Serie Cris Segredos e Surpresas
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A Ilha dos Sonhos 5
Robin Jones Gunn
Afinal, o que há de Tão Engraçado? 1 - Vou sentir muito sua ausência, Ted. Espero que se divirta, disse Cristina Miller ajeitando o cabelo castanho por trás da orelha e apertando o fone contra o ombro, enquanto aguardava a resposta do amigo. Ted riu-se e replicou: - Ei! Nós dois vamos nos divertir! Cris mudou o fone para o outro ouvido e cruzou as longas pernas. - É, acho que também vou me divertir com a Paula aqui. Mas eu queria mesmo era ir para Maui com você e o tio Bob. Quanto tempo vocês vão-se demorar por lá? - Duas ou três semanas, respondeu Ted com seu jeito tranqüüo. Vai depender de quanto tempo a gente leva pra pintar e fazer todos os reparos necessários nos apartamentos dele. E então, quando sua amiga vai chegar? - Amanhã. Se vocês ficarem em Maui mais de duas semanas, nem vai conhecê-la. comentou Cris e suspirou. Eu pensei que você estaria por aqui quando da viesse e que a
gente poderia sair juntos. Só que agora você vai a Maui, e eu e a Paula vamos ficar presas aqui em Escondido! - Como eu disse, todos nós vamos nos divertir nestas férias. Você vai ver, falou Ted e riu como se Cris tivesse acabado de dizer uma coisa muito engraçada. Parou, e Cris desejou que pelo menos uma vez ele lhe dissesse algo romântico e significativo, alguma coisa como: "Vou sentir sua falta", ou, "Eu queria que você viesse comigo". Ela correu os dedos na pulseira de ouro que ele lhe dera e esperou. - Ei! Tenho de juntar minhas coisas, interveio o rapaz. Seu tio chega dentro de vinte minutos! - Tudo bem. Sei que você vai passar uns dias maravilhosos, disse a garota mudando do tom "choroso" para uma voz mais brincalhona, e continuou: Sei também que não adianta pedir que me escreva. Mas talvez você me mande um postal de cascata ou outra paisagem tropical que me ajude a ficar ainda mais deprimida por não estar lá com você. Ele riu de novo. Embora Ted fosse um "gato", também às vezes conseguia ser um chato. O que é que ele estava achando tão engraçado? - Vejo você depois, Cris. Aloha! e o telefone clicou. Era sempre assim que ele terminava a conversa. Abrupto. Como sempre, Cris continuou segurando o fone junto ao ouvido, escutando o sinal da linha e sonhando em como seria bom se o Ted conversasse com ela ao telefone do jeito que o Rick conversava. Cris considerava o Rick apenas um bom amigo, mas quando ele ligou para ela algumas semanas antes, para lhe contar que ia fazer uma viagem pela Europa, disse coisas como esta: "Quando eu estiver navegando pelo Danúbio azul, me lembrarei desses seus olhos de matar." Na hora, Cris só pensou: "Que chatice!" Mas se o Ted lhe dissesse uma coisa dessa, ela se derreteria toda.
Colocando o fone de volta no gancho, Cris pulou do balcão da cozinha onde estivera aninhada e abriu a geladeira à procura de algo para comer. A mãe entrou na cozinha com um cesto cheio de roupa suja. - Cris, eu não sabia que você já tinha se levantado. - Acabou o leite, murmurou a moça. Mãe, como é que o pai trabalha num laticínio e a gente está sempre sem leite em casa? - Ontem a noite tinha uma caixinha cheia. Seu irmão deve ter tomado tudo hoje cedo. Tern bolinho de banana na cesta do balcão e deve ter suco de laranja no freezer. A mãe fez uma pausa e depositou o cesto sobre o balcão. - Ah! Você já telefonou para o Ted? Ele e o Bob vão a Maui ainda hoje de manhã, está sabendo? Erguendo a vista por sobre a porta da geladeira, Cris olhou para o rosto redondo de sua mãe a curta distância. Tivera a impressão de que ela estava reprimindo o riso e bastou olhar para ela, para comprovar que a mãe também achava engraçado esse negócio do Ted viajar para longe, ausentando-se por várias semanas. Não tinha graça! Cris sentiria muita falta dele, mesmo levando em conta que moravam longe um do outro e só podiam encontrar-se uma vez por semana, durante as férias. - Sim, liguei pra ele, replicou com palavras meio entrecortadas, e com gestos rápidos, fechou a geladeira. - Eu só queria saber, disse a mãe em tom maternal, e em seguida saiu para a lavanderia para começar a lavar roupa. - Ah, você já levantou! Era o pai de Cris, um homem grande, de cabelo avermelhado e mãos fortes, que entrou na cozinha e se serviu de café.
- Vá aprontar-se que eu a levarei para dirigir. - Dirigir? - Sim, dirigir. - Hoje? indagou Cris sentindo como se alguém tivesse jogado pedacinhos de gelo nas suas costas. - Não precisa ir, disse o pai, abrindo a geladeira e remexendo nos vidros e outros recipientes da primeira prateleira, Cadê o leite? - Acabou, respondeu Cris, ainda semiparalisada ante a idéia de sair para aprender a dirigir com o pai. - Não tem leite? - É isso mesmo. Foi o que a mãe me disse. O pai fez uma cara de quem não gostou, mas bebericou o café assim mesmo - simples. - Vamos ia! Vamos treinar! A gente compra o leite na volta. - Está bem, concordou ela, fazendo um esforço excepcional para parecer que realmente queria ir. - Pode ficar pronta em dez minutos? - Claro, vou me aprontar. - Margaret? gritou o pai de Cris na direção da lavanderia. Como é que trabalho num laticínio e está sempre faltando leite aqui em casa? Por que será que realmente quero tirar carteira, mas estou sempre saltando fora na hora de treinar?
perguntou Cris a si mesma na frente do espelho, no banheiro. Por que me apavoro assim? Vou fazer dezesseis anos* daqui a... ela contou depressa... em cinco dias. Cinco dias! Tenho de vencer essa fobia senão nunca vou conseguir dirigir!
* Nos Estados Unidos a idade legal para se tirar carteira de motorista é aos dezesseis anos. (N. da T.)
Passou uma toalhinha molhada no rosto e mordeu o tecido felpudo. Isso é ridículo! Todo mundo que conheço tem carteira de motorista. Todos conseguiram. Do que é que eu tenho medo?
Vinte minutos mais tarde, sentada ao volante do carro parado, o pai do lado, Cris compreendeu exatamente do que ela estava com medo: do carro. Era isso. O poder que o carro colocava em suas mãos a assustava. A possibilidade de usar mal essa força e se machucar, ou, pior, machucar alguém, era isso que lhe dava medo. - Pai, principiou Cris mas sem saber o que dizer. - Pronto? perguntou ele, colocando o cinto e verificando se estava firme. - Pai, de vez em quando o senhor pensa na velocidade, quero dizer, como o carro pode... O pai olhou-a fixamente, atento às suas palavras, esperando que ela completasse a frase. - Deixe pra lá. Estou um pouco nervosa, só isso. - Pois não fique. Se deixar que os nervos a dominem, vai acabar virando uma motorista nervosa, falou o pai aprumando os ombros e em seguida olhando para a frente. Ligue o carro, Cris. Ela atendeu imediatamente, reprimindo os pensamentos que a deixavam ansiosa e olhando de lado para o pai. Como poderia relaxar se o pai, firmando o braço contra a porta e plantando os pés no assoalho do carro, parecia preparado para decolar num foguete rumo a Marte? - Dez e duas, disse. - Dez e duas? perguntou Cris. - Mãos na direção, nas posições de dez e de duas horas. Solte o freio de mão. Cris seguiu suas ordens e tentou acalmar o coração, que começava a bater acelerado.
- O.K., engrene a marcha. Ela obedeceu e a seguir pisou devagar no acelerador. O carro saiu pelo estacionamento vazio da igreja como se fosse um lagarto em câmera lenta. Ela conseguiu chegar ao outro lado do pátio a mais ou menos dez quilômetros por hora, e pisou no freio de repente. O carro ficou de frente para o muro, completamente parado. Cris olhou para o pai, aguardando sua aprovação e novas instruções. - Foi ótimo, se você quer passar o resto da vida dirigindo apenas no circuito das lavadoras automáticas, comentou ele, e continuou sentado, o queixo quase tocando o peito, e olhou para ela sem mover a cabeça. Cris pôs-se a rir. O pai tinha razão. A velocidade dela era de quem tinha acabado de passar por um lavador de carro automático. Ao rir, sentiu-se mais relaxada. O pai também relaxou e olhou para trás. - Engate a marcha a ré e vamos ver como você faria numa rua! Ainda sorrindo, Cris colocou ré e olhou para trás, sobre o ombro direito. Apertou o pedal, mas nada aconteceu. - Pé na gasosa! disse o pai, ainda olhando para a frente. Foi o que fez. Pisou firme e o carro jogou em cheio para trás. As mãos viravam a direção, primeiro para a direita, depois para a esquerda. O pai gritou: - Pisa no freio! Foi o que fez Bam! O pára-choque bateu na base de cimento de um poste de estacionamento, arremessando a cabeça de ambos para trás e para a frente. - Coloque em ponto morto e desligue o motor! exclamou o pai, estendendo o braço para desligar, ele mesmo, a ignição. Em seguida, correu para fora e foi examinar a traseira do carro.
Cris ficou completamente imobilizada. O queixo começou a tremer e ela sentiu as lágrimas quentes prestes a jorrar dos olhos. Não tinha coragem de virar. Não conseguia se mexer. - Venha cá, Cris! Ela piscou e fazendo enorme esforço, abriu a porta e, com as pernas bambas, foi até a parte de trás do carro. O pai apontou para o pára-lama. - Podia ter sido pior. Eu dou um jeito de desamassar. Agora, o melhor que você faz é passar de novo pra "garupa". Não dava para acreditar que o pai estivesse tão calmo! Ela pensara que o choque amassara toda a parte traseira do carro. Como um choque tão horrível, tão forte pudera causar tão pouco dano? Em seu rosto devia haver sinais de terror, porque o pai logo passou o braço em volta de seus ombros e disse: - Não fique preocupada com isso. Algumas lágrimas lhe rolaram pelas faces. Ela abraçou-se ao pai e numa voz baixa, tremula, confessou: - Desculpe. Estou realmente arrependida. Eu não... quer dizer... eu estava... eu, eu não sei... Com o ouvido colado no peito do pai, Cris ouviu um barulho suspeito. Olhou para ele que soltava uma gargalhada. Continuou rindo e ela sorriu também, tentando descobrir o que havia de tão engraçado. - Olha em volta. Ela olhou e não viu nada. Nenhum carro no estacionamento. Ninguém por perto. Somente alguns postes elétricos espalhados estrategicamente pelo estacionamento. - Não vejo nada.
- Exatamente, disse o pai, sorrindo largamente. Qual a probabilidade, num espaço tão amplo, de você atropelar alguma coisa? indagou e soltou outra gargalhada. Pela terceira vez naquele dia, Cris sentiu um aperto no estômago por ser a única que não sabia o que era tão engraçado. - Foi sem querer, disse ela, defendendo-se. Você disse para pisar no acelerador. - Ora, Cris! Não jogue a culpa em mim, nem em você mesma. É por isso que a gente chama isso de acidente. Vamos lá, tente mais uma vez! Apertaram de novo os cintos. O pai estava levando a coisa a serio. Quando Cris pisou na embreagem, notou que o pai automaticamente firmou o pé contra a chapa do assoalho, como se procurasse um freio invisível. Cris olhou para a frente e disse: - Posso perguntar mais uma coisa? - O quê? indagou o pai olhando para a frente, com a mão direita apoiada na porta e a esquerda segurando o cinto de segurança. Com ar de brincadeira, ela agarrou o volante como um piloto de corridas e falou rindo: - Tem certeza que o seguro está em dia? O pai deu um sorriso abafado, e ela continuou então num tom de voz de guia da Disneylândia: - Favor não colocar os braços e as mãos para fora do veículo em movimento durante todo o trajeto. Lembrem-se de que fotografar com o uso de flash é proibido. Então, calmamente, reiniciou os exercícios de direção pelo estacionamento vazio. - Espero que não haja flash de nenhuma espécie, murmurou o pai. Preste atenção no que está fazendo agora. Vire aqui à direita e vá até o final. Aliviada e já menos tensa, Cris simplesmente "navegou" pelo estacionamento. Saiuse bem nas manobras, no seu entender, e, quando voltaram para casa, foi logo ter com a
mãe, falando-lhe com satisfação do seu desempenho. Só deixou de fora a história do páralama. Felizmente para ela, o pai, nesse momento, se encontrava no quintal e não pôde corrigir-lhe a omissão. Cris espreguiçava-se, estendendo as pernas sobre os braços da poltrona, esperando as palavras de incentivo da mãe. - Isso é bom, filha, disse essa, enquanto dobrava a roupa e a dispunha sobre o sofá em pilhas separadas. Mas não fique triste se ainda não estiver preparada ou não conseguir tirar a carteira exatamente no dia do seu aniversário. - Ah, vou ficar, sim. Além do mais isso aqui é muito importante. Quer dizer, talvez não fosse tão importante lá no Wisconsin, quando você era moça, mas, aos dezesseis anos, todo mundo que conheço aqui na Califórnia já tirou carteira. Se eu não conseguir, vou morrer de vergonha. A mãe colocou uma camiseta dobrada na pilha de roupa limpa da Cris e jogou-lhe um monte de toalhas de banho, ainda quentes da secadora, que Cris abraçou como se fosse um gatinho numa cama de penas. - Isso aí é pra você dobrar, não pra fazer um ninho, disse a mãe, acrescentando logo a seguir: Só estou lhe dizendo que você não deve tentar o exame enquanto não estiver completamente preparada. Cris deixou cair no chão a primeira toalha dobrada. - Mãe, você acha que o tio Bob estava falando sério quando disse que pagaria o seguro do meu carro* durante o primeiro ano? * Trata-se do seguro total, que nos Estados Unidos é muito caro. (N. do E.)
- Claro que sim. Mas você se lembra da condição? Tem de passar no exame da primeira vez. Ele falou muito claro. É por isso que estou dizendo: não faça o exame
enquanto não tiver certeza absoluta de que vai passar. Ah! Eu ia me esquecendo. Chegou essa carta hoje para você. Entregou-lhe uma carta que estava debaixo da pilha de roupa limpa. Cris dobrou a última toalha e pegou a carta que a mãe lhe entregava. Não reconheceu a letra. A carta, escrita numa única folha de caderno, dizia:
Querida Cris, Andei pensando no que você disse, e acho que tem razão. Vou lhe contar mais a respeito de minha decisão quando eu a vir...
Era só isso. A última sentença estava inacabada e a carta não fora assinada. - De quem será? perguntou Cris, correndo de novo a vista sobre o texto e tentando decifrar o carimbo borrado do envelope. Quem escreveu isso? O que foi que eu disse? E que espécie de decisão essa pessoa tomou baseada em alguma coisa que eu disse? Que coisa estranha.
Sua mãe não ouviu. Estava ao lado da porta com uma pilha roupas dobradas no braço, olhando para o marido na garagem, que, inclinado examinava a parte traseira do carro. Cris resolveu comparar a letra da carta com algumas das cartas mais antigas de Paula e foi saindo para ir até o quarto. - Cris? perguntou a mãe. O que é que seu pai está fazendo no carro? Aquilo que ele está segurando é uma marreta? A garota subiu depressa para seu quarto e fechou a porta em silêncio.
Quer Saber um Segredo? 2 - Nossa família não sabe mesmo guardar segredo, reclamou Cris com a mãe na manhã seguinte, Estavam no carro, na estrada. A mãe passou para a pista de alta velocidade e consultou o relógio de pulso. - Por que disse isso? - Quando a tia Marta telefonou hoje cedo, já sabia tudo sobre o que tinha acontecido no estacionamento da igreja ontem. - É porque eu contei pra ela, interveio David no banco de trás. - Por quê? indagou Cris virando-se para ralhar com o irmão de nove anos. Não precisa contar pra todo mundo. David, uma versão reduzida do pai, sorriu fazendo cara de bobo. Seu jeito ficava mais engraçado porque os óculos estavam sempre escorregando pelo nariz. Ele não replicou, voltando sua atenção para as miniaturas de carro que estavam no banco ao seu
lado. Rolando um deles pelo assento, disse numa vozinha típica de desenho animado: - Cuidado! Olha o poste ali na frente! Não se preocupe. Está a um quilômetro de distância. Não tem importância. Mas é a Cris que está dirigindo! Oh não! Aiii! Bum, bam, crax!... Cris nem lhe fez a gentileza de virar-se. Disse apenas com calma: - Mãe, faz ele parar. - David, não deboche de sua irmã. - Não estou debochando, mãe. Verdade. Vi isso num desenho animado. - David! - Está bem. Põe uma fita, mãe! Quando é que vamos chegar lá? Nós vamos parar pra lanchar? - Ainda vai levar uma hora pra chegarmos ao aeroporto, disse a mãe, olhando novamente o relógio. E não vamos parar para comer. Você pode esperar até a gente pegar a Paula. - Vamos dormir na tia Marta? - Não. Provavelmente vamos só almoçar e daí voltamos pra casa. - Por que tenho de ir ao aeroporto com vocês? É chato. - Porque ontem à noite você implorou para ir, respondeu sua mãe. Ou já se esqueceu? - Eu queria ficar em casa, falou David cruzando os braços e encostando-se na porta. - Você não é o único, resmungou Cris. - Cris! repreendeu-lhe a mãe. Escutem vocês dois: quero que se esforcem ao máximo para não brigar um com o outro, principalmente quando formos... aqui ela se calou, e ambos esperaram que ela continuasse a bronca. - Bem, principalmente quando formos juntos a lugares como esse. Façam uma força,
está bem? Ninguém respondeu, e a mãe relanceou a vista na direção de ambos, de cara fechada. - Tá bem, respondeu uma voz do banco traseiro. - Tudo bem, suspirou Cris. O resto da viagem até o aeroporto internacional de Los Angeles transcorreu em paz. O único problema foi quando, apressados pela mãe, à vista do portão de desembarque do avião de Paula, David cismou de tomar água. - Vamos, David! Não temos tempo a perder! gritou Cris. A mãe correra à frente deles enfiada no meio da multidão. Cris pegou David pelo braço, e mal conseguiu ver para onde ela tinha ido. - Fique comigo, David! É muito fácil um garotinho como você se perder na multidão. Ele desvencilhou o braço, mas ficou ao lado dela até alcançarem a mãe, que conversava com alguém na área de espera. Cris se aproximou por trás. Como era bem mais alta que a mãe, podia erguer a vista por cima do seu ombro, mas não estava preparada para a cena que viu. - Paula! A garota do Wisconsin, cara de boneca, olhos grandes, redondos e muito azuis, pulou e gritou, trombando com David, ao correr para dar um abraço caloroso em Cris. - Cheguei! Cheguei! anunciou ela à amiga e a todos mais que se encontravam na sala de espera do aeroporto. Paula pendurou a bolsa a tiracolo. - Eu estava ficando doida, gente! disse ela, quase sem fôlego e exagerando nas impressões. O avião chegou cedo, uns dez minutos antes da hora. Desci e não conheci ninguém. Nossa! Como eu estava apavorada! Sentei e tentei me acalmar. Aí sua mãe apareceu e quase comecei a chorar. Então vi você e aí percebi que tinha chegado mesmo!
Tou aqui! Cris riu dos comentários entusiasmados da amiga. Ela era assim mesmo. Parecia mais "Paula" do que a Paula que crescera ao lado de Cris, embora não se viam havia quase um ano. - Você cortou o cabelo! exclamou Cris. Paula correu os dedos pelo cabelo curtinho, carregado de mousse, e disse: - Tinha de cortar. Você não cortou quando veio pra cá no ano passado? Achei que ficava melhor pegando o jeito da Califórnia antes de chegar, mas... Parece que só então Paula reparou em Cris. - E você está deixando o seu crescer! Já bate nos ombros. Nem posso acreditar! A última vez que vi você, estava tão curtinho! Então suas bochechas rosadas adquiriram uma tonalidade mais rubra. Assustada, exclamou: - Não me diga! Está todo mundo de cabelo comprido? Vou ser a única de cabelo curto? Ah não! - Paula! disse Cris, rindo e falando baixinho, esperando que a outra entendesse a dica e abaixasse o tom de voz. Você está ótima. Estamos na Califórnia, menina! Pode usar o cabelo do jeito que quiser. Não se preocupe. Relaxe! A mãe sugeriu que fossem buscar a bagagem. Paula caminhava tagarelando ao longo do terminal e Cris a observava de perto, surpresa de vê-la tão bonita. Paula sempre fora "engraçadinha ", com seu cabelo loiro e comprido, seus olhos azuis e inocentes de menina. Agora, a não ser pelos imensos olhos de boneca, ela, não era mais uma menininha, era uma bela moça. Cris achava que Paula saíra mais bem feita de corpo que ela própria, e o estilo sofisticado de seu cabelo, somado ao realce da maquiagem, dava-lhe uma aparência de mais de quinze anos.
Era estranho andar ao lado de Paula, ouvindo-a tagarelar à vontade, sem mesmo perceber que falava alto e que as pessoas olhavam espantadas na sua direção. O ano que passaram separadas trouxera mudança para as duas. Como Cris esperara por esse momento! Ver novamente a amiga! Agora que ela estava aí, bem, sentia-se um pouco apreensiva. - Sabe, né, Cris, disse Paula, fazendo com que essa voltasse no presente. - Ah, é, ha! Seja lá o que você tenha dito. - Quer dizer, quem sabe quando vou poder voltar outra vez por aqui! Então quero fazer tudo que a gente puder e ver tudo que há pra ver. Até andei guardando dinheiro pra lhe poupar despesas comigo - talvez eu possa ajudar a pagar a gasolina e outras coisas quando a gente sair a passeio... Com calma e firmeza na voz, a mãe de Cris virou-se para Paula e disse: - Todos nós nos divertiremos, Paula. Só quero que se lembre que talvez você tenha a oportunidade de ver algumas coisas que não esperava, e talvez não consiga fazer algumas coisas que estavam nos seus planos. - Ah, eu sei! Minha mãe disse a mesma coisa. Vou achar ótimo tudo o que a gente fizer. De verdade! Não quero incomodar. - Não é incomodo, disse a mãe de Cris ao se aproximarem da multidão junto ao terminal de bagagens. Foi ótimo você ter vindo. Estamos contentes. - Olha aí! São as minhas malas. Aquela grande xadrez e as duas pequenas ao lado, na esteira. - Parece que você trouxe roupa para um mês inteiro, caçoou Cris enquanto as meninas se afastavam para que a mãe e o David pegassem as malas em movimento. - Pudera! Já foi difícil conseguir vir pra ficar duas semanas, porque logo que voltar vou ter de ir a uma grande reunião de família. Quero voltar com um bronzeado massa!
Cris riu-se dos comentários ingenuos de Paula. A voz parecia de uma menininha brincalhona, mas tudo nos seus olhos azuis dizia à Cris que ela tinha-se tornado muito séria no tocante aos seus objetivos. E ela tinha muita coisa em mente! As duas garotas seguiram no banco traseiro durante o trajeto de uma hora e meia até a casa de Bob e Marta. Paula não parava de falar que sua amiga Melissa tinha conseguido arranjar um emprego para ela numa sorveteria, e que tinha juntado dinheiro nos últimos sete meses. Tinha comprado algumas roupas novas e pago metade da passagem, e agora estava com mais de duzentos dólares. - Tenho de comprar um maiô novo antes de ir à praia. Eu morreria se tivesse de vestir o velho e as pessoas rissem de mim como riram de você no ano passado. - Na verdade, elas não riram de mim, defendeu-se Cris. - Riram sim. Quando você me escreveu, disse que elas debocharam do seu maiô verde-vagem! - É verdade, Cris? perguntou a mãe, olhando-a pelo retrovisor. Você nunca me contou. Era um daqueles momentos embaraçosos de que ela preferiria não falar, principalmente com sua mãe. - Muita obrigada por lembrar disso, viu Paula! disse ela com bastante ironia na voz, tentando disfarçar o quanto a observação da amiga realmente a perturbara. - Só estou dizendo que aprendi com suas experiências, Cris. Não deixei minha mãe encomendar um maiô de catálogo da Sears antes de vir pra cá, porque quis comprar um aqui, como você. - Foi por isso que a Marta lhe comprou toda aquela roupa nas férias passadas? perguntou a mãe. - Bem, principiou Cris mas se deteve para pensar, antes de prosseguir.
Ela opusera resistência à maneira aparentemente generosa com que a tia dava as coisas, querendo, na verdade, apenas exercer controle sobre ela. - Sabe como é a tia Marta, mãe. Muito generosa, mas só gosta das coisas ao jeito dela. Espero que isso tenha saído direito. A última coisa que quero na vida é que a Paula repita o que eu disse deforma errada! Não vejo a hora de conhecer a irmã da senhora, D. Margaret, disso Paula, aproximando-se mais do banco da frente para se dirigir à mãe de Cris. Ouvi dizer tanta coisa sobre sua irmã Marta, que tenho certeza que vou gostar dela. Estou doida pra ver a casa deles. Nunca conheci ninguém com casa na praia, e ainda mais na praia de Newport! Cris, você tem tanta sorte! É muito longe daqui? Onde estamos? - Estamos quase chegando, respondeu a mãe de Cris. Em seguida, passou a perguntar como iam os pais de Paula e toda a sua família. Isso preencheu os vinte minutos que faltavam pura chegar à casa de Bob e Marta. - Nunca tem lugar pra estacionar aqui durante o verão, disse com um suspiro, mas logo se lembrou: o Bob está em Maui. Posso estacionar na rampa de entrada. - Seu tio está em Maui? É no Havaí, não é? Que é que estou dizendo? Claro que é no Havaí... ou não? - É, respondeu David falando pela primeira vez. E o Ted foi pra lá também. Eu queria ter ido com eles. A mãe entrou com o carro na rampa de entrada e, sorridente, cheia de ânimo, disse ao David: - Cuidado com seus desejos, filho. Talvez eles se realizem. - Haã?! Desligou o motor e desceu do carro, seguida por Paula. Cris tinha de admitir que era
divertido observar a Paula experimentando a aura do estilo de vida de praia da Califórnia. Paula se aproximava de tudo com deslumbrante animação. - Não é que é?! Olha só essa casa! É maravilhosa ou não? É inacreditável! Aquela ali é a sua tia? Marta, uma mulher esbelta e sofisticada que tinha apenas uma leve semelhança com a mãe de Cris, veio na direção da escada onde se viam vasos de barro pintados, repletos de flores coloridas. As flores derramavam-se em cascatas pelos lados e pelo caminho da frente. - Então, essa deve ser a Paula! disse Marta cumprimentando-os. Bem-vinda à Califórnia, querida. Como foi a viagem? Marta deu a cada um seu costumeiro beijo rápido, cuidando para não manchar o batom nem atrapalhar o cabelo curto e escuro. - Você sempre tem um perfume de flor, disse David quando ganhou o seu beijo. - Muito obrigada, David, disse Marta. E antes que ela os convidasse para entrar, David virou-se para sua mãe e completou: - E você, mãe, sempre tem cheiro de molho de macarronada. - Molho de macarronada! reclamou ela. Uma brisa rápida do mar pegou uma mexa do cabelo curto e escuro da mãe, espalhando-o pela testa. - Por que molho de macarronada? indagou a mãe. Cris achou que a mãe tinha ficado um pouco chateada por ser "molho de macarrão" ao lado da irmã, que era toda "flores", apesar de que, já devia estar acostumada a essa espécie de comparação, com o decorrer dos anos. - É porque tia Marta tem mais cheiro de jardim e a senhora de cozinha. - David! que grosseiria! falou Cris interrompendo a analogia do irmão, e com pena da mãe. Como é que você fala uma coisa dessa! concluiu em voz baixa, entre dentes.
- Por quê? indagou o garoto surpreso. Adoro macarronada. Só que é diferente de flor, só isso. Marta aproveitou a chance para concluir com habilidade: -Acredito que ele está elogiando a nós duas, Margaret. Dizem que o caminho para se chegar ao coração de um homem passa pelo estômago! Agora, vamos entrar, gente, por favor. Passaram por Marta entrando na casa luxuosa e moderna. Paula olhava tudo como se estivesse num museu famoso, exclamações de admiração que Cris julgava meio exageradas. E ela continuou com as exclamações em cada cômodo que viam, pois Cris a conduzia pela casa a dentro. - O almoço está pronto e esperando na cozinha, gritou Marta, a vista erguida para o alto da escada. Cris estava mostrando a Paula o quarto de hóspedes onde ela havia ficado, quando se hospedara com os tios, no verão passado. - Pensei num almoço informal, e comprei umas coisinhas na delikatessen, explicou a tia. As "coisinhas" de Marta eram uma bandeja de frios, queijos, molhos e patês, quatro tipos de pão e três saladas. David foi imediatamente preparar para ele um sanduíche tão grande, que teve de ouvir da mãe a advertência de que não daria conta de comer tudo. Dito e feito. - Posso ir à praia? perguntou ele. - Espere um pouco, falou Marta colocando seu refrigerante diet na mesa e olhando para o garoto com expressão séria. Eu queria conversar sobre uma coisa antes de você sair da mesa. Por um instante, Cris temeu que houvesse algo errado, mas quando pousou os olhos
na mãe, viu de novo aquele sorriso animado. Assim que percebeu que Cris a olhava, a mãe tentou disfarçar assumindo uma expressão mais séria, mas não conseguiu. - Como vocês sabem, principiou Marta, Bob estará fora algumas semanas e eu ficarei aqui sozinha. O jeito dramático da tia lembrava à Cris o exagerado da Paula. - Não estou suportando mais essa solidão. Então tomei uma decisão. David deu um pulo e exclamou: - Você quer que a gente venha ficar com você! Paula engasgou e entrou na mesma onda de entusiasmo. - Verdade? Você deixaria a gente ficar, todos nós, aqui na sua casa? Que sonho mais maravilhoso! Sempre quis ficar hospedada numa casa de praia! - Não, não, não! interveio Marta levantando a mão para se explicar. Não os estou convidando para ficar aqui, não. -Ah! exclamou Paula. -Ah! fez David, sentando de novo. - Eu nem vou estar aqui; portanto, não poderão ficar. Eu gostaria que fossem comigo para Maui! Assim dizendo, ela deu um salto e abriu os braços, esperando os abraços de alegria. Em vez de pular em cima dela, os três ficaram grudados no lugar, esperando-a dizer que se tratava de uma piada. - Será que não me ouviram, Margaret? A mãe sorriu e tentou a abordagem direta. - Bob e Marta nos convidaram para passarmos uma temporada em Maui. Vamos daqui a dois dias. Paula gritou. Gritou tão alto, que Cris tapou os ouvidos, repetindo mentalmente as palavras: "Vamos a Maui, daqui a dois dias."
