O diário do pedestre by Thais Lacerda

delírio

O diário do pedestre

UNB Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU Avaliação pós ocupacional -Gabriela Tenório 2/2014 Thais Lacerda de Castro 10/0053211

Esse trabalho foi desenvolvido por um pedestre que perdeu sua condição natural e sucumbiu-se ao mundo da velocidade, do automóvel e do individualismo.

Nascido e crescido em uma cidade modernista, desenhada e planejada para os automóveis, quase nunca exerceu sua condição natural de pedestre. Na verdade, seria mentira dizer “quase nunca exerceu” mas completamente verdade dizer que quase NUNCA a exerce. Parece estranho dizer que à medida que crescemos vamos perdendo um pouco de nós mesmos, vamos nos perdendo na constante velocidade da vida urbana e deixamos de lado as coisas mais básicas da vida, não que eu possa generalizar, mas vejo minha história dessa maneira. O que mais me indignou nesse trabalho foi a minha necessidade de me preparar para fazer uma atividade tão BÁSICA como andar, aquilo que aprendemos quando temos 1/2 anos de idade e que eu simplesmente perdia à medida em que eu entrava no carro, e não era apenas o fato de andar que se perdia, mas um série de fatores, inclusive alguns pensamentos que pude reencontrar nesse meu eu-pedestre temporário.

QUARTA-FEIRA

Outubro

À pé - 13 min Ônibus - 11min espera + 30min trajeto Ônibus TCU - 25min espera + 9min trajeto Carro TCU - 8min espera + 6min trajeto

2,00 1h e 42min

Abandone seu melhor amigo (carro), pegue um pouco de coragem, protetor solar, guarda-chuva, um livro, e começe a aventura, afinal, nunca sabemos o que nos espera do lado de fora, ou muito menos quanto tempo vamos esperar pelo ônibus. A melhor parte de ser pedestre é a suscetabilidade, estamos sujeitos a um milhão de coisas e surpresas, boas ou ruins, o fantástico é que um dia nunca será igual ao outro, você não cairá na rotina banal do mundo moderno. O ponto alto desse trajeto começa logo no seu início, andando por entre muros e cercas vivas, uma delas te dará uma alegria única, uma cerca viva de amoras, quanto amor, por que todas as pessoas não fazem isso? Colha algumas e siga caminhando até o ponto de ônibus, mas não se esqueça e nem se concentre demais nas amoras, preste atenção ao seu redor e principalmente na calçada à sua frente, pois postes de iluminação nascerão do chão à qualquer momento, desníveis e buracos também. Ao chegar à parada de ônibus não se assuste, provavelmente não terá ninguém mesmo, no máximo 2 pessoas... espere, mas preste bastante atenção, pois o ônibus pode passar à qualquer momento, ele pode também passar direto ou até mesmo virem 2 ao mesmo tempo e justamente o que você precisa pegar vai passar reto. Portanto, seja firme e concentre-se nessa batalha, é um momento precioso, afinal, você não vai querer ficar esperando sozinha mais uns 30 min. Pode parecer estranho pegar um ônibus em uma de suas últimas paradas e ele estar vazio, certo? Errado, não no Lago Norte, aproveite que está vazio escolha a melhor janela e aproveite para ler seu livro ou quem sabe prestar atenção no que acontece ao seu redor, no ônibus e na cidade.

QUARTA-FEIRA

Outubro

Eu, por exemplo, fiquei tão interessada no que acontecia e no que poderia acontecer que nem vi o tempo passar, me concentrei no trajeto do ônibus, contei quantas pessoas entraram (14), quantas pagaram (12) ou usaram o passe-livre (02), em quantas paradas ele parou (08) ou ignorou (03) e quando vi já estava lá, na Rodoviária do Plano Piloto, digamos que na metade do meu destino final. Se você não conhece a cidade não se preocupe, você não terá dúvidas se chegou na Rodoviária ou não, afinal, esse é o único lugar da cidade que sempre terá muita gente e muito movimento, por isso aproveite para se sentir acompanhado. Esse é também um dos únicos lugares no qual você conseguirá se deslocar para outros sem maiores problemas, talvez seja por isso que o chamamos de o coração da cidade, pois é literalmente lá que a cidade pulsa. Encontre um lugar confortável ou uma parede para se escorar e enquanto se espera pelo outro ônibus repare na dinâmica desse lugar. É impressionante e assustador como todo o movimento e as pessoas parecem desaparecer no imenso vazio urbano que é a Esplanada, o que antes parecia ser o centro da cidade agora não tem mais movimento, não pulsa mais, está ali apenas para ser observado, é a famosa escala Monumental de Lucio Costa. ,Afinal, onde(como) ficam as pessoas nessa escala? Onde nós estamos, os pedestres? Voltando ao trajeto depois de alguns longos minutos de espera, ainda bem que existem ônibus dos órgãos públicos, se não fosse isso eu nem saberia chegar ao meu destino, gastaria fortunas de dinheiro e tempo. Após chegar ao TCU me restava apenas pedir o carro para me levar até o barracão da obra e pronto, missão cumprida.

