JUNHO 2014 | ANO I | Nº 1
Viver de Música
Cinco jovens cearenses contam os desafios e os prazeres da profissão em Fortaleza.
p. 21
ESPECIAL:
Rodger Rogério fala sobre os 40 anos do Pessoal do Ceará. p. 5
MÚSICA E REALITY:
A representação da música cearense na mídia nacional. p. 10
EDITAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: Qual o investimento na música cearense hoje? p. 36 REVISTA ARTENATIVA |
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Milhares de pessoas cultivam a música; poucas porém têm a revelação dessa grande arte. Ludwig Beethoven (1770-1827)
EXPEDIENTE A Revista ArteNativa é uma publicação de caráter experimental produzida como trabalho de conclusão de curso das alunas Ana Cecília Costa e Mariana Cunha, concludentes de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Cearense - FaC. Orientação: professora Mara Cristina. EDIÇÃO DE TEXTOS: Ana Cecília Costa Mariana Cunha PROJETO GRÁFICO: Thiago C. Bezerra DIAGRAMAÇÃO: Thiago C. Bezerra Contato: (85) 8863.5393 Twitter: @thijoey issuu.com/thiagojoey IMAGENS: Ana Cecília Costa Eduardo Cunha Mariana Cunha REVISÃO DE TEXTOS: Carlos Alberto Ferreira Junior (Carlos Perdigão) TIRAGEM: 10 exemplares FALE CONOSCO: anacecilia.s@hotmail.com jornalistamarianacunha@gmail.com
EDITORIAL
A
Revista ArteNativa surge do desejo de valorização da cultura cearense. Como seu próprio nome sugere, suas matérias fazem referência à arte da nossa terra. Através dos nossos textos, você poderá conhecer e adentrar no cenário musical fortalezense, sendo apresentado a artistas, grupos musicais e projetos que caminham no mesmo propósito de expandir a cultura local. O foco das nossas pautas são músicos contemporâneos que estão ganhando espaço na cidade. Mas, sabendo da importância das nossas raízes, apresentamos como reportagem especial a história do “Pessoal do Ceará”. Afinal, eles estão completando 40 anos de vida artística e foram os precursores da música cearense. A partir deles foi dado o pontapé inicial na busca pelo reconhecimento nacional. Na nossa matéria principal, contaremos a trajetória de cinco jovens artistas que vivem essencialmente de música em Fortaleza: Felipe de Paula levanta a bandeira do trabalho autoral; Marina Cavalcante tem o canto que encanta; Mel Mattos é a voz do Brasil; Thiago Almeida, o instrumentista de mão cheia; Wellington Jatobass faz da música sua superação. Eles nos contaram as dificuldades e as glórias da profissão. O conteúdo está bem diversificado. Trazemos para o nosso leitor a história de vida do maestro Rômulo Santiago e contamos sobre a participação dos nossos conterrâneos em reality shows musicais. Apresentaremos a nova proposta de canto coral da cidade e falaremos sobre o trabalho do arte-educador Carlinhos Perdigão. Os barzinhos, palco de muitos dos nossos artistas, terão seu espaço aqui também. Além disso, temos enquete e infográfico informativo. Como prestação de serviço aos artistas locais, discutiremos na ArteNativa as políticas públicas para cultura no nosso Estado e ainda mostraremos qual o papel da imprensa na divulgação da arte cearense. Não podemos esquecer também dos nossos colaboradores, Nelson Augusto e Joanice Sampaio, que expuseram suas opiniões sobre a temática musical. A concretização dessa revista é uma realização pessoal e profissional da nossa equipe, pois, além de aspirantes a jornalistas, somos apreciadoras e amantes da música da terra. Esperamos que esse afeto e conhecimento seja transmitido aos nossos leitores em cada palavra escrita. A ArteNativa deseja a todos uma proveitosa leitura!
Quem somos? Ana Cecília Costa
Graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cearense – FaC, e em Letras pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Atualmente, estagiária em assessoria de comunicação no Ministério Público do Estado do Ceará.
Mariana Cunha
CAPA
Graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cearense - FaC. Trabalhou na Rádio Liderança, fez estágio na Catavento Comunicação e Educação e no Departamento de Marketing da Faculdade Cearense - FaC. Atualmente, estagiária em assessoria de comunicação no gabinete do deputado estadual Lula Morais.
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SUMÁRIO
Um Sonho que Completa 40 anos
9 A música de qualidade consumida pelos cearenses
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Cearenses em reality shows
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A história de um regente
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Sonhos que movem a arte
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Curiosidades sobre a música
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Entrevista: Carlinhos Perdigão
20 Como se grava um CD? 32 Os bares e a valorização
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Seção especial: Perfil
22 O transcendente Felipe de Paula 24 A voz de Marina
da música Local
26 Mel Mattos do Brasil
34 Enquete
28 Thiago Almeida, a música sem
36 Políticas públicas para cultura 39 Dicas culturais 40 O papel da imprensa 42 Crônica: cantos de persistência
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preconceitos
30 Música sem barreiras
UM SONHO QUE COMPLETA 40 ANOS Quatro décadas depois, Rodger e Pedro Rogério relembram a história do grupo de músicos que ficou conhecido como Pessoal do Ceará
Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem. Autor da Frase
“Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem”. Um título longo e significativo que marcou a estreia, em disco, de três artistas cearenses. Mesmo não sendo um movimento - nem um grupo de artistas com as mesmas propostas estéticas e musicais -, o subtítulo Pessoal do Ceará ficou. Gravado em novembro de 1972 e lançado no ano seguinte, o LP da Continental, sob a produção de Walter Silva e com arranjos e regência de Hareton Salvanini, entrou para a história como o registro fonográfico que apresenta ao Brasil cantores que já vinham desenvolvendo em Fortaleza um trabalho musical de qualidade. Ednardo, Rodger Rogério e Téti dividiram os vocais nas dez faixas do álbum antológico em que mostravam seus primeiros trabalhos. Os artistas citados acima e mais Augusto Pontes, Belchior, Fagner, Fausto Nilo, Francis Vale, Ricardo Bezerra e outros músicos tinham suas trajetórias musicais independentes, mas chegaram ao mesmo período em centros comerciais como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. E por lá acabaram ficando conhecidos
como Pessoal do Ceará. A ideia era realizar o sonho de ter suas músicas gravadas em disco. Hoje, 40 anos depois, eles comemoram o feito alcançado na década de 1970. Rodger diz que foi natural o ajuntamento do grupo, pois moravam numa Fortaleza com pouco mais de 500 mil habitantes, eram da classe média e estudantes da Universidade Federal do Ceará. Nessa época, os cursos da UFC eram quase todos localizados no Bairro Benfica. O ambiente universitário era um campo aberto para toda movimentação artística que os estudantes desejassem, desde que aprovadas pela gestão da instituição, já que se vivia o período da ditadura militar. “A gente buscava liberdade de comportamento, de atuação, mas acabava tendo restrições. No diretório do curso de Arquitetura havia um pouco mais de liberdade, porque o diretor fazia de conta que não ‘tava’ acontecendo nada lá. Ou seja, a turma tinha mais ou menos o trânsito livre”, conta Rodger, sobre a época em que Fausto Nilo foi presidente do diretório acadêmico. De acordo com o pesquisador e filho de REVISTA ARTENATIVA |
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Fotos: Ana Cecília Costa
Rodger Rogério em entrevista à ArteNativa
Rodger e Téti, Pedro Rogério (Pessoal do Ceará foi tema de sua tese de mestrado e mais tarde tornou-se um livro), havia um circuito no qual os músicos percorriam andando por Fortaleza. Acontecia assim: depois da universidade iam para o Prequé (um bar em frente ao conservatório), de lá para os bares Barão Vermelho, do Anísio e o Estoril. Nesse último ficavam até amanhecer, por diversas vezes, e de lá iam assistir aula. Fizeram isso semanalmente por dois ou três anos. Durante o período em que estiveram na UFC como alunos, participaram de grupos que mesclavam música, teatro e poesia, como o Cactus e o Grupo Universitário de Teatro e Arte (Gruta), o que acabou unindo-os ainda mais e levando-os a participar de festivais dentro da própria instituição, posteriormente. “Começamos a tocar em festival antes de participar de TV, aliás, o que motivou a criação dos programas televisivos foram os festivais. Foi aí que começou uma certa profissionalização de todo mundo. Porque tinha compromisso, contrato, cachê”. Antes disso, lembra Rodger, eles tocavam sem pensar no mercado ou em compromissos que teriam que cumprir por conta da música.
O subtítulo Pessoal do Ceará
Pedro Rogério fala sobre os 40 anos do Pessoal
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Para Rodger Rogério, o Pessoal era um “amontoado de gente, não um grupo que tocava junto. Cada um queria seguir o seu caminho, não queria “tá” atrelado ao outro”. Fagner foi o primeiro a se aventurar em outras terras, quando participou (em 1969) de um festival em Brasília, onde saiu vencedor. A seguir, gravou um disco ao lado de Caetano Veloso e largou os estudos de Arquitetura. Depois foi a vez de Belchior participar e ganhar o Festival do Rio de Janeiro. Os artistas circulavam entre a capital carioca, Brasília, São Paulo e Fortaleza, de acordo com as oportunidades que surgiam. Embora não exista uma viagem só que marque o ingresso desses artistas no circuito cultural brasileiro, eles convergem no mesmo período para os grandes centros culturais. Assim, começaram a participar de gravações de programas como “Proposta”, da TV Cultura, em São Paulo. Nessa época era comum a gravação de discos em parceria. O produtor Walter Silva propôs
Fotos: Arquivo Pessoal
Cada um queria seguir o seu caminho, não queria tá atrelado ao outro.
Pedro Rogério em show do Pessoal do Ceará
Rodger, Téti e Ednardo no disco Pessoal do Ceará
ao grupo de artistas que gravassem um LP coletivo, mas apenar Rodger, Téti e Ednardo aceitaram gravar o disco, com a intenção do nome “Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem”. “Esse rótulo [Pessoal do Ceará] foi dado para nós em São Paulo, e a gente não aprovou incialmente, rejeitávamos um pouco, porque parecia coisa de Novos Baianos. A gente batalhou pra não ser esse o título do disco e eles fizeram essa sacanagem”, relembra Rodger, referindose ao período em que Walter Silva fez o convite para a gravação das músicas. Para Pedro Rogério, pode haver uma razão maior para a aversão: “Eu acho que eles não quiseram o nome por conta de mágoas do passado. Acho que houve dificuldade de convivência entre eles, pois alguns deixaram se envenenar muito cedo pela disputa do mercado fonográfico”. Pedro ainda levanta outra suposição para o rótulo não ser aceito: “achar que ser identificado como Ceará os tornaria ou poderia torná-los menor, ter o reconhecimento desvalorizado nacionalmente”, acrescenta. O certo é que o produtor Walter Silva, identificando aquele grupo como uma unidade de pessoas que tinham as mesmas características - voz, letra, musicalidade -, resolveu aproveitar o espaço deixado em aberto no mercado fonográfico após o exílio de cantores como Caetano Veloso e Gilberto Gil, e lançou o Pessoal do Ceará gravando o disco em 1972. E Pedro revela: “O Walter pediu pra deixar o nome pelo menos como subtítulo, porque eles não queriam a denominação. Aí vieram aquelas letras garrafais, dentro do encarte, com o maior contraste que pode existir que é o preto no branco”. O pesquisador acrescenta ainda que o produtor tinha consciência de que Pessoal do Ceará era o nome que iria “pegar”.
Quatro décadas
Rodger Rogério
Téti e Rodger
Muitos dos artistas que gravaram discos na década de 1970 estão completando 70 anos em 2014, e também os 40 anos desse período. Eles comemoram a gravação do disco próprio ou coletivo, ou até o relançamento. “Eu acho que tem uma configuração favorável agora, a música cearense está sendo valorizada”, conta Pedro. Os três artistas que participaram da REVISTA ARTENATIVA |
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Quando a gente pensa muito acaba acontecendo. gravação do disco em 1972 fizeram trajetórias diferentes. Ednardo gravou 14 álbuns e compôs mais de 300 músicas, ao longo desses 40 anos de história musical. É autor dos sucessos “Pavão Mysteriozo”, tema de novela Saramandaia (1976), “Terral”, “Beira Mar” e de muitas outras canções que ficaram conhecidas nacionalmente. Téti ainda gravou um disco com Rodger, o “Chão Sagrado”, e depois um LP solo chamado “Equatorial”. Já na era dos CDs gravou o primeiro disco em 1998 e o “Nós um”, em 2006. Téti optou por ser mãe e esposa. E depois da separação com Rodger, só se apresenta a convite. Em 2014, Rodger completou 70 anos de vida. Dedicou-se intensamente à carreira acadêmica e, descobrindo-se ator aos 45 anos, participou de diversos filmes, superando a timidez que antes prejudicava sua caminhada musical. Entre uma atividade e outra, nunca parou de compor e de se apresentar em bares e centros culturais da capital. Gravou o primeiro CD solo em 2004, mas está com muitos planos a seguir. “Eu pretendo fazer outro CD com músicas inéditas e um DVD contando mais ou menos a leitura da minha obra. Ainda pretendo ter condições de fazer uma turnê aqui no Ceará e outras maiores. Não há nada definido, mas quando a gente pensa muito acaba acontecendo”, revela Rodger, que não descarta também uma turnê internacional.
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SAIBA MAIS...