Afinal, gritando e saltitando, Paula e David foram abraçar a tia. No momento que Cris "conseguiu" acreditar na notícia, também entrou na folia. Quando eles se acalmaram um pouco, Paula disse: - Vocês são massa mesmo! É como se tivéssemos ganhado um premio num concurso da televisão! Minha mãe não vai acreditar! - Sua mãe já sabe, explicou a mãe de Cris. Liguei pra ela e conversamos sobre tudo antes de você vir. - Há quanto tempo você sabia, mãe? perguntou Cris, sentindo o coração, que disparara, começar a bater mais calmo, mas ainda forte. - Ah, não sei! Umas duas semanas. Estava ficando difícil guardar segredo! - O pai sabe? perguntou David. - Sim, e é algo que ainda não disse a vocês. Seu pai não conseguiu folga do laticínio e então não vai conosco. - Ele é o que mais precisa de umas férias, comentou Cris. - Eu sei, concordou a mãe. Marta interrompeu: - Ele disse que irá da próxima vez e ainda brincou com o Bob dizendo que a única razão de querermos que ele fosse com a gente era para ajudar a pintar o apartamento. Bob lhe garantiu que essa era a única razão pela qual ia levar o Ted. Ted! Vai ver que sabia o tempo todo, porque ficava repetindo que íamos nos divertir. Por isso ficava rindo de mim, o sabidão! Não era a primeira vez que a tia de Cris preparava uma surpresa especial, algo bem extravagante. Não que Cris tivesse se acostumado a esse tratamento, ou não apreciasse os maraviIhos presentes da tia. Ela gostava. Mas a notícia de ir a Maui não lhe causou o mesmo impacto que causara em Paula. Sua amiga estava totalmente apatetada. - Não acredito! Você acredita? Não dá pra acreditar! repetia Paula que agarrara Cris
e a abraçara, gritando bem no seu ouvido. De repente recuou, e, tendo no rosto uma expressão de horror, exclamou: - Não! Ah, não! - O que foi? perguntou Marta, estendendo a mão e colocando no ombro da moça. Qual é o problema? - Não vou ter tempo de comprar um maiô novo! Nesse instante, Marta teve uma reação que Cris tinha visto poucas vezes: caiu na gargalhada. Soltou um riso profundo, do tempo da fazenda, e disse: - Eu já devia saber disso! Essas meninas são todas iguais. O que acha, Margaret? Vamos tirar o resto da tarde para fazer compras? - É, acho que podemos. - Que chato! Ah, a gente tem mesmo de fazer compras? Eu não posso ficar aqui na praia? protestou David. - Daqui a alguns dias você estará numa das praias mais lindas do mundo, David. Hoje, vamos ao shopping! Sempre que Marta dizia uma coisa dessas, David sabia que era melhor não contrariála. As meninas foram as primeiras a sentar no banco traseiro do novo carro prateado de Marta, que, como Cris notou, era mais espaçoso que a Mercedes e tinha o estofamento mais macio que já vira. David se encolheu perto da porta esquerda, e assim que Marta começou a rodar rua abaixo, ele se pôs a brincar com as janelas automáticas, até que a mãe o mandou parar. Paula começou a falar no instante que se sentou e não calou até chegarem ao South Coast Plaza. Marta foi para o setor em que havia manobristas, e Paula perguntou surpresa: - Quer dizer que a gente desce aqui mesmo na frente da loja e alguém estaciona o
carro lá embaixo, e não precisamos andar nada? Legal! É incrível! Puxa, ontem eu estava servindo sorvete na casquinha lá na Dairy Queen, e hoje estou fazendo compras na Califórnia, preparando-me para minha viagem a Maui! Deu outro gritinho e agarrou o braço de Cris. - Quando é que você vai se animar com essa viagem e mostrar algum entusiasmo? - Estou entusiasmada, Paula. Só que você já está mostrando ânimo suficiente para nós duas! - Se sua maneira de ser animada é essa aí, então dá pra entender porque não conseguiu ficar na torcida oficial! Que golpe! Cris deteve o passo e Paula virou-se com jeito brincalhão e disse: -Ah, vamos lá, Cris! Relaxe. Eu só 'tava brincando! Por que a Paula diria uma coisa dessas? Ela sabe que consegui entrar no time mas cedi meu lugar para outra menina. Por que ela torce os fatos pra dar a entender que fracassei? Margaret, Marta e David caminhavam na frente das duas, mas Cris tinha certeza que tinham ouvido. Era difícil não ouvir a Paula naquele embalo todo. Cris começou a sentir uns sinais de dor de cabeça. Achou que teria sido melhor ter ficado em casa, tirando uma soneca, em vez de fazer companhia a Marta em seus desfiles pelas lojas. Presenciar a animação de Paula ante a variedade dos maiôs só piorava a situação. - Qual que eu compro, Cris? indagou a amiga segurando um cabide com um biquini verde-neônio, vestida com o mesmo modelo em rosa-shockíng. - Tanto faz. Qualquer um, respondeu Cris, que estava refestelada numa poltrona. - Grande ajuda você dá! Cadê sua tia? Vou perguntar a ela. - Ela ainda está olhando umas coisas pra minha mãe. - Acho que vou ficar com o verde. Nunca tive nada com uma cor tão viva assim.
Acho que vai destacar mais o bronzeado, não é? - É. Paula desviou os olhos do espelho e os fixou em Cris. - Você está bem? Estou te achando esquisita, desde que começamos as compras. - Estou com dor de cabeça e não me sinto muito bem. - Por que não disse logo? falou Paula, e em seguida deu um salto e mexeu na bolsa. Quer aspirina de verdade ou Tylenol? indagou tirando um vidrinho de cada um. - Olhe só! Que menina organizada! gracejou Cris. Quero aspirina. Uma só. Preciso de água. Volto já. Cris pegou o comprimido e se dirigiu ao bebedouro, contente com o pretexto que encontrara para sair dali. Sabia que era bobagem e não devia se irritar, mas o tempo todo que passara ao lado de Paula, ajudando-a na escolha do maiô, sentira inveja de seu corpo. Para Cris, que era alta e magricela, Paula parecia dotada de um corpo perfeito. Tinha a altura média ideal e as medidas exatas, com muito mais busto que ela. Além disso, parecia orgulhar-se de seu corpo, a julgar pela maneira resoluta com que se exibiu nos minúsculos biquinis que andara experimentando. Eu jamais teria coragem de experimentar um biquini como esse de cor neônio! pensou Cris enquanto tomava a água gelada e engolia o comprimido. Nunca ficaria bem em mim como fica na Paula. Além disso, minha mãe não permitiria que eu saísse de casa com um biquini tão pequeno. Quando voltou à seção de maiôs, Paula já pagara a compra e estava ao lado da caixa registradora esperando-a com a sacola na mão. - Você comprou o verde? perguntou Cris, tentando disfarçar a inveja. - Não. Mudei de idéia. Comprei o rosa. Agora quero ver se acho um par de óculos de sol legal demais que vi numa revista com a mesma cor rosa-shocking nos lados. Você
acha que encontro aqui? -Acho melhor primeiro irmos procurar minha mãe, sugeriu. Podemos perguntar à tia Marta sobre os óculos. Ela sabe onde tem. - Você não vai comprar nada? - Não sei. Talvez. Na verdade, não consigo lembrar do que estou precisando. - Então não pense no que você precisa! Compre o que você quer! Aposto que sua tia compraria qualquer coisa que pedisse se você apenas lhe desse uma dica. - É, compraria mesmo, concordou Cris. O que Cris não explicou foi que uma vez agira desse jeito com a tia, e o resultado não foi exatamente o que ela esperava. Quase todos os presentes dela vinham com cobranças, e Cris concluíra que era melhor viver contente com o que tinha do que ter um monte de coisas e sentir-se como marionete nas mãos da tia. - Meninas! chamou Marta. Aqui! Margaret está comprando um maiô novo com saída. Vocês já escolheram alguma coisa? - Paula também comprou um maiô. Marta olhou a sacola na mão da garota e num tom levemente ofendido perguntou: - Você mesma pagou? - Bem, sim, respondeu Paula, um tanto confusa com a reação de Marta. Eu já tinha mesmo pensado em comprar um maio quando chegasse aqui, e pra isso havia economizado o dinheiro. Estava até em oferta! Marta entregou seu cartão de crédito à balconista e numa voz de pomba-rola disse à Paula: - Diga-me quanto custou e lhe devolvo o dinheiro. Eu queria lhe dar o maiô como presentinho de boas-vindas à Califórnia. Paula arregalou os olhos, que ficaram parecendo duas bolas de gude azuis, como um
personagem de conto de fadas no momento que é borrifado de pó de pirlimpimpim e fica sabendo que todos os seus sonhos se tornaram realidade. Será que eu também ficava assim no ano passado? Passaram mais umas três horas fazendo compras, com David reclamando continuamente até que Marta pagou-lhe um sundae de iogurte gelado num cascão. A mãe advertira que ele não aguentaria comer tudo, e foi dito e feito. Paula viu numa vitrina os óculos que queria, e Marta rapidamente os comprou para ela, e também um par igual para Cris. Esta não gostou dos óculos. Contudo eles eram caros, e ela sabia que deveria apreciar o presente da tia; por isso, agradeceu-lhe educadamente, mas, ao contrário de Paula, não se permitiu qualquer demonstração de entusiasmo. Quando o manobrista do estacionamento trouxe o carro, Marta sugeriu que fossem jantar em algum lugar. A rnãe de Cris recusou, dizendo que estava ansiosa para pegar a estrada, pois era uma hora e meia de viagem. - Muuuito obrigada! disse Paula ao abraçar Marta na despedida. Adorei os óculos e o biquini e tudo mais que comprou pra mim. Obrigada mesmo! - Obrigada, agradeceu também a mãe, abraçando a irmã. Então nos encontraremos às seis na terça-feira de manhã. Certo, concordou Marta. No máximo às seis horas, já que O avião sai às 8:30. Por que você não leva os frios que sobraram para o lanche? Eu não vou comer antes de viajar, e seria um desperdício jogar fora. A mãe de Cris seguiu a irmã para pegar a bandeja de frios; Cris e Paula transferiram as sacolas de compras do carro de Marta para o carro da mãe de Cris, e David tomou conta do banco dianteiro, onde já tinha enfileirado seus carrinhos no pninel. - Você quase não comprou nada, Cris, comentou Paula quando tudo já se encontrava dentro do carro. E sua dor de cabeça, melhorou?
- Acabou. Obrigada pela aspirina. - Não consigo acreditar que vamos ao Havai! Ainda não acredito! E o Ted está lá. Não vejo a hora de conhecê-lo. Notei a sua pulseira quando estávamos fazendo as compras. Deve ser a que ele lhe deu na noite de passagem de ano, não foi? E não foi ern algum lugar por aqui, na rua? Você tem de me mostrar o tal cruzamento. Achei tão romântico quando você escreveu e contou que ele saiu do carro e lhe deu a pulseira e um beijo. - Credo! exclamou David. Que nojeira! O Ted beijou você? Ótimo, Paula! Muito bem. Muito obrigada! Fico muito contente mesmo de ver a liberdade com que você expõe minha vida particular em público! Pra que fui lhe contar essas coisas tão pessoais? A expressão de Cris mostrou seus sentimentos, e Paula calou-se de repente com uma cara que dizia: "Epa! pisei na bola." Deu então uma risada infantil, como tantas vezes o fizera em companhia da amiga. Dessa vez, porém, Cris não parecia disposta a acompanhala em sua furtiva demonstração de humor. Na volta para casa, Cris fingiu dormir o tempo todo, a cabeça encostada na janela. Paula não desacelerou nem um pouco. Falou sobre a fazenda que pertencera os pais de Cris e sobre os novos donos, enquanto a mãe fazia perguntas sobre inúmeras pessoas la de sua cidade. Cris filtrava o que ouvia, procurando definir por que se sentia tão irritada. Afinal, aquela era Paula, sua melhor amiga desde o jardim da infância. Ia para Maui passar a semana com o Ted. Não havia dormido bem a noite passada, e talvez fosse essa a razão. Mas fosse la o que fosse, Cris não gostava de bancar a rabugenta, e resolveu que procuraria agir de modo mais despreocupado com Paula. Sem essa Cris! Pesou consigo experimentando a frase predileta de Paula, enquanto,
mentalmente, pregava um sermão em si mesma. Você é séria demais. Tente ser mais animadinha como a Paula. Ela é cheia de vida. Fique cheia de vida também. Paula é engraçadinha. Você também pode ser. Olhos fechados e a cabeça ainda apoiada na janela, Cris apertou os lábios, tentando dar um sorriso bonitinho, fotográfico. Imaginou-se abrindo os olhos, redondos e esbugalhados como os de Paula, mas, ao invés de parecer e bonitinha e doce como a companheira, a única imagem que lhe vinha a mente era a de Miss Piggy, do Muppett Show, virando cabeça e sorrindo apaixonada para o Caco. Tão ridícula lhe pareceu a imagem, que as sensações confusas que lhe agitavam o espírito acabaram expulsas dali. do caminho para casa, Cris, sem ter mais no que pensar, repetiu para si mesma o tempo todo: Caco, ó Caco querido! E outra risadinha lhe escapava dos lábios.
Se Katie Coubesse em Minha Mala... 3
Estranho que, ao chegarem em casa, Cris, de repente, se animasse e ficasse faladora, enquanto Paula, correndo a vista pela casa pequena, alugada, perguntava com certo desapontamento. - É aqui que vocês moram? Paula começou a mudar de humor, ficou silenciosa, como se alguma coisa a deixasse chateada. O pai sugeriu então que encomendassem uma pizza. Já iaficando tarde e um pizza de viagem pouparia à mãe o trabalho de ir para a cozinha. - Tudo bem comigo, disse a mãe. Marta me deu tantos frios, que parece que você vai poder fazer muito sanduíche enquanto estivermos fora. O pai é que não parecia nem um pouco chateado por não poder acompanhá-los a Maui. Ouviu as meninas conversando animadamente sobre seus planos e disse que da
próxima vez iria também. Dessa vez, porém, não dava; tinha trabalho demais na empresa e não poderia se ausentar. Naquele momento, Cris sentiu pelo pai uma admiração que não sabia explicar. Ele se contentava em ver a família feliz, sem se chatear ou parecer que se sentia abandonado. Ela sabia que o Havaí não fazia sua cabeça. Ele preferiria uma lagoa tranqüila e uma varinha de pescar. Quando ela era menor, muitas vezes tinham ido a campings rústios. Era reconfortante o que via no pai. Algo lá dentro dizia: "Apesar de meu pai não ser o tipo de cara que vibra com férias no Havaí, ele não nos impede de ir." David comeu três fatias de pizza, largando todos os pimentões no prato. Paula apenas mordiscou um pedaço e depois disse que estava com sono. - Aposto que está mesmo, disse o pai. Lá em Wisconsin já é meia noite e meia. Eu coloquei a bicama no quarto de Cris prs você. Vai ficar um pouco apertado: quando abrir a porta, abra devagar. Cris mostrou a Paula onde havia toalhas no banheiro. A pedido da amiga, arranjou um travesseiro extra e se aprontou para dormir, enquanto Paula ocupava o banheiro. Quando Paula chegou ao quarto, encontrou Cris na cama lendo a Bíblia. - Que é que você está lendo? - A Bíblia. - Está brincando?! Você sempre faz isso agora? exclamou ela jogando as roupas sujas num canto do quarto. - Bem, procuro ler todos os dias. Mesmo que só um pouquinho. Paula respondeu com um "ah!" sem graça. Deitou-se, afofou os travesseiros e virou as costas para Cris. Poucos minutos depois, Cris ouviu um imenso bocejo seguido da pergunta: - Ei! Você não vai apagar logo essa luz? Não quero ser mal-educada, mas estou
morrendo de sono. - Claro, concordou Cris, fechando a Bíblia e apagando a luz. Bons sonhos, Paula. Sonhe com Maui: a praia dourada, o sol de verão, a água azul e cristalina... Paula? O único som de Paula era a respiração de um sono profundo. Cris se esticou debaixo dos lençóis, cruzou as mãos embaixo da cabeça e olhou para o teto escuro do quarto. Sussurrou então, apenas mexendo os lábios: Pai, tenho de falar com ela sobre o Senhor, mas não sei como. Já falei em cartas. Nas férias passadas contei a ela que entreguei meu coração a Jesus e prometi ao Senhor toda a minha vida. Mas ela não entende. Somos tão diferentes agora, como se estivéssemos separadas uma da outra por uma distância enorme. Antes éramos irmãs gémeas, mas agora temos tão pouco em comum... Acho que foi por isso que fiquei tão chateada hoje. Queria me abrir mais com ela, como sempre, mas a. gente mudou muito. Ela precisa tornar-se cristã, como eu, pra gente poder ter aquela amizade íntima de antes. Vou tentar tudo que puder pra que ela perceba que precisa entregar a vida ao Senhor. Ah! Senhor, a por fazer que tudo acontecesse de modo a favorecer nossa viagem a Maui. Esteja com o Ted agora mesmo e proteja-o de todo mal. Boa noite, Senhor. Antes de dizer "amém", Cris já sonhava com uma ilha, praia e surfe. O sol da manhã bateu na janela da Cris às 6:20, inundando o quarto de luz através das cortinas rendadas e finas. Durante o verão, ela sempre dava um jeito de se livrar da claridade. Puxava o lençol sobre a cabeça e ficava vagueando entre o mundo da realidade e o dos sonhos pelo menos mais uma hora. Mas Paula não era de ficar parada. Cumprimentou o sol da manhã escancarando a janela do quarto e desfazendo a mala, cantarolando enquanto arrumava suas coisas. - Que é que você está fazendo? perguntou Cris à madrugadora. - Você acordou! Ótimo! Então se levanta e me dá uma opinião aqui sobre quais as roupas que devo levar ao Havaí e quais devo deixar aqui. Lembra que sua tia disse que
cada uma só pode levar uma mala. Eu trouxe coisa demais e tenho de ver o que realmente preciso. Faz calor o tempo todo no Havaí? Ou devo levar jeans e camisetas também? - Mas você já está de pé! Sabe que horas são? murmurou Cris, puxando a coberta para cima da cabeça. Paula tirou o relógio da bolsa. - No Wisconsin já são quase dez horas. Se eu estivesse em casa estaria me aprontando pra ir trabalhar. Mas estou na Califórnia e amanhã vamos pra Maui! Cris rolou na cama e puxou a coberta descobrindo os olhos. - Quer dizer que não foi só um sonho exótico que tive ontem à noite? É verdade que vamos ao Havaí? Paula riu-se e jogou um travesseiro nela. - Sei como é. Também ainda não estou acreditando. Essas férias vão ser as melhores da minha vida. Mas espere um minuto! Paula sentou-se junto a Cris e disse: - Você ainda não me falou nada sobre o Ted desde que cheguei. Achei que fosse falar sem parar, como faz em suas cartas. Cris se ergueu, apoiando-se no cotovelo, e respondeu: - Não tenho tido tempo pra te contar muita coisa. Quer dizer, não estou a fim de falar de meus interesses particulares na frente do meu irmãozinho, como certa pessoa que conheço! - Me desculpe por aquela! É bom que o David reconheça que as pessoas se beijam, fazem essas coisas. Ele já tem idade pra pensar nisso, não acha? - Não acho, não! Além do mais, o Ted é como um irmão ou um primo para o David. Às vezes, penso que ele passa mais tempo com o David do que comigo! - Então me conte tudo. Estou morrendo de vontade de saber. Está apaixonada por ele? Cris riu da pergunta. - Vamos lá! insistiu Paula. Está na hora da nossa conversa de travesseiro. Até onde
vocês já foram? - O que você quer dizer com isso? indagou Cris erguendo-se novamente. - Você sabe. Até onde? Beijos e outras coisas. - Bem, ele me beijou umas cinco vezes. -E...? - E o quê? - Que mais? insistiu Paula, cutucando o pé da amiga. - Só isso. Não tem mais nada. Paula encarou a amiga por um segundo e depois, como se estivesse convencida de que ela dizia a verdade, se afastou dizendo: - Então tem algo errado. - Como assim? - Pense um pouco, Cris. Vocês se conhecem há mais de um ano e já saíram juntos várias vezes, não é? - Mas não estamos exatamente namorando. - Mas você não está saindo com mais ninguém, está? - Claro que não! Paula, você sabe que meus pais não permitem que eu namore enquanto não completar dezesseis anos. - Aposto que o Ted está ficando com outra pessoa. Cris lançou um olhar de desgosto para Paula e tentou entender aonde ela queria chegar. - Você não enxerga, hein, Cris?! Como pode ser cega desse jeito! Quando um cara gosta de alguém, a coisa não fica só no beijo não e são mais que cinco beijos num ano! Se o Ted realmente gostasse de você, ele seria mais ousado. É assim que a gente sabe se um cara gosta da gente: se ele tentar conseguir bem mais que uns beijinhos. Ele
provavelmente tem uma outra namorada em Newport e você é só o estepe, a menina boazinha, qubra-galho. Cris sabia que o que Paula dizia não era verdade, mas ainda se sentia meio sonolenta e não estava animada a provar nada. Já ouvira essa argumentação antes; outra amiga dissera o mesmo meses atrás. Até ficara temerosa e ansiosa com relação ao Ted, por causa das palavras da outra menina. Mas agora se sentia mais segura no seu relacionamento com ele, mesmo que ninguém mais achasse "normal" esse relacionamento. - Sabe, estou surpresa, concluiu Paula acomodando-se melhor no pé da cama. Todo esse tempo pensei que vocês fossem assim, mais sérios, e que você só não escrevia isso nas cartas pura que sua mãe ou a minha não descobrissem. - Paula, espere só você conhecer o Ted. Ele não é como outro rapaz qualquer. Ele nunca forçaria nossa amizade tentando ir além de onde devemos ir, nem fisicamente nem de outro modo. É um caro muito legal - simplesmente isso. - Isso não existe! declarou a amiga. Nenhum gato de dezoito anos, bonito e maravilhoso como você o descreveu, vai se limitar a ter apenas uma garota. Eu continuo dizendo que ele tem outra namorada. Só que não te contou, é claro. Cris abanou a cabeça. - Espere conhecê-lo, Paula. Você verá. Ele é crente mesmo. Ama a Deus de verdade. No momento em que ela mencionou Deus, Paula encerrou a conversa e correu para o banheiro. Ia preparar-se para enfrentar o dia. Cris tentou se acomodar de novo na cama e dormir mais um pouquinho. Tarde demais. Sua mente operava a pleno vapor, repassando cada detalhe do que Paula havia dito e descartando quase tudo. Ocorreu-lhe, porém, que embora Paula a tivesse sabatinado, procurando detalhes sobre o namoro, ela nada dissera sobre nenhum dos rapazes que havia referido nas cartas que lhe escrevera durante o ano. Quando Paula
voltou ao quarto, Cris perguntou-lhe: - Você não disse se está ou não de namoro com alguém. O que aconteceu com aquele cara? Esqueci o nome dele. Não era o irmão da Melissa? - Ele? falou a moça surpresa com a pergunta de Cris. Não; faz tempo que ele sumiu. Eu não tenho namorado. Vim para a Califórnia preparada pra conhecer todos os surfístas que você estivesse planejando me apresentar! Assumiu de novo a pose brincalhona e engraçadinha, e concluiu: - Agora parece que vou ter de me contentar com um surfista havaiano. A mãe de Cris apareceu no corredor e enfiou a cabeça no vão da porta do quarto das meninas. - Imaginei que estivessem acordadas, disse ela. Prontas para o café da manhã? Com isso a conversa sobre rapazes ficou temporariamente suspensa, até à tarde, quando chegou Katie, a amiga ruiva de Cris. Paula e Cris estavam no quarto, arrumando as malas, quando lhe ouviram a voz animada atravessando o corredor. - Está bem. Por favor, me digam que o David é o maior contador de lorota, pra eu economizar alguns dólares. - Oi, Katie! exclamou Cris, assim que a recém-chegada se aproximou de ambas. Esta é minha amiga Paula. Paula, esta é a Katie. - Muito prazer! - Igualmente! - Então, o que foi que meu irmãozinho fez desta vez? Katie encostou-se na porta, os olhos verdes, brilhantes, indo de Paula para Cris, parando finalmente em Paula. - O querido Davizinho andou me contando uma história - tem gente aqui viajando para Maui amanhã. Quando falei que não acreditava, ele me fez empenhar minha palavra
de que lhe pagaria um sorvete, se estivesse falando a verdade. Digam-me que ele é um garoto confuso, que vive num mundo de fantasia - Ele é, confirmou Cris, mas está falando a verdade. É uma daquelas "pequenas surpresas" da minha tia. A gente parte amanhã de manhã. Do corredor ouviram o David repetir: - Eu não lhe disse?! Eu não lhe disse?! - Não acredito! Vocês perceberam a sorte que têm? - Eu sei! gritou Paula, dando um salto e começando a matraquear os detalhes da viagem para a Katie, que estava séria e se sentara, quieta, num canto da bicama para ouvir a história toda. Cris parecia desconcertada. Imaginou como seria doloroso para Katie ver a Paula aparecer de repente, tomando o lugar dela no seu coração. E agora se preparavam para baixar no paraíso, deixando para trás a pobre Katie! Sentia-se mais incomodada ainda porque, no ano anterior, Marta a levara - a ela e mais duas garotas - a Palm Springs, e Katie não pudera ir por causa dos compromissos que tinha como mascote do time de futebol da escola. Afinal, elas tiveram uma porção de problemas e Cris raramente via as meninas que haviam ido com ela. Além do mais, prometera a Katie que da próxima vez que Marta arranjasse um passeio, fosse onde fosse, ela a convidaria. Pois bem, a tia planejara a viagem ao Havaí pensando na Paula, e nem disseram a Katie que já estavam de partida. Cris sabia que, assirn que conseguisse conversar com Katie em particular, ela entenderia. Não poderia tentar explicar as coisas agora sem ofender Paula, principalmente se desse a impressão de que preferia a companhia de Katie à de Paula. - Mas isso é incrível! exclamou Katie quando Paula concluiu o relato. Espero que
vocês se divirtam bastante. Puxa, como gostaria de poder ir com vocês! Agora Cris se sentia ainda pior. Ela dissera a mesma coisa ao Ted no dia em que ele viajara. Só que, ao contrário dele, ela não tinha nenhum segredo, e não haveria nenhuma surpresa para Katie depois. Por um instante, Cris pensou em perguntar à mãe se poderia ligar para tia Marta, e ver se dava um jeito de incluir Katie na viagem. Mas desistiu da idéia quando imaginou a cara da mãe. Cris sabia que a mãe jamais permitiria que ela pedisse um favor tão caro à tia. Além do mais, ela mesma jurara nunca mais implorar nada à tia. - Vim ver se vocês duas gostariam de dormir em minha casa uma noite dessas enquanto a Paula estivesse aqui, mas parece que sua agenda de compromissos já está repleta, disse Katie com um jeito simpático. Cris admirou a amiga, por essa atitude tão positiva. - Vamos ficar lá só uma semana. Talvez a gente se encontre quando voltarmos, antes que Paula regresse a Wisconsin. - Claro, concordou Katie. Tragam uns saiotes havaianos e vamos fazer um concurso de hula a noite toda! Todas riram e Katie se ofereceu para ajudá-las a arrumar as malas. A jovem era toda doçura. Katie, você me surpreende, pensou Cris. Se eu estivesse no seu lugar, estaria voltando para casa, chorando na certa. Quero ser assim igual a você. - O que acha? indagou Paula para Katie. Sempre faz calor lá, ou devo levar algum agasalho? - Melhor levar pelo menos um moletom, no caso de refrescar. - Qual, então? Comprei três, todos com estampa de universidade. Quando visto um, as pessoas me perguntam se estudo na Universidade de Michigan ou em outra. Qual a
universidade mais legal pra gente se identificar no Havaí? concluiu ela mostrando os três. - A que for mais distante, sugeriu Katie. Faz parecer que você veio de longe pra visitar as ilhas. - E vim mesmo, retrucou Paula. - Então leve a de Wisconsin mostrando que é fiel ao seu estado. - Mas as cores deste da Pennsylvania combinam mais com a maioria das roupas que tenho! - Eu só sei, interrompeu Cris, que é melhor resolver logo, porque amanhã já estaremos de partida, né? - Vai levar o tênis, Cris? perguntou Katie, tirando um par do armário.. - Acho que sim. Você vai levar, Paula? - É melhor, se pretendermos fazer cooper. Sabia que correr é uma excelente maneira de conhecer rapazes? - Hmm! É bom saber disso, falou Katie, achando engraçada a sugestão de Paula. Colocou o tênis de Cris no fundo da mala e continuou: - Sempre ponho os sapatos e a Bíblia no fundo porque são as cosas mais pesadas. - Boa idéia, disse Cris, colocando sua Bíblia de capa de pano ao lado dos sapatos, como se estivesse arrumando um quebra-cabeça. - Acho que essa ida de vocês para Maui é uma dessas coisas de Deus, sabia? comentou Katie. - Uma "coisa de Deus"?! exclamou Paula dando uma risada. O que é isso? Katie permaneceu séria, o que não acontecia com muita frequência. - É quando algo acontece na vida da gente, e não sabemos explicar como ou por que aquilo aconteceu, mas sabemos que existe uma razão. A gente sabe que Deus está fazendo alguma coisa em nossa vida, e isso nos transforma. Não existe outra maneira de se
explicar uma coisa assim, a não ser como algo que vem de Deus. - Mas nós sabemos por que isso aconteceu, respondeu Paula de pronto. É porque a tia da Cris nos convidou pra irmos com ela. - É, mas pense nisso: quantas pessoas que você conhece já foram convidadas a ir ao Havaí com toda as despesas pagas? perguntou Katie. Você não acha que é uma coisa de Deus, Cris? Acho que Deus vai fazer algo na vida de vocês duas enquanto estiverem lá. Cris não sabia ao certo o que é uma "coisa de Deus", mas apreciou as palavras de incentivo da amiga. Recebeu-as como uma bênção proferida por alguém que poderia terse sentido discriminado, ofendido. Logo depois, quando Paula foi à cozinha tomar alguma coisa, Katie continuou o pensamento: - Você não acha que é uma coisa de Deus, Cris? Quer dizer, eu sei há quanto tempo você estava esperando essa visita da Paula, e sei que tem orado por ela, para que ela se converta. Sabe o que acho? Essa viagem é uma "armação" de Deus par você e o Ted testemunharem para a Paula. Não foi mais ou menos assim que você se tornou cristã no ano passado, quando o Ted e aquela outra menina lhe falaram de Jesus? - Foi mais ou menos isso. O nome dela é Trícia. Mas não foi tanto pelo que eles falaram; e sim, pelo jeito deles. O Ted e a Trícia tinham algo que eu não tinha e foi isso que me "pegou” mais. - Mas os dois não testemunharam juntos pra você? Pense que fosse isso que tinha me contado quando mostrou a sua Bíblia. Eles não lhe deram a Bíblia juntos? - Sim, mas... sei lá. Não é que me tivessem falado de Senhor e eu dissesse: "Está bem, claro, quero entregar minha vida a Cristo." O que aconteceu é que eles ficaram me dizendo a mesma coisa, isto é, que eu precisava do Senhor, mas sempre de uma maneira diferente. No início, até procurei ignora-los. Mais tarde, porém, começou a fazer sentido.
Tive de tomar uma decisão. Os olhos verdes de Katie estavam sérios quando ela disse: - Sabe de uma coisa? Não fique desanimada se a Paula não der atenção a você e ao Ted assim que lhe começarem a falar de Cristo. Precisam dar tempo ao tempo. - Eu sei, eu sei. Sem saber por quê, Cris ficou um pouco irritada com os conselhos de Katie. Percebendo que talvez tivesse sido meio indelicada, acrescentou: - Por favor, ore por nós, 'tá bem? - Vou orar. Prometo. Ainda acho que essa viagem veio de Deus. Depois que Katie foi embora, Paula zombou de seu jeito ao dizer que a viagem era uma "coisa de Deus". - Você não fica irritada quando as pessoas falam sobre Deus como se ele fosse um espírito vigiando a gente ou coisa parecida? - Bem, Paula, ele é, começou Cris, esperando que tivesse chance de de explicar melhor. Acho que o que Katie estava querendo dizer é... Paula cortou a conversa por completo: - Você não precisa defender a Katie, Cris. Ela é legal. Acho Katie um amor. Só estou dizendo que estava tudo bem até ela começar com esse papo de religião pra cima da gente. Naquele momento a mãe de Cris enfiou a cabeça no vão da porta: - Meninas! As malas estão prontas? Espero que tenham conseguido enfiar tudo numa só, cada uma. - Quase, disse Cris, olhando sua mala arrumada com toda ordem. Só falta colocar meu estojo de maquiagem, que vou pôr nela amanhã cedinho. A mãe aproximou-se e examinou o que já tinham feito. Uma alça saía para fora da
mala de Paula. A mãe puxou-a e era o sutiã do biquini. - Nossa! exclamou, e calou-se. Ficou segurando a peça como quem não sabia o que fazer com ela. - Isso é seu, Paula? indagou afinal. - Sim! respondeu a moça, com naturalidade e sem o menor constrangimento, ao contrário de Cris. - É esse o maiô que você comprou ontem? -É. Paula pegou o minúsculo sutiã da mão de D. Margaret e o meteu de novo na mala, arrumando bem para que as alças não pendessem para fora. - Paula, começou a mãe de Cris com diplomacia. Estou achando que sua mãe não iria gostar muito desse biquini. Cuidado, Paula! Lá vem bala! Cris lutou com seus sentimentos por ambas as partes. Se tivesse coragem e um corpo mais bonito, provavelmente também iria querer usar um biquini rosa-shocking igual àquele. Ainda assim, sabia que sua mãe apelaria para a decência, e ela também concordava com esse lado. - Não se preocupe, D. Margaret! Só comprei esse pra pegar um sol. Tenho meu velho maiô inteiriço pra nadar. Comprei esse aqui porque, afinal, que vantagem tem a gente ir ao Havaí e não voltar pra casa bem bronzeada? A mãe de Cris pareceu aceitar a resposta de Paula, sugerindo apenas que, ao sair para tomar sol, levasse uma camiseta ou saída para se cobrir, caso os rapazes aparecessem por lá. Paula sorriu, anuindo, e Margaret deixou por isso mesmo. Insistiu que as meninas fossem dormir cedo, porque teriam de sair às quatro da madrugada para chegar ao
aeroporto a tempo. Cris ainda estava pensando que se ela comprasse um biquini desses, seus pais a proibiriam de usá-lo por qualquer motivo. Paula conseguiu sair-se com a maior facilidade. Enquanto sua amiga novamente pegava rápido no sono, Cris ainda ficou achando mais coisas para fazer ou colocar na mala, o que fez sob a fraca luz do corredor, para não incomodar a amiga. Uma das coisas que Cris encontrou, ao mexer na escrivaninha, foi a carta misteriosa que recebera dias atrás. Enfiou-a na bolsa, pretendendo perguntar à Paula no dia seguinte se tinha sido ela quem a escrevera. E o que significava aquela parte que dizia: "Andei pensando no que você disse"? Correu a vista pelo quarto mal iluminado, contente por haver deixado tudo em ordem. Cris gostava de ter as coisas em seus lugares, para poder encontrá-las sem dificuldade. A única coisa que faltava tirar era o monte crescente de roupas sujas que as duas vinham atirando para o canto nos últimos dois dias. Cris pegou todas as peças de uma vez e levou-as para a máquina de lavar. Ao colocar a roupa em cima da máquina, viu o maiô inteiriço de Paula embolado e enfiado no meio das outras peças. Procurou entender por que Paula o havia posto para lavar, sobretudo depois de haver dito à sua mãe que pretendia usá-lo em lugar do biquini novo, quando fosse nadar. Certamente o atirara no canto inadvertidamente enquanto arrumava a mala. Ou, será que Paula estava tentando esconder o maiô e deixá-lo na casa de Cris para que, assim que chegassem a Maui, não tivesse outra opção senão usar o biquini o tempo todo? Cris encostou-se na fria máquina e refletiu no assunto, inclinada a admitir que Paula, sua amiguinha de infância, jamais faria uma coisa dessas. O problema era que ela havia mudado. Cris já não sabia bem quem era essa nova Paula, nem do que ela seria capaz.
