Vila Madalena

Page 1

VILA

MADALENA Arte em cada

esquina


Az evedo , T h a l ita V i l a Ma dale n a - A rte em c ada Es qu i n a Osa sco / 2 0 15 j orna l i sm o v i l a m a da l e n a a rte

O talento desenvolve-se no amor que pomos no que fazemos. Talvez até a essência da arte seja o amor pelo que se faz, o amor pelo próprio trabalho. Máximo Gorky


08 Os criadores da Vila Madalena 13 Ela sempre foi diferente 24 Jeito Único e Universal 40 Madalenas 50 Bicicletas Artesanais 54 Lu Grecco: a cenógrafa da Vila Madalena 60 Utopia


Thalita Azevedo


Surgiu

1

OS CRIADORES DA VILA MADALENA Pertencente ao distrito de Pinheiros, a Vila Madalena, como qualquer outro bairro, tem fundadores. Dizem que entre os anos de 1910 e 1920, um fazendeiro chamado Gonçalo e o pai do modernista Oswald de Andrade, José Oswald Nogueira de Andrade compraram alguns espaços de terras. Com a aprovação do loteamento, lotes e ruas foram demarcadas e assim surgiram as Vilas: Beatriz, Ida e Madalena. Fatos que comprovem como surgiu a Vila Madalena? Não existem. “Não tem vestígios do século XVII. Se tivesse escavações, encontrariam muitas cidades. Elas se sobrepõem. A cidade de São Paulo são cinco cidades – Colonial, Taipa, Industrial, Barões e Contemporânea. Pinheiros é um bairro muito antigo”, diz o jornalista, artista plástico e morador da Vila há mais de 30 anos, Enio Squeff. Em novembro de 1956, o jornal Gazeta de Pinheiros publicou a nova subdivisão da região Oeste, de São Paulo. “A subprefeitura de Pinheiros abrangerá uma área em que vivem 170.000 habitantes, segundo informações veiculadas pela Prefeitura”. A partir desta data, a Subprefeitura de Pinheiros passa ser responsável pelas regiões da Vila Madalena, Cerqueira César e Butantã. Hoje, os distritos de Pinheiros e Alto de Pinheiros totalizam 289.743 habitantes.

08

Os moradores da Vila Madalena deram os primeiros passos para o crescimento e desenvolvimento da região. “Seus primitivos moradores, aqueles que deram os primeiros passos para o crescimento desse espaço de São Paulo – verdadeiros pioneiros na

exploração de uma região até pouco inóspito. Nada mais justo que reverenciar esses homens e mulheres abnegados, que lutaram e se sacrificaram para dar àquele canto de chão paulista o progresso que, quase sempre, lhe foi negado pelos poderes públicos”, expressou o morador Francisco Calazans de Freitas. A Vila Madalena ou Vila Madá, com aproximadamente 20 mil habitantes, é composta por 108 ruas, 41 bares para todos os gostos – dos botecos clássicos com azulejos na parede, chopp gelado e caldinho de feijão, até bares para os diversos públicos e tribos. Quem anda pelo bairro encontra 29 ateliês, butiques de moda, lojas e escolas de música, teatro, dança e centros A estação de metrô Fradique Coutinho de exposições artísticas.

Simplesmente

encantadora

Os nomes das ruas? Têm inspiração poética: Simpatia, Girassol, Fidalga, Harmonia, Aspicuelta, Purpurina. Dizem que os nomes foram sugeridos pelos estudantes para acabar com a trdição urbana de homenagear autoridades públicas, que moravam no bairro a partir da década de 70. A Vila é encanto e agitação.

separa Pinheiros e Vila Madalena. Se caminhar pela rua Fradique Coutinho encontrará prédios de alto padrão, padarias, comércios e ateliês.

As histórias encontradas em cada avenida e cruzamentos transformam o bairro em um lugar descolado e popular na cidade de São Paulo. A Vila tem charme. Com um jeito especial, a região é agitada com bares, lojas, galerias e restaurantes. Prazer, o bairro é meu. É seu. É nosso.