MEU CORPO, MINHA EMBALAGEM, TODO GASTO NA VIAGEM – PESSOAL DO CEARÁ – Selo Continental no. SLP 10.094 – 1973 LADO A 1-Ingazeiras (Ednardo ) – voz: Ednardo 2-Terral (Ednardo ) – voz: Ednardo 3-Cavalo Ferro (Fagner/Ricardo Bezerra) – voz: Ednardo, Tétty e Rodger 4-Curta-metragem (Rodger Rogério/Dedé) – voz: Tétty 5-Falando da vida (Rodger Rogério/Dedé) – voz: Rodger Rogério 6-Dono dos teus olhos (Humberto Teixeira) – voz: Tétty LADO B 1-Palmas para dar ibope (Ednardo/Tânia Araújo) – voz: Ednardo 2-Beira-mar (Ednardo) – voz: Ednardo 3-Susto (Rodger Rogério) – voz: Rodger Rogério 4-A mala (Rodger Rogério/Augusto Pontes) – voz: Tétty
A MÚSICA DE QUALIDADE CONSUMIDA PELOS CEARENSES A maior audiência é das canções descartáveis, mas o trabalho mais elaborado dos intérpretes, compositores e instrumentistas também possui uma grande procura no mercado musical em Fortaleza
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pesar da maioria dos alencarinos como grande parte de todo o povo brasileiro - preferir ouvir a música de baixo nível de “artistas” que apostam no “emburrecimento” de seus admiradores, existe também uma parcela da população que está de “saco cheio” das canções das paradas de sucesso e prefere as composições mais trabalhadas. Sendo essas compreendidas em termos de melodias, harmonias e mensagens versáteis e criativas. Como prova desse aspecto destaco que alguns shows recentes da música de qualidade em Fortaleza tiveram todos os seus ingressos vendidos com uma antecipação recorde, a exemplo da apresentação do veterano grupo paulista Demônios da Garoa, no BNB Clube. O mesmo fenômeno se repetiu no espetáculo “Beatles In Concert”, com a Orquestra Filarmônica do Ceará e a banda Rubber Soul & Convidados. Previsto inicialmente para apenas uma exibição, devido ao sucesso da procura do público ocorreu também na semana seguinte com a mesma correria do primeiro dia. Ou seja: plateia esgotada - e vibrante! No caso de temporada programada, outro grande êxito recente -janeiro/fevereiro de 2014 - na mesma perspectiva da música de qualidade foi o espetáculo interativo Vitrola Jukebox-Novelas, realizado no teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura pelo grupo vocal, instrumental e cênico “Vitrola Nova”. Anteriormente, em 12 exibições em 2012, outras apresentações do "Vitrola Jukebox" levaram mais de três mil pessoas ao mesmo teatro. E mais de 1.500 pessoas em seis shows no Teatro do IBEU no ano passado. E no caso dos festivais de música, tanto no campo da formação/ aperfeiçoamento
de instrumentistas quanto de apresentações, há sempre um bom público presente. Nessa perspectiva estão os já conceituados Festivais: “União da Ibiapaba” - FUI; “de Inverno”, da Serra da Meruoca; “Música na Ibiapaba”, em Viçosa; e o “I Violoncelos em Folia”, que estreia em 2014. Além deles, ocorrem com regularidade anual o Festival Choro Jazz, em Jericoacoara, e o Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga. Ambos também com edições na capital cearense, e sendo este último o mais antigo do gênero e sucesso absoluto, sempre acontecendo em pleno carnaval. Por sua vez, na seara dos festivais de rock ´n´ roll, há o Coverama, Rock PontoCe - os dois acontecendo em casas noturnas, o ForCaos - uma alternativa ao Fortal, e o RockCordel do Centro Cultural Banco do Nordeste, o qual também promove uma série de variados eventos musicais de formação de plateia. No campo didático, a formação musical também é realizada sistematicamente nos Centros Dragão do Mar, Bom Jardim, e igualmente nos espaços do SESC-Emiliano Queiroz e Iracema. Também objetivando o desenvolvimento dos músicos e da cadeia mercadológica cearense há, anualmente, a Feira da Música, evento promovido pela Prodisc - Associação de Produtores de Cultura do Estado do Ceará e Casa Fora do Eixo-Nordeste. Já no circuito dos bares e casas noturnas que apostam na música de qualidade e ao vivo, é sempre bom lembrar o Bar do Papai, Ponto de Luz, Marcão das Ostras, Botequim, Amici’s, Tereza & Jorge, Bar da Mocinha, Camaleão, Casa da Sogra, Café Pagliuca, Mistura Cenários, Candeeiro Café, Cantinho Acadêmico, Bar do Assis, Cantinho do Frango, Ponto de Luz, Deguste, Bar do Zé Bezerra, Suvaco de Cobra, Floresta, e tam-
Nelson Augusto
bém das barracas Crocobeach, América do Sol e Itaparicá. Outros espaços - como Praça do Passeio Público, Mercado dos Pinhões e Bar da Mocinha - também são palcos para o consumo das composições melódicas, notadamente o samba, o choro e a MPB cantada para os cearenses. No caso do rock, há lugares importantes como Órbita, Acervo Imaginário, Rock 80 e Maria Bonita, todos atraindo regularmente seguidores bastante fiéis da música “rocker”. No campo dos clubes sociais, um dos poucos que ainda resistem com sua programação fixa em quase todos os dias da semana é o BNB Clube, nas suas sedes da Santos Dumont e da Praia do Futuro. As duas, além de atrações locais, também contratam eventualmente artistas de nível nacional e internacional. Em menor escala, mas também promovendo algumas agendas pontuais, estão o Náutico Atlético Cearense, o Ideal Clube e o Iate Clube de Fortaleza. O antigo Clube Tiradentes, atual Casa Nossa, na Parquelândia, igualmente aposta na música ao vivo, sempre com bom público em eventos semanais. Particularmente no que refere ao público que consome a música dos Beatles em Fortaleza, a plateia é bem servida de atrações: grupos como Rubber Soul, Band on The Run e Sargento Pimenta, se apresentam constantemente em bares, casas noturnas e buffets. Todos eles sempre atraem - em seus espetáculos um grande número de admiradores. Aliás, o evento de maior aglomeração de fãs para música dos Fab Four no Ceará acontece sempre no último sábado de cada ano, na Concha Acústica da UFC, numa promoção do programa Frequência Beatles da Rádio Universitária FM. Nestas ocasiões, a galera itinerante presente é estimada em 10 mil pessoas.
Nelson Augusto – Editor de conteúdo da Web Rádio NelSons (http://radio.nelsons.com.br – nelson@nelsons.com.br)
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CEARENSES EM REALITY SHOWS
Conheça a história dos cantores Marcelo Holanda e Dilauri. Os dois participaram de competições musicais, não foram aprovados, mas seguem em carreiras promissoras Foto: Reprodução Rede Globo
Dilauri em apresentação no The Voice Brasil
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ara muitos artistas, o sucesso profissional está diretamente ligado à visibilidade nos grandes veículos de comunicação. Sabendo disso, como opção para a descoberta de novos talentos, os canais televisivos brasileiros apostam cada vez mais em reality shows musicais. A Rede Globo, por exemplo, lançou diversos programas nessa proposta: “Fama”, “The Voice Brasil” e o mais atual, “Superstar”. O SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) investiu em alguns como o “Popstar”, 10 | REVISTA ARTENATIVA
“Astros” e “Qual é o Seu Talento?”. A Record também não ficou de fora e veiculou competições musicais, como nos casos do “Ídolos” e do “Got Talent Brasil”. Participar de um desses programas é uma oportunidade de reconhecimento nacional. Muitos nomes atuais da música brasileira, inclusive, foram revelados dessa forma. O mais curioso é que não necessariamente eles foram os vencedores da competição. Às vezes, uma aparição na TV já pode mudar completamente a
vida de um artista. Por ter cinco representantes, os cearenses em 2013 ganharam destaque pela marcante participação na segunda edição do The Voice Brasil. Dentre eles, três avançaram na competição: Débora Cidrack, Marcos Lessa, que foi semifinalista, e o ganhador Sam Alves. Os outros, Marcelo Holanda e Dilauri se apresentaram somente uma vez na primeira fase do programa, chamada de “audições às cegas”. Nessa etapa, os jurados ficam de costas para o candidato e, casos se interessem pela voz dele, é preciso virar sua cadeira de frente. No caso dos dois, eles não foram aprovados, mas continuam atuantes na música cearense. Marcelo Holanda, por exemplo, tem 24 anos e toca na noite de Fortaleza há quase 10. Após a aparição na Globo, tornou-se ainda mais requisitado nos barzinhos da cidade. Bastou apenas dois minutos na telinha para que o trabalho do músico tivesse maior repercussão e o cachê aumentasse em 50%. Para ele, estar em rede nacional foi um marco na sua carreira e, mesmo não sendo aprovado, foi gratificante receber um elogio do jurado e cantor Lulu Santos. “Fui elogiado por receber a rejeição de sorriso aberto. Eu sou uma pessoa que ri para tudo, mesmo eles não tendo virado a cadeira para mim, eu estava lá, sorrindo, feliz
de estar ali, de ter conseguido chegar até aquele espaço”. Marcelo conta que chorou quando chegou ao hotel, mas foi um choro de alma lavada, de tarefa cumprida. Afinal, os cantores passam por algumas seletivas até chegar à audição exibida na televisão. Primeiro, o candidato envia um vídeo para o site do The Voice. Depois recebe uma ligação da produção da Globo para ser encaminhado à seletiva regional. No caso de Marcelo, foi nessa etapa, em Natal, que passou por um dos momentos de mais nervosismo na competição. “Eu tinha escolhido uma música do Djavan para cantar, aí fiquei sabendo que o produtor do Djavan era um dos jurados. Tremi na base”, relembra. A partir daí, o candidato seguiu para uma reunião no Rio de Janeiro, onde tomou conhecimento das normas do programa e participou de um primeiro ensaio. Somente após esse momento foi chamado para a audição. Aquela não tinha sido a primeira vez que Holanda participou de um reality show. Antes disso, em 2009, ele esteve no programa Ídolos, da Record, e conta que foi muito desgastante, pois teve de passar o dia inteiro no Ginásio Paulo Sarasate, em Fortaleza, cantando para os produtores. Além disso, não havia preparação psicológica ou vocal
Foto: Reprodução Rede Globo
Marcelo Holanda em apresentação no The Voice Brasil
para os músicos. O cantor foi aprovado nessa etapa e teria que voltar no outro dia para, enfim, aparecer perante os jurados. Segundo ele, a sua apresentação foi uma das mais polêmicas do Ídolos, até hoje. Aconteceu que os jurados discutiram entre si e acabaram não o aprovando. Na época, com 19 anos, ele achou desnecessária a discussão na sala de audições. Ele conta que as pessoas só se lembravam do conflito, e não da música apresentada por ele. “O que eu fico meio em dúvida com o Ídolos é que eles dão bastante espaço para comédia, acho que foge um pouco do foco do talento do artista, do candidato”, confessa. O músico ainda chegou a ir no ano seguinte, mas estava desmotivado e parou de cantar na metade da música, quando lembrou que não queria passar por aquilo novamente. Durante a experiência nos dois reality shows, Marcelo conheceu Dilauri, que participou tanto do Ídolos quanto do The Voice, no mesmo período. Laurinelson Alves Ribeiro, seu nome de batismo, tem 25 anos e também atua desde os 13 no cenário musical cearense. Integrou bandas de pagode de
Fortaleza, entre elas o Grupo Mesura. Ele também já esteve à frente do grupo Soweto, em São Paulo, mas logo retornou à cidade natal. Atualmente, é back vocal e cantor de apoio da banda de forró Simone e Simaria, as Coleguinhas. Dilauri viu nos programas musicais a sua grande chance de estar nos canais de TV com maior alcance no Brasil. “Nas minhas condições, encontrei uma maneira de mostrar o meu trabalho, a minha voz e o que eu sou em uma rede nacional. Mesmo tendo consciência de que seria muito difícil, por ser um concurso nacional e ter muitos artistas de qualidade”, explica. No Ídolos em 2009, dos 35 mil inscritos o cantor ficou entre os 30 finalistas da competição. Mesmo assim, segundo ele, houve pouca repercussão. “Não deu tempo das pessoas me conhecerem pois, mesmo eu chegando longe, só apareci uma vez. Dificilmente me associam ao programa. Lá, eles já devem ter uma identidade ou uma estratégia de edição formada”, afirma. Já no The Voice Brasil, em 2013, Dilauri teve a oportunidade de cantar uma música de sua autoria na audição. Canção que, segundo ele, pode ter influenciado na decisão dos ju-
rados. “Eu poderia ter sido bem melhor se a música fosse mais conhecida. Afinal, nós já temos menos de dois minutos para impressionar o júri e, no meu caso, tive ainda maior responsabilidade, de convencê-los não só da minha voz, mas também da minha música. Acho que pequei nesse ponto, mas recebi a orientação dos produtores do programa para apostar na minha composição e assim fiz”, revela o artista. Ainda segundo ele, estar no reality é tornar-se mais visível no meio musical. Quando se apresentou no The Voice, foi bastante reconhecido nas cidades onde fez shows após a exibição. “A reação das pessoas foi de reconhecimento e admiração. O público me viu em um outro patamar, por eu ter conseguido estar na Globo. A experiência serviu como uma escola, você se relaciona com gente do Brasil inteiro”. Tanto para Marcelo Holanda quanto para Dilauri, mesmo após o “não” na competição, prevaleceu a repercussão positiva na carreira dos músicos. Os dois, inclusive, afirmam que se inscreveriam novamente para tentar chegar ainda mais longe na competição. Afinal, já saberiam como funciona e aproveitariam ainda mais a nova chance.