Cerva viva de amora

Calçada via principal

Calçada via interna

Beco

Rodoviária

Esplanada

QUARTA-FEIRA

Outubro

Carro TCU - 5min trajeto Ônibus TCU - 19min espera + 9min trajeto Ônibus - 27min espera + 36min trajeto À pé - 12 min

2,00 1h e 48min

Chegada a tão esperada hora de voltar para casa, tudo aparentemente normal até chegar na Esplanada, sabe quando você simplesmente esquece que dia é hoje? Pois eu só lembrei quando vi todos aqueles monumentos lindos na cor rosa, era outubro e com ele o Outubro Rosa, nem me estressei com o engarrafamento pois estava encantada com aquela cena. Se eu não estivesse na minha condição de pedestre jamais terei presenciado isso, pois nunca passaria por ali e principalmente naquele horário, tudo tem seu lado bom. Se a Rodoviária já era um lugar movimentado no meio do dia, imagina no início da noite. É quase impossível andar tranquilamente, e encontrar o ônibus que você deseja, impossível. Aí sim a coisa começa a complicar. Não preste atenção nos totens luminosos, pois eles não servem para nada, apenas confundem mais pois ficam atualizando com os ônibus e os box a cada minuto, o problema é que você jamais conseguirá chegar no box certo se estiver do outro lado da Rodoviária e, se chegar, jamais conseguirá entrar no ônibus, pois já existe uma fila de espera gigantesca para o mesmo. A aventura continua para descobrir em qual fila você deve ficar, mas pode perguntar para todo mundo, alguém vai saber, depois é só você se encontrar naquele mundaréu de gente e esperar na fila pelo seu ônibus. Depois de conseguir entrar, garanta o seu lugar e aprecie a paisagem, pois você ficará algum tempo no engarrafamento. Quando conseguir sair da Esplanada, chegará mais rápido. Assim que você identificar sua parada de chegada, desça e começe a caminhar, de preferência rápido, pois as ruas não são bem iluminadas e são bem desertas.

QUARTA-FEIRA

QUINTA-FEIRA

Outubro

À pé - 2 min Ônibus - 10min espera + 13min trajeto Ônibus TCU - 22min espera + 10min trajeto Carro TCU - 5min espera + 8min trajeto

2,00 1h e 10min

QUINTA-FEIRA

Outubro

A parte mais difícil de ser pedestre e andar de ônibus é o tempo gasto nos deslocamentos, trajetos que de carro são feitos em 20 min podem levar 1h30 de ônibus, e para se chegar a tempo em seus compromissos muitas vezes é necessário abrir mão de certos confortos como acordar mais tarde ou almoçar em casa. Hoje foi um exemplo disso, meu relógio biológico se recusou acordar às 6 da manhã e para chegar a tempo na aula tive que usar o carro. Porém resolvi deixá-lo na UnB e ir trabalhar de ônibus, afinal eu teria que voltar para a aula da noite. Esse episódio me mostrou que existe uma vantagem em se andar de ônibus, você não se sente sozinho, escuta conversas alheias, se atualiza sobre os assuntos, se sente integrante da cidade pois você está ali usufruindo de seus serviços e interagindo com outras pessoas. Outro fator interessante desses momentos é reparar no comportamento humano, perceber que ainda existem muitas pessoas solidárias e dispostas a ajudar o próximo, seja carregando a sua mochila ou cedendo o seu lugar.

