu maior importância. Hoje

reis, no Rio de Janeiro, entre outros, todas com

os espetáculos se tornaram teatrais e, às vezes,

a mesma origem. A Igreja Católica foi uma das

duram a noite toda. As danças e os cantos são

disseminadoras desses folguedos, já que todos têm

apenas uma parte da apresentação.

uma base no mito agrário da morte e ressurreição

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

a contar histórias. Com o tempo, essas histórias,

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do boi. Uma representação da história do boi sempre fechava os espetáculos populares e os cortejos. Apesar das origens comuns, em cada região temos especificidades. Em todos os folguedos, de norte a sul, existe, por exemplo, a figura do capitão montado em um cavalo. Só no cavalo-

Nas danças de batuque é representado o confronto entre o homem e a mulher

marinho, porém, temos as figuras das damas e dos galantes, que eram representados apenas por homens porque as mulheres não podiam participar. Já no Cariri, no Ceará, esse festejo tem o nome de figural, devido às figuras que são representadas. No boi do Maranhão, os atores usam cocares muito ricos, uma contaminação do universo indígena que mudou a indumentária do festejo, com uma influência dos franceses na sua riqueza.

Nasce um ritmo

Ainda dentro dessa família, temos juntamente

Quando chegou ao Brasil, vinda de Angola, na

lutadores de capoeira eram chamados pelos regentes

África, a capoeira era uma espécie de jogo marcial,

das bandas para proteger os músicos tanto dos outros

folgazões, que representam personagens de ordem

com movimentos inspirados nos animais, que por

músicos como da multidão. Essas bandas tocavam

mítica e arquetípica. É uma dança dramática, que

aqui foi usado contra a violência e a repressão dos

dobrados, maxixes e valsas, entre outros ritmos. Com o

conta sempre com a figura

colonizadores. Como os senhores de engenho proibiam

tempo, os capoeiras que as acompanhavam passaram

do valentão, de palhaços, velhas e animais.

qualquer tipo de luta entre os escravos, os passos

a desdobrar o movimento da luta em movimentos de

acabaram sendo adaptados para uma espécie de dança

dança, e as bandas também começaram a modificar o

batuque, como o coco-de-roda e o tambor-de-

marcial que era reproduzida nos terreiros próximos às

seu jeito de tocar. Quando as bandas saíam no período

crioula, em que a música é sempre produzida

senzalas. Com a libertação dos escravos, a capoeira

do carnaval, os movimentos eram seguidos pela

com tambores batidos com a mão. Todas elas

passou a ser apresentada em praça pública em troca

população. Dessa forma, nasceu um novo tipo de dança:

contam com a presença da punga, ou umbigada,

de dinheiro e utilizada por ladrões negros e brancos.

o frevo. A dança assumiu esse nome porque diziam que

que é o convite para que a pessoa entre na roda.

Assim, em 1890, a capoeira foi perseguida e proibida

a música fervia, e passaram a chamar o descampado

Eram danças de pares, mas que se desenvolveram

legalmente em todo o país.

onde a maçaroca de gente pulava de fervedouro ou,

Um terceiro grupo de danças é a família do

de modo diferente pelas regiões do país, com

por corruptela, frevedouro, com o “r” deslocado. Foi

cantigas, ritmos e formas coreográficas diversas,

politizada, tinha várias bandas de corporações militares

assim que se formataram um novo gênero de música e

até chegar à punga. Em algumas regiões,

ligadas a partidos políticos. Todas as vezes que se

uma dança muito rica no repertório dos passos. Com o

inclusive, tornaram-se exclusivamente femininas,

encontravam nas ruas, havia provocações e brigas entre

tempo, tanto a capoeira como o frevo se modificaram,

dados os abusos cometidos pelos homens.

os participantes. Por isso, apesar de serem proibidos, os

mas continuam muito vivas nos dias de hoje.

No entanto, em todas elas é representado o confronto entre o homem e a mulher e todas têm um caráter dionisíaco. 50

Nessa época, a cidade do Recife, que era muito

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

com os bois também a dança dos brincantes ou

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do boi. Uma representação da história do boi sempre fechava os espetáculos populares e os cortejos. Apesar das origens comuns, em cada região temos especificidades. Em todos os folguedos, de norte a sul, existe, por exemplo, a figura do capitão montado em um cavalo. Só no cavalo-

Nas danças de batuque é representado o confronto entre o homem e a mulher

marinho, porém, temos as figuras das damas e dos galantes, que eram representados apenas por homens porque as mulheres não podiam participar. Já no Cariri, no Ceará, esse festejo tem o nome de figural, devido às figuras que são representadas. No boi do Maranhão, os atores usam cocares muito ricos, uma contaminação do universo indígena que mudou a indumentária do festejo, com uma influência dos franceses na sua riqueza.

Nasce um ritmo

Ainda dentro dessa família, temos juntamente

Quando chegou ao Brasil, vinda de Angola, na

lutadores de capoeira eram chamados pelos regentes

África, a capoeira era uma espécie de jogo marcial,

das bandas para proteger os músicos tanto dos outros

folgazões, que representam personagens de ordem

com movimentos inspirados nos animais, que por

músicos como da multidão. Essas bandas tocavam

mítica e arquetípica. É uma dança dramática, que

aqui foi usado contra a violência e a repressão dos

dobrados, maxixes e valsas, entre outros ritmos. Com o

conta sempre com a figura

colonizadores. Como os senhores de engenho proibiam

tempo, os capoeiras que as acompanhavam passaram

do valentão, de palhaços, velhas e animais.

qualquer tipo de luta entre os escravos, os passos

a desdobrar o movimento da luta em movimentos de

acabaram sendo adaptados para uma espécie de dança

dança, e as bandas também começaram a modificar o

batuque, como o coco-de-roda e o tambor-de-

marcial que era reproduzida nos terreiros próximos às

seu jeito de tocar. Quando as bandas saíam no período

crioula, em que a música é sempre produzida

senzalas. Com a libertação dos escravos, a capoeira

do carnaval, os movimentos eram seguidos pela

com tambores batidos com a mão. Todas elas

passou a ser apresentada em praça pública em troca

população. Dessa forma, nasceu um novo tipo de dança:

contam com a presença da punga, ou umbigada,

de dinheiro e utilizada por ladrões negros e brancos.

o frevo. A dança assumiu esse nome porque diziam que

que é o convite para que a pessoa entre na roda.

Assim, em 1890, a capoeira foi perseguida e proibida

a música fervia, e passaram a chamar o descampado

Eram danças de pares, mas que se desenvolveram

legalmente em todo o país.

onde a maçaroca de gente pulava de fervedouro ou,

Um terceiro grupo de danças é a família do

de modo diferente pelas regiões do país, com

por corruptela, frevedouro, com o “r” deslocado. Foi

cantigas, ritmos e formas coreográficas diversas,

politizada, tinha várias bandas de corporações militares

assim que se formataram um novo gênero de música e

até chegar à punga. Em algumas regiões,

ligadas a partidos políticos. Todas as vezes que se

uma dança muito rica no repertório dos passos. Com o

inclusive, tornaram-se exclusivamente femininas,

encontravam nas ruas, havia provocações e brigas entre

tempo, tanto a capoeira como o frevo se modificaram,

dados os abusos cometidos pelos homens.

os participantes. Por isso, apesar de serem proibidos, os

mas continuam muito vivas nos dias de hoje.

No entanto, em todas elas é representado o confronto entre o homem e a mulher e todas têm um caráter dionisíaco. 50

Nessa época, a cidade do Recife, que era muito

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

com os bois também a dança dos brincantes ou

51


Uma dança brasileira As danças tradicionais estão contidas nesse universo, mas ainda não podemos falar que existe uma dança brasileira, assim como existe uma literatura ou uma música popular brasileira. Somos capazes de citar vários de nossos artistas que fizeram a ligação entre o tradicional e o contemporâneo, criando uma arte brasileira em suas áreas. Não teríamos um Paulinho da Viola ou um Chico Buarque se não fosse o samba, nem um Villa-Lobos, um Ariano Suassuna ou um Glauber Rocha se não tivéssemos uma cultura tradicional. Na dança, existe no Brasil um conjunto de manifestações variadas, com um repertório muito rico de movimentos, passos e procedimentos. Isso, porém, não foi assimilado pela cultura oficial. Não há uma dança com identidade brasileira; só uma dança contemporânea, específica, ou as danças folclóricas. Historicamente, existe uma tendência ou à folclorização da cultura – o que é perigoso porque dá a ela uma dimensão passageira, artificial, de algo exótico –, ou de os coreógrafos trilharem o caminho de absorver as danças tradicionais e colocá-las no palco com um rigor técnico melhor, como o balé popular da Bahia ou o de Recife. Algumas pessoas também tentam uma simbiose dessa dança tradicional com a dança um olhar em relação à dança brasileira.

Ainda não podemos dizer que existe uma dança brasileira

52

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

contemporânea. São caminhos que já acusam

53


Uma dança brasileira As danças tradicionais estão contidas nesse universo, mas ainda não podemos falar que existe uma dança brasileira, assim como existe uma literatura ou uma música popular brasileira. Somos capazes de citar vários de nossos artistas que fizeram a ligação entre o tradicional e o contemporâneo, criando uma arte brasileira em suas áreas. Não teríamos um Paulinho da Viola ou um Chico Buarque se não fosse o samba, nem um Villa-Lobos, um Ariano Suassuna ou um Glauber Rocha se não tivéssemos uma cultura tradicional. Na dança, existe no Brasil um conjunto de manifestações variadas, com um repertório muito rico de movimentos, passos e procedimentos. Isso, porém, não foi assimilado pela cultura oficial. Não há uma dança com identidade brasileira; só uma dança contemporânea, específica, ou as danças folclóricas. Historicamente, existe uma tendência ou à folclorização da cultura – o que é perigoso porque dá a ela uma dimensão passageira, artificial, de algo exótico –, ou de os coreógrafos trilharem o caminho de absorver as danças tradicionais e colocá-las no palco com um rigor técnico melhor, como o balé popular da Bahia ou o de Recife. Algumas pessoas também tentam uma simbiose dessa dança tradicional com a dança um olhar em relação à dança brasileira.

Ainda não podemos dizer que existe uma dança brasileira

52

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

contemporânea. São caminhos que já acusam

53


O meu olhar é diferente. O conjunto dessas

A dança clássica, por exemplo, não tem o mesmo

danças tradicionais tem condições de orientar e

significado na Europa, na China, na Índia ou no

fundamentar um pensamento de dança brasileira.

Brasil. As formas do balé clássico dizem respeito

É possível organizar esse universo dentro de

à cabeça do homem europeu. Na Índia, existem

uma estrutura que lhe dê unidade, como uma

três tipos de danças tão ou mais complexas do

linguagem. Venho trabalhando para fazer uma

que a clássica que conhecemos. Mas, e no Brasil,

dança que não é nem cavalo-marinho, nem frevo,

como podemos expressar por meio da dança os

nem capoeira, mas um apanhado de tudo isso, e

sentimentos desse homem brasileiro, parte europeu

capaz de expressar um sentimento ou uma história

e parte não, no seu todo? Imagine, por exemplo,

que eu queira contar, uma dança autoral com base

representar Macunaíma com as técnicas da dança

brasileira. Claro que, para seguir por esse caminho,

clássica. Vai ser muito difícil.

a tradição popular sozinha não é suficiente. É

O diretor teatral italiano Eugenio Barba diz que

preciso um estudo e um conhecimento patrimonial

as danças são diferentes em suas formas e idênticas

da história e das técnicas de dança no mundo.

em seus princípios. Há técnicas gerais e formas

acidentais, regionais. Um bailarino clássico usa a ponta o tempo todo, por exemplo; já o dançarino da Indonésia trabalha de outra maneira, com o pé voltado para cima. Os princípios, porém, são comuns. Registrando essas técnicas e colocando-as a serviço do material que reuni e assimilei, procuro dar corpo e forma a uma linguagem brasileira de dança. Essa será a maneira de unir o universal e o popular, de enriquecer o léxico da dança no mundo e de aumentar nossas chances de expressar uma cultura genuinamente brasileira. No meu trabalho não interessa tanto o espaço da dança e suas expressões originais: o que importa é a língua. Posso tirar o que é regional e me apropriar de contemporaneidade, mas não da dança contemporânea, que virou uma linguagem por si. O que eu procuro é uma dança brasileira da contemporaneidade.

Antonio Nóbrega é músico, dançarino e pesquisador da cultura popular brasileira. Integrou o Quinteto Armorial na década de 1970 e realizou os espetáculos “Figural”, “Brincante” e “9 de Frevereiro”, entre outros. *

54

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

de uma técnica. Estou procurando um aspecto

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O meu olhar é diferente. O conjunto dessas

A dança clássica, por exemplo, não tem o mesmo

danças tradicionais tem condições de orientar e

significado na Europa, na China, na Índia ou no

fundamentar um pensamento de dança brasileira.

Brasil. As formas do balé clássico dizem respeito

É possível organizar esse universo dentro de

à cabeça do homem europeu. Na Índia, existem

uma estrutura que lhe dê unidade, como uma

três tipos de danças tão ou mais complexas do

linguagem. Venho trabalhando para fazer uma

que a clássica que conhecemos. Mas, e no Brasil,

dança que não é nem cavalo-marinho, nem frevo,

como podemos expressar por meio da dança os

nem capoeira, mas um apanhado de tudo isso, e

sentimentos desse homem brasileiro, parte europeu

capaz de expressar um sentimento ou uma história

e parte não, no seu todo? Imagine, por exemplo,

que eu queira contar, uma dança autoral com base

representar Macunaíma com as técnicas da dança

brasileira. Claro que, para seguir por esse caminho,

clássica. Vai ser muito difícil.

a tradição popular sozinha não é suficiente. É

O diretor teatral italiano Eugenio Barba diz que

preciso um estudo e um conhecimento patrimonial

as danças são diferentes em suas formas e idênticas

da história e das técnicas de dança no mundo.

em seus princípios. Há técnicas gerais e formas

acidentais, regionais. Um bailarino clássico usa a ponta o tempo todo, por exemplo; já o dançarino da Indonésia trabalha de outra maneira, com o pé voltado para cima. Os princípios, porém, são comuns. Registrando essas técnicas e colocando-as a serviço do material que reuni e assimilei, procuro dar corpo e forma a uma linguagem brasileira de dança. Essa será a maneira de unir o universal e o popular, de enriquecer o léxico da dança no mundo e de aumentar nossas chances de expressar uma cultura genuinamente brasileira. No meu trabalho não interessa tanto o espaço da dança e suas expressões originais: o que importa é a língua. Posso tirar o que é regional e me apropriar de contemporaneidade, mas não da dança contemporânea, que virou uma linguagem por si. O que eu procuro é uma dança brasileira da contemporaneidade.

Antonio Nóbrega é músico, dançarino e pesquisador da cultura popular brasileira. Integrou o Quinteto Armorial na década de 1970 e realizou os espetáculos “Figural”, “Brincante” e “9 de Frevereiro”, entre outros. *

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

de uma técnica. Estou procurando um aspecto

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fé e crenças

Os ícones da memória e do desejo Luiz Roberto Alves*

57


fé e crenças

Os ícones da memória e do desejo Luiz Roberto Alves*

57


Se essa dinâmica cultural foi feita por trocas

morte, heroísmo) e de um arsenal poético limitados.

de ritmos, valores locais, recursos técnicos

Desse modo, não há que se falar em repetição ou

disponíveis à nova comunidade ou novas posições

em revolução da arte, mas num sistema criativo de

sociais das pessoas, o que ocorre é o intercâmbio

releituras, recuperações, manutenções e variações.

de sentidos entre as expressões culturais. A morte

Segue a riqueza da literatura popular, embora

de uma cultura ou a sua superação só acontece

bastante alterada por padrões de leitura, preço

no campo da concorrência sem regras. No interior

dos materiais e mudança de hábitos, entre outros.

variações e diferenciações. O ouvinte ou o espectador atento acompanha

M 58

uitos dizem que as traduções

também são traduzidas de lugar a lugar, de uma

costumam trazer consigo a traição.

época para outra, produzindo novas referências

Isso porque quando se transferem

e linguagens, relações interculturais e criações

idéias e conceitos de uma língua para outra

simbólicas entre as comunidades do presente e

ocorrem mudanças que alteram o sentido

as do passado. No entanto, essas mesclas, essas

original. As tradições artísticas populares, na

mestiçagens não significam traição da vida de

literatura, pintura, escultura, música e dança,

grupos originais e muito menos degeneração.

Na história da pintura e da escultura sacras nem se supera o Aleijadinho, nem se esquece do santeiro comunitário, porque são outros os públicos. Alguns

a sucessão de leituras e falas do cordel e a história

trabalharam sob encomenda para a construção

maravilhosa da iconografia que vai de Aleijadinho

da época do ouro, sob orientação de mestres

(e antes dele) ao último dos anônimos santeiros e,

europeus e nativos. Outros ainda mexem no barro

nessa toada, o que vê e ouve? No cordel, temas

para sobreviver e muitos fazem de sua obra um

recorrentes, revividos e modificados ao sabor de

objeto devocional. Evidentemente, pode-se criticar

métricas diversas e de gostos tão diferentes, de

o valor estético das obras e sua beleza, pois as

geração em geração. Trata-se de uma imensidão

artes obedecem a certos padrões, mas não se pode

de motivos pessoais e comunitários dentro de um

desmerecer a importância da obra para seus públicos

conjunto de temas (amor, saudade, desejos, política,

e menos ainda declarar o fim de uma tradição.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

das culturas populares ocorrem interpenetrações,

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Se essa dinâmica cultural foi feita por trocas

morte, heroísmo) e de um arsenal poético limitados.

de ritmos, valores locais, recursos técnicos

Desse modo, não há que se falar em repetição ou

disponíveis à nova comunidade ou novas posições

em revolução da arte, mas num sistema criativo de

sociais das pessoas, o que ocorre é o intercâmbio

releituras, recuperações, manutenções e variações.

de sentidos entre as expressões culturais. A morte

Segue a riqueza da literatura popular, embora

de uma cultura ou a sua superação só acontece

bastante alterada por padrões de leitura, preço

no campo da concorrência sem regras. No interior

dos materiais e mudança de hábitos, entre outros.

variações e diferenciações. O ouvinte ou o espectador atento acompanha

M 58

uitos dizem que as traduções

também são traduzidas de lugar a lugar, de uma

costumam trazer consigo a traição.

época para outra, produzindo novas referências

Isso porque quando se transferem

e linguagens, relações interculturais e criações

idéias e conceitos de uma língua para outra

simbólicas entre as comunidades do presente e

ocorrem mudanças que alteram o sentido

as do passado. No entanto, essas mesclas, essas

original. As tradições artísticas populares, na

mestiçagens não significam traição da vida de

literatura, pintura, escultura, música e dança,

grupos originais e muito menos degeneração.

Na história da pintura e da escultura sacras nem se supera o Aleijadinho, nem se esquece do santeiro comunitário, porque são outros os públicos. Alguns

a sucessão de leituras e falas do cordel e a história

trabalharam sob encomenda para a construção

maravilhosa da iconografia que vai de Aleijadinho

da época do ouro, sob orientação de mestres

(e antes dele) ao último dos anônimos santeiros e,

europeus e nativos. Outros ainda mexem no barro

nessa toada, o que vê e ouve? No cordel, temas

para sobreviver e muitos fazem de sua obra um

recorrentes, revividos e modificados ao sabor de

objeto devocional. Evidentemente, pode-se criticar

métricas diversas e de gostos tão diferentes, de

o valor estético das obras e sua beleza, pois as

geração em geração. Trata-se de uma imensidão

artes obedecem a certos padrões, mas não se pode

de motivos pessoais e comunitários dentro de um

desmerecer a importância da obra para seus públicos

conjunto de temas (amor, saudade, desejos, política,

e menos ainda declarar o fim de uma tradição.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

das culturas populares ocorrem interpenetrações,

59


Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é um auto de Natal que porta os vários componentes de um auto. No entanto, que auto é esse que se encarna na vida difícil e muitas vezes desesperadora do sertão, que leva o homem ao desencanto do viver e sugere o suicídio? Perto do desenlace, seu José (carpinteiro, como o pai de Jesus) escuta o anúncio do nascimento do seu filho e recupera a esperança. Trata-se de uma criança franzina, Severina, mas é criança e por ela o mundo recomeça. A criança da poesia é um ícone da vida renascida. A obra do poeta e embaixador pernambucano tanto mantém valores como reinventa situações e motivos do viver sob mínima esperança. Cultiva o Natal e abre janelas para repensar a terra em que se encena. Todos os presépios, especialmente quando feitos com material humilde e reciclado, são ícones de uma memória muito forte do Advento, mas trata-se de uma iconografia mestiça, atualizada pela mudança de materiais disponíveis. As limitações são compensadas pela memória da fé. Acompanhar, pois, as variações e manutenções de estilos,

Trabalho, devoção e criação

de beleza. O que há, sem dúvida, é uma evidente

atentar para as diversas traduções da arte,

Quando um grupo social sofre modificações

mudança nos materiais usados, na disponibilidade

significa ver a dinâmica da cultura.

no ritmo e na natureza do trabalho, seja uma

do tempo, na participação social e nos recursos.