Nas minhas condições, encontrei uma maneira de mostrar o meu trabalho, a minha voz e o que eu sou em uma rede nacional. Dilauri
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Foto: Divulgação
A HISTÓRIA DE UM REGENTE
Rômulo Santiago conta sua trajetória musical até chegar à regência da Banda de Música Juvenil Dona Luíza Távora, também chamada de Banda do Piamarta Rômulo Santiago nasceu em 15 de novembro de 1985 no município de Russas, no Ceará, à 165 km da capital. Filho de Maria de Lourdes e Francisco Félix, desde criança a música já lhe despertava interesse. Durante sua infância, era comum apreciar a banda de música tocar por entre as ruas nas festividades da sua cidade natal. Em um caminhão ou em uma Kombi, durante a alvorada, a banda passava justamente em frente à casa de Rômulo. Isso fez com que a afeição pela música crescesse ainda mais na vida dele. Nas festas da igreja, por exemplo, ele levava seu instrumento de plástico e se infiltrava na banda. Nessas ocasiões, sempre era alertado pelos músicos para que saísse de lá, pois o regente era rigoroso e poderia chamar sua atenção. Em 1995, aos 10 anos, deu início aos estudos musicais na Banda de Música Maestro Orlando Leite, ainda em Russas. Começou pelo trompete, depois tocou trompa e, ao final, ficou com o bombardino, instrumento que tocou por oito anos. Em 1998, foi despertada em Rômulo a vontade de ir estudar música em Fortaleza, na Banda de Música Juvenil Dona Luíza Távora, também conhecida como Banda do Piamarta, após o estímulo de um professor. “Meu sonho era fazer parte da banda do Piamarta. Isso porque meu professor de trompete já havia sido aluno da escola e, na época, inclusive, residia na Itália por incentivo da instituição. Era dada essa oportunidade para os melhores alunos e ele foi um dos agraciados. Então, senti a necessidade de ir também, até porque a banda era falada em todo o Estado”, conta. Para Rômulo, não dava mais para continuar na cidade interiorana, pois as perspectivas para investir na carreira musical eram poucas, só havia oportunidade para tocar em grupos de axé ou
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de forró. Até que, em 2004, ele prestou vestibular e foi morar em Fortaleza. Ingressou no curso de Engenharia Civil na Universidade de Fortaleza [UNIFOR], para orgulho de sua mãe, mas ao mesmo tempo, também foi aprovado no curso de Música da Universidade Estadual do Ceará [UECE] e foi em busca de seus sonhos. Em Fortaleza, logo foi participar da banda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará [IFCE]. O regente, capitão Nascimento, precisava de alguém para tocar tuba e Rômulo encarou o desafio. Mal sabia ele que seu desejo de participar da banda do Centro Educacional da Juventude Padre João Piamarta estava cada vez mais próximo de se concretizar. “Meu amigo Cleiton, do bacharelado em flauta, me chamou para assistir o ensaio da banda do Piamarta. Quando chegamos o regente Costa Holanda foi logo perguntando a ele: “Deu certo com o tubista?” Ele respondeu que eu tinha ido e perguntou se eu não poderia ficar na banda. O Costa, então, pediu para conversar comigo no final do ensaio e deu certo”, explica. No mesmo ano, o nome de Rômulo já estava na lista dos alunos selecionados para viajar e estudar durante um mês na Itália. Eis que surge o conflito de decisão profissional e os estudos de Engenharia ficam em segundo plano. Mesmo contra a vontade da mãe, o músico não podia perder a oportunidade de intercâmbio cultural. E, como ele mesmo brinca, sem arrependimento: “tranquei o curso e até hoje ele está lá cheio de poeira”. Em 2005, como bolsista, começou a dar aula para os novatos como professor de Iniciação Musical no Centro Educacional da Juventude Pe. João Piamarta. No outro ano, passou a ser auxiliar de regência. A seguir, entretanto, no período da conclusão da faculdade e também devido a problemas pessoais que necessita-
Foto: Arquivo Pessoal
A regência
Maestro para mim já é aquela figura de um senhor com bastante experiência. Rômulo Santiago vam da sua presença em casa, Rômulo se desligou da escola que tanto apreciava. Foi nesse momento que conseguiu espaço em outras vertentes musicais e saiu do universo de bandas. Conheceu músicos influentes do Ceará como Luisinho Duarte, Carlinhos Ferreira, Adelson Viana, entre outros. Como instrumentista, teve de se adaptar à indústria fonográfica e deixou a tuba de lado para atuar no mercado com um instrumento mais comercial, no caso o trombone de vara. Assim, participou de shows, gravações e bailes, em uma perspectiva diferente da qual costumou sempre trabalhar. Nesse entremeio, participou da fundação da ATECE – Associação dos Trombonistas do Estado do Ceará, para movimentar o cenário musical instrumental, oferecendo oficinas para jovens de bandas do interior cearense. Além disso, fez parte do Projeto Bandas, de fortalecimento musical da Secretaria de Cultura do Ceará (SECULT), percorrendo cinco regiões do Estado.
Em 2011, a vida do instrumentista deu uma reviravolta. Ele preparava sua documentação para estudar na Itália quando decidiu assistir um ensaio no Piamarta. Costa Holanda, o maestro, ao vê-lo logo disse: “Ainda bem que você veio”. Afinal, o regente iria se dedicar ao doutorado e precisava de alguém para substituí-lo. No final do ano, Rômulo se tornava o regente da tão sonhada Banda de Música Juvenil Dona Luíza Távora. Ele assumiu toda a responsabilidade do grupo, mas não se intitula dessa forma, demonstrando respeito pelo antecessor. “Eu não digo que sou regente titular, vou sempre ser regente auxiliar, afinal, o Costa tem mais de 40 anos só de Piamarta”, afirma. O trabalho do regente não consiste apenas na rotina de ensaios da banda. O seu papel como professor é de também acompanhar o rendimento dos alunos na escola. Pois aqueles que compõem o grupo têm bolsa integral de estudos. “Meu trabalho é puxar a orelha dos alunos que tiram nota baixa, olho nota por nota. Quem é da banda tem que dar exemplo, sempre fomos muito exigentes em relação a isso”, diz Rômulo. Além disso, estar à frente da banda é exercer também a função de formador humano e profissional daqueles que passam por lá. De acordo com o regente, muitos de seus alunos deram continuidade aos estudos como instrumentistas. Alguns se tornaram músicos militares ou tocam na noite. Para os músicos, um dos grandes atrativos eram as viagens. A banda do Piamarta viajou 11 vezes por diversos países do mundo, como França, Itália, Alemanha, Portugal, Áustria, Estados Unidos e Espanha. Experiências que transformavam culturalmente a vida deles e os estimulavam a permanecer no projeto. Hoje, por conta das dificuldades financeiras enfrentadas pelo colégio, não se tem mais esses intercâmbios. Eles recebiam doações da Itália que, devido à crise no país, foram sendo cortadas. Atualmente, Rômulo se dedica ao seu trabalho como professor sem deixar de lado sua atuação como músico. Além do Piamarta, ele leciona no Serviço Social da Indústria do Ceará [SESI]. Também é envolvido com projetos culturais na cidade e compõe a orquestra sinfônica da Universidade Estadual do Ceará. Geralmente, também é convidado a tocar em bailes, gravações e shows. Tem o chorinho como uma de suas especialidades. Dentre seus planos, estão o mestrado e o doutorado com linhas de pesquisas referentes à bandas, com importantes nomes cearenses. Ele não se vê como um maestro e ainda revela que tem sempre mais o que aprender. “Eu nem sei qual é o caminho para se tornar maestro, acho até que aqui não se tem escola de formação para isso. Prefiro ser chamado de regente. Maestro para mim já é aquela figura de um senhor com bastante experiência. Eu ainda pretendo estudar bastante”, revela. Quanto à parte financeira, o músico conta que é preciso se desdobrar em muitos trabalhos para se manter. Para ele, as pessoas ainda não têm noção do quanto é difícil estudar um instrumento de sopro, para no final querer pagar uma “merreca”. Mesmo assim, Rômulo Santiago se sente realizado por ser um profissional que cumpre seu papel como educador. “É desgastante, mas é gratificante. O que me motiva é amar o que eu faço. Isso que me faz superar tudo. Quando se faz com amor ou se faz bem feito não tem como não dar certo”. REVISTA ARTENATIVA | 13
SONHOS QUE MOVEM A ARTE
Foto: Iran Monte
O canto-coral de Fortaleza se renova em prol de uma realização coletiva
Coral Sobretons
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Foto: Cecília Rodrigues
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eatros lotados e ingressos esgotados. O público espera por arte. Iluminação ajustada, figurino impecável e toda uma produção envolvida no propósito de difundir a musicalidade. Coralistas, músicos e regentes juntos num ideal apresentam um espetáculo completo, com música, dança e teatro. Ao final, emoção à flor da pele e aplausos fervorosos. Essa é a nova proposta de se fazer coral, atualmente, em Fortaleza. Pessoas se reúnem não só para cantar, mas também para inserir elementos cênicos nas apresentações. Além disso, as músicas agradam a todos os estilos. O popular ganha mais espaço do que o erudito. Em Fortaleza, esse formato coro-cênico vem ganhando força e os grupos chamam atenção pela inovação. Desde a década de 1980, por iniciativa da regente Izaíra Silvino, a modalidade coral vem passando por mudanças. A maestrina regeu o Coral da UFC [Universidade Federal do Ceará] e propôs espetáculos que deram movimentação às ações efetuadas. A partir daí, os grupos locais deram continuidade ao trabalho coro-cênico. O Coral da UFC, por exemplo, mantém suas atividades e, desde 1999, tem como regente o professor de música Erwin Schrader. Desde então, o grupo, de aproximadamente 36 pessoas, mantém um projeto artístico-pedagógico com foco na formação humana e no conhecimento musical. Além disso, o coral realiza espetáculos temáticos apresentados a cada dois anos e participa de intercâmbios. Para Erwin, é necessário dedicação e tempo para se produzir espetáculos de qualidade. “Precisamos de tempo de formação para construção dos espetáculos. Chamamos de experiência significativa, um mergulho no convívio do grupo, dando tempo para tudo acontecer, vivenciando os detalhes e experiências. Quem passa por essa experiência não esquece”, afirma o regente. O maestro também ressalta que, mesmo com as dificuldades financeiras, o que importa é o amor pela arte e o sentimento que nele predomina. “Aprendemos a lidar com a falta de recursos e trilhamos nosso caminho. Nós não somos elenco, nós somos grupo. Temos afetividade. O Coral da UFC não tem objetivo de estar na mídia, tudo é espontâneo e natural. Importa aprender e estar feliz, mudando as formas de ver o mundo”, explica Erwin. Também com novas propostas destacam-se na cidade outros grupos. O Coral
Nós não somos elenco, nós somos grupo... Erwin Schrader
Coral UFC
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Foto: Cecília Rodrigues
Coral da UFC
Fotos: Divulgação
Grupo Vitrola Nova
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Sobretons é um deles. Formado dentro de um colégio católico há oito anos, o Sobretons sentiu necessidade de alçar voos mais altos e tornou-se independente. O grupo é composto por cerca de 50 membros e, dentre seus projetos artísticos, estão espetáculos, flash mobs e serenatas. O regente do grupo, Tiago Nogueira, ressalta que o mais importante, além dos projetos musicais, é a harmonia entre os próprios componentes. “O grupo preza pela coletividade e pela boa convivência. Investimos na amizade dentro do coral. Ousamos na voz e sonho coletivo”, conta. Para o maestro, ainda há críticas quanto à modalidade de coro-cênico. Mas acredita que o público espera não só a sonoridade, mas também a movimentação do grupo. “Já fui criticado por maestros conservadores por conta de inovações. Tem gente que acha que coral é feito exclusivamente pra cantar. Mas as pessoas querem ver e ouvir. Ninguém quer mais coral com ‘pastinha’ na mão, cantando sem emoção”, diz Tiago. Também seguindo a proposta de inovação no canto/coral, em 2009 surgiu o grupo Vitrola Nova. Com vontade de renovar, o coro cênico independente decidiu montar um espetáculo interativo para que o público pudesse escolher as músicas apresentadas, o Vitrola Jukebox, conhecido como a vitrola humana. Por esse motivo, chamou atenção do público com sua identidade e estética apresentada. O Vitrola é composto por 38 coralistas e, segundo o regente Carlos do Valle, cada cantor tem o seu valor na construção artística. Também para ele, o que chama atenção no grupo é a combinação de elementos. “Além da música, os cantores são atrações. Não remediamos, já que
podemos chamar atenção em aspectos como a sonoridade e a imagem”, explica. Dentre seus projetos, estão espetáculos, eventos, recitais e apresentações. Segundo Valle, surpreender em cada apresentação é a marca do grupo para atrair o público. Para ele, a plateia não sai indiferente diante da forma irreverente de interpretar as canções. O que os três grupos possuem em comum é o apreço pelo fazer artístico em Fortaleza. Promovem produções musicais assim como quem realiza seus sonhos. Driblam as dificuldades financeiras em prol da arte e da música. Os corais em questão são apoiados pela Universidade Federal do Ceará e se mantém de apresentações, apoiadores e patrocínios. Todo ano, realizam audições para novos cantores e cultivam um trabalho focado na formação musical e humana. Independente da realização artística de cada grupo, eles servem à mesma proposta de diversificar a forma de se fazer coral-cênico na cidade. Segundo Erwin Schrader, cada um tem o seu papel. “Cada coro tem sua história e sua importância. É uma entidade única, viva e presente, que serve a um propósito da coletividade. Não existe comparação, cada um tem sua forma de expressão. Quanto mais grupos, mais possibilidades de expandir a arte. O canto coral permite convivência. A música não acontece só com o regente. O melhor é perceber a importância de cada um”, diz o maestro. Ao final, fica a missão de cada grupo: prezar pelo aprendizado, pela experiência conjunta de estarem vivendo a música, independente da questão financeira. Um teatro lotado e palmas calorosas é o pagamento mais gratificante.