“Passageiros do Vôo 272, Apresentem-se Para Embarque!” 4 - Agora aqui, daqui a pouco a caminho de Maui! repetiu David pela décima-quinta vez, enquanto a mãe dirigia o carro. Eram quase seis horas, e Cris sabia que chegariam atrasados para pegar a Marta. Isso deixaria a tia zangada, e se perdessem o vôo, todo mundo acabaria furioso. - David, essa é a última vez que eu quero ouvir você dizer isso, está bem? Ele fez que sim e se aquietou. A mãe não se zangava com frequência, mas quando isso acontecia, era pra valer! Cris teve a prudência de calar-se, ao perceber a tensão com que a mãe segurava o volante, dirigindo quase colada ao carro da frente. Saíram de casa no escuro, mas o dia agora já estava bastante claro, e a estrada apinhada de veículos, de gente indo para o trabalho, e gente viajando de férias.
- Vamos lá! vamos lá! murmurou a mãe para um grande traïler que estava à frente. Pise fundo nesse acelerador ou saia da frente, cara! Era raro Cris ouvir a mãe falar com os outros motoristas, e ela achou engraçado. - Minha mãe também faz isso toda hora. Isto é, conversa com os carros, disse Paula no banco de trás, onde estavam sentadas com um enorme saco de viagem entre as duas. Morro de rir. Ela fica muito nervosa, principalmente com os tratores na estrada. - Você já tirou carteira? Perguntou Cris. - Não, só a licença de aprendiz. Mas dirijo por todo lado. Todo mundo dirige. - E o seguro? O que acontece se você tiver um acidente? - Sei lá. - Está brincando! exclamou Cris fitando os olhos vivos da amiga. Aqui o seguro é coisa séria. Ninguém pode dirigir se não tiver, e é super caro. Tio Bob disse que vai pagar o meu no primeiro ano, se eu passar no exame de habilitação da primeira vez. David virou-se para trás e entregou a irmã: - E ela precisa desse seguro porque já bateu o carro! - Verdade? O que foi que aconteceu? Cris fez cara feia para o irmão antes de explicar sem rodeios o incidente do estacionamento, esperando que não parecesse coisa de grande monta. Paula achou graça. - Alguém viu você fazer isso? - Não, só meu pai. - E então, já tirou a carteira? - Ainda não fiz o exame. Meu aniversário é... disse ela e se interrompeu arregalando os olhos. Não acredito! Eu ia me esquecendo do meu aniversário! - Ei! É amanhã, não é? Com toda essa história do Havaí eu também já ia me
esquecendo. É massa! Você vai fazer dezesseis anos no Havaí. Não é um sonho? - Talvez você acabe fazendo dezesseis anos aqui no carro se esse trailer da frente não andar mais depressa! queixou-se a mãe. Cris e Paula se entreolharam fazendo careta, rindo do ataque de ansiedade da mãe. Alguns minutos depois deram com o motivo da lentidão do tráfego: havia um caminhão parado, atravessado na pista central, obrigando o trânsito a desviar-se para os dois lados. Uma vez transposto o local do acidente, a pista ficou livre novamenter, mas a tensão continuou crescendo até chegarem à casa de Marta. Foi aí que a coisa pegou fogo. Cris e Paula apenas observavam as duas irmãs, que agiam como se fossem adolescentes, brigando porque eles haviam chegado com um atraso de quinze minutos. Discutiam também a respeito do carro em que iriam para o aeroporto; e, como se tudo isso já não bastasse, recriminavam-se ainda por não serem mais organizadas e mais pontuais. O grupo acabou optando pelo carro da mãe de Cris, com o David instalado no banco traseiro, estando este e a bolsa de viagem envoltos pelo cinto de segurança, e Marta viajando no banco dianteiro, com uma mala aos seus pés. - Foi exatamente por isso que pedi que vocês colocassem suas coisas em malas separadas, ralhou Marta. Este dia esta começando todo errado; nunca na minha vida saí tão atrasada para um vôo! - Pegamos um trânsito terrível e tinha um caminhão atravessado na estrada, explicou Margaret, ainda agarrando com força o volante, enquanto manobrava o carro para voltar à rodovia. - Talvez a gente consiga se desviar do trânsito, sugeriu Marta, se pegarmos a 405. Está vendo aquela placa ali? Fique nesta pista. A mãe de Cris seguia as instruções, enquanto Marta continuava expondo seus planos.
- Está bem. Se perdermos o vôo, o que espero não aconteça, teremos de descobrir quando sai o próximo, e pegá-lo. Afinal, não precisaram da alternativa de Marta. Conseguiram chegar ao aeroporto, despachar a bagagem, e receber os cartões de embarque ainda com meia hora de antecedência. A mãe de Cris cedeu ante a insistência de David para que comprasse um pacote de chicletes, e os dois correram para a loja mais próxima, deixando para trás Marta, um pouco mais calma agora, sentada na área de espera com as meninas. - Devíamos ter ido com eles, disse Paula depois que mãe e filho já se achavam fora do alcance da vista. Eu não tenho chicletes, e meus ouvidos sempre me incomodam quando viajo de avião. - Paula, observou Cris, você só andou de avião uma vez na vida, e isso foi há poucos dias, quando veio pra cá. - .Sei. E masquei chicletes o tempo todo. Marta, podemos ir comprar chicletes? Creio que podem, mas não demorem. Eu fico aqui com a bagagem de mão. Não se esqueçam, nós embarcaremos em de meia hora. - Quer que a gente lhe traga alguma coisa? perguntou Paula num tom de voz doce. - Não, obrigada, querida. Só quero que andem depressa! Paula e Cris passaram sem demora pelo pessoal que estava na fila de embarque. Cris sugeriu que fizessem uma rápida visita à toalete, já que Marta lhes dissera que o vôo teria cinco horas de duração, - Primeiro os chicletes, ordenou Paula. E quando estávamos passando por todas aquelas lojas, vi uma revista que desejo comprar. De repente, Paula parou. - Não acredito! falou dando um grito abafado, ou pelo menos o mais abafado que conseguia dar.
Enfiando a mão no fundo de sua enorme bolsa a tiracolo, pegou os óculos, colocando-os rapidamente. - Quando é que você começou a usar óculos? perguntou Cris. - É ele! Lá daquele lado, tá vendo? É o cara daquele programa de televisão - como é mesmo o nome do filme? Tem dois artistas e... Agarrando a Cris pelo braço, Paula puxou-a e foi andando. Passou em frente à porta e seguiu para outro setor do terminal. - Vamos! Ele 'tá indo por ali! Você viu? Como é mesmo o nome dele, Cris? Não consigo me lembrar! - Paula! gritou Cris puxando-lhe o braço. Paula! Esta virou-se, com ar sonhador, mas continuou caminhando em direção do ator de cinema. -O quê? Que é? Vamos! Cris se esforçava para acompanhá-la. - Não sei nem o que você está falando! Vamos, Paula! O que é que você está fazendo? - Vou pegar meu primeiro autógrafo de um artista de cinema. Vamos lá! Meteram-se no meio de um grande grupo de turistas e acabaram dando num setor com duas alas pela frente. Tinham de escolher uma das duas. - Esta aqui! falou Paula agarrando de novo o braço de Cris. Eu vi de. passando por aqui. - Ô Paula, você nem sabe quem estamos seguindo! - Não me lembro do nome, mas ele trabalha naquele filme, e aí Paula parou de repente. Onde é que ele foi? Não estou vendo mais! - Paula, estou falando sério! Temos de voltar imediatamente. Eu não vi ninguém
com cara de famoso. Isso é uma grande bobagem! falou Cris furiosa, exasperada, mas procurando conter-se. Temos de voltar agora! Virou-se e marchou em direção contrária à amiga. - Tá bem, tá bem, eu já vou, replicou Paula alcançando-a. Mas sei que já o vi. Como é mesmo o nome dele? Vou ficar doida com isso! Ele é uma gracinha, e é bem conhecido; trabalha naquele filme.. - A maioria dos artistas de cinema são uma gracinha, tudo gente conhecida, e sempre estão em algum filme! disse Cris apressando o passo, olhando por sobre o ombro, ralhando com a Paula. Não dá pra acreditar! Nós podíamos nos perder ou perder o vôo por causa de um artista que nem vimos. - Espera, Cris, insistiu Paula, colocando os óculos de volta na bolsa e agarrando novamente o braço da amiga. Quero entrar aqui e comprar chicletes. - Não tem mais tempo! - Tem sim. Sua tia estava só pegando no pé de todo mundo Falta mais ou menos urna hora para o avião decolar. - Meia hora, corrigiu Cris. - Meia hora para embarcar; daí leva mais meia hora para o avião decolar. É tempo de sobra. Paula entrou na lojinha de lembranças e demorou-se por lá olhando as revistas antes de escolher uma. Pegou um pacote de chicletes e mostrou para a Cris. - Gosta desse? - Tanto faz. Vai qualquer um. Vamos embora! Paula colocou as compras na sacola e as duas voltaram para a área do terminal central, olhando ao redor e parando imobilizadas. Não reconheciam o lugar. - Vamos por aqui, disse Paula, reassumindo a autoconfiança.
- Tem certeza? Pensei que nosso portão fosse daquele lado. Uma nuvem de incerteza confundiu a Paula, que logo exibiu a expressão de interrogação revelando então que estava aterrorizada. O burburinho e a agitação constantes da multidão, no seu vaivém incessante, deixavam Cris tonta. - Vamos perguntar a alguém, disse Paula, sem fôlego, procurando distinguir no meio da multidão alguém que lhe pairecesse simpático e confiável. - Não podemos simplesmente conversar com qualquer estranho! - Então o que é que vamos fazer? indagou Paula enfiando a unha no braço de Cris, e parecendo cada vez mais apavorada. O que é que vamos fazer? Estamos perdidas! - Me larga! disse Cris. Cadê um daqueles monitores de televisão que mostram os horários dos vôos? - Lá! disse Paula apontando um aparelho numa parede atrás delas. Qual o nosso vôo? Que companhia? Você sabe? Eu não sei nem o nome da companhia em que vamos viajar! - Era a United, não era? perguntou Cris enquanto corriam na direção do monitor. -Ali! apontou Paula. Honolulu! Tem um vôo daqui a meia hora pra Honolulu. É o nosso, não é? Claro que é, não é? Sua voz estava cada vez mais fina pelo nervosismo. - É, é, é! replicou Cris, a irritação misturando-se ao medo. Mas, e aquele acima dele? Como é que se diz isso: Ka-hu-lu-i? perguntou. Acho que é esse o nome do aeroporto de lá, porque está no horário em que era pra gente decolar, e ele tem um norne havaiano. - Como você sabe que o nome é havaiano? Honolulu é que é um nome havaiano! Kahului pode ser algum lugar em Bora Bora ou pior, pode até ser um vôo para a Antártida! Não podemos sair correndo para o primeiro vôo que parece ter um nome havaiano! Acho que devemos ir ao portão 87 onde sai o vôo para Honolulu. Todo mundo
sabe que Honolulu é no Havaí! Naquele momento a linha de Kahului começou a piscar e em vez do horário, piscava na tela a palavra "Embarque". - Embarque, Paula! Esse é o nosso vôo! Eu sabia! E está saindo neste momento. Vamos depressa! Portão 57. Onde é que fica o portão 57? As meninas tomaram o rumo da ala mais próxima do terminal, depois perceberam que estavam indo na direção errada e se viraram para a direção contrária, seguindo as placas esbarrando nas pessoas. As duas choravam. Arfando e piscando como doidas, de repente reconheceram a ala de onde haviam partido. - É aqui! Tenho certeza! disse Cris, enquanto corriam para área de espera. O lugar, que antes estava cheio de gente, agora se achava vazio. Viram apenas a mãe de Cris, que estava de costas para elas, à frente do balcão de passagens, conversando com a atendente e gesticulando em desespero. - Mãe! Mãe! - D. Margaret! Margaret virou-se para as duas. Não as recebeu de maneira acolhedora, é claro; colocou as mãos na cintura e as encarou com severidade, estampando no rosto a recriminação que Cris desejava não ouvir. - Perdemos o avião, meninas, declarou. Perdemos o avião! Onde é que vocês se meteram?! Cris procurou recompor-se e responder de maneira sensata. Antes que dissesse uma só palavra, Paula deixou extravasar as emoções chorando convulsivamente. Agarrou D. Margaret pelo braço, e se pôs a contar uma história esquisita de que se peerdera ao tentar escapar de uma figura estranha, que ela pensara que estava tentando sequestrá-las e uma infinidade de outras bobagens do gênero, tudo sem nexo.
Margaret mudou logo de atitude, procurando acalmá-la antes que ela chamasse a atenção dos outros. Apavorada, perplexa, Cris enxugou as lágrimas. - Com licença, interveio a atendente de vôo, encostada no balcão, com jeito muito mais doce e preocupado do que alguns minutos antes. Vocês estão bem, meninas? Cris fez que sim. A reação de Paula bem podia ter lhe valido um papel num melodrama de televisão. Curvou o lábio inferior, arregalou mais os olhos, e mais lágrimas sujas de rímel escorreram-lhe pelo rosto. De repente, a funcionária da companhia disse à mãe de Cris: - Quinta-feira passada, houve um rapto aqui no aeroporto, uma menina de oito anos. Talvez eu devesse chamar a segurança. - Não! acudiu Paula de pronto. Quer dizer, já perdemos o avião e ia demorar muito pra responder ao interrogatório e tudo mais. - Estamos bem, acrescentou Cris. Na verdade, não aconteceu nada. Nós nos perdemos, foi só isso, explicou, mas parecia que ninguém acreditava no seu relato mais ameno. - Deixem-me verificar uma coisa, disse a mulher pegando o telefone e ajeitando-o no ombro, enquanto digitava alguma coisa no computador. - Senhora Miller, disse ela em um tom profissional, por favor, sente-se aí, a senhora e suas filhas. Tão logo descubra uma solução, eu lhe informarei. As três se dirigiram à área de espera e a mãe tirou lenços de papel da bolsa e os entregou às meninas. - Estão mais calmas agora? As duas fizeram que sim e assoaram o nariz. Cris disse: - Mãe, sinto muito. Nós nos perdemos e... - Tudo bem, querida. Marta e David foram naquele vôo e mandei anunciar seus
nomes pelo alto-falante. Tentei arranjar lugar em outro vôo, mas estão lotados. Pouco antes de vocês aparecerem, a moça estava me dizendo que o vôo mais próximo em que há vagas para três sai amanhã à noite. - Amanhã à noite? berrou Paula, começando a chorar de novo. - É o meu aniversário! exclamou Cris, juntando-se a Paula num novo acesso de lágrimas. Naquele instante, um segurança chegou num carrinho motorizado e disse: - Senhora Miller? Podem entrar! Eu as levo até o portão. Margaret olhou-o como quem não estava entendendo nada. A moça do balcão deu a volta por trás do computador e pousou carinhosamente a mão no ombro de Paula. Explicou então: - Arranjei lugares para vocês em outra companhia. Terão de mudar de avião em Honolulu e pegar o das Linhas Aéreas Aloha vôo 210 para Kahului. Entregou as passagens à Margaret e apontou um número escrito à mão em cima do pacote. - Quando se apresentarem nos dois vôos, informem este número de código. Ele é muito importante, falou e em seguida virou-se sorridente para as meninas: vocês duas, cuidem bem uma da outra nessas férias, está bem? Antes que elas tivessem tempo de entender bem o que havia acontecido, já estavam sentadas no veículo, sendo conduzidas em meio à multidão até o outro lado do terminal. A mãe mostrou as passagens e o número de código especial, e foram imedia tamente levadas até um avião que as aguardava, ocupando três lugares na primeira classe. As pessoas olhavam-nas e os atendentes de vôo as tratavam como se fossem da realeza. Daí a pouco apertavam o cinto e o avião descia a pista de decolagem. O ronco dos motores se confundia com a crescente agitação das emoções de Cris. Ela inclinou-se para
Paula, que olhava o mundo ir ficando cada vez menor lá embaixo e cochichou: - Por que será que eles estão nos tratando desse jeito? - Deve ter sido por causa daquela história de seqüestro. Acham que fomos mesmo seguidas por um seqüestrador. - Mas, Paula, não aconteceu nada disso! Eles pensaram isso porque você contou essa história. - Eu estava nervosa! - Eu também estava, mas você não devia ter inventado essa mentira. - Não foi exatamente uma mentira, Cris, replicou Paula parecendo ofendida.
Cris cerrou os dentes e a olhou de cara fechada. Paula abriu um sorriso largo, e riu com um toque de leviandade. - Relaxe, Cris, 'tá bem? Sem essa! Você devia ver sua cara. Parece aquela velha de cara enrugada que trabalhava no Correio. Como era o mesmo o nome dela? Cris não gostou da comparação. Não estava a fim de se lembrar da velha de cara enrugada do Correio, uma senhora cuja expressão lhe dava medo quando menina, e menos ainda de se parecer com ela. - Além do mais, não me lembro direito do que foi que eu disse, comentou Paula pegando seus fones de ouvido e começando a desembaraçar os fios. E tudo acabou dando certo. Acho melhor não tocarmos mais no assunto. - Mas não está certo, Paula. Isso é enganar os outros! - Por quê? Ninguém se machucou e não houve problema algum. Pelo contrário, até deu certo. Se não estivéssemos chorando assustadas e tudo o mais, duvido que eles nos teriam dado esse tratamento especial. Não teriam arranjado lugar nesse vôo e teríamos de ficar plantadas até amanhã à noite, sem sair. Pense nisso, Cris. Você queria passar seu aniversário no aeroporto, ou na praia? - É claro que na praia, mas... - Então esqueça! rematou Paula, inclinando para trás, confiantemente, a luxuosa poltrona de primeira classe e ajustando os fones de ouvido. Reconheça, Cris: isso é o que aquela sua amiga Katie chamaria de "uma coisa de Deus".
Aloha! 5 Cinco horas num avião é tempo bastante para qualquer um dar uma relaxada. Cris resolveu deixar para lá a aventura da manhã. Não conseguia crer no que Paula dissera, que o "final feliz" da correria pelo aeroporto fosse uma coisa de Deus. É claro que não queria que o restante do passeio se convertesse numa constante batalha emocional com a amiga. Pouco antes de aterrissarem em Honolulu, decidiu então qur faria de tudo para mostrar a ela a diferença entre o certo e o errado, verdade e mentira. Afinal de contas, Cris era cristã e Paula, não. A primeira coisa que notou quando desceram do avião, foi o doce perfume que se espalhava pelo ar. Passava do meio-dia quando chegaram, e soprava uma brisa quente, parecendo bálsamo. Era exatamente como imaginara, pelo que tinha visto nos filmes e pela idéia que fazia da atmosfera num ambiente tropical. Mas o cheiro de flores flutuando no ar surpreendeu. A fragrância maravilhosa vinha de jovens polinésias vestidas a caráter, braços cobertos de leis*, que elas colocavam no pescoço de alguns viajantes que desembarcavam. * O lei é um colar de flores, típico do Havaí. (N. da T.) Seguindo a sinalização, as meninas marchavam atrás da mãe, que as conduziu diretamente para as Linhas Aéreas Aloha, apresentando os cartões de transferência de vôo que haviam recebido em Los Angeles. Logo depois foram conduzidas para um avião quase lotado, e, mal se acomodaram nos assentos, o avião decolou.
- Foi uma conexão muito próxima! disse a mãe, virando-se para falar com Cris. Marta e David foram diretamente a Maui. Nosso atraso em relação a eles é de apenas uma hora. Talvez até menos. - Olhe como a água é límpida, comentou Paula ao sobrevoarem o oceano Pacífico. Quase dá pra ver o fundo. Alissa morou aqui, disse Cris. Ela me contou que a água é bem morna. - Quem é Alissa? Durante o rápido vôo até a ilha de Maui, Cris falou a Paula sobre Alissa, a lindíssima jovem que conhecera na praia de Newport no ano anterior. Havia pensado que Alissa era uma pessoa que têm tudo, mas a jovem se envolvera com um monte de rapazes, um dos quais era Sam, o melhor amigo do Ted. - O Sam é aquele que morreu no ano passado quando surfava? - É. - Ele não estava drogado ou coisa parecida? - É uma longa história, mas ele estava fumando maconha, sim. - E esse cara era o melhor amigo do Ted? Cris acenou que sim e continuou: - Em suma, o Sam e a Alissa ficaram juntos durante algum tempo naquele verão, se entende o que quero dizer. Cris falava baixinho, sem saber se sua mãe estaria ouvindo ou não.Paula se aproximou, esperando que a amiga terminasse a história. - Bem, a Alissa ficou grávida e teve uma menina em meados de maio. Deu-lhe o nome de Samantha Cristina, porque Sam era o pai e Cristina, porque éramos mais ou menos amigas. - E ela está criando o nené?
- A última notícia que tive era de que ela ia tentar criá-la sozinha. - Se isso acontecesse comigo, eu a daria para ser adotada, disse Paula categoricamente. Você não faria o mesmo? - Não me imagino nunca numa situação dessas! - Ninguém se imagina, Cris! Mas acontece. Cris abaixou ainda mais a voz, embora por dentro tivesse vontade de gritar: - Simplesmente não vai acontecer comigo. Só vou pra cama com um homem quando me casar; só com meu marido. Não preciso ficar com medo de "acontecer". - Eu também pensava assim, disse Paula, olhando pela janela com ar sonhador. Depois virou-se e, mirando Cris de frente, com seus olhos muito azuis, sussurrou: - Sou a única virgem que conheço, Cris, a não ser você. - Ah, não diga isso! - Estou falando sério. De todas as meninas com quem ando sou a única. Sabe que elas me acham esquisita? Se eu não arranjar um namorado durante esta viagem... e ela foi abaixando a voz e voltou a olhar pela janela do avião, encerrando ali a conversa. Cris afundou as costas na poltrona e deixou que as palavras de Paula lhe penetrassem a mente. Estava espantada de ver o quanto a amiga tinha mudado. Admiravase de que ela estivesse doida para perder a virgindade, a fim de sentir-se igual às suas amigas. Cris tinha feito amizade com um grupo de garotas cristãs durante o último ano letivo, e todas vinham-se esforçando para manter a virgindade com o mesmo empenho com que Paula e suas amigas desejavam perder a sua. Sentia-se profundamente chocada com as últimas frases da Paula. A impressão era a de que recebera uma forte golfada de vento, que modificava a opinião que tinha da sua amiga de infância. Não queria que ela acabasse como Alissa. A voz calma do piloto fez-se ouvir pelo sistema de alto-falante, anunciando a
chegada: - Estamos iniciando a nossa descida no aeroporto internacional de Kahului, Maui. Neste momento, são treze horas e Vinte minutos, e a temperatura está na agradável marca de trinta graus centígrados. Esperamos que aproveitem sua estada na Ilha do Vale, e mahalo (muito obrigado) por terem escolhido as linhas Aéreas Aloha. Aloha. Paula e Cris pegaram suas bolsas. - Mas que vôo rápido! Meu cabelo está um horror! exclamou - O meu também. Você tem um espelho? - Aqui, tome, falou Paula abrindo a bolsa e mostrando seu conteúdo à amiga. As duas se pentearam, borrifaram fixador e arranjaram o Cabelo rapidamente, procurando ficar mais apresentáveis. O avião pousou tranquilamente e daí a pouco os passageiros, levantando-se, desciam enfileirados pelo corredor, em direção à saída. A atendente de vôo, vestida de muumuu e com uma gardênia presa atrás da orelha, sorria e agradecia em havaiano, dizendo mahalo, para cada passageiro. Acompanhando a multidão de passageiros, Cris, Paula e a Sr.a Miller seguiam comprimidas, dirigindo-se ao terminal, passando por um longo corredor. O olhar de Cris, entre apavorado e empolgado, sondava todos os cantos, à procura do Ted. Cadê você, Ted? -Agora, meninas, vamos ficar juntas, advertiu a Sr.a Miller. Fiquem de olho. Precisamos encontrar o Bob. Marta disse que lhe pediria que viesse nos buscar. Procurem o Bob, vocês. Eu procuro o Ted! Pararam junto ao portão automático. A única "saudação" oficial que receberam da ilha foi um vento quente que soprou na direção delas, desmanchando-lhes o penteado. Ótimo! Do que adiantou arrumar meu cabelo? O Ted viu meu cabelo se desgrenhar agora mesmo? Onde será que ele está?
Naquele instante, Cris sentiu que lhe punham algo sobre a cabeça e em torno do pescoço. - Aloha! disse uma voz amiga, vinda de trás. Finalmente chegaram. Era o tio Bob, colocando leis sobre elas, entre beijos e muita cerimônia. Cris olhou atrás de Bob, na direção da mãe, depois por cima da cabeça de Paula. E o Ted, não veio nos receber? Onde é que ele está? Afinal virou-se num giro completo. Lá estava ele. Alto e bronzeado, encostado numa coluna, um pouco afastado da agitação. Com gestos calmos, ele ergueu a mão em que segurava um lei cheiroso de flores de cor clara. Com um sorriso maroto os braços estendidos, parecia convidar Cris para um abraço. Dando passos tímidos, Cris afastou-se dos cumprimentos efusivos de Bob e entrou em outra "esfera" onde só cabiam ela e o Ted. Ele se aproximou, sorrindo, calmo, e colocou o lei em seu pescoço. Após o tradicional beijo havaiano no rosto, ela ouviu-lhe a voz vigorosa ecoar na saudação da terra: - Aloha, Kilikina! Que sonho! pensou Cris, fitando os brilhantes olhos azul-prateados do Ted. O que foi que ele me chamou? Kilikina! Que será que quer dizer? Ah, Ted, eu queria poder dizer tudo que estou sentindo neste momento! - Olha ali o Ted! disse a mãe, estourando a bolha de sabão do sonho dos dois, trazendo-os de volta ao mundo barulhento da realidade. Ted agiu imediatamente, tirando outro lei de seu braço e colocando-o no pescoço da Sr.a Miller com o mesmo gesto e o mesmo beijo aloha. - Que lindo! Obrigada, Ted. Ah, Ted! Esta é a Paula. Paula, este é o Ted. O que Cris viu naquele momento deixou-a aterrorizada. A amiga parecia imobilizada no lugar. Nem piscava. Era óbvio que só enxergava o Ted. Nada mais existia
no seu mundo, exceto o Ted. Ela não sorria. Não respirava. Os olhos estavam fitos nele. O eco das palavras que Cris ouvira de Paula no avião retornava com o furor de um vendaval que ameaçava desabar sobre ela. "Se eu não arranjar um namorado durante esta viagem..." O Ted, não, Paula! Sem essa! Pare de olhar pra ele assim! Bob quebrou o encantamento: - Então, vocês conseguiram o vôo seguinte sem problemas, falou ele, como sempre num tom calmo, bonachão. Parecia natural da ilha, trajando como estava, camisa de estampa florida, bermuda e sandálias havaianas. Ted também estava vestido como "nativo". Parecia ter passado a vida toda na ilha de Maui, e não apenas alguns dias. Sem mais, Ted colocou um lei no pescoço de Paula e deu um beijo de aloha em seu rosto. A garota se entusiasmou e passou braços em torno do pescoço dele e devolveu-lhe o beijo na outra face. Chega Paula! Afaste-se dele! Não toque mais nele! - Realmente é uma história e tanto, disse a mãe aos risos. Puseram-se então a caminho do estacionamento. Paula, cocando-se ao lado de Ted, olhava para ele com uma expressão de Miss Piggy sonhando com o Caco. Dessa vez a imagem de Miss Piggy/Caco não provocou risinhos em Cris. Ao invés disso, parecia completamente dominada por sentimentos de ciúme, inveja e possessividade. Agarrou então o braço de Ted e comentou com ar brincalhão: - Então é por isso que você disse que aos divertiríamos! Já sabia que eu vinha, não sabia? Como conseguiu guardar segredo, Ted? Paula seguiu o exemplo de Cris, pegou o outro braço de Ted e declarou com seu jeito mais exagerado: - Você tem de me ensinar a surfar, Ted! Promete que me ensina, está bem? Promete!
Eu preciso aprender a surfar. É meu maior sonho, o sonho da minha vida. Coitado do Ted, pensou Cris. Sem aviso-prévio, duas "Miss Piggy" agarraram em você. Agora depende de você, Caco-Ted. Qual de nós vai escolher? Antes que Ted tivesse oportunidade de responder a qualquer das duas, Bob interrompeu o papo: - Marta e Davidjá foram na frente no furgão com a bagagem. Nós cinco vamos ter de nos espremer no carro que alugamos. É um trajeto de uns quarenta e cinco minutos até o apartamento. - Não tem importância, disse Paula com animação. Nem dá pra acreditar que já estamos aqui! E essas flores! Com a outra mão, ela levou os dois leis ao rosto e os cheirou. - Como é o nome delas? perguntou ao Ted. Adorei! - Plumeria, respondeu ele. As grandes, brancas e rosas são plumeria, e as pequenas, branquinhas, são tuberosas. - Adorei! Têm um cheiro tão exótico! continuou a moça, ainda agarrada ao rapaz. - Você já tinha me falado da plumeria, disse Cris, puxando de leve o braço do Ted, esperando ganhar dele toda a sua atenção. Não eram essas as flores de que você sentia o perfume a caminho da escola quando você morava aqui? - Eram, disse Ted, virando-se totalmente para a Cris. Você se lembrou do que eu lhe disse? Sim, Ted! Sempre me lembro de tudo que você me disse. Não ligue pra ela; olhe pra mim, aquela que é sua amiga há mais de um ano. Não deixe a Paula interferir em nosso relacionamento. Bob parou em frente de um jipe vermelho e disse: - Vai ficar apertadinho. O que acham? Vocês três acham que irão bem ali atrás? Paula rompeu num de seus acessos de gritinhos e foi entrando no banco de trás.
- Um jipe! Que massa! Sempre quis andar de jipe! E vermelho, ainda por cima! Falo sério, gente! Vivo sonhando com isso! Legal mesmo! Dá pra acreditar? Vamos, pessoal! Tá na hora de botar o pé na estrada. Permaneceu uns instantes de pé no meio do banco traseiro, agarrada à barra de proteção como se estivesse numa corrida de jipe de praia. O vento lá no aeroporto desmanchara por completo seu penteado, e agora, com as pontas curtas espetando o ar, tinha uma fisionomia ainda mais maluca. Bob ajudou a cunhada a se acomodar no banco dianteiro e Paula sentou-se no meio do banco traseiro. Cris ficou parada no estacionamento, furiosa ao ver que Paula, com essa manobra, iria ficar junto do Ted. Este já ia tomando o banco traseiro quando tio Bob opinou: - Sabe, é só uma sugestão, mas que tal se vocês deixassem quem tem as pernas mais compridas sentar no meio? Como eu disse, vai ficar apertado e quem tem pernas compridas pode ficar com cãibras. Paula se afastou para o lado, atrás do motorista, e disse: - Você ganhou, Ted! Você tem as pernas mais compridas. Bateu a mão no banco indicando onde ele deveria sentar. Ted sentou-se. Cris entrou um tanto desajeitada e se perguntou como a Paula conseguia intrometer-se de forma tão graciosa. Bob tinha razão. O jipe era apertado e Cris, a última a entrar, descobriu que o espaço restante só dava para ela sentar de lado, com as pernas cruzadas. Felizmente, sua mãe conseguiu puxar o banco para a frente, deixando livres alguns centímetros para que ela se acomodasse melhor. Paula tagarelava, prendendo a atenção de Ted, enquanto Bob manobrava o jipe no estacionamento e descia as ruas estreitas, afastando-se do aeroporto e deixando a cidade para trás. A aventura de andar de jipe no calor deixou Cris empolgada por alguns instantes. Então, Bob pisou fundo no acelerador, voando de passagem pelos canaviais que
margeavam a estrada. O cabelo de Cris batia em seu rosto sem trégua. Era impossível ouvir qualquer pessoa falando, a não ser a Paula. Animadíssima, ela falava aos gritos, e nada a constrangia. Atenta à paisagem, perguntava ao Ted o que era isso ou aquilo, e ele respondia só para ela, depois repetia a explicação para Margaret e Cris. Ele apontou as plantações de abacaxi, uma velha usina de açúcar e o nebuloso cume do Haleakala, uma cratera de vulcão de três mil metros de altura. Chegando à beira-mar, ele apontou as ilhas vizinhas de Molokini e Kahoolawe; depois Lanai, a ilha dos abacaxis. Entraram num túnel pequeno, cavado em rocha vulcânica, e nesse instante o vento deixou sossegado o cabelo de Cris e ela tentou tirar os fios da boca e dos olhos. Paula, naturalmente, não tinha esse problema já que seu cabelo era curtinho. A viagem era cansativa mas suportável. Estar ali no jipe com Ted era uma sensação maravilhosa. Cris ficou aliviada, porém, quando pararam num sinal fechado, numa cidadezinha, e Bob disse: - Nosso condomínio fica a uns quinze quilômetros daqui. Acham que aguentam esperar até lá? - Claro! respondeu Paula falando por todos. Ted virou-se para Cris e disse: - Aqui é Lahaina. - Foi aqui que você morou? perguntou ela. - É, quando era garoto. É uma cidadezinha antiga, muito boa, com muita história. Cento e cinquenta anos atrás os baleeiros e marinheiros passavam o inverno aqui. Mas antes disso, antes de os ocidentais virem para cá, e começarem a estragar tudo, a realeza havaiana morava aqui. Eles surfavan aqui também. - É mesmo? E você, já surfou nesse lugar?