A festa do divino mudou desde o século XIX, mas isso não significa a perda do espírito de devoção 60

Degeneração e traição podem ocorrer quando há

exemplo, sua ação cultural leva a mudar técnicas,

violência e imposição de idéias estranhas à prática

coreografias, organização de materiais e outros

comunitária. Quando guerras e revoltas levam ao

modos de elaboração de suas artes. Isso ocorre

aniquilamento de museus, igrejas e comunidades

com os santeiros modernos, os grupos de jongo,

humanas, talvez suas tradições locais se folclorizem,

congado, folias de reis, maracatus e outras criações

sejam lembradas, mas não vividas. Geralmente a

artístico-estéticas populares. Na mudança das

violência se dirige mais à iconografia, que é mais

condições de trabalho ocorrem alterações de uso

visível, e estimula o culto popular. Ocorrem também

de materiais, direito de uso do espaço e recursos

as deturpações, porque interesses políticos exigem

disponíveis, entre outros. Uma festa do divino do

novas festas e novos rituais. O que se chamou

século XIX, nas terras de Minas Gerais, não pode

de sincretismo religioso, no Brasil, foi resultado

apresentar-se igual na periferia de Belo Horizonte

do grande esforço dos homens e mulheres

de hoje, o que não significa necessariamente perda

escravizados para a manutenção de suas devoções,

de qualidade, de espírito de devoção e mesmo

limitadas e proibidas.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

comunidade de artistas ou de operários, por

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Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é um auto de Natal que porta os vários componentes de um auto. No entanto, que auto é esse que se encarna na vida difícil e muitas vezes desesperadora do sertão, que leva o homem ao desencanto do viver e sugere o suicídio? Perto do desenlace, seu José (carpinteiro, como o pai de Jesus) escuta o anúncio do nascimento do seu filho e recupera a esperança. Trata-se de uma criança franzina, Severina, mas é criança e por ela o mundo recomeça. A criança da poesia é um ícone da vida renascida. A obra do poeta e embaixador pernambucano tanto mantém valores como reinventa situações e motivos do viver sob mínima esperança. Cultiva o Natal e abre janelas para repensar a terra em que se encena. Todos os presépios, especialmente quando feitos com material humilde e reciclado, são ícones de uma memória muito forte do Advento, mas trata-se de uma iconografia mestiça, atualizada pela mudança de materiais disponíveis. As limitações são compensadas pela memória da fé. Acompanhar, pois, as variações e manutenções de estilos,

Trabalho, devoção e criação

de beleza. O que há, sem dúvida, é uma evidente

atentar para as diversas traduções da arte,

Quando um grupo social sofre modificações

mudança nos materiais usados, na disponibilidade

significa ver a dinâmica da cultura.

no ritmo e na natureza do trabalho, seja uma

do tempo, na participação social e nos recursos.

A festa do divino mudou desde o século XIX, mas isso não significa a perda do espírito de devoção 60

Degeneração e traição podem ocorrer quando há

exemplo, sua ação cultural leva a mudar técnicas,

violência e imposição de idéias estranhas à prática

coreografias, organização de materiais e outros

comunitária. Quando guerras e revoltas levam ao

modos de elaboração de suas artes. Isso ocorre

aniquilamento de museus, igrejas e comunidades

com os santeiros modernos, os grupos de jongo,

humanas, talvez suas tradições locais se folclorizem,

congado, folias de reis, maracatus e outras criações

sejam lembradas, mas não vividas. Geralmente a

artístico-estéticas populares. Na mudança das

violência se dirige mais à iconografia, que é mais

condições de trabalho ocorrem alterações de uso

visível, e estimula o culto popular. Ocorrem também

de materiais, direito de uso do espaço e recursos

as deturpações, porque interesses políticos exigem

disponíveis, entre outros. Uma festa do divino do

novas festas e novos rituais. O que se chamou

século XIX, nas terras de Minas Gerais, não pode

de sincretismo religioso, no Brasil, foi resultado

apresentar-se igual na periferia de Belo Horizonte

do grande esforço dos homens e mulheres

de hoje, o que não significa necessariamente perda

escravizados para a manutenção de suas devoções,

de qualidade, de espírito de devoção e mesmo

limitadas e proibidas.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

comunidade de artistas ou de operários, por

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As mídias – televisão, rádio, revistas e jornais – também são capazes de deturpar experiências, principalmente quando sua veiculação não inclui a memória dos lugares tradicionais, as pessoas envolvidas não são escutadas e não se narra o modo de organização e participação. A projeção de 30 segundos de uma cavalgada que dura dias e lembra a vida sociocultural da Idade Média, ou a exemplificação de duas ou três imagens de santos ou carrancas de barcos, a partir de milhares de obras criadas, não permite criar identidade entre telespectadores e objetos, e tampouco ajuda a educar para a valorização da cultura ou para a participação social. É preciso ficar claro que a criação cultural popular, como a religiosidade do povo, é uma linguagem construída de solidariedades, gestos de cooperação e sentidos de pertencimento diante da história de grupos e comunidades. Imagens escolhidas e editadas por quem não vive ou não tem solidariedade para com esses grupos sociais de fato não ajudam a valorizar as manifestações

culturais. Por isso, especialistas em comunicação sugerem mudanças profundas na concessão e na organização dos canais de produção e emissão de rádio e televisão, e acreditam que a democracia cultural implica a construção de projetos e organizações comunitárias.

A travessia das culturas As diferentes culturas, tradicionais ou modernas, são dinâmicas por natureza. Vejam-se alguns fatos observados. Na tradição do jongo os participantes iniciam sua “função” com a chamada aos antigos participantes. As falas e os cantos se fazem acompanhar de cenografia e iconografia 62

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

programas de comunicação social a partir das

63


As mídias – televisão, rádio, revistas e jornais – também são capazes de deturpar experiências, principalmente quando sua veiculação não inclui a memória dos lugares tradicionais, as pessoas envolvidas não são escutadas e não se narra o modo de organização e participação. A projeção de 30 segundos de uma cavalgada que dura dias e lembra a vida sociocultural da Idade Média, ou a exemplificação de duas ou três imagens de santos ou carrancas de barcos, a partir de milhares de obras criadas, não permite criar identidade entre telespectadores e objetos, e tampouco ajuda a educar para a valorização da cultura ou para a participação social. É preciso ficar claro que a criação cultural popular, como a religiosidade do povo, é uma linguagem construída de solidariedades, gestos de cooperação e sentidos de pertencimento diante da história de grupos e comunidades. Imagens escolhidas e editadas por quem não vive ou não tem solidariedade para com esses grupos sociais de fato não ajudam a valorizar as manifestações

culturais. Por isso, especialistas em comunicação sugerem mudanças profundas na concessão e na organização dos canais de produção e emissão de rádio e televisão, e acreditam que a democracia cultural implica a construção de projetos e organizações comunitárias.

A travessia das culturas As diferentes culturas, tradicionais ou modernas, são dinâmicas por natureza. Vejam-se alguns fatos observados. Na tradição do jongo os participantes iniciam sua “função” com a chamada aos antigos participantes. As falas e os cantos se fazem acompanhar de cenografia e iconografia 62

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

programas de comunicação social a partir das

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apropriadas. Esses velhos jongueiros estão mortos, o que remete a um dos padrões culturais da África, fortemente ligados à vida comunitária. O ato rítmico-musical também se constitui em ato

A Festa do Divino

religioso. Parte significativa das tradições culturalreligiosas da África não secciona morte e vida, mas assume o compartilhamento de atos de vida com a comunidade passada. Realizados nos dias de hoje,

A Festa do Divino é uma das mais populares do

tais rituais e folguedos mostram a permanência

país. De norte a sul, é possível encontrar cidades

de valores no interior da diversidade cultural, pois

que cultuam o Espírito Santo em seus festejos de

os membros da comunidade podem professar

rua. A celebração chegou por aqui junto com os

religiões diversas, acreditar que “morreu, acabou”

colonizadores portugueses, mas pouco se sabe a

e, no entanto, ser simpáticos ao chamado dos

respeito de como era comemorada naquela época e

jongueiros ancestrais.

como se espalhou pelo Brasil.

No campo da música e da arquitetura, basta

De lá para cá, com certeza as festas mudaram

ter atenção ao que se escuta e ao que se ergue

muito, sem, no entanto, romper com a tradição de levar

nos espaços periféricos das grandes cidades. Um

a bandeira do Divino com a pomba branca e, ainda mais importante, coroar pessoas simples da comunidade em nome do imperador. Tradicionalmente, as festas do Divino aconteciam cinqüenta dias após a Páscoa, comemorando o Pentecostes (quando o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos), mas hoje podem ocorrer em épocas variadas. Uma das festas mais famosas do país é a de Pirenópolis, em Goiás, onde ocorrem cavalhadas, congadas, reisados, entre outros. Os municípios de Alcântara, no Maranhão, e São João Del Rei, em Minas, além de cidades em São Paulo e Santa Catarina homenagem ao Divino Espírito Santo.

64

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

também ficaram famosos por suas comemorações em

65


apropriadas. Esses velhos jongueiros estão mortos, o que remete a um dos padrões culturais da África, fortemente ligados à vida comunitária. O ato rítmico-musical também se constitui em ato

A Festa do Divino

religioso. Parte significativa das tradições culturalreligiosas da África não secciona morte e vida, mas assume o compartilhamento de atos de vida com a comunidade passada. Realizados nos dias de hoje,

A Festa do Divino é uma das mais populares do

tais rituais e folguedos mostram a permanência

país. De norte a sul, é possível encontrar cidades

de valores no interior da diversidade cultural, pois

que cultuam o Espírito Santo em seus festejos de

os membros da comunidade podem professar

rua. A celebração chegou por aqui junto com os

religiões diversas, acreditar que “morreu, acabou”

colonizadores portugueses, mas pouco se sabe a

e, no entanto, ser simpáticos ao chamado dos

respeito de como era comemorada naquela época e

jongueiros ancestrais.

como se espalhou pelo Brasil.

No campo da música e da arquitetura, basta

De lá para cá, com certeza as festas mudaram

ter atenção ao que se escuta e ao que se ergue

muito, sem, no entanto, romper com a tradição de levar

nos espaços periféricos das grandes cidades. Um

a bandeira do Divino com a pomba branca e, ainda mais importante, coroar pessoas simples da comunidade em nome do imperador. Tradicionalmente, as festas do Divino aconteciam cinqüenta dias após a Páscoa, comemorando o Pentecostes (quando o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos), mas hoje podem ocorrer em épocas variadas. Uma das festas mais famosas do país é a de Pirenópolis, em Goiás, onde ocorrem cavalhadas, congadas, reisados, entre outros. Os municípios de Alcântara, no Maranhão, e São João Del Rei, em Minas, além de cidades em São Paulo e Santa Catarina homenagem ao Divino Espírito Santo.

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

também ficaram famosos por suas comemorações em

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apropriadas. Esses velhos jongueiros estão mortos, o que remete a um dos padrões culturais da África, fortemente ligados à vida comunitária. O ato rítmico-musical também se constitui em ato

A Festa do Divino

religioso. Parte significativa das tradições culturalreligiosas da África não secciona morte e vida, mas assume o compartilhamento de atos de vida com a comunidade passada. Realizados nos dias de hoje,

A Festa do Divino é uma das mais populares do

tais rituais e folguedos mostram a permanência

país. De norte a sul, é possível encontrar cidades

de valores no interior da diversidade cultural, pois

que cultuam o Espírito Santo em seus festejos de

os membros da comunidade podem professar

rua. A celebração chegou por aqui junto com os

religiões diversas, acreditar que “morreu, acabou”

colonizadores portugueses, mas pouco se sabe a

e, no entanto, ser simpáticos ao chamado dos

respeito de como era comemorada naquela época e

jongueiros ancestrais.

como se espalhou pelo Brasil.

No campo da música e da arquitetura, basta

De lá para cá, com certeza as festas mudaram

ter atenção ao que se escuta e ao que se ergue

muito, sem, no entanto, romper com a tradição de levar

nos espaços periféricos das grandes cidades. Um

a bandeira do Divino com a pomba branca e, ainda mais importante, coroar pessoas simples da comunidade em nome do imperador. Tradicionalmente, as festas do Divino aconteciam cinqüenta dias após a Páscoa, comemorando o Pentecostes (quando o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos), mas hoje podem ocorrer em épocas variadas. Uma das festas mais famosas do país é a de Pirenópolis, em Goiás, onde ocorrem cavalhadas, congadas, reisados, entre outros. Os municípios de Alcântara, no Maranhão, e São João Del Rei, em Minas, além de cidades em São Paulo e Santa Catarina homenagem ao Divino Espírito Santo.

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

também ficaram famosos por suas comemorações em

65


amigo, morador da antiga favela do Parque São Bernardo, região do ABC paulista, chamou-me a atenção para sua pequenina casa. Segundo ele, tratava-se de uma réplica da morada de seu avô, no agreste paraibano. O pequeno fazendeiro mandara construir uma casa original, dividida para equilibrar os espaços de recolhimento e convivência, certamente complementada por um belo jardim. Casa não rica, mas confortável. Raimundo, seu neto, na radical mudança de vida, que vai das lidas com o gado para o chão da fábrica de montadora multinacional de veículos, fincou na sua pequena casa a memória do avô, o que certamente significaria para ele e sua família alguma visualidade paraibana, a perda menos completa de sua diferença cultural. A favela é o mundo, para lembrar a imagem do romancista Guimarães Rosa

sobre o sertão. Quem vem do sertão, ou do mar,

de trabalho, sofrimento e luta, mas a melodia era

dos pampas e das terras cortadas por muitas águas

um aboio, ritmo lento associado ao movimento

reconstrói no bairro empobrecido alguns traços de

dos animais no campo de trabalho. Na construção

identidade. Às vezes, nas cores usadas, nos móveis,

de letra e melodia erguia-se, também, um tempo

nos adornos, bem como no cultivo de ervas e nas

e um espaço em processo de unificação. Tais

marcas arquitetônicas.

fenômenos são mais presentes do que se supõe,

memorial. Raimundo, o arquiteto da memória, tinha, porém, outras originalidades. Nas terras da

66

bastando ter olhos de ver para apreender a dinâmica da cultura, laica ou religiosa. O terceiro fato lembra a iconografia brasileira,

Paraíba fora aboiador e trabalhara, portanto, no

já citada. Quem gosta de apreciar as incontáveis

universo rítmico do gado e de suas necessidades

peças artesanais, feitas de diferentes argilas e

cotidianas. Seu transplante geográfico-cultural fez

barros e encontradas de norte a sul do país, vê ali

acumular um tempo de silêncio, de observação.

a própria história. Um se espanta com os grandes

Costuma-se chamar esse tempo de mudança na

olhos, outro com vestidos de época nas figuras

vida das pessoas e comunidades de cultura do

femininas e se seguem as atitudes profanas e

silêncio. Em certo ano, inscreveu uma música

devotas, as cores estranhas e as deformações.

no festival realizado pela Pastoral Operária.

O pintor espanhol Pablo Picasso também se

Na execução de sua obra ficava evidente a

espantou com a arte africana e, desse espanto,

modernidade associada à permanência de sua

nasceu um aprendizado muito importante para

história. Tratava-se de letra politizada, que dizia

o desenvolvimento da arte chamada modernista,

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

A casa e o jardim são valores na iconografia

67


amigo, morador da antiga favela do Parque São Bernardo, região do ABC paulista, chamou-me a atenção para sua pequenina casa. Segundo ele, tratava-se de uma réplica da morada de seu avô, no agreste paraibano. O pequeno fazendeiro mandara construir uma casa original, dividida para equilibrar os espaços de recolhimento e convivência, certamente complementada por um belo jardim. Casa não rica, mas confortável. Raimundo, seu neto, na radical mudança de vida, que vai das lidas com o gado para o chão da fábrica de montadora multinacional de veículos, fincou na sua pequena casa a memória do avô, o que certamente significaria para ele e sua família alguma visualidade paraibana, a perda menos completa de sua diferença cultural. A favela é o mundo, para lembrar a imagem do romancista Guimarães Rosa

sobre o sertão. Quem vem do sertão, ou do mar,

de trabalho, sofrimento e luta, mas a melodia era

dos pampas e das terras cortadas por muitas águas

um aboio, ritmo lento associado ao movimento

reconstrói no bairro empobrecido alguns traços de

dos animais no campo de trabalho. Na construção

identidade. Às vezes, nas cores usadas, nos móveis,

de letra e melodia erguia-se, também, um tempo

nos adornos, bem como no cultivo de ervas e nas

e um espaço em processo de unificação. Tais

marcas arquitetônicas.

fenômenos são mais presentes do que se supõe,

memorial. Raimundo, o arquiteto da memória, tinha, porém, outras originalidades. Nas terras da

66

bastando ter olhos de ver para apreender a dinâmica da cultura, laica ou religiosa. O terceiro fato lembra a iconografia brasileira,

Paraíba fora aboiador e trabalhara, portanto, no

já citada. Quem gosta de apreciar as incontáveis

universo rítmico do gado e de suas necessidades

peças artesanais, feitas de diferentes argilas e

cotidianas. Seu transplante geográfico-cultural fez

barros e encontradas de norte a sul do país, vê ali

acumular um tempo de silêncio, de observação.

a própria história. Um se espanta com os grandes

Costuma-se chamar esse tempo de mudança na

olhos, outro com vestidos de época nas figuras

vida das pessoas e comunidades de cultura do

femininas e se seguem as atitudes profanas e

silêncio. Em certo ano, inscreveu uma música

devotas, as cores estranhas e as deformações.

no festival realizado pela Pastoral Operária.

O pintor espanhol Pablo Picasso também se

Na execução de sua obra ficava evidente a

espantou com a arte africana e, desse espanto,

modernidade associada à permanência de sua

nasceu um aprendizado muito importante para

história. Tratava-se de letra politizada, que dizia

o desenvolvimento da arte chamada modernista,

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

A casa e o jardim são valores na iconografia

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especialmente a criação cubista, de que ele foi um mestre. Ocorre que as pessoas que criaram essa iconografia aprenderam a duras penas, quase sempre sem estudos escolares e pressionados pela força da sobrevivência. Tratava-se, pois, de lembrar, ver e experimentar. Em sua obra, saíram-se muito bem, porque produziram para a devoção, educaram novas gerações no trato dos materiais, ganharam seu sustento e moveram valores simbólicos de multidões que não puderam ver Aleijadinho e seus discípulos. Efetivamente, ninguém fez melhor os profetas do que o mestre do barroco mineiro, mas milhões de pessoas construíram seus valores e suas idéias no trato cotidiano da iconografia.

O divino nas coisas do povo Participante do Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares , dona Teté (Almerice da Silva Santos), com seu testemunho, ajuda a esclarecer ainda mais as reflexões sobre o assunto. Depois de dizer que aos 8 anos rezava ladainha para o Menino Jesus, ela afirmou que na idade de mocinha começou a cantar na casa do Divino Espírito Santo e a aprender a tocar caixa, apesar da proibição e dos castigos da madrinha.

Nas artes populares vemos o diálogo entre Deus e o mundo 68

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Ao agradecer por sua vida, invoca Deus, Nossa

69


especialmente a criação cubista, de que ele foi um mestre. Ocorre que as pessoas que criaram essa iconografia aprenderam a duras penas, quase sempre sem estudos escolares e pressionados pela força da sobrevivência. Tratava-se, pois, de lembrar, ver e experimentar. Em sua obra, saíram-se muito bem, porque produziram para a devoção, educaram novas gerações no trato dos materiais, ganharam seu sustento e moveram valores simbólicos de multidões que não puderam ver Aleijadinho e seus discípulos. Efetivamente, ninguém fez melhor os profetas do que o mestre do barroco mineiro, mas milhões de pessoas construíram seus valores e suas idéias no trato cotidiano da iconografia.

O divino nas coisas do povo Participante do Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares , dona Teté (Almerice da Silva Santos), com seu testemunho, ajuda a esclarecer ainda mais as reflexões sobre o assunto. Depois de dizer que aos 8 anos rezava ladainha para o Menino Jesus, ela afirmou que na idade de mocinha começou a cantar na casa do Divino Espírito Santo e a aprender a tocar caixa, apesar da proibição e dos castigos da madrinha.