CURIOSIDADES SOBRE A MÚSICA A música é uma coisa que o ser humano não pode viver sem, não é mesmo? Não importa o gênero, o ritmo, a letra, os arranjos, há gosto pra tudo. Pensando nisso, a ArteNativa traz cinco curiosidades interessantes sobre essa nobre arte.
- Ouvir música faz bem
Ouvir música ao mesmo tempo em que se realizam outras tarefas pode ter os mais variados efeitos. Pesquisadores da Universidade Chemnitz e da Universidade de Erfurt, ajudar a compreensão.
- Artistas com maiores vendagens no Brasil
Durante o período de 1930-1994 (64 anos) a dupla sertaneja Tonico e Tinoco atingiu a inigualável marca de 150 milhões de cópias vendias, superando o “rei” Roberto Carlos, que possui mais de 120 milhões de cópias.
- Maracatu cearense
O Maracatu chegou a Fortaleza em 1936 como uma dança dramática de origem afrodescendente. O ritmo foi incluído oficialmente no carnaval de Fortaleza em 1937, como agremiação carnavalesca.
- “Billie Jean”
O maior sucesso de Michael Jackson é baseado numa história que aconteceu com ele. Seu biográfo Randy Taraborrelli, promoveu a teoria de que “Billie Jean” era derivada de uma experiência real da vida que o cantor enfrentou em 1981. A versão do biografo prevaleceu apesar de não ser considerada oficial.
- A pesquisa “Tribos Musicais”
Em 2013, a pesquisa Ibope indicou que o sertanejo é o estilo mais ouvido por brasileiros no rádio. O levantamento mostrou os tipos de música que ouvintes de rádio escutaram em período de sete dias. O estilo sertanejo foi escutado por 58% do público. Em segundo lugar na pesquisa sobre a audiência de rádio ficou a MPB, ouvida por 47% do público. Em 3º ficaram samba e pagode, com 44%.
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Foto: Mariana Cunha
CARLINHOS PERDIGÃO
O trabalho do artista cearense dentro e fora da sala de aula
Eu gosto de pensar a arte como eu gosto de pensar a vida.
F
Carlinhos Perdigão mostra seu trabalho sendo divulgado em um jornal local
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ilho de mãe pianista e pedagoga, Ana Maria Perdigão, Carlinhos Perdigão descobriu, ainda criança, o viés artístico: a música faz parte da sua vida desde que nasceu. Discos de canções brasileiras, eruditas e coleções de pintura estavam ao seu alcance dentro de casa. Naturalmente enveredou para o lado musical, tendo o primeiro contato com a bateria, seu instrumento preferido, aos sete anos. Depois ainda estudou flauta, violão e piano, mas especializou-se no primeiro instrumento. Na área das letras, o pai, Carlos Alberto Ferreira, militar de formação, incentivava as leituras, deixando jornais sempre à disposição de Carlinhos e dos irmãos. O trabalho do artista cearense realizado dentro da Faculdade Cearense é uma perspectiva pessoal do artista e professor de compreender o mundo a partir de um olhar artístico que tem. Nessa atividade é proposto aos alunos a apresentação da vida e da obra de uma artista cearense que não esteja inserido na mídia formal (mídias de massa). Perdigão recebeu a ArteNativa para uma conversa sobre o trabalho dele como arte-educador.
Fotos: Arquivo Pessoal
Revista ArteNativa: A música para você chegou antes do trabalho como educador. Desde quando você toca profissionalmente? Carlinhos Perdigão: Eu toco profissionalmente desde 1985, quando fiz meu primeiro show, aos 20 anos, e desde então venho me apresentando em projetos para os quais sou convidado, e também elaborando os meus próprios. O Bateria Brasileira, por exemplo, que faz uma viagem pelos nossos ritmos, é de 1999, já foi apresentado em Brasília (2004) e é executado até hoje. ArteNativa: Como surgiu o interesse em ser educador? Perdigão: Eu queria fazer Letras pelo prazer da palavra, não me imaginava professor. Acabei me distanciando disso quando fiz vestibular para Administração, me formei e tudo. Nos anos de 1990, entretanto, retornei ao curso de Letras e foi a melhor coisa que eu fiz na vida. Artenativa: E como você se tornou professor? Perdigão: Eu recebi um convite pra dar aula de Produção Textual em um cursinho na UECE [Universidade Estadual do Ceará]. Foi lá o meu primeiro dia de aula “valendo”, e eu era muito tímido, introvertido, foi terrível. A ficha foi cair depois que um aluno me chamou pela terceira vez de “professor”, fiquei morrendo de medo de não saber responder, de responder errado. Dizia: “só um minuto, só minuto”; nesse negócio de ‘só um minuto’ passei um bom tempo de costas para os alunos, bastante envergonhado. Mas reagi e, no final da aula, depois que todos saíram, vi que tinha jeito pra coisa e compreendi que fui bem. ArteNativa: Quando você começou a dar aula na Faculdade Cearense? Perdigão: EFormado pela UECE em 2002, entrei na FaC em 2006 para substituir uma
professora de Metodologia Científica, mas a partir do segundo semestre do mesmo ano já comecei a trabalhar na minha área. ArteNativa: Como surgiu a ideia do Trabalho com Artistas Cearenses Marginais? Perdigão: Em 2006 eu recebi um convite de uma amiga que fazia Psicologia na Unifor [Universidade de Fortaleza]. Fui convidado por ela para ser biografado como artista cearense em um trabalho do seu curso. Em sala, estive presente durante a apresentação dela, e isso mexeu muito comigo, principalmente pelo viés educativo de valorização de minha atuação artística. ArteNativa: Como você o inseriu na FaC? Perdigão: Na formatação da disciplina de Língua Portuguesa fiquei pensando justamente em levar o trabalho do artista cearense fora da grande mídia, na tentativa de valorizar sua atuação e o seu talento. Ao mesmo tempo em que chamo a atenção dos alunos de Comunicação Social para a responsabilidade que eles têm como futuros formadores de opinião. ArteNativa: Você tem ideia de quantos artistas já tiveram seus trabalhos apresentados por alunos na FaC? Perdigão: Por lá já passaram vários artistas como padres poetas, borracheiros cantores, travestis que dançam, grafiteiros, entre outros. Eu, inclusive, já fui tema desse trabalho. Nessa história toda já foram centenas de artistas na FaC. ArteNativa: Mesmo com tantos espaços na mídia local você ainda se considera um artista marginal? Perdigão: Eu nunca deixei de me considerar e de me saber um artista marginal, e digo isso de uma forma muito tranquila, porque apesar de todas as entradas na mídia, de eu já ter um percurso em torno
da arte cearense, faço questão de ser um guerrilheiro das ideias, da informação, da arte. Pra mim a arte vai muito além da questão do mero entretenimento. Eu gosto de pensar a arte como gosto de pensar a vida, com essa possibilidade de refletir um pouco a chance de a gente ter um mundo melhor, mais justo socialmente, melhor educado. ArteNativa: E como você concilia as duas profissões: artista e educador? Perdigão: Eu concilio levando muito a sério tudo aquilo que faço. Acho que é por isso que ocupo tantos espaços legais, desde bienais de livros até seleção em projetos nacionais. ArteNativa: Você também dá aula no curso de Filosofia na Faculdade Católica, num projeto ligado ao Presídio Feminino Auri Moura Costa. Qual a sensação de ensinar numa instituição penitenciária? Perdigão: A primeira vez que eu fui dar aula de português no Auri Moura Costa, em abril de 2013, fiquei procurando jardins e só via grades, isso me incomodou bastante. Foi uma experiência muito forte, e gratificante também. Isso é algo que entra dentro daquele amálgama das possibilidades que a gente tem, da compreensão do nosso trabalho como educador e ser humano. Inclusive o meu próximo livro vai se chamar ‘Procurando Jardins em Presídios’. Será uma obra que vai reunir poemas, ensaios sobre literatura e artigos de opinião. ArteNativa: Qual a importância do seu trabalho de arte-educador? Perdigão: Eu gosto de pessoas, gosto de ver os olhinhos brilhando dos meus alunos e da plateia. Gosto de chamar a atenção pra minha arte, pra minha música, para as disciplinas que ensino. Enfim: gosto de ser gente. E isso é algo que mexe muito comigo.
Carlinhos Perdigão – professor de língua portuguesa, poeta, baterista, produtor e pesquisador cultural. (http://educadorcultural.wix.com/carlinhosperdigao#!udio/cis4)
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COMO SE GRAVA UM CD?
Gravar um CD é o sonho de muitos artistas. Para o músico, é um registro e a materialização do seu trabalho. Por trás disso, a maior barreira para a gravação do disco ainda é o fator financeiro. Sobre o tema, a Revista ArteNativa conversou com o músico, produtor e técnico de estúdio Amedício Júnior para entendermos o passo-a-passo do processo de gravação convencional. Além disso, apresentaremos alternativas para quem está começando sua carreira e não pode investir em gravações. E também mostraremos os valores do mercado na região Nordeste. Acompanhe.
Passo-a-Passo
Para gravar um CD, o artista deve seguir alguns passos importantes que influenciam na qualidade sonora do álbum. O mais indicado é que sejam seguidas as etapas de produção e de gravação. Para sua compreensão, listamos todas essas fases.
1º PASSO
PRODUTOR: O primeiro passo é essencial para que seja eleito um produtor adequado ao seu projeto, que tenha afinidade com a proposta e conhecimento para pensar em boas ideias.
2º PASSO
CONCEITO DO DISCO: É preciso definir, juntamente com o produtor, um repertório e os ritmos, para saber qual caminho se deve percorrer na produção do CD.
3º PASSO
PRÉ-PRODUÇÃO: Nessa etapa, o produtor faz os arranjos, dá ideias de concretude para as músicas, entra num consenso com o artista e/ou a banda para seguir adiante.
4º PASSO
CONVIDAR OS MÚSICOS: Pensando no estilo musical e nos instrumentos adequados para a composição do material sonoro, são convidados os músicos mais indicados para o projeto.
5º PASSO
GRAVAÇÃO DE BASE E VOZ GUIA: Grava-se uma base harmônica e uma voz guia para que os instrumentos e a voz sejam colocados depois a partir desse momento. A música vai tomando forma.
6º PASSO
PROCESSO DE GRAVAÇÃO: É escolhido um estúdio apropriado. Quando se iniciam as gravações, os músicos já devem ter ensaiado o repertório. Assim, entram no estúdio sabendo o que irão fazer.
7º PASSO
REGISTRO DOS INSTRUMENTOS: No estúdio, é feita a gravação individual de cada um dos instrumentos, para depois juntar e formar uma massa sonora.
8º PASSO
A VOZ: Neste momento, o cantor deve ouvir e sentir as músicas, para que ele se inspire e grave sua voz. Afinal, ele deve ser capaz de transmitir toda a emoção e o sentimento por meio da gravação.
9º PASSO
MIXAGEM: A mixagem é o ajuste dos níveis de volume de cada instrumento, pois é necessário que consigamos ouvir todos os instrumentos como se fosse um só som.
10º PASSO
MASTERIZAÇÃO: A masterização é a etapa final, o pente fino. Leva-se o material gravado para um especialista dar um retoque final. Ele ajusta o nível de volume para um padrão de CD.
VALORES
ESTÁ PRONTO O CD! A PARTIR DAÍ, PODE-SE FAZER SUAS CÓPIAS PARA DISTRIBUIÇÃO NO MERCADO. Segundo o técnico Amedício Júnior, há diferentes valores para gravação de um CD. O valor depende dos recursos utilizados, da quantidade de músicos e da produção envolvida. Na região Nordeste os preços variam da seguinte forma: A mais simples é a “sampleada”, ou seja, aquela gravação feita com instrumentos virtuais através de um teclado. Os valores variam entre R$ 1.500 a R$ 2.500, dependendo do respaldo do profissional. A forma intermediária é aquela que mescla entre a “sampleada” e a gravação convencional. Geralmente, o produtor faz uma parte do CD com os recursos tecnológicos e complementa com músicos convidados para gravar outros instrumentos. Os valores podem variar entre R$ 6.000 a R$ 7.500. A gravação realizada por mão de obra totalmente humana é a mais cara. Pois é necessário o pagamento de cada músico, além do estúdio. Estima-se valores entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Dependendo do estúdio, há duas formas de pagamento: por pacote ou por hora. A média de preço no estúdio é de R$ 50 e R$ 100, a hora.
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Perfis Que caminhos podem se abrir para quem deseja ser músico hoje? Como se vive de música em Fortaleza atualmente? Para responder a essas perguntas, a ArteNativa entrevistou cinco jovens profissionais da música. Eles nos falaram sobre os prazeres e as dificuldades inerentes à atividade artística que escolheram. O resultado desses encontros você verá nas páginas seguintes.