Ted fez que sim. - Eu e meu amigo Kimo íamos lá depois da aula, e os garotos mais velhos debochavam da gente porque a prancha do Kimo era comprida, pois fora do pai dele. Coisa velha, esquisita. Daí um dia um cara veio à praia e ofereceu um dinheirão para o Kimo vender a prancha. Queria colocá-la num museu. - Garanto que os meninos maiores pararam de rir dele! O sinal abriu e se puseram novamente em movimento, e o vento abafou a resposta do Ted. Mas não apagou sua expressão. Ele olhava diretamente para ela com um sorriso profundo, sincero, típico dele, realçando as covinhas do rosto. Estivera descansando os braços no encosto do banco, mas agora pousava a mão direita no ombro de Cris, comprimindo-o de leve. Cris retribuiu-lhe o sorriso, querendo relaxar-se completamente, expulsar de si quaisquer sentimentos de ciúme e rivalidade. Sentia-se desconfortável por causa do cabelo castigado pelo vento. E também porque tinha certeza de que, quando Ted apertou seu ombro, embora num gesto romântico, ele amassara as flores da parte de trás do seu lei. Vamos lá, Cris, relaxe! Você está em Maui. Para. que se preocupai com flores amassadas e cabelo desgrenhado? Ele acaba de tocar m seu ombro, não no de Paula. Está contente com sua presença! Paula não se constrangia diante de nada. Animada, curiosa continuava fazendo perguntas: - Aquilo também é cana-de-açúcar, não é? Ted concordou e apontou outra coisa no lado dela. Bob passou por diversos condomínios, até, finalmente, chegar ao deles e entrar num estacionamento subterrâneo, onde parou o jipe ao lado de um minifurgão azul-claro. Os gritos animados começaram de novo, ao entrarem no elevador. Faziam piadas
sobre o cabelo um do outro. Até mesmo o cabelo claro do Ted, que era bem curto, estava despenteado. As portas dos dois apartamentos do Bob, no sexto andar, estavam abertas e o som de música havaiana enchia o ar. - Já chegaram! exclamou Marta com surpresa na voz quando os viu entrar. Parece que faz poucos minutos que nós chegamos. David foi à piscina e eu ia telefonar para o aeroporto para saber a hora do vôo. Um instante após, Marta assumia novamente o controle do grupo, atribuindo a si mesma a tarefa de distribuir os aposentos. Cris e Paula se instalariam no quarto de hóspedes, e a mãe de Cris ficaria na suite do mesmo apartamento. Ted e David dormiriam no quarto de hóspedes do outro apartamento, ocupando lá Bob e Marta a suíte principal. - Onde está a minha bagagem? indagou Paula. Quero me trocar e correr para a praia! Marta indicou o lugar e Paula virou-se para o Ted: - Ah, "seu" instrutor de surfe, está pronto para a primeira ala? - O grande instrutor de surfe kahuna, interveio Bob, tem a tarefa de colocar papel de parede hoje à tarde. Vocês, meninas, podem ir à piscina. Vamos levar mais umas duas ou três horas para terminar de colocar papel na parede do banheiro. - É, disse Ted. Duas ou três horas havaianas. - O que é isso? perguntou Cris. - Você vai saber já, já. As pessoas aqui estão no "tempo da ïlha". Duas ou três horas no tempo da ilha acaba sendo metade de um dia do tempo normal, explicou. Aí, olhou para Cris, deu um sorriso e acrescentou: - O grande chefe kahuna disse que posso tirar folga amanhã se trabalhar bem hoje. Quer ver o que fizemos até agora? Cris seguiu o Ted pelo apartamento, admirando as paredes recém-pintadas e ouvindo
suas explicações sobre como fora complicado remover três camadas de papel de parede no corredor. Era visível o orgulho dele pelo trabalho que fizera, e ela estava gostando disso. O rapaz voltou ao trabalho, em companhia do Bob, e Cris retornou à sala. Dali dava para ouvir as risadas de Paula. Ela e David tinham começado uma guerrinha de água na piscina, lá embaixo. Sua mãe e Marta achavam-se na sacada, chamada lanai, observando o oceano Pacífico com sua coloração azul turquesa. Cris se aproximou delas, respirando o ar úmido e tropical, notando o céu azul perfeito. Tudo era exatamente como ela imaginava que seria no Havaí: palmeiras esguias balançando, a brisa, a areia cor-de-caramelo beijada pelas ondas rendadas de branco, espreguiçadeiras ao lado de uma piscina cintilante, e Paula nadando com seu novo biquini rosa-shocking. Paula no novo biquini rosa-shocking! O primeiro impulso de Cris foi bem "fraterno": contar à mãe. - Mãe, principiou com determinação, preciso falar uma coisa com você. - Sim? fez a mãe parecendo surpresa, provavelmente porque Cris não costumava dirigir-se a ela de modo tão categórico. - Quer que eu saia? perguntou Marta. - Não, é algo que as duas precisam saber. É sobre Paula. Sua mãe e sua tia deram-lhe toda atenção. - Primeiro, achei o maiô velho dela na roupa suja ontem à noite. Coloquei na minha mala porque não sabia se ela tinha esquecido ou apenas não queria trazê-lo. - Mas eu lhe comprei um novo, disse Marta olhando pela beirada da sacada. Ela está usando o novo; qual o problema? Cris olhou para a mãe procurando apoio. A mãe explicou que havia falado com Paula que ela deveria vestir a peça inteiriça
quando estivesse nadando em companhia dos rapazes. - Acho que a mãe dela iria desejar que vestisse um maiô mais decente em vez daquele biquini rosa-shocking. Marta caiu na gargalhada. Não podia acreditar que sua irmã fosse tão quadrada. - Perto dos rapazes! Mas que negócio é esse! É o David que está nadando com ela! Ele ainda nem sabe a diferença entre homem e mulher. Certamente ela não precisa usar uma peça inteiriça por causa dele! Margaret nada respondeu. Cris tentou explicar para a tia. - Não importa se é o David ou... Caco, o sapo! O fato é que ela disse que usaria o maiô pra nadar, mas o deixou lá em casa. Acho que foi de propósito, porque nem deu falta dele quando foi se trocar pra nadar. Simplesmente vestiu o rosa e está nadando com ele. Marta lançou sobre Cris um olhar que a fez sentir-se uma abominável delatora. - Acho o traje dela perfeitamente normal. Você é que está sendo urn pouco infantil, Cristina. Será que está com inveja do lindo corpo de Paula? Cris fez que não entendeu a pergunta e percebeu que não iria conseguir nada com Marta na questão do maiô. E não queria tampouco ser comparada com a Paula. - Então esqueça o maiô. O que eu queria falar mesmo é o aconteceu no aeroporto. Na verdade não fomos perseguidas por ninguém. Paula achou que tinha visto um ator de cinema, começamos a segui-lo. Aí nos perdemos. Foi tudo por nossa culpa. Cris sentiu-se melhor depois de contar o que realmente acontecera. O que a deixou confusa foram as reações de sua mãe e de Marta. A mãe deu de ombros. - Não sei o que dizer, falou. Afinal, acabou dando tudo certo. Acho que o maior problema, na verdade, foi a Marta ter deixado as duas saírem sozinhas.
- Elas só iam comprar chicletes, Marta justificou-se. Eu achava que elas tinham idade e responsabilidade suficientes para isso! - Num aeroporto, Marta? Não lhe ocorreu que fosse um pouco arriscado, que elas poderiam se perder? A mãe agora parecia zangada, não com a filha, mas com a irmã, que retrucou: - Se você não tivesse chegado tão atrasada no aeroporto, nada disso teria acontecido! Teríamos tido bastante tempo para tudo. Não tente botar a culpa em mim, porque foi você quem se atrasou! Seguiu-se uma pausa estranha. A mãe de Cris ergueu as mãos num gesto de resignação, e silenciou. Cris ficou imaginando quantas vezes, no decorrer dos anos, sua mãe não se submetera à irmã dominadora. - Cris, disse Marta açucarando a voz já sob controle, parece-me que você está experimentando uma espécie de inveja de irmã aqui no caso de Paula. Isso é de se esperar. Afinal de contas vocês cresceram juntas. Depois ficaram separadas muito tempo, e assim seria fácil implicar com ela, simplesmente porque ela é diferente de você. Mas isso não é justo com a Paula, não acha? Você. está falando sobre eu e a Paula ou sobre você e minha mãe? pensou Cris acenando de leve com a cabeça, pois sabia que Marta esperava esse gesto. - Agora, continuou Marta aprumando os ombros e levantando o queixo, estamos num paraíso e sugiro que deixemos de lado as diferenças passadas e só pensemos em nos divertir juntos esta semana. Com um sorriso largo e um ar de confiança que repercutiram como uma pontada no coração de Cris, Marta virou-se para a irmã e disse: - Que tal arranjarmos algo para beber? Coca diet? Cris, é melhor você descer até a piscina e começar a se divertir.
Cris observou a mãe seguindo Marta obedientemente até a cozinha, deixando-a sozinha no lanai. Veio-lhe à mente uma porção de palavras iradas, que ela não disse, mas que lhe provocaram uma pressão na boca do estômago. Vocês não estão entendendo! Isso é muito sério! Paula está falando mentiras e se saindo bem. Ela quer um namorado - o meu namorado - e pretende fazer qualquer coisa pra voltar pra casa com uma "vitória" pra ter o que contar às suas amigas. - Você não vai para a piscina, Cris? insistiu Marta, da cozinha, com voz aguda. Cris teve vontade de gritar: "Não! Pare de tentar dirigir minha vida!" Mas segurou a língua, controlou-se e passou pela mãe e pela tia sem olhar para elas. Dirigindo-se ao apartamento ao lado onde estavam suas coisas, Cris deitou-se no sofá. Vou mostrar a Paula que perto de mim ela não vai poder bancar engraçadinha! Pode até conseguir enrolar os outros, mas a mim, não! Sei exatamente como ela é. E o Ted também vai ficar sabendo! De um salto, Cris foi direto à mala e tirou o maiô que amiga "esquecera", e colocouo no meio da cama dela.
“Meus Dezesseis Anos!” 6 - De onde veio isso aqui? perguntou Paula em tom de acusação, apontando para o maiô velho estendido na cama. Ela e Cris haviam regressado da piscina naquele instante. - Achei lá em casa, respondeu Cris fingindo inocência. Pensei que talvez você tivesse esquecido e trouxe. Agora você terá um maiô pra natação, já que só ia tomar sol de biquini. Paula nada respondeu, mas seu rosto revelava que internamente estava fervendo. O resto da noite ela não ligou para a Cris e se esforçou ao máximo para ser simpática a todos, principalmente ao Ted. Bob levou-os para jantar num restaurante de frutos do mar, que ficava bem próximo do condomínio, de modo que foram a pé. O ar ainda estava tépido, como na hora em que chegaram. Uma brisa doce soprava as mangas curtas da camisa azul de Cris. Ted ia à frente do grupo, ao lado de David, e Cris na traseira com o tio Bob. Paula acabou no meio, entre Margaret e Marta, conversando e rindo alto para todos ouvirem. No restaurante, Bob, Margaret e Marta se sentaram numa mesa, e Ted, Cris, Paula e David ficaram em outra. - Podem pedir o que quiserem, disse Bob. - Quero macarronada ou hambúrguer, disse David. - David, a especialidade deste restaurante é frutos do mar corrigiu Cris. Você tem de pedir peixe como todo mundo. - Eu é que não vou comer peixe. Detesto peixe! anunciou Paula.
- Talvez você goste do peixe daqui, disse Ted, examinando o cardápio. Eles têm uma variedade muito grande e é tudo bem fresquinho. Quer experimentar opakapaka? Ou, que tal um hapu'upu'u? - Não, obrigada! Tenho uma regra: não como nada que não consiga pronunciar! replicou ela dando um sorriso engraçadinho. Em seguida fechou o cardápio e declarou: - Quero o filé New York, ao ponto, e é isso aí. - E você, Cris? indagou Ted. Ele estava ao lado dela e involuntariamente Cris já esbarrara no joelho dele duas vezes. Agora que ele a fitava e ela enrusbeceu. Ou quem sabe o calor que lhe subiu ao rosto seria do sol que tomara na piscina? - Qual foi o primeiro que você disse? - Opakapaka, repetiu o rapaz e aproximando-se mais, confidenciou: Não diga nada a Paula, mas é corvina, e.hapu'upu'n é perca. Ted sorriu e Cris retribuiu o sorriso. Peixe não fazia a cabeça dela. Ademais não conhecia nem corvina nem perca; como ia saber a diferença de gosto entre eles? - Já decidiram? indagou o garçom surgindo de repente junto deles. Cris precisava de mais tempo. Todos já haviam escolhido, mas ela detestava agir sob pressão, principalmente quando não conhecia bem o cardápio. David pediu hambúrguer; Paula, filé; e Ted escolheu um prato chamado mahimahi, grelhado com rodelas de abacaxi. Agora era a vez de Cris. - Acho que eu também vou querer filé, ao ponto, por favor Fechou o cardápio e o entregou ao garçom. - Está vendo? falou Paula em tom zombeteiro. Você acabou concordando comigo. Não se deve pedir nada que não saiba pronunciar. A observação soou como uma bofetada em Cris. Mais uma vez, ela parecia estar
dizendo: "Eu estou certa e você, errada." O comentário que Ted fez a seguir também não melhorou as coisas. - Estou vendo que vocês três não querem viver perigosamente. Vou ter de ensiná-los a relaxar e viver 'da kine como nas ilhas. - Eu gosto de me aventurar, Ted. Verdade! disse Paula. Só que você tem de me ensinar. Se eu puder impedir, Ted não vai lhe ensinar nada. Fique longe dele, Paula! - Acho que ninguém pode ensinar os outros a se aventurar, disse Ted com jeito sério. Ou a gente é aventureiro, ou não é. Isso não se aprende. E viver 'da kine, no estilo das ilhas, é algo que simplesmente se faz. Não dá pra ensinar ninguém a viver descontraído. - Por que você diz esse 'da... o que é mesmo? perguntou David. - 'Da kine, respondeu Ted. É o jeito como eles falam "o tipo" no jargão daqui, e que no Havaí quer dizer quase qualquer coisa. - Que é jargão? quis saber o garoto. - Gíria; sabe, um jeito tranquilo de falar. Acho que o jargão local é uma mistura das línguas de todos os povos que vieram ao Havaí. É o jeito que eu e os meus amigos conversávamos quando eu morava aqui. Não na escola. Só entre nós. - Como um código secreto? - É mais que isso. Falar e entender o jargão é um jeito de mostrar aos habitantes deste lugar que a gente também mora aqui, não somos apenas um malihini, um turista que está de passagem. O garçom chegou com quatro travessas perfeitamente equilibradas no braço. O filé de Cris estava muito mais que "ao ponto", mais para queimado. Ela comeu um pouco, mas acabou desistindo quando o queixo começou a doer de tanto mastigar. O peixe do Ted parecia maravilhoso: uma posta grande de peixe branco com rodelas
de abacaxi. Cris desejou ter pedido o mesmo. Da próxima vez, vou acompanhar o Ted e fazer o que ele fizer. Se Paula tem o princípio de não comer aquilo que não pode pronunciar, vou ter um também. Vou pedir o que for a especialidade, do restaurante. Se for "churrascaria" peço carne, mas se for "frutos do mar" peço algo que venha da água! David queria sobremesa, mas a mãe disse não, porque ele ainda não terminara seu hambúrguer. Cris só queria uma camida macia. Fora um dia cansativo, aquele, e estavam exaustos demais. Na volta ao apartamento passaram direto pela televisão Sem muita conversa, Paula e Cris, tão logo pularam na cama, já viajavam pelo mundo dos sonhos, sob o rumor das ondas que lhes chegava lá de baixo. Ao abrir os olhos e receber em cheio o impacto daquela clara manhã de sol, Cris teve a nítida impressão de que dormira apenas uma hora. Um instante depois estava definitivamente desperta. O que via ao redor de si era o próprio "dia seguinte", e não um doce prolongamento dos sonhos que tivera. Aliás, sonho mesmo era este que ela vivia nesse instante, sonho de quem sonha acordado, com um oceano marulhando sob a janela, e um leve sopro de brisa matinal afagando-lhe o rosto. Estamos no Havaí e hoje é... ei! Hoje é o meu aniversário! - Paula! murmurou Cris para o monte de lençóis na cama do outro lado do quarto. Paula, acorde! Paula não estava na cama, nem no banheiro. Cris vestiu rapidamente um short e uma camiseta, e foi verificar o quarto de sua mãe. Vazio também. Devem estar todos no outro apartamento, concluiu, enquanto lavava o rosto e dava um toque de rímel nos cílios. Sorriu diante da própria imagem no espelho. Talvez pretendam me fazer uma surpresa de aniversário durante o café.
Pensando nisso, pegou o ferro de ondular o cabelo e depois foi procurar uma blusa mais bonita. Escolheu uma vermelha. Certa vez o Rick dissera que gostava dela de vermelho. Rick! Não acredito que me lembrei do Rick! Estou no Havaí com o Ted, no meu aniversário. O que é que estou fazendo, pensando no Rick? Lembrou-se então do motivo. Durante meses, Rick, um moço alto, bonito, popular, seu colega de escola, dissera que, assim que ela tivesse idade de namorar, ele sairia com ela. E acrescentou que nunca se esqueceria do seu aniversário, 27 de julho, porque tinha marcado no calendário. Cris continuou a arrumar o cabelo, lembrando-se dos seus altos e baixos com o Rick durante o ano letivo. Não sabia bem se gostava dele ou não. O que aconteceu, no entanto, é que ele viajara com sua família à Europa, e ela viera parar justo em Maui. Muito conveniente! Ficava agora cancelada, quem sabe para sempre, a saída com ele no tão esperado aniversário. De certa forma, ela se sentiu aliviada. Rick, que acabara de se formar, entraria para a faculdade no próximo ano letivo, iria estudar em outra cidade, e ela seria apenas uma lembrança de colegial. Eram tantos e tão complicados os sentimentos que nutria em torno dele! Podia agora jogá-los no esquecimento, connfirmando de vez o fato de que haviam sido "apenas amigos". Guardando o ferro de ondular o cabelo, Cris olhou-se no espelho. Tentou um daqueles olhares que o Rick chamava de 'olhos de matar". Levantando o queixo, com voz suave e clara, disse: Está bem, Cristina Miller, tente explicar essa aí. Se o Rick nada significa pra você, e nunca significou, por que é que no dia em que faz dezesseis anos, podendo pensar em qualquer coisa, foi pensar primeiro Rick Doyle? Ele está longe, Cris. Devia estar longe dos seus pensamentos hoje. certeza de que nem se
lembra mais de você. Mas o Ted está aqui, não é mesmo? Agora vá até o apartamento ao lado e aja como Uma linda jovem de dezesseis anos. Deixe o Ted, não o Rick, fazer com que este aniversário seja inesquecível. Após três breves batidinhas no apartamento de Bob e Marta, Cris tentou abrir. A porta estava apenas encostada e ela entrou saltitando: - Bom dia, pessoal! Silêncio. Sentiu-se como a própria "Cachinhos de Ouro" da história dos três ursos. Com voz bem mais suave, perguntou: - Alô? Vocês já acordaram? Ah, que divertido! E se eles estiverem escondidos no canto, esperando me surpreender? Naquele instante, a maçaneta da porta do quarto girou e Cris preparou-se para a surpresa. Bela surpresa! Bob, de pijama e roupão, saiu, bocejando como um "Papai Urso", olhos meio fechados e cara sonolenta. -Ah, Cris! Eu não a vi. Bom dia! falou bocejando mais uma vez. Tão cedo e já de pé - que foi que houve? Ele foi até a cozinha, e ela o seguiu. - Pensei, quer dizer, é que... a Paula e minha mãe não estão lá e pensei que elas tivessem vindo pra cá. Bob mediu o café no moedor e ligou o aparelho. O maravilhoso aroma do café encheu o ar. - Não. Ouvi os meninos saírem mais de uma hora atrás. Suponho que o Ted tenha ido surfar como faz todos os dias. Não sei onde os outros estão. Cris puxou um tamborete e sentou-se perto do balcão, tentando entender o que se passava. Procurou também nãe revelar seus sentimentos feridos, enquanto Bob abria a porta para deixar entrar o sol e a brisa. - Lindo dia, disse ele, respirando o ar fresco. Não podia ser mais perfeito que isso.
Tá com fome? - Não, obrigada. Não tenho vontade de comer. - Quer café? - Não, replicou, mas em seguida algo fez com que mudasse de idéia. Bem, sim, falou, talvez eu aceite. Têm leite e açúcar? Ele entregou-lhe tudo, e Cris preparou sua primeira xícara de café. Gostava do cheiro mas nunca o tomava, pois as vezes que o experimentara antes achara-o amargo. Mas tentaria colocar bastante leite. Já estava na hora de aprender a tomar café. O primeiro gole foi horrível. Acrescentou mais leite. Não adiantou. Colocou mais açúcar. Afinal a mistura ficou doce demais, parecendo um néctar quente para beija-flor e ela conseguiu sorver alguns goles. Bob partiu um mamão, retirou as sementes negras, e pingou sumo de limão, e foi comendo às colheradas. - Então, me diga. Ainda não sei. Você já passou no exame de motorista? - Ainda não fiz. - Pensei que fosse fazer no seu aniversário. - Hoje é meu aniversário, respondeu Cris sentindo vontade de chorar. Antes que o fizesse, porém, Ted e Paula entraram pela porta, riindo e parecendo compartilhar com ela aquela singular manhã de aniversário que só ela e Ted - assim pensara Cris - deviam estar gozando na companhia um do outro. Ted vestia um calção folhado e Paula o biquini rosa-shocking com uma toalha amarrada na cintura. Seu cabelo molhado indicava que estivera nadando com Ted. David, também molhado, os acompanhara. Pelo menos estivera com eles. O que ajudava, é claro, mas não abrandava a raiva e a chateação de Cris. - Cris, você devia me ver! Quase consegui ficar em pé na prancha. Se tentasse mais
algumas vezes teria conseguido. Vamos ter de tentar de novo amanhã, ou talvez hoje mesmo, mais tarde. Você devia ter vindo! Foi tão legal! Adoro o mar! Você tinha razão, Cris, a água é quentinha. - Acho que eu ia gostar, se tivesse ido, disse Cris sem ânimo, tentando reprimir um mar de emoções. - Tentei acordá-la, disse Paula, afofando o cabelo com os dedos sem perceber que estava salpicando o rosto de Cris com areia e água salgada. Você simplesmente virou para o outro lado e me mandou embora, então fui. Entenda isso, Cris: você é uma pessoa de hábitos noturnos. Tem de mudar e tornar-se uma pessoa matinal, como eu e o Ted, pelo menos enquanto estivermos aqui! concluiu com um largo sorriso para o Ted. Ele retribuiu o sorriso e serviu-se de café. Em seguida acrescentou: - Ela é ótima nesse negócio, Cris. Você tinha de ver. Tem um senso natural de equilíbrio. E eu sou muito sem jeito. Pode dizer, Ted, diga! Você mal conseguiu que eu me equilibrasse numa prancha "boogie" nas férias passadas! Eu não tenho mesmo um senso natural de equilíbrio. Vamos, diga, fale pra todo mundo que sou desajeitada e que a Paula é graciosa! - Voltamos porque os meninos estavam famintos, explicou Paula. Ted disse que vai nos levar para uma pesca submarina num criatório natural de peixes. Ele disse que eles gostam de ervilhas congeladas. Não é uma loucura? A jovem continuou tagarelando, e o jeito como falava acabou deixando Cris irritada. - Topo qualquer aventura. E você? Cris lembrou-se do comentário de Ted no restaurante, na noite anterior, quando disse que ela e a Paula não topavam novas aventuras. Agora dava para perceber o jogo da amiga. Ela estava tentando provar ao Ted que era corajosa e que Cris era uma "dondoquinha" medrosa.
- Ah, estou empolgadíssima! Vai ser legal demais! Ted disse que conhece um lugar onde podemos alugar o equipamento de pesca submarina. Nós pegamos um pra você também, se quiser vir conosco. Quer vir, Cris? Quer vir conosco? - Não, não quero nada com pesca submarina! disse Cris, em alto e bom tom. Prefiro ficar aqui mesmo, passar meu aniversário sozinha no quarto. Todo mundo ficou em silêncio, olhando para a cara dela. A intensidade, a vergonha, a ira do momento fizeram com que Cris saísse do seu lugar e corresse porta afora, na direção do outro apartamento. - Cris! gritou a mãe, quando a viu passar em disparada, correndo para o quarto. - Cris! falou a mãe seguindo-a e parando ao lado da cama, onde a moça se jogara de cara no travesseiro. Que foi que aconteceu? Fui dar uma caminhada na praia e quando cheguei, você tinha saído. Qual é o problema? - Eu! replicou ela chorando. Eu é que sou o problema. Está tudo errado comigo. Por que sou tão chata? A mãe sentou-se na cama e colocou a mão de leve nas costas da filha. - Você está diferente, Cris. O que foi que aconteceu? Ela não respondeu. - Tem alguma coisa a ver com a Paula? continuou a mãe. - Qual delas? perguntou a garota entre soluços. A que eu conhecia ou a nova versão melhorada, a "mulher aventura", que amarrou o Ted no seu dedo mindinho? - Então é isso, disse a mãe, afastando a mão. Escute bem, Cris, não vale a pena perder uma amiga por causa de um rapaz. É bobagem você ter inveja da Paula. Na verdade, estou até surpresa. Sempre tive orgulho do relacionamento bom e equilibrado que você mantém com o Ted. - Bem, e se o Ted preferir um relacionamento bom e equilibrado com a Paula em vez de tê-lo comigo?
- É possível. Tudo bem, se for o caso, replicou a mãe com paciência. Cris virou-se de frente para ela e a encarou: - Não, não está nada bem! Você não entende. A Paula está afim de arranjar um namorado, por isso está armando alguma pra cima do Ted. - Cris, você está exagerando. - Não, mãe. Você não entende. Cris tentou pôr os pensamentos em ordem para explicar à mãe tudo que sabia. Mas ela não daria importância. Não deu quando contara sobre o maiô e da correria atrás do ator de cinema no aeroporto. Cris notava, pelo jeito como sua mãe sorria, que nada do que dissesse teria importância, não faria diferença. - Cris, vou lhe dar um conselho, que minha mãe me deu quando eu era um pouco mais velha que você, principiou ela mas logo parou para pensar direito nas palavras. Se o destino seu e do Ted é ficarem juntos, nada nem ninguém poderá separa-los. Se não é, nada do que você fizer adiantará. Cris revolvia na cabeça as palavras da mãe, e depois indagou: - A vovó disse isso quando você e o pai estavam namorando? - Não, na verdade eu estava chorando por causa de um rapaz de que gostava, chamado Charles Clawson. - O que aconteceu com ele? - Ele acabou casando-se com minha melhor amiga, a Pat. - Maravilha, mãe! Você devia era me animar e não desanimar. A expressão da mãe era de quem esperava que Cris gostasse da história. - Não está entendendo? Deus tinha outra pessoa melhor para mim, que era o seu pai. Na época eu não sabia, porque ainda não o tinha conhecido. Só sabia que gostava muito do Charles e queria que ele gostasse de mim.
Cris suspirou fundo e exclamou: - É difícil, mãe. É muito difícil. - Eu sei. E não dificulte ainda mais as coisas, está bem? Um instante após, Cris se aprumou e disse: - Está bem, vou tentar. É melhor eu ir lá e pedir desculpas a todos. - Vou com você. Quero ver se o Bob ainda tem café. Dá pra sentir o aroma daqui. - Gente, quero pedir desculpas a todos, anunciou Cris para o grupo reunido em torno da mesa da varanda, comendo ovos mexidos e torradas. Eu não devia ter agido daquele jeito. - Não se preocupe! disse Paula, arrastando sua cadeira para mais perto da do Ted para dar lugar para a Cris. Se todo mundo se esquecesse do meu aniversário, eu teria feito um escândalo ainda maior! - Feliz aniversário, Cris! disse Bob, dando-lhe um beijo no rosto. Sente-se e vamos tentar começar de novo esta manhã maravilhosa. Garanto que será um aniversário feliz. Quer ovos? - Claro, parece que está ótimo, disse ela, puxando a cadeira para junto da mesa e pondo-se a escutar a conversa. Estavam fazendo o planejamento para as atividades do dia. Em vários momentos Ted procurou atrair-lhe a atenção com o olhar como se tentasse dizer-lhe ou perguntar-lhe alguma coisa. Ela não sabia o quê. Mas apesar de não saber, isso fez com que se sentisse mais ligada a ele. Deu-lhe esperança de que o rapaz quisesse continuar a manter com ela aquele "relacionamento bom e equilibrado", e que não desejasse nenhum compromisso mais sério com Paula. Só teve oportunidade de falar a sós com ele à tarde. Os sete entraram no furgão e foram fazer pesca submarina numa praia que Ted disse chamar-se "Rocha Negra" por
causa da pedra de "lava" vulcânica que adentrava a água. A pedra era bem alta e a água funda o bastante para que muitos turistas seguissem o costume havaiano de mergulhar pulando da pedra. Ted deu uns três ou quatro mergulhos e tentou convencer o David a fazer o mesmo, mas o garoto ficou com medo de pular e voltou à praia. Cris adorou nadar no fundo. Jogou ervilhas na água e ficou esperando que os peixes viessem comer em sua mão. Aos poucos, eles foram chegando. Cris ficou maravilhada com tamanha profusão de cores. Mais tarde, deitada numa bóia grande, flutuava nas águas calmas. De repente Ted pôs a cabeça fora d'água próximo a ela. - Você viu aqueles amarelinhos? perguntou, tirando a mascara. - Gostei principalmente dos azuis e amarelos. Parecem iridescentes debaixo d'água. Ted concordou e em seguida, com seu jeito direto de sempre, idagou: - O que é que estava acontecendo hoje de manhã? - Como aásim? - Você deu a entender que estava zangada sobre seu aniversário, mas na verdade era outra coisa que a estava perturbando. - Não, não era nada. - Cris, falou Ted descansando os braços no lado da bóia, você não sabe mentir. Seus olhos revelam tudo. Ela inclinou o dorso para trás e fechou os olhos, dizendo: - Eu só estava cansada. -Ah, é? exclamou o rapaz. Em seguida virou a bóia e jogou-a na água. Cris veio à tona em meio a risos e espirros d'água, enquanto Ted tentava subir à bóia. - Não, senhor! Isso, não! disse ela, tentando derrubá-lo dela mas sem sucesso. Ambos riram, espirrando água um no outro. Cris passou por baixo da bóia e tentou
tomá-la dele. Ele enfiou a mão na água, agarrou-a pelo pulso e puxou-a para cima. - Está bem. Ficamos os dois juntos. Ted entrou na água e descansou os cotovelos numa extremidade da bóia, e Cris fez o mesmo do outro lado. Não falou nada, mas seus olhos diziam tudo. Entendia o que ele estava perguntando e sabia que não poderia mentir. - Está certo. A Paula está me apoquentando. Ela está muito diferente de quando éramos amigas lá em Wisconsin. - Você também mudou. - É, mas eu mudei pra melhor quando aceitei a Cristo no ano passado. Sei que parece egoísmo, e reconheço que não sou perfeita agora, nada disso. Ted sorriu. Cris, parecendo adivinhar o que passava pela mente dele, acrescentou: - É. E parece que demonstrei isso hoje cedo, hein? - Ninguém é perfeito, Cris. - Certo, mas o problema da Paula é que ela não está nem um pouco preocupada em ter uma vida correta. Eu queria que ela se convertesse. Tenho medo que acabe como a Alissa. - Que acabe como a Alissa? Deus ainda não terminou com a Alissa. - O que você quer dizer? - Bem, veja o Sam por exemplo. Ele acabou. Não tem mais escolha. Morreu. Dito assim, aquilo parecia tão brutal. Cris se contraiu interiormente, e esperou que o Ted continuasse. - Sabe, orei pelo Sam diariamente durante mais de um ano. Até onde sei, ele morreu sem entregar a vida a Cristo. E agora... continuou Ted olhando pensativamente o horizonte... acabou para ele. Tem uma palavra em havaiano, pau, que significa isso. - Pau, repetiu Cris.