Nas artes populares vemos o diálogo entre Deus e o mundo 68

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Ao agradecer por sua vida, invoca Deus, Nossa

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Senhora e os Bons Espíritos de Luz. Depois de

Ao final do seu testemunho, dona Teté anunciou

profano na linguagem, a sobrevivência trabalhada

passar pelo teatro amador (no qual fez o papel de

que vai “colocar o cacuriá para a frente” e canta

pela criatividade, a intimidade inteligente do

freira que, segundo ela, é o contrário da vida que

alguns versos:

artista popular e a retórica de quem “não sabe

gosta, por ser “assanhada”), foi para o Tambor de

nada” sabendo muito e sabendo que sabe.

Crioula, entre rezas, ladainhas e danças de cacuriá.

Boa noite, meus senhores, foi agora que eu

Trata-se da autocriação da personagem, persona

No meio do testemunho, afirmou que já gravou

cheguei / Fui chegando e fui cantando, se é do

teatral, o que é coerente com as variações de sua

discos, viajou pelo Brasil e foi até Portugal, apesar

seu gosto não sei / Lera chorou, Lera chorou,

própria vida, entre muitas labutas, dificuldades,

de “não saber nada”. Para ela, as músicas do

eu te disse Lera vão te tomar teu amor / Lera

experiências e performances.

Divino são bonitas, por exemplo:

chorou, Lera chorou, eu te disse Lera vão te tomar teu amor.

Meu Divino Espírito Santo alegra as suas

Os homens e as mulheres das culturas populares encarnam de fato muitas situações, desde o mundo do trabalho até a religiosidade, produtores

caixeiras / Ela vem chegando / Apanhada na

Dona Teté representa as variações, manutenções,

de identidade e construtores de sujeitos. Daí às

roseira / Canta Caixa, vem de dote / Ai não se

as mudanças e recuperações das culturas

formas de associação que garantem vida social e,

ensina prá ninguém / Mas eu ensino prá minha

populares. Mescla valores religiosos na sua

na seqüência, suas expressões de arte, exercício

filha/Prá ser caixeira também.

invocação e agradecimento, o sagrado e o

de liderança, experiências no trato com pessoas e grupos. Na sociedade desigual e, para muitos, empobrecida, toda essa experiência produz uma grande variedade de atos de existência, mesmo porque a expectativa de vida era outra, limitada, reprodutora da família, seguidora das mesmas profissões. Dona Teté, portanto, parece ter muitas vidas, como têm muitas vidas as experiências artísticas populares. Na cultura, a vida empobrecida encontra seu lugar precioso de diferenciação,

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

compartilhamento e riqueza de experiência.

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Senhora e os Bons Espíritos de Luz. Depois de

Ao final do seu testemunho, dona Teté anunciou

profano na linguagem, a sobrevivência trabalhada

passar pelo teatro amador (no qual fez o papel de

que vai “colocar o cacuriá para a frente” e canta

pela criatividade, a intimidade inteligente do

freira que, segundo ela, é o contrário da vida que

alguns versos:

artista popular e a retórica de quem “não sabe

gosta, por ser “assanhada”), foi para o Tambor de

nada” sabendo muito e sabendo que sabe.

Crioula, entre rezas, ladainhas e danças de cacuriá.

Boa noite, meus senhores, foi agora que eu

Trata-se da autocriação da personagem, persona

No meio do testemunho, afirmou que já gravou

cheguei / Fui chegando e fui cantando, se é do

teatral, o que é coerente com as variações de sua

discos, viajou pelo Brasil e foi até Portugal, apesar

seu gosto não sei / Lera chorou, Lera chorou,

própria vida, entre muitas labutas, dificuldades,

de “não saber nada”. Para ela, as músicas do

eu te disse Lera vão te tomar teu amor / Lera

experiências e performances.

Divino são bonitas, por exemplo:

chorou, Lera chorou, eu te disse Lera vão te tomar teu amor.

Meu Divino Espírito Santo alegra as suas

Os homens e as mulheres das culturas populares encarnam de fato muitas situações, desde o mundo do trabalho até a religiosidade, produtores

caixeiras / Ela vem chegando / Apanhada na

Dona Teté representa as variações, manutenções,

de identidade e construtores de sujeitos. Daí às

roseira / Canta Caixa, vem de dote / Ai não se

as mudanças e recuperações das culturas

formas de associação que garantem vida social e,

ensina prá ninguém / Mas eu ensino prá minha

populares. Mescla valores religiosos na sua

na seqüência, suas expressões de arte, exercício

filha/Prá ser caixeira também.

invocação e agradecimento, o sagrado e o

de liderança, experiências no trato com pessoas e grupos. Na sociedade desigual e, para muitos, empobrecida, toda essa experiência produz uma grande variedade de atos de existência, mesmo porque a expectativa de vida era outra, limitada, reprodutora da família, seguidora das mesmas profissões. Dona Teté, portanto, parece ter muitas vidas, como têm muitas vidas as experiências artísticas populares. Na cultura, a vida empobrecida encontra seu lugar precioso de diferenciação,

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

compartilhamento e riqueza de experiência.

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Por isso, como ocorre com os mestres santeiros, com o aboiador Raimundo e os dançarinos das diversas folias e divinos (atrás de quem está todo um povo), dona Teté mescla expressões culturais porque está sempre em busca da vida e suas manifestações. Seu universo original pobre sempre exigiu contínuo aprendizado prático, que, comparado com o mundo escolar e cultivado, parece “não ser nada“. As expressões lingüísticas, pictóricas ou arquitetônicas, que recuperam trovas, fotos, esculturas em madeira e barro, e ritmos, provam o pertencimento, a solidariedade e a atitude de agradecimento que os artistas populares têm para com seus mestres e professores. Quem procura acompanhar e valorizar as artes populares (independentemente de serem profanas ou devotas, pois as culturas dialogam todo o tempo)

Ninguém fez os profetas melhor do que Aleijadinho, mas muitos construíram seus valores e idéias no trato da iconografia

encontra-se com o contínuo diálogo entre Deus

e o mundo, mediado pelos homens e mulheres do povo. Encontra também a saída simbólica da pobreza, pela via da cultura, que é riquíssima até mesmo no repertório limitado e rústico. Vê o curso da história a fabricar novas e surpreendentes formas de solidariedade (o jazz, o soul, as músicas de mutirão, o aboio, as comunidades de santeiros, o cinema indígena, as rádios comunitárias, o teatro do oprimido...) e, nesse movimento, passa a ter certeza de que nossos dilemas podem não ser maiores do cortam a vida) de fato não rompem, porque as memórias, os sons, as falas, os ícones e os gestos os recriam na travessia da vida reencantada.

Luiz Roberto Alves, professor e pesquisador da Universidade Metodista e da USP. Ex-secretário de Educação e Cultura de São Bernardo do Campo e de Mauá. Autor de obras sobre cultura, educação e comunicação.

*

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

que as nossas forças criativas e os tempos (que

73


culinรกria

A cozinha dos Brasis Alex Atala*

75


culinรกria

A cozinha dos Brasis Alex Atala*

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por cozinheiros-aventureiros que se disponham a experimentá-las e testá-las em suas receitas. Vários desses ingredientes, tão arraigados na culinária tradicional da região amazônica, deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurantes mais importantes do país. E, para

Vários ingredientes arraigados na culinária amazônica deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurante mais importantes do país

manter seu sabor original, tanto melhor se a técnica utilizada para prepará-los conserva as características usadas na região. Assim, é possível conhecer o verdadeiro sabor da Amazônia, mesmo estando a muitos quilômetros de distância de lá. Um prato moderno com o peixe filhote, por exemplo, pode ser temperado com ingredientes tradicionais como tucupi e tapioca. Além disso, utilizam-se ervas que se tornaram estrelas do famoso mercado Ver-O-Peso, em Belém: jambu (tempero com efeito elétrico que adormece a boca), chicória do Pará e alfavaca do Amazonas. Como na técnica culinária clássica, de matriz francesa, ervas e caldos ressaltam o gosto do peixe. O estilo é internacional, mas o sabor, brasileiríssimo. Para entender pelo menos um pouco dessa

cultura está em cima de uma mesa.

culinária, temos de buscar no passado as diversas

Encontramos na alimentação o

fases e personagens de nossa colonização e da

Tupi, abrange as terras habitadas por índios não-

trilho de estudo das ciências humanas e, assim,

regionalização do Brasil, fazer um apanhado

amazônicos. Ela engloba quase todo o litoral que

uma bela maneira de se descobrir um país. Para

do que nos legaram culturas indígenas e de

era ocupado pela Mata Atlântica. É o paraíso de

se conhecer a culinária brasileira, nada melhor

imigrantes, visitantes antigos e modernos, e

frutas, como o cambuci, e de tubérculos como o

que viajar por suas trilhas, descobrir novos

conhecer a fundo sua base: os ingredientes.

cará e a mandioca – a grande base da culinária

ingredientes e experimentar, de canto a canto,

popular brasileira, que agora, em grande estilo,

pratos tão diferentes e de nomes tão exóticos

As três grandes regiões

passa a fazer parte da alta culinária nacional. A

como feijoada, brigadeiro, bobó, furrundum,

A culinária brasileira pode ser divida em três grandes

nação Tupi abriga também o “país Guarani”, o

escondidinho, cuxá, caribel, vatapá, caruru e

regiões: a Amazônia, a nação Tupi e o sul do país.

Brasil central, de grande biodiversidade – fauna

cartola. Mas, mesmo que não dê para viajar o

76

A segunda região, que chamamos de nação

Dos rios da Amazônia, saem peixes que se

e flora do cerrado – e de sabores típicos: pequi,

quanto gostaríamos em busca desses sabores

tornaram famosos Brasil afora, por seu sabor único,

tão variados, é possível viver a experiência da

como o filhote e o tucunaré. No Amapá se encontra

culinária brasileira dia após dia, em pratos com

a Cairina moscata, a ave imortalizada no pato no

influência européia, alemã e italiana, tendo

ingredientes que revelam um país de sabores,

tucupi, além do camarão pitu. Fora isso, centenas

como ingrediente básico a carne do gado

texturas e aromas.

de ervas e plantas ainda desconhecidas esperam

criado nas pastagens dos pampas. De lá vêm

guariroba, mangaba, jurubeba, ariticum, jatobá. A terceira região seria o sul do país, com sua

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

O

maior elo entre a natureza e a

77


por cozinheiros-aventureiros que se disponham a experimentá-las e testá-las em suas receitas. Vários desses ingredientes, tão arraigados na culinária tradicional da região amazônica, deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurantes mais importantes do país. E, para

Vários ingredientes arraigados na culinária amazônica deixaram a floresta para ganhar os pratos de alguns dos restaurante mais importantes do país

manter seu sabor original, tanto melhor se a técnica utilizada para prepará-los conserva as características usadas na região. Assim, é possível conhecer o verdadeiro sabor da Amazônia, mesmo estando a muitos quilômetros de distância de lá. Um prato moderno com o peixe filhote, por exemplo, pode ser temperado com ingredientes tradicionais como tucupi e tapioca. Além disso, utilizam-se ervas que se tornaram estrelas do famoso mercado Ver-O-Peso, em Belém: jambu (tempero com efeito elétrico que adormece a boca), chicória do Pará e alfavaca do Amazonas. Como na técnica culinária clássica, de matriz francesa, ervas e caldos ressaltam o gosto do peixe. O estilo é internacional, mas o sabor, brasileiríssimo. Para entender pelo menos um pouco dessa

cultura está em cima de uma mesa.

culinária, temos de buscar no passado as diversas

Encontramos na alimentação o

fases e personagens de nossa colonização e da

Tupi, abrange as terras habitadas por índios não-

trilho de estudo das ciências humanas e, assim,

regionalização do Brasil, fazer um apanhado

amazônicos. Ela engloba quase todo o litoral que

uma bela maneira de se descobrir um país. Para

do que nos legaram culturas indígenas e de

era ocupado pela Mata Atlântica. É o paraíso de

se conhecer a culinária brasileira, nada melhor

imigrantes, visitantes antigos e modernos, e

frutas, como o cambuci, e de tubérculos como o

que viajar por suas trilhas, descobrir novos

conhecer a fundo sua base: os ingredientes.

cará e a mandioca – a grande base da culinária

ingredientes e experimentar, de canto a canto,

popular brasileira, que agora, em grande estilo,

pratos tão diferentes e de nomes tão exóticos

As três grandes regiões

passa a fazer parte da alta culinária nacional. A

como feijoada, brigadeiro, bobó, furrundum,

A culinária brasileira pode ser divida em três grandes

nação Tupi abriga também o “país Guarani”, o

escondidinho, cuxá, caribel, vatapá, caruru e

regiões: a Amazônia, a nação Tupi e o sul do país.

Brasil central, de grande biodiversidade – fauna

cartola. Mas, mesmo que não dê para viajar o

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A segunda região, que chamamos de nação

Dos rios da Amazônia, saem peixes que se

e flora do cerrado – e de sabores típicos: pequi,

quanto gostaríamos em busca desses sabores

tornaram famosos Brasil afora, por seu sabor único,

tão variados, é possível viver a experiência da

como o filhote e o tucunaré. No Amapá se encontra

culinária brasileira dia após dia, em pratos com

a Cairina moscata, a ave imortalizada no pato no

influência européia, alemã e italiana, tendo

ingredientes que revelam um país de sabores,

tucupi, além do camarão pitu. Fora isso, centenas

como ingrediente básico a carne do gado

texturas e aromas.

de ervas e plantas ainda desconhecidas esperam

criado nas pastagens dos pampas. De lá vêm

guariroba, mangaba, jurubeba, ariticum, jatobá. A terceira região seria o sul do país, com sua

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

O

maior elo entre a natureza e a

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também frutos do mar, como as ostras e os camarões de Santa Catarina.

Culinária traduzida A forma como os sabores dessas diferentes regiões chegam até nós, nos dias de hoje, depende muito de quem cozinha. Em muitos casos, os cozinheiros ainda não estão familiarizados com grande parte dos ingredientes tipicamente nacionais. No entanto, vários já descobriram como mesclar elementos da culinária tradicional com a técnica internacional. Isso porque mesmo ingredientes “estranhos” aos nossos gostos, como camarão pitu cru ou tripa de bacalhau, se dispostos nos pratos de uma maneira delicada e com os acompanhamentos certos, tornam-se atraentes. Dessa forma, esses desconhecidos podem ser traduzidos para todo

A forma como os sabores regionais chegam até nós nos dias de hoje depende muito de quem cozinha

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

tipo de paladar. A boa culinária usa 60% de

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também frutos do mar, como as ostras e os camarões de Santa Catarina.

Culinária traduzida A forma como os sabores dessas diferentes regiões chegam até nós, nos dias de hoje, depende muito de quem cozinha. Em muitos casos, os cozinheiros ainda não estão familiarizados com grande parte dos ingredientes tipicamente nacionais. No entanto, vários já descobriram como mesclar elementos da culinária tradicional com a técnica internacional. Isso porque mesmo ingredientes “estranhos” aos nossos gostos, como camarão pitu cru ou tripa de bacalhau, se dispostos nos pratos de uma maneira delicada e com os acompanhamentos certos, tornam-se atraentes. Dessa forma, esses desconhecidos podem ser traduzidos para todo

A forma como os sabores regionais chegam até nós nos dias de hoje depende muito de quem cozinha

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

tipo de paladar. A boa culinária usa 60% de

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ingredientes de qualidade e 40% de técnica, e ressalta o sabor de cada elemento, por meio da sobreposição e do contraste.

Os ingredientes Para se conhecer a fundo um ingrediente – e conhecê-lo é fundamental para o cozinheiro e para a culinária – é preciso desmontá-lo. A cozinha é, antes de tudo, um processo de conhecimento. Esse mecanismo de descoberta começa no primeiro contato com o ingrediente e na pesquisa que fazemos sobre ele. A mandioca, a mandioquinha e o cará, por exemplo, são tubérculos gastronomicamente muito potentes por sua textura, sabor e qualidade. É impossível traçar um paralelo de sabor. Eles são diferentes entre si e diferentes da batata, por exemplo. E a mandioca não é apenas um ingrediente, é um elemento arraigado em nossa cultura. Até os colonizadores, ao chegar aqui, preferiram a farinha de mandioca, tornou a base do regime alimentar de grande parte do país e, em alguns rincões, ainda é produzida exatamente como as índias a faziam, mais de 500 anos atrás. Pegue o exemplo de um peixe fresco, recémpescado. Ele deve ser aberto, limpo e analisado. Quais são suas características? A carne é consistente? Tem água? Como devemos tirar as escamas? Com a faca? Com as mãos? E as espinhas? Muito instrutivo e instigante também é conversar com quem conhece. Nenhum cozinheiro deve desprezar o bate-papo com o nativo. Ele tem uma sabedoria ancestral sobre o ingrediente que não pode ser desprezada. No diálogo, aprende-se que, quando um pescador apanha um beijupirá numa rede de sardinhas, a tradição manda que hasteie a bandeira do Brasil. Porque se trata de um peixe raro. Para descobrir mais, pode ser preciso recorrer 80

Até os colonizadores quando chegaram aqui preferiram a farinha de mandioca. Ela se tornou a base alimentar do país e em alguns lugares ainda é produzida exatamente como as índias a faziam há séculos

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

muito mais fresca, à do trigo. A partir daí, ela se

81


ingredientes de qualidade e 40% de técnica, e ressalta o sabor de cada elemento, por meio da sobreposição e do contraste.

Os ingredientes Para se conhecer a fundo um ingrediente – e conhecê-lo é fundamental para o cozinheiro e para a culinária – é preciso desmontá-lo. A cozinha é, antes de tudo, um processo de conhecimento. Esse mecanismo de descoberta começa no primeiro contato com o ingrediente e na pesquisa que fazemos sobre ele. A mandioca, a mandioquinha e o cará, por exemplo, são tubérculos gastronomicamente muito potentes por sua textura, sabor e qualidade. É impossível traçar um paralelo de sabor. Eles são diferentes entre si e diferentes da batata, por exemplo. E a mandioca não é apenas um ingrediente, é um elemento arraigado em nossa cultura. Até os colonizadores, ao chegar aqui, preferiram a farinha de mandioca, tornou a base do regime alimentar de grande parte do país e, em alguns rincões, ainda é produzida exatamente como as índias a faziam, mais de 500 anos atrás. Pegue o exemplo de um peixe fresco, recémpescado. Ele deve ser aberto, limpo e analisado. Quais são suas características? A carne é consistente? Tem água? Como devemos tirar as escamas? Com a faca? Com as mãos? E as espinhas? Muito instrutivo e instigante também é conversar com quem conhece. Nenhum cozinheiro deve desprezar o bate-papo com o nativo. Ele tem uma sabedoria ancestral sobre o ingrediente que não pode ser desprezada. No diálogo, aprende-se que, quando um pescador apanha um beijupirá numa rede de sardinhas, a tradição manda que hasteie a bandeira do Brasil. Porque se trata de um peixe raro. Para descobrir mais, pode ser preciso recorrer 80

Até os colonizadores quando chegaram aqui preferiram a farinha de mandioca. Ela se tornou a base alimentar do país e em alguns lugares ainda é produzida exatamente como as índias a faziam há séculos

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

muito mais fresca, à do trigo. A partir daí, ela se

81


Filhote com tucupi e mandioca (serve 2 pessoas) Filhote

Fumet de peixe

Para temperar o Tucupi

• 400 g de lombo de Filhote (Brachyplatystoma

• 2 kg de carcaça de peixe

• 500 ml de tucupi

• 1 talo de salsão

• 100 ml fumet de peixe

• 200 g de tapioca

• 1 talo de alho-poró

• 1 dente de alho amassado

• 100 g de farinha de mandioca

• 1 cebola média

• 50 g de cebola picada

• 20 g de farinha de bacon

• 3 dentes de alho

• 30 g coentro

• Quanto baste de óleo de canola

• 250 ml de vinho branco

• 10 g de jambu (Spilanthes oleácea)

• Sal e pimenta

• 1 cravo da Índia

• 10 g de chicória do pará (Eryngium foetidum)

• 1 folhas de louro

• 10 g de alfavaca (Ocinum basilicum L.)

