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RECICLANDO SONHOS DÉBORA FREIRE

SÃO PAULO 2017


RECICLANDO SONHOS

Fotografia Débora Freire Rocha

Edição Débora Freire Rocha

Diagramação Thaís Dias

Textos Débora Freire Rocha

Orientador Danilo Luna

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AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por todas as oportunidades, paciência, sabedoria e força que me deu para que pudesse realizar este projeto. Sem Ele nada seria possível. Agradeço aos meus amigos e familiares que de alguma forma contribuíram para que esse projeto fosse possível. AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Ao meu Professor Orientador Danilo Luna por toda a atenção, dedicação, puxões de orelha, paciência e esforço para que eu pudesse ter confiança e segurança na realização deste trabalho. Ele foi mais que um orientador, não poderia ter escolhido melhor. Obrigada! A Mariana Guizilini e Tatiana Barbosa por me liberarem no trabalho para que pudesse realizar este projeto. Sem vocês não teria sido possível. Agradeço ao meu namorado Gabriel por estar vivendo esse projeto comigo me ajudando nos melhores e piores momentos, por me ajudar a não desistir. DEDICAÇÃO Dedico este livro a todos os catadores e catadoras de material reciclável.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................... 09

JAMAICA ..............................................................................................10

TIA XUXA ............................................................................................. 46

RODRIGO LUCENA ........................................................................... 84

MAKING OFF ....................................................................................129

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INTRODUÇÃO Este livro é fruto do trabalho de conclusão do curso de jornalismo. A proposta é trazer à tona, por meio de imagens, a realidade no dia a dia de catadoras e catadores de material reciclável na cidade de São Paulo. Com o crescimento expressivo do desemprego, muitos trabalhadores encontraram na reciclagem a possibilidade de garantir o sustento da sua família. Embora o número de catadores tenha crescido significativamente, os recursos oferecidos à eles são escassos levando-os a viver geralmente em estado de extrema pobreza, mesmo que o trabalho por eles realizado seja de grande relevância para o país. A intenção do livro foi documentar o dia a dia de três catadores de material reciclável, em três diferentes áreas da cidade. Jamaica que está no extremo leste, Tia Xuxa que está em um bairro nobre e Rodrigo Lucena que mora e trabalha no centro de São Paulo. Realizar este projeto me fez acreditar ainda mais nas pessoas, na honestidade, na solidariedade, no amor ao próximo e principalmente em Deus. Ao escolher o meu tema muitas pessoas me questionaram se eu realmente queria procurar pelos recicladores. E, para mim esta é justamente a parte mais valiosa do trabalho. Quero desmistificar, através de imagens, o preconceito da sociedade sobre essa atividade. Os recicladores são trabalhadores honestos, ganhando a vida de forma digna e pouco valorizada. São pessoas que saem de suas casas, e alguns nem tem uma casa, para procurar no lixo/reciclagem o seu sustento e dos filhos. Além de disso, descobri que são pessoas preocupadas com o bem estar do outro, e fazem de tudo para ajudar, mesmo que materialmente possuam pouca coisa. Jamaica é um cara muito gente boa. Vaidoso, se preocupa sempre em sair bem na foto. Aprendi com ele que cada coisa tem o seu tempo, que é melhor ir com calma e viver um dia de cada vez. Rodrigo Lucena, uma das melhores pessoas que já conheci. Gostaria de ter passado mais tempo com ele. Fez questão de não me deixar pagar o lanche, e também de guardar a minha mochila na carroça com um papelão em cima para que não sujasse. Enquanto andávamos, tirou cada coisa cortante da rua para que não furasse o pneu dos carros ou não derrubasse nenhum ciclista. Sempre sorridente, atencioso e gente boa. Um cara excepcional. Tia Xuxa, já gostei à primeira vista: uma senhorinha de baixa estatura, mas de grande coração e coragem. Se dispôs a me ajudar no primeiro minuto. Também muito vaidosa, não sai de casa antes de colocar todos os anéis. Por onde passa as pessoas sentem vontade de ajudá-la. É apaixonada por ajudar as outras pessoas, e por isso recebe tanto amor de volta. Com ela aprendi um pouco mais sobre a força da fé, de que Deus nunca nos abandona. Nesse trabalho tentei registrar, através da força das imagens, um pouco da vida e situação dos catadores de material reciclável. Espero que a partir desse livro as pessoas comecem a enxerga-los como merecem.

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JAMAICA “A RECICLAGEM É A CURA PARA A FERIDA DO MEIO AMBIENTE”.