Ilustração Luciana Mattiello

ELA SEMPRE FOI DIFERENTE

A Vila em 1980

Foi-se o tempo que a região Oeste era considerada longe comparada do Centro da cidade de São Paulo. A região de Pinheiros, inclusive a Vila Madalena, era um local de matagal e escuro. O bairro nasceu como Vila dos Farrapos. Por quê? Era uma parte de Pinheiros – que por sinal era extensa – que era habitada por índios no século XVI. O acesso ao bairro era difícil. Com muita subida e descida, os morros eram cortados pelo Córrego do Rio Verde, que nasce perto da rua Oscar Freire e desagua no rio Pinheiros. Considerado o maior rio da região, o Verde nasceu de várias nascentes de diferentes bairros. Com um formato de arquibancada por causa das curvas, as minas d´água do rio formam dois córregos que se juntam na avenida Rebouças: um córrego nasce na rua Beatriz Galvão e o outro dentro do Grêmio da Faculdade de Medicina na USP.

Arte em cada esquina

13


Os problemas com o Córrego sempre foi um desafio dos prefeitos do bairro e região. Desde os anos de 1956, existem relatos de moradores pedindo a canalização do córrego Rio Verde e durante muitos anos, ele foi utilizado como receptor de lixo e para escoar o esgoto. “Há 30 anos moro neste local [rua Harmnia, 21] – diz Abel Trindade – e, por todo esse tempo suporto o flagelo desse córrego. Minha casa já esteve ameaçada de ruir na grande enchente de 1952. Por diversas vezes, fomos em comissão à municipalidade e, naquele grande transbordar de águas, a Prefeitura mandou erguer uma proteção de 7 metros de extensão, em concreto armado. Diaa-dia o córrego desbarranca as margens alargando o leito e aumentando cada vez mais o problema que nos aflige”. Quando começaram a canalização do córrego na região perceberam que havia uma falha de engenharia: o braço oeste (o da rua Beatriz Galvão) fazia uma curva de 90 graus próxima à rua de Pinheiros. “A região de alagamento

14

Arte em cada esquina

é exatamente onde os canos fazem uma curva da Vila Madalena. Já viu a água fazer um ângulo reto? A Vila Madalena é descida. Resultado? Dá enchente”, explica o geógrafo e educador do grupo Rios e Ruas do Instituto Harmonia, Luiz Campos Junior. Hoje o Córrego Verde, como ficou conhecido, está praticamente todo canalizado, exceto na Praça Dolores Ibarruri e no Parque Linear das Corujas, que fica na avenida das Corujas, na Vila Madalena. Os rios e as cidades: sabia que 90% dos rios de São Paulo estão sob os asfaltos? Claro que existem algumas exceções como os rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e o Córrego Rio Verde. “Ninguém pensa, mas, São Paulo está lotado de rios. Eles não morrem, podem ficar e ficam doentes e enterrados. Enterrados vivos”, comenta Luiz Campos. Já pensou quantos rios existem espalhados na cidade de São Paulo e quantos afluentes cortavam os quintais das casas da Vila Madalena? O

Ela sempre foi diferente

15


município foi construído conforme os cursos d´água e os índios usavam esses canais para navegação e comunicação com outras tribos. Apesar de muitas vezes serem invisíveis, São Paulo é uma cidade fluvial com 287 rios, córregos e riachos. “De 2010 para cá, uma equipe de ambientalistas realizou 80 expedições pela malha hidrográfica paulistana”. Luiz comentou que acredita que existem outros cursos d´água que ainda não entraram para a malha fluvial oficial do mapa hidrográfico do município de São Paulo. “Acho que esse número chega a 300 rios. Veja só, para cada rio já conhecido foi encontrado outro que, nos mapas, ainda não apareciam”, finalizou o geógrafo.

evolução. As primeiras linhas do bonde trafegavam pelas ruas asfaltadas e iluminadas do bairro. E as paradas? Eram sempre perto de um comércio, bar ou de uma banca de jornal. “Antigamente, o bonde da Light chegava até a Vila Cerqueira César e o ponto final na rua Capote Valente. Havia apenas um bonde na linha. Lembro bem que eles viraram os bancos porque não havia espalho para fazer o retorno. Não valia a pena ir de bonde quando queriam ir até a cidade. Muitos iam à cavalos ou andavam até a rua Capote”, conta o morador Albertino Iasi.

Os terrenos, as casas simples e as oportunidades

O bairro da Vila Madalena começa a atrair jovens com a criação da Cidade Universitária no final dos anos 50, na região do Butantã. As edículas foram alugadas para os estudantes da Universidade São Paulo (USP) e a partir desse momento, surge um novo segmento de Pinheiros: a Vila Madalena é um bairro boêmio de São Paulo. As demandas eram bebida, fumo e liberdade e a região atraía hippies, comunistas, sambistas, trabalhadores e intelectuais que conviviam em perfeita harmonia.