Modo de preparo

• 2 g de pimenta do reino em grãos

• Sal

Cozinhe a tapioca por mais ou menos 45 minutos, ou

• Água

• 1/2 pimenta de cheiro ardida

Modo de preparo

Modo de preparo

Coloque os ingredientes em uma panela, acrescente o

Aqueça o tucupi. Adicone a cebola, o alho, o fumet de

Farinha de bacon

vinho e um pouco de água, o suficiente para cobrir toda

peixe, a pimenta e todas as ervas. Deixe em infusão em

• 500 g bacon

a carcaça. Cozinhe por aproximadamente 3 horas, em

fogo baixo até que o tucupi esteja bem aromático. Coe e

farinha de bacon com a farinha de mandioca e faça

• 30 ml de óleo de canola

fogo baixo. Coe e reserve.

acerte o sal.

uma crosta em um lado do peixe.

• Papel absorvente

filamentosum) em cubos de 100 g cada

até que esteja quase transparente (com uma pequena bolinha branca ao centro). Coe e marine com o tucupi (veja receita na página Tempere o peixe com sal e pimenta. Misture a

Em uma frigideira antiaderente, cubra o fundo da

Finalização

panela com o óleo de canola e frite primeiro do lado

Modo de preparo

• Brotos de coentro

da crosta até que fique bem dourado e crocante. Vire

Escolha um pedaço de bacon com bastante carne e menos

• Flor de borago

o peixe rapidamente e finalize no forno por 2 minutos

gordura. Corte em cubos pequenos e leve ao fogo baixo,

• Folhas de jambu

antes de servir.

em uma frigideira com um fio de óleo. Derreta e frite, até o

• Flor de jambu

bacon ficar bem crocante e dourado, sem queimar. Envolva

Coloque a tapioca marinada com tucupi no fundo

os pedacinhos em muitas camadas de papel absorvente e

do prato. Ponha o peixe sobre a tapioca. Distribua as

prense, para tirar o máximo de gordura. Novamente envolva

flores e as ervas. Finalize com tucupi bem quente.

em papel e deixe desengordurar, por 12 horas. Bata no liqüidificador até obter uma farinha e volte a prensar no papel, para que fique sequinha, com a menor quantidade possível de gordura. Passe por uma peneira fina e reserve.

82

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

ao lado).

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Filhote com tucupi e mandioca (serve 2 pessoas) Filhote

Fumet de peixe

Para temperar o Tucupi

• 400 g de lombo de Filhote (Brachyplatystoma

• 2 kg de carcaça de peixe

• 500 ml de tucupi

• 1 talo de salsão

• 100 ml fumet de peixe

• 200 g de tapioca

• 1 talo de alho-poró

• 1 dente de alho amassado

• 100 g de farinha de mandioca

• 1 cebola média

• 50 g de cebola picada

• 20 g de farinha de bacon

• 3 dentes de alho

• 30 g coentro

• Quanto baste de óleo de canola

• 250 ml de vinho branco

• 10 g de jambu (Spilanthes oleácea)

• Sal e pimenta

• 1 cravo da Índia

• 10 g de chicória do pará (Eryngium foetidum)

• 1 folhas de louro

• 10 g de alfavaca (Ocinum basilicum L.)

Modo de preparo

• 2 g de pimenta do reino em grãos

• Sal

Cozinhe a tapioca por mais ou menos 45 minutos, ou

• Água

• 1/2 pimenta de cheiro ardida

Modo de preparo

Modo de preparo

Coloque os ingredientes em uma panela, acrescente o

Aqueça o tucupi. Adicone a cebola, o alho, o fumet de

Farinha de bacon

vinho e um pouco de água, o suficiente para cobrir toda

peixe, a pimenta e todas as ervas. Deixe em infusão em

• 500 g bacon

a carcaça. Cozinhe por aproximadamente 3 horas, em

fogo baixo até que o tucupi esteja bem aromático. Coe e

farinha de bacon com a farinha de mandioca e faça

• 30 ml de óleo de canola

fogo baixo. Coe e reserve.

acerte o sal.

uma crosta em um lado do peixe.

• Papel absorvente

filamentosum) em cubos de 100 g cada

até que esteja quase transparente (com uma pequena bolinha branca ao centro). Coe e marine com o tucupi (veja receita na página Tempere o peixe com sal e pimenta. Misture a

Em uma frigideira antiaderente, cubra o fundo da

Finalização

panela com o óleo de canola e frite primeiro do lado

Modo de preparo

• Brotos de coentro

da crosta até que fique bem dourado e crocante. Vire

Escolha um pedaço de bacon com bastante carne e menos

• Flor de borago

o peixe rapidamente e finalize no forno por 2 minutos

gordura. Corte em cubos pequenos e leve ao fogo baixo,

• Folhas de jambu

antes de servir.

em uma frigideira com um fio de óleo. Derreta e frite, até o

• Flor de jambu

bacon ficar bem crocante e dourado, sem queimar. Envolva

Coloque a tapioca marinada com tucupi no fundo

os pedacinhos em muitas camadas de papel absorvente e

do prato. Ponha o peixe sobre a tapioca. Distribua as

prense, para tirar o máximo de gordura. Novamente envolva

flores e as ervas. Finalize com tucupi bem quente.

em papel e deixe desengordurar, por 12 horas. Bata no liqüidificador até obter uma farinha e volte a prensar no papel, para que fique sequinha, com a menor quantidade possível de gordura. Passe por uma peneira fina e reserve.

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

ao lado).

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aos livros e à internet e assim ficar sabendo que o

restaurantes estrelados. A trufa chegou direto da

A memória do sabor

beijupirá está em toda a costa brasileira – mais que

terra para a mesa da gastronomia, foi valorizada.

Além de combinar técnicas clássicas e ingredientes

isso, em todo o Oceano Atlântico. Mas mantém sua

Na zona rural da França, os moradores preservam

brasileiros, pode-se também criar uma memória do

aura de nobreza. Não é tão fácil de achar e pescar

os restos de carne em banha. Os chefes de cozinha,

sabor, nessa busca de, pela via da culinária, trazer

como uma garoupa, um badejo, uma sardinha. Não

tendo essa conserva como base, preparam o confit

o país a quem não o conhece. Essas memórias são,

é à toa que os pescadores apelidaram o beijupirá de

de pato, uma receita mundialmente famosa.

num primeiro momento, experiências pessoais.

“peixe-rei”. Sua carne dura, semelhante à do cação,

No entanto, em Minas Gerais, as famílias

Mergulhar no mundo de aromas e sabores do

tem bastante gordura e se presta ao congelamento.

colocam o porco na banha há séculos e isso nunca

mercado Ver-O-Peso. Pescar com um ribeirinho no

Mas o sabor do beijupirá fresco é inigualável.

foi valorizado gastronomicamente. A galinha

rio Araguaia, assisti-lo limpar e temperar o peixe,

É comum encontrá-lo, entre outros lugares, no

caipira sempre foi menos bem vista do que a

comer com ele. Acompanhar uma caçada de

mercado Ver-O-Peso, em Belém do Pará.

galinha de granja, o oposto do que acontece na

índios, temperar a carne com ervas do mato, jantar

Com um ingrediente assim, dissecado

Itália ou na França. Na Itália, os caracóis criados

junto com a tribo. Essas experiências viram receitas

profundamente, podem-se inventar receitas

são menos valorizados do que os selvagens. Isso

e trazem com elas o sabor da vivência.

maravilhosas, que combinem o sabor regional

não é costume no Brasil.

com a técnica e a criatividade da alta gastronomia.

Por isso, é possível, especialmente em São

Da mesma forma, um bom prato não evoca apenas a viagem feita pelo cozinheiro. Quem

Paulo e no Rio de Janeiro, conseguir qualquer

já esteve na Amazônia, já comeu um peixe

Cozinha nacional

ingrediente de qualquer lugar do mundo. Mas, se

no Araguaia, ou uma carne no Pantanal irá

As cozinhas nacionais são variações dessa mesma

você quiser fazer um pato no tucupi, vai ter que

reconhecer os sabores nessas receitas. Quem

técnica clássica, misturada com ingredientes

bater muita perna e pode nem chegar a juntar

nunca foi para esses lugares pode acreditar: a

locais e dados culturais. O espanhol Ferran Adrià,

tudo o que é preciso.

Amazônia, o Pantanal, o Araguaia estão lá.

o cozinheiro mais famoso da atualidade, já disse:

Isso acontece porque talvez faltem cozinheiros

“Vocês não têm idéia de como o seu país é rico

que procurem conhecer e entender os ingredientes

e potente. Se você olhar o mapa-múndi, verá

e seus preparos, que busquem se embrenhar pelo

que todos os cantos do mundo já deram sua

país para aprender com humildade com quem

contribuição gastronômica ao Brasil. A China

cozinha no dia-a-dia.

Alex Atala é um dos mais importantes chefes de cozinha do país e autor de vários livros de gastronomia. Seu restaurante, o D.O.M., aberto em São Paulo em 1999, já está há três anos na lista dos 50 melhores do mundo feita pela revista inglesa Restaurant.

*

e o Japão mandaram as algas, o shoyu e o gengibre. A Índia enviou as especiarias. A Rússia, a vodca e o caviar. O Mediterrâneo, as azeitonas e os azeites. A Europa, as caças, as ervas e as

Com um ingrediente como o peixe beijupirá podemos inventar receitas maravilhosas, que combinem o sabor regional com a técnica e a criatividade da alta gastronomia

Amazônia. Vocês têm ervas, peixes, frutas, uma infinidade de sabores”. No Brasil, porém, os ingredientes amazônicos e mesmo os tradicionais nunca chegaram à mesa da gastronomia pela porta da frente. A cozinha da senzala entrou na casa grande, mas nunca com brilho. Na Itália, o caipira sai com seu porco farejando a terra e encontra fungos. Depois, eles são vendidos, in natura, como trufas nos

84

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

trufas. Existe, no entanto, um lugar intocado: a

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aos livros e à internet e assim ficar sabendo que o

restaurantes estrelados. A trufa chegou direto da

A memória do sabor

beijupirá está em toda a costa brasileira – mais que

terra para a mesa da gastronomia, foi valorizada.

Além de combinar técnicas clássicas e ingredientes

isso, em todo o Oceano Atlântico. Mas mantém sua

Na zona rural da França, os moradores preservam

brasileiros, pode-se também criar uma memória do

aura de nobreza. Não é tão fácil de achar e pescar

os restos de carne em banha. Os chefes de cozinha,

sabor, nessa busca de, pela via da culinária, trazer

como uma garoupa, um badejo, uma sardinha. Não

tendo essa conserva como base, preparam o confit

o país a quem não o conhece. Essas memórias são,

é à toa que os pescadores apelidaram o beijupirá de

de pato, uma receita mundialmente famosa.

num primeiro momento, experiências pessoais.

“peixe-rei”. Sua carne dura, semelhante à do cação,

No entanto, em Minas Gerais, as famílias

Mergulhar no mundo de aromas e sabores do

tem bastante gordura e se presta ao congelamento.

colocam o porco na banha há séculos e isso nunca

mercado Ver-O-Peso. Pescar com um ribeirinho no

Mas o sabor do beijupirá fresco é inigualável.

foi valorizado gastronomicamente. A galinha

rio Araguaia, assisti-lo limpar e temperar o peixe,

É comum encontrá-lo, entre outros lugares, no

caipira sempre foi menos bem vista do que a

comer com ele. Acompanhar uma caçada de

mercado Ver-O-Peso, em Belém do Pará.

galinha de granja, o oposto do que acontece na

índios, temperar a carne com ervas do mato, jantar

Com um ingrediente assim, dissecado

Itália ou na França. Na Itália, os caracóis criados

junto com a tribo. Essas experiências viram receitas

profundamente, podem-se inventar receitas

são menos valorizados do que os selvagens. Isso

e trazem com elas o sabor da vivência.

maravilhosas, que combinem o sabor regional

não é costume no Brasil.

com a técnica e a criatividade da alta gastronomia.

Por isso, é possível, especialmente em São

Da mesma forma, um bom prato não evoca apenas a viagem feita pelo cozinheiro. Quem

Paulo e no Rio de Janeiro, conseguir qualquer

já esteve na Amazônia, já comeu um peixe

Cozinha nacional

ingrediente de qualquer lugar do mundo. Mas, se

no Araguaia, ou uma carne no Pantanal irá

As cozinhas nacionais são variações dessa mesma

você quiser fazer um pato no tucupi, vai ter que

reconhecer os sabores nessas receitas. Quem

técnica clássica, misturada com ingredientes

bater muita perna e pode nem chegar a juntar

nunca foi para esses lugares pode acreditar: a

locais e dados culturais. O espanhol Ferran Adrià,

tudo o que é preciso.

Amazônia, o Pantanal, o Araguaia estão lá.

o cozinheiro mais famoso da atualidade, já disse:

Isso acontece porque talvez faltem cozinheiros

“Vocês não têm idéia de como o seu país é rico

que procurem conhecer e entender os ingredientes

e potente. Se você olhar o mapa-múndi, verá

e seus preparos, que busquem se embrenhar pelo

que todos os cantos do mundo já deram sua

país para aprender com humildade com quem

contribuição gastronômica ao Brasil. A China

cozinha no dia-a-dia.

Alex Atala é um dos mais importantes chefes de cozinha do país e autor de vários livros de gastronomia. Seu restaurante, o D.O.M., aberto em São Paulo em 1999, já está há três anos na lista dos 50 melhores do mundo feita pela revista inglesa Restaurant.

*

e o Japão mandaram as algas, o shoyu e o gengibre. A Índia enviou as especiarias. A Rússia, a vodca e o caviar. O Mediterrâneo, as azeitonas e os azeites. A Europa, as caças, as ervas e as

Com um ingrediente como o peixe beijupirá podemos inventar receitas maravilhosas, que combinem o sabor regional com a técnica e a criatividade da alta gastronomia

Amazônia. Vocês têm ervas, peixes, frutas, uma infinidade de sabores”. No Brasil, porém, os ingredientes amazônicos e mesmo os tradicionais nunca chegaram à mesa da gastronomia pela porta da frente. A cozinha da senzala entrou na casa grande, mas nunca com brilho. Na Itália, o caipira sai com seu porco farejando a terra e encontra fungos. Depois, eles são vendidos, in natura, como trufas nos

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

trufas. Existe, no entanto, um lugar intocado: a

85


design e arquitetura

Coisas e jeitos de morar Depoimento de AdĂŠlia Borges*

87


design e arquitetura

Coisas e jeitos de morar Depoimento de AdĂŠlia Borges*

87


do brasileiro de pegar o que está ao seu redor e

casa popular no Brasil: sustentabilidade,

fazer uma reinvenção inteligente. Restos de palhas

inventividade e diversidade. Muito antes

de milho são misturados ao algodão no tear para

de a palavra ecologia constar do dicionário, o povo

compor tecidos; sementes de plantas viram cortinas;

brasileiro já era ecológico. Essa postura se revela

tampinhas de refrigerante se transformam em

na escolha de materiais da paisagem natural em

capachos que não ficam nada a dever aos das

que a habitação está inserida. As madeiras, o barro

melhores lojas; restos de garrafa pet viram vassoura.

que se agrega à trama de madeira para preencher

E por aí vão os inúmeros exemplos que aliam a

o pau a pique ou que se transforma em tijolo, as

postura ecológica a uma grande inventividade.

palhas das palmeiras da cobertura que protege do

Até o início dos anos 1980 não havia tanta

sol... São muitos os exemplos do uso inteligente

preocupação com a ecologia. O tema estava

dos materiais locais em técnicas transmitidas de

vinculado a um mundo distante, da floresta.

geração a geração. Eles são um conjunto de saberes

Empresas respeitáveis tinham em seu logotipo a

que revelam uma intimidade com a natureza da

chaminé como um símbolo de progresso. Só no

qual resultam soluções de paisagem construída que

final dos anos 1980 é que começa a se difundir a

estão em perfeita harmonia com a natural.

consciência de que a ecologia tem a ver também

A sustentabilidade está presente nas técnicas

com o mundo industrial e, além disso, está

construtivas, na “casca” da arquitetura e nos

relacionada a nossos comportamentos e atitudes.

equipamentos domésticos. É notável a capacidade

Foi nesse momento que governo, organizações da

No design popular a simplicidade construtiva é comum. Em outros meios é vista como algo tão complicado que demanda muito estudo dos especialistas

88

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

T

rês características principais marcam a

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do brasileiro de pegar o que está ao seu redor e

casa popular no Brasil: sustentabilidade,

fazer uma reinvenção inteligente. Restos de palhas

inventividade e diversidade. Muito antes

de milho são misturados ao algodão no tear para

de a palavra ecologia constar do dicionário, o povo

compor tecidos; sementes de plantas viram cortinas;

brasileiro já era ecológico. Essa postura se revela

tampinhas de refrigerante se transformam em

na escolha de materiais da paisagem natural em

capachos que não ficam nada a dever aos das

que a habitação está inserida. As madeiras, o barro

melhores lojas; restos de garrafa pet viram vassoura.

que se agrega à trama de madeira para preencher

E por aí vão os inúmeros exemplos que aliam a

o pau a pique ou que se transforma em tijolo, as

postura ecológica a uma grande inventividade.

palhas das palmeiras da cobertura que protege do

Até o início dos anos 1980 não havia tanta

sol... São muitos os exemplos do uso inteligente

preocupação com a ecologia. O tema estava

dos materiais locais em técnicas transmitidas de

vinculado a um mundo distante, da floresta.

geração a geração. Eles são um conjunto de saberes

Empresas respeitáveis tinham em seu logotipo a

que revelam uma intimidade com a natureza da

chaminé como um símbolo de progresso. Só no

qual resultam soluções de paisagem construída que

final dos anos 1980 é que começa a se difundir a

estão em perfeita harmonia com a natural.

consciência de que a ecologia tem a ver também

A sustentabilidade está presente nas técnicas

com o mundo industrial e, além disso, está

construtivas, na “casca” da arquitetura e nos

relacionada a nossos comportamentos e atitudes.

equipamentos domésticos. É notável a capacidade

Foi nesse momento que governo, organizações da

No design popular a simplicidade construtiva é comum. Em outros meios é vista como algo tão complicado que demanda muito estudo dos especialistas

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

T

rês características principais marcam a

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sociedade civil e empresas incorporaram a noção de

modo de morar do brasileiro. Com a participação

arquitetura da região da Quarta Colônia, no Rio

que a sustentabilidade passa pelo aproveitamento

e a liderança de dois grandes professores, o

Grande do Sul, de origem italiana.

das matérias-primas locais, em geral orgânicas e

arquiteto Carlos Lemos e o historiador Ulpiano

biodegradáveis, e dos objetos ligados ao meio de

Bezerra de Meneses, da Universidade de

diversidade. As casas da Quarta Colônia – que

vida da população. E isso o povo brasileiro já fazia,

São Paulo e então conselheiros do Museu,

abrigaram a quarta leva de imigrantes da Itália

há muito tempo... Quem está hoje na faixa dos 40

examinamos portfólios de todo o país, revelando

– são de pedra, tal como as da região do Vêneto.

anos deve ter tido uma avó que guardava tudo, da

um multifacetado painel. Na primeira edição,

Os imigrantes optaram pelo granito, abundante

lata de biscoito à caixa de sapatos, e os aproveitava

pontuamos tipologias e mostramos o olhar

no local, e pelo arenito, constituindo paredes

vida afora. Um tempo depois, houve uma fase em

do fotógrafo em quatro micro-regiões. Anna

grossas para proteger do inverno rigoroso. Nas

que isso nos envergonhava, era um sinal de pobreza,

Mariani, conhecida por seu extenso e seminal

casas do Cariri, predominavam as paredes de taipa,

tornou-se mais bacana comprar pronto, perfeito.

trabalho sobre fachadas nordestinas, mostrou a

encontradas também na Chapada Diamantina,

Agora, vemos um retorno à reutilização.

vida dentro de casas de Nova Olinda, na região

onde conviviam com alvenaria. Já no sul do Paraná,

do Cariri, no Ceará. A baiana Iêda Marques

as casas dos imigrantes são de madeira.

Uma imagem poderosa para ilustrar essa

Nesses ensaios ficou clara uma grande

capacidade de criar a partir das sobras é a da

compareceu com residências da Chapada

colcha de retalhos, presente em culturas em que

Diamantina, na Bahia, especialmente as cozinhas.