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Foto: Eduardo Cunha
O TRANSCENDENTE FELIPE DE PAULA Sem dar limite às artes, o compositor se destaca pelo trabalho com as diversas linguagens “Sem formalidade né?” (risos). É assim que começa nossa conversa com o multifacetado Felipe de Paula. Músico desde 2003, o artista vem ganhando destaque no cenário da música autoral cearense. Sem influência familiar, ele conta que sempre gostou de ouvir os LP’s de sua mãe, Dona Lúcia. Uma lembrança da infância foi o trabalho do garoto Jordy Lemione (cantor mirim francês que fez sucesso na década de 1990), que cantava músicas de Natal. Outro disco que ele ouvia bastante era do sambista Zeca Pagodinho, mas sempre buscava coisas novas. 22 | REVISTA ARTENATIVA
Ele relembra que ficou fascinado ao passar por um grupo de amigos que tocava na rua. Daí surgiu a vontade de tocar pandeiro e, talvez, um princípio de aptidão pela percussão. Ganhou um cavaquinho da mãe e começou a estudá-lo. Com os amigos do bairro acabou formando um grupo de pagode. Mesmo depois de quase ser reprovado na escola por conta da música, Felipe decidiu estudar essa linguagem formalmente no Colégio Piamarta. Foi lá onde o músico aprendeu a ler partituras e até arriscou uns sopros no sax, requinta e flautin. Aos 16
anos, a convite do maestro, foi tocar percussão e pôde viajar como o grupo para a Itália. As composições - que surgiram como uma maneira de registrar casos da vida particular - passaram a ser o maior prazer do artista, não só com relação à criação, mas no sentido de agregar valor à música, seja no arranjo ou na letra. Além disso, foi através dela que surgiu a oportunidade de trabalhar com o Grupo de pagode Mesura, de Fortaleza. Com o Mesura, ele passou a ter uma visão comercial da música, pois o grupo to-
Foto: Eduardo Cunha
o verdadeiro lance do artista é buscar saber o que ele quer falar, por que é difícil.
Felipe de Paula e a banda, em show de lançamento do primeiro CD solo cava para classes abastadas. Ele diz ainda que até a gravação do primeiro DVD da banda, dois anos mais tarde, eles ganharam bastante dinheiro. Nessa época, Felipe passou a ser reconhecido como compositor. O lado comercial foi de encontro com a educação formal do artista: “Isso mexeu com a minha cabeça de uma forma muito doida”, revela. Esse foi um período de rupturas para o artista. Entrou em crise, deu um tempo nas composições, largou a Fisioterapia, foi tentar Música a pedido da mãe, entrou no teatro e deixou de tocar fixamente com o Mesura. Paralelo a tudo isso, compunha para a Banda Groovytown e chegou a ter uma música reconhecida nacionalmente (Samba de Brasileiro). Felipe começou a tocar com a “Groovy”, mas fazia autonomamente ainda com o Mesura, de quem dependia financeiramente. A arte musical, para o compositor, é uma das maneiras de se expressar, não a única. Para ele “o verdadeiro lance do artista é buscar saber o que ele quer falar, porque é difícil”.
Além da carreira artística, Felipe estuda Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará (UFC), o que ele chama de “plano B, valendo”. Quando perguntado sobre o que seria ‘viver de música’, ele não titubeia e diz que “é poder trabalhar de uma forma digna, sem romper com ideologias pessoais. É conseguir ter uma boa relação entre o mercado e a sua arte, não ser obrigado a fazer tudo o que não quer por dinheiro”.
Filho de manicure Numa conversa com Roberto Figueiredo, pai de Wander (integrante do Mesura), o nome de Amy Winehouse (cantora e compositora britânica) surgiu, pois ela tinha vários CD’s autobiográficos. O pai de Wander sugeriu que ele fizesse o mesmo, e o compositor percebeu que ninguém melhor que ele para falar da própria vida. Em 2011 foi lançado um edital da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e o compositor, que já tinha por volta de oito músicas engavetadas,
resolveu arriscar na carreira solo, mesmo sabendo que, com a escolha pelo trabalho autoral, acabaria ficando à mercê de editais e festivais. Com a ajuda de Rodrigo de Oliveira, produtor cultural, ele se inscreveu e foi comtemplado com 10 mil reais para a gravação do CD. O dinheiro atrasou quase dois anos. Foi nesse período que surgiu a ideia de um financiamento colaborativo pela Internet chamado de “Catarse”. Felipe precisava de oito mil reais e achou que se pelo menos 800 amigos de uma de suas redes sociais comprasse adiantado seu CD, seria algo possível. E deu certo. O nome do disco, “Filho de Manicure”, vem da atividade profissional da mãe, Dona Lúcia, e também da sugestão de Roberto Figueiredo em fazer algo que falasse de si. A música-título do CD discute o status da profissão, “a gente é só um filho ou o que é que a gente é quando tem uma mãe/ pai atrás?”, questiona o músico. Quanto às composições, De Paula é hoje categórico e diz que “o tempo da minha música é o tempo que eu escolho”.
Detalhe do artista em uma de suas apresentações
Foto: Eduardo Cunha
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Marina Cavalcante em apresentação na noite de Fortaleza
Foto: Mariana Cunha
A VOZ DE MARINA
Cantora cearense chama atenção pela originalidade e seu timbre de voz Marina Cavalcante é uma jovem cantora apaixonada pela música, e sonha em espalhar sua arte. No auge dos seus 22 anos, conseguiu vencer as dificuldades e se firmar como cantora. Com muita personalidade, vem ganhando seu espaço no cenário musical cearense levantando a bandeira não só do samba, mas também da música brasileira. Começou a cantar aos 14 anos em eventos familiares, e já chamava atenção por demonstrar afinação. Com o apoio da família, principalmente de sua mãe, Isabel Cristina, deu os primeiros passos na música cantando em missas e, posteriormente, em eventos particulares acompanhada do seu irmão. Aos 15 anos ganhou de presente da mãe a gravação do seu primeiro CD ama24 | REVISTA ARTENATIVA
dor. Dois anos depois, lançou outro com o título “Marina Cavalcante Homenageia”, cantando sucessos do samba. Seu primeiro show aconteceu em 2007. No incentivo à sua carreira, Marina teve como padrinho musical Tarcísio Sardinha, apontado como um dos mais renomados violonistas cearenses. Ele a apresentou ao cenário musical da cidade e ajudou a tornála conhecida como cantora de samba. Assim, com 17 anos iniciou sua trajetória musical. Passado algum tempo, abandonou o curso de Sociologia e decidiu que o amor pela música se tornaria profissão. Quando questionada sobre a preferência pelo samba, Marina se posiciona: “Não quero ser rotulada como cantora de samba. Sou intérprete. A música é plural,
é impossível cantar só o samba sendo apaixonada pela música em todas as suas vertentes”. Ela tem influência de grandes nomes, como Noel Rosa, Cartola, Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Do barzinho ao teatro Marina espalha musicalidade por onde passa. No bar onde mantém um trabalho fixo consegue agradar aos espectadores. Como por exemplo Franzé Costa, de 52 anos, que conta o que acha da apresentação da artista: “O repertório da Marina varia entre o antigo e o atual. Isso prende a atenção do público na música. Além disso, a interprete é muito centrada no que faz”, afirma.
Em paralelo a shows em barzinhos de Fortaleza, ela dá continuidade a outros projetos musicais, como seu atual trabalho, intitulado “O Som de Dentro”. Com ele gravado, pretende concorrer a editais e a festivais. Este trabalho baseia-se numa formação intimista, com músicas regionais e teor bucólico. A primeira experiência do show aconteceu em Pedro Segundo, Piauí, e depois também no Ceará. Marina afirma que o barzinho é uma escola para os músicos. Além disso, lhe ajuda a superar a timidez e o nervosismo. “Barzinho traz muita experiência e desinibe. É imprevisível! Temos que saber contornar as situações”, reforça a cantora. Um exemplo disso são as dificuldades enfrentadas para chamar atenção do público mediante tantos atrativos como bebidas e conversas. Marina conta que, muitas vezes, ela não conhece as músicas pedidas pela plateia, mas, para compensar a falta, oferece outra música para aquela pessoa que possa agradar da mesma forma. Representante feminina no samba, Marina Cavalcante divide palco com os homens de igual para igual. Afinal, o que os unem é a música. “Estamos ali juntos para celebrar a música e nossos dons. Todos me respeitam”, diz ela. Na rotina de shows, os instrumentistas que a acompanham são todos seus amigos. Inclusive, Marina confessa que é mais satisfatório estar ao lado de amigos durante as apresentações, pois há troca de confiança e de oportunidades. Seu trabalho atualmente está sendo divulgado na Internet, em redes sociais, e vem trazendo retornos quanto a convites para shows. Além disso, Marina dispõe de espaço na mídia para exposição de seus
projetos. Uma de suas características peculiares é saber esperar o seu momento. “Sabemos que quanto mais conhecimento do público, mais espaço midiático o artista terá. É bom circular nos meios para divulgar, mas não tenho ambição. As coisas na minha carreira devem acontecer naturalmente”, comenta.
Música em primeiro plano Decidir viver de música foi um passo importante na vida desta artista. Ela conta que grande parte da sua família lhe apoiava, mas seu pai foi bastante resistente (queria ter uma filha juíza). Para ele, música não era trabalho, e sim um hobby. Já sua mãe sempre a acompanha nos shows e a estimula para seguir na profissão. Um dia marcante para ela foi quando seu pai estava na plateia. Ele se emocionou e, ao final da apresentação, confessou ter orgulho da filha. Esse show tornou-se especial. “Algo positivo que conquistei com meu trabalho foi conseguir tocar meu pai de alguma forma”, relata. Hoje, ele lhe apoia e está ajudando com os custos de gravação e filmagem do seu novo trabalho. Marina também revela o quanto é difícil trabalhar com música, principalmente quando se pretende lançar projetos, pois depender de verba governamental nem sempre é a melhor opção. Por esse motivo, ela aceita convites para participar de shows em bares e também em eventos particulares. Determinada, é um exemplo de artista que leva a carreira como prioridade. Assim, acredita que viver de música é, simplesmente, viver para ela. E tudo numa troca de energias, compartilhadas de grandes momentos.
Não quero ser rotulada como cantora de samba. Sou intérprete. A música é plural.
Foto: Mariana Cunha
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Foto: Eduardo Cunha
MEL MATTOS DO BRASIL A menina danada que sonha em conhecer o mundo
Mel Mattos apresenta seu samba num bar de Fortaleza
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A cantora Mel Mattos se inclui no que ela mesma chama MGB (Música Global Brasileira), aquela que tem uma pegada mais forte, swing brasileiro, um jeito nordestino, mas que pode ser ouvido no mundo inteiro. Ela começou a cantar aos nove anos, nas festas em família, seguindo os passos da irmã e já cantora Julyanne Torres. Aos 13, começou a cantar profissionalmente quando foi convidada para participar de uma banda de bailes. Foi no grupo Aiá, produzido por Elber Barreto, que Mel conheceu o bandolinista Jorge Cardoso, que mais tarde lhe apresentaria ao gênero chorinho. Melissa Torres, seu nome de registro, passou por diversas bandas até chegar o período do vestibular, em 2000. Cursou o primeiro semestre de Estilismo e Moda tranquilamente. Depois sentiu falta e montou um grupo só de mulheres, o Bilú Tetéia, que teve curta duração. Aos 23 anos, surgiu a oportunidade de participar do Pop Star (reality show transmitido pelo SBT). Mel concorreu com seis mil cantoras. A finalidade do programa era escolher cinco meninas para formar um grupo pop. Ela ficou entre as oito finalistas. “Eu era muito insegura, achava que não ia chegar longe, porque eu ‘bebia’ da música brasileira, e o grupo era pop”. O nome artístico Mel Mattos surgiu naturalmente. Depois da participação no programa, fez-se necessário a utilização de um nome que tivesse uma plástica melhor. Mel já era o apelido em casa e o uso do segundo T em Mattos deve-se ao nome de solteira (Torres). “O segundo T é como se fosse incorporando o Torres, para
não ter briga na família. É mais sentimental que numerologia”, brinca. A participação no programa mexeu com sua cabeça. Antes cantava choro e música brasileira, depois passou a incluir músicas internacionais em seu repertório. A partir daí a cantora se viu perdida musicalmente. Procurou dar impulso à carreira numa segunda viagem para São Paulo, mas nenhum dos trabalhos vingou. Porém, Mel nunca se esqueceu de uma entrevista que fez com Alexandre Fontanete. Nela, o produtor a alertou sobre o mundo da música, deixando claro que o pop era a moda do momento, mas que ela deveria cantar o que gostava, ou seja, música brasileira. Foi quando ela despertou para tirar da gaveta um projeto antigo: fazer um box com três discos. Mas isso era inviável comercialmente. Então decidiu juntar essa proposta com outra que tinha com a irmã, Juliany, e criou uma espécie de história, um disco conceitual. O projeto foi idealizado em São Paulo, mas todo gravado em Fortaleza. Assim surgiu “O retratista”, primeiro álbum de Mel Mattos e dividido em três fases. A primeira fala da pureza de uma menina, sem muita influência de som; a segunda conta o momento da caminhada em busca dos sonhos, em que já aparecem algumas influências (algumas participações no disco). A terceira, por sua vez, é quando ela chega à cidade e ganha uma linguagem mais moderna, com toques de rock e metal. Academicamente, Mel formou-se em 2010 como estilista. Assim, abriu uma loja em parceria com a família, deixando de cantar por dois anos. A formação acadêmica a auxilia na vida de cantora. “A moda me ajuda ainda no conceito de mon-
tar o meu disco, neste meu olhar diferenciado na plástica, no figurino, no cenário, e com noções de roteiro. O disco é meio que o planejamento da coleção na minha cabeça”, conta. Com a decisão de viver apenas de música, ela sentiu a necessidade de fazer coisas diferentes. Foi quando surgiu o projeto “Mel com Samba”, em que pode explorar várias vertentes musicais. Começou a tocar em local fixo e apareceram outros convites. Desde 2012, Mel e seus músicos começaram a se reunir para elaborar o projeto do novo disco “Démodé?” (fora de moda?), por enquanto 100% autoral. Sobre tal contexto, a cantora lançou um ultimato: “no segundo semestre eu preciso lançar este EP, pelo menos”. Para pagar as contas e os planos de gravar o CD autoral, Mel canta em bares, casamentos e aceita outros convites que surgem. Afinal, como a cantora ressalta, “é muito difícil viver de música em Fortaleza, principalmente se você quer trabalhar com autoral, e infelizmente por essa escolha o artista pode morrer de fome”. Outra dificuldade lembrada por ela é o fato de que cantar em bar não ter nenhuma garantia, pois não há contrato, não tem sindicato, portanto, não há como assinar a carteira profissional. Apaixonada por sanfona, Mel a inclui em suas músicas sempre que possível. Mas para ela o único indício que indica ser regional o seu trabalho é o fato de ser feito no Ceará, porém ela o considera global, ressaltando que há inclusive pinceladas da língua francesa neste novo projeto. Aos 34 anos, a doce e sonhadora Mel Mattos continua com a vontade de abraçar o mundo e todas as coisas que ele tiver a oferecer, vivendo de e para a arte musical.