As chácaras surgiram nos terrenos que faziam parte do bairro e as casas simples foram se multiplicando. A Vila Madalena virou polo de emprego e oportunidades quando iniciaram a construção do cemitério São Paulo, nos anos 50. O crescimento do bairro, juntamente com a imigração portuguesa da região Minho, proporcionou várias opções de trabalho para a população como pedreiro, carpinteiro, jardineiro e pintor. “Os primeiros habitantes foram responsáveis pela construção das primeiras casas e ainda existem essas casas”, comenta o historiador e morador do bairro Eduardo José Afonso. A chegada dos bondes até Pinheiros representou um grande avanço para a região Oeste. Com o empenho do vereador Celso Garcia e dos moradores de Pinheiros, no ano de 1930, a palavra que representou o período foi

16

Arte em cada esquina

Por que ela é diferente?

BOÊMIA É UMA REGIÃO DA REPÚBLICA TCHECA (ANTIGA TCHECOSLOVÁQUIA), DA CIDADE DE PRAGA. NO SÉCULO XV, BOEMIA SIGNIFICAVA CIGANO OU MEMBRO DE TRIBOS NÔMADES E A PARTIR DO SÉCULO XVII, ERAM PESSOAS QUE LEVAVAM A VIDA DESREGRADA, EM UM ESTILO DE VIDA QUE NÃO TEM NORMAS E GRANDES PROJETOS. Os primeiros bares na Vila Madalena surgiram com a vinda dos estudantes da Universidade São Paulo (USP) em dezembro de 1968. Um dos bares mais

Ela sempre foi diferente

17


famosas da região é o Bar do Seu Zé. Afinal, na Vila Madalena o que não falta são lugares lotados e com todas as mesas ocupadas. Não importa o dia da semana, no Bar do Zé sempre tem um lugar para beber. “O novo bar do Seu Zé está estiloso, moderno e ajeitado. O clima aqui é incrível e continua o mesmo. A freguesia cativa migrou do antigo para o novo”, afirma o empresário Eddie Amarildo, da zona Oeste. Ele fica na rua Fradique Coutinho. Adepto ao clima dos clássicos bares do Rio de Janeiro dos anos 30, o Boteco Seu Zé homenageia os vários ‘Zés’ que existem no Brasil. O toque é brasileiro e os pratos mais tradicionais da culinária nacional são os famosos petiscos como os pastéis e as empanadas. Os petiscos empanadas conquistam a população que visitam a região. Outro bar que reuniu intelectuais, escritores, cineastas, arquitetos e pscinalistas é o Empanadas, inaugurado em 1980, que começou como Martin Fierro. “O Empanadas Bar foi um dos primeiros e alguns estavam espalhados pelo bairro. Mas, a Vila naquela época era apenas a rua Wisard. Tinham muitas pessoas de esquerda, mas, na verdade, eles estavam nos bares”, relembra a historiadora Solange Whitaker Verri, moradora da região há 26 anos. Dez anos depois, o espaço ganha novo layout.

Casa Vila Madalena


A imagem de um ônibus é colada na parede e fotos de freqüentadores de várias épocas fazem parte do design. “Quando a gente ia ao bar, sabia que o que tinha e o que ia para conversar, agora ninguém têm assunto ou tema. O negócio é falar qualquer coisa, para matar o tempo. Aqui na Vila todo mundo se conhecia. A Vila mudou”, reviveu o historiador Marco Lopes. A transformação do bairro não foi apenas no ramo boêmio. O desenvolvimento local se deu como a chegada dos ateliês, das galerias de arte, das lojas de grifes, dos restaurantes e livrarias, além das escolas que incentivam cursos regulares e técnicos para a população.


Angelo Rodrigues


JEITO ÚNICO E UNIVERSAL


Painel na rua Gonçalves Afonso

Thalita Azevedo

Já imaginou quantas lembranças e memórias existem nas ruas? O Beco do Batman é um lugar que aproxima o mundo com o outro. Próximo à estação de metrô da Vila Madalena, na rua Gonçalves Afonso, o Beco surgiu em 1985 como forma de representar a arte urbana e demonstrar a ousadia e coragem dos estudantes de arte. A mistura de cores nos muros, postes e escadarias remetem às lembranças e memórias de alguém e a ideia de reaproximação virou uma manifestação estética.