Pontos em comum

houve escravidão, como a brasileira e a norte-

Os sinais domésticos da imigração polonesa no

Há alguns pontos que se mantêm em quase todas

americana, e em que os escravos tinham às mãos

Paraná foram retratados pelo paranaense João

as casas brasileiras. Um deles é a importância da

apenas os restos da casa grande. Os pequenos

Urban. Já o gaúcho Andrés Otero trouxe à tona a

cozinha. De norte a sul, a cozinha sempre foi um

mãos habilidosas e mentes criativas em mosaicos encantadores, muito mais ricos do ponto de vista estético do que peças industrializadas. Essa mesma capacidade se revela na lata furada para fazer um ralador; nos móveis de madeira montados com encaixes; no cesto de fibras trançadas com maestria. São soluções que primam pela simplicidade construtiva – e todo mundo que freqüentou uma escola sabe como é complicado ser simples, como só os verdadeiramente sábios chegam às soluções da simplicidade. Da soma de sustentabilidade com inventividade chegamos à terceira característica: a diversidade. Se a prática da construção e da elaboração dos equipamentos é ligada às condições locais, num país de dimensões continentais só poderíamos falar em “casas brasileiras”, no plural. Quando dirigi o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, iniciamos um projeto chamado Casas do Brasil, que mostrava fotografias mapeando o 90

De norte a sul a cozinha nas casas brasileiras sempre foi um lugar de sociabilidade. Não era só para cozinhar, era um ambiente de estar, de reunir a família

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

retalhos descartados são transformados por

91


sociedade civil e empresas incorporaram a noção de

modo de morar do brasileiro. Com a participação

arquitetura da região da Quarta Colônia, no Rio

que a sustentabilidade passa pelo aproveitamento

e a liderança de dois grandes professores, o

Grande do Sul, de origem italiana.

das matérias-primas locais, em geral orgânicas e

arquiteto Carlos Lemos e o historiador Ulpiano

biodegradáveis, e dos objetos ligados ao meio de

Bezerra de Meneses, da Universidade de

diversidade. As casas da Quarta Colônia – que

vida da população. E isso o povo brasileiro já fazia,

São Paulo e então conselheiros do Museu,

abrigaram a quarta leva de imigrantes da Itália

há muito tempo... Quem está hoje na faixa dos 40

examinamos portfólios de todo o país, revelando

– são de pedra, tal como as da região do Vêneto.

anos deve ter tido uma avó que guardava tudo, da

um multifacetado painel. Na primeira edição,

Os imigrantes optaram pelo granito, abundante

lata de biscoito à caixa de sapatos, e os aproveitava

pontuamos tipologias e mostramos o olhar

no local, e pelo arenito, constituindo paredes

vida afora. Um tempo depois, houve uma fase em

do fotógrafo em quatro micro-regiões. Anna

grossas para proteger do inverno rigoroso. Nas

que isso nos envergonhava, era um sinal de pobreza,

Mariani, conhecida por seu extenso e seminal

casas do Cariri, predominavam as paredes de taipa,

tornou-se mais bacana comprar pronto, perfeito.

trabalho sobre fachadas nordestinas, mostrou a

encontradas também na Chapada Diamantina,

Agora, vemos um retorno à reutilização.

vida dentro de casas de Nova Olinda, na região

onde conviviam com alvenaria. Já no sul do Paraná,

do Cariri, no Ceará. A baiana Iêda Marques

as casas dos imigrantes são de madeira.

Uma imagem poderosa para ilustrar essa

Nesses ensaios ficou clara uma grande

capacidade de criar a partir das sobras é a da

compareceu com residências da Chapada

colcha de retalhos, presente em culturas em que

Diamantina, na Bahia, especialmente as cozinhas.

Pontos em comum

houve escravidão, como a brasileira e a norte-

Os sinais domésticos da imigração polonesa no

Há alguns pontos que se mantêm em quase todas

americana, e em que os escravos tinham às mãos

Paraná foram retratados pelo paranaense João

as casas brasileiras. Um deles é a importância da

apenas os restos da casa grande. Os pequenos

Urban. Já o gaúcho Andrés Otero trouxe à tona a

cozinha. De norte a sul, a cozinha sempre foi um

mãos habilidosas e mentes criativas em mosaicos encantadores, muito mais ricos do ponto de vista estético do que peças industrializadas. Essa mesma capacidade se revela na lata furada para fazer um ralador; nos móveis de madeira montados com encaixes; no cesto de fibras trançadas com maestria. São soluções que primam pela simplicidade construtiva – e todo mundo que freqüentou uma escola sabe como é complicado ser simples, como só os verdadeiramente sábios chegam às soluções da simplicidade. Da soma de sustentabilidade com inventividade chegamos à terceira característica: a diversidade. Se a prática da construção e da elaboração dos equipamentos é ligada às condições locais, num país de dimensões continentais só poderíamos falar em “casas brasileiras”, no plural. Quando dirigi o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, iniciamos um projeto chamado Casas do Brasil, que mostrava fotografias mapeando o 90

De norte a sul a cozinha nas casas brasileiras sempre foi um lugar de sociabilidade. Não era só para cozinhar, era um ambiente de estar, de reunir a família

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

retalhos descartados são transformados por

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lugar de sociabilidade, usada como um ambiente de estar, o local de reunir a família. O cheiro do café sendo coado é um signo da ocupação humana daquele abrigo. Como lembra o professor Carlos

A rede é um equipamento doméstico brasileiro por excelência, existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre

Lemos, “desde os tempos de muito antigamente, o fogo aceso para o cozimento dos alimentos é que indicava a habitação em pleno funcionamento e,

escravocrata, em que é feio trabalhar com as mãos

daí, lar, o nome da pedra do fogão romano, hoje

e se valoriza ou o trabalho intelectual, interditou-

significar justamente o local onde a família sobrevive

se ao “bem nascido” as delícias da alquimia dos

em paz. O lugar no qual as comidas são preparadas,

alimentos. Quem é rico não faz, manda fazer. Isso

inclusive na casa modesta do brasileiro simples,

empobreceu a vida doméstica por um tempo. No

comparece como o centro de interesse a cuja

entanto, hoje se assiste à revalorização da cozinha

volta surgem os demais componentes da lista das

como um lugar de encontro.

atuações do dia-a-dia, a que os arquitetos chamam de programa de necessidades”.(1) Essa tradição foi rompida nas casas das classes

Outro ponto em comum na casa brasileira é a rede de dormir. Usada pelos índios, era feita de fibras vegetais ou de algodão. O português a assimilou por suas inúmeras qualidades: é leve,

empregada doméstica na cozinha. Numa sociedade

fácil de transportar e muito adequada para um

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

médias altas urbanas, em que se segregou a

92

93


lugar de sociabilidade, usada como um ambiente de estar, o local de reunir a família. O cheiro do café sendo coado é um signo da ocupação humana daquele abrigo. Como lembra o professor Carlos

A rede é um equipamento doméstico brasileiro por excelência, existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre

Lemos, “desde os tempos de muito antigamente, o fogo aceso para o cozimento dos alimentos é que indicava a habitação em pleno funcionamento e,

escravocrata, em que é feio trabalhar com as mãos

daí, lar, o nome da pedra do fogão romano, hoje

e se valoriza ou o trabalho intelectual, interditou-

significar justamente o local onde a família sobrevive

se ao “bem nascido” as delícias da alquimia dos

em paz. O lugar no qual as comidas são preparadas,

alimentos. Quem é rico não faz, manda fazer. Isso

inclusive na casa modesta do brasileiro simples,

empobreceu a vida doméstica por um tempo. No

comparece como o centro de interesse a cuja

entanto, hoje se assiste à revalorização da cozinha

volta surgem os demais componentes da lista das

como um lugar de encontro.

atuações do dia-a-dia, a que os arquitetos chamam de programa de necessidades”.(1) Essa tradição foi rompida nas casas das classes

Outro ponto em comum na casa brasileira é a rede de dormir. Usada pelos índios, era feita de fibras vegetais ou de algodão. O português a assimilou por suas inúmeras qualidades: é leve,

empregada doméstica na cozinha. Numa sociedade

fácil de transportar e muito adequada para um

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

médias altas urbanas, em que se segregou a

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Por mais simples que seja a casa brasileira, há um desejo de beleza e harmonia e uma grande preocupação com a simetria

país quente e úmido como o Brasil. Esse é um equipamento doméstico brasileiro por excelência. Existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre. Numa residência, “o corpo dispõe de um abrigo fechado onde pode estirar-se, dormir, fugir do barulho, dos olhares, da presença de outras pessoas, garantir suas funções e seu entretenimento mais íntimo”, nas palavras do escritor Michel de Certeau.(2) No entanto, o papel da casa vai muito além de abrigo das intempéries. Como diz o filósofo francês Gaston Bachelard, “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz”.(3) Talvez a partir dessa reflexão possamos compreender como as casas populares brasileiras transcendem a busca da funcionalidade ou do conforto para almejar a beleza, verificada no esmero de um detalhe que tem a única “função” de alegrar a vista, ou percebida nos enfeites simetricamente dispostos nos ambientes, como se a simetria fosse uma garantia de tranqüilidade e paz. Na casa popular brasileira, a forma seguiu a roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato

que a forma segue a função. Desse ponto de vista,

protegendo a terra para que a água não a arraste

o bom design independe de tempo e lugar. Essa

presença constante, seja por meio de um pequeno

e não se perca a sua riqueza”; “Se o sertanejo

visão veio da Bauhaus, movimento surgido no início

altar, de imagens na parede, ou esculturas e

obedecer a esses preceitos, a seca vai aos poucos

do século XX na Alemanha. O programa chegou

oratórios. Em algumas regiões, esses espaços

se acabando, o gado melhorando, e o povo terá

aqui pronto da Escola de Ulm, da Alemanha, que

da espiritualidade são mais exuberantes. É o

sempre o que comer; mas se não obedecer, dentro

seguia os preceitos da Bauhaus. Esse vínculo com o

caso do Cariri, onde é seguida ao pé da letra a

em pouco o sertão todo vai virar um deserto só”.

funcionalismo deixou marcas profundas no design

recomendação do Padre Cícero Romão de que cada

Que belas e pertinentes recomendações!

brasileiro, desestimulando a pesquisa em torno da

falarem dos conceitos de design emocional. O espaço de conexão com o sagrado é uma

nossa cultura material popular.

casa deveria ter um altar e uma oficina – o que,

94

diga-se, influenciou muito a qualidade da cultura

Design: valorização das raízes

material local. Além de importante líder religioso,

Em geral, os povos colonizados, como o brasileiro,

imprimiram feições brasileiras em seu trabalho. O

Padre Cícero também pode ser considerado um

têm complexo de inferioridade, como se as coisas

carioca Sérgio Rodrigues teve uma preocupação

precursor dos líderes ambientalistas. Costumava

feitas na metrópole fossem mais importantes ou

deliberada nesse sentido e buscou nas raízes

orientar os sertanejos com frases simples, como:

mais corretas. No campo do design brasileiro,

ibéricas um fio condutor para suas pesquisas, que

“Não toque fogo nem no roçado, nem na

houve outro fator. As primeiras universidades eram

resultaram em móveis robustos. Já o português

caatinga”; “Não plante em serra acima, nem faça

vinculadas a um modo de ver funcionalista, em

Joaquim Tenreiro viu que as pessoas usavam, no calor

Nadando contra a corrente, alguns designers

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

emoção, o coração, muito antes de os compêndios

95


Por mais simples que seja a casa brasileira, há um desejo de beleza e harmonia e uma grande preocupação com a simetria

país quente e úmido como o Brasil. Esse é um equipamento doméstico brasileiro por excelência. Existe de norte a sul, de leste a oeste, na casa do rico e na do pobre. Numa residência, “o corpo dispõe de um abrigo fechado onde pode estirar-se, dormir, fugir do barulho, dos olhares, da presença de outras pessoas, garantir suas funções e seu entretenimento mais íntimo”, nas palavras do escritor Michel de Certeau.(2) No entanto, o papel da casa vai muito além de abrigo das intempéries. Como diz o filósofo francês Gaston Bachelard, “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz”.(3) Talvez a partir dessa reflexão possamos compreender como as casas populares brasileiras transcendem a busca da funcionalidade ou do conforto para almejar a beleza, verificada no esmero de um detalhe que tem a única “função” de alegrar a vista, ou percebida nos enfeites simetricamente dispostos nos ambientes, como se a simetria fosse uma garantia de tranqüilidade e paz. Na casa popular brasileira, a forma seguiu a roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato

que a forma segue a função. Desse ponto de vista,

protegendo a terra para que a água não a arraste

o bom design independe de tempo e lugar. Essa

presença constante, seja por meio de um pequeno

e não se perca a sua riqueza”; “Se o sertanejo

visão veio da Bauhaus, movimento surgido no início

altar, de imagens na parede, ou esculturas e

obedecer a esses preceitos, a seca vai aos poucos

do século XX na Alemanha. O programa chegou

oratórios. Em algumas regiões, esses espaços

se acabando, o gado melhorando, e o povo terá

aqui pronto da Escola de Ulm, da Alemanha, que

da espiritualidade são mais exuberantes. É o

sempre o que comer; mas se não obedecer, dentro

seguia os preceitos da Bauhaus. Esse vínculo com o

caso do Cariri, onde é seguida ao pé da letra a

em pouco o sertão todo vai virar um deserto só”.

funcionalismo deixou marcas profundas no design

recomendação do Padre Cícero Romão de que cada

Que belas e pertinentes recomendações!

brasileiro, desestimulando a pesquisa em torno da

falarem dos conceitos de design emocional. O espaço de conexão com o sagrado é uma

nossa cultura material popular.

casa deveria ter um altar e uma oficina – o que,

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diga-se, influenciou muito a qualidade da cultura

Design: valorização das raízes

material local. Além de importante líder religioso,

Em geral, os povos colonizados, como o brasileiro,

imprimiram feições brasileiras em seu trabalho. O

Padre Cícero também pode ser considerado um

têm complexo de inferioridade, como se as coisas

carioca Sérgio Rodrigues teve uma preocupação

precursor dos líderes ambientalistas. Costumava

feitas na metrópole fossem mais importantes ou

deliberada nesse sentido e buscou nas raízes

orientar os sertanejos com frases simples, como:

mais corretas. No campo do design brasileiro,

ibéricas um fio condutor para suas pesquisas, que

“Não toque fogo nem no roçado, nem na

houve outro fator. As primeiras universidades eram

resultaram em móveis robustos. Já o português

caatinga”; “Não plante em serra acima, nem faça

vinculadas a um modo de ver funcionalista, em

Joaquim Tenreiro viu que as pessoas usavam, no calor

Nadando contra a corrente, alguns designers

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

emoção, o coração, muito antes de os compêndios

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do Rio de Janeiro, sofás de veludo e brocado, porque

presidente Juscelino Kubitschek, chamada “Bahia”,

as elites queriam se comportar como se estivessem

que marcou época. Ali, expôs toda a força da criação

na França. A isso Tenreiro respondeu com móveis

baiana, colocando folhas secas no chão, orixás

muito leves, em madeiras delgadas e palhinhas.

grandes, colchas de retalho e objetos do cotidiano.

Uma figura bastante importante foi Lina Bo Bardi,

Nos anos 1970, o artista plástico e designer

arquiteta formada na Itália, que veio para o Brasil

pernambucano Aloísio Magalhães foi designado

com seu marido, Pietro Maria Bardi, chamado por

para a Secretaria da Cultura, que respondia ao

Assis Chateaubriand para criar o Masp (Museu de

Ministério de Educação e Cultura. Certa vez, Severo

Arte de São Paulo). Ao chegar, encantou-se com a

Gomes, então ministro da Indústria e Comércio,

cultura popular. Lina dizia: “Procurar com atenção

perguntou a Aloísio: “Por que o produto brasileiro

as bases culturais de um país, sejam quais forem

não é conhecido lá fora? Por que ele não tem uma

– pobres, míseras, populares – quando reais, não

cara?”. Aloísio respondeu que era porque nós não

significa conservar as formas e os materiais, significa

conhecíamos nossas raízes. A partir daí nasceu, no

avaliar as possibilidades criativas originais”.(4) Ela

âmbito do Ministério da Indústria e Comércio, o

compreendeu a vitalidade do que passou a chamar

Centro Nacional de Referência Cultural, dirigido por

de “a civilização brasileira”, contrapondo-se a quem

Aloísio, que começou a fazer uma documentação

achava que o que havia aqui não era civilização. Em

do artesanato e das indústrias nascentes, como

1959, fez uma exposição no parque do Ibirapuera,

a do aproveitamento do caju, no nordeste.

na Bienal de Arte de São Paulo, aberta pelo então

Nesse momento houve, pela primeira vez, uma

Brasileiros pelo mundo Referência no Brasil e no mundo, a obra do maior

e mobiliário com fios emaranhados e entrelaçados,

arquiteto brasileiro e um dos dez gênios vivos do planeta,

retalhos, estampas e materiais variados, como plástico,

segundo a empresa de consultoria Synectics, está

tecidos, cordas e reciclados. Além da beleza plástica, suas

intimamente ligada à cultura popular brasileira. Oscar

peças materializam o gênio inventivo, explosivo, inquieto

Niemeyer recebeu claras influências do arquiteto suíço

e o espírito imaginativo contemporâneo do nosso povo.

Le Corbusier, mas a originalidade de seus projetos reside na integração da arquitetura moderna com elementos

e museus internacionais, que culminaram com uma

da arte colonial brasileira, como o uso decorativo de

retrospectiva no MoMA (Museu de Arte Moderna) de

azulejos. Em atividade desde 1937, ele enfeitou com sua

Nova York em 1998, suas criações se espalharam pelo

arquitetura de estilo próprio muitas cidades pelo país.

mundo. Desde então, os irmãos Campana justamente

Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Niterói contam

porque têm esse DNA de brasilidade muito forte, embora

com obras suas, além de várias cidades no exterior.

não esteriotipado, continuam buscando provar que

Também conhecidos internacionalmente, os irmãos

96

Nos anos 1990, depois de exposições em galerias

o trabalho com materiais simples, de maneira quase

Fernando e Humberto Campana transformam tudo o

artesanal, é o melhor jeito de expressar, num mundo tão

que fazem em obras de arte: criam objetos de design

globalizado, uma forma brasileira de morar e de viver.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Dos anos 1990 para cá, estamos assistindo a um renascimento muito forte da cultura popular brasileira dentro do design

97


do Rio de Janeiro, sofás de veludo e brocado, porque

presidente Juscelino Kubitschek, chamada “Bahia”,

as elites queriam se comportar como se estivessem

que marcou época. Ali, expôs toda a força da criação

na França. A isso Tenreiro respondeu com móveis

baiana, colocando folhas secas no chão, orixás

muito leves, em madeiras delgadas e palhinhas.

grandes, colchas de retalho e objetos do cotidiano.

Uma figura bastante importante foi Lina Bo Bardi,

Nos anos 1970, o artista plástico e designer

arquiteta formada na Itália, que veio para o Brasil

pernambucano Aloísio Magalhães foi designado

com seu marido, Pietro Maria Bardi, chamado por

para a Secretaria da Cultura, que respondia ao

Assis Chateaubriand para criar o Masp (Museu de

Ministério de Educação e Cultura. Certa vez, Severo

Arte de São Paulo). Ao chegar, encantou-se com a

Gomes, então ministro da Indústria e Comércio,

cultura popular. Lina dizia: “Procurar com atenção

perguntou a Aloísio: “Por que o produto brasileiro

as bases culturais de um país, sejam quais forem

não é conhecido lá fora? Por que ele não tem uma

– pobres, míseras, populares – quando reais, não

cara?”. Aloísio respondeu que era porque nós não

significa conservar as formas e os materiais, significa

conhecíamos nossas raízes. A partir daí nasceu, no

avaliar as possibilidades criativas originais”.(4) Ela

âmbito do Ministério da Indústria e Comércio, o

compreendeu a vitalidade do que passou a chamar

Centro Nacional de Referência Cultural, dirigido por

de “a civilização brasileira”, contrapondo-se a quem

Aloísio, que começou a fazer uma documentação

achava que o que havia aqui não era civilização. Em

do artesanato e das indústrias nascentes, como

1959, fez uma exposição no parque do Ibirapuera,

a do aproveitamento do caju, no nordeste.

na Bienal de Arte de São Paulo, aberta pelo então

Nesse momento houve, pela primeira vez, uma

Brasileiros pelo mundo Referência no Brasil e no mundo, a obra do maior

e mobiliário com fios emaranhados e entrelaçados,

arquiteto brasileiro e um dos dez gênios vivos do planeta,

retalhos, estampas e materiais variados, como plástico,

segundo a empresa de consultoria Synectics, está

tecidos, cordas e reciclados. Além da beleza plástica, suas

intimamente ligada à cultura popular brasileira. Oscar

peças materializam o gênio inventivo, explosivo, inquieto

Niemeyer recebeu claras influências do arquiteto suíço

e o espírito imaginativo contemporâneo do nosso povo.

