SALVADOR SÁBADO 14/6/2014
THALITA LIMA
Até o dia 13 de julho, o Brasil respira Copa Mundo. Salvador receberá mais ‘gringos’ do que o habitual e, dentro desse intervalo, ainda terá São João. Com tantas festividades, a questão é: como fica o circuito cultural dessa cidade? Enquanto algumas atrações são exaustivamente mostradas aos visitantes, muito da cultura de outros segmentos fica na sombra da programação durante o período. Entre os destaques do que se tem de mais expressivo, está a 3ª Bienal da Bahia, com uma grade que envolve exposições, ciclos de cinema, performances, atividades educativas, artistas locais e de fora do País. Por acontecer em espaços espalhados pela cidade, quem estiver em igrejas, museus ou em outros pontos turísticos, estará em contato com alguma manifestação. “A Copa vai até nos favorecer, no sentido de que vai ter outro público circulando”, diz Marcelo Rezende, diretor do Museu de Arte Moderna (MAM) e curador-chefe da bienal.
COPA Entre os destaques das atrações culturais durante o mundial está a 3ª Bienal da Bahia e o forró do Pelourinho. Outros segmentos, porém, têm agenda reduzida
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Programação cultural da cidade sofre alterações durante a Copa
Carlos Casaes / Ag. A TARDE
Escritor, membro da Academia de Letras da Bahia
Tive a grande ousadia de, em frente a um espelho, produzir uma entrevista comigo mesmo, em 1975. Saiu na antologia Gente Boa, da Editora Brasília/Rio, de vida efêmera. Eu não sabia que iria circular ao lado de tanto escritor famoso, como João Cabral de Melo Neto, Ledo Ivo, Murilo Mendes, Fernando Sabino, José Cândido de Carvalho, Carlos Drummond de Andrade, José J. Veiga. Se soubesse, me teria comportado melhor. Segue-se, sem aspas, um trecho inicial em que me cutuco, e cutuco outros com vara curta. Entrevista só deveria dar quem tivesse novidade a dizer, uma experiência extraordinária a transmitir. Não sou herói de coisa alguma: um simples jornalista que chegou ao Rio, 20
EXPOSIÇÃO MÁRIO CRAVO Obras do artista plástico Mário Cravo em exposição na Paulo Darzé Galeria de Arte (Corredor da Vitória), de seg a sex, 9h às 19h e sáb, 9h às 13h. Até o dia 28.
TEATRO CASTRO ALVES Domingo no TCA, com a Orquestra Juvenil da Bahia e a Orquestra Castro Alves neste domingo, 11h. R$ 1/ R$ 0,50 / XIX Festival de Música Instrumental da Bahia nos dias 26, 27, 28 e 29, às 20h. R$ 20/ R$ 10.
Um dos principais pontos turísticos da cidade, o Pelourinho apresenta programação musical só de forró durante este mês
“A Copa do Mundo vai até nos favorecer, no sentido de ter outro público circulando”
“Está se mostrando uma Bahia, principalmente para o turista, monocultural”
“Existe uma redução grande na produção teatral em Salvador e também no Rio”
“Procurei realizar a exposição de um artista baiano, mostrar o que produzimos”
MARCELO REZENDE, diretor do MAM
LUISÃO PEREIRA, produtor musical
FRED SOARES, produtor teatral
PAULO DARZÉ, galerista
Lara Carvalho / Divulgação
Mariana David / Divulgação
Mila Cordeiro / Ag. A TARDE/ 21.12.2010
Erik Salles / Ag. A TARDE / 17.10.2011
“Existe uma redução muito grande na produção teatral, não só em Salvador, mas também no Rio. Muitos teatros não irão funcionar no período devido à mobilidade e à ocupação da mídia com a Copa”. Duas peças planejadas pelo produtor, uma para junho e outra para a penúltima semana da Copa, foram canceladas porque
não acharam hotel para os artistas – ou os poucos que tinham estavam superfaturados. A antecipação de projetos importantes foi a estratégia do Teatro Sesc Senac-Pelourinho, que, no período da Copa, apresentará apenas um espetáculo. Porém, a coordenadora do teatro, Ana Paolilo, diz que esta não é sua grande preocupação: “O
público que vem para Copa quer ir para rua, comemorar, beber”, afirma. “A minha preocupação maior é a não aprovação de eventos culturais de grande porte que estão sendo adiados por causa da Copa, porque as verbas para cultura estão escassas. Isso é mais prejudicial do que manter uma programação na Copa”.