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.aldir Carvalho dos Santos, conhecido como Jamaica, é baiano e tem 47 anos. Começou a trabalhar com a reciclagem não por opção, mas por necessidade. Por causa de um problema com o sono, conhecido como narcolepsia, ficou quase impossível ter um trabalho fixo, pois o distúrbio crônico causa sonolência em excesso, o impossibilitando de ficar acordado o dia inteiro. Assim, encontrou na reciclagem uma forma de sobreviver. Jamaica está em São Paulo há 29 anos. Criado em Amargosa, sertão baiano, chegou em 1988 na capital paulista, depois de um convite do seu cunhado. A viagem serviu para fugir da vida difícil. “Eu vivia no sertão e ia para a cidade apenas uma vez por mês. Vim para São Paulo de ônibus”, relembrou. Em São Paulo, começou a trabalhar na construção civil, até encontrar na reciclagem um modo de ganhar dinheiro. Atrelado ao ofício, apoiou-se na filosofia do reggae para superar a rotina, muitas vezes, desgastante. “O reggae me ensinou a sobreviver aqui em São Paulo. São letras que ensinam como a gente deve viver”, contou Jamaica, que é fã do cantor Edson Gomes e do jamaicano Bob Marley. “O Bob levou o nome da Jamaica para o mundo. Muito antes do Bolt. ” Jamaica sempre morou na Vila Cisper. Lá, passou a recolher papelão na rua e, depois, fazer o mesmo no Parque Ecológico. Sua alegria é dar um “rolê” com o seu carro no parque, onde encontra os amigos, alimenta os quatis, e faz reciclagem. Nos últimos anos, a prática não tem sido o suficiente para cobrir todo orçamento. Mesmo que haja uma necessidade eminente de recicladores, o trabalho não é valorizado deveria. A sociedade não olha para o reciclador como um agente da limpeza e do meio ambiente.

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“O RECICLADOR MUITAS VEZES É RECONHECIDO COMO LIXEIRO QUANDO NA VERDADE DEVERIA SER CONHECIDO COMO AMBIENTALISTA” DIZ.

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poder público trata os recicladores apenas como pessoas que catam lixo, sem direito a benefícios de transporte ou auxílio alimentício. “Nós que retiramos o lixo que estaria na rua, somos praticamente garis e não recebemos nenhum tipo de ajuda. ” “Reciclagem só fica na lábia dos governantes, está acabando. Seis anos atrás eu vendia material por um preço muito mais alto. O valor do ferro caiu muito. O nosso salário é muito baixo. 50 quilos de papelão não compra um quilo de pão”.

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“SOU FELIZ PORQUE SOU PRIVILEGIADO. MEUS FILHOS NUNCA ME DERAM TRABALHO E TENHO AMIGOS QUE SÃO MINHA FAMÍLIA. NÃO TENHO DO QUE RECLAMAR”.

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ssa falta de desvalorização profissional é amenizada pelo carinho recebido no bairro onde mora. Por onde passa é cumprimentado, chamado para conversar, e até mesmo solicitado como babá, quando algumas mães da região precisam se ausentar por mais tempo. Por ser muito “gente boa” e amigo de todo mundo, suas refeições estão garantidas no bar de um amigo de longa data que o ajuda sempre que precisa. Preocupado com o futuro das crianças do seu bairro, criou um projeto para incentivalas com a leitura. Quando consegue uma geladeira na reciclagem, a transforma numa biblioteca móvel, e deixa em algum ponto do bairro. Na porta está escrito“ leva e traz”. A ideia é levar um livro e deixar outro. Assim, as crianças, e também os adultos terão sempre o que ler. Na mesma perspectiva do projeto de leitura, Jamaica também reforma televisões vindas da reciclagem, e as distribui pelo bairro, exibindo filmes e clipes de reggae para os transeuntes. As dificuldades não impedem Jamaica de ver felicidade na rotina. “Sou feliz porque sou privilegiado. Meus filhos nunca me deram trabalho e tenho amigos que são minha família. Não tenho do que reclamar”. As dificuldades não impedem Jamaica de ver felicidade na rotina. “Sou feliz porque sou privilegiado. Meus filhos nunca me deram trabalho e tenho amigos que são minha família. Não tenho do que reclamar”.

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As dificuldades não impedem Jamaica de ver felicidade na rotina. “Sou feliz porque sou privilegiado. Meus filhos nunca me deram trabalho e tenho amigos que são minha família. Não tenho do que reclamar”.

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TIA XUXA “ENCONTREI NO LIXO UMA FORMA DIGNA DE GANHAR A VIDA”

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uem pensa que a rotina pesada de catador é apenas para pessoas mais jovens está enganado. Uma prova disso é Maria do Carmo, mais conhecida como Tia Xuxa, que tem 65 anos e esbanja vitalidade nas ruas.