Le Corbusier, mas a originalidade de seus projetos reside na integração da arquitetura moderna com elementos

e museus internacionais, que culminaram com uma

da arte colonial brasileira, como o uso decorativo de

retrospectiva no MoMA (Museu de Arte Moderna) de

azulejos. Em atividade desde 1937, ele enfeitou com sua

Nova York em 1998, suas criações se espalharam pelo

arquitetura de estilo próprio muitas cidades pelo país.

mundo. Desde então, os irmãos Campana justamente

Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Niterói contam

porque têm esse DNA de brasilidade muito forte, embora

com obras suas, além de várias cidades no exterior.

não esteriotipado, continuam buscando provar que

Também conhecidos internacionalmente, os irmãos

96

Nos anos 1990, depois de exposições em galerias

o trabalho com materiais simples, de maneira quase

Fernando e Humberto Campana transformam tudo o

artesanal, é o melhor jeito de expressar, num mundo tão

que fazem em obras de arte: criam objetos de design

globalizado, uma forma brasileira de morar e de viver.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Dos anos 1990 para cá, estamos assistindo a um renascimento muito forte da cultura popular brasileira dentro do design

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preocupação deliberada com o que os brasileiros faziam e como criavam os artefatos. Aluísio invocava a imagem do estilingue, em que “quanto mais para trás a borracha vai, mais longe a pedra alcança”, para dizer que deveríamos valorizar a tradição para extrair dela a inovação. Depois da morte prematura de Aluísio, em 1982, a iniciativa foi interrompida. Mas, à medida em que o mundo se globalizou, a atenção se voltou cada vez mais para as coisas locais. Dos anos 1990 para cá, assistimos a um renascimento forte da valorização da cultura popular dentro do design. Descobrimos o capim dourado do Jalapão como um material nobre, as possibilidades dos tipos de barro e das fibras vegetais. As faculdades não ensinavam isso, mas agora vemos a descoberta de técnicas e materiais locais. Mesmo com essa resistência, as peças de artesanato nunca correram o risco de desaparecer. Uma coisa que nos caracteriza é a mestiçagem,

o hibridismo, a contaminação, a mistura e a

um pano para o sofá, comprava um padrão floral

capacidade de transformação. Isso existe muito no

inglês. Hoje, procura por objetos e estampas que

design brasileiro. Andando pelo país, percebemos

expressem nossas raízes.

o desejo de auto-afirmação, o orgulho. Voltando à colcha de retalhos, por exemplo. Hoje, foi

voltadas à valorização das culturas do povo.

revalorizada e se sofisticou. Já o fuxico, uma

Um avanço importante foi a legislação sobre o

técnica bem brasileira, virou uma febre. No país

patrimônio imaterial. Antes, só se preservavam

todo há a valorização dos elementos regionais, e

os monumentos; agora, o conceito passou

não só aqui

para bens intangíveis, nos quais se inscrevem

Esse fenômeno de junção do global com o local

desde um instrumento como a viola de cocho

é forte no design de equipamentos para o habitat,

do Mato Grosso, até um utensílio doméstico

no design do próprio habitat e no do ambiente,

como a panela de barro feita em Goiabeiras, no

no que chamamos de arquitetura de interiores.

Espírito Santo. Estamos percebendo que esses

Na Amazônia, os arquitetos aprendem com a casa

saberes, o conhecimento, a tecnologia, o modo

ribeirinha, que se ergue sobre palafitas e tem boa

de trabalhar, são muito valiosos e devem ser

ventilação. Anos atrás, quem ia construir uma casa

mantidos e transmitidos.

na montanha fazia um chalé suíço; quem queria 98

Há também políticas governamentais

Muito mais do que em outros países, as culturas

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Estamos valorizando nossas coisas, descobrindo o capim dourado do Jalapão como um material nobre

99


preocupação deliberada com o que os brasileiros faziam e como criavam os artefatos. Aluísio invocava a imagem do estilingue, em que “quanto mais para trás a borracha vai, mais longe a pedra alcança”, para dizer que deveríamos valorizar a tradição para extrair dela a inovação. Depois da morte prematura de Aluísio, em 1982, a iniciativa foi interrompida. Mas, à medida em que o mundo se globalizou, a atenção se voltou cada vez mais para as coisas locais. Dos anos 1990 para cá, assistimos a um renascimento forte da valorização da cultura popular dentro do design. Descobrimos o capim dourado do Jalapão como um material nobre, as possibilidades dos tipos de barro e das fibras vegetais. As faculdades não ensinavam isso, mas agora vemos a descoberta de técnicas e materiais locais. Mesmo com essa resistência, as peças de artesanato nunca correram o risco de desaparecer. Uma coisa que nos caracteriza é a mestiçagem,

o hibridismo, a contaminação, a mistura e a

um pano para o sofá, comprava um padrão floral

capacidade de transformação. Isso existe muito no

inglês. Hoje, procura por objetos e estampas que

design brasileiro. Andando pelo país, percebemos

expressem nossas raízes.

o desejo de auto-afirmação, o orgulho. Voltando à colcha de retalhos, por exemplo. Hoje, foi

voltadas à valorização das culturas do povo.

revalorizada e se sofisticou. Já o fuxico, uma

Um avanço importante foi a legislação sobre o

técnica bem brasileira, virou uma febre. No país

patrimônio imaterial. Antes, só se preservavam

todo há a valorização dos elementos regionais, e

os monumentos; agora, o conceito passou

não só aqui

para bens intangíveis, nos quais se inscrevem

Esse fenômeno de junção do global com o local

desde um instrumento como a viola de cocho

é forte no design de equipamentos para o habitat,

do Mato Grosso, até um utensílio doméstico

no design do próprio habitat e no do ambiente,

como a panela de barro feita em Goiabeiras, no

no que chamamos de arquitetura de interiores.

Espírito Santo. Estamos percebendo que esses

Na Amazônia, os arquitetos aprendem com a casa

saberes, o conhecimento, a tecnologia, o modo

ribeirinha, que se ergue sobre palafitas e tem boa

de trabalhar, são muito valiosos e devem ser

ventilação. Anos atrás, quem ia construir uma casa

mantidos e transmitidos.

na montanha fazia um chalé suíço; quem queria 98

Há também políticas governamentais

Muito mais do que em outros países, as culturas

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Estamos valorizando nossas coisas, descobrindo o capim dourado do Jalapão como um material nobre

99


erudita e popular no Brasil estão muito entrelaçadas. O arquiteto Oscar Niemeyer usa muitas formas curvas que são iguais às das ocas, têm a mesma suavidade, os espaços internos generosos. Daí, cria as colunas do Palácio da Alvorada em Brasília e elas passam a ser replicadas Brasil afora, em casas, pés de mesa e objetos. Há um trânsito grande. O povo se apropria da cultura erudita e a transforma, e vice-versa. Muita coisa mudou na cultura popular brasileira. Só o que não muda é o que está morto e a cultura popular brasileira está viva, bem viva, nos dando lições. Em um livro muito interessante do arquiteto Marcelo Ferraz sobre a arquitetura rural da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, o professor Antonio Cândido aponta essa sabedoria com a qual temos tanto a aprender: “Impressiona nessas casas o entrosamento de inúmeros aspectos, essa articulação entre a paisagem, a habitação, a faina de todo dia, os costumes, os folguedos, resultando num exemplo do poder ordenador que a inteligência pode ter, quando sabe entender o

Estamos percebendo que esses saberes – o conhecimento, a tecnologia, o modo de trabalhar – são muito valiosos e devem ser mantidos e transmitidos

Notas (1) Lemos, Carlos A. C. Casas do Brasil . Carlos A. C Lemos, Ulpiano T. Bezerra de Menezes; fotografias de Andrés Otero... [et al.]. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006. p. 10. (2) Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano: 2.morar, cozinhar. Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Tradução de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich Orth, Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. (3) Bachelard, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988. (4) Bardi, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994. (5) Ferraz, Marcelo Carvalho. Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira. Quadrante, 1992.

Adélia Borges é mineira de Cássia, onde nasceu em 1951. Vive em São Paulo e atua como jornalista, curadora de exposições e professora de História do Design. Textos de sua autoria para imprensa, catálogos ou livros já foram publicados em alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês. De 2003 a 2007 foi diretora do Museu da Casa Brasileira. *

100

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

mundo e escolher nele o pedaço significativo”.(5)

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erudita e popular no Brasil estão muito entrelaçadas. O arquiteto Oscar Niemeyer usa muitas formas curvas que são iguais às das ocas, têm a mesma suavidade, os espaços internos generosos. Daí, cria as colunas do Palácio da Alvorada em Brasília e elas passam a ser replicadas Brasil afora, em casas, pés de mesa e objetos. Há um trânsito grande. O povo se apropria da cultura erudita e a transforma, e vice-versa. Muita coisa mudou na cultura popular brasileira. Só o que não muda é o que está morto e a cultura popular brasileira está viva, bem viva, nos dando lições. Em um livro muito interessante do arquiteto Marcelo Ferraz sobre a arquitetura rural da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, o professor Antonio Cândido aponta essa sabedoria com a qual temos tanto a aprender: “Impressiona nessas casas o entrosamento de inúmeros aspectos, essa articulação entre a paisagem, a habitação, a faina de todo dia, os costumes, os folguedos, resultando num exemplo do poder ordenador que a inteligência pode ter, quando sabe entender o

Estamos percebendo que esses saberes – o conhecimento, a tecnologia, o modo de trabalhar – são muito valiosos e devem ser mantidos e transmitidos

Notas (1) Lemos, Carlos A. C. Casas do Brasil . Carlos A. C Lemos, Ulpiano T. Bezerra de Menezes; fotografias de Andrés Otero... [et al.]. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006. p. 10. (2) Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano: 2.morar, cozinhar. Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Tradução de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich Orth, Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. (3) Bachelard, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988. (4) Bardi, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994. (5) Ferraz, Marcelo Carvalho. Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira. Quadrante, 1992.

Adélia Borges é mineira de Cássia, onde nasceu em 1951. Vive em São Paulo e atua como jornalista, curadora de exposições e professora de História do Design. Textos de sua autoria para imprensa, catálogos ou livros já foram publicados em alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês. De 2003 a 2007 foi diretora do Museu da Casa Brasileira. *

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Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

mundo e escolher nele o pedaço significativo”.(5)

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artesanato

O fazer por devoção e precisão Por Beth Lima*

103


artesanato

O fazer por devoção e precisão Por Beth Lima*

103


As primeiras informações sobre atividades organizadas em torno desse universo datam da década de 1940 – um dos eventos mais importantes aconteceu em 1947, quando o Movimento Regionalista de Recife organizou a

As raízes do artesanato estão fincadas nas culturas dos indígenas, dos negros e dos imigrantes

1a Exposição de Cerâmica Popular do Nordeste. É certo que, desde então, essas manifestações repousaram tão-somente na esfera do fazer local e funcional. O que era produzido, era-o para ser usado no dia-a-dia ou trocado por outros bens de primeira necessidade, nas feiras que aconteciam pelo interior do país, como as do Crato, de Bezerros e Caruaru (PE), Arapiraca (AL), Olhos d’Água (GO), Taubaté (SP)... Era nesses locais que grande parte da produção local excedente era mostrada e vendida. Panelas de barro, quartinhas para água, colheres de pau, candeeiros de lata, cestos, abanos, trançados e rendas, livrinhos de cordel, imagens de santos e brinquedos ficavam expostos ao lado de alimentos, garrafadas medicinais, animais de carga e de passeio e toda sorte de

104

Felizmente, nos últimos sessenta ou setenta

de uma diversidade cultural sem

anos, esse universo vem se destacando. Estudiosos,

precedentes e com pouco mais de 500

pesquisadores e intelectuais – como Mário de

anos, se levarmos em conta somente a sua história

Andrade, Cecília Meireles, Luís da Câmara Cascudo,

desde o momento em que aqui desembarcaram

Roger Bastide, Darcy Ribeiro, Rossini Tavares, Edison

os primeiros portugueses. No entanto, suas raízes

Carneiro, Clarival do Prado Valladares, Jacques

estão fincadas nas culturas dos povos indígenas

Van de Beuque, Lina Bo Bardi, Silvia Coimbra e

que aqui sempre habitaram, nos saberes trazidos

Lélia Frota Coelho, só para citar alguns – deitaram

pelos escravos africanos e, mais recentemente, na

seu olhar sobre esse fazer mais autêntico e quase

contribuição de povos que para cá emigraram. Sem

sempre definido como “o fazer do povo”, tentando

esses fatos em mente, fica difícil entender nossa

entender, a partir daí, a nossa identidade histórica

própria história, essa diversidade cultural e suas

e cultural. Como já disse Darcy Ribeiro, em O povo

manifestações mais autênticas, como a arte

brasileiro, uma tarefa “muito difícil e penosa, mas

popular e o artesanato brasileiro.

também muito mais bela e desafiante”.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

O

Brasil é um país continental, dono

105


As primeiras informações sobre atividades organizadas em torno desse universo datam da década de 1940 – um dos eventos mais importantes aconteceu em 1947, quando o Movimento Regionalista de Recife organizou a

As raízes do artesanato estão fincadas nas culturas dos indígenas, dos negros e dos imigrantes

1a Exposição de Cerâmica Popular do Nordeste. É certo que, desde então, essas manifestações repousaram tão-somente na esfera do fazer local e funcional. O que era produzido, era-o para ser usado no dia-a-dia ou trocado por outros bens de primeira necessidade, nas feiras que aconteciam pelo interior do país, como as do Crato, de Bezerros e Caruaru (PE), Arapiraca (AL), Olhos d’Água (GO), Taubaté (SP)... Era nesses locais que grande parte da produção local excedente era mostrada e vendida. Panelas de barro, quartinhas para água, colheres de pau, candeeiros de lata, cestos, abanos, trançados e rendas, livrinhos de cordel, imagens de santos e brinquedos ficavam expostos ao lado de alimentos, garrafadas medicinais, animais de carga e de passeio e toda sorte de

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Felizmente, nos últimos sessenta ou setenta

de uma diversidade cultural sem

anos, esse universo vem se destacando. Estudiosos,

precedentes e com pouco mais de 500

pesquisadores e intelectuais – como Mário de

anos, se levarmos em conta somente a sua história

Andrade, Cecília Meireles, Luís da Câmara Cascudo,

desde o momento em que aqui desembarcaram

Roger Bastide, Darcy Ribeiro, Rossini Tavares, Edison

os primeiros portugueses. No entanto, suas raízes

Carneiro, Clarival do Prado Valladares, Jacques

estão fincadas nas culturas dos povos indígenas

Van de Beuque, Lina Bo Bardi, Silvia Coimbra e

que aqui sempre habitaram, nos saberes trazidos

Lélia Frota Coelho, só para citar alguns – deitaram

pelos escravos africanos e, mais recentemente, na

seu olhar sobre esse fazer mais autêntico e quase

contribuição de povos que para cá emigraram. Sem

sempre definido como “o fazer do povo”, tentando

esses fatos em mente, fica difícil entender nossa

entender, a partir daí, a nossa identidade histórica

própria história, essa diversidade cultural e suas

e cultural. Como já disse Darcy Ribeiro, em O povo

manifestações mais autênticas, como a arte

brasileiro, uma tarefa “muito difícil e penosa, mas

popular e o artesanato brasileiro.

também muito mais bela e desafiante”.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

O

Brasil é um país continental, dono

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entretenimento, como cantadores e repentistas, bandas de pífano e teatro de bonecos. Porque dia de feira era dia de festa. Assim como os dias de santos padroeiros, com suas romarias, novenas e barracas, onde se podia comprar de tudo. Ao ganhar a nova roupagem da arte popular, essas peças entram para um mercado muito mais amplo e exigente. Começam a ser vistas com outros olhos, com os olhos da estética da arte e gradativamente vão deixando de ser produtos meramente locais e de primeira necessidade. São alçados até o frágil limite entre a “arte erudita” e a “arte regional, espontânea”, ou até mesmo “ingênua”, e começam a ser expostos em lojas das cidades e galerias de arte dos grandes centros urbanos, obtendo então um novo status no mercado. Um dos fatores utilizados para essa caracterização é o fato de esses artistasartesãos não possuírem formação acadêmica ou mesmo primária. E, mais importante, o fato de dependerem exclusivamente desse fazer para sua sobrevivência. Em todos os cantos do país, é comum ouvi-los repetir a máxima “a necessidade é a mãe das invenções” e, precisamente por isso, nunca fizeram grandes distinções entre arte e ao seu redor – barro, madeira, galhos e raízes,

com os avós, pais ou parentes; começaram

ainda que simplista, entre o artesão que repete

fibras, areia, latas e, mais recentemente, materiais

ajudando e foram se desenvolvendo. Alguns

o aprendido, pois seu produto tem boa aceitação

reciclados. No entanto, como já foi observado,

trilharam caminhos muito próprios, enquanto

nas feiras e mercados, e rapidamente várias

é nas regiões mais pobres que essa realidade

outros se mantêm na mesma tradição aprendida.

pessoas da comunidade se envolvem nesse fazer,

ganha contornos muito próprios. Ali, onde não

e o artista que cria suas peças, sem qualquer

se podem comprar as coisas necessárias – de uma

preocupação com a utilidade, executando

panela a um brinquedo – a única alternativa é

trabalhos com forte apelo estético e, quando

fazê-los. Outra realidade bastante comum é o fato

possível, colocando neles suas iniciais. Esses,

de muitas famílias migrarem do interior para as

em geral, produzem peças figurativas, expressão

capitais e, depois que os adultos se aposentam,

direta de seus sentimentos, capazes de manter

começam a fazer nas horas vagas o que sempre

sua sobrevivência e sua razão.

souberam – por exemplo, amassar o barro, trançar

Alguns artesãos trilharam caminhos próprios; outros mantêm a tradição 106

Nesse ponto, é preciso fazer uma distinção,

Independentemente da região, esses artistasartesãos sempre trabalharam com o que estava

fios ou cavoucar pedaços de pau, os fazeres mais característicos do povo brasileiro.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

ofício. Quase sempre aprenderam o que sabem

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entretenimento, como cantadores e repentistas, bandas de pífano e teatro de bonecos. Porque dia de feira era dia de festa. Assim como os dias de santos padroeiros, com suas romarias, novenas e barracas, onde se podia comprar de tudo. Ao ganhar a nova roupagem da arte popular, essas peças entram para um mercado muito mais amplo e exigente. Começam a ser vistas com outros olhos, com os olhos da estética da arte e gradativamente vão deixando de ser produtos meramente locais e de primeira necessidade. São alçados até o frágil limite entre a “arte erudita” e a “arte regional, espontânea”, ou até mesmo “ingênua”, e começam a ser expostos em lojas das cidades e galerias de arte dos grandes centros urbanos, obtendo então um novo status no mercado. Um dos fatores utilizados para essa caracterização é o fato de esses artistasartesãos não possuírem formação acadêmica ou mesmo primária. E, mais importante, o fato de dependerem exclusivamente desse fazer para sua sobrevivência. Em todos os cantos do país, é comum ouvi-los repetir a máxima “a necessidade é a mãe das invenções” e, precisamente por isso, nunca fizeram grandes distinções entre arte e ao seu redor – barro, madeira, galhos e raízes,

com os avós, pais ou parentes; começaram

ainda que simplista, entre o artesão que repete

fibras, areia, latas e, mais recentemente, materiais

ajudando e foram se desenvolvendo. Alguns

o aprendido, pois seu produto tem boa aceitação

reciclados. No entanto, como já foi observado,

trilharam caminhos muito próprios, enquanto

nas feiras e mercados, e rapidamente várias

é nas regiões mais pobres que essa realidade

outros se mantêm na mesma tradição aprendida.

pessoas da comunidade se envolvem nesse fazer,

ganha contornos muito próprios. Ali, onde não

e o artista que cria suas peças, sem qualquer

se podem comprar as coisas necessárias – de uma

preocupação com a utilidade, executando

panela a um brinquedo – a única alternativa é

trabalhos com forte apelo estético e, quando

fazê-los. Outra realidade bastante comum é o fato

possível, colocando neles suas iniciais. Esses,

de muitas famílias migrarem do interior para as

em geral, produzem peças figurativas, expressão

capitais e, depois que os adultos se aposentam,

direta de seus sentimentos, capazes de manter

começam a fazer nas horas vagas o que sempre

sua sobrevivência e sua razão.

souberam – por exemplo, amassar o barro, trançar

Alguns artesãos trilharam caminhos próprios; outros mantêm a tradição 106

Nesse ponto, é preciso fazer uma distinção,

Independentemente da região, esses artistasartesãos sempre trabalharam com o que estava

fios ou cavoucar pedaços de pau, os fazeres mais característicos do povo brasileiro.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

ofício. Quase sempre aprenderam o que sabem

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Amassar o barro Perdem-se no tempo as origens desse fazer que é a base da formação de todos os povos do mundo. No Brasil, os primeiros colonizadores que aqui desembarcaram encontraram a cerâmica indígena, com seus engobes e pigmentos (misturas usada para pintar o barro) e suas formas bojudas. As técnicas e desenhos trazidos pelos ibéricos misturaram-se àqueles ensinamentos e também à contribuição africana. A técnica do rolete ou “cobrinha”, a mais comum, se mantém e se repete. O torno mecânico, com a roda impulsionada pelo pé, chegou aqui trazido de fora.