A moda me ajuda ainda no conceito de montar o meu disco... no figurino, no cenário, noção de roteiro.
Foto: Eduardo Cunha
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Da seresta à música instrumental, o artista passeia pelas várias vertentes das melodias brasileiras
Alguns minutos depois de mais um ensaio, Thiago Almeida recebe a ArteNativa em um ambiente de parede com frases escritas por vários amigos, desenhos rabiscados, teclado, flauta e violão no meio da sala, roupas feitas pela mãe e português refinado. O músico consegue viver da sua
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arte, embora ache que isso seja quase impossível para a maioria dos artistas. O primeiro contato de Thiago com a música foi aos cinco anos, quando começou a acompanhar o pai, que tocava teclado em serestas. Aos seis, ele já cantava e tocava algumas músicas, a pedidos
dos pais, naquele mesmo instrumento. O músico tem marcado em suas lembranças as várias vezes que viu o pai sair cedo da noite, voltar de manhã e dormir quase o dia todo. Foi essa rotina que serviu de referência para ele, a maneira boêmia da vida do pai e até meio “trash”, como diz.
Foto: Arquivo Pessoal
THIAGO ALMEIDA, A MÚSICA SEM PRECONCEITOS
Viver de Música é o alimento mais saudável para o músico, que é ganhar com aquilo que ele está produzindo em casa. Depois de um tempo, o instrumentista passou a compor, o que para ele é uma coisa fisiológica, uma vontade. Daí vieram novos trabalhos, projetos como o “Duo”, com Cainã Cavalcante; “Trio”, com Miquéias dos Santos e Wladimir Catunda; além de dar aulas particulares. Mais recentemente, Thiago vem trabalhando com Psicomusicologia, que seria a compreensão de algumas relações diretas de comportamento quando se usa o instrumento. “A habilidade de improvisar, de errar, como você faz desse erro uma música é a mesma coisa como você faz, no seu dia a dia, é uma visão voltada para o positivo”, explica.
Viver de música A Marimbanda, projeto do qual faz parte, deu essa noção de trabalhar profissionalmente, e isso foi amadurecendo. A atenção em dar cada passo cuidando da imagem foi começando a fazer parte da vida de Thiago. Para concretizar essa nova posição, ele viu que os discos (o músico pretende gravar outros) são, acima de tudo, uma maneira de esvaziar mais a casa, tirar os papeis, realizar mais projetos, um trabalho do começo ao fim. O músico recorda que não teve a consciência do quando se decidiu pela profissionalização. Só recentemente passou a se preocupar com a profissão, gravar um disco, registrar as composições, defender um cachê digno, se filiar à Ordem dos Músicos e a ser uma pessoa realmente engajada no meio. “Viver de música é o alimento mais saudável para o artista, é ganhar com aquilo que se está produzindo. Pensar nisso, entrar no parafuso de estar sem dinheiro e com vontade de fazer uma coisa que não vai te dar grana, sair, se imaginar... e depois de tudo ainda se manter intacto”, reflete Thiago sobre a vida de um músico profissional.
Foto: Eduardo Cunha
Thiago frequentou a escola formal até a sétima série, quando conheceu o baterista de uma banda e queria tocar igual. Começou a participar de bandas de pagode, teve contato com outros instrumentos como o baixo, até que foi tocar com uma dupla sertaneja e acabou largando os estudos e viajando com eles para a Bahia, aos 16 anos. Quando voltou de viagem começou a tocar em bandas de forró, e assim foi dando os primeiros passos no mundo musical. Em 2003, começou a ouvir música instrumental. Chick Corea, um pianista americano, despertou nele a vontade de ter uma relação mais profunda com um instrumento. “Aí eu passei a querer o meio da música instrumental, onde eu podia tocar muito, sem ter uma fórmula, aquela expectativa”, relembra o artista. A partir desse momento ele passou a ter uma visão mais profunda da sua relação com o meio musical. O instrumentista conta que sempre teve apoio da família. A casa onde mora hoje foi um presente do pai, serve de refúgio e ambiente de produção musical. “Aqui eu posso trabalhar, ter aquela vida, aquele paraíso do músico, produzir. Fazer arranjo, compor, estudar, ficar em dia com o instrumento, me preparar para um show. A coisa mais valiosa para o artista é perder-se na música”, assume. Thiago Almeida tem o nome associado ao teclado, piano, mas traz consigo uma vontade muito forte de aproximar-se de outros instrumentos. Hoje ele também toca flauta e não descarta a possibilidade de amanhã estar tecendo notas no acordeom, por exemplo. Essa visão mais rebuscada, que veio por meio dos estudos com a música instrumental, o levou a conhecer profundamente a obra de outros compositores, como Tom Jobim. “Quando você toca uma musica de um artista você se aproxima dele, da obra dele. Essas coisas vão enriquecendo nossa vida a perder de vista”, ressalta.
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Foto: Arquivo Pessoal
MÚSICA SEM BARREIRAS
O baixista Wellington Jatobass vence seus limites para viver de música em Fortaleza
Wellington é um artista diferente. Ele chama atenção na música por dois motivos: talento e superação. Nasceu com deficiência visual, por conta do grau de parentesco entre seus pais. Mas isso não o impediu de fazer aquilo o que realmente gosta: ser músico. Mais conhecido como Jatobá, Wellington ganhou esse apelido por conta da Novela América, exibida pela Rede Globo, em 2005. Na trama, o ator Marcos Frota interpretou um deficiente visual de mesmo nome. Os amigos do meio musical, por acharem seu nome de batismo muito extenso, começaram a chamá-lo de Jatobá do Ceará. Hoje, é conhecido no meio artístico como Wellington Jatobass, numa junção
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entre seu apelido e o seu instrumento, o contrabaixo, que, em inglês, tem por nome bass. Com 10 anos, ganhou de seu pai um pandeiro e um triângulo. Logo depois, também foi presenteado com uma bateria. No Instituto dos Cegos do Ceará, onde estudava, se tornou o baterista da banda do colégio. Por influência dos amigos, resolveu aprender também a tocar violão. Em 2003, com 13 anos, deixou os estudos e resolveu viver de música. Assim, a convite de um amigo, foi tocar cavaco em uma banda de pagode. De imediato, aprendeu quatro notas do instrumento já que, para ele, praticamente só se usavam as quatro para todo o
repertório. A banda deu início a um projeto de micareta e precisavam de alguém que tocasse tanto o cavaco quanto a guitarra. Para não perder o emprego, Jatobá começou a estudar o instrumento. Entre 2004 e 2005, foi chamado para compor a banda de forró do sanfoneiro, também cego, Guilherme Dantas. “Quando tocávamos juntos, sempre chamávamos atenção, mas até hoje não entendo o porquê”, brinca Jatobá. Wellington se apaixonou por outra área musical. Essa história de amor começou por acaso, numa brincadeira com amigos músicos, quando o único instrumento que sempre sobrava era o contrabaixo. Por já ter uma noção básica de instrumentos de corda, resolveu
Foto: Ana Cecília Costa
Viver de música é uma ótima experiência. É algo que eu gosto, não é só o meu trabalho, é amor.
encarar. Daí então surgiu a curiosidade de estudar e escutar outros músicos. A afinidade com o instrumento fez com que Wellington, o Jatobass, criasse sua identidade como baixista. O músico confessa que, mesmo tocando estilos variados, tem grande afeição pelo samba e o pagode. Sempre que podia, se reunia com os amigos do bairro para não perder a tradição. “Nunca deixei o samba de lado. Até porque sempre toquei os instrumentos bases desse estilo. Quebrei meu pandeiro em roda de samba. Toco forró porque sou cearense, gosto da batida, mas minha paixão é o samba”, revela. Em 2013 gravou seu primeiro disco, com projeto de carreira solo. O CD, composto por músicas inéditas do próprio Wellington e de seus parceiros de composições, foi finalizado mas não lançado. Jatobá acha que, em Fortaleza, há dificuldades para entrar no mercado musical. “Passei por problemas financeiros, o lucro não era bom. Só dava para pagar os músicos. Tinha muita vontade de continuar minha carreira, mas hoje não é mais foco”, comenta.
A deficiência e a música No começo da sua carreira, Jatobá fez um curso de Orientação e Mobilidade no Instituto dos Cegos de Fortaleza. Nele, aprendeu a se locomover fazendo uso de uma varinha para perceber obstáculos físicos no seu percurso. A partir de então, ganhou um pouco mais de independência para andar sozinho. De início, não tinha receio e frequentava terminais de ônibus durante a madrugada, após os shows. “Hoje, surgiu a comodidade de me locomover de táxis. Além disso, tenho muitos amigos que me oferecem carona. Transporte nunca foi obstáculo”, afirma. Wellington conta que sofre preconceito
até hoje no meio musical, por conta da deficiência, mas nunca foi de se abater. Segundo ele, quando se fechava uma porta surgiam outras dez. “No final de 2012, um amigo me chamou para entrar num grupo de forró nacional, de renome. Afinal, eles estavam precisando de um baixista experiente. Mesmo esse amigo me dando força, houve preconceito por parte dos donos da banda e eles acabaram me avisando que não daria certo, devido à cegueira. Ou seja, o motivo foi a deficiência e não o meu talento”, desabafa. Para os empresários dessa história, a contratação de Wellington poderia ser algo “trabalhoso”, que exigiria mais atenção. Mas para o artista foi uma experiência frustrante, pois geralmente ele que escolhia as bandas com quem queria trabalhar. “Eles não sabem o 'feijão que eu comi', o preconceito que sofro. Não sabem quem gravou disco e tem nome em CD de verdade. Hoje não tem mais isso”, conta. No meio musical, Wellington já passou por constrangimentos devido a sua deficiência. Certa vez, tocou com uma banda e, na hora do pagamento, recebeu três cédulas, como de costume. Só depois foi alertado que o dinheiro estava errado. Ele tinha recebido três notas com um valor inferior ao que ganhava. De imediato, Jatobá abandonou a banda e cortou relações. Hoje, ele entende que o mais importante é saber com quem se está trabalhando. O artista em foco sempre viveu de música: está completando 14 anos de carreira. Atualmente, toca com o grupo Mesura e mantém alguns free lancer. “Viver de música é uma ótima experiência. É algo que eu gosto, não é só o meu trabalho, é amor. O instrumentista, para mim, vive a música, sente a música, ele está por completo nela. Não é só hobby”, afirma.
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OS BARES E A VALORIZAÇÃO DA MÚSICA LOCAL Os bares, de uma maneira geral, sempre estiveram relacionados com a boemia e com o fazer artístico. Em Fortaleza, especificamente, poderíamos citar o caso do Bar do Anísio, que foi ponto de encontro dos universitários que se reuniam para jogar conversa fora e compor suas músicas. Outro bar que ficou famoso por aglutinar artes foi o Estoril, também berço dos músicos e da boemia da década de 1970 e que segue sendo um local onde intelectuais, estudantes e artistas se encontram.
O Cantinho Acadêmico, localizado no Bairro Benfica, é outro reduto que, ainda hoje, conserva características semelhantes: música ao vivo, além da qualidade no atendimento e um ambiente familiar. Já o Teresa e Jorge é um pedacinho do Rio de Janeiro em Fortaleza, sendo ainda um espaço no qual o samba tradicional de raiz está presente de quinta a domingo. Nas próximas linhas vamos conhecer um pouco da história destes bares que são locais onde os artistas cearenses divulgam seu trabalho.
Foto: Mariana Cunha
TERESA & JORGE Um pedacinho do Rio de Janeiro em Fortaleza
Santa Teresa, no Rio de Janeiro, é um bairro bucólico de dia e um dos mais artísticos e boêmios durante a noite. É um lugar colorido, musical e cheio de botecos e restaurantes genuinamente cariocas. As ruas são marcadas pelos trilhos do bondinho, que não funciona mais. O clima por ali é descontraído, sem luxos, mas cheios da alma carioca. Do alto, são 360 graus de vistas incríveis. Situado à Rua João Cordeiro e próximo à Avenida Monsenhor Tabosa, o bar Teresa e Jorge, em Fortaleza, nos remete aos bares do bairro situados na capital fluminense. Da cenografia ao cardápio com petiscos genuinamente cariocas, passando pelo repertório musical, a casa possui inspiração na antiga capital do Brasil. O segundo nome, Jorge, é uma homenagem a São Jorge, padroeiro de muitas escolas de samba do Rio. O bar existe há cerca de três anos, mas desde agosto de 2013 está sob a direção das sócias Carla Vieira e Raquel Rebouças. As amigas eram frequentadoras assíduas, e quando as antigas donas decidiram vender, não pensaram duas vezes e realizaram o desejo antigo de abrir um negócio no ramo da gastronomia. A formação das duas é curiosa: Carla é formada em História, enquanto Raquel tem diploma de Administração, mas ambas são apaixonadas pelo entretenimento. Quando as amigas assumiram o bar a programação musical acontecia apenas aos sábados e já fazia muito sucesso. As duas resolveram fortalecer a identidade carioca, porém valorizando os artistas de Fortaleza. Assim, ampliaram as atrações music32 | REVISTA ARTENATIVA
ais para todos os dias de funcionamento, quinta a domingo, com grupos fixos de samba. Para escolher os artistas que tocam na casa, as amigas recorreram a alguns já conhecidos por elas e um foi chamando o outro. E assim foi montada a grade musical do bar. Carla, uma das sócias, conta que o público é o termômetro. E quando um grupo não agrada, elas fazem a substituição. Porém ela diz contar com uma plateia fiel e, desde que assumiram há nove meses, capricharam na identidade do bar como uma autêntica casa de samba carioca, o que aumentou a clientela em até quatro vezes. “Alguns dias ainda são complicados, como é o caso da quinta, porque a gente briga com a cultura do cearense da quinta do caranguejo, e como a casa não tem este serviço, acaba ficando um pouco complicado. Mas aos poucos a gente vai vencendo a resistência”, conta. Apesar de a proposta do bar ser bem definida (samba de raiz), Carla conta que, semanalmente, recebe convites de vários estilos de grupos interessados em tocar lá. Ela diz que destoaria uma casa essencialmente de samba tocar outros estilos musicais, pois os clientes que a frequentam vão para ouvir samba. De qualquer forma, ela não descarta a possibilidade: “não estou dizendo que isso não possa vir a acontecer, a casa afinal de contas não é minha, é do público, e se as pessoas começarem a gostar muito de reggae, o que é que eu vou fazer né? Mas enquanto houver público pra samba, seremos uma casa de samba”.