Thalita Azevedo

Painel na rua Gonçalves Afonso

O primeiro desenho na parede do Beco foi do homem-morcego dos quadrinhos. Enquanto ações eram reprimidas pela Prefeitura de São Paulo, na Vila Madalena, a arte de rua era incentivada e promovia passeios turísticos por seus becos ricos em desenhos e pinturas de grafite, conta o jornalista Gilberto Dimenstein. O grafite (graffito), de origem italiana, significa escrita feita com carvão. Considerada arte de rua urbana, os desenhos em ruas, prédios e muros surgiram na década de 70 em Nova York, nos Estados Unidos. No Brasil não foi diferente: o grafite apareceu no cenário da metrópole brasileira

28

Arte em cada esquina

como forma de marginalização e de linguagem de rua por não pedir licença. O grafite vem da pichação. Na época, um rapaz veio pichando o caminho de sua casa dizendo Eu Te Amo para a namorada. Os traços se tornaram duas cores e com um tamanho maior. As letras passaram ser mais bem pintada e os novos desenhos surgiram, relata Jerry Batista, grafiteiro e sócio da galeria A7MA. No primeiro sábado de novembro de 2015, a jovem Bruna Almeida, de 23 anos, da zona Leste de São Paulo, estava sendo fotografava na viela do Beco do Batman. Entre um muro e outro, as misturas das cores atraem

Jeito Único e Universal

29


Thalita Azevedo

os olhares de todos que frequentam a rua Gonçalves. A sensação que eu tenho quando vou ao Beco do Batman é que posso ser o que quiser. O Beco tem a ver com o meu estilo e me identifico com as ilustrações. Cheguei por acaso. Como que sem querer. Um dia, fui a Vila Madalena ver uma exposição Cultural. Era muito tempo e simplesmente achei aquelelugar maravilhoso. É grafite do céu ao chão e eu me apaixonei, conta Bruna encantada. Além da beleza, as ruas têm o poder de transformação. Toda

30

Arte em cada esquina

vez que vou ao Beco, tenho a sensação de estar em um ambiente novo. Amo viajar e quando viajo fico prestando atenção em lugares que remetem o Beco, como São Thomé das Letras, em Minas Gerais, e San Telmo, em Buenos Aires. Por quê? As pessoas são parecidas. A rua de paralelepípedo também lembra e tem muitos grafites em São Thomé. Já em San Telmo, a arte faz parte do dia-a-dia, por causa da música ao vivo, brinca a jovem.

Jeito Único e Universal

31


Thalita Azevedo

O Beco é um mix de gênios pintores e um dos mais importantes artistas plásticos do Brasil e mundo é Carlos Eduardo Fernandes Leo, vulgo Eduardo Kobra. Quem passa pelo número 200 da rua Medeiros de Albuquerque pode conferir o Bonde General 77, um grafite que fica no muro de um estabelecimento na Vila Madalena. Com mais de 4


Nascido em Campo Limpo, em 1976, bairro da periferia da cidade de São Paulo, Carlos Eduardo sempre teve uma paixão: desenhar. Seus cadernos eram desenhos. Aos oito anos, ganhei cadernos de colorir da minha mãe e nunca mais os abandonei, lembra. O menino percebeu que sua arte precisava de espaço e foi então explorar o mundo. Eduardo, nos anos de 1980, se interessava em pichar onde podia e não podia. Com o objetivo de marcar território, ele queria registrar seu nome. Grafiteiro era sinônimo de vagabundo. Meus pais nunca gostaram daquilo. Mas das pichações toscas fui evoluindo para ilustrações, conta. Ele era bom. Chamado de cobra [porque era bom no que fazia e assim virou Kobra] e sempre caminhando conforme o movimento da rua, Kobra procura exteriorizar suas convicções quando pinta um mural novo. Alivio minha mente e meu coração. Por mais que eu crie e pense em um tema e faço o contexto para o mural, quando ele começa a acontecer, perco o controle Thalita Azevedo

metros de altura, passageiros parecem observar as ruas do bairro enquanto passeiam. A Vila Madalena mudou. Dos traços em preto e branco daspichações, a pintura foi aderindo formato e as cores ganharam espaço no grafite. Os muros e pontes viraram suas telas e a cidade, sua galeria. Sua relação com a Vila Madalena começou em 1990 e, hoje, o Studio Kobra fica a 200 metros do Beco do Batman.