- Sim, pau. Quer dizer acabou, está terminado, não tem mais chance. O Sam é pau. Mas a Alissa, não; nem a Paula. Cris mexeu as pernas na água morna, sentindo nas costas o calor do sol. Agora entendia o que ele estava querendo dizer. - Tenho orado pela Alissa, continuou Ted. Todos os dias. - E você acha que eu devia estar fazendo o mesmo pela Paula? Orando por ela? Ted concordou, sorrindo. - E amá-la do jeito que ela é, sem esperar que ela seja como você quer. - Mas isso é muito difícil, Ted. Queria muito que ela se tornasse cristã. - Ótimo! Também quero que ela se converta. Sabe, na verdade é a bondade de Deus que nos leva ao arrependimento, não o castigo. Temos de começar a orar, Kilikina. Cris se lembrou de que Ted dissera essa mesma palavra no aeroporto. - O que quer disser isso? - Kilikina? É seu nome em havaiano. Significa "cristã". "Cris" seria Kiliki. Do modo como ele falou, parecendo rolar os sons pela língua, a palavra lembrava o canto de uma ave silvestre. Cris gostou do jeito como ele a pronunciou. - Fala de novo. - Kilikina. - Como você sabia? Ted baixou os olhos, como se estivesse envergonhado de responder. - Quando eu estava na terceira série primária, tinha uma menina haole... - Haole? O que é isso? interrompeu Cris. - Uma pessoa branca. Sabe, loira, pele clara, olhos azuis. Obviamente não era polinésia. Só tinha quatro haoles na minha classe: eu, mais dois caras e essa menina, cujo nome era Cristina. Ted olhou para a Cris e deu um sorriso maroto, como o de um garoto
de nove anos. - Eu estava apaixonado por ela. Na sala de aula, a professora nos chamava por nossos nomes havaianos, e Kilikina foi o primeiro que aprendi. Mais uma vez, Cris pensou no quanto ele era lindo, o sol brilhando em seu cabelo, os cotovelos apoiados na beirada da bóia, contando a história do seu primeiro amor infantil. - E o seu nome em havaiano? Ele hesitou ligeiramente e em seguida sorriu e disse: -Koka. - Koka? - Sim, eu detestava quando os meninos me chamavam de Koka Cola. Cris deu uma risada e notou que alguém fazia sinais na praia, para que voltassem. - Aquele ali é o meu tio? Ted olhou na direção indicada apertando a vista devido à claridade do mar. - É, parece que ele quer que a gente saia. Vamos lá, eu a empurro até lá. O momento a sós com ele acabara depressa demais para a Cris. Cada vez que conversava com o Ted, ficava sabendo mais alguma coisa sobre ele, e os dois se tornavam mais amigos. Deitada de bruços na bóia, fitou a enseada brilhante, a praia em curva pontilhada de turistas; e depois os hotéis, e atrás deles as altas montanhas de Maui com seu halo de nuvens brancas parecendo florzinhas. Sempre me lembrarei deste dia. Para sempre. Nunca imaginei que estaria passando o dia do meu aniversário de dezesseis anos numa ilha tropical com o Ted. Alguém me belisque; devo estar sonhando! Não foi preciso que alguém lhe desse um beliscão. Naquele exato momento, o Ted
virou a bóia e o banho no fundo foi evidência suficiente de que ela estava acordada. Ficaram atirando água um no outro, e afinal Cris voltou a sentar-se na bóia. Segurando firme, disse: - Oi, seu moço, me leve à praia, e nada mais de brincadeiras. Ele parecia uma tartaruga marinha, colocando a cabeça fora da água a intervalos regulares, enquanto ia puxando a bóia de Cris até a praia. A jovem ria alto, perguntando-se como pudera ficar tão irritada de manhã e por que pensara que Paula poderia intrometer-se entre ela e Ted. - Marta e sua mãe já foram para o carro, disse Bob, meio sem fôlego, o corpo brilhando pela água salgada, quando chegaram onde estavam as toalhas. O David está daquele lado tentando pegar algum peixe e Paula está ali adiante, conversando com uns rapazes. Precisamos ir embora. - Que é que vamos fazer hoje, no jantar? perguntou Cris. - Isso vai ser uma pequena surpresa, respondeu o tio dando uma piscadela. Cris, você pode ir lá chamar a Paula? Ted, você chama o David, está bem? Cris correu até onde Paula se encontrava sentada, num, esteira ladeada de dois rapazes. Pelo jeito, estavam gostando do papo. Paula apresentou-os: Jackson e Jonathan. Eram de um. banda chamada Teralon. - Temos de ir, disse Cris em tom educado. Foi um prazer conhecê-los. - Hoje vamos a um luau, explicou Paula, pondo imediatamente a mão na boca, os olhos de boneca quase saltando do rosto, e acrescentou com jeito maroto: Êpa! Faz de conta que não ouviu nada, Cris. - Ih, Paula! Agora você está em maus lençóis, brincou um dos rapazes. - É melhor ir logo. Talvez a gente ainda se encontre. - Nunca se sabe, disse o outro cara quando Cris e a amiga se afastavam. Se não for aqui, espero que seja no céu!
- Eles são cristãos? perguntou Cris, olhando por cima do ombro e dando um "tiau" amistoso. - E como! Com tanto homem na praia, tive de encontrar logo dois doidos por Jesus pra conversar. São muito bonzinhos, mas só queriam falar no "Senhor", comentou Paula abanando a cabeça. Primeiro foi o Ted hoje cedo, com uma porção de ensinamentos espirituais, e agora esses caras aí. O que é que há? Cris deu um sorriso largo, e teve de exercitar muito auto-controle para não cair na gargalhada. Mas Paula viu o sorriso e perguntou: - O que foi? O que foi? Cris não precisou dizer uma palavra. Paula chegou à mesma conclusão que ela. Com voz de quem se aborrecera, exclamou: - Não me venha dizer que meu encontro com esses caras na praia foi uma "coisa de Deus"! - Está bem, Paula, replicou ela ainda sorrindo. Não vou dizer.
Vamos Lá, Cris, Mostre Como se Dança a Hula! 7 - Vamos lá, Cris, disse Ted. Experimente um pouco de poi. Põe dois dedos nele, assim. Ted colocou dois dedos na pequena tigela de cabaça de madeira, no meio da mesa, e levou uma substância cinzenta e gosmenta à boca. - Parece melequento demais, disse Paula, fazendo careta. Tem gosto de quê? Ted lambeu os lábios e enfiou os dedos novamente na tigela. - Gosto de... hum!... Gosto de poi! É isso aí. Tem gosto de poi Vamos, Cris! A aniversariante que vai a um luau tem de comer poi. Cris tomou coragem: meteu o dedo na massa e em seguida levou-a aos lábios. - Que que é isso, afinal de contas? - Os antigos havaianos comiam. Vem da raiz de uma planta chamada taro. Eles a amassam até ficar assim. Cris provou o poi, que tinha a cor e consistência da cola de papel de parede. Do outro lado da mesa, Paula observava sua reação. - Não tem gosto nenhum, falou Cris virando-se para o Ted, que estava ao seu lado. Você comia sempre essa coisa quando morava aqui? - Já comi muito. Bob, tem bastante poi aí do seu lado? Bob, Marta, Margaret e David, todos esticaram a mão ao mesmo tempo para pegar a tigela de poi. Marta foi a primeira a dizer: - Aqui, Ted! Pode comer o nosso todo.
Todos riram e o clima alegre continuou. Cris resolveu aventurar-se e provar coisas que geralmente não comia, como manga em salada de fruta e carne de porco desfiada, enrolada folhas de ti, que Ted chamava de laulaus. Paula, sem o mesmo espírito aventureiro, não comeu quase nada, exceto arroz branco. Parte de seu problema era a queimadura de sol. Cris, obedientemente, passara protetor solar o dia todo, mas Paula se recusara, dizendo que ela se bronzeava com facilidade e nunca se queimava. Não atendeu nem mesmo aos avisos de Marta. Parecia querer se encharcar do sol do Havaí, exibindo sua pela branca na praia, no biquini rosashocking. Quando estavam se aprontando para o luau, Cris tinha passado gel de aloé vera e agora no frescor do sol poente estava só um pouquinho queimada nas costas. Mas o rosto de Paula estava vermelho demonstrando que ela havia tomado muito sol. Até os lábios e os olhos haviam inchado. E devia estar doendo muito, apesar de ela ter dito, quando iam para o luau, que só estava um pouquinho rosada. Ted estava incrivelmente bem de camisa havaiana florida. Como um ilhéu, pensou Cris, com aquele rosto bronzeado, o cabelo rajado de sol e os olhos vivos, azulacinzentados. Não foi só a Cris que notou a aparência do Ted. Paula estava novamente de olhos fitos nele, e, durante o jantar, toda vez que Cris olhava para seu lado, sentia que havia algo entre os dois. Na hora em que o espetáculo começou e os dançarinos polinésios apareceram no palco com seus trajes cerimoniais, Cris decidira que, fosse qual fosse o jogo de Paula, ela também iria jogá-lo. Aplaudiram os dançarinos talentosos, e quando o de que David mais gostava, o dançarino do fogo, saltou no palco, Cris puxou a cadeira para junto da de Ted, a fim de
ver melhor. Aproveitou, então, para roçar de leve, o braço na camisa dele. Não sabia se ele tinha notado ou não. O rapaz parecia totalmente absorto no espetáculo. O mestre de cerimônias foi ao microfone e pediu aos presentes que mais uma vez aplaudissem o dançarino do fogo. Depois perguntou se havia algum aniversariante ali. David apontou para Cris, assobiando alto. Ela se encolheu no lugar esperando que não lhe pedissem para levantar nem nada. Para alívio seu, só pediram que todos cantassem "Parabéns" aos seis aniversariantes. Era um tanto divertido ter gente cantando assim, contanto que não fosse obrigada a ficar de pé. Nada de envergonhar. - Assim foi muito fácil. Pensei que fossem chamá-la ao palco, disse Ted. Mal ele acabara de falar quando vários rapazes, vestindo apenas uma tanga e com uma guirlanda de folhas na cabeça, entraram correndo pelo auditório, para selecionar pares de dança. Um dos dançarinos morenos aproximou-se da mesa e fez sinal para Cris enquanto os tambores batiam forte a ordem: "Vem, vem, vem, vem...!" Cris tentou resistir ao convite - afundou-se na cadeira, acenando que "não" - mas sentia o pulso batucar com os tambores. - Vamos lá, Cris! insistiu Paula. Vá com ele! - Não! Vá você, Paula! Levem ela sugeriu Cris, apontando para o outro lado. Agora é a sua vez de se aventurar o quanto quiser, Paula. - Levem as duas wahines! gritou Ted para o dançarino. Leve as duas para dançar. O dançarino ficou firme, estendendo uma das mãos para Cris e outra para Paula. Com um vozeirão, disse: - Venham as duas wahines! E elas foram. Os tambores mudaram para um ritmo típico do Tahiti no momento em que Cris e
Paula pisaram o palco, junto com diversas outras "vítimas". Em frente de mais de cem pessoas, Cris dançava e se mexia, batendo os pés, sentindo-se tola e envergonhada. O lei florido pendurado em seu pescoço balançava de um lado para o outro sobre seu vestido de alças, e ela não saberia dizer se estava engraçadinha ou ridícula. Enquanto não conseguiu alguma coordenação com os pés, tinha a sensação de que parecia uma líder de torcida de futebol do colégio, gesticulando em câmera lenta, e não uma graciosa dançarina de hula. Já Paula, vestindo short branco, sabia dançar e balançava os quadris, de olho no parceiro nativo, que a essa altura dera as costas para Cris e se divertia tendo Paula como companheira de exibição. Os tambores deram uma parada abrupta e o dançarino colocou o braço na cintura de Paula, cochichando algo no seu ouvido. Cris não estava disposta a ficar ali esperando para ver se alguém tinha alguma mensagem secreta para ela. Desceu rapidamente os degraus do palco, e nesse instante percebeu que havia gente com filmadora de vídeo. Talvez até mesmo tivessem captado seu momento de embaraço no palco. Ainda bem que não fiz nada de que pudesse me envergonhar. Podia ter acabado naquele programa das "videocassetadas" mais engraçadas da América. Agora era a vez das dançarinas. Antes de Cris chegar ao seu lugar, elas já se tinham espalhado pelo auditório. Não se surpreendeu ao ver que o Ted foi um dos primeiros a ser escolhido. Ao passar por ela, ele deu de ombros e foi seguindo obedientemente a wahine de saiote havaiano. Quando Cris se sentou, David riu de deboche, mas Bob, Marta e sua mãe tiveram para com ela um gesto de afabilidade. Os mesmos elogios foram dirigidos a Paula quando ela voltou ao seu lugar. Agora era a vez do Ted. Os tambores começaram devagar e as dançarinas sacudiam as saias convidando os rapazes a imitar-lhes os movimentos. Como o Ted já conhecia a
maneira havaiana, Cris recostou-se na cadeira, sabendo que ele iria deixar o auditório maravilhado com seu excelente desempenho dançando a hula. Para surpresa dela e o divertimento geral, ele acabou sendo um fracasso total como dançarino. - Os rapazes não sabem mexer os quadris daquele jeito, disse Paula entre acessos de riso. Olhem só o Ted! Ele é a "estrela" do show! Dos oito ou nove homens levados ao palco, Ted era o pior dançarino. Um homem grandalhão, na primeira fila, firmando a câmera de vídeo no ombro, gravou a cena toda. O mais engraçado era que Ted, embora parecesse seriamente empenhado em aprender a dançar, nem fazia idéia de como estava sendo ridículo, movendo os braços no ar, muito desajeitado, e balançando os quadris fora de ritmo. Antes que a música acabasse, todas as dançarinas formaram um círculo com o Ted no meio. Dançaram ao redor dele, e Cris só lhe enxergava os braços, balançando no ar. - Eu também tentaria esconder-me se dançasse assim, comentou Bob entre risadas. Surfista ele é; dançarino, neca! Quando o Ted voltou ao lugar, Bob brincou com ele, batendo-lhe no ombro e dizendo: - Todos nós temos nossos pontos fortes e fracos, meu filho. Continue apenas surfando! Cris também caiu na gargalhada, mas ficou a imaginar se ele não se aborrecia com essa gozação toda. Pelo menos não demonstrava. Até fez piadinhas sobre si mesmo quando saíram do luau e foram caminhando devagar pelo calçadão cheio de curvas da praia de Kaanapali. Cris garantiu um lugar ao lado do Ted enquanto caminhavam. Estava em dúvida se deveria segurar no braço dele, como no aeroporto, ou esperar que ele lhe pegasse a mão.
No luau o rapaz dividira sua atenção entre ela e Paula. Agora, ali, ouvindo o barulho das ondas à sua esquerda e com o céu de veludo salpicado de brilhantes acima, Cris sentia-se perdidamente romântica. É meu aniversário, Ted! Estou completando dezesseis anos, e estamos aqui, andando na praia em Maui. Você tem de segurar minha mão e me dar uma atenção especial. Tem de fazer isso! - Ted! gritou Paula com voz estridente. Me espere! Ela afastou-se do grupo de Bob, Marta, Margaret e David e aproximou-se dele, pelo outro lado, agarrando seu braço com as duas mãos. - Vamos fazer um trato. Você me ensina a surfar, e eu lhe ensino a dançar. Não é uma boa? A cabeça de Cris girava feito louca, sem saber como reagir à situação. Podia agarrar o outro braço do Ted, podia ficar para trás e andar com os outros para ver se ele voltaria para buscá-la, ou podia virar a "mulher-gato" e arranhar os olhos de Paula. Antes de ela decidir qual seria a melhor opção, Marta aproximou-se dos três e disse: - Paula, estou querendo conversar com você e acho que esta é a melhor oportunidade. Deu o braço à moça e puxou-a afastando-a do Ted, adiantando-se vários metros à frente dos dois. Ótimo, tia Marta! Retiro todas as palaras maldosas que pensei de você. Você realmente está do meu lado! - Eu queria lhe falar, Paula querida, sobre como, com algumas dicas simples, você pode perder um pouco do regionalismo do meio-oeste e adquirir um estilo mais típico da Califórnia. Primeiro, vamos avaliar o jeito de andar... disse ela, e foi continuando a ministrar suas aulas pessoais de "charme" à Paula que parecia bastante inclinada a
aprender. Cris pensou um monte de coisas para dizer ao Ted, enquanto sentia a brisa acariciar seus ombros, despertando o doce aroma dos leis de plumeria e tuberosa. Mas ela não conseguia falar, porque ficava esperando que o Ted lhe pusesse o braço na cintura ou lhe tomasse a mão. Como ele não se animava a fazê-lo, ela ficou se debatendo sobre um modo de incentivá-lo a isso, mesmo vendo que a mãe, Bob e David observavam tudo de trás. Sabia que era capaz de ser um pouco mais "pra frente" como a Paula. Podia colocar o braço no do Ted e dizer: "Está uma noite espetacular, não? Que cenário perfeito para o meu aniversário! É tão romântico, não acha, Ted?" Está bem, Cris, disse para si mesma. Vamos lá! Faça alguma coisa. A Paula faria, se fosse você. - Sabe, principiou Ted quebrando o silêncio entre eles, e ela aproximou-se mais, para que os outros não os ouvissem. Essa é uma das coisas de que mais gosto sobre você, Cris. Você não joga sujo, nem descamba no flerte, como tantas outras garotas. Ela engoliu o elogio em silêncio, como que apanhada de surpresa. Se você soubesse, Ted! Mais um minuto e eu teria entrado no jogo da "Miss Piggy". - Mas bem que eu pensei nisso, disse Cris, perplexa em face de tamanha sinceridade. - Verdade? indagou Ted olhando-a com um jeito curioso. No que as garotas pensam? Quer dizer, por que elas fazem isso com a gente? Cris não se permitiu uma pausa. Se hesitasse, talvez não dissesse as coisas que sentia de verdade, e que muitas vezes desejara dizer ao Ted mas acabara perdendo a coragem de fazê-lo. - Acho que queremos é atenção; queremos descobrir o que o cara está pensando ou o que ele sente em relação a nós. - Mas isso está às avessas, disse Ted. Eu acho que o rapaz é que tem de tomar a
iniciativa, e a garota deve apenas corresponder. Não o contrário. - Mas você não sabe como a gente se sente, tendo de esperar um tempão até que o rapaz comece o namoro. Se ele não toma a iniciativa a gente acha que ele não está interessado. - Então as garotas avaliam o interesse dos rapazes por elas com base no quanto ele toca nelas? indagou ele com a voz mais aguda, denotando surpresa. Cris ficou imaginando se os outros estariam ouvindo a conversa. Mas ela estava conseguindo dizer ao Ted tanta coisa que havia tempo desejava dizer, que preferiu continuar conversando, mas falando baixinho. - Concordo que a garota deve deixar ao rapaz o direito de tomar as iniciativas, mas também acho que, às vezes, ele deveria ser um pouco mais carinhoso, por exemplo, segurando a mão dela ou assumindo outras expressões daquilo que ele sente por ela. Tudo isso sem muito estardalhaço, é claro. Cris fitava o Ted e via, à luz fraca do ambiente, uma expressão de surpresa em seu rosto, como se ele nunca tivesse considerado antes a questão. - Faz sentido? perguntou ela. O que quero dizer é que, se um cara segura a mão duma garota ou coisa parecida, ela fica sabendo que ele gosta dela. Só isso. Não quer dizer que ele esteja tentando, sabe, se aproveitar dela ou coisa parecida. Só significa que ela é muito importante para ele. - Interessante. Os rapazes vêem essas coisas de forma diferente. Para eles é como se... Ele não conseguiu terminar a frase, visto que Bob os interrompeu, o que a deixou vivamente frustrada. Bob sugeriu que parassem na Vila dos Baleeiros e procurassem um lugar na varanda do Restaurante Leilani. David ajudou o Ted a juntar duas das mesas redondas sob a luz de uma tocha tiki, e
puxaram sete cadeiras. O menino correu a sentar-se ao lado dele. E antes que Cris pudesse pegar a cadeira do lado, Paula apossou-se dela. Sentindo como se tivesse sido cortada de uma das melhores conversas que já tivera com o Ted, Cris sentou de sopetão na cadeira ao lado de Marta. - Ah! Cris! ralhou Marta. Isso não é modo de uma jovem sentar-se! Pensei que já lhe tivesse ensinado o jeito certo. Felizmente a garçonete aproximou-se da mesa e a jovem não teve de responder. - Vamos querer sete tortas hula sapeca, pediu Bob para todos. E quantos cafés? - Bob, interrompeu Marta, quero apenas um pedacinho da sua, e talvez seja bom pedir só uma para Cris e Paula. As fatias são enormes e extremamente carregadas de calorias. - Não; a aniversariante ganha uma inteira! disse Bob, lançando um sorriso caloroso para a sobrinha, que fazia bico. Hoje ela ganha o que quiser. Se isso pudesse ser verdade, eu queria ganhar o Ted todinho pra mim e seguraria a mão dele bem apertadinha, e daria um jeito de lhe dizer o quanto gosto dele. Se eu pudesse desejar um presente de aniversário seria isso. Todos, exceto Marta, quiseram uma inteira. Depois, ao ver chegar as enormes fatias de torta de nozes, cobertas de calda de chocolate quente e chantili, todos riram reconhecendo que haviam mesmo exagerado. - Eu avisei, disse Marta. Agora já sabem por que o nome dessa torta é hula sapeca. Podem começar a imaginar quantas calorias tem neste pedaço monstruoso? - Vamos cantar parabéns e deixar a aniversariante se deleitar com o doce sem sentimento de culpa, sugeriu Bob. Vamos lá, querida. Faça um pedido. Cris fechou os olhos. Sabia exatamente o que pediria. Na volta para o apartamento, ela se sentia empanturrada, mas não queria dar o braço
a torcer e dizer à tia que essa tinha razão. Dizia a si mesma que despesdiçara o "pedido" de aniversário com algo que jamais aconteceria. Ted nem estava ao seu lado no carro. Ia sentado ao lado de David, no banco traseiro com a Paula pertinho, do outro lado. - Tem alguma coisa no seu cabelo, Ted, disse Paula. Cris, que estava no banco do meio, virou-se ligeiramente para trás, para ver que jogo Paula estaria fazendo agora. A amiga começou a correr as unhas compridas pelo cabelo do Ted, à procura da tal "coisa". - Pegou? perguntou Ted. - Não, acho que não. Está meio escuro aqui, falou ela e continuou mexendo no cabelo curto, clareado pelo sol. Você tem um cabelo bem legal, Ted. Solta ele, Paula! Pare de besteira! O Ted detesta esses modos seus. Você não vai marcar ponto com ele desse jeito. - Que gostoso! exclamou Ted. Um pouquinho mais para a esquerda, disse ele aproximando a cabeça, para que ela continuasse coçando. - Credo! Acho que tem areia no seu cabelo! gritou Paula. - Provavelmente. Creio que preciso de umas unhas compridas como as suas para tirar. Excelente, Ted! Agora quem é que está se fazendo de besta? Cris cerrou os punhos no colo. A imagem da "mulher-gato" voltou-lhe à mente e ela se indagou se alguém tentaria impedi-la, caso saltasse do lugar naquele instante e enfiasse as garras na Paula. Mas haviam chegado. Bob estacionou o carro e a procura de areia acabou. No elevador apertado, Cris lançou olhares bravos para o Ted. Zangar-se com a Paula era uma coisa. Ela já sabia que a amiga iria fazer todo aquele jogo para atrair a atenção do
rapaz, embora fosse o aniversário da Cris. Mas por que será que o Ted dizia que não gostava quando a Paula partia para cima dele com suas manhas e que gostava da Cris porque ela não fazia isso, mas logo em seguida capitulava diante da Paula sempre que ela o assediava? Será que não enxergava o que estava fazendo ao aceitar a atenção dela? Não via que com isso fazia Cris sofrer? - Vou dormir, anunciou David quando o elevador os deixou no sexto andar. Não 'tou me sentindo muito bem. - Vamos entregar os presentes da Cris. Não quer esperar para vê-la abri-los? - Não, disse David, com a mão na barriga. Estou cheio demais, não dá pra ficar sentado. Só quero dormir. Assim, o menino foi para o quarto enquanto os outros se congregavam no lanai de Bob e Marta para admirar as estrelas. Enquanto conversavam, Cris olhava para o mar à frente. Tinha de admitir que fora uma linda noite. Não queria estragar o que restava do seu aniversário agindo corno uma pessoa amarga, mal-humorada. Perdoa-me, Pai, sussurrou, arrancando a oração do fundo da alma e lançando-a numa brisa repentina que roçava a imensa palmeira ao lado do lanai. Por favor, ajuda-me a não ser tão ciumenta, mas a agir como o Senhor quer que eu aja. - Venha cá, Cris! chamou Marta da mesa. Tem alguns presentes aqui e todos com o seu nome. A jovem respirou fundo e deu um sorriso. Com toda a delicadeza possível, sentou-se ao lado da tia, interiormente feliz com seus modos elegantes. A noite ainda não se acabara. Alguns sonhos ainda poderiam se realizar.
O Telefonema Misterioso da Gruta Azul 8 - Abra primeiro o meu! insistiu Paula, sentada, naturalmente, ao lado do Ted. Na verdade, foi a minha mãe que o escolheu. Espero que goste. Mesmo à luz fraca do lanai, Paula parecia horrivelmente queimada de sol. - Você já passou alguma coisa na queimadura? perguntou Marta. Paula, você realmente abusou do sol hoje. Pode ficar doente, sabe? Seus lábios vão inchar e rachar, e a pele vai descascar. Você usou filtro solar, não usou? Paula evitou responder. Tinha a atenção voltada para Cris, que abriu a pequena caixa do presente dela. Era um porta-retratos prateado em forma de coração com uma foto. Cris aproximou-a dos olhos para ver melhor. - Somos nós. Minha mãe tirou esse retrato no nosso primeiro dia de aula no jardim. Cris ergueu a foto contra a luz e sorriu para as duas meninas, rostos colados um no outro. Ambas tinham uma "janelinha" pois haviam perdido o primeiro dente. Ela não saberia explicar por que de repente teve vontade de chorar. O retrato era uma gracinha. Aqueceu-lhe o coração. Trouxe-lhe um mar de recordações da infância. Nesse instante, sentiu-se mais chegada a Paula, como ainda não se sentira em toda a viagem. Não podia ficar zangada com aquele anjinho da fotografia. - Adorei, Paula. Muito obrigada. Cris deu um abraço na amiga. - Aaai! protestou Paula, no momento em que Cris encostou nela.
- Desculpe. É sua queimadura de sol, não é? De repente aquele momento de emoção se acabou. Surgiu um escudo invisível entre elas. A mãe de Cris e Marta admiraram a fotografia e a entregaram ao Ted. - Quem é quem? perguntou ele, sorrindo. - Não dá pra saber? indagou Cris. Eu sou a da direita. Em seguida, a mãe de Cris entregou-lhe uma sacola de loja, pedindo desculpas por não ter se lembrado de comprar uma caixa e papel de presente. Era uma bolsa de praia grande, multicolorida, de palha. Cris gostou muito, ótimo sinal, porque, em geral, ela e sua mãe não tinham os mesmos gostos. - Aqui! falou Ted puxando um tubo de papelão de sob a cadeira. Eu também não sou de comprar papel de presente. Cris tirou o plástico da extremidade e retirou o conteúdo do tubo. Era o pôster de uma cachoeira maravilhosa, cercada de vegetação tropical. Uma velha ponte estendia-se por cima da cachoeira. - Que lindo! Obrigada! Era mesmo um pôster bonito, mas não exatamente um presente pessoal e romântico como a pulseira de chapinha de ouro que ele lhe dera no Natal, onde gravara a expressão "Para Sempre". Cris se acostumara com o leve toque da pulseira, sem falar na esperança do relacionamento que ela trazia viva no peito. - Você disse para eu lhe mandar um cartão postal de uma cachoeira, e esta é a cachoeira que, bem... e aí ele parou, olhando-a com a expressão de quem queria explicar algo que é muito pessoal... Bem, concluiu, gosto muito dela. Cris sorriu grata, incerta quanto à mensagem velada que ele tentara transmitir-lhe, e enrolou de novo o pôster, colocando-o com cuidado dentro do tubo.
- Mais um presente, Cris, falou Marta com voz cantarolada. Cris sentiu-se meio inquieta, imaginando que fosse agora abrir um presente muito caro. - Vocês já me deram o melhor presente de aniversário, nos trazendo aqui e levando ao luau e tudo o mais! Realmente eu não poderia aceitar mais nada! Bob entregou-lhe um envelope, e ela sentiu-se aliviada pensando que talvez contivesse um cheque de uns vinte dólare ou algo fácil de aceitar. Era um cartão. "Feliz Aniversário nos Seus Dezesseis Anos!” dizia. Felizmente, nada de dinheiro dentro. Só um pedaço de papel de forma irregular que lhe caiu no colo. Cris o pegou olhou para os tios e perguntou o que era. - Não dá para saber? É uma pista, murmurou Marta. Tente adivinhar. - É a fotografia de um carro. - Um carro! gritou Paula com um tom de desprazer na voz. Puxa, Cris! Você é tão paparicada e nem sabe disso! - Calma aí, interrompeu Bob. Não é um carro novo. - Lembra-se do meu carro velho? perguntou Marta. Cris engoliu em seco. - A Mercedes conversível? Paula virou-se e olhou para o mar. - Nós trocamos, explicou Bob. Bem, foi mais ou menos uma troca. O fato é que assim que você estiver de posse da sua carteira de motorista, seu pai irá comigo à agência e entregará o carro dele também. Vamos entrar com o carro dele e com a Mercedes para fazer o negócio. Esperamos sair de lá com um carro para você e outro para seus pais. - Não acredito! Obrigada! falou Cris abraçando Bob e Marta e depois a mãe. No momento em que Bob falou "quando você estiver com sua carteira" seu estômago começou a revirar e agora ela estava com aquela estranha sensação de horror e expectativa. Era tanta coisa a depender de seu sucesso nesse primeiro exame!
Naquele instante o telefone tocou lá dentro do apartamento. - Quem poderá ser? perguntou Marta. Afinal de contas, seu pai já telefonou hoje cedo. - Quer que eu vá atender? ofereceu-se Cris, que era a única de pé. - Claro. - Alô? Ouviu apenas um ruído forte na linha. - Alô? Alô? disse mais alto. Uma mulher falou numa língua que parecia espanhol ou italiano; aí o telefone deu sinal e uma voz masculina surgiu nítida. - Alô. Eu gostaria de falar com Cris Miller. - É Cris falando, replicou, sentindo o coração bater forte, ecoando no ouvido. Que estranho! Quem estaria telefonando pra mim aqui? - Cris, sabe quem é? Havia um pequeno eco que dificultava a identificação da voz, mas achou-a conhecida. Não sabia o que dizer. Estava claro que a pessoa a conhecia, sabia que estava em Maui e de alguma forma conseguiu o número de seu telefone. De repente ela se lembrou da carta misteriosa, anônima, que tinha enfiado na bolsa. Será que era a mesma pessoa que havia escrito a carta? A voz do outro lado transformou-se em riso, e ela continuava sem saber quem era. - Vou lhe dar uma dica. Você me deve uma coisa, que prometeu me dar no dia 27de julho. Bem, onde estou já é 28 de julho, mas telefonei para lhe dizer que, só porque está em Maui, não pode esquecer-se da promessa. Você me deve uma. A voz forte assumira agora um sotaque tipo mafioso e Cris se assustou um pouco,
ainda que soubesse que devia ser alguém passando um trote. - Pretendo cobrar o que você me deve antes do final das férias, entendeu? - Bem, hãaa... Cris tentou levar a conversa na brincadeira, mas havia uma nuvem encobrindo o que a voz dizia. - Mas o que é que estou lhe devendo? indagou. A voz riu, não mais misteriosa, mas livre, natural. Voltando ao estilo mafioso, disse: - Uma saída, Olhos de Matar. Você me deve uma saída de aniversário. Cris rompeu em risos, alegre, aliviada, fazendo com que todos no lanai parassem de conversar e olhassem para dentro da sala na direção dela. Ela puxou o fio do telefone e se afastou até a cozinha, para se livrar dos olhares dos outros. - Rick! Estou admirada de que você esteja me telefonando! - Você não percebeu mesmo que era eu? perguntou ele no seu tom autoconfiante de sempre. - Não, não conseguia entender! Onde você está? Pensei que estivesse na Europa. - E estou. Estou na ilha de Capri. - Onde fica isso? - Perto da costa italiana. Pegamos ontem um hidroplano em Nápoles. Vamos para Roma hoje mais tarde e depois subiremos até Florença e Veneza. - Não acredito! E como conseguiu o número? - Liguei pra sua casa ontem. Seu pai me disse que você estava em Maui e deu o número. Foi fácil. Você não achou que eu ia me esquecer do seu aniversário, achou? - Mas, Rick, essa ligação vai lhe custar uma fortuna! - Mais ou menos o mesmo que um jantar e cinema para dois em Escondido. Quando sairmos em agosto nós poderemos comparar os preços. Se planejarmos tudo direitinho,
deveremos ter uma semana de folga antes de minha partida para a faculdade. Então celebraremos seu aniversário. Você pode marcar o dia. - Está bem, replicou. Sabia que devia continuar falando, mas deu um branco. Sentiu um ardume no rosto, e o coração disparou só de pensar no Rick, só de imaginá-lo telefonando da Europa. Não seesquecera do seu aniversário. E ela nunca pensara que isso fosse acontecer. - Pensei muito em você ontem. Fomos à Gruta Azul. Já ouviu falar? - Não. Ouviu o eco de seu "não", e em seguida Rick continuou. - Entramos num barquinho, mescla de barco a remo e gôndola. O cara nos levou até um lugar que mais parecia uma caverna e tivemos de nos curvar no fundo do barco para entrar, tão baixa era a entrada da gruta. Lá dentro, a água tem um tom de azul muito diferente. De alguma forma, o sol reflete dentro da caverna. Não me lembro o que provoca isso, mas tudo lá dentro parece azul por causa do sol e do reflexo da água sobre as rochas. - Deve ser lindo! - Não apenas lindo. É incrível. Estarrecedor. Era de matar, Cris, que nem os seus olhos. Senti a caverna toda cheia de Cris, falou ele e parou. Cris deixou essas palavras românticas lhe subirem à cabeça. - Seria lá que eu levaria você no seu aniversário, continuou o rapaz, se fosse escolher qualquer lugar no mundo inteiro, Cristina. Eu levaria você à Gruta Azul na ilha de Capri. Houve uma pausa, e Cris teve certeza de que, lá do outro lado do mundo, ele devia estar ouvindo as batidas de seu coração pelo telefone. Ele voltou a brincar, dizendo: - Vamos ter de verificar todos os restaurantes italianos no sul da Califórnia para ver se existe algum chamado "Gruta Azul". Se existir, é lá que vamos jantar em agosto.
