Análise da precarização do trabalho e tentativas de criminalização dos bombeiros no Estado do RJ

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

NOME Thiago da Silva Ferreira TÍTULO Uma análise da precarização do trabalho e tentativas de criminalização dos bombeiros no Estado do Rio de Janeiro: uma abordagem conceitual sob a ótica da Psicologia Aplicada à Administração Pública na Secretaria de Estado da Defesa Civil (Corpo de Bombeiros) Militar no Estado do Rio de Janeiro

Professora Ana Maria Lana Ramos

Niterói 2013


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RESUMO EM LÍNGUA VERNÁCULA No presente estudo, busca-se a compreensão das recentes greves ocorridas nos anos de 20112012 no corpo de bombeiros (Secretaria de Estado da Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro), buscando entendê-lo à ótica da Psicologia Aplicada à Administração. Além da questão midiática, meramente contemplando as demandas salariais e a versão oficial e governamental, quais os fatores que influenciam a auto-imagem desta categoria? Quais seriam as possibilidades de melhoria da situação laboral e motivacional dos mesmos? Faremos breve análise teórica, visando dar apoio a esta importante categoria, que presta serviço tão fundamental à nossa sociedade. Palavras-chave: frustração, bombeiros, espaços públicos de discussão, resiliência

RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA (ABSTRACT) On this present study, we`re trying to search the recent strikes on the past years (2011-2012) on the fire-fighter team (Rio de Janeiro), trying to understand it through the view of the Management Psychology Applied. Beyond the official statements, focused on wage demands, what are the factors to influence the self-image of the fire-fighters? What are the possibilities on the improvement on job and motivation conditions? We`ll do a brief analysis on theory, in order to help this important professionals, who make a fundamental service to our society. Keywords: disappointment, fire-fighter, public spaces for discussion, resilience


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................4 1.Políticas Organizacionais e concepções da Sociedade e da Natureza Humana: uma breve análise teórica das práticas declaradas e estimadas de gestão de pessoal na Secretaria de Estado da Defesa Civil (Corpo de Bombeiros) Militar no Estado do Rio de Janeiro ................4 2.Motivação no trabalho no contexto da Secretaria de Estado da Defesa Civil, corpo de bombeiros: análise teórica...........................................................................................................7 3.Ajuste e sofrimento no trabalho no âmbito da Administração Pública Brasileira: abordagem conceitual no caso da greve dos bombeiros no Estado do Rio de Janeiro, 2011-2012...............8 4.Uma abordagem em prol do desenvolvimento da liderança no contexto da Administração Pública Brasileira......................................................................................................................11 CONCLUSÃO..........................................................................................................................13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................15 PESQUISA EM WEBSITES:...................................................................................................16 ..................................................................................................................................................16


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INTRODUÇÃO Nos anos de 2011-2012, tomaram a mídia diversas notícias acerca do movimento grevista do corpo de bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. Salvas as polêmicas habituais, da questão salarial, e da questão moral da possibilidade ou não de fazer greve o corpo de bombeiros (visto a imprescindibilidade do serviço à segurança da população), cabe uma análise, neste momento de forma teórica, de quais seriam os fatores inerentes à própria profissão e condições de trabalho (auto-imagem da categoria, significado do trabalho, fatores motivacionais e forma de lidar com a proximidade da morte) que impactam num melhor entendimento do dito fenômeno. Dentro de um espaço rigidamente hierarquizado, como integrantes das forças militares e da Administração Pública Estadual (são concursados), haveria possibilidade de uma melhoria no dia-a-dia de trabalho dos mesmos? Como a Psicologia Aplicada poderia auxiliar em uma melhor compreensão do fenômeno, e melhoria do trato da categoria com seu trabalho e empregador (governo do Estado)? Buscaremos aprofundar tais questões.