Rua Fradique Coutinho

34

Arquivo Pessoal Kobra


Arquivo Pessoal Kobra

sobre a releitura que as pessoas fazem, e cada um encontra nele o que procura, dentro do seu próprio conhecimento. Kobra está sempre de chapéu. Com seu jeito discreto, tem consciência e pés no chão. Conta dos altos e baixos e se diz grato por cadaconquista. O artista que virou referência global (ora em Recife, ora em Paris) tem uma equipe de colaboradores na hora de pintar. Caminha pelo mundo com apenas duas pessoas: sua assessora, produtora e esposa, Andressa Munin; e o Márcio Rodrigues Luiz, seu arquiteto que ajuda a organizar sua complexa agenda. Quando está em São Paulo, se desliga de tudo: principalmente do celular. Quando estou na Vila Madalena gosto de caminhar com meus dois cachorros e perceber o detalhe da arquitetura, das pinturas, das casinhas antigas e dos ateliês. A Vila honra o título que tem [de ser um espaço artístico]. Ela é conhecida por oferecer uma vida noturna intensa e ter um charme especial. O artista plástico já pintou mais de 3 mil obras em São Paulo e emoutras cidades do país. O mundo está pequeno. A parceria com o francês Thierry Guetta, mais conhecido como Mister Brainwash, rendeu mais sucesso. Sua assinatura é famosa na França, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Rússia, Grécia, Itália, Suécia, Polônia e Suíça. Lembra-se da cena do Beijo entre uma enfermeira e um marinheiro comemorando o fim da Segunda Guerra, em 1945, que aconteceu na Times Square, em Nova York? Kobra reproduziu o momento e virou sucesso ultrapassando até os oceanos.

26

Arte em cada esquina

Jeito Único e Universal

37


As cores fazem parte do projeto, o Muro da Memória. O local representa o passado e o presente no mesmo espaço. “Sou colecionador de livros com imagens antigas. Tenho uma grande coleção, tantos de livros nacionais como importados, que falam de arquitetura, moda, decoração, automóveis e roupas. Todo este mundo (vintage,

Arquivo Pessoal Kobra

“UMA CIDADE SEM MEMÓRIA É COMO UMA PESSOA COM ALZHEIMER. TODA A SUA HISTÓRIA FICA PERDIDA E DESCONEXA” (KOBRA)

retrô, histórico) me inspira. O projeto Memórias vem justamente da necessidade de utilizar os muros para falar sobre a preservação do patrimônio histórico das cidades brasileiras. Uma cidade sem memória é como uma pessoa com Alzheimer. Toda a sua história fica perdida e desconexa”, diz Kobra. Os painéis espalhados pela cidade funcionam como um túnel do tempo. Muitas vezes o que o homem destrói, as pinturas têm o poder de reconstruir e mostrar aquilo que não deveria ter sido modificado e, sim, preservado. Suas imagens são conhecidas por causa dos blocos multicoloridos – como uma colcha de retalhos. Às vezes, ele pinta o passado que não vivenciou em preto e branco. Hiperativo, Kobra quer pintar independentemente dos rótulos que recebe de contemporâneo e neovanguardista.Isso é mais forte do que eu, e por outro lado não tenho escolhas. Dediquei toda minha vida e não tenho interesse em aprender mais nada, além de evoluir meu próprio caminho. Atualmente com cinco projetos diferentes, Kobra revela que não consegue seguir apenas um caminho e isso também acontece em relação aos materiais, suportes e técnicas. Minha arte funciona como caixas que deixam minha mente livre. Não estou preso a nada. Se tiver que mudar tudo na última hora, vou mudar, disse com ênfase. Para mim, o que importa é conseguir o melhor resultado, mesmo que isso me custe finais de semanas e algumas vezes mais de 50 desenhos diferentes para conseguir aproveitar apenas um, brincou.

Jeito Único e Universal

39


Thalita Azevedo

MADALE NA POR MADALE NA Horta das Corujas - rua Natingui


Interiorana de nascença. Paulistana por opção. Madalena Buzzo é mãe, esposa, administradora, empresária e voluntária. Herdeira do nome de sua avó, a semelhança do bairro com a moradora não é apenas o nome. As duas Madalenas são acolhedoras, cheias de possibilidades e uma mistura. Elas são separadas por apenas uma rua, a Natingui: um divisor de distrito de Alto de Pinheiros, que separa os bairros Beatriz e Madalena.