Cris respondeu com uma risada. - Está bem. Parece que vai ser divertido. - E vai, disse o rapaz confiantemente. Procure curtir bem seu aniversário aí, sem a minha presença, está certo? Sei que ser difícil, mas tente! - Está certo. Obrigada pelo telefonema. - Você achou que eu não telefonaria? Isso mostra como me conhece pouco, Cris! Vamos procurar melhorar as coisas nas próximas semanas. Até lá, ciao. - Até mais, Rick! Ela permaneceu absolutamente imóvel, por uns instantes, antes de desligar o telefone. Que estranho! Por que ele me telefonaria pra dizer todas essas coisas românticas? Nunca teria imaginado que o Rick fosse fazer isso. Jamais. Talvez eu não o conheça, como ele disse. Cris voltou para o lanai, sem saber como iria responder quando lhe perguntassem quem telefonara. Que aniversário mais inusitado! Primeiro, ganhava o carro de Bob e Marta, depois vinha o telefone de Rick. Felizmente ninguém perguntou de imediato sobre o telefonema. Estavam absortos numa discussão; e quando Cris entrou, parecia que Marta levava a todos de vencida. - Faça como eu digo, Paula. Tome um banho morno e passe o gel de aloés na queimadura. Faça isso agora, senão amannhã estará muito pior. Vá lá! Paula pôs-se de pé devagarinho, mostrando assim como lhe doía cada movimento que fazia. - Quer ajuda? ofereceu Cris. - Pra quê? Abrir a torneira para o meu banho? Acho que me viro sozinha. -Só pensei... Bob interrompeu. - Se precisar de alguma coisa, Paula, pode chamar. Margaret levantou-se, dizendo:
- Eu já ia voltar ao nosso apartamento de qualquer jeito. Vou com você, Paula. - Mas, por favor, não me toque! avisou Paula ao sair com a mãe de Cris, seguida de Marta. - Vou buscar mais gel de aloés, caso esteja acabando o quie tem no banheiro. Marta foi, pensou Cris, para se certificar de que suas instruções fossem seguidas a risca. - Bem, disse Bob, levantando-se. Estou pronto para encerrar o dia. Posso pegar alguma coisa para vocês dois? Algo para beber? - Não, obrigada. Assim, Cris e Ted se viram a sós no lanai. Bob ligara a televisão instalada atrás da porta de vidro e assistia ao noticiário de pé. Ted levantou-se e colocou sua cadeira perto de Cris. Ficaram em silêncio por alguns minutos, olhando o oceano e o céu pontilhado de estrelas. A lua cintilava na crista das ondas. Cris imaginou uma gigantesca garrafa de purpurina prateada derramando seu conteúdo do céu, com seus pequenos flocos grudandose nas ondas, presos aí por uma cola branca espumosa. Parou de pensar em Rick e começou a sonhar de novo com o Ted. É tão lindo! Que noite perfeita, e como é romântico estar aqui com o Ted! Adorei ele ter trazido a cadeira pra mais perto de mim. Era exatamente o que eu desejava! O que será que ele está pensando? - Como vai o Rick? - Rick? ecoou Cris. Ted continuou olhando à sua frente. - Foi o Rick, não foi? - Sim, mas como você sabia?
Ted virou-se e lançou-lhe um olhar que dizia: "Nós, rapazes, sabemos dessas coisas." - Ele está ótimo, suponho. Está na Itália. - Itália? - É, a família dele está passando as férias lá. Será que o Ted tem ciúmes do Rick do jeito que eu tenho ciúmes da Paula? Ted continuou olhando para o mar, o queixo saliente, como quando pensava muito ou estava a ponto de dizer alguma coisa profunda. Cris esperou. O rapaz permaneceu calado. Então Cris fez uma coisa meio ousada. Sabia que o Bob ainda estava na sala ao lado, assistindo à televisão, mas era o dia do aniversário, dos seus "dezesseis anos", e este o seu desejo: estar sozinha com o Ted. Colocou a mão no braço dele, sobre a cadeira. Ted imediatamente pegou na mão dela, entrelaçando seus dedos com os dela. Cris sentiu-se aliviada. Acalmada. Com uma porção de "pedidos" de aniversário na mente. Esperava que, por ter-lhe estendido a mão, desse a ele a certeza de que realmente não havia nada entre ela e o Rick. Pelo menos achava que não. Ted correu os dedos na pulseira gravada "Para Sempre", fitando silenciosamente o mar, estudando a escuridão, nada dizendo. Cris pensou num monte de coisas para dizer, mas ficou calada. Sabia que não devia desculpas a ninguém por ter falado com o Rick pelo telefone, e não precisava justificar seus sentimentos, fosse por quem fosse. Queria encontrar as palavras do coração para dizer ao Ted exatamente o que sentia por ele. Toda vez que tentara explicar, ficou confusa e se sentindo tola. Podia escrever acertadamente o que sentia, e o fizera muitas vezes, no seu diário, mas não sabia falar dessas coisas. Talvez o Ted também não soubesse. - Está vendo Molokai lá adiante? indagou ele quebrando o silêncio com voz suave,
mas firme. Cris sabia que duas ilhas eram visíveis do apartamento: Lanai e Molokai. Se sua memória estivesse correta, Molokai ficava a direita. - Sim, respondeu, seguindo o olhar de Ted para a direita. - Fica a menos de quinze quilômetros daqui. Está vendo aquelas duas luzes? - Sim. Pela primeira vez Cris notou que naquela ilha escura, escassamente habitada, duas luzes piscavam juntas, como estrelas, na beira do mar. - Daqui não dá pra ver o que são. Só duas luzes parecidas, explicou ele e suspirou profundamente. Acho que o único jeito de decidirmos com qual das duas queremos ficar é aproximar o bastante para ver com nitidez para identificar bem cada uma. Assim podemos fazer uma decisão acertada. É difícil decidir de longe. Como uma máquina decodificadora secreta, a mente de Cris girava furiosamente, tentando decifrar a mensagem do Ted. Isso tem a ver com o Rick. Certamente o Ted acha que ele e o Rick são como as duas luzes. Que foi que ele disse? Tenho de chegar mais perto pra tomar uma decisão acertada. Cris aproximou-se mais de Ted, e ele apertou-lhe mais a mão. Seus pensamentos se sobrepunham, confundiam-se; procurou então colocá-los em ordem, a fim de responderlhe com absoluta clareza. Ela lhe diria que concordava, e que essa temporada em Maui vinha a calhar para se conhecerem melhor e se aproximarem mais um do outro. Se ele fizesse algum gesto ou declaração a Paula, comunicando-lhe que não se interessava por ela e pretendia passar o tempo ao lado de Cris, todas as difïculdades desapareceriam. Antes que conseguisse dizer isso, ele soltou-lhe a mão, pulou do lugar e, deixando que se lhe extravasasse pelos olhos o empolgamento de menino, exclamou:
- É isso mesmo que vou fazer! Vou continuar seguindo em frente, e pedir a Deus que me mostre qual deve ser minha escolha. Quanto mais perto eu chegar, mais claro ficará! Ele parecia tão contente! Mas Cris ficou ainda mais confusa. Pensara que a mensagem secreta das luzes na ilha se referia a ela. Tudo agora, no entanto, parecia indicar que o Ted só estava pensando em alguma decisão que precisava tomar. Mas que decisão? - Eu já vou dormir! exclamou Bob, desligando a TV - Eu também, disse Ted. Tornou a olhar na direção das luzes estendendo a mão para Cris. Pegando-a, ela tentou retê-lo na cadeira, para que continuassem a conversar. Mas Ted puxou-a para cima, colocando-a de pé, e então ela viu claramente como ele parecia contente com a analogia que criara sobre as luzes da ilha. Cris juntou suas coisas, e Ted foi para o quarto, onde David já dormia. Ela voltou para o apartamento ao lado com o coração na mão. Por que esse momento mágico terminou tão de repente? É como se meu "pedido" de aniversário só tivesse se realizado pela metade. Paula e sua mãe já estavam dormindo e, em silêncio, Cris também se preparou para deitar. Enquanto escovava os dentes, lembrou-se da conversa que tivera consigo mesma na frente do espelho, naquela manhã. O que há comigo, afinal? Este aniversário foi incrível. O melhor da minha vida. Por que nunca estou contente com o que ganho? Recebi a realização do meu "pedido" de estar junto do Ted. Ganhei a promessa de um carro e um telefonema de surpresa do Rick. Acabei de passar meu aniversário de dezesseis anos no Havaí; por que então me sinto tão descontente? Ficou acordada bastante tempo aquela noite, "organizando" as idéias. O que será que Ted estava decidindo? Será que as "duas luzes" eram ela e outra garota? Não podia ser a
Paula. Ou podia? E por que ele perguntara sobre o Rick? Será que o Ted se oporia, se lhe dissesse que iria sair com o Rick em agosto? No seu entender, ela e Ted eram livres para sair com outras pessoas. Ted tinha levado outra menina, de nome Iasmim, para um jantar na noite da festa de formatura. Cris nunca saíra com ele para algum compromisso mais sério - um jantar a sós, por exemplo. Seus pais não permitiriam que namorasse enquanto não completasse dezesseis anos. Agora tinha dezesseis, e podia aceitar um convite formal. Mas e, se Ted quisesse namorar firme? Aí ela não poderia sair com o Rick - ou poderia? Provavelmente Ted nunca pediria para namorar firme. E se o Rick lhe pedisse? Aí ela não poderia sair mais com o Ted. Quanto mais pensava, mais complicado ficava. Na verdade pensou, a vida era bem mais simples quando mais jovem, porque não tinha assim tantas decisões a tomar. Cris detestava ter de tomar decisões! Na escuridão do quarto, ela apalpou a pulseira "Para Sempre", lembrando-se do calor que lhe subira pelo braço quando Ted segurara sua mão e correu os dedos na pulseira. Isso abriu novo rosário de dúvidas. Será que aquela pulseira significava que estavam namorando? Cris virou-se de lado e puxou o virol até o queixo. E se sua mãe estivesse certa? E se o rapaz com quem se casaria fosse outro, alguém que ela ainda nem conhecia? Veio-lhe uma idéia e Cris se pôs imediatamente em ação. Saltou da cama e, pé ante pé, foi até o banheiro levando a bolsa. Fechando a porta com cuidado, acendeu a luz. Remexeu na bolsa procurando um pedaço de papel. A primeira coisa que encontrou foi a carta misteriosa sobre a qual nunca chegara a perguntar a Paula. Será que era do Rick? Não, porque ele teria dito alguma coisa quando
telefonou. Além do mais, parecia letra de garota. Cris deixou-a na peça de banheiro para não esquecer de perguntar à Paula na manhã seguinte. Tirou o bloco que tinha um desenho do Garfield surfando. Pretendia registrar seus sentimentos, como fazia com o diário. Mas agora, sentada no chão do banheiro com as costas apoiadas na parede, escutando o incessante barulho das ondas, teve outra idéia. Hesitou, mordendo a borracha, encolhendo e distendendo os dedos do pé. Então colocou no papel suas incertezas; colocou também as mais íntimas pulsações de seu coração. Querido futuro Marido: Completei dezesseis anos hoje, e sei que pode parecer estranho escrever-lhe isso agora, mas esta carta é uma espécie de promessa que faço a você. Talvez eu já o conheça, ou talvez ainda não nos conheçamos. De qualquer forma, quero me guardar para você. Quero entregar todo o meu ser a você, meu coração e meu corpo e tudo mais, como presente no dia do nosso casamento. Por mais que demore e que seja difícil manter a promessa, prometo que não permitirei que mais ninguém me "desembrulhe", para que em nossa noite de núpcias eu seja um presente que você tenha prazer em receber. Sei que ainda tenho alguns anos pela frente antes de me casar com você (seja você quem for). É por isso que desejo fazer esta promessa agora, para que, mesmo que namore outros, eu sempre me lembre de que sou uma dádiva reservada exclusivamente para você no futuro. Também quero começar a orar por você, onde quer que você esteja, quem quer que seja, para que Deus o prepare para mim, e que você também se guarde para mim. Eu j á o amo. Sua futura esposa, Cristina Juliet Miller.
Cortinados e Orações 9 - Eu bem que lhe avisei! retrucou Cris quando Paula reclamou da queimadura de sol no dia seguinte. Você devia ter passado protetor solar, como todo mundo aconselhou. Já viu seus lábios? Incharam tanto, que dobraram de volume. - Então, "Senhorita Certinha", replicou Paula sentada na beira da cama, segurando uma toalhinha molhada sobre o peito e deixando as palavras voarem, velozes e furiosas. Não venha me dizer que nunca na vida levou queimadura de sol! Sabe qual é o seu problema, Cris? Você acha que é tão certinha sobre tudo. Não era assim antes de virar cristã, ou sei lá como se chama sua religiosidade. Você era mais divertida. Agora é uma garotinha mimada que sai por aí condenando todo mundo que não é perfeito como você! - Não é assim, não! - É sim, você faz exatamente isso! Você e seu perfeito mundo de sonhos. Sem essa! Quem mais escreve cartas para seu futuro marido? continuou Paula com voz fanhosa, arremedando: "Estou guardando o meu corpo para você, querido. É um presente perfeito somente para você!" Cris saltou da cama e pegou o bloco de Garfield, que esquecera no banheiro e que Paula, obviamente, havia encontrado. Balançando o bloco na frente de Paula, avisou: - Isso foi de uma tremenda grosseiria, Paula! Pare de fuçar nas minhas coisas! - Ei! a mãe interrompeu a discussão. O que é que está acontecendo aqui? Nenhuma respondeu. Os seus olhos faiscavam continuando a trocar mensagens
cheias de raiva, que a mãe não enxergava. Margaret olhou primeiro para Cris, depois para a Paula, e numa voz calma e maternal disse: - Suponho que isso tinha de acontecer. Vocês duas sempre pareceram mais irmãs do que simples amigas. Por que agora vocês não tentam dar um pouco de espaço uma à outra, hein? - Tudo bem comigo, disse Paula com firmeza. Margaret olhou para ela. - Hoje você não poderá pegar sol, Paula. Ontem exagerou e se não se cuidar vai adoecer. Agora vocês duas resolvam as diferenças e dêem um pouco de espaço uma à outra, falou e cruzou os braços, esperando a resposta delas. - Desculpe, disse Cris com meiguice. - Desculpe, murmurou Paula dizendo as palavras esperadas como se fosse uma garotinha. Satisfeita, a mãe se afastou. Cris ergueu o bloco na cara de Paula e sussurrou entre os dentes: - Não pegue minhas coisas! - Não as deixe jogadas por aí. Cris pegou as roupas e foi ao banheiro trocar-se. No momento que fechou a porta, vieram as acusações: péssima cristã e mau exemplo como amiga. Devia era testemunhar para Paula, não afastá-la de vez! Os sentimentos de culpa ficaram a incomodá-la o dia todo. Foi nadar na piscina e depois no mar, com o David, até o meio-dia. Ato contínuo, sem interromper a Paula, que havia montado sua "barraca" no sofá, onde passou o dia vendo televisão, Cris tomou um chuveiro e trocou de roupa. Depois, em companhia da mãe e de Marta, foi almoçar em Lahaina. Caminharam pela rua Beira Mar, parando de loja em loja, e acabaram dando num
restaurante ao ar livre, onde comeram salada numa mesa na calçada. Margaret e Marta conversavam sobre os barcos que viam na baía de Lahaina. Então começaram a falar de um parente operado de vesícula - um tio de Cris que ela nem conhecia. Cris desligou-se da conversa e ficou olhando as dezenas de caranguejinhos que corriam por entre as pedras bem abaixo de onde estavam. A tarde era um tanto sonolenta e o lugar parecia cenário de filme. Enquanto faziam compras, Cris apreciava as aves tropicais de cores vivas que subiam e desciam em seus poleiros como se fossem o "imediato" de algum capitão pirata. Gostou demais das árvores de plumeria que vira perto da pequena biblioteca pública. Enchiam o ar quente da tarde com uma fragrância pesada e doce. Mas apesar de todo o encanto do vilarejo, e de o ar da tarde estar impregnado de algum perfume exótico, ela sentia-se mal, meio "pra baixo". Parece uma piada de mau gosto, disse aos caranguejos que nada entendiam, estar aqui com o Ted e a Paula - as duas pessoas que considero meus melhores amigos - e sentir-me tão só. Sei que o Ted tinha de trabalhar na pintura hoje, e não foi surfar cedo, por isso não passei nenhum momento em companhia dele. Mas eu queria descobrir do que é que ele falava ontem à noite. O que será que. ele ainda está tentando decidir? Quanto a Paula, era melhor que não tivesse vindo, que houvesse permanecido no Wisconsm mesmo. Assim, seus modos atuais não interfeririam em nossas lembranças de infância e continuaríamos sendo uma para a outra o que sempre imagináramos. Mudamos muito. Tarde demais para recomeçarmos. Desejava que, em vez da Paula, tivesse vindo a Katie. - Pronta para voltar às compras? perguntou Marta, interrompendo a carranca pensativa de Cris.
- Creio que sim. - Você não deseja levar algumas lembranças para as amigas? insistiu Marta. - Sim, quero ver se acho alguma coisa para a Katie. - É uma pena que Paula não tenha podido vir conosco, comentou a tia enquanto contava o dinheiro que pretendia deixar de gorjeta. - Ela precisava de um dia para tomar fôlego, disse a mãe de Cris. Com a diferença de fuso horário, as mudanças de tempo e temperatura e a queimadura horrível, acho que precisava de um dia de descanso completo. - O que você comprar para a Katie, podia comprar também para a Paula, sugeriu a tia. No fundo, Cris não tinha a menor vontade de fazer isso. Não queria fazer nenhum favor à moça. Afinal de contas, Paula não fizera nada de bom para ela! Mas acabou comprando uma pulseira de conchas brancas para a amiga, na primeira loja em que entraram. Na realidade, foi Marta que a comprou e a escolheu também. Para satisfazer a tia, Cris concordou com a opinião dela de que Katie não era o tipo de pessoa que gostava dessas pulseiras, mas provavelmente Paula adoraria. Marta comprou-a e Cris esperava que isso encerrasse o assunto. Tendo percorrido mais algumas lojas, Cris encontrou uma camiseta da Universidade do Havaí e adquiriu-a para a Katie. Marta insistiu em comprar três, para que Paula, Katie e Cris tivessem camisetas iguais. Cris concordou desde que pudesse levá-las em cores diferentes, reservando a cor-de-rosa para si. Só por brincadeira, comprou também um saiote havaiano para levar para a Katie. Com as mãos cheias de sacolas, voltaram até onde haviam estacionado o carro. Passaram por um velho sobrado branco com a fachada ornada de verde e uma placa que dizia "Lar Missionário dos Baldwin, 1836. Museu aberto diariamente."
- Vamos entrar? pediu Cris. - É só uma casa velha transformada em museu, disse Marta. Os missionários a construíram quando aqui chegaram. Duvido que você ache interessante, Cris. - Pois eu acharia muito interessante. Parece uma casa legal. Gostaria de visitá-la. - Eu também, disse a mãe. Por alguma razão, Marta ficou irritada. - Então vão. Mas têm de pagar ingresso; não é de graça, explicou. Eu espero aqui fora. Do jeito que ela falou, Cris pensou que o ingresso fosse caríssimo. Cris e a mãe pagaram a entrada: dois dólares. Cris pensou: Você é muito engraçada, tia Marta! Deixou bem mais que isso na gorgeta! Por dentro, a casa parecia bastante americana, nada tropical. O assoalho era de madeira. Na mesa ampla, a típica louça azul e branca. As camas eram antigas, cobertas de colchas de retalhos feitas à mão. A visita começou pelo quarto; onde Cris notou os enormes cortinados sobre a cama. A guia explicou que os marinheiros, que passavam o inverno nas ilhas, desprezavam os missionários porque esses desaprovavam a vida imoral deles. - Dizem que não havia pernilongos por aqui, explicou ela. Um dia alguns marinheiros, para vingar-se dos missionários, jogaram um barril de água estagnada no canal que passava perto da casa deles. Eles o tinham trazido do México de navio. Estava repleto de larvas de mosquitos. Foi assim que os pernilongos povoaram a ilha. - Que coisa mais idiota! resmungou uma mulher do grupo de turistas. - Alguém andou dando tiros nos missionários também, mas ninguém morreu, continuou a guia. Vejam só, não foram os nativos havaianos que os atacaram, mas seus
conterrâneos americanos. - Como eles reagiram? Revidaram os ataques? A guia sorriu como se já tivesse ouvido essa pergunta: - Vocês devem se lembrar que eles eram cristãos tementes a Deus, provenientes da Nova Inglaterra. Ficaram firmes naquilo que acreditavam ser moral e biblicamente certo. Dizem que a única vingança deles foi orar pelos inimigos. Durante o restante da visita, Cris desligou-se um pouco do que a guia dizia. Impressionara-se com sua informação de que os missionários, cristãos tementes a Deus, oravam por seus inimigos. O Ted disse à Cris que orava todos os dias pela Alissa, e que ela devia orar pela Paula. Embora concordasse com o Ted achando que isso seria uma boa ideia, não havia orado uma única vez pela jovem. Não que ela na verdade fosse uma inimiga. Era amiga, assim como os marinheiros deviam ser amigos dos missionários americanos embora a diferença de padrão criasse uma separação entre eles. De certa forma, Cris sentira uma separação entre ela e Paula, quando da escolha de trajes banho e na questão de perder a virgindade. Quando se reencontraram com Marta e voltaram ao carro, Cris imaginou as ruas de Lahaina cheias de gente, com marinheiros beberrões lançando insultos para uma missionária, que passava, uma mulher de vestido de manga comprida e chapéu de abas baixas, que ia orando por eles. Cris estava ansiosa para conversar com o Ted sobre isso tudo, saber dele como devia orar. Uma coisa era dizer que ela deveria orar pela amiga, outra coisa ensinar-lhe a orar. Em dado momento, chegaram a uma imensa figueira, e Marta insistiu em que atravessassem a rua e entrassem no Centro de Cinema do Cais de Lahaina. Conduziu-as ao subsolo, andando firme como uma pessoa que sabia exatarnente o que queria. E na
verdade sabia, pois entraram numa lojinha em cuja fachada se lia: "O melhor iogurte do país". - Esse é o único iogurte gelado de que gosto, anunciou Marta. A musse de chocolate branco daqui é absolutamente divina. Podem pedir o que quiserem. Eu pago. Cris pediu ao simpático atendente um iogurte pequeno de chocolate. - Quer cobertura? perguntou ele, sorrindo, os dentes brancos aparecendo sob o bigode. As nozes são 'ono no iogurte de chocolate. - 'Ono? perguntou Cris. - O máximo, disse ele, pronto a despejar uma colher repleta de castanhas sobre o iogurte. Cris detestava nozes. Sempre detestara. Costumava chupar a cobertura de chocolate dos amendoins e jogá-los fora. Mas nesse momento, sentia vontade de aventurar-se. - Claro, pode pôr. Vou provar essas castanhas. O rapaz estava certo. Eram 'ono! Ao raspar a última colherada da tacinha, Cris sentiu orgulho de ter se aventurado a provar uma coisa nova. O Ted ficaria satisfeito de ver. De volta ao apartamento, encontraram Paula dormindo e Ted ainda pintava. Então ela sentou-se ao lado de David, e assistiu ao final de um desenho animado antigo. Daí a pouco, ela dormia também, e só uma hora mais tarde foi despertada por Marta que sugeriu fizessem uma caminhada vespertina na praia. Bocejando sem parar, Cris calçou as sandálias havaianas e foi se juntar à Marta, sua mãe e David, que estavam à porta. Ted, que deixara o banho naquele instante, e estava de short e camiseta de windsurf, veio da cozinha e chegou perto deles no momento que Cris ajeitava o cabelo. O rapaz dirigiu-lhe um sorriso e comentou: - Parece que você tirou uma boa soneca. Ela poderia ter entendido o comentário
como uma crítica à aparência, mas resolveu não ligar. - Eu desmaiei. - O Bob fica para limpar as coisas, disse Marta, e a Paula disse que desta vez prefere não ir. Mas estamos todos prontos. Ted caminhou ao lado da Cris até o elevador. À medida que o sono ia fugindo, ela se lembrou do que pensara à tarde e ficou ansiosa para conversar com ele sobre aquilo. Embora fosse coisa de somenos, queria lhe contar que tinha comido castanhas no iogurte. - Acho que não vou, não, anunciou Ted de repente, enquanto a porta do elevador se abria e os outros entravam. Vou dar uma olhada na Paula e ajudar o Bob a terminar a limpeza. Logo a porta se fechou e o elevador desceu com eles para o térreo. - Se o Ted não vai, eu também não vou, disse David. Vou voltar pra cima. - Não precisa subir não, David. Venha conosco e me ajude a catar umas conchas, disse a mãe. - Eu não quero ir! choramingou o menino. Deixe eu voltar? - Pode voltar, respondeu Marta falando pela irmã. O elevador parou no térreo e Cris, Marta e Margaret saíram, enquanto David voltava ao sexto andar. Cris percebeu que sua mãe a observava tentando ler seus sentimentos, e se esforçou por escondê-los dela. No entanto, sabendo que Paula e Ted estavam juntos, sozinhos, era-lhe impossível apreciar o pôr-do-sol ou o jeito gostoso como a areia morna deslizava sob seus pés, entre os dedos. A caminhada lhe pareceu muito comprida. Margaret e Marta, muito contentes, catavam conchinhas que encontravam, e Cris simplesmente as acompanhava, só de vez em quando se abaixava para pegar uma concha e colocá-la no bolso do short sem mesmo olhar o que pegara.
Na volta, Marta passou junto à piscina do prédio, e começou a conversar com algumas pessoas, mas Cris subiu direto para o apartamento. Bob estava lavando os pincéis. - Olá! Cadê o pessoal? indagou ela tentando disfarçar a ansiedade e a desconfiança falando em tom alegre. - Mandei o Ted comprar pizza no outro lado da rua. Talvez a Paula tenha ido com ele. David está no banho. Mas também, acrescentou ele, acho que não era com o David que você estava preocupada, era? Cris sorriu e foi para o quarto olhar-se no espelho. Um pouco mais de maquiagem, algumas escovadas adicionais para deixar o cabelo mais cheio, uma borrifada de perfume. Pronto! Se o Ted estivesse querendo decidir entre as duas, ela se esforçaria ao máximo para tornar-lhe a escolha mais fácil. - A pizza chegou! Cris ouviu a mãe gritar e saiu do quarto, encontrando todos no lanai, prontos para comer. Paula, aparentemente restaurada, após um dia de descanso, voltara a ser a garota divertida e faladeira de antes, e estava sentada no braço da poltrona do Ted, comendo uma fatia de pizza. Cris pegou um pedaço de pizza, colocou-o num prato de papel e foi sentar-se no único lugar que sobrara, a cadeira reclinável. Tinha a sensação de estar separada dos outros por uma tela invisível. A conversa ao redor da mesa se animara, mas ninguém se dirigiu diretamente a ela. Como é possível que eu esteja aqui com minha família, e meus amigos e me sinta tão desesperadamente só? Depois de comer três fatias grandes, Ted se levantou para ir deitar-se.
- Boa noite pra todos! disse. Bob olhou o relógio. - Já são nove horas! É por isso que estou com sono. Ted, que tal você tirar uma folga amanhã? Praticamente terminamos toda a pintura hoje. Posso dar os toques finais sozinho. O rapaz estava de pé ao lado da porta de tela. - Legal. Talvez seja um bom dia pra ir a Hana. Boa noite, pessoal! Ted tinha passado o dia inteiro perto da Paula. Será que fazia parte do seu processo de decisão? Talvez planejara passar ao lado dela esse tempo todo só para descobrir de quem gostava mais. Cris nem quis comer o resto de sua pizza. - Onde é Hana? perguntou Margaret. Bob explicou que Hana era uma pequena comunidade do outro lado da ilha e que Ted dissera ter ido acampar lá com seu pai anos atrás. - Parece ser um bom passeio para a garotada, comentou Marta. Eles podem ir de jipe. Eu e Margaret faremos mais algumas compras. - Resolvido então, disse Bob, de olho no último pedaço de pizza. Alguém quer mais pizza? Cris pediu licença e foi dormir, preferindo a agonia da solidão a arriscar-se a ter outro confronto com Paula. Sabia que deveria ler a Bíblia e orar antes de dormir, mas queria que pensassem que estava dormindo. Ficou deitada, quieta, um bom tempo, olhando a parede. Quando caiu no sono, sonhou com a vida solitária da missionária virtuosa de Lahaina muitos anos atrás.
Como se Chega às Cachoeiras? 10 Na manhã seguinte, Paula agiu como se nunca tivesse havido tensão entre as duas. Elogiou o cabelo de Cris, quando ambas estavam no banheiro e pediu à amiga para passar gel de aloés nas suas costas. O vermelho vivo da pele de dois dias suavizara-se assumindo um tom rosado leve. Os ombros começaram a descascar. - Tenho de confessar que quando vim pra Califórnia nas férias passadas, tia Marta ficava mandando eu passar protetor solar e eu não atendia. Também me queimei demais. Passei um dia deitada no sofá, como você, só que reclamei muito mais e a única coisa que eu fazia era beber água gelada. Paula riu-se. - Por que não me contou? - Sei lá. Você parecia tão decidida a se bronzear. Algumas coisas temos de descobrir por nós mesmas. - Cris, isso é exatamente o que tenho tentado lhe dizer, falou Paula fitando os olhos de Cris no espelho. Você me conhece o suficiente pra saber que sou o tipo de pessoa que gosta de descobrir as coisas sozinha. Quer dizer, mesmo que você tenha razão com relação ao protetor solar e outras coisas, tenho de aprender por mim mesma. É assim que sou. - Eu sei; também sou assim. - Não, você ainda não entendeu! Quero dizer, faça um favor a nós duas e pare de me encher sobre religião!