1. Políticas Organizacionais e concepções da Sociedade e da Natureza Humana: uma breve análise teórica das práticas declaradas e estimadas de gestão de pessoal na Secretaria de Estado da Defesa Civil (Corpo de Bombeiros) Militar no Estado do Rio de Janeiro O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro foi criado em 1856, à época denominado “Corpo Provisório de Bombeiros da Corte”, no Governo do imperador Dom Pedro II. Esta organização indica que “executa os seguintes serviços à comunidade: além do combate a incêndios, Busca e Salvamento, Socorro de Emergência em Via Pública, Socorro Florestal e Meio-Ambiente, Remoção de Cadáveres, Salvamento Marítimo, Transporte InterHospitalar de Pacientes, Prevenção de Sinistro e Apoio nas ações de Defesa Civil”, conforme consulta ao sítio virtual http://www.defesacivil.rj.gov.br em 20/12/2012, às 10h. Em breve pesquisa ao referido website, notamos que o ingresso na corporação ocorre por meio de Concurso Público ocorrido anualmente, sendo indicados como requisitos básicos para inscrição o Ensino Médio (2º grau completo), bons antecedentes (não ter respondido a processos civis, dos Serviços Públicos ou militares) e aptidão física.


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No concurso de 2012, houve 23.961 inscritos para o cargo “soldado motorista” (condutor de viaturas), sendo que o concurso apresentou uma relação de 230 candidatos para cada uma das 100 vagas (com remuneração inicial de R$2.526,80, após o curso de formação para soldados). Notamos, assim, um concurso que apresenta concorrência acirrada, exigente em padrões físicos e intelectuais. Por outro lado, conforme pesquisa no site de notícias “G1” em 20111, aproximadamente na época de greve de grande repercussão do corpo de bombeiros no Rio de Janeiro, noticiava-se uma defasagem relevante dos salários no Rio em relação aos demais Estados: apresentava o menor salário bruto inicial, de R$ 1.198,24, ou cerca de R$ 950,00 depois dos descontos (a mesma reportagem indicava, à época, que o Distrito Federal apresentava o salário mais alto para a categoria, de R$ 3.453,70). E isso em um Estado com um dos maiores custos de vida do país (alimentação, moradia, transporte, e afins). Observamos, assim, uma questão potencial para análise e debate: como se daria a relação dos bombeiros com o trabalho e as condições desvantajosas no Estado em questão? Esta análise demanda, inicialmente, um maior aprofundamento na questão da profissão em si, da imagem dos bombeiros em relação a si como categoria, e da sociedade para com os mesmos. MONTEIRO, et al (2007)2, em uma série de entrevistas no corpo de bombeiros de São Leopoldo, RS, destacou alguns pontos interessantes para nosso estudo: •

Reconhecimento: alguns bombeiros se sentem reconhecidos, outros, apenas acham reconhecido o alto comando;

Declínio da remuneração (muitos deles tem de buscar remuneração complementar);

Desgaste físico e emocional;

Ideário de heroísmo e salvação, característicos da auto-imagem dos mesmos e do imaginário da sociedade para a categoria;

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http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/06/confira-o-salario-basico-dos-bombeiros-nos-estados-dopais.html, acessado em 26/12/2012 2

MONTEIRO, Janine Kieling; MAUS, Daiane; MACHADO, Fabiane Rosa; PESENTI, Clarissa; BOTTEGA, Daniela; CARNIEL, Letícia Bassôa. Bombeiros: Um olhar sobre a Qualidade de Vida no Trabalho, Revista psicologia, Ciência e Profissão, 2007. Conforme BIBLIOGRAFIA.


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Indiscutivelmente, se apresenta fortemente na pesquisa a caracterização do “ser militar”, e todas as suas implicações em termos de hierarquia, disciplina, rigidez na relação de trabalho e comando, e organização. Ainda em MONTEIRO et al, vale destacar o seguinte trecho: Essa é uma profissão muito exigida: física, emocional, psicológica e socialmente falando, e, através desse diagnóstico, percebemos o amor e o sofrimento envolvidos no dia a dia desses trabalhadores, o que torna esse trabalho ora uma paixão, ora um verdadeiro esforço pela sobrevivência (...) Normalmente, a carga horária de um bombeiro que atua na “linha de frente do combate” é de 24 horas trabalhadas, com 48 horas de folga. (...) Nas situações que envolvem vítimas, os bombeiros podem, muitas vezes, estar face a face com a morte, ou com cenas muito fortes. Vemos a tendência natural de se predominar neste tipo de organização uma ênfase no