Por muito tempo, Madalena teve medo de São Paulo. Apenas no ano de 1988, a administradora começou a olhar e incorporar seu jeito na cidade. “A questão do espaço físico e moradia não me assustava em si. A cidade era muito assustadora. Eu era funcionária pública e só quando comecei a procurar estágio em empresas maiores percebi que existia um leque de opções de coisas que eu poderia fazer na região e ainda sim, ter o meu silêncio. Era possível fazer a reflexão comigo e unicamente comigo”, analisa.

42

Arte em cada esquina

Arquivo Pessoal Madalena

A Madalena nasceu em julho de 1961, na cidade de Fernandópolis. Encantada com a cidade de São Paulo, a jovem, com apenas 18 anos, muda para a capital para viver uma nova experiência de vida. Sozinha, seus pais ficaram na cidade natal, Madalena se aventura para viver novos momentos. “No início, em 1979, eu era um bicho do mato. Além de morar em uma cidade pequena, vivia em um sítio e São Paulo era algo inatingível. Meu espaço era basicamente: casa – trabalho – faculdade, um verdadeiro círculo que só foi crescendo quando comecei a buscar novos estágios e olhar a cidade de outras formas”, conta.

Madalena Buzzo

Você é uma mistura de interior e cidade grande? Sinto que sou uma mistura do que eu trouxe de característica de uma cidade pequena – moradora de um sítio – e do que estou vivendo aqui, agora. Acho que complementa algumas coisas para mim, como a busca de espaço e da própria moradia que se torna uma mescla. Quando eu era menina, me sentia sozinha em questão de crescimento porque eu só tenho irmãos homens. Aqui eu me descobri e me ampliei. Sempre fui apaixonada para tentar misturar o meu jeito interiorano com os costumes da cidade grande. O que mais te atrai na Vila Madalena ou na Vila Beatriz? Tenho alguns pontos em comum com o meu marido, por exemplo, sempre morei em apartamento, mas procuramos uma casa. Desde 2005, temos o quintal que sempre sonhamos. Moro em frente à

Madalenas

43


Thalita Azevedo

Praça das Corujas, que é o meu grande quintal. Assim como eu sou uma mistura, o bairro da Vila Madalena é ateliê, bar e moradores e tudo junto forma um espaço diferente, que atrai a cidade, o país e o mundo. A Vila é bacana. Quem anda por aqui encontra mil possibilidades (desde calçados até uma obra de arte), apesar da questão bairrista. Horta Comunitária Era um lugar abandonado e hoje são espaços públicos que se transformam em Hortas Comunitárias e viram tendência em vários cantos do mundo. As razões são várias: a agricultura urbana mobiliza pessoas em busca do bem-estar transforma em lugares melhores para viver. A Horta das Corujas, criada em julho de 2012, foi autorizada pela Prefeitura de São Paulo para a construção do cantinho de 800m². São muitos temperos e hortaliças como couve, pimentão, rabanete, alface e algo, além de pinho, feijão e mandioca. A horta é democrática, mas existem algumas regrinhas de convivência. Cachorros devem ficar do lado de fora e o espaço é todo cercado. Apesar do portão ficar encostado, qualquer pessoa pode ajudar no plantio e colheita e até levar para casa. “Este é um espaço em eterna construção. É uma convivência que ajuda a gente a mostrar um tempo diferente na própria vida”, diz Madalena Buzzo.

44

Madalenas

Horta das Corujas - rua Natingui


Thalita Azevedo

Horta das Corujas - rua Natingui


Ilustração Luciana Mattiello

ESCADARIA PATÁPIO revitalizada em agosto de 2015


Tom Cox

S I A N A S E T R A S A LET

BICIC

Uma nova onda está surgindo e todo mundo está aderindo. O uso da bicicleta está crescendo. Seja como meio de transporte ou para a prática de exercícios, ela é transporte e tem um tipo para todas as preferências na Vila Madalena e no mundo: das estradas para as montanhas e até para a beira mar.