Vinda de Assis, no interior de São Paulo, chegou a capital paulista com apenas 14 anos. Mas o que o que parecia ser uma mudança de vida positiva, se tornou um pesadelo quando seu pai a deixou em uma casa de prostituição, localizada próxima à estação da Luz. Sem familiares próximos, logo foi dispensada do local quando descobriram que estava grávida e não iria conseguir trazer lucros. Maria ficou totalmente sem rumo, precisando, sem outras opções, se tornar mais uma moradora de rua na cidade. Meses depois, com o nascimento do primeiro filho, contou com o auxilio de um dono de ferro velho, que vendo a necessidade da jovem ofereceu-lhe uma carroça para trabalhar como catadora de materiais recicláveis. Nesse contexto que começou sua trajetória, e com muito esforço conseguiu construir um barraco de madeira, na favela, para criar seu filho. “Encontrei no lixo uma forma digna de ganhar a vida”, afirmou. Com essa responsabilidade, os anos se passaram e a menina inocente do interior se tornou uma mulher, agora com 10 filhos. Ela se manteve firme e forte na luta diária para conseguir sustentar a todos. Trabalho e dedicação que só aumentou com o nascimento de mais dois filhos, e depois os netos, que convivem com ela desde o nascimento. Com todas as obrigações da vida, Maria focou no trabalho de catadora três vezes por semana (segunda, quarta e sexta), deixando os outros dias para cuidar da família e da casa. Com orgulho, ela relata que tudo que tem na sua casa veio do seu esforço. “Nunca precisei fazer nada errado para dar o necessário a todos que estão ao meu redor. Não falo somente de objetos, mas também o que diz a respeito da educação”.

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TEM DIAS QUE A GENTE ESTÁ MAIS CANSADA, DEVIDO AO CALOR, MAS TRAGO MINHA ÁGUA GELADA E SUCO DE PITANGA E SIGO EM FRENTE”. Não importa o clima, ela começa a rotina por depois do almoço, horário que a maioria dos condomínios e prédios comerciais começam a colocar os lixos para a rua, os distribuindo em lixeiras e locais que recebem os entulhos. “Tem dias que a gente está mais cansada, devido ao calor, mas trago minha água gelada e suco de pitanga e sigo em frente”. A idade não é um empecilho para trabalhar muitas horas seguidas. Maria abre os sacos, retira o que pode lhe servir e fecha novamente. Precisa deixar tudo bem organizado para não ser proibida de mexer no lixo: “não deixo sujeira e problema nos lugares que faço coleta, porque sei que voltarei lá no outro dia”.

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“EU SOU FELIZ, SOU FELIZ PORQUE DEUS NÃO DEIXA FALTAR NADA. SAIO DE CASA FAÇO A MINHA ORAÇÃO E SEMPRE TENHO QUE COMER.” “Nunca faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você”. Pensamento que a faz ter amizade com os proprietários dos respectivos locais, que, muitas vezes, até auxiliam na separação de materiais para ajudá-la na hora da busca. Por onde passa é cumprimentada por moradores que já a conhecem há mais de 20 anos. Muito querida e conhecida de moradores e trabalhadores que estão na região do Morumbi, Tia Xuxa é constantemente presenteada, principalmente no Natal, com roupas e alimentos. Uma das moradoras, inclusive, faz questão também de mandar presentes para os seus filhos e netos. Com muitos anos na bagagem, ela não foca apenas nos ganhos pessoais, dedica parte do seu tempo e dos seus lucros para ajudar um asilo, no qual se encontram idosos sem família. “Eu sou feliz, sou feliz porque Deus não deixa faltar nada. Saio de casa, faço a minha oração e sempre tenho o que comer. Isso me dá forças para ajudar aqueles que necessitam de auxílio. Com isso, me sinto bem, uma mulher realizada, mesmo sendo velhinha”, brinca. A famosa Tia Xuxa não tem carteira assinada, não tem fundo de garantia e nem aposentadoria. Por isso, não vê o fim do seu ciclo nas ruas, mostrando muita vitalidade e vontade de permanecer firme e forte na luta diária por mais anos. “Enquanto Deus permitir, vou lutar e trabalhar”, completa.





RODRIGO LUCENA “MEU SONHO ERA VER TELEVISÃO E ESCUTAR MÚSICA A HORA QUE QUISESSE, MAS NUNCA PUDE POR SEMPRE MORAR NA RUA”.