Além do forró no Pelourinho e o clima carnavalesco do Fan Fest, organizado pela Fifa, a cidade também fica em dívida com sua música. O produtor musical Luisão Pereira diz que não vê programação variada e os artistas baianos da cena alternativa estão indo para fora do País nesse período. “Está se mostrando uma Ba-
anos atrás, como tantos, morou em pensão no Catete, admirou de longe celebridades falsas e legítimas e trocou bestamente um pouco de sua mocidade por leituras constantes, algumas fastidiosas ou inúteis. Que interesse pode ter isso para o público? O público está preocupado com coisas práticas, como, por exemplo, o custo social do desenvolvimento. E em matéria de pragmatismo sou mesmo um desastre. O importante para mim é ir sobrevivendo. Pois bem: sobrevivi até agora com certa dignidade, sem curvar muito o espinhaço. Verifico, pensando bem, que sempre fui jornalista sem emprego público, sem dever favores oficiais, sem cultivar pessoas influentes. Vinte e três anos de profissão iniciada nos tempos heroicos do vale. Claro que, se tivesse de recomeçar, não saberia fazer nada mais além de alinhar sujeito, verbo e complemento. Se os jornais fechassem, teria de abrir uma quitanda ou vender melancia retalhada na feira. Discute-se muito, até hoje, se o jornalismo prejudica a literatu-
+ DICAS Web App Cultura na Rede, do Itaú Cultural, através do culturanarede.org.br Agenda cultural da Bahia: www.agendacultural.ba.gov.br
hia, principalmente para o turista, monocultural”, diz Luisão, lembrando sobre o encontro de 50 artistas da cena independente com o secretário de Desenvolvimento, Cultura e Turismo de Salvador, Guilherme Bellintani, em outubro de 2013. Os artistas entregaram seus CDs num balaio e conversaram sobre a importância de essa música também estar presente em grandes eventos da cidade.
Para gringos
A fim de tornar mais fácil a vida de quem não conhece as cidades-sede, o Itaú Cultural lançou o web app Cultura na Rede, disponível em português, inglês e espanhol. Em Salvador, são oferecidas 24 dicas, entre museus, pontos históricos e praias. A agenda cultural da Bahia, publicada mensalmente pela Funceb, também se adaptou e oferece as dicas culturais desse mês em inglês e português. Para Luisão, essa é uma época que a cidade poderia girar melhor culturalmente. “É óbvio que o turista vai descer na Bahia e vai querer ver Ivete Sangalo. Mas a gente só tem isso para mostrar? A Bahia tem que cuidar melhor do que é seu e não só do mesmo segmento”, diz. E essa já é uma conversa que perpassa o período de Copa.
CENA
Cutucar com vara curta Hélio Pólvora
3ª BIENAL DA BAHIA Entre os destaques está a mostra A Reencenação, no Mosteiro de São Bento da Bahia, de seg a sex, das 13h às 17h, e a Galeria Esteio na Escola de Belas Artes da Ufba, de seg a sex, das 10h às 17h. Até 7/9.
SARAU OSBA NO MAM A Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) apresenta a 5ª edição do Sarau no Casarão do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM. Dia 27, às 18h, com entrada franca.
Cultura à parte
Em outros segmentos, porém, a programação cultural fica a desejar. No teatro, por exemplo, o tempo é de recesso. Poucos espetáculos estão em cartaz nos principais espaços da cidade este mês. A dificuldade de acesso e, consequentemente, a baixa expectativa de público, é um dos fatores para este cenário. O produtor teatral Fred Soares diz que esse período já é normalmente mais fraco por conta do São João e, com a Copa, a pauta fica quase nula.
PROGRAME-SE!