50

Arte em cada esquina

As bicicletas artesanais ou feitas à mão da Bornia & Cox Cycles ‘Frame Builders’ estão fazendo sucesso. Ainda de forma cautelosa, os criadores são brasileiros, apesar do nome, Tom Cox e Pedro Bornia. O sonho começou em 2005 quando Tom Cox abriu uma Oficina de Conserto de Bicicletas na garagem de sua casa, que fica na Praça Gastão Cruls. Localizada próximo ao Alto de Pinheiros, a residência tem um jeito diferente com a sua decoração voltada à arte. “Esse terreno é da minha família há 35 anos. Antes era um ateliê de cerâmica da minha mãe e tinha um mini espaço para o meu pai. Depois ela começou a fazer outras coisas e foi pro mundo e eu ocupei a casa”, conta o artista. A produção artesanal de uma bike – a construção de quadros - começou em 2013 depois que Pedro se formou na universidade e o Cox não seguiu as transformações e saiu da empresa Caloi, na qual trabalhava há anos. “Começamos a construir quadros no ano de 2013. Meu sócio Pedro desenhou um quadro de bicicleta no projeto experimental de conclusão de curso e eu criei a peça. Mas, era pra uma modalidade específica. As possibilidades são infinitas depende apenas do interesse do cliente, “downhill”. Pra quem não conhece, a modalidade é aquela que o ciclista desce algum morro em cima da bike. A diferença está na suspensão que aguenta os impactos em alta velocidade. Além de ser mais pesada comparada com as outras opções, possibilitando ao atleta ganhar velocidade na hora da descida.

Bicicletas artesanais

51


Tom Cox

Há 11 anos, foi criada uma corrida urbana chamada Atravecity. Organizada pelos mensageiros da cidade de São Paulo, a corrida é underground para apenas para quem corre e está acostumado com a loucura das ruas. “As características são mutantes. No início usávamos um discurso ríspido: Se não tem nada a ver com a conversa, cai fora”, brincou Tom. Está cada vez mais comum os carros dividirem seus espaços com as bicicletas na cidade de São Paulo. Os resultados são sempre positivos a favor da bicicleta porque estamos conseguindo levá-la para outros cantos da cidade. Não importam os motivos, mais pessoas estão adeptas com um único objetivo: pedalar. Seja como profissão, lazer, esporte ou até como meio de transporte, as bicicletas contribuem para a mobilidade urbana e meio ambiente.

Corrida maluca: Atravecity out/2009

52

Arte em cada esquina


Arquivo Pessoal Lu Grecco

´ Lu Grecco: a cenografa da Vila é comparada com a Morgana Quem nunca ouviu o jargão Plift Ploft Still, a porta se abriu!, do porteiro do Castelo Rá-Tim-Bum? E o Raios e Trovões, do doutor Victor? As lembranças são várias e o sentimento de nostalgia é grande. Afinal, nos anos 90, os episódios do Castelo fizeram parte da vida de muitas crianças. Uma das responsáveis (e a única mulher) que pensou do processo de criação do Castelo na área de cenografia foi a arquiteta, diretora de Artes, cenógrafa e moradora do bairro Luciene Grecco. A artista é natural de

54

Arte em cada esquina

Pompéia, mas reside na Vila Madalena desde a década de 80. “Morei até os dez anos, depois fui para o Jardim Paulistano, e me mudei para a Vila Madalena no final da década de 80. Na época, trabalhava em um escritório de engenharia e construção que ficava na rua Harmonia com a Purpurina. Escolhi o bairro porque sou uma admiradora e teve coincidência de um casal amigo meu, que morava na Vila, se mudar para Florianópolis. Acabei ficando com o apartamento deles em uma parte que não é muvucada". Seu ateliê na casa 4, do 575, é conhecido na rua Fidalga. É uma mini Vila construída pela família Mota nos anos de 1970. “São cinco casas: a 1 e 2 foram construídas há 40 anos atrás; as demais passaram por algumas reformas que eram necessárias porque antes era um Centro de Saúde da Vila Madalena”, relembra o engenheiro civil e herdeiro das casas, Vasco Duarte Mota.