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os cinco anos de idade foi para a rua por não se dar bem com os pais. Além de questões econômicas, tinha que ficar de olho para não cair nas drogas e na bebida. “Muitas vezes vi pais vendendo seus próprios filhos para comprar drogas, isso não era o que queria pra mim. ” Com o passar do tempo começou a recolher material reciclável e vender em um ferro velho. Todo o dia recolhia cerca de 50 kg de papelão na cabeça e, assim, dia a dia, ia mostrando que, mesmo tão novo, já tinha bastante responsabilidade com seu trabalho. Não demorou muito para conseguir sua primeira carroça e melhorar sua produção. Um dia, em meio a restos de papelões, o destino aprontou uma daquelas com Rodrigo. Qual não foi a sua surpresa quando um bebê o esperava dentro de um saco de lixo. Generoso como é, logo tirou a roupa do corpo, para que o ‘coitadinho’ não morresse de frio. Esse episódio marcou a sua vida até hoje. “Fico pensando em como alguém tem a coragem de jogar um ser tão frágil e pequeno no lixo, só Deus.

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“UM DIA VI UNS “BOYS” COM UMA CAIXA DE SOM NO CARRO E PENSEI QUE TAMBÉM PODERIA TER UMA DAQUELAS, FOI QUANDO COMECEI A JUNTAR DINHEIRO E COMPREI AS CAIXINHAS, UMA POR UMA.” Seu maior revés aconteceu quando a prefeitura rebocou sua carroça. Nesse momento, a ideia de partir para a criminalidade rondou os pensamentos de Rodrigo. Mas, mesmo muito triste, lembrou-se do que seu pai o ensinou: conseguir as coisas através do suor do trabalho, e nunca pegar nada de ninguém. E decidiu então começar tudo novamente, até conquistar sua nova carroça. Apesar de dedicar todo seu tempo e energia para a reciclagem – trabalha em média doze horas por dia com sucata, além de serviços de frete no centro de São Paulo - é na música que Rodrigo deposita sua verdadeira paixão. “Um dia vi uns “boys” com uma caixa de som no carro e pensei que também poderia ter uma daquelas, foi quando comecei a juntar dinheiro e comprei as caixinhas, uma por uma. ” Após colocar o som na carroça, foi se dedicando a melhora-la ainda mais.

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“O PESSOAL DO PIMP DEU O MAIOR APOIO PRA MIM, ELES TUNARAM A MINHA CARROÇA E ELA FICOU SHOW DE BOLA” Sua trajetória teve uma reviravolta quando conheceu o pessoal do pimp my carroça. O projeto, que nasceu um São Paulo através do trabalho de um grafiteiro e ativista Thiago Mundano, também conta com a ajuda de muitos voluntários. A ideia central do projeto é fortalecer pautas sociais e ambientais, valorizando o papel dos catadores na reciclagem do lixo. Nesse sentido, o fundador Thiago Mundano percebeu o aumento de autoestima dos catadores depois que melhorava visualmente as carroças. A partir daí, começou a convidar grafiteiros para personaliza-las. A ideia de juntar a arte marginalizada à um trabalho pouco valorizado deu mais que certo. Através de uma carroça tunada, começa-se a dar visibilidade ao catador, e faz com que a sociedade o enxergue da melhor forma possível, para que as pessoas deem mais valor a atividade. “O pessoal do pimp deu o maior apoio pra mim, eles tunaram a minha carroça e ela ficou show de bola”, conta Rodrigo.

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“TODO MUNDO ACHA QUE SOU LOUCO POR INVESTIR TANTO DINHEIRO EM UMA CARROÇA, MAS EU NEM LIGO, A CRIANÇADA ADORA”. Com a chegada do período da Copa do Mundo de 2014, Rodrigo achou uma boa ideia adquirir uma televisão para assistir os jogos. Com isso, aumentou o ritmo de trabalho e conseguiu juntar cerca de R$ 2.600, para comprar uma TV e a acoplar no seu veículo. Assim, ele e todos que estavam próximos durante a partida, conseguiam assistir as partidas, principalmente da Seleção Brasileira. E foi em um desses momentos de boa convivência que ele conheceu um alemão que mudaria a sua vida. “O tradutor dele falou que ele gostou da carroça e que queria levar. Não sei nem onde ela tá, só sei que vi embalando e eu recebi o dinheiro: 15 mil reais”. O dinheiro recebido possibilitou a compra de outra carroça e nela, dia a dia , Lucena foi fazendo melhorias. Hoje sua carroça, que é também sua casa e sala de estar, é equipada com TV digital, Sky, e som de qualidade para as pessoas na rua.

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MAKING OFF

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