Curiosa é a história contada por dona Etelvina Rosa dos Santos, de São José (SC). Ali, em 1944, foi fundada pelos açorianos – que colonizaram a ilha de Florianópolis e a costa do continente – a primeira Escola de Oleiros de que se tem notícia no Brasil. Os homens trabalhavam em seus tornos, modelando vasilhas e jarras, pratos e potes. As mulheres ficavam com as figuras. “Antigamente as mulheres não podiam ir para o torno porque usavam saia. Então elas modelavam, eram figureiras”, conta dona Etelvina. Essa situação se repete em várias regiões do Brasil, mesmo em locais onde o torno não era comum. Homens faziam algumas vasilhas trabalho na roça, nos canaviais e fazendas. As mulheres ficavam com o grosso da produção de utensílios e brinquedos, porque este era um fazer que lhes permitia, ao mesmo tempo, cuidar da casa e da prole. Falar em poucas linhas desse fazer, citando seus expoentes, é correr o risco de cometer injustiças com muitos artistas. Escolhemos citar somente algumas regiões mais conhecidas e com 108

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

e telhas moldadas na coxa e ocupavam-se do

109


Amassar o barro Perdem-se no tempo as origens desse fazer que é a base da formação de todos os povos do mundo. No Brasil, os primeiros colonizadores que aqui desembarcaram encontraram a cerâmica indígena, com seus engobes e pigmentos (misturas usada para pintar o barro) e suas formas bojudas. As técnicas e desenhos trazidos pelos ibéricos misturaram-se àqueles ensinamentos e também à contribuição africana. A técnica do rolete ou “cobrinha”, a mais comum, se mantém e se repete. O torno mecânico, com a roda impulsionada pelo pé, chegou aqui trazido de fora.

Curiosa é a história contada por dona Etelvina Rosa dos Santos, de São José (SC). Ali, em 1944, foi fundada pelos açorianos – que colonizaram a ilha de Florianópolis e a costa do continente – a primeira Escola de Oleiros de que se tem notícia no Brasil. Os homens trabalhavam em seus tornos, modelando vasilhas e jarras, pratos e potes. As mulheres ficavam com as figuras. “Antigamente as mulheres não podiam ir para o torno porque usavam saia. Então elas modelavam, eram figureiras”, conta dona Etelvina. Essa situação se repete em várias regiões do Brasil, mesmo em locais onde o torno não era comum. Homens faziam algumas vasilhas trabalho na roça, nos canaviais e fazendas. As mulheres ficavam com o grosso da produção de utensílios e brinquedos, porque este era um fazer que lhes permitia, ao mesmo tempo, cuidar da casa e da prole. Falar em poucas linhas desse fazer, citando seus expoentes, é correr o risco de cometer injustiças com muitos artistas. Escolhemos citar somente algumas regiões mais conhecidas e com 108

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

e telhas moldadas na coxa e ocupavam-se do

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O mesmo acontece com os artesãos de Juazeiro do Norte (CE), com os temas das festas, procissões, as histórias do cangaço e do cotidiano do lugar. Quase sempre as peças contêm uma história como explicação. Desde coisas vividas quando os autores eram crianças, seus sonhos, até fatos que buscam uma explicação divina diante da penúria da vida ou simplesmente como atos de fé. Podemos citar também a influência indígena marajoara na cerâmica produzida no distrito de Icoaraci, em Belém (PA), que recebeu de Mestre Cardoso um impulso diferente e sofisticado. Mestre Cardoso era descendente direto de uma etnia marajoara e estudioso autodidata desse fazer. Não faltariam nomes para continuar contando histórias do barro, desde o centro-oeste, por exemplo, com os moradores de São Gonçalo BeiraRio (MT), até terras do sul, como São Borja (RS). Vamos concluir esta abordagem com o trabalho muito peculiar do Vale do Jequitinhonha, em características bem próprias, mantendo o alerta

Hoje muitos já utilizam um forno para cozer suas

Minas Gerais. Ali, os barros de vários tons, do

de que esse universo é imenso e surpreendente.

peças e garantir a elas maior durabilidade.

branco até o preto, passando pelo vermelho, o rosado e o amarelo, ornamentam rostos e corpos

é a principal atividade econômica local, por

Nuca, Mestre Vitalino (Pernambuco) e Mestre

delicados de bonecas que retratam mulheres em

exemplo, Maragogipinho, na Bahia, onde 80%

Cardoso (Pará), só para enumerar uns poucos,

seu trabalho diário. São grávidas, noivas, moças

da população trabalha em olarias, torneando

são hoje referências nacionais e internacionais.

faceiras, artesãs e donas-de-casa com suas flores

todo tipo de vasilhas e objetos decorativos. Ou

Os três últimos, por exemplo, são responsáveis por

e galinhas, moldadas em um barro bem claro, que

Tracunhaém, em Pernambuco, que reúne inúmeros

desenvolver em suas cidades pólos importantes de

tem em dona Isabel Mendes a grande patrona. Ela

santeiros que esculpem com maestria figuras de

atividade artesanal que respondem pela força da

ensinou, divulgou e até hoje visita os artesãos e

até dois metros de altura. Em Vitória, no Espírito

economia local.

comunidades da região de Araçuaí (MG), cuidando

Santo, as paneleiras do bairro de Goiabeiras

É o que aconteceu no distrito de Alto Moura,

para que esse fazer permaneça. Vale ressaltar aqui

tiveram seu ofício reconhecido como Patrimônio

em Caruaru (PE), terra de Vitalino e Joel Galdino.

Ulisses Pereira, ou Ulisses de Caraí, também do

Cultural Brasileiro.

Expoentes como Manuel Eudócio, Elias Francisco,

Vale do Jequitinhonha, escultor maior da região,

Luiz Antonio da Silva, Marliete Rodrigues da

com suas figuras antropomórficas e quase divinas.

é famosa pelo trabalho de seus figureiros, em sua

Silva, entre outros, continuam a lide de mostrar

Inspirou seus filhos e parentes, que hoje continuam

maioria mulheres que modelam cenas domésticas,

e contar as histórias do sertão para o mundo.

trabalhando e desenvolvendo seu modo de modelar

pavões e personagens do célebre escritor

Hoje, cada um a seu modo, retratam o cotidiano

sentimentos no barro. As esculturas de Ulisses nada

Monteiro Lobato, colocando-os para secar ao sol e

com as transformações naturais havidas após a

têm de utilitárias e são disputadas por galerias de

colorindo-os com tintas fortes de cores primárias.

chegada das estradas, dos correios e da televisão.

arte e colecionadores daqui e do exterior.

A cidade de Taubaté, em São Paulo, também

110

Já nomes como Antonio Poteiro (Goiás), Mestre

Em Minas, barros de todas as cores ornamentam figuras delicadas

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Existem cidades nas quais a arte do barro

111


O mesmo acontece com os artesãos de Juazeiro do Norte (CE), com os temas das festas, procissões, as histórias do cangaço e do cotidiano do lugar. Quase sempre as peças contêm uma história como explicação. Desde coisas vividas quando os autores eram crianças, seus sonhos, até fatos que buscam uma explicação divina diante da penúria da vida ou simplesmente como atos de fé. Podemos citar também a influência indígena marajoara na cerâmica produzida no distrito de Icoaraci, em Belém (PA), que recebeu de Mestre Cardoso um impulso diferente e sofisticado. Mestre Cardoso era descendente direto de uma etnia marajoara e estudioso autodidata desse fazer. Não faltariam nomes para continuar contando histórias do barro, desde o centro-oeste, por exemplo, com os moradores de São Gonçalo BeiraRio (MT), até terras do sul, como São Borja (RS). Vamos concluir esta abordagem com o trabalho muito peculiar do Vale do Jequitinhonha, em características bem próprias, mantendo o alerta

Hoje muitos já utilizam um forno para cozer suas

Minas Gerais. Ali, os barros de vários tons, do

de que esse universo é imenso e surpreendente.

peças e garantir a elas maior durabilidade.

branco até o preto, passando pelo vermelho, o rosado e o amarelo, ornamentam rostos e corpos

é a principal atividade econômica local, por

Nuca, Mestre Vitalino (Pernambuco) e Mestre

delicados de bonecas que retratam mulheres em

exemplo, Maragogipinho, na Bahia, onde 80%

Cardoso (Pará), só para enumerar uns poucos,

seu trabalho diário. São grávidas, noivas, moças

da população trabalha em olarias, torneando

são hoje referências nacionais e internacionais.

faceiras, artesãs e donas-de-casa com suas flores

todo tipo de vasilhas e objetos decorativos. Ou

Os três últimos, por exemplo, são responsáveis por

e galinhas, moldadas em um barro bem claro, que

Tracunhaém, em Pernambuco, que reúne inúmeros

desenvolver em suas cidades pólos importantes de

tem em dona Isabel Mendes a grande patrona. Ela

santeiros que esculpem com maestria figuras de

atividade artesanal que respondem pela força da

ensinou, divulgou e até hoje visita os artesãos e

até dois metros de altura. Em Vitória, no Espírito

economia local.

comunidades da região de Araçuaí (MG), cuidando

Santo, as paneleiras do bairro de Goiabeiras

É o que aconteceu no distrito de Alto Moura,

para que esse fazer permaneça. Vale ressaltar aqui

tiveram seu ofício reconhecido como Patrimônio

em Caruaru (PE), terra de Vitalino e Joel Galdino.

Ulisses Pereira, ou Ulisses de Caraí, também do

Cultural Brasileiro.

Expoentes como Manuel Eudócio, Elias Francisco,

Vale do Jequitinhonha, escultor maior da região,

Luiz Antonio da Silva, Marliete Rodrigues da

com suas figuras antropomórficas e quase divinas.

é famosa pelo trabalho de seus figureiros, em sua

Silva, entre outros, continuam a lide de mostrar

Inspirou seus filhos e parentes, que hoje continuam

maioria mulheres que modelam cenas domésticas,

e contar as histórias do sertão para o mundo.

trabalhando e desenvolvendo seu modo de modelar

pavões e personagens do célebre escritor

Hoje, cada um a seu modo, retratam o cotidiano

sentimentos no barro. As esculturas de Ulisses nada

Monteiro Lobato, colocando-os para secar ao sol e

com as transformações naturais havidas após a

têm de utilitárias e são disputadas por galerias de

colorindo-os com tintas fortes de cores primárias.

chegada das estradas, dos correios e da televisão.

arte e colecionadores daqui e do exterior.

A cidade de Taubaté, em São Paulo, também

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Já nomes como Antonio Poteiro (Goiás), Mestre

Em Minas, barros de todas as cores ornamentam figuras delicadas

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

Existem cidades nas quais a arte do barro

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Bordados e trançados Outros fazeres intrincados e delicados, que nem sempre conseguem acompanhar as transformações impostas pela máquina do desenvolvimento econômico e social, felizmente parecem resistir. O Brasil possui um número muito grande de trançados e bordados que dão origem a rendas, as mais diversas possíveis. Se tivéssemos de escolher uma renda bem característica no país seria a renda de bilro, herança portuguesa, embora sua origem seja francesa, encontrada notadamente em todo o nordeste e no sul, em Santa Catarina, onde chegou pelas mãos dos imigrantes açorianos. Foram também os portugueses que levaram o bilro para o nordeste.

Com mais de 70 anos, Rosa Ribeiro Bruno vive em Fortaleza (CE) e não consegue se imaginar sem a almofada e os bilros (pauzinhos) com que tece com velocidade os desenhos herdados da avó e da mãe. Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos delicados são enrolados em papel de seda. Rosa não esconde a preocupação: “Estou idosa e os jovens não querem mais saber disso. Todas as rendeiras estão saindo do interior ou das praias tem os turistas, aqui tem ainda quem compre”. Sua reclamação reflete a realidade da competição da indústria que hoje consegue fabricar rendas

eu continuo fazendo por teimosia e porque às vezes

parecidas em teares industriais, a uma velocidade e

alguém compra, alguém que ainda gosta disso”.

com preços desleais para o trabalho que há gerações

112

Situação semelhante pode ser sentida em

Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos enrolados em papel de seda

é aprendido por essas mulheres, e cantadas em prosa

comunidades que trançam palhas e fibras, tecendo

e verso no imaginário popular. “Depois, hoje em dia

redes e esteiras aprendidas há muitas gerações.

trabalho para embalagens e objetos decorativos

ninguém mais faz suas roupas. Todo mundo quer

Algumas contam hoje com a ajuda de organizações

atuais. Um esforço mais do que válido, quando

pronto e tem essa coisa da moda. Minhas rendas,

ou associações e buscam aprimorar e derivar seu

está em jogo a sobrevivência coletiva.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

mais afastadas e estão vindo para a capital. Aqui

113


Bordados e trançados Outros fazeres intrincados e delicados, que nem sempre conseguem acompanhar as transformações impostas pela máquina do desenvolvimento econômico e social, felizmente parecem resistir. O Brasil possui um número muito grande de trançados e bordados que dão origem a rendas, as mais diversas possíveis. Se tivéssemos de escolher uma renda bem característica no país seria a renda de bilro, herança portuguesa, embora sua origem seja francesa, encontrada notadamente em todo o nordeste e no sul, em Santa Catarina, onde chegou pelas mãos dos imigrantes açorianos. Foram também os portugueses que levaram o bilro para o nordeste.

Com mais de 70 anos, Rosa Ribeiro Bruno vive em Fortaleza (CE) e não consegue se imaginar sem a almofada e os bilros (pauzinhos) com que tece com velocidade os desenhos herdados da avó e da mãe. Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos delicados são enrolados em papel de seda. Rosa não esconde a preocupação: “Estou idosa e os jovens não querem mais saber disso. Todas as rendeiras estão saindo do interior ou das praias tem os turistas, aqui tem ainda quem compre”. Sua reclamação reflete a realidade da competição da indústria que hoje consegue fabricar rendas

eu continuo fazendo por teimosia e porque às vezes

parecidas em teares industriais, a uma velocidade e

alguém compra, alguém que ainda gosta disso”.

com preços desleais para o trabalho que há gerações

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Situação semelhante pode ser sentida em

Os fios trançados são espetados com espinhos de cactos e os novelos enrolados em papel de seda

é aprendido por essas mulheres, e cantadas em prosa

comunidades que trançam palhas e fibras, tecendo

e verso no imaginário popular. “Depois, hoje em dia

redes e esteiras aprendidas há muitas gerações.

trabalho para embalagens e objetos decorativos

ninguém mais faz suas roupas. Todo mundo quer

Algumas contam hoje com a ajuda de organizações

atuais. Um esforço mais do que válido, quando

pronto e tem essa coisa da moda. Minhas rendas,

ou associações e buscam aprimorar e derivar seu

está em jogo a sobrevivência coletiva.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

mais afastadas e estão vindo para a capital. Aqui

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Madeiras que falam No entanto, de teimosia vivem vários outros artistas e artesãos brasileiros. Não seria exagero dizer que quase todos se encaixam no mesmo cenário, levados pela necessidade e pela serventia. Com certeza, depois do barro, a madeira é o material mais importante para os artistas e artesãos brasileiros. Pedaços de madeira, galhos e árvores ou raízes vão sendo cavoucadas, esculpidas ou talhadas em formas e cores que sempre têm a ver com o ambiente onde vivem. Aqui também a lista de renomados mestres seria interminável. De norte a sul, dezenas e dezenas de entalhadores, santeiros e escultores enchem os nossos olhos com cenas e figuras de raro talento.

Santos católicos e deuses africanos misturam-

seus altares. Por último, a observação aguçada de

se prazerosamente a figuras humanas, animais

caboclos, caiçaras e ribeirinhos, que não deixam

e flores, formas abstratas, pilões e brinquedos,

passar despercebida a grandiosidade da fauna e

reiterando o talento de um povo que tem nas

da flora locais. Todos esses temas possuem seus

coisas da terra o seu cordão umbilical.

representantes maiores e seria injusto nomear

cobertas de ouro, com seus santos trazidos da Europa, forjaram um barroco colorido, ondulado e

114

somente alguns. No entanto, vale novamente ressaltar algumas situações bastante peculiares. Para começar, estamos falando de um mundo

exuberante, que se espalhou por todo o país. Índios,

notadamente masculino. Por isso, chamam a

escravos e colonos foram escalados para entalhar

atenção escultoras como Zefa (Araçuaí, MG), Luzia

e esculpir a fim de ornamentar a fé, revelando

Dantas (Currais Novos, CE), Salete Diniz (Lagoa

talentos excepcionais, como Aleijadinho. E, nos

Seca, PB), Verônica Amorim (Pedro II, PI) e Mestre

terreiros de candomblé, os tambores chamavam

Elda (Ibimirim, PE) que, com suas faquinhas ou

aqueles que trouxeram da África a beleza das linhas

canivetes, transformam com talento inigualável

fortes e simples nas figuras e ornamentos para

troncos e galhos.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

As missões jesuíticas e as grandes catedrais

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Madeiras que falam No entanto, de teimosia vivem vários outros artistas e artesãos brasileiros. Não seria exagero dizer que quase todos se encaixam no mesmo cenário, levados pela necessidade e pela serventia. Com certeza, depois do barro, a madeira é o material mais importante para os artistas e artesãos brasileiros. Pedaços de madeira, galhos e árvores ou raízes vão sendo cavoucadas, esculpidas ou talhadas em formas e cores que sempre têm a ver com o ambiente onde vivem. Aqui também a lista de renomados mestres seria interminável. De norte a sul, dezenas e dezenas de entalhadores, santeiros e escultores enchem os nossos olhos com cenas e figuras de raro talento.

Santos católicos e deuses africanos misturam-

seus altares. Por último, a observação aguçada de

se prazerosamente a figuras humanas, animais

caboclos, caiçaras e ribeirinhos, que não deixam

e flores, formas abstratas, pilões e brinquedos,

passar despercebida a grandiosidade da fauna e

reiterando o talento de um povo que tem nas

da flora locais. Todos esses temas possuem seus

coisas da terra o seu cordão umbilical.

representantes maiores e seria injusto nomear

cobertas de ouro, com seus santos trazidos da Europa, forjaram um barroco colorido, ondulado e

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somente alguns. No entanto, vale novamente ressaltar algumas situações bastante peculiares. Para começar, estamos falando de um mundo

exuberante, que se espalhou por todo o país. Índios,

notadamente masculino. Por isso, chamam a

escravos e colonos foram escalados para entalhar

atenção escultoras como Zefa (Araçuaí, MG), Luzia

e esculpir a fim de ornamentar a fé, revelando

Dantas (Currais Novos, CE), Salete Diniz (Lagoa

talentos excepcionais, como Aleijadinho. E, nos

Seca, PB), Verônica Amorim (Pedro II, PI) e Mestre

terreiros de candomblé, os tambores chamavam

Elda (Ibimirim, PE) que, com suas faquinhas ou

aqueles que trouxeram da África a beleza das linhas

canivetes, transformam com talento inigualável

fortes e simples nas figuras e ornamentos para

troncos e galhos.

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

As missões jesuíticas e as grandes catedrais

115


O símbolo do Mato Grosso do Sul

A artesã Conceição Freitas da Silva, ou Conceição dos Bugres, foi a responsável pela criação da peça de artesanato mais importante do Mato Grosso do Sul. Os bugrinhos nasceram no final dos anos 1960 depois de um sonho de Conceição. Ao acordar, ela foi ao jardim

As mulheres brigam para conquistar seu espaço num cenário dominado por mestres santeiros

e viu a imagem do sonho em uma rama de mandioca. Pegou a rama e ali mesmo produziu seu primeiro bugrinho. O interessante é que, sem saber, ela retomou a confecção de um ícone dos povos nativos da região do Alto do Paraguai, já que esculpir bonecos similares aos bugrinhos era uma tradição entre os índios que habitavam a região. Rústicos, esculpidos a machadadas, cada peça

Mestre Elda conta que, por ser mulher, tinha de

as famílias amazonenses Alcântara e Pires,

de Conceição tem a sua fisionomia. De lá para cá, a

fazer uma imagem desde o começo, talhando a

e os grandes santeiros de Ibimirim (PE), sem falar

imagem se tornou famosa no Estado e é usada em

madeira com o machado até a lixa mais fina do

nos mestres da região de Sete Povos das Missões,

publicidade, estampas e logotipos.

acabamento. “Eu ajudava um cunhado. A primeira

no Rio Grande do Sul. Além deles, foram artistas

Depois da morte da artesã, em 1984, seu neto,

peça que fiz foi um arcanjo e ninguém acreditou”,

como Nino (PE), G.T.O. e Artur Pereira (MG) bem

Mariano, continuou esculpindo e vendendo as peças,

explica. Também a golpes rudes de um pequeno

como Manuel Graciano que ainda hoje trabalha

principalmente para turistas, muitos de fora do país,

machado, Conceição dos Bugres, artista maior

em Juazeiro do Norte (PE), que, descobertos

perpetuando a imagem que virou símbolo do seu Estado.

das terras pantaneiras, talhava suas figuras,

por colecionadores e estudiosos, exibiram

cheias de sensibilidade e delicadeza.

a arte popular brasileira para o mundo.