Foto: Arquivo Pessoal
CANTINHO ACADÊMICO Ambiente de universitários e boêmios O Cantinho Acadêmico surgiu de uma brincadeira feita dentro da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1996, quando José Pereira do Nascimento e o cunhado decidiram criar um local onde alunos e professores pudessem esticar o papo e tomar uma cervejinha. A sugestão do nome foi de um amigo, frequentador da cantina, e deu certo. A ArteNativa conversou com Pereira e seu filho, Alan, para conhecer um pouco mais sobre a história deste bar que faz parte da noite do bairro Benfica, em Fortaleza, há quase 20 anos. Do nome ao logotibo do bar, tudo tem ligação com a UFC. A arte reflete o perfil dos clientes da casa: acadêmicos, formadores de opinião e pessoas que buscam divertimento. Os dias de funcionamento também coincidem com os que a instituição está aberta, segunda a sábado. O símbolo (a toga), criado por outro amigo e frequentador do bar, é também um emblema marcante dos frequentadores do local. Quando Pereira (pai) assumiu a direção do bar, em 1999, viu que estava tomando proporções maiores e teve que se transferir para o ponto onde está instalado hoje. O lugar, que antes tinha a responsabilidade da família e ajuda dos amigos, a partir de
então passaria a contratar funcionários, não perdendo, contudo, a característica inicial: a presença da música. Que, aliás, sempre fez parte do ambiente, desde estudantes que chegavam com seu violão e tocavam nas mesas, até bandas covers. Mas a música popular brasileira e o samba sempre foram os estilos que predominaram no espaço. Alan Pereira diz que não há um critério definido para a seleção dos músicos que tocam no Cantinho. Desde o início um foi indicando o outro e assim ele formaram a grade, isso não mudou muito com o passar dos anos. A programação musical é préestabelecida com os intérpretes fixos, mas em algumas oportunidades - como feriados - eles sempre dão a chance de um artista novo mostrar o talento, até para inovar. Nesse sentido, tudo é conversado com quem está envolvido com o Cantinho. A clientela sempre esteve ligada à música e aos instrumentistas, e todos os dias cada artista tem o seu público específico. “Se eu não tivesse música, não teria essa movimentação que há hoje aqui no bar. Não seria o que é hoje, sem a música”, conta Alan. ArteNativa destaca ainda que os músicos
que tocam no bar tendem a permanecer por longos períodos. Como exemplos: Dedé Nunes está há 12 anos, e Marcelo Holanda, há cinco. Segundo Pereira, isso tem um motivo: “O músico que se apresenta aqui tem dificuldade pra conseguir interagir com um público como o nosso, formador de opinião, porque quando chegam aqui os clientes querem conversar, mas querem ouvir também música de qualidade. E quem se apresenta no Cantinho tem que ter qualidade”. As pinturas de cantores nacionais na parede também revelam os estilos que tocam na casa, pois é uma espécie de seleção de gêneros que já virou tradição. E por conta de estar localizada em uma área essencialmente residencial do Benfica, a música só toca até meianoite, mas isso não é problema para Pereira, que diz ter conseguido conciliar com os vizinhos. Segundo o proprietário, a vizinhança acabou se tornando colaboradora, e quando algo está errado ela vai diretamente falar com alguém do bar. E assim segue o Cantinho Acadêmico, vivendo em harmonia com a música, com os clientes, com a intelectualidade e com os moradores próximos.
SERVIÇOS TERESA & JORGE Rua: João Cordeiro, 540 – Praia de Iracema Funcionamento: Quinta à domingo PROGRAMAÇÃO Quinta: Adrialdo & Banda Sexta: Marina Cavalcante & banda Sábado: Capital do Samba, com Malena Monteiro; Sexteto Coração Benfica Domingo: Hannah Feijão e Banda Mesa 4
CANTINHO ACADEMICO Endereço: Avenida 13 de maio, 2370 - Benfica ATRAÇÕES Quarta: Banda Acanto Quinta: Paulo Freitas (Estilo Internacional) Sexta: Dedé Nunes. Sábado: Marcelo Holanda Domingo: Cris Malagueta In Trio (uma vez por mês)
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ENQUETE O Ceará é conhecido nacionalmente como a terra do forró, mas o gosto musical dos moradores de Fortaleza é bastante diversificado, vai desde MPB até a black music, passando pelo tradicional samba. Com esta enquete, a ArteNativa busca mapear a cena musical da capital cearense, identificando gostos e locais frequentados por nossos habitantes.
Cássia Alves Estudante de Jornalismo, 28 anos
Débora Lotfi Lavôr Enfermeira, 34 anos
Caio Viana Professor e Músico – 26 anos
Amanda Bezerra Publicitária – 28 anos
Antes gostava de rock, bandas como Ramones e Nirvana. Depois, quando entrei na faculdade, vi o encanto da cultura popular. Então, gosto muito de samba, carimbó e escuto muita música africana. Frequento festivais de música e lugares que tocam o que aprecio, como Mambembe e Buoni Amici's;
Eu gosto de rock alternativo, do tipo autoral. Costumo frequentar bastante o Dragão do Mar, lá sempre tem algum artista ou banda se apresentando nos barzinhos. Também frequento os bares do Benfica, para encontrar os amigos e ouvir uma boa música.
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Gosto bastante de Música Popular Brasileira (MPB). Sempre opto por frequentar locais que estejam tocando esse estilo. Vou bastante a barzinhos e gosto do Baviera, ali na Washington Soares, sempre com músicas agradáveis.
O meu gosto musical é bem variado, mas quando saio de casa é pra sambar. O Vila Camaleão e Casa da Sogra tocam o melhor samba da cidade, e melhor, lá toca um forró pé de serra que eu gosto também, na sexta.
Ildener Pita Analista de sistema, 40 anos
Manoel Almeida Produtor de rádio – 21 anos
Carla Viana Auxiliar administrativa, 35 anos
Andreza Mesquita Fisioterapeuta, 35 anos
Alessandra de Queiroz Perote Servidora pública, 41 anos
Cristina Fontenelle Administradora, 50 anos
Gosto de tudo um pouco, principalmente músicas tipo Nando Reis, Marisa Monte, Ana Carolina, se tiver show deles, com certeza vou. Gosto muito de MPB. Frequentava bastante o Bexiga, mas ultimamente não tenho saído.
Eu adoro barzinho, música ao vivo e, de vez em quando, um pagode também cai muito bem. Os que tocam música estilo Bar do Papai são ótimos, eu sempre frequento.
Gosto de MPB. Vou sempre a casas de show como Siará Hall, Centro de Eventos. Gosto também de encontro de corais, normalmente institucionais. Frequento locais variados como o BNB Clube, Colégio Santa Cecília, Teatro José de Alencar, Sindicato da UFC-SINTUF-CE, Secretaria de PlanejamentoSEPLAG.
Eu ouço e gosto de black music. Aqui em Fortaleza é bem difícil de encontrar locais para curtir esse tipo de música. Mas uma opção é o Armazém, eu já fui e lá sempre toca esse estilo musical.
Curto bastante a música sertanejo. Aqui em Fortaleza há vários locais que posso encontrar esse estilo, como Docentes & Decentes, Fahir, Reperttório, Republik e outros. Estou sempre frequentando esses locais.
Curto quase todo tipo de música, mas ouço mais a pop. Normalmente vou a barzinhos onde tem música ao vivo ou shows dos meus preferidos. Não tenho nenhum específico. Vou para onde a galera me levar. Como gosto muito de Beatles, às vezes vou para o BNB Clube na sexta para curtir a banda cover de lá, mas gosto de diversificar.
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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA Programas, ações e atividades são desenvolvidas pelas Secretarias de Cultura para apoiar e fomentar o cenário artístico no Ceará
DOCUMENTOS
PROJETOS
uando falamos de políticas públicas, imaginamos de imediato burocracias longe do nosso cotidiano. O que nós, cidadãos, muitas vezes não sabemos é que vivemos e consumimos a todo instante essas ações provenientes do poder público. Afinal, elas são ações desenvolvidas para assegurar os direitos da sociedade em diversas áreas, como educação, saúde, habitação, transporte, segurança, meio ambiente e, inclusive, cultura. No Ceará, cabe à Secretaria da Cultura (Secult) a missão de executar e coordenar
as atividades culturais do Estado. Nela, está instalado o SIEC (Sistema Estadual da Cultura), setor responsável pela captação de recursos e investimento em arte. É através desse tipo de incentivo financeiro que muitos artistas locais circulam e divulgam seu trabalho, atualmente. Há três formas de se conseguir apoio fiscal de projetos culturais. Segundo o assistente técnico do SIEC, Jonatan Soares, uma delas é a chamada demanda espontânea, quando se apresenta um projeto e, se for aprovado, já se recebe o
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EDITAIS
dinheiro imediatamente. A outra forma é através de editais, quando o produtor cultural se inscreve na sua categoria e concorre para ser agraciado. E, por último, através do mecenato, quando o artista ganha uma carta de captação com o valor desejado para solicitar apoio em empresas parceiras da Secretaria, como exemplo: Coelce (Companhia Energética do Ceará), Coca-Cola e Petrobras. Para Jonatan, a política de editais é a forma que oferece mais oportunidades para agentes culturais cearenses, pois
Políticas públicas não servem para sustentar ninguém, é um investimento cultural. Joanatan Soares
contempla as mais variadas linguagens artísticas. “Os editais abrangem eventos e manifestações culturais o ano inteiro. Temos projetos para o carnaval, para encenações da paixão de Cristo, apoiamos festejos juninos e, no fim do ano, as apresentações natalinas. Fora o nosso maior edital, que é o de incentivo às artes, englobando dança, teatro, circo, artes visuais, música, fotografia, cinema e vídeo”. Conforme ainda o assistente técnico da Secult, os recursos oferecidos não são suficientes para manter a demanda do Estado. O dinheiro investido serve apenas como apoio cultural. “Políticas públicas não servem para sustentar ninguém, é um investimento cultural. Trabalhamos com a nossa realidade financeira. Sempre falamos que os editais não funcionam como um ‘bolsa-família’. Tentamos incentivar para que os projetos cresçam”, explica. Para os músicos, há alguns projetos no edital de incentivo às artes. São ofertadas vagas: para apoio à manutenção de grupos, ajudando com estrutura física para ensaio ou instrumentos musicais; para pesquisa teórica de linguagem, apoiando estudos científicos e históricos sobre música; para circulação e montagem de show, incluindo a banda em apresentações em todo o Estado; e para apoio a álbum fonográfico, auxiliando nos custos de estúdio e prensagem do CD. Seguindo o mesmo ideal de valorização da arte local, mas atuando em uma perspectiva municipal, existe também a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). O órgão, assim como a Secult, é responsável pela formulação e coordenação de políticas públicas de cultura. A diferença é que as ações são específicas para o município de Fortaleza em parceria com a prefeitura e não com o governo do Estado. Segundo o assessor de planejamento e desenvolvimento institucional da Secultfor, Inácio Carvalho, o trabalho da secretaria é espalhar cultura na cidade. Dentre suas funções estão: criação de eventos, programação artística e ações de fomento à manifestações culturais. “A secretaria tem justamente o papel de formular e desenvolver políticas públicas que assegurem à população de Fortaleza di-
reitos fundamentais na área da cultura. E devo destacar que isso implica em buscar atingir o universo mais amplo da cidade, e não alguns segmentos já beneficiados por outras ações públicas ou privadas na área da cultura”. Os editais propostos pela Secultfor visam a manutenção da cultura popular, assim como a realização e apoio de Feiras e Festivais. Na Mostra de Música Petrúcio Maia, por exemplo, os artistas se inscrevem para participar. Assim, aqueles que forem selecionados ganham um apoio financeiro e se apresentam com um show de 30 minutos. Os finalistas, por sua vez, recebem um prêmio para circulação e realização de shows fora do Estado. “Na área da música, uma ação de grande relevância é a Mostra Petrúcio Maia, pois possibilita o fomento aos novos talentos musicais de Fortaleza. Outras ações importantes são o edital de residência e intercâmbio e a própria programação cultural, que assegura espaço para talentos locais. Acho que ainda se pode pensar também em buscar ainda mais parcerias para o aumento da realização dessas políticas públicas”, reforça Inácio.