FORRÓ NO PELOURINHO São João na Bahia traz grandes nomes do forró para o Terreiro de Jesus, de 18 a 24, das 18h até 1h30. www.saojoaobahia.com.br
Forró no Pelô
No Terreiro de Jesus (Pelourinho), o ciclo dos festejos juninos traz 40 shows gratuitos só de forró até o final do mês. Virgílio Miranda, Cangaia de Jegue, Elba Ramalho, Estakazero, Adelmário Coelho, Aviões do Forró, Trio Nordestino, Magnífico, Val Macambira e Flávio Joséo são algumas das atrações entre os dias 18 e 24. Já os museus vinculados à Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Dimus/Ipac) funcionam em horários especiais. São eles: Centro Cultural Solar Ferrão (que abriga o Museu Abelardo Rodrigues), Museu Tempostal e Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica, todos no Pelourinho. Estes espaços fecham nos dias de jogos da Fonte Nova (16, 20 e 25 de junho e 1º e 5 de julho), nos feriados (23 e 24 de junho e 2 de julho) e nos dias de jogos do Brasil na primeira fase. Nos demais dias, até o final da Copa, funcionam das 9 às 15 horas. No circuito das galerias, a Paulo Darzé escolheu expor nesse período a obra de Mário Cravo. “Procurei realizar uma exposição de um artista baiano, importante para que as pessoas pudessem conhecer, mostrar o que produzimos”, disse Paulo.
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ra. No meu caso, o jornalismo ensinou-me a escrever, obrigou-me a pensar, disciplinou-me a preguiça. A redação pode ser trituradora ou que quiserem, mas para mim é a se-
O importante é ir sobrevivendo. Pois bem: sobrevivi até agora com certa dignidade, sem curvar muito
O jornalismo ensinou-me a escrever, obrigou-me a pensar, disciplinou-me
gunda casa ou talvez a verdadeira casa. Nota: será que eu repetiria hoje estas palavras? Estou mais inclinado a pensar como Dorothy, a destemida menina de O Mágico de Oz: “There´s no place like home”. Uma das virtudes do jornalismo é o estilo direto, sem ornamentos, sem aquele nariz-de-cera de outrora. A ideia clara, a expressão sem artifícios. Escrevendo para a chamada opinião pública, creio que absorvi lições de clareza, modéstia e simplicidade. Talvez seja um erro. Ao escrever textos assinados, vejo um leitor comum, com inevitáveis lacunas culturais. Procuro trocar tudo em miúdo, esclarecer, expor. E com esta preocupação em mente, corro o risco de parecer mais raso em expressão e ideias. Sem notas de rodapé, sem citações de filósofos estrangeiros, sem enveredar pelo estruturalismo, sempre encontro vau para a outra margem. A crítica literária tornou-se aparatosa. Pessoas se debruçam meses e anos sobre a obra alheia, investigam, esmiúçam,
catalogam, examinam pontos e alinhavos. O resultado são livros respeitáveis, maçudos. Lendo um que outro, admiro o esforço, a pertinácia, o espírito científico, embora sinta à vezes que o crítico deu voltas imensas, gastou um tempo enorme para chegar a conclusões óbvias. E o óbvio caberia decerto em artigo de duas laudas, que teria ao menos o mérito da leitura fácil. Como nunca mostrei pendor para as equações, prefiro o velho e, segundo dizem, sepultado impressionismo. Com esta conclusão, passo em mim mesmo o definitivo atestado de saudosismo e desajustamento. O que penso do conto literário? O gênero me apaixonou a partir dos dez ou 11 anos de idade, quando eu reunia níqueis pra montar uma estante com caixotes de latas de querosene e comprar livros à prestação ou via reembolso postal, serviço dos correios em que se depositava confiança. Posso adiantar que sou no conto um reacionário esclarecido, ou seja: admito novidades que não sejam só novidadeiras. Perdão, o espaço acabou.
Marcio Meirelles dirige espetáculo em Cabo Verde DA REDAÇÃO
O diretor baiano Marcio Meirelles já chegou a Cabo Verde, na África, para dirigir um espetáculo baseado na obra clássica Dom Quixote de la Mancha, do escritor espanhol Miguel de Cervantes. O encenador vai trabalhar com atores da cidade de Mindelo, na Ilha de São Vicente. A peça se chamará Em Defesa das Causas Perdidas e fará um diálogo entre o livro homônimo de Slavoj Zizek, filósofo esloveno, e a obra Dom Quixote. É a terceira vez que Marcio Meirelles dirige espetáculo fora do País. O diretor já montou a peça Zumbi (1995), em Londres, e Sempre em Frente Até Amanhecer (2013) em Viseu, Portugal. O espetáculo é parte do projeto de intercâmbio lusófono K Cena, iniciativa do Teatro Viriato (Portugal), em parceria com Teatro Vila Velha e com o Centro Cultural Português (Mindelo).