A cenógrafa da vila

55


A TV Cultura tem um diferencial que é produzir programas 100% nacionais voltados para o público infantil. Pra quem não sabe, o Castelo era pra ser uma nova versão do programa Rá-Tim-Bum. “Íamos substituir alguns itens que não estavam tão legais. No fim, inventamos tanto que resolveram fazer um novo programa. De tudo que tínhamos proposto, eles pegaram uma parte e desenvolveu o Castelo Rá-Tim-Bum”, conta o roteirista Flávio de Souza. A produção tinha um desafio de criar um Castelo que fugia dos padrões, ou seja, localizado em uma cidade urbana, ele deveria ser misterioso e ao mesmo tempo, alegre. Os padrões iam de encontro com o arquiteto Antoni Gaudí. Nascido em junho em Reus [ou Riudoms], Gaudi foi um famoso arquiteto catalão e figura conhecida do modernismo. Com um estilo único e individual, as obras do arquiteto são marcadas pela natureza e religião.

56

Arte em cada esquina

Foram noventa episódios e um especial de natal que atingiram alto índice de ibope de audiência na emissora. A história, com seis personagens e nove bonecos, foi 97% gravada dentro de um estúdio

Arquivo Pessoal Lu Grecco

Seu interesse pela cenografia e a paixão pelo palco surgiu quando ainda pequena. "Fiz teatro e dança e tive uma fase que queria ser atriz. A arquitetura ajudou abrir minha mente e passei ter convívio com pessoas que tinham vocação no universo artístico, conta emocionada. Luciene começou a trabalhar profissionalmente em 1990, com a produção de objetos para filmes comerciais na produtora Frame. “Foi no Plano Collor que meus clientes ficaram sem verbas para continuar suas obras. Por incrível que pareça, apareceu a oportunidade em publicidade para trabalhar em cenografia. Fiquei um ano trabalhando em publicidade e depois fui contratada – temporariamente - pela TV Cultura. A emissora tinha a mesma ideologia e tinha uma preocupação com o conteúdo e as pessoas se relacionavam muito bem”.


Thalita Azevedo

que as crianças gritam, cantam e sobem no palco. “Só fui ter o retorno mais concreto depois que fui dar aula porque os alunos vinham me dar esse feedback. Nunca imaginei que anos depois, o Castelo ia continuar fazendo tanto sucesso”. Encontrava alguma amiga com criança pequena e a mãe falava pro filho:

“Essa amiga da mamãe foi quem fez o Castelo. A criança olhava pra mim e pra mãe: “A mamãe está louca. Quem fez o Castelo foi o doutor Victor”.

Lu conta que, a partir do pedido do diretor, diversos estudos são realizados e começam o processo de desenvolvimento. “Pensando com todos os ingredientes de mistério e fantasia [que era a proposta do Castelo], o estilo do arquiteto Gaudí era o mais adequado. Espanhol, ele praticou um estilo mais organizado, orgânico e humano”. O Castelo em si é um marco. “Seria impossível ficar no passado e como é incrível que ele está presente até hoje porque as pessoas me procuram para fazer trabalho de faculdade. Meus alunos me procuram por causa do Castelo”, conta Lu Grecco. Como a televisão é engraçada. Apesar de ser imediata, ela não dá resultados imediatos, ainda que ofereça sucesso e prêmios. Diferentemente do teatro,

58

Arte em cada esquina

Resumindo, me identifiquei completamente pela TV Cultura em todos os sentidos. Me envolvi nos programas infantis: Cocoricó, X-Tudo, GlubGlub, Mundo da Lua, Turma da Cultura, Ilha Rá-Tim-Bum, entre outros. Em 2003, depois de 12 anos trabalhando no mundo da televisão, Luciene começou a fazer freelancer. Em seu ateliê, ela atende todos os tipos de demandas de cenografia: teatro, publicidade, eventos, televisão, exposições e festas temáticas. “Nessa época, passei oferecer cursos livres de cenografia no meu ateliê devido à carência de cursos de formação de novos cenógrafos e especialização”, conta. Para ser um bom cenógrafo é importante surpreender e inspirar o elenco. É necessário ter alma e o resto vem. Com alto e baixo orçamento, prazo grande ou pequeno, diretor objetivo ou confuso, roteiro bom ou ruim, de alguma forma, a cenografia tem que conseguir, com propriedade, expressar a essência do argumento e dos personagens.

A cenógrafa da vila

59


Thalita Azevedo

Utopia

7

UTOPIA Se eu pudesse devolver o sol Se eu pudesse te abraรงar agora Se eu pudesse tornar-me รกgua Se eu pudesse tornar-me pรฃo Ah, se eu pudesse! Eliza Muira


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.