- Sobre religião! Paula elevou seu tom de voz: - Desde as férias passadas você não pára de pegar no meu pé. Primeiro nas cartas, e agora, que estamos juntas, continua dando uma de certinha, de infalível! Como esse negócio de trazer meu maiô velho pra cá! Você tem um padrão de vida tão perfeito!... Pode ser bom pra você. E talvez você esteja certa até mesmo sobre Deus e tudo o mais. Mas tenho de tirar minhas conclusões por mim mesma. Cris piscava, nervosa, mas sem nada responder. Paula abaixou os olhos e tirou o rímel da bolsa, pondo-se a torcer o bastão para dentro e para fora. - Estava querendo lhe falar isso desde que cheguei. Estou muito contente de finalmente ter conseguido, principalmente porque vamos passar o dia inteiro juntas. Começou a aplicar o rímel e Cris percebeu que a mão dela tremia. - Se estiver tudo bem com você, vamos voltar a ser amigas, do jeito que sempre fomos. E deixe que eu decida sobre minha vida e cometa os meus próprios erros. Por um momento reinou o silêncio entre elas. Então Cris o rompeu saindo do banheiro e indo para o quarto. Pôs-se a colocar alguns objetos na bolsa de praia que sua mãe lhe dera. Eu só queria ajudar você Paula, e você nem percebeu! Somos muito diferentes agora. O que é importante pra mim não significa nada pra você. Como posso deixar você decidir sobre sua vida quando vejo que está prestes a cometer erros bem sérios? Com passos firmes, marchou até o armário e tirou duas toalhas de praia. Abraçada a elas, fechou os olhos, respirou fundo e tentou se livrar de todas as frustrações num grande suspiro. Relembrou as palavras de Ted: "Ela não é pau. Você devia orar por ela", que ficaram
a repassar-lhe na mente. No instante em que ela ia principiar a orar pela Paula, David e Ted entraram porta adentro. Carregando uma caixa de isopor e as chaves do jipe entre os dentes, Ted fez sinal para ela, chamando-a. Paula apareceu, animada e sorridente. Cris resolveu que não deixaria nada estragar seu dia. Mesmo quando a Paula sentou na frente, ao lado do Ted e sorriu para ele, Cris se controlou para não deixar que aquilo a abalasse. Os quatro se lançaram na estrada com o vento nos cabelos, sendo quase impossível conversarem. Isso mudou quando chegaram a Lahaina e Ted virou à direita, tomando a direção do Centro. - Querem ver a primeira igreja construída pelos missionários iqui? Eu passava por ela todos os dias, ao voltar da escola. - Pensei que fôssemos às cachoeiras, reclamou David. - Isso mesmo! concordou Paula no momento em que Ted diminuía a marcha num cruzamento e entrava numa parte da cidade onde havia uma rua estreita com muitas casas velhas de madeira. - Eu gostaria de ver, disse Cris com firmeza. - Olha a igreja ali, falou Ted. Parou o jipe sob umas palmeiras altas ao lado de um murinho de pedras. Ali havia uma placa que dizia: "Igreja de Waine". - Na verdade esta não é a original. A primeira foi derrubada por uma tempestade, mas eles a reconstruíram. Depois, acho que foi derrubada de novo ou queimada, e reconstruíram outra vez. Os missionários não desistiram. Continuaram reconstruindo a igreja. Esta ficou porque a construíram na posição certa, voltada para as montanhas. Assim, quando sopravam os ventos do Kona, era só abrir as portas da frente e dos fundos e deixar que o vento passasse pela igreja até o mar. Boa idéia, não acham?
Paula bocejou. Ted sorriu e ligou o motor. Olhou para trás, na direção de Cris, e disse: - Estudei isso tudo quando morava aqui. Esqueci que nem todo mundo está tão interessado nos primeiros missionários como eu. - Pois eu estou, disse Cris, inclinando-se para a frente. Ontem eu e minha mãe fomos ver o museu da casa dos missionários. - A casa Baldwin na rua Beira-Mar? - É. Gostei muito, disse satisfeita, sabendo que marcara um tento em cima da Paula. - O primeiro missionário foi o Reverendo Richardson, disse Ted, apontando o cemitério ao lado da igreja. Ele foi enterrado ali. Era um homem incrível. Dizem que houve uma epidemia de varíola aqui e ele sozinho evitou que a doença acabasse com Lahaina, e nem era médico. - Legal! exclamou Cris que conquistara a atenção do Ted. - Isso aqui vai virar um giro turístico ou vamos às cachoeiras? indagou Paula. - É isso aí, protestou David. - Está bem, disse Ted rodando de volta para a estrada principal, de onde foram para o outro lado da ilha. Cris recostou-se no banco, satisfeita por saber que mais tarde ela e Ted poderiam conversar sobre os missionários, só os dois, já que esse era um interesse de que Paula não partilhava. Mas não era apenas o interesse em comum com o Ted. Sem saber explicar, sentia-se entusiasmada ao pensar em homens e mulheres que amavam tanto a Deus, que não desistiam, mesmo quando os furacões derrubavam a igreja deles. Admirava essa perseverança. Um pouco depois do aeroporto, Ted diminuiu a velocidade, para entrar num vilarejo bastante interessante. Antes de chegar lá, ele gritou:
- Aqui estamos na capital mundial de windsurf. Querem descer e olhar? - Não! respondeu David. A não ser que a gente vá nadar. - Está bem, David, replicou Ted sorrindo. Vamos chegar a uma cachoeira. Segure firme. A estrada aqui é longa e sinuosa! No trecho seguinte, a estrada foi ficando mais e mais estreita. Ao fim de cada curva, já encontravam outra pela frente. O cenário era exatamente como Cris imaginara o Havaí do passado, cascatas escondidas em vales acarpetados de samambaias imensas. Flores coloridas cresciam por entre as rochas, aves exóticas cantavam no topo das árvores, e de vez em quando viam-se casas simples, pequenas, de telhado de zinco, construídas sobre palafitas. Ali no jipe aberto ela tinha a sensação de que tudo estava mais perto, como se pudesse esticar a mão rapidamente e colher uma flor ou um ramo ao passar. O cenário era assim por vários quilômetros. A viagem também continuava, infinda, marcada por buracos e solavancos, curvas e mais curvas, passagens estreitas a exigir olhos vigilantes e perícia no volante. Duas vezes tiveram de parar para deixar outro carro passar, já que havia uma pista só. Cris calculou que tivessem viajado umas três horas. - Será que não podem melhorar essa estrada? exclamou Paula após uma curva perigosa em que se viu quase atirada contra a parede de rocha vulcânica que havia do seu lado. - Na verdade, melhoraram. Quando eu e meu pai vínhamos acampar por aqui era bem pior. - Como podia ser pior? - Havia partes sem asfalto. Era terra e cascalho, e muito barro quando chovia. - Eles não facilitam nada para o turista, disse Paula. -Acho que a intenção é essa mesmo. O povo daqui não quer ver mudanças. Dou
razão a eles. Hana é um lugar maravilhoso. - Já estamos chegando? perguntou David pela enésima vez. - Quase. Uns quinze minutos depois, chegavam a uma estrada lisa e larga. Reconheceram que estavam em Hana quando avistaram o vilarejo de pequenas casas que apareceram de repente na encosta da montanha. Cris viu uma velha igreja branca, com torre alta, e sorriu só de pensar que os corajosos missionários houvessem alcançado Hana mais de um século atrás. Do outro lado da rua da igreja, via-se um campo cercado, de relva cor-de-esmeralda, que ia até o sopé dos penhascos mais íngremes, que davam para o oceano azul-turquesa. O colorido era incrivelmente belo. Uma dúzia ou mais de cavalos pastavam no "tapete" de esmeralda, o pelo brilhante parecendo mais sedoso que o de qualquer cavalo que ela vira. Cris sentia saudade da fazenda onde fora criada no Wisconsin. Mas o pasto de lá nunca adquiria esse tom verde vivo, e os cavalos deles eram pretos ou baios. Nada do ébano sedoso, âmbar ou caramelo, como aqueles ali. - Cadê as cachoeiras? choramingava David. Em vez de responder, Ted levou o jipe a um posto de gasolina, pequeno e antiquado, e encheu o tanque. David resmungava o tempo todo. - Estou com fome. Quando é que vamos comer? Quanto tempo demora pra chegar? Não podemos descer aqui? - Pare com isso, David! Parece um bebezão! falou Paula repreendendo-o. Não devíamos ter deixado você vir conosco. Antes de entrar de novo no jipe, Ted remexeu o cabelo do David, já emaranhado pelo vento, e disse:
-Acha que você aguenta mais uma meia hora, companheiro? - Meia hora! - Ah, puxa vida! Pensei que já estivéssemos chegando, murmurou Paula. Você não disse que levaria o dia inteiro pra chegar a essas cachoeiras. Pensei que dissesse que eram uns cento e poucos quilômetros. - E é mais ou menos isso. Mas talvez você não tenha notado que não estamos andando muito depressa. - Então vamos embora logo! ordenou Paula. Não dá pra acreditar que já passamos da metade do dia e que ainda não chegamos. Nesse ritmo, quando chegarmos, será hora de voltar pra casa. - Não me diga! exclamou David num gemido. Vamos ter de voltar pelo mesmo caminho?! - A não ser que queiram voltar pela estrada de terra, que demora mais, disse Ted, sentando-se no banco da frente e ligando o motor a toda. Vamos lá, minha gente. Cadê o senso de aventura? - Viva! gritou Cris espontânea quando Ted fez cantar os pneus. Cris estava gostando de tudo. Curtindo de verdade. Se era isso que ele chamava de aventurar-se, talvez ela já pudesse considerar-se uma aventureira. - Ah, esqueci de dizer mais uma coisa, disse Ted quando passava por uma enorme plumeria que enchia o ar com sua fragrância. O trecho da estrada acima é dez vezes pior do que o que acabamos de percorrer.
A Ponte 11 - Essa estrada devia ser interditada! gritou Paula. Quanto tempo ainda falta? - Falta pouco. Relaxe! Isto é que é o verdadeiro Havaí, disse Ted. - Eu preferiria estar lá no apartamento, murmurou Paula, cruzando os braços. - Pois eu estou adorando tudo! gritou Cris. O carro ia devagar e o vento já não soprava; por isso a voz saia bem clara. Ela riu de sua própria exuberância e resolveu extravasar todos os sentimentos que estavam guardados. - Olhem só aqui, gente! exclamou ela. É lindo! Não me limporta a demora pra chegar. Já viram uma flor crescer assim na pedra? indagou arrancando uma florzinha roxa do lado. Eu seria capaz de viver aqui o resto da vida, concluiu aspirando o perfume dela. Ted virou-se para ela sorrindo. - Sabia que você ia gostar. Atravessaram devagar uma ponte comprida. Havia algumas pessoas paradas junto ao parapeito, olhando para baixo. - É aqui, galera! anunciou Ted. O estacionamento é mais adiante, nesta rua. De lá até a cachoeira a gente vai andando. - Até que enfim! resmungou David, olhando rápido em volta. É só isso aí? Não tem escorregador de água? - Sinto muito, cara. É tudo natural, do jeito que Deus criou.
Do seu lado do jipe, Cris só enxergava uma rocha escura e redonda dentro da qual havia uma piscina natural que desembocava no mar. De repente Paula soltou um grito fazendo Ted pisar no freio. - Olha aquele homem! Ele vai saltar! Não deixa, não, gente! Tarde demais. Um homem de calção verde furta-cor saltou do parapeito da velha ponte de pedra e mergulhou na água embaixo. - Ah! Ainda bem que tem água lá embaixo! falou ela expressando o que descobrira. Eu não sabia que havia água lá. - Nossa! exclamou David. Você viu aquilo, Ted? Você já fez isso? Já saltou daquela ponte? - Ainda não. Estacionado o carro, desceram a trilha comprida, ladeada de vegetação, até as piscinas que havia mais embaixo. Caminharam sobre pedras escorregadias, sentindo nos pés a água gelada, e chegaram a um cascalho perto de uma piscina natural bem grande, onde colocaram as coisas. Paula estendeu a toalha e começou a tomar banho de sol. David, num só arrancão, tirou a camiseta e os óculos e pulou na água. - Alguém quer explorar as redondezas comigo? perguntou Ted. - Eu não, disse Paula sem nem erguer os olhos. Já tive experiência de sobra de exploradores tipo Indiana Jones no caminho pra cá. - Eu quero! animou-se Cris e seguiu o Ted andando na água fria. Ted apontou uma enorme rocha negra e disse: - Olhe, é essa aí. Sente-se aqui. O que é que está vendo? - É lindo! exclamou Cris. Um cenário tão tropical. Adorei! O que ela não disse era o quanto gostava de ter o Ted todinho para ela. - Pode olhar com calma, disse ele colocando o pé na rocha junto ao ponto onde ela
estava sentada. Seu tênis encharcado gotejava sobre a perna de Cris. - Olhe bem tudo e diga se você enxerga. Ela examinou longamente os dois lados do cânion, do qual brotavam folhagens e cipós. Viu três piscinas naturais, cada uma desembocando em cascata na piscina seguinte. Havia uma quarta que desaguava sobre pedaços de lava negra, e em seguida se derramava completamente no oceano faminto que mandava uma onda atrás da outra para beber a água fresca da montanha. - Está falando das cores? Os azuis são muito azuis, e as plantas têm uma tonalidade de verde que nunca vi. - Não, não. Olhe lá em cima, falou Ted apontando algo. Cris correu a vista pela imensa montanha de pedra vulcânica, com seus debruns de verde relva descendo até o fundo do cânion onde ela e Ted se encontravam agora. Foi então que se lembrou! Pondo-se de pé para melhor ajustar a vista à paisagem, reconheceua por fim. - A ponte! E a ponte do pôster que você me deu. Deve ser este o lugar de onde tiraram a fotografia. Ted sorriu concordando, contente por ver que ela tinha notado. - Encontrei aquele pôster no dia que eu e Bob chegamos. Num armazém, por incrível que pareça! Comprei três: um pra mim, um pra você e um para o meu pai. Ele se acomodou na rocha ao lado de Cris e continuou: - Eu e meu pai nos sentamos exatamente aqui, nesta pedra, quando eu tinha uns dez anos. - Verdade? Que legal! É por isso que você se lembrou da ponte e comprou os pôsteres.
- E tem mais. Lembra do cara que saltou da ponte quando nós estávamos atravessando? - É aquela ponte, não é? A mesma em que passamos. Ted acenou que sim. - Meu pai saltou dela umas duas vezes e queria que eu também pulasse. Mas nunca tive coragem. - Eu lhe dou toda razão. É muito alta! Qual a altura? - Não sei bem. Mais de vinte metros, e a gente tem de saber o lugar certo, com profundidade suficiente para cair na água para não se machucar na pedras que há no fundo. Kimo veio conosco uma vez. Ele pulou, mas eu não consegui. Achei que meu pai tinha ficado meio decepcionado comigo, sabe, achando que eu não era homem de verdade ou coisa parecida, porque tive medo de pular. - Mas você tinha só dez anos! - O Kimo também tinha dez anos, replicou ele, olhando para Cris. Ela desviou os olhos da ponte e os fitou nos dele. Eram azuis como o céu. Azuis como o mar. Azuis como a piscina de água pura aos seus pés. Naquele momento, olhandoo, ela se deu conta de que havia muito coisa que não sabia sobre o Ted, e muito que gostaria de saber. - E então, o que foi que aconteceu? Cris sentia-se um pouco nervosa com a proximidade do rapaz, pois ele a fitava intensamente. Ao mesmo tempo, porém, desejava poder ficar lá a tarde toda, conversando sem parar. - Meu pai me trouxe até esta pedra e ficamos sentados aqui, assim. Ele pediu que eu olhasse para a ponte e sempre me lembrasse dela porque em minha vida haveria muitas pontes. Cada uma representaria uma decisão a ser tomada. Depois disse que me admirava
por não ter saltado só porque o Kimo saltou. - Espera aí, interrompeu Cris. Ele disse que admirava você por não ter pulado? - É. Ele disse assim: "Para mim não tem importância se você nunca conseguir pular. O que me importa é que você tome suas decisões e as cumpra porque foi você que decidiu, e não porque os outros o forçaram ou o convenceram." Foi mais ou menos isso. Ted fez uma pausa e Cris compreendeu que aquele momento estava sendo muito significativo para ele também, tanto quanto o era para ela. - Bom, continuou ele, o certo é que nunca mais esqueci aquele dia, nem as palavras de meu pai. Creio que a partir daí tornei-me mais individualista. Quando decido alguma coisa é porque eu decidi e não porque alguém me obrigou a isso. Em seguida, ele se levantou, pegou na mão de Cris, puxando-a para erguê-la, e disse: - Vamos. Eu lhe mostro o caminho para chegar lá em cima. Na primeira pedra, Cris escorregou, mas conseguiu se aprumar e continuou segurando firme na mão do amigo, enquanto ele a conduzia pela trilha estreita nas rochas. Serpentearam por entre a mata de enormes folhas e cipós. As piscinas à direita iam parecendo cada vez menores e mais distantes, à medida que subiam. Numa clareira, na metade do caminho, Ted parou e chamou pela Paula. A rnoça que estava deitada na toalha de praia tomando sol ergueu a cabeça e olhou em volta. Sem saber de onde vinha a voz, baixou a cabeça de novo e fechou os olhos. Cris pensou que Paula talvez não os conseguisse enxergar pois estava sem óculos. Conhecendo a amiga, imaginou que ela certamente os havia deixado no apartamento, junto com o maiô inteiriço, que não usava. David tinha acabado de entrar na água rasa, onde estavam alguns meninos, e observava-os pegar pitus com gaiolas de metal feitas por eles. Ted e Cris continuaram subindo até o ponto em que a trilha ia dar na estrada, e Cris
percebeu que haviam chegado ao alto. Estavam na ponte. Alguns carros passavam devagar, e duas senhoras mais velhas se achavam junto ao parapeito, fotografando as piscinas e o mar. Ted foi caminhando com Cris ao longo do parapeito olhando para a água lá embaixo. Parou em certo ponto, a poucos metros das senhoras. Soltou a mão de Cris. Ela percebeu algo diferente na expressão dele e perguntou: - O que há, Ted? Seus olhos azul-prateados fitaram os dela. Cris percebeu-lhe a intenção. Ted ia pular. - Você não precisa fazer isso, sabe? Como seu pai disse, tem de ser uma decisão sua, não uma coisa feita por capricho ou sob pressão. Ted segurou os ombros de Cris e puxou-a para junto de si, no instante em que um carro passava perto deles. Os olhos refletiam os sonhos secretos do seu coração, e ela compreendeu que o que ele ia dizer era verdade. - Pois isso é uma resolução minha. Não vou fazer pelo meu pai, nem pelo Kimo, nem por mais ninguém. Um largo sorriso rompeu em seu rosto e ele acrescentou: - Caso eu não volte, as chaves do jipe estão na minha mochila. Em seguida, abraçou Cris e lhe deu um beijo rápido e firme, como um soldado que beija a amada antes de partir para a guerra. Antes que ela pudesse responder, Ted soltou-a e subiu ao parapeito, os olhos fitos num ponto certo da água profunda, lá embaixo. Sem olhar para trás, flexionou os joelhos e, em silêncio, se lançou no ar pesado e tropical.
Hana Após a Chuva 12
- Aaaaiii! gritou uma das velhinhas. A amiga dela acenava desesperadamente e gritava: - Um homem saltou da ponte! Alguém tem de ir salvá-lo! Agarrada ao parapeito de pedra inclinando-se o máximo que podia, Cris prendeu a respiração e esperou o barulho dele caindo na água. Splash! Depois, de olho na superfície da água, ficou a contar esperando ver surgir a cabeça do Ted. Três... quatro... cinco... seis... Apareça, Ted! Quanto tempo você vai ficar embaixo? Sete... oito... Ali! Ele está ali! Está bem! Conseguiu! Cris tocou o braço da velhinha que ainda gritava e fazia sinal para os carros pararem. A amiga tinha descido à estrada; fora buscar socorro. - Olhe! falou Cris apontando para baixo, tentando atrair a atenção da senhora. Ele está bem! Está vendo lá embaixo? Ted, nadando no meio da piscina, chamou Cris com gritos e vivas, acenando como um doido. A jovem esticou bem os braços por sobre o parapeito, batendo palmas, para que Ted visse que ela o aplaudia. - Telma, gritou a mulher na ponte. Ele está bem. Venha ver! Telma correu até o parapeito e olhou para baixo. Ted acenou para ela com os dois braços.
- Céus! Aquele jovem me deu um susto medonho! exclamou e, virando-se para Cris, perguntou: O que será que deu nele para fazer uma coisa dessas? - Ele queria, justificou. Ele sabe saltar direitinho. Já esteve aqui antes... com o pai. As senhoras não pareciam entender, nem fizeram coro com Cris no aplauso. Seguraram contra o corpo suas máquinas fotográficas e, de braços dados, caminharam cautelosamente para longe da ponte. Cris ainda ouviu uma delas murmurar: - Esses jovens de hoje...! - Ei, Cris! gritou Ted. Você vai entrar? A água está ótima! - Acho melhor eu descer pela estradinha. Encontro você ai embaixo. - Tem certeza de que não quer pular? Cris fez "não" firmemente com a cabeça, acenou mais uma vez e saiu da ponte, descendo a trilha estreita. Foi bem mais difícil descer sozinha, sem o Ted para lhe segurar a mão. Houve um momento em que ela perdeu o equilíbrio e caiu sentada. Ninguém viu, então a vergonha não foi tanta. Levantou-se e continuou a descer, agora com mais cautela. Chegando ao fim da trilha, entrou no lado raso da piscina natural, pisando com cuidado sobre as pedras escorregadias. Parou e descansou na pedra onde ela e Ted tinham sentado, assim que chegaram. David estava a alguns passos de distância, pescando com algo amarrado na ponta de uma linha. - Ei, Cris! Onde você estava? Um cara pulou da ponte. Você viu? perguntou o garoto. - Sim, eu vi. Sabe quem era? - Não. - O Ted. - Sem essa!
- Verdade, David. Pergunte pra ele. - Cadê ele? - Ei! gritou Ted do lugar onde eles tinham deixado a caixa de isopor e as toalhas. Alguém mais quer comer? Paula estava sentada numa toalha ao lado de Ted. Parece que quando Cris se aproximou deles, Paula também se chegou mais para junto dele. - Ei, Ted! Você pulou mesmo? perguntou David. Ted respirou fundo e respondeu: - É, cara. Pulei mesmo. Cris achou que ele não estava acreditando que havia conseguido saltar. - Provavelmente não sobrou muita coisa, disse Paula enfiando a mão na caixa. Seu irmãozinho tirou os frios dos sanduíches pra usar como isca. - Só abri um sanduíche, defendeu-se David. Como sempre, Bob tinha preparado um lanche farto, e havia bastante para comer. Enquanto comiam, todos falavam sobre o salto do Ted. Tal era o calor que Cris sentia sentada ao sol, que, quando terminou o sanduíche, desceu depressa os degraus naturais da rocha até a piscina profunda, para refrescar-se. No começo, a água parecia gelar-lhe as pernas queimadas do sol. Era horrível estar meio gelada e meio calorenta; então, respirando fundo, esticou os braços para a frente e mergulhou. - Brrr! gritou para os outros quando voltou à tona. Muuuito rrrrefrrescante! - Você me convenceu! falou Ted e, dando um salto, mergulhou, aflorando perto de Cris. - Você tem razão! disse ele, piscando os olhos, assim que subiu à tona. É refrescante! Venha, Paula! - Não, obrigada.
- Vamos, insistiu. Você não pode se dar ao luxo de vir a Kipahulu e não entrar na água! - Já entrei. - O quê? Só molhou os pés? gracejou Cris. - Se você não quiser entrar na água, teremos de levar a água até você! afirmou Ted saindo da piscina e agarrando Paula pelos pulsos. Ela começou a gritar e espernear, tentando soltar-se para que ele não a jogasse na água. Naturalmente Ted era mais forte e com um grito estridente, bem seu, Paula acabou dentro da piscina levando o Ted consigo. Saíram rindo e jogando água um no outro. Cris sentiu enorme vontade de sair da água e sentar-se numa pedra, sozinha, toda encolhida. - Ei! gritou Ted, incluindo Cris. Já esteve debaixo duma cachoeira? - Eu quero ir! gritou David que estava na praia, pulando em seguida para junto deles. Ted apontou com a cabeça para a cachoeira e Cris nadou até eles, dizendo a si mesma que esse lugar era maravilhoso demais para que ficasse ali sentada sozinha sentindo pena de si mesma. O ronco barulhento e o borrifar constante de água no rosto iam-na deixando ao mesmo tempo empolgada e nervosa, à medida que se aproximavam da cachoeira. - É mais fácil por aqui, falou Ted. Venham comigo. Todos nadaram para a beirada e encostando-se no paredão, conseguiram sair por um vão que havia no rochedo. Prosseguindo devagar, encontraram uma plataforma onde se sentaram. Achavam-se diretamente atrás da cachoeira. Uma ponta do rochedo projetava-se para a frente protegendo-os como um espesso guarda-chuva negro. - Isso aqui é incrível! exclamou Cris, suas palavras ecoando pela caverna. Olha como a água parece uma grossa chapa de vidro e se esmiuça em bilhões de bolhas espumantes quando atinge a piscina.
- Tem uma cachoeira bem maior a quase três quilômetros daqui, e dá pra ficar atrás dela também, disse Ted, a voz ressoando na caverna. - Ele disse que fica a quase três quilômetros, Cris! Você quer andar tanto assim? Eu acho que já devemos voltar. Que horas são? Paula tremia de frio e não estava gostando nada de ficar atrás da cachoeira. - É. Talvez seja melhor a gente ir, concordou Ted. Se ficarmos aqui muito tempo, teremos de dirigir no escuro. - Nada disso! interveio Paula. Eu já vou sair e começar a me enxugar. - Não dá pra ficar mais um pouquinho? perguntou David. Eu ainda não peguei nada. Seguiram o Ted saindo pela lateral da cachoeira e Cris notou, surpresa, que à medida que iam-se afastando da cascata era muito mais fácil escutar. Quando nadavam de volta, Ted concordou em ajudar o David que se empenhava em pescar pelo menos um pitu. As garotas foram enxugar-se e Paula procurou a máquina fotográfica para tirar fotos. Cris ficou a observar David e Ted que tentavam pegar pitus, que pareciam lagostas pequenas. Tinham entre seis e catorze centímetros de comprimento. Os pitus se escondiam sob as pedras, mas atraídos pela carne do sanduíche, eles saíam para tentar agarrar a isca. Ted e David pegaram dois, mas perderam-nos antes de conseguir tirar a linha da água. David resolveu ficar bem quieto, de pé na água, perto da pedra, e tentar agarrar um antes que ele conseguisse correr para seu esconderijo. Deu certo. Pegou um grande. Vibrando de alegria, foi até onde Cris e Paula estavam, exibindo orgulhoso o seu "trofeu". - Tira essa coisa nojenta daqui! gritou Paula. Que nojeira! - Vou levá-lo para brincar com ele, anunciou David. O nome dele vai ser Carlos. - David! Você não pode ficar com isso, disse Paula. - Claro que posso! Levo na caixa de isopor com água e pedrinhas, explicou.
Em seguida, transformou o isopor num novo lar para Carlos. Paula parecia muito irritada. - Ted, você não acha melhor irmos embora? Quando chegamos tinha muita gente, mas agora não tem quase ninguém. - Bom. Trânsito melhor, falou o rapaz pegando a toalha e a mochila e perguntou: Vocês estão prontos? Cris juntou correndo suas coisas e calçou o tênis molhado e frio. Os quatro saíram andando pela água, sobre as pedras escorregadias. As sombras do entardecer escureciam o lugar, dificultando-lhes a caminhada naquele trecho. David ficou encarregado do isopor, já que o transformara no novo parquede diversões do pitu. Subiam o morro devagar, e quando Cris chegou ao jipe, sentia-se exausta, nada disposta para a longa viagem de volta. Colocou a bolsa de praia no assento dianteiro como quem diz: "Lugar da frente reservado para Cris". - Que é que eles estão fazendo? perguntou Cris a David enquanto ele abria o isopor para verificar o seu tesouro. - Ted disse que era um tipo de fruta e Paula queria que ele pegasse. Aqui. Ele pediu que eu trouxesse a mochila. Protegendo os olhos do sol, Cris se pôs a observar Ted subindo numa árvore no outro lado do estacionamento. Era muito longe e ela estava cansada demais para ficar perto de Paula, que se encontrava debaixo da árvore, apontando os cachos de frutas. Quando eles foram pra lá, e como foi que não notei? Cris se deu conta de que a demora era uma vantagem para ela e sentou-se no banco da frente, ficando a olhá-los pelo retrovisor. Ted desceu da árvore e entregou a fruta à Paula, mas de repente começou a pular sobre uma perna só. Agarrou o pé e, pelo que Cris conseguia ver, ou caiu ou se jogou no
chão. Paula largou a fruta e se ajoelhou ao lado dele. - David, o que é que está acontecendo ali? - Onde? indagou o garoto olhando em volta enquanto Cris soltava o cinto de segurança. - Acho que o Ted caiu, falou ela. Saiu do carro e viu a Paula correndo desesperada na direção do jipe. Foi ao encontro dela. - O que aconteceu? - A mochila! gritou Paula. Cadê a mochila dele? perguntou e passou pela Cris, indo direto para o jipe. - O David estava com ela! replicou Cris e se pôs a correr com Paula para o jipe. De repente, porém, seguindo um impulso, virou-se e dirigiu se para a árvore onde o Ted se encontrava deitado, de olhos fechados. - O que aconteceu? Você está bem? indagou, ajoelhando-se e segurando o braço dele. Ted abriu os olhos e, com voz rouca, disse: - A mochila. - A Paula foi buscar. Já está chegando. Chegou. Tomou a mão dele na sua e apertoua. Paula quase jogou a mochila na cara de Cris. - Pega, Cris, ele disse que está aí dentro! - O quê? gritou Cris desesperada. O que aconteceu? O que é que tem aqui dentro? Abriu o zíper e rapidamente despejou o conteúdo da mochila no chão. - Uma abelha o picou! gritou Paula. Ele é alérgico. Se não tomar injeção, vai desmaiar. Cris agarrou um invólucro comprido de plástico que tinha caído da mochila.