Carro TCU - 15min trajeto Ônibus TCU - 05min espera + 12min trajeto Ônibus - 18min espera + 20min trajeto À pé - 3 min

2,00 1h e 13min

QUINTA-FEIRA

SEXTA-FEIRA

Outubro

Depois da primeira experiência tudo parece mais fácil, até mesmo a desordem da Rodoviária parece passar despercebida. Nos acostumamos muito rápido com a situação quando não conhecemos outras realidades. Procurar pelo ônibus, encontrar a fila, tudo isso se torna aceitável, pois não temos outra escolha, nos basta apenas esperar, esperar e esperar. Espere e entre no ônibus que leva até a UnB, um dos mais lotados do horário, cheio de estudantes e trabalhadores, no qual provavelmente você conhecerá pelo menos um. Caso consiga sentar se ofereça para carregar alguma mochila, afinal, todos ali também estão cansados dessa luta diária, aproveite o engarrafamento para apreciar os monumentos e as pessoas, daqui a pouco chegará. É impressionante perceber como a maioria dos ônibus saem cheios da Rodoviária e só esvaziam nos pontos finais, ou seja, não ha uma rotatividade de usuários durante o percurso, diminuindo assim a arrecadação de dinheiro e aumentando o custo de manutenção das linhas. Inclusive, quando o ônibus esvazia, a probabilidade de você encontrar algum amigo aumenta, e aquilo que antes para você era apenas um meio de transporte se transforma em um ambiente de convívio social, essa é a grande questão de ser pedestres: as surpresas! Depois de todo esse tempo de deslocamento, chegar à aula e descobrir que ela não existirá deve ser no mínimo irritante, ainda bem que meu relógio biológico me fez sair de carro hoje. Na vida tudo tem um motivo para acontecer, e depois que eu cheguei em casa e vi que todo o bairro estava sem luz, ai sim eu tive certeza que não era para eu estar de ônibus naquele momento, imagina se eu desceria aqueles becos no escuro? Jamais, e depois chegar em casa e descobrir que esqueceu a chave do portão? Ainda bem que eu acordei tarde, ainda bem.

1 beijo Carona (ida e volta) - 20 min / 15 min

35min

A melhor forma de se locomover é de carona, principalmente se ela sai da garagem da sua casa e te deixa na porta da sua sala praticamente. Portanto, incentive a sua mãe, seu pai ou seus irmãos a estudarem no mesmo lugar que você e aproveite mais esses minutos de trânsito em família. A sexta-feira fica ainda mais bonita quando você começa ela bem e sabe que terminará do mesmo jeito que começou. Viva as caronas, viva as mamães!

SÁBADO Outubro

33,1 C o

Sábado é dia de repor as energias e fazer todos os trabalhos que você deixou de fazer enquanto estava no ônibus.

Bicicleta - ida Bicicleta - volta

}

de média ille, na L a Minh ade em lofaixas velocid , com cic com a Franç rtilhadas a p m o c . ônibus 13 km/h

9,8 km

DOMINGO Outubro

356 calorias

8,26 km/h 1h e 10min

Domingo em Brasília significa o dia de atividades ao ar livre, principalmente no Eixão, que fica fechado de 06h às 18h e é nomeado por Eixão do Lazer. Aproveitando que o fluxo de carros diminui consideravalmente na Ponte do Bragueto, nada melhor do que fazer um teste de resistência física e das (in)existentes ciclovias de Brasilia. O objetivo era saber até onde se conseguia chegar e em quais condições de via, de segurança e de tempo gasto.