COMO PARTICIPAR DOS EDITAIS
Para quem pensa em participar das seleções de editais, a regra é básica: siga à risca todos os passos exigidos no texto. De acordo com Jonatan, da Secult, é necessário ler e reler o edital quantas vezes for necessário, pois ele será um mapa para se alcançar o recurso desejado. Nesse documento estará explícita toda a estrutura burocrática do órgão responsável. Nos editais da Secult, por exemplo, é solicitada uma parte técnica com os dados e os documentos necessários. Além disso, o projeto deve estar claro, objetivo e com um orçamento dentro do valor proposto. A próxima fase é a de julgamento. Os jurados, compostos de especialistas da área e técnicos, elaboram uma média e depois um ranking com a colocação de cada participante. A partir daí são convocados os contemplados para uma reunião na qual cada um
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...a população deve estar atenta ao que é feito com o dinheiro arrecadado através dos impostos que ela paga. Inácio Carvalho
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leva uma conta bancária disponível e o plano de trabalho atualizado, para análise e adequação do plano para execução. É feito um convênio, para depois lançar no Diário Oficial e no sistema da instituição. Em duas semanas, teoricamente, o recurso já deve estar nas mãos dos agraciados. Vale lembrar que na Secretaria de Cultura o projeto é financiado da seguinte maneira: 80% pelo órgão e 20% pelo proponente. Dessa forma, fica claro que o edital apoia, mas não cobre todos os custos. A opção do produtor musical é pagar o restante dos gastos de forma financeira ou oferecendo seu serviço para a população. Uma banda, por exemplo, pode optar por shows em ambiente público. O procedimento da Secultfor também segue um padrão semelhante ao da Secult. Segundo Carvalho, é importante destacar que os projetos que recebem os recursos públicos também precisam prestar contas do que foi gasto e apresentar o resultado do trabalho. Isso serve para que se possa ter um acompanhamento das ações realizadas e para uma correta fiscalização dos gastos com dinheiro público.
ATRASOS
Os órgãos públicos de incentivo à cultura vêm sofrendo duras críticas por parte dos artistas que são aprovados em editais e demoram a receber o dinheiro. A justificativa do representante da Secult foi de que - às vezes - há uma demora na captação do recurso por parte da instituição juntamente ao governo e às empresas parceiras. “Tento sempre deixar claro que somos captadores de recursos. Às vezes conseguimos o recurso com antecedência, outras vezes não. O que acontece é o seguinte: temos um edital de São João,
por exemplo, que tinha de ser lançado em maio, para que pudéssemos ter tempo de captar os recursos, mas isso nem sempre acontece. Então, muitas vezes, temos que conseguir o dinheiro em cima da hora e isso ocasiona a demora no recebimento”, revela o técnico Jonatan Soares. Ainda segundo ele, existe também um fator externo que ocasiona os atrasos. Como o caso de uma documentação vencida. Assim, se qualquer tipo de documento entregue pelo proponente se vencer, ele terá de providenciar o mais rápido possível a nova documentação. Caso contrário: continua sem receber. Isso também acontece se a pessoa ficar inadimplente. “São desencontros que acontecem quando lidamos com muita burocracia. Normalmente são por esses motivos que atrasam”, afirma. O representante da Secultfor, Inácio Carvalho, também reforça que a demora nos procedimentos burocráticos fazem com que atrase o recebimento do dinheiro. “A administração pública tem uma dinâmica muito peculiar e rigorosa com os gastos do dinheiro público. Eu diria que isto é compreensível na medida em que a população deve estar atenta ao que é feito com o dinheiro arrecadado através dos impostos que ela paga. Por essa razão há todo um procedimento burocrático para a liberação de recursos, de modo a assegurar o zelo com o dinheiro público.” Mesmo assim, ele assume que há dívidas ainda a serem pagas. “A nova administração municipal de Fortaleza herdou uma dívida elevada e precisa ter muito critério na gestão dos recursos financeiros. Para se ter uma ideia, a Secultfor, em 2013, pagou quase R$ 2 milhões de dívidas, inclusive editais ainda pendentes de 2007”.
DICA CULTURAL Álbuns fonográficos de artistas regionais
PESSOAL DO CEARÁ
Formato: CD Intérpretes: EDNARDO, AMELINHA E BELCHIOR Distribuidora: WARNER MUSIC | Ano: 2002 Estilo: MÚSICA BRASILEIRA - MPB A nova versão do "Pessoal do Ceará" traz regravações de antigos sucessos e duas músicas inéditas. Trinta anos depois da primeira versão do "Pessoal do Ceará", Ednardo, Belchior e Amelinha se reuniram no início de 2002 para gravar o disco "Pessoal do Ceará".
ACORDEOM BRASILEIRO - ADELSON VIANA Formato: CD Intérprete: ADELSON VIANA Gravadora: BISCOITO FINO (CD) | Ano: 2005 Estilo: MÚSICA BRASILEIRA – INSTRUMENTAL
Adelson Viana explora toda a polivalência do instrumento em seu disco, Acordeom Brasileiro. O álbum é um verdadeiro relicário de alguns dos mais representativos ritmos brasileiros, tais como frevo, choro, xote, baião, dobrado, xaxado e, é claro, forró.
MEL MATTOS – O RETRATISTA
Formato: CD Intérprete: MEL MATTOS Realização: GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ – SECRETARIA DE CULTURA | Ano: 2009 Estilo: MÚSICA BRASILEIRA - MPB De forma conceitual, porém com linguagem nordestina, “O retratista” conta a história de uma menina que sai do sertão em busca de seus sonhos na “cidade grande”, e o melhor, através da música. O CD conta com várias participações.
ARTUR MENEZES - #2
Formato: CD Intérprete: ARTUR MENEZES Gravadora: TRATORE | Ano: 2012 Estilo: dBLUES O guitarrista cearense Artur Menezes, conhecido como "o garoto prodígio do blues", apresenta seu segundo CD, intitulado #2 (lê-se “número dois”). Com canções mais maduras, sempre passeando entre o reggae, o country, o soul, o rock, a balada e o fusion, mas tendo o blues como base.
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O PAPEL DA IMPRENSA Os cadernos de cultura de Fortaleza oferecem espaço e auxiliam na divulgação do trabalho dos artistas locais
A
mídia tem a responsabilidade de reportar assuntos de interesse público. Dentre as editorias de um jornal, há páginas destinadas a vários assuntos, inclusive à cultura e ao entretenimento. Em Fortaleza, por exemplo, os jornais Diário do Nordeste e O Povo, principais veículos de comunicação da cidade, possuem cadernos voltados especificamente para questões ligadas à cultura. No Diário, o Caderno 3 difunde as variadas vertentes artísticas, enquanto no O Povo está o Vida & Arte, que também garante espaço para exposição de projetos culturais. Cada um, ao seu modo, contribui no trabalho de divulgação dos artistas locais e prezam pela cultura cearense. Destinar uma área específica nos jornais para se discutir cultura é um ponto positivo dos veículos de comunicação da cidade, segundo o editor do Caderno 3, Dellano Rios. Diferente das outras editorias, ele considera um privilégio ter sempre um bom espaço todos os dias, sem alteração no tamanho, para se falar de arte.
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Para o editor, na rotina da redação, o mais difícil é a escolha das matérias. Segundo ele, é preciso incluir variados temas e ainda uma programação cultural. "Nós temos uma reunião de pauta semanal, reunimos os repórteres e todos têm autonomia de sugerir os assuntos. Também não podemos fugir do 'agendão', afinal, essa questão tem a ver com a forma em que consumimos cultura", explica. As pautas, nesse caso, partem do conhecimento dos membros da equipe. "Como somos pessoas que circulam e pesquisam a área, acabamos conhecendo o cenário e procuramos mapear isso a partir da agenda e da expressividade dos assuntos que vão surgindo e são relevantes para a cena cultural. A gente se esforça para incluir áreas que geralmente não são incluídas e, de um tempo pra cá, tentamos ser mais múltiplos, para trazer essa variedade pro caderno”, conta Dellano. No fim das contas, a maior parte do conteúdo é regional. Cerca de 80% do espaço é reservado para a cultura cearense, dividido
em trabalhos de artistas locais e eventos. O editor ressalta também que o Caderno 3 não está voltado para o entretenimento. Já que, no Diário, há o Zoeira, criado para cumprir essa demanda. "Podemos ser mais pesados, mais densos e mais analíticos. Às vezes tratamos do mesmo tema, mas é em outra condição. Não é somente diversão, tem discussão ali". Para o artista, por sua vez, é gratificante ter o seu trabalho estampado no jornal. Conseguir esse espaço depende da boa relação que é estabelecida com a redação. Aqueles que desejam divulgar o seu trabalho precisam, antes de tudo, fazer contato com os jornalistas. Para isso, é essencial o investimento com um assessor de imprensa. “Mas também há casos em que o próprio artista faz essa mediação, levando o seu material até o Caderno 3”, completa Rios. No jornal O Povo, cabe ao Vida & Arte tratar do cenário cultural cearense. E para o editor Henrique Araújo, a prioridade é trazer um olhar diferente das pautas rela-
cionadas à arte. “Tentamos fugir da agenda de eventos culturais da cidade. Não deixamos de fazer, mas ela não é a linha principal. Nossa intenção é trazer pautas novas, tentamos nos movimentar. Até a agenda pensamos de uma forma diferente. É uma tentativa de enxergar potencial em pautas que passariam batidas”. Quanto às variadas vertentes artísticas, o caderno busca contemplar todas as linguagens. Há espaço para diversos temas, inclusive aqueles que geralmente não têm tanto destaque nos jornais, como no caso dos quadrinhos e dos jogos para videogame. Além disso, a distribuição de pautas é feita através da habilidade de cada repórter, explorando o que cada um faz de melhor. No Vida & Arte a cultura e o entretenimento fazem parte de um só universo. “Numa mesma edição misturamos os dois universos. Fazemos críticas às questões de políticas públicas, mas também falamos de cultura de massa, como um disco ou um jogo. Um não inviabiliza o outro. Não
há esse conflito, não há nem como separar. Mas já foi uma constante dos cadernos de cultura isso de separar muito”, revela o editor. Quando se trata da divulgação do trabalho de artistas no O Povo, quanto mais equipado de assessoria ele estiver, mais facilidade ele terá para conseguir mídia. Só que, justamente para fugir desse padrão, os jornalistas da editoria de cultura buscam projetos ainda desconhecidos que circulam pela cidade ou por meio da Internet. Aliás, segundo Henrique, o trabalho do artista e sua obra falam por si. É isso que faz com que ele ganhe espaço no jornal. Após todas essas considerações, a Artenativa conclui que tanto no Diário do Nordeste quanto no O Povo o que prevalece é a busca pela valorização da cultura no Ceará; com cada um deles tendo o seu papel de levar informação ao público e apresentar projetos artísticos que permeiam a região, além de oferecer ao artista a oportunidade de divulgar seu trabalho em um veículo de comunicação de massa.
Nossa intenção é trazer pautas novas, tentamos nos movimentar... Henrique Araújo
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CRÔNICA
Joanice Sampaio
CANTOS DE PERSISTÊNCIA A
Temos uma cena rock que caminha. O rap sai dos pick ups da periferia... Sem falar na cena blues e a alegria do chorinho que dia a dia atrai jovens músicos e possui lugar cativo no coração do público.
s redes sociais, sites, logs e até mesmo os veículos noticiam o surgimento de novos cantores, cantoras e bandas aqui pela Taba de Alencar. Sem falar no movimento dos veteranos (alguns). Sim, a música em Fortaleza não para. Então estamos diante do paraíso pra música na Terra? Não. Longe disto. Mesmo com tanta gente fazendo e acontecendo, o campo é árido e não é de hoje, embora em relação a outros tempos, estejamos numa zona confortável. O número de bares e barracas de praia alargou, o que proporciona aos músicos poderem trabalhar a semana inteira. Para além deste circuito, há os estúdios e os eventos particulares. E a cena autoral? Fortaleza ainda é a terra das releituras. O público ainda pouco se apropria das obras dos artistas, daqueles que ainda estão por aqui. Faz-se necessário acabar o velho vício de valorizar o artista local quando faz sucesso fora de nossas fronteiras ou aparece em reality show nacional, por exemplo. Temos uma cena rock que caminha. O rap sai dos pick ups da periferia. A MP, as experimentações, o som massificado das bandas de forró eletrônico, do sertanejo universitário. Fortaleza também é cidade do samba e seus desdobramentos. Sem falar na cena blues e a alegria do chorinho, que dia a dia atraem jovens músicos
e possuem lugar cativo no coração do público. Mas mesmo em meio a esta pulsação musical, os artistas cearenses ainda são ilustres desconhecidos em sua terra. A mídia de massa não divulga esta produção alternativa. Já tivemos movimentos que buscaram valorizar e articular ações pela difusão da música cearense, como o “Ceará em Canto”, a “Música Plural Brasileira” - o mais incisivo e duradouro, e mais recentemente o “Bora! Ceará Autoral Criativo”. Entretanto, estas iniciativas infelizmente perderam o fôlego, ficando no campo das boas intenções e das boas recordações. Somos dependentes dos editais para viabilizar discos, shows, DVD ou qualquer outro produto cultural, pois o mercado vigente não permite ao artista realizar seus projetos sem estes aportes financeiros. O empresariado não despertou ou não quer despertar para a importância de apoiar um show, a gravação de disco... Ressalte-se também que temos uma política de cachê muito baixo. Neste ano de 2014, programações musicais que aconteciam na capital cearense deixaram de existir, entre os quais Retratos do Vento, as quintas-feiras do Mercado dos Pinhões... Restaram apenas Dragão do Mar e SESCs. Assim caminha a produção musical cearense: seguindo o compasso de um metrônomo involuntário.
Joanice Sampaio – Jornalista e produtora. (http://joanicesampaio.blogspot.com.br/)
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EM TODOS OS ESTILOS.