- Deve ser isso aqui, disse ela, controlando a situação. Ted? Você consegue fazer isso? Está bem? - Olha o pé dele! gritou David. O pé direito do Ted inchara tanto, que tinha o dobro do tamanho normal. Paula começou a chorar. - Ai, minha gente! O que é que vamos fazer? Ele desmaiou? - Cris! sussurrou Ted com voz arfante. Pegou a injeção? Cris abriu o invólucro de plástico e tirou de lá uma seringa e uma agulha. - Que é que eu faço com isso, Ted? - Tire a tampa e me entregue. - Ai! Não consigo olhar! Não consigo olhar! Tenho pavor de injeção! falou Paula e afastou-se chorando. - Está bem, Ted. Aqui está. Consegue ver? Estou colocando-a na sua mão. A voz de Cris transmitia uma coragem que ela realmente não sentia. Ted abriu os olhos e aprumou ligeiramente o dorso. Rapidamente Cris foi sentar-se atrás dele, dandolhe apoio. Ele parecia pesar mil quilos. Ela firmou seu ombro fortemente contra as costas dele, para mante-lo sentado, e fechou os olhos enquanto ele aplicava a injeção em si mesmo. Acho que vou desmaiar! Não faça isso, Cris! Respire fundo... As costas do Ted pesavam sobre seu ombro; ela então afastou-se lentamente, para que ele se deitasse. - Será que ele vai ficar bom? perguntou David, em voz baixa e tensa. Ted passou a língua nos lábios. Gotas de suor pingavam de sua testa. Respirou fundo e disse: - É só mais cinco minutos, explicou dando outra respirada funda e continuou. Já vou
melhorar. Paula parou com o choro e virou-se para os outros, fungando e enxugando os olhos. - Ele tirou o sapato para subir na árvore, e quando estava descendo, uma abelha enorme - deve ser do tamanho de uma mariposa - passou voando perto de minha cabeça. Depois disso me parece que o vi pisando nela, alguma coisa assim, porque ele caiu como se tivesse levado um tiro e me mandou pegar a mochila. - Desculpem-me tê-los assustado, disse Ted, entreabrindo os olhos. Sou alérgico a picada de abelha. - Não, seu bobo, disse David, com um jeito engraçado que aliviou a tensão. Pensamos que você houvesse resolvido tirar uma soneca! Ted apertou os lábios. - Vou ficar bem quieto, pois assim fico consciente por mais tempo. Demora um pouco para a injeção fazer efeito. Mas vou ficar completamente bom. - Será que consegue andar? perguntou Cris. - Claro! Agorinha mesmo já estarei bom! - Cris! exclamou Paula parecendo apavorada. Seria melhor perguntar se ele consegue dirigir. - É claro que sim, replicou Ted e em seguida ergueu-se, piscou algumas vezes e abanou a cabeça. Se vocês puderem levar as minhas coisas, acho que chego até o carro. Foram andando devagar. Ted tentou caminhar saltando com o pé esquerdo. Torcia a cara de dor. - Tenho uma idéia, sugeriu Cris. Paula, passe para o lado de lá. Aqui, Ted, ponha os braços em volta de nós. Seremos suas muletas. Conseguiram chegar ao jipe e Ted colocou seu pé inchado sobre o acelerador. David correu para pegar o banco da frente, deixando à Cris e à Paula, o traseiro. A essa altura,
Cris não se importava mais onde sentava. Sabia pela expressão do Ted que ele não estava bem, apesar de ele haver dito que ficaria bom. Via-se que estava se esforçando para parecer normal. - Todo mundo a bordo? Pé na tábua! falou ele e pisou forte no acelerador e o jipe arrancou rápido passando sobre as lombadas do estacionamento para pegar a estradinha. Pouco antes da ponte, Ted entrou num pequeno desvio. Estendeu os braços sobre o volante, apoiando-se nele e respirou fundo. - Tá doendo demais, não está? perguntou Paula, ansiosa. Você não consegue dirigir, não é? O que é que vamos fazer? Ei, gente! Acho que ele vai desmaiar! - Não vou desmaiar, não. Preciso ficar com o pé erguido mais alguns minutos. Talvez a gente tenha de esperar aqui mais uma meia hora. - Mas está escurecendo! disse Paula desesperada. Temos ao menos de passar pela estrada pior enquanto é dia, não foi o que disse? Ted esticou o pé que estava vermelho e inchado e apoiou-o sobre o painel: - Ainda faltam algumas horas para o pôr-do-sol, disse ele. Então por que está escurecendo? reclamou Paula. Ei! Tá começando a chover! - Aaaiii! fizeram as duas juntas no instante em que começou a cair uma rajada de granizo. - Esse jipe não tem capota? perguntou Cris, procurando seu agasalho com capuz. - Cubram-se com as toalhas de praia, instruiu Ted, tirando uma do chão e jogando-a sobre o David. Provavelmente vai durar apenas alguns minutos. - Aaai! Estou encharcada! gritou Paula. Cris puxou o capuz sobre a cabeça e se abaixou para que a chuva lhe caísse no meio das costas e escorresse para o chão. Achou a situação parecida com a de um filme que assistira, em que uma mulher de Nova Iorque se perdeu numa floresta tropical, na
Colômbia, e teve de enfrentar chuva e lama com o seu herói. E assim, tão rápido como começara, o temporal parou e os aventureiros, não tão alegres, saíram das barracas de toalhas. - Olhem pra mim! Estou ensopada! reclamou Paula. Tudo ficou encharcado! Ted, principalmente, estava encharcado, já que dera sua toalha para o David e enfrentara o toro só de camiseta. Passou a mão pelo cabelo curto, sacudindo um chuvisco por todos os lados. Raios minúsculos de sol dançavam pela vegetação acima e atingiam o jipe, beijando as pernas úmidas de Cris com seu calor. - Tem cheiro de... hum... falou Cris tentando achar a palavra certa ao tirar o agasalho e torcê-lo junto ao jipe. - Cheiro de Hana após a chuva, completou Ted, respirando fundo. Depois que a gente sente o cheiro duma floresta tropical depois da chuva, nunca mais esquece. - Tem cheiro de mofo, gente! concluiu Paula que se levantara e estava secando as pernas com a toalha, o que acabou não adiantando porque a toalha estava mais molhada que as pernas. É melhor sairmos daqui antes que São Pedro derrame outra banheira em cima da gente. Ted, já consegue dirigir? Bastou uma olhada para o pé dele para saberem a resposta. O inchaço não havia diminuído e o vermelhão parecia se espalhar. Ted não respondeu. Todos ficaram aguardando o seu parecer. Cris interrompeu o silêncio: - Eu dirijo. Ted virou-se e encontrou seus olhos claros e seu sorriso sincero. - Ela não pode dirigir! protestou David. Ela não sabe! Vai matar todo mundo. Você não dirige, Paula? - Não sei dirigir com câmbio, só hidramático. Além do mais, não enxergo um metro
à minha frente sem os óculos, e eu não trouxe. - Cris, insistiu David, você não pode dirigir, não! Ted continuou olhando para ela e disse: - Se você não quiser, não precisa. Cris inclinou-se para a frente, como se conversasse apenas com Ted, e disse: - Eu quero. É a minha decisão. Não estou fazendo por vocês, nem pelo meu pai nem por mais ninguém. Estou fazendo por mim mesma. Um sorriso de compreensão iluminou o rosto de Ted. - Isso é a sua "ponte", não é? - É. E estou disposta a saltar. - Do que é que vocês estão falando? perguntou Paula. Sem responder, Cris deu a volta no jipe e abriu a porta para o Ted. - Posso sentar aí, cara? perguntou Ted ao David, pulando de uma perna só e mandando o garoto para o banco traseiro. David continuava reclamando, temia que Cris batesse o jipe se Ted a deixasse dirigir. Paula também começou a reclamar. Achava que deveriam procurar um telefone e pedir socorro, tão remoto era aquele lugar. Talvez se discassem para os bombeiros, eles mandariam um carro de resgate para salvá-los. Ted posicionou o pé no painel e começou a explicar as marchas para Cris. - Ei, vocês aí! Não dá pra parar de reclamar? perguntou aos dois no banco traseiro. Calaram-se imediatamente, e Cris ouviu com atenção as instruções do Ted, lembrando-se com certa clareza de quando treinara direção com câmbio manual. O motor deu partida logo na primeira tentativa, e Ted forçou para baixo o câmbio para engatar a ré. - Solte devagar e não se preocupe em chegar depressa.
Lembrando-se do seu dia fatídico no estacionamento da igreja, Cris tranquilizou-o: - Não se preocupe. Devagar é que faço melhor! Engolindo as risadas e o nervosismo, ela olhou por cima do ombro. Com cuidado, foi soltando a embreagem enquanto pressionava de leve o acelerador, tencionando alcançar a estrada de marcha a ré. O jipe derrapou pelo cascalho lamacento e Cris pisou forte no freio. Paula gritou e David começou a implorar que chamassem o pessoal do resgate. Ted não ligou para eles e, colocando a mão sobre a de Cris, disse com calma: - Bom. Agora aqui está em primeira. Vamos lá, libere um pouco de gasolina. Ela acelerou e o jipe foi para a frente, esparramando lama e borrifando a todos com sardas pretas e avermelhadas. - Conseguiu, Cris! falou Ted elogiando-a em meio aos protestos de Paula. Continue, agora passe para a segunda, assim. Ele mexeu sua mão para baixo e a pulseira "Para Sempre" de Cris tocou de leve o metal da embreagem. Ao cruzarem a ponte, Ted apertou a mão dela, correndo o polegar pela corrente da pulseira. Não precisava dizer nada. Ela sabia que ele estaria pensando como ela. Isso era a "ponte" de Cris. Alguma coisa nos dois mudou nesse dia, tendo a ponte por testemunha; em Ted, ao saltar, e em Cris, ao dirigir. Seria sempre um momento "para sempre". Ted soltou-lhe a mão e ela segurou no volante com as mãos na posição dez e duas. - Devo continuar de segunda? - Sim, e não acelere mais. Aqui as curvas aparecem mais depressa do que se espera. Ted tinha razão. As curvas eram contínuas e as lombadas constantes. Cris, de queixo firme, tenso, começava a sentir dores na boca de tanto trincar os dentes. Ia aspirando o
perfume espalhado pela chuva tropical, e mesmo estando com medo, sentia uma felicidade indizível. As sombras aumentaram e Cris tinha de esforçar-se para enxergar a estrada, que parecia sair do lugar. Subia, descia, virava, e em alguns lugares ficava tão estreita que só dava passagem a um carro. Noutros lugares, quase rente ao lado do passageiro descia um precipício com centenas de metros encosta abaixo, todo ele formado de lava negra, paralisada séculos atrás por um oceano glacial. E não havia grade protetora. Por quase uma hora, Cris usou de toda a sua coragem e destreza para percorrer a estrada de Hana. De repente, quando a noite já baixara quase por completo, encontraram o pavimento liso, asfaltado e reto, e todos se animaram, sabendo que haviam chegado a Hana. - Vire para aquele lado, orientou Ted apontando para uma entrada onde se via uma placa que dizia "Mercado Rural de Hana". Se ainda estiver aberto, podemos comprar alguns suprimentos para a viagem de volta. - Quero qualquer coisa de chocolate, disse Paula. Sinto que preciso urgentemente de chocolate! Ted indicou onde ela deveria virar e estacionar, e logo que Cris parou, David e Paula saltaram do jipe como se fossem prisioneiros que acabaram de ser postos em liberdade. Cris encostou-se no banco e deu um enorme suspiro de alívio. - Você conseguiu! elogiou Ted, esticando o joelho já dormente e estendendo o pé que melhorara bastante. Você não pára de me surpreender, Cris, continuou com voz firme e terna, lentamente colocando as pernas para fora. Firmando-se no solo sobre a perna boa, completou: - Vou ligar para seu tio. Encontro você lá dentro. Cris relaxou as pernas tensas e repetiu a frase: Você não pára de me surpreender, Cris.
Vindo do Ted, isso era um grande elogio. Talvez ele nunca viesse a comparar seus olhos com a Gruta Azul. Talvez nunca a levasse a um restaurante chique. Mas hoje eles haviam compartilhado uma aventura e Cris sabia que, depois dessa experiência, jamais seria a mesma. Dentro do mercado, David pediu: - Quero comprar isto aqui, Cris! Mostrou uma camiseta com o desenho de um sujeito com ar desesperado dirigindo numa estrada cheia de obstáculos. Nela havia a legenda: "Sobrevivi à estrada de Hana." - Compra pra mim? repetiu ele. - Claro, David! replicou Cris rindo. Acho que todos nós devíamos comprar uma. Compraram e vestiram para chegar com elas em casa. As camisetas foram a primeira coisa sobre a qual Marta fez escândalo quando chegaram ao apartamento, já quase meianoite, gelados, cansados, imundos e famintos. Todos falaram de uma vez, contando os detalhes de sua aventura maluca. - E foi você quem dirigiu, Cris? indagou a mãe meio tensa. - Só durante uma hora. Quando paramos em Hana, onde o Ted telefonou pra vocês, o pé dele já estava bem melhor. Ele dirigiu o resto do caminho. Estávamos encharcados da chuva, sentindo muito frio por causa do vento naquele jipe aberto! - Vou ferver água, ofereceu-se Marta indo para a cozinha, onde quase tropeçou sobre a caixa de isopor. Tem chocolate quente por aqui, em algum lugar. De repente ela gritou, agarrou a vassoura e começou a bater no chão perto do isopor aberto. Correram todos para a cozinha a tempo de ver o "Carlos Camarão" sem vida, todo esmagado, no chão. - Tia Marta! gritou David. Era o meu pitu! - Ah! David, não chore. Seu tio leva você amanhã para um restaurante e você come
todo o pitu que quiser, nĂŁo leva, Bob? David chorou ainda mais e saiu correndo da cozinha. - O que foi que eu disse? perguntou Marta. NinguĂŠm respondeu. Estavam todos rindo demais.
Uma “Coisa de Deus” 13 Os últimos dia das férias passaram como uma brisa refrescante e perfumada. Eles ficaram à beira da piscina, caminharam pela praia ao pôr-do-sol, fizeram compras e jantaram em restaurantes elegantes. Cris e Paula se deram bem melhor do que no começo da viagem. Na última noite no Havaí, Bob os levou a velejar e jantar ao pôr-do-sol num catamarã*. Participaram do passeio uns vinte e cinco turistas, como eles.
* Espécie de jangada indiana. (N. da T.)
Um era estudante universitário dinamarquês, de nome Alex. Paula grudou os olhos nele no instante em que o rapaz subiu a bordo e em menos de cinco minutos os dois já estavam conversando. Falaram sem parar durante todo o trajeto. Cris teve a impressão de que o Alex estava encantado com o jeitinho da Paula. Depois do jantar, Cris afastou-se do grupo e, com passos oscilantes devido ao jogo do barco, foi até a frente do catamarã. Sentou-se lá. O sol tinha acabado de ser devorado, com três bocadas, pelo vulcão que havia no centro da ilha Molokai. Só restava um halo de nuvens felpudas, vermelhas, alaranjadas, amarelas e cor-de-rosa, parecendo um imenso guardanapo de festa a limpar os lábios do vulcão insaciável. O mar, azul e claro, convidativo, balançava ternamente, embalado na sua perene canção de ninar. Ted chegou
em silêncio e se deitou de bruços sobre o convés ao seu lado. - Olha aí! São as duas luzes de Molokai. - Então, você já decidiu? Pelo rumo que as coisas haviam tomado nos últimos dias, Cris calculou que ele tivesse avaliado a conveniência de optar entre ela e Paula, recaindo a escolha sobre si mesma, Cris. - Não, ainda não. Não sei se devo ir para a faculdade este ano ou entrar no torneio profissional de surfe. - Era isso que você estava tentando decidir? Ted parecia surpreso. - É. O que você achava que fosse? Para evitar responder, ela perguntou depressa: - Então você quer ser surfista profissional? - Não. Quero ser tradutor da Bíblia, replicou, os olhos estrelados como o céu que escurecia acima. Meu sonho é ir a urna ilha tropical remota onde o povo jamais ouviu o evangelho. Quero morar lá, aprender a língua e traduzir a Bíblia para eles. - Você quer ser missionário? indagou ela, pronunciando a palavra com respeito, com o mesmo senso de encanto e admiração que sentia pelos primeiros missionários no Havaí. - Quero, disse Ted com ar sonhador. Quero ser missionário. Agora tudo ficava claro para Cris. Nesse momento, entendia melhor o Ted. Ele tinha o mesmo espírito de luta dos missionários que haviam insistido em reconstruir a igreja derrubada. Tinha o mesmo coração temente a Deus que fez com que o casal Baldwin orasse pelos marinheiros que infestaram seu lar e sua ilha de mosquitos, em vez de lutar contra eles. Quanto a morar na selva, bem, isso também era uma característica do Ted. No ano anterior, quando tinham ido à Disneylândia, a atração predileta dele fora a casa da Família
Robinson. Cris achava que ele seria um ótimo missionário na selva. - Sabe, quando estávamos em Hana, continuou Ted, comecei a sonhar ainda mais em ser missionário. Nadar em piscinas naturais, viver do que a terra produz, o cheiro do ar depois da chuva... - É melhor levar um suprimento de antídoto de picada de abelhas para toda a vida! avisou Cris. Ted riu-se. - Está certo. Não posso sair de casa sem ele! concordou o rapaz, ficando sério e continuou: Você agiu de forma excelente aquele dia, mantendo a calma durante uma emergência e tudo o mais. Se você não estivesse lá, talvez eu não tivesse sobrevivido. E nunca lhe agradeci por ter dirigido o jipe pra mim. - Tudo bem, Ted. Você sabe que fiz aquilo por você, mas também por mim. Não estou mais com medo de fazer o exame de motorista. Se sou capaz de dirigir na estrada de Hana, posso dirigir em qualquer lugar! Riram-se os dois, e Ted comentou: - Bom treinamento missionário, Kilikina. Então percebeu o que falara, como se tivesse saído sem querer. Cris permaneceu calada, quieta, absorvendo o que ele lhe dizia. Ele me chamou pelo meu nome havaiano. Acha que eu daria uma boa missionária. Ted acha que nós seríamos bons missionários juntos! Ele quer casar comigo! Mas se ele viajar para o torneio de surfe, quando é que vou vê-lo? - Obviamente, acrescentou ele depressa, isso é outra ponte, não é? Terá de decidir por si mesma. - Certo, concordou Cris, procurando disfarçar as fortes emoções de que fora tomada. Como a escolha entre a faculdade e o surfe, acrescentou e apontou para as duas luzes de Molokai. Quanto mais próxima a hora da decisão, mais clara será a sua escolha, concluiu.
- Essa semana foi muito cheia! Parece que Deus tinha muito a nos ensinar. Cris lembrou-se de que Katie dissera que Deus iria fazer algo em sua vida durante a viagem. Será que é isso que Katie quis dizer quando falou que o passeio era uma "coisa de Deus"? Estavam quase chegando ao cais, e enquanto o catamarã entrava pela praia de Lahaina, Cris se divertia ao ver um velho navio baleeiro, que ali se achava em exposição, cheio de luzinhas que iam até o cimo do mastro. Da hospedaria "Velho Pioneiro" que estava bem à frente deles, vinham sons altos de música e risadas barulhentas. Mais uma vez, Cris tentou imaginar como Lahaina seria cento e cinquenta anos antes. Visualizou as missionárias, sentadas no lanai da frente, na casa dos Baldwin, a um quarteirão dali, agitando os leques para espantar os mosquitos numa noite quente de verão e orando pelos marinheiros que haviam aportado naquele dia. Naquela noite, Cris orou pela Paula. Orou aquela noite e todas as noites seguintes até a amiga voltar a Wisconsin. E a moça parecia bem diferente. Desde a viagem a Hana, Paula mudara, embora Cris não soubesse exatamente em quê. Ainda não se tornara cristã, nem mostrava interesse em fazê-lo. Mas havia abrandado um pouco. Quando Cris e seu pai foram ao aeroporto levar Paula, no dia em que esta voltaria para Wisconsin, descobriram que o vôo se atrasaria pelo menos uma hora. Para surpresa de Cris, Paula recebeu a notícia com calma. Esta é a primeira vez que me vejo num aeroporto com a Paula sem que ela tente chamar a atenção de todo mundo! Talvez a aparência dela chamasse um pouco de atenção. Estava com a camiseta da estrada de Hana, a pulseira de conchas que Marta lhe dera, uns brincos de calango verde, óculos de sol rosa-shocking e uma pochete alaranjada furta-cor que tinha comprado, com
as palavras "Maui no ka oi" (Ted explicou que significava "Maui é o máximo"). Tendo uma hora de espera, as garotas foram automaticamente para as janelas imensas olhar os aviões que desciam. - Foram duas semanas supercheias, principiou Cris. - Foram mesmo! Mal vejo a hora de chegar em casa para ver se o Alex me escreveu da Dinamarca! Minhas amigas não vão acreditar que fiz amizade com um gato da Dinamarca! Tenho algo que nenhuma delas tem. Cris ficou com vontade de cortar com uma resposta maldosa e dizer: "É, você ainda é virgem, coisa que nenhuma delas pode reconquistar." Mas em vez disso, respondeu: - Você tem muito mais que nenhuma delas tem, Paula. E não estou falando só de um namoradinho dinamarquês, não! - Ele não é meu namorado, Cris. É apenas um conhecido estrangeiro, explicou. Parecia que havia ensaiado várias vezes na frente do espelho até conseguir um título perfeito para o Alex. - Mas é um gato e tanto, não acha? continuou Paula animada. Tão diferente dos caras da minha escola, o sotaque e tudo o mais, e muito educado. Ainda estou encantada de ele ter-me telefonado no dia em que viemos embora de Maui. - Os caras devem ser educados com você, Paula. Você merece o melhor rapaz do mundo. - Ele já é seu, disse Paula com sinceridade mas com ar brincalhão. E nem sabe o valor dele. - Sei, sim! - Não, não sabe não! Ele é o único namorado que você teve, e portanto, você não sabe quantos caras horríveis existem por aí. E ele é tão leal a você, Cris! Quando fomos surfar, e depois, naquele dia em que fui com ele buscar pizza... bem, talvez eu não devesse
lhe dizer isso, mas... - É melhor contar! Paula ajustou a pochete, tirou os óculos e continuou: - Você vai me detestar depois dessa, Cris, mas acho que você precisa saber. Quando fomos buscar as pizzas, eu tentei, sabe, dar em cima do Ted. Quando estávamos surfando, ele não parecia interessado em mim, e achei que era só porque o David estava perto. Cris sentiu uma raiva súbita mas controlou-se. - Então quando fomos à pizzaria ele não correspondeu em nada. Daí me passou um doce sermão de irmão mais velho, dizendo que as garotas não deveriam provocar os rapazes, dando em cima deles ou usando roupas indecentes, que uma garota nunca devia deixar que os rapazes mexessem com ela, tocando-a ou dizendo coisas muito provocantes. Paula falava de olhos baixos, e prosseguiu: - Ele me disse que eu deveria me guardar para muito legal. Ele me fez sentir que mereço um príncipe, não o primeiro sapo que aparecer. Quero encontrar um rapaz que goste de mim pelo que sou e pelo meu valor interior, e não só pelo que eu possa dar a ele. Quero encontrar um cara como o Ted. Ela ergueu o olhar e continuou: - Mas não se preocupe! Não estou mais tentando roubá-lo de você. Ele está totalmente apaixonado por você, Cris. Quando você está por perto, ele não vê mais nenhuma garota. Acredite, eu tentei! Cris não sabia se deveria ficar contente ou furiosa. - Eu queria lhe contar isso antes de ir embora. Acho que foi bom o avião se atrasar para eu ter essa chance. - É, foi bom. Um sorriso voltou a tomar conta do rosto de Paula.
- É, eu sei! A Katie não diria que "foi bom", e, sim, que foi "uma coisa de Deus". - Isso quer dizer que você está começando a concordar com a Katie sobre as coisas que Deus faz? - Tenho de admitir que ela estava com a razão naquele dia da nossa festa do pijama, quando disse que foi coisa de Deus o Ted ter sido picado pela abelha e não ter podido dirigir, disse Paula. - Sei não. A situação toda me deixou assustada. - Certo, mas como disse a Katie, olha o que aconteceu. Você teve de dirigir na estrada de Hana e, por causa disso, quando fez o exame de motorista, tirou de letra! Se o Ted não tivesse sido picado, isso não teria acontecido. - Não sei. Mas é possível que eu tivesse passado no exame, mesmo sem ter dirigido em Maui. - Teria não! Você estaria nervosa demais. E sabe o que mais? Se eu não tivesse passado aquele tempo com o Ted e visto o jeito que ele trata você e as outras garotas, eu não teria mudado meu modo de pensar e assumido padrões mais elevados. Nessa viagem, aconteceram muitas coisas boas, quer dizer, coisas de Deus, exatamente como a Katie disse. - Bem, ainda não sei muito bem o que é uma "coisa de Deus", mas concordo que a viagem foi ótima para nós duas, falou Cris. Ela sorriu, mas interiormente sentia que estava falando sério. - Paula, tem mais uma coisa que eu queria lhe dizer, continuou. Sei que tivemos alguns momentos difíceis durante a viagem e peguei muito no seu pé, mas estava tentando fazer você se converter. Paula se remexeu um pouco, meio sem jeito, e Cris continuou: - Ainda quero muito isso, mas agora sei que a decisão tem de ser sua. É a sua
"ponte". A do Ted foi quando ele pulou e a minha quando eu dirigi o jipe. Você é que tem de resolver por si, e ninguém pode pressioná-la. Assim prometo não pegar mais no seu pé nas minhas cartas. Mas vou continuar orando. - Pode escrever o que você quiser. Não me importo. Gosto das suas cartas. São sempre interessantes. Como eu lhe disse em Maui, é provável que você tenha razão no que diz sobre Deus e tudo amais. É só que sou o tipo de pessoa que tem de concluir as coisas por si mesma. As duas amigas sorriram e Cris começou a chorar. - Seria bom se pudéssemos começar essa viagem de novo e eu ser tão amiga sua no início quanto somos agora. Paula também deixou escorrer umas lágrimas. - Mas aí não teríamos aprendido tantas lições importantes. Cris concordou e limpou as lágrimas. - Ainda bem que continuamos amigas, apesar de que no decorrer dos anos nossa amizade tenha tido altos e baixos. - E ainda bem que a gente sempre a está "reconstruindo". Cris se lembrou da igreja dos missionários de Lahaiana. Ted dissera que ela havia sido destruída várias vezes. Na última vez em que a reconstruíram, eles analisaram bem a situação e instalaram as duas portas de maneira que quando soprassem os ventos de Kona eles passassem dentro da igreja, em vez de dar contra as paredes dela. - Vou sentir sua falta, Paula, disse Cris, imaginando-se como uma porta aberta diante de outra porta aberta. Sabia que os fortes ventos do céu agora teriam liberdade para soprar através de sua amizade, e não de encontro a ela. - Também vou sentir a sua, replicou a amiga. Vou tentar escrever mais. E talvez eu possa voltar nas férias de Natal ou Páscoa, porque, pelo que sei, você fica me devendo
uma viagem à Disneylândia. Riram-se ambas. Alguns minutos mais tarde, quando chamaram para o embarque, as duas se despediram com risos, abraços e lágrimas. Foi uma despedida dolorosa para a Cris, e, quando se dirigiam para a casa de Bob e Marta, uma suave melancolia tomou conta dela. Bob já havia regressado de Maui e eles tinham planejado que depois de levar Paula ao aeroporto, ele e o pai de Cris iriam comprar o carro. Marta veio receber Cris e seu pai à porta com uma expressão que dizia: "Tem uma surpresa para você..." - Cris, querida, disse ela quase que de imediato. Você trouxe maiô, não trouxe? - Sim. - Ótimo. Então você não precisa ir com eles comprar o carro. Pode ir tomar sol na praia. A jovem entendeu que ali tinha alguma coisa. Possivelmente Ted voltara com Bob e talvez estivesse na praia agora, no lugar onde ela o conhecera nas férias passadas. Marta estava tentando manipular as coisas para Cris ter a "surpresa" de encontrar-se com ele "por acaso", quando fosse à praia. Obediente, Cris foi ao quarto trocar de roupa. Afastou as cortinas de laise para ver se avistava a prancha de surfe do Ted na praia. Nada. Nenhum sinal dele, nem de sua prancha. Teria, então, a surpresa que Marta desejava. Iria até a praia. Estava cheia, como era de se esperar numa tarde de sábado no verão. Passou por vários grupos sem saber direito o que deveria procurar. Afinal alguém chamou seu nome. Era voz de mulher. Olhou em volta, mas não viu ninguém conhecido. - Cris! Era uma jovem sentada sozinha numa toalha de praia perto da água. Cris caminhou
para ela mas cria nunca tê-la visto antes. Tinha cabelo aloirado, penteado para trás, e vestia um biquini que parecia apertado demais para sua barriguinha gorda e as coxas grossas. A moça se ergueu um pouco e acenou alegremente para Cris. Quem será? De onde será que ela me conhece? Não me lembro de ter conhecido ninguém ano passado que parecesse com ela. - Olá! Você me encontrou! Ficou surpresa? Assim que ela disse isso, Cris reconheceu aquele sotaque. - Alissa! A garota deitada sobre a toalha não lembrava em nada a "modelo" alta e magra que "desfilava" pela praia no ano anterior. Cris sentou-se ao lado de Alissa. - Não acredito! Como você está? Veio passear aqui? Cadê o seu... Ia dizer "nenê", mas sentiu que seria invadir-lhe a intimidade. Quer dizer, onde está hospedada? - Muita coisa aconteceu. Não me espanto de você não ter me reconhecido. Eu não fazia idéia do quanto a gente muda por dentro e por fora, quando tem um filho. Alissa parecia um pouco tímida, algo que Cris nunca percebera nela. - Minha mãe está tão melhor no que diz respeito ao alcoolismo, que resolvemos voltar e terminar as férias que deixamos inacabadas no verão passado. Chegamos ontem. Vamos ficar três semanas. Eu não via a hora de encontrar-me com você e lhe contar... Ela hesitou um pouco. Cris estava ansiosa para saber o que ela iria dizer, mas ficou calada, e apenas com os olhos falou: "Continue!" - Semana passada entreguei a Samantha para ser adotada. - Alissa, está brincando! - Não. Foi a coisa mais difícil da minha vida. Se não fosse por você, talvez não conseguisse entregar.
- Eu??! exclamou Cris assustada. Que é que eu tenho a ver com isso? - Você não recebeu minha carta? - Não. Espere aí! falou Cris tentando lembrar-se do conteúdo da carta misteriosa. Algo sobre "Pensei no que você me disse..." - Era bem curta e você não assinou? - Ah! Então eu esqueci de assinar? Muita coisa aconteceu nesse mês que passou. Sabe, pensei muitas vezes em entregar a Samantha, mas todo mundo dizia que eu iria me arrepender. Mas eu tinha certeza de que deveria entregá-la, porque ela precisava de uma mãe e um pai que estivessem juntos. Daí recebi sua carta e compreendi que tinha de fazer o que era o mais certo, mesmo que mais ninguém concordasse comigo. - Que carta? Que foi que eu disse? - Foi logo depois que você foi eleita líder de torcida, mas resolveu ceder seu lugar para a outra menina, porque sabia que era o certo. Aquilo foi um gesto muito corajoso, Cris. - Nem tanto. Na época não me pareceu muito difícil porque a Teri merecia ser a líder. No fundo eu sabia que era o que Deus queria de mim. - É exatamente isso! concordou Alissa falando com entusiasmo. Através de uma agência de adoção, fiquei sabendo de um casal que queria muito um nenê. A esposa tinha perdido uns cinco ou seis por aborto espontâneo, e mesmo depois de várias cirurgias não conseguia engravidar. Achei que eles iriam amar a minha filha e seriam os pais que ela merece. Ah! Cris, você devia vê-los quando assinei os papéis e a entreguei para eles. Pegaram a menina nos braços e a primeira coisa que fizeram foi orar. Em voz alta! Na frente dos advogados e todos os outros! Agradeceram a Deus por aquela resposta de oração, por ter-lhes dado o nenê que há tanto tempo desejavam. Pode imaginar? - Puxa! exclamou Cris, com lágrimas a turvar-lhe a vista. Que incrível! E você ainda
acha que tomou a decisão acertada? - Sem dúvida. Entreguei-lhes uma carta longa que escrevi para Samantha, junto com uma carta que o Ted escreveu pra mim falando sobre o Sam. Eles prometeram que lhe entregarão as cartas quando ela tiver idade pra entender. Aí ela vai compreender que eu a entreguei a eles porque queria o melhor para ela. Vai saber o quanto eu a amo. Tenho certeza de que fiz o que era certo. Um silêncio pairou entre as duas, numa atmosfera de reverência. - Tem mais uma coisa, Cris, disse Alissa, o rosto redondo mais parecendo de uma menina do que de uma mãe. Quero lhe perguntar uma coisa, mas não sei. - Pode perguntar, disse Cris, pensando que nada mais a espantaria. Fale logo. Pergunte. - Está bem. O que eu queria perguntar é, como posso ser igual a você e o Ted? Sabe, o jeito que vocês são com Deus. Quer dizer, quero Deus na minha vida e todasessas outras coisas que você e Ted tem falado nas cartas. Só que não sei como fazer. O coração de Cris batia adoidado. - Quer dizer, você quer tornar-se cristã? Era incrível que, após duas semanas de tanto esforço para que Paula se convertesse, logo a Alissa viesse procurá-la desejando entregar a vida ao Senhor. - Sim, mas quero ser crente de verdade, como você e o Ted e a Frances do centro de "Gravidez de Crise". Vocês falam como quem conhece Jesus pessoalmente. É isso que quero. - Então diga isso pra ele, respondeu Cris, vibrando de alegria. Diga a Jesus tudo que você sente. Ele já sabe, mas diga a ele que se arrepende das coisas erradas que fez, e peça o perdão. Depois, convide-o a entrar em sua vida; entregue tudo a ele. Ele te ama, Alissa. Mas também, é provável que você já saiba disso.
- Sim, sei que Deus me ama, que ele ama o mundo todo. Mas você acha... e aqui ela parou por um instante. Acha mesmo que Deus me quer? - Claro que sim! exclamou Cris sentindo um nó na garganta. Se você soubesse o quanto ele quer você! - Bem, eu sei que quero Jesus. - Então diga isso pra ele. - Tenho de fechar os olhos? - Não tem importância se você ficar de olhos abertos ou fechados. - Vou fechar, falou ela e fechou os olhos, curvou a cabeça e juntou as mãos como uma criancinha na escola dominical. Cris fez o mesmo, imaginando por um instante se as pessoas na praia estariam olhando para as duas. Resolveu não se importar com o que os outros achassem. Estava vendo um milagre maravilhoso demais e não ia se preocupar com o que as pessoas pensavam. - Senhor Deus, disse Alissa, nem sei mesmo o que dizer. O Senhor sabe o quanto me arrependo de tudo que fiz no passado. Quero pedir que me perdoe. Não quero que minha vida seja mais desse jeito. Entre em minha vida e transforme meu coração. Tome conta de minha vida. Amém. Antes que erguessem totalmente a cabeça, seus olhares se encontraram. Cris deu um largo sorriso. Abraçou Alissa e exclamou: - Estou tão contente por você! O Ted vai ficar doido quando souber disso! Sabe que ele tem orado por você todos os dias, o ano todo? Alissa piscou para afugentar as lágrimas e respondeu: - Bem, deu certo! Depois que conheci vocês, fiquei conhecendo outros crentes. Começaram a acontecer coisas inexplicáveis. Comecei a sentir que havia mesmo um Deus
que queria falar comigo. - E o que você está sentindo agora? - Eu sinto como que... como... não sei. Como uma criança novinha e meio bobinha de tão alegre. Tenho vontade de correr para o mar, gritando e dançando de alegria. - Então vamos! gritou Cris saltando como uma faísca que pegava fogo. Vamos fazer isso! - Ótimo! exclamou Alissa ficando de pé. - Um, dois, três, vá! Correram descalças pela areia, balançando os braços, gritando e rindo como colegiais no primeiro dia de férias. Com ousadia, Alissa gritou para o vento, para as ondas, para qualquer pessoa que estivesse por perto: - Jesus me ama! Jesus me ama! Exuberante e maravilhada com a transformação de Alissa, as mãos abertas, Cris pegou água e jogou para cima, borrifando-a com gotículas cor-de-prata. Alissa retribuiulhe o gesto. Ria, inebriada, tremendo como uma criatura recém-nascida, o que de fato era. Rindo, também, até as lágrimas, Cris virou a cabeça para trás, de frente para o sol, fechou os olhos e exclamou: - Isto aqui, isto é mesmo uma "coisa de Deus"!