Zzz Zzz zZ

DOMINGO Outubro

Digamos que não tenha sido um trajeto difícil ou impossível, mas com certeza não foi um trajeto confortável e muito menos seguro. Compartilhar vias de alta velocidade com os carros não é nada interessante ou atrativo, muitas vezes somos espremidos contra as calçadas ou desestabilizados pela velocidade dos carros. Sem contar as partes em que se é obrigado a descer da bicicleta para atravessar um obstáculo ou para não cair em algum buraco. No entanto, mesmo com tantos pontos adversos foi possível encontrar várias pessoas durante o percurso, acredito que por influência do Eixão do Lazer, mas isso não desmerece o fato de que o uso da bicicleta como meio de locomoção esteja aumentando, mesmo que de forma lenta. Andar de bicicleta em um cidade, fora de seus parques, deveria ser uma experiência obrigatória para todas as pessoas, principalmente aos motoristas que insistem em não respeitar os ciclistas e usam as vias como se fossem pistas de corridas. A sensação de liberdade e as relações com os espaços, com a cidade são tão intensas que nos permite interpretar e observar a vida quotidiana de maneira diferente. A percepção de uma pessoa em baixa velocidade (pedestre/ciclista) é mais aguçada, aperfeiçoada, e propicia a geração de um sentimento de (pertencimento) participação, de integração com o que se está vendo, ao contrário do motorista que, em muitos casos, apenas passa por um lugar, onde sua intenção é de se chegar o mais rápido possível no seu destino final. À medida em que se aumenta a velocidade, perde-se toda a relação que poderia ser estabelecida entra uma pessoa e um lugar, relação essa que poderia ser benéfica tanto para a vida pessoal do indivíduo como para a cidade.

4 ciclistas e nenhuma ciclovia.

DOMINGO

Outubro

4 ciclistas e nenhuma ciclovia.

Termina a ciclovia.

Comeรงa a ciclovia.

Desconexรฃo urbana.

Trilha urbana?

Calรงadas inclinadas.

SEGUNDA-FEIRA

TERÇA-FEIRA

Outubro

Carona - 22min trajeto Hoje tem aula até às 22h30... não tenho condições psicológicas, físicas e corajosas para enfrentar a imensidão do vazio urbano entre a L2 Norte e o ICC norte, muito menos esperar x! minutos para pegar o ônibus... Mobilidade urbana e transporte público, hoje vocês não me convenceram e nem me conquistaram. Não existe relação boa com o espaço urbano quando existe o medo.

À pé - 08 min

Um beijo 30 min

TERÇA-FEIRA Outubro

Ter,ca-feira, o último dia dessa semana de experiências e reflexões. Apesar do meu tempo de deslocamento ter sido muito maior nesses dias, não posso dizer que perdi horas do meu dia no ônibus, ou na parada, pelo contrário, aprendi a observar as coisas por outro ponto de vista e otimizar e aproveitar esse tempo que para muitos é considerado como perdido. Em que momento do seu dia super corrido você tiraria uma hora para ler um livro, para apreciar as paisagens, para conversar com desconhecidos? Desde quando você poderia mandar mensagens de texto, telefonar para alguém ou tirar fotos do percurso enquanto dirige? Nunca, apesar de muitos fazerem, não é certo, seguro ou permitido, apenas no transporte público você pode fazer tudo isso. Não existe perda de tempo quando há planejamento, talvez esse seja o nosso maior problema, se soubessemos exatamente a que horas o ônibus passaria, quanto tempo demoraria entre um e o outro, ou quanto tempo demoraria no trajeto, poderiamos programar mehor nossas atividades com o intuito de otimizar todos os nossos deveres e afazeres. Aproveitar o tempo de deslocamento de forma sábia, como muitos já fazem em cidades européias, onde inclusive existem livros com histórias pequenas o suficiente para serem lidas entre estações de metrô. Hoje posso dizer, por experiências, que quando se passa por situações às quais não se está acostumado, isso desperta uma atenção ao novo e muda o modo como percebemos e nos relacionamos com aquela situação, aquele espaço, aquele lugar. Em qualquer outro dia ou em uma antiga situação talvez eu nem reparesse na qualidade das calçadas, no tipo de calçamento, nos cruzamentos, nos tempos de espera, etc. É bem provável que eu reparasse nos carros e procurasse por uma vaga, o mais perto possível do meu destino. Agora, posso dizer que resgatei o meu pedestre interior e com ele todos os parâmetros e julgamentos sobre um espaço público de qualidade e favorável ao pedestre. E foi logo ali, andando pelo centro de discussões políticas do país, entre Ministérios e Tribunais que eu me vi em um mar de carros, na “cidade do automóvel”. Quanta contradição para apenas alguns minutos...

TERÇA-FEIRA Outubro

TERÇA-FEIRA

QUALQUER DIA

Outubro

S E R T S PEDE

S O S, A T M S O I S R S MOTO

S! ESTAMO PASSAGEIRO S ESTAMO