Já Verônica Amorim, escultora de mão cheia,

Por fim, merecem destaque as famosas

conta que começou escondido, com medo de

carrancas. Colocadas nas proas dos barcos

mostrar ao marido, mestre santeiro dos mais

do rio São Francisco para espantar os maus-

aclamados no Piauí. Ela esculpe mulheres que,

olhados, acabaram se transformando em uma

como ela, brigam para viver, e produz suas

espécie de cabeça de vampiro. Curioso é ouvir os

figuras em meio a um cenário dominado por

escultores de Petrolina (PE) dizer que, antes, todos

extraordinários mestres santeiros da estirpe

eram carranqueiros, mas a venda foi diminuindo:

inaugurada por Mestre Dezinho.

“Hoje somos todos santeiros, pois as pessoas

E por aí vão as histórias cujo resultado concreto

116

paranaenses Espedito Rocha e Denis Paraná,

preferem um anjo barroco bonitinho em sua sala,

nada fica a dever aos escultores de mão cheia,

em vez de uma cara tão feia como a carranca”,

consagrados, como o mineiro Maurino, os

conta o escultor Roque Santeiro.

Bunge Fertilizantes, Fertilizantes,70 70Anos. Anos.Raízes Raízesno noBrasil Brasil

Com a garra bem conhecida dos sertanejos,

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O símbolo do Mato Grosso do Sul

A artesã Conceição Freitas da Silva, ou Conceição dos Bugres, foi a responsável pela criação da peça de artesanato mais importante do Mato Grosso do Sul. Os bugrinhos nasceram no final dos anos 1960 depois de um sonho de Conceição. Ao acordar, ela foi ao jardim

As mulheres brigam para conquistar seu espaço num cenário dominado por mestres santeiros

e viu a imagem do sonho em uma rama de mandioca. Pegou a rama e ali mesmo produziu seu primeiro bugrinho. O interessante é que, sem saber, ela retomou a confecção de um ícone dos povos nativos da região do Alto do Paraguai, já que esculpir bonecos similares aos bugrinhos era uma tradição entre os índios que habitavam a região. Rústicos, esculpidos a machadadas, cada peça

Mestre Elda conta que, por ser mulher, tinha de

as famílias amazonenses Alcântara e Pires,

de Conceição tem a sua fisionomia. De lá para cá, a

fazer uma imagem desde o começo, talhando a

e os grandes santeiros de Ibimirim (PE), sem falar

imagem se tornou famosa no Estado e é usada em

madeira com o machado até a lixa mais fina do

nos mestres da região de Sete Povos das Missões,

publicidade, estampas e logotipos.

acabamento. “Eu ajudava um cunhado. A primeira

no Rio Grande do Sul. Além deles, foram artistas

Depois da morte da artesã, em 1984, seu neto,

peça que fiz foi um arcanjo e ninguém acreditou”,

como Nino (PE), G.T.O. e Artur Pereira (MG) bem

Mariano, continuou esculpindo e vendendo as peças,

explica. Também a golpes rudes de um pequeno

como Manuel Graciano que ainda hoje trabalha

principalmente para turistas, muitos de fora do país,

machado, Conceição dos Bugres, artista maior

em Juazeiro do Norte (PE), que, descobertos

perpetuando a imagem que virou símbolo do seu Estado.

das terras pantaneiras, talhava suas figuras,

por colecionadores e estudiosos, exibiram

cheias de sensibilidade e delicadeza.

a arte popular brasileira para o mundo.

Já Verônica Amorim, escultora de mão cheia,

Por fim, merecem destaque as famosas

conta que começou escondido, com medo de

carrancas. Colocadas nas proas dos barcos

mostrar ao marido, mestre santeiro dos mais

do rio São Francisco para espantar os maus-

aclamados no Piauí. Ela esculpe mulheres que,

olhados, acabaram se transformando em uma

como ela, brigam para viver, e produz suas

espécie de cabeça de vampiro. Curioso é ouvir os

figuras em meio a um cenário dominado por

escultores de Petrolina (PE) dizer que, antes, todos

extraordinários mestres santeiros da estirpe

eram carranqueiros, mas a venda foi diminuindo:

inaugurada por Mestre Dezinho.

“Hoje somos todos santeiros, pois as pessoas

E por aí vão as histórias cujo resultado concreto

116

paranaenses Espedito Rocha e Denis Paraná,

preferem um anjo barroco bonitinho em sua sala,

nada fica a dever aos escultores de mão cheia,

em vez de uma cara tão feia como a carranca”,

consagrados, como o mineiro Maurino, os

conta o escultor Roque Santeiro.

Bunge Fertilizantes, Fertilizantes,70 70Anos. Anos.Raízes Raízesno noBrasil Brasil

Com a garra bem conhecida dos sertanejos,

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Tempos de mudança O cenário descrito até agora mudou pouco nos últimos anos. É certo que poderíamos falar de muitos outros materiais, mas nenhum como os reciclados mostra que as cidades estão crescendo, os produtos industrializados estão invadindo rios, praias e florestas, e algo precisa ser feito. Em todo o mundo, artistas plásticos famosos já utilizam esses refugos em suas obras, criando grandes instalações e questionando a população global. Com menos elaboração, mas com a mesma crítica contundente, artistas como Getúlio Damado (RJ), Joca dos Galos (PB), Jonas (SP) ou Efigênia Rolim (PR) constroem um mundo povoado por seres feitos de lata, papelão, plástico e até papel de bala. Anos atrás, seriam disputados como brinquedos. Hoje, são requisitados por colecionadores e galeristas. Da mesma forma, colheres, lamparinas e candeeiros feitos de lata quase não são mais vistos nas paredes e gavetas de lares modernos. Coisa dos tempos, é bem verdade. Mas o fundamental continua sendo saber o que significam, quem

Conhecer as raízes

que, ao ampliá-las relacionando-as com outras

Nas pequenas vilas e cidades, todos os habitantes

culturas do mundo, saibamos onde estamos e

se conheciam. Por isso ali nunca existiu produção

quem somos. Essa lição maior, já indicada pelo

anônima. Quando começaram a correr mundo,

professor Darcy Ribeiro, nos sinaliza o futuro e,

essas peças parecem que perderam o jeito de ser.

nesse processo, a educação é prioritária. As novas

Passaram a ser anônimas para um mundo que, de

gerações precisam ser nossas aliadas e agentes

tão grande e apressado, não parou para perguntar

dessa transformação, o que garantirá novos

seus nomes.

caminhos, mais duradouros e consistentes,

O interesse crescente pela arte popular e

ao mesmo tempo em que se tornarão maiores

o artesanato mostra que o Brasil está em um

as chances de esses artistas-artesãos viverem

processo de amadurecimento que não podemos

e trabalharem com dignidade.

deixar inacabado. Não são poucas as pessoas que hoje defendem que identificar, conhecer e reconhecer as nossas raízes é importante para 118

Elisabeth Marie de Lima é designer, artista plástica e arte-educadora, pesquisadora da arte popular brasileira e de craft art internacional.

*

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

os fez, de onde vieram e para onde vão.

119


Tempos de mudança O cenário descrito até agora mudou pouco nos últimos anos. É certo que poderíamos falar de muitos outros materiais, mas nenhum como os reciclados mostra que as cidades estão crescendo, os produtos industrializados estão invadindo rios, praias e florestas, e algo precisa ser feito. Em todo o mundo, artistas plásticos famosos já utilizam esses refugos em suas obras, criando grandes instalações e questionando a população global. Com menos elaboração, mas com a mesma crítica contundente, artistas como Getúlio Damado (RJ), Joca dos Galos (PB), Jonas (SP) ou Efigênia Rolim (PR) constroem um mundo povoado por seres feitos de lata, papelão, plástico e até papel de bala. Anos atrás, seriam disputados como brinquedos. Hoje, são requisitados por colecionadores e galeristas. Da mesma forma, colheres, lamparinas e candeeiros feitos de lata quase não são mais vistos nas paredes e gavetas de lares modernos. Coisa dos tempos, é bem verdade. Mas o fundamental continua sendo saber o que significam, quem

Conhecer as raízes

que, ao ampliá-las relacionando-as com outras

Nas pequenas vilas e cidades, todos os habitantes

culturas do mundo, saibamos onde estamos e

se conheciam. Por isso ali nunca existiu produção

quem somos. Essa lição maior, já indicada pelo

anônima. Quando começaram a correr mundo,

professor Darcy Ribeiro, nos sinaliza o futuro e,

essas peças parecem que perderam o jeito de ser.

nesse processo, a educação é prioritária. As novas

Passaram a ser anônimas para um mundo que, de

gerações precisam ser nossas aliadas e agentes

tão grande e apressado, não parou para perguntar

dessa transformação, o que garantirá novos

seus nomes.

caminhos, mais duradouros e consistentes,

O interesse crescente pela arte popular e

ao mesmo tempo em que se tornarão maiores

o artesanato mostra que o Brasil está em um

as chances de esses artistas-artesãos viverem

processo de amadurecimento que não podemos

e trabalharem com dignidade.

deixar inacabado. Não são poucas as pessoas que hoje defendem que identificar, conhecer e reconhecer as nossas raízes é importante para 118

Elisabeth Marie de Lima é designer, artista plástica e arte-educadora, pesquisadora da arte popular brasileira e de craft art internacional.

*

Bunge Fertilizantes, 70 Anos. Raízes no Brasil

os fez, de onde vieram e para onde vão.

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CRÉDITOS DE IMAGENS ABLC / Créditos especiais: gravuras vetorizadas – pág. 18: Gonçalo Ferreira da Silva (texto); MS (capa); pág. 19: José Pacheco (texto); J. Victtor (capa); pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/embaixo); J. Victtor (capa); pág. 26: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 29: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em baixo); Joel (capa); ABLC / Créditos especiais: capas de livro completas – pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 26: Severino Milanês (texto/ embaixo); Stênio (capa); ACERVO BUNGE pág. 6: Clóvis Ferreira; pág. 10 (esq./dir.) e 13 (em cima dir.): Coleção Serrana; pág. 10 (meio): Fujimiya; pág. 11, 13 (esq.): Ivson; pág. 13 (embaixo dir.): Olavo Esteves; pág. 7, 8, 12: Sociedade da Comunicação; ARGOSFOTO pág. 47 (em cima), 49, 53: Marcos Issa; CALDAS pág. 21: Débora 70; pág. 14, 15, 80, 81 (em cima), 118 (em cima): José Caldas; pág. 95: Ricardo Beliel; CORBIS pág. 43 (em cima): Jim Zuckerman; pág. 113: Viviane Moss; FOLHA IMAGEM pág. 106 (em cima): Alex Almeida; pág. 51: Fernando Donasci; pág. 73 (embaixo): Fernando Moraes; pág. 63 (em cima): Julia Moraes; pág. 106 (embaixo): Leonardo Wen; FOTOARKIVO pág. 30: Sergio Sade; pág. 37: Tiago D. Martins; FULLPRESS pág. 48 (em cima), 50 (em cima), 86: Marcello Vitorino; FUTURA PRESS pág. 117: Moisés Palácios; GETTY IMAGES pág. 41: Cristopher Pilitz; pág. 42 (esq.): Robin Lyne Gibson; KINO pág. 16, 23, 71 (esq.), 105 (esq.): Alexandre Belém; pág. 63 (embaixo): Carlos Terrana; pág. 62: Ricardo Cavalcanti; pág. 28, 64 (em cima): Werner Rudhart; OPÇÃO BRASIL IMAGENS pág. 84 (dir.): Beatrix Boscardin; pág.118 (embaixo esq.): Carlos Goldgrub; pág. 22, 29 (em cima), 36 (esq.), 114 (dir. e esq.), 111 (em cima), 116: Evangelista; pág. 110: Flávio Veloso; pág. 36 (dir.), 77 (embaixo): Geraldo Gomes; pág. 38: Hans Von Manteuffe; pág. 71 (dir.): Lula Sampaio; pág. 109 (em cima), 119: Luiz Cláudio Marigo; pág. 24, 39 (embaixo), 43 (embaixo), 74, 92, 98 (embaixo): Marcos André; pág. 79 (em cima), 118 (embaixo dir.): Photononstop; pág. 112 (embaixo): Rachel Canto; pág. 27: Silvestre Machado; pág. 115: Wallis; pág. 84: Zig Koch; OTHER IMAGES pág. 66 (dir.): Cícero Viegas; PULSAR IMAGENS pág. 39 (em cima), 67, 70: Cynthia Brito; pág. 40 (esq.), 46, 52, 55 (embaixo): Delfim Martins; pág. 73 (em cima): Edson Sato; pág. 58, 64 (embaixo): Rogerio Reis; pág. 55 (em cima): Rubens Chaves; SAMBA PHOTO pág. 111 (em cima): Ana Ce; pág. 77 (dir.), 105 (dir.): André Penner; pág. 44: Andréa D’Amato; pág. 33 (em cima), 35 (dir.), 99: Anísio Magalhães; pág. 19 (em cima): Alan Nielsen; pág. 107: Alexandre Schneider; pág. 100 (em cima): Caio Ferrari; pág. 101 (embaixo/em cima), 108: Cristiano Mascaro; pág. 98 (em cima): Daniel Arantes; pág. 96: Dorival Moreira; pág. 56: Edu Lyra; pág. 94: Edu Simões; pág. 112 (em cima): Eduardo Bagnoli; pág. 89 (embaixo): Eduardo Barcellos; pág. 50 (embaixo), 54: Eduardo Queiroga; pág. 35 (esq.), 76: Enio Berwanger; pág. 66 (esq.), 91, 93: Flavio Coelho; pág. 20: Geyson Magno; pág. 61: Iatã Cannabrava; pág. 48 (embaixo): Izan Petterle; pág. 65, 88, 90: Juan Pratginestós; pág. 78, 104: Kiko Ferrite; pág. 69 (em cima): Lalo de Almeida; pág. 79 (embaixo): Luis Pacheco; pág. 32, 47 (embaixo), 60 (embaixo): Marcelo Peri; pág. 68, 97: Marcelo Reis; pág. 34: Marcos Piffer; pág. 40 (dir.), 69 (esq.), 72: Mauricio Simonetti; pág. 100 (embaixo): Milton Montenegro; pág. 33 (embaixo): Norami Imagens; pág. 102: Paulo Fridman; pág. 59: Pisco Del Gaiso; pág. 81 (embaixo), 83, 85, 109 (esq.): Rogério Assis; pág. 89 (em cima): Sergio Ranalli; TYBA pág. 42 (dir.), pág. 60 (em cima): Rogério Reis.

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CRÉDITOS DE IMAGENS ABLC / Créditos especiais: gravuras vetorizadas – pág. 18: Gonçalo Ferreira da Silva (texto); MS (capa); pág. 19: José Pacheco (texto); J. Victtor (capa); pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/embaixo); J. Victtor (capa); pág. 26: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 29: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em baixo); Joel (capa); ABLC / Créditos especiais: capas de livro completas – pág. 25: Gonçalo Ferreira da Silva (texto/em cima); J. Victtor (capa); pág. 26: Severino Milanês (texto/ embaixo); Stênio (capa); ACERVO BUNGE pág. 6: Clóvis Ferreira; pág. 10 (esq./dir.) e 13 (em cima dir.): Coleção Serrana; pág. 10 (meio): Fujimiya; pág. 11, 13 (esq.): Ivson; pág. 13 (embaixo dir.): Olavo Esteves; pág. 7, 8, 12: Sociedade da Comunicação; ARGOSFOTO pág. 47 (em cima), 49, 53: Marcos Issa; CALDAS pág. 21: Débora 70; pág. 14, 15, 80, 81 (em cima), 118 (em cima): José Caldas; pág. 95: Ricardo Beliel; CORBIS pág. 43 (em cima): Jim Zuckerman; pág. 113: Viviane Moss; FOLHA IMAGEM pág. 106 (em cima): Alex Almeida; pág. 51: Fernando Donasci; pág. 73 (embaixo): Fernando Moraes; pág. 63 (em cima): Julia Moraes; pág. 106 (embaixo): Leonardo Wen; FOTOARKIVO pág. 30: Sergio Sade; pág. 37: Tiago D. Martins; FULLPRESS pág. 48 (em cima), 50 (em cima), 86: Marcello Vitorino; FUTURA PRESS pág. 117: Moisés Palácios; GETTY IMAGES pág. 41: Cristopher Pilitz; pág. 42 (esq.): Robin Lyne Gibson; KINO pág. 16, 23, 71 (esq.), 105 (esq.): Alexandre Belém; pág. 63 (embaixo): Carlos Terrana; pág. 62: Ricardo Cavalcanti; pág. 28, 64 (em cima): Werner Rudhart; OPÇÃO BRASIL IMAGENS pág. 84 (dir.): Beatrix Boscardin; pág.118 (embaixo esq.): Carlos Goldgrub; pág. 22, 29 (em cima), 36 (esq.), 114 (dir. e esq.), 111 (em cima), 116: Evangelista; pág. 110: Flávio Veloso; pág. 36 (dir.), 77 (embaixo): Geraldo Gomes; pág. 38: Hans Von Manteuffe; pág. 71 (dir.): Lula Sampaio; pág. 109 (em cima), 119: Luiz Cláudio Marigo; pág. 24, 39 (embaixo), 43 (embaixo), 74, 92, 98 (embaixo): Marcos André; pág. 79 (em cima), 118 (embaixo dir.): Photononstop; pág. 112 (embaixo): Rachel Canto; pág. 27: Silvestre Machado; pág. 115: Wallis; pág. 84: Zig Koch; OTHER IMAGES pág. 66 (dir.): Cícero Viegas; PULSAR IMAGENS pág. 39 (em cima), 67, 70: Cynthia Brito; pág. 40 (esq.), 46, 52, 55 (embaixo): Delfim Martins; pág. 73 (em cima): Edson Sato; pág. 58, 64 (embaixo): Rogerio Reis; pág. 55 (em cima): Rubens Chaves; SAMBA PHOTO pág. 111 (em cima): Ana Ce; pág. 77 (dir.), 105 (dir.): André Penner; pág. 44: Andréa D’Amato; pág. 33 (em cima), 35 (dir.), 99: Anísio Magalhães; pág. 19 (em cima): Alan Nielsen; pág. 107: Alexandre Schneider; pág. 100 (em cima): Caio Ferrari; pág. 101 (embaixo/em cima), 108: Cristiano Mascaro; pág. 98 (em cima): Daniel Arantes; pág. 96: Dorival Moreira; pág. 56: Edu Lyra; pág. 94: Edu Simões; pág. 112 (em cima): Eduardo Bagnoli; pág. 89 (embaixo): Eduardo Barcellos; pág. 50 (embaixo), 54: Eduardo Queiroga; pág. 35 (esq.), 76: Enio Berwanger; pág. 66 (esq.), 91, 93: Flavio Coelho; pág. 20: Geyson Magno; pág. 61: Iatã Cannabrava; pág. 48 (embaixo): Izan Petterle; pág. 65, 88, 90: Juan Pratginestós; pág. 78, 104: Kiko Ferrite; pág. 69 (em cima): Lalo de Almeida; pág. 79 (embaixo): Luis Pacheco; pág. 32, 47 (embaixo), 60 (embaixo): Marcelo Peri; pág. 68, 97: Marcelo Reis; pág. 34: Marcos Piffer; pág. 40 (dir.), 69 (esq.), 72: Mauricio Simonetti; pág. 100 (embaixo): Milton Montenegro; pág. 33 (embaixo): Norami Imagens; pág. 102: Paulo Fridman; pág. 59: Pisco Del Gaiso; pág. 81 (embaixo), 83, 85, 109 (esq.): Rogério Assis; pág. 89 (em cima): Sergio Ranalli; TYBA pág. 42 (dir.), pág. 60 (em cima): Rogério Reis.

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Raízes no Brasil

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