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ana LúCIa LoPes MeIra
Sou Ana Lúcia Lopes Meira, mulher negra, nascida em São Paulo, habitante deste mundo desde 1967. Sou a segunda filha de uma família de nove irmãos e mãe de uma linda jovem.
Trabalho em bibliotecas há quase 30 anos e me sinto feliz em compartilhar narrativas e trocar experiências. Acredito na leitura como uma força transformadora que propicia o desenvolvimento do ser humano. Penso que a beleza do texto literário está em despertar no leitor o desejo de convidar alguém para conversar sobre algo que lhe chamou atenção em um livro.
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Ao longo da minha jornada profissional e pessoal, vivenciei inúmeras situações que me confirmaram a riqueza que é trabalhar com a socialização leitora. Só para ilustrar, desejo compartilhar um episódio que vivi em uma viagem de metrô, aqui em São Paulo: estava sentada, compenetrada na leitura do Romance do Cárcere, de Nikolai Bukharin, quando um passageiro interrompeu a minha leitura para dizer o quanto havia gostado do livro. Ele falou dos trechos iniciais da obra e
por duas vezes, feliz, disse: “Nossa, você está lendo Bukharin”! Na hora pensei na biblioteca onde eu trabalhava e como lá era comum os frequentadores conversarem sobre suas leituras.
Infelizmente, as conversas sobre livros e leituras, situação solidificada na relação entre bibliotecários e frequentadores naquele ambiente, tornou-se inviável a partir de março de 2020. Os espaços tiveram que ser fisicamente fechados por causa do coronavírus. Nessa hora, passou um filme na minha mente de todos os anos trabalhados em bibliotecas e me deparei numa situação adversa, como todo o mundo.
Comecei a formular diversas questões sobre a biblioteca “Dr. Dirceu De Paula Brasil” do Centro Educacional Unificado - CEU Tiquatira. Como continuar o trabalho de mediação de leitura por meio das plataformas digitais? Como o conteúdo chegaria às crianças da comunidade que frequentavam a biblioteca?
Precisei, portanto, elaborar um plano de trabalho para iniciar as atividades remotas. Uma das propostas foi a criação da página da biblioteca no Facebook. Ela deveria ser alimentada com o conteúdo previsto no Plano de Ação da Biblioteca 2020. A Exposição Temática, antes realizada presencialmente, passou a ser publicada nas redes sociais. Outra iniciativa, foi o Canal BiblioCEU, criado em março de 2020 no Youtube pelos bibliotecários que atuam nos CEUs. O objetivo era adaptar nossas atividades cotidianas para o ambiente digital.
Aos poucos, também se promoveram encontros virtuais para formação com os professores das Unidades Educacionais, como as rodas de conversa sobre os livros Gabriela: semeadora de encantos poéticos, de Thaís Matarazzo, e Balado da estrela e outros poemas de Gabriela Mistral, tradução de Léo Cunha. O motivo deste encontro foi prepará -los para outro desafio cultural digital, a Festa Literária da Penha - FliPenha 2020. Em sua terceira edição, os eventos seriam realizados virtualmente e teria Gabriela Mistral como uma das homenageadas. As rodas de conversa com os professores nos permitiram dialogar sobre literatura, território, exclusão. Possibilitou também falarmos sobre nossos sentimentos frente ao distanciamento social e da saudade dos alunos.
A interação com os professores foi muito importante para compartilhar fontes literárias. Por meio do Whatsapp foi distribuído o livro Gabriela: Semeadora de encantos poéticos (formato digital gratuito) e o vídeo de Leituras Divertidas, com poesias da Gabriela Mistral. O material paradidático foi direcionado aos alunos e suas famílias. Conversei sobre exemplos de solidariedade
e parceria, como a escritora Thaís Matarazzo que disponibilizou acesso gratuito aos livros em formado digital, autorizou a utilização do conteúdo para produção de vídeos.
Foi um ano de emoções à flor da pele. Uma moradora do território, Naiara Baum, após ler o livro Gabriela: Semeadora de encantos poéticos, afirmou: “Morei anos na comunidade próxima à Avenida Gabriela Mistral, mas não conhecia a poetisa; eu me identifico com a história dela”. Assim como a própria escritora Thaís Matarazzo, ela se encantou pelo poema “Hino a Árvore”. Uma ponte que ainda não havia sido estabelecida pelos meios físicos foi possível pelo virtual.
Continuei representando o CEU Tiquatira nas reuniões com organizadores da FliPenha. Embora no início da pandemia pairassem no ar as incertezas, felizmente a feira foi realizada em plataforma virtual, e as homenageadas Gabriela Mistral e Ruth Guimarães foram ovacionadas pelo público.
Entre um turbilhões de emoções vivenciadas ao mesmo tempo na semana da FliPenha cito a mesa A escritora chilena Gabriela Mistral por participar da live como mediadora. Foi uma satisfação imensa estar com pessoas que admiro pela dedicação a pesquisa e a difusão do conhecimento, mas acima de tudo pela generosidade e afetividade que acolheram a minha pessoa no campo da literatura, então não poderia deixar de citá-los: Thaís Matarazzo (escritora e jornalista), Sandra Trabucco Valenzuela (pesquisadora, escritora, professora) e Victor Barrionuevo (escritor, professor, editor e livreiro), a frase “Uma mesa com Gigantes” escrita no comentário por um dos internautas no momento da transmissão, sintetiza toda a minha emoção em estar fazendo a mediação da mesa.
Penso que a FliPenha de 2020 foi uma linha mestra na travessia frente a crise pandêmica, se não fosse a relação entre pessoas e a paixão pela literatura, talvez não teria acontecido. Em situação de adversidade as características próprias de cada pessoa norteiam os seus passos para fazer a travessia.
Acreditar no desenvolvimento humano por meio da literatura foi a mola motivadora que levou as pessoas participarem do evento. Carrego sempre comigo o sentimento de gratidão a minha família, aos amigos, colegas, professores das unidades escolares, parceiros da biblioteca, a coordenação dos núcleos e a gestão do CEU Tiquatira durante a travessia pandêmica 2020. Estou em processo de mudanças internas, sinto que iniciará um novo ciclo em que a literatura estará sempre presente alimentando minha alma e me levando em outras direções.