chamado “homem organizacional”3. Nesta concepção de indivíduo, o mesmo tem pouco espaço para contestação da sua realidade laboral, sendo necessário que sua energia e inteligência sejam inteiramente postas a serviço da organização. Até mesmo pela natureza militar, aparenta haver grande internalização dos valores e comportamentos da organização pelas equipes, enfatizando valores como a lealdade e “vestir a camisa”, por meio do controle e da manipulação das informações. Seria a abordagem de sociedade dita POSITIVISTA LIBERAL enfatizada nos trabalhos de COMTE (1798-1857) e DURKHEIM (1858-1917), na qual se privilegia a homogeneidade (desde a uniformização até os procedimentos, e cultura interna; há intensa valorização do pensamento único, e conformidade aos pensamentos e valores organizacionais, sem contestação), a centralização decisória (explicitada pela rígida hierarquia militar) e a dominação das massas. Quanto a este último item, conforme veremos a seguir, durante o movimento grevista de 2011 o governo do Estado do Rio de Janeiro vergonhosamente tentou cooptar a opinião pública contra o movimento grevista, taxando-os como “vândalos”, 3

O “homem organizacional” seria uma evolução, após os conceitos de “homo economicus” tradicional, visão de gestão em que o funcionário seria motivado apenas por recompensas e punições, e o “homem social”, teoria organizacional que pregaria maior enfoque nas relações humanas nas organizações, incluindo as relações informais. O “homem organizacional” teria as seguintes características de personalidade: flexibilidade, tolerância a frustrações, capacidade de adiar as recompensas e permanente desejo de realização. http://www.portaladm.adm.br/Tga/tga93.htm, consultado em 26/12/2012 às 10:20h


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“irresponsáveis” e “delinqüentes”, tentando assim suprimir a válida demanda por melhorias na profissão. Esta abordagem se contrapõe à visão HUMANISTA RADICAL de HABERMAS (1929-atualidade), que enfatiza o pluralismo (em contraposição à homogeneidade), a importância de negociações coletivas (em contraste à “dominação das massas”, valorizando o consenso e transparência nas decisões do dia-a-dia), e a descentralização. Assim, acredita-se nesta concepção de sociedade que “O entendimento mútuo, provindo do agir comunicativo, será um importante facilitador da coordenação de ações, e servirá de base para a defesa da democracia no cenário político, com a crítica da repressão, censura e de outras medidas que não propiciam o diálogo dentro da sociedade” (VASCONCELOS, 2005). Resguardada a óbvia imprescindibilidade do serviço dos bombeiros para a sociedade, não seriam justas suas reivindicações e demandas por melhores condições de trabalho? Fitas vermelhas afixadas nos carros por todo o Rio de Janeiro à época do impasse parecem responder qual seria a opinião da sociedade a respeito... Mas, afinal, quais seriam os fatores motivador para este servidor, tão restringido pela hierarquia militar de comando e pela importância inconteste de seus serviços?

2. Motivação no trabalho no contexto da Secretaria de Estado da Defesa Civil, corpo de bombeiros: análise teórica A literatura especializada defende a motivação como um fator intrínseco ao próprio indivíduo; ou seja, não haveria como motivar alguém, a própria pessoa é responsável por sua motivação. Obviamente, há fatores externos ao indivíduo que impactam em seu estado de satisfação com o trabalho (ou, ao menos, que podem desencadear ou não em um estado de insatisfação), mas no fim das contas (acredita-se que) ninguém é motivado por outrem, apenas por si mesmo. HERZBERG, apud. CHIAVENATO e GURGEL, célebre teórico da Teoria das Relações Humanas no Trabalho, destaca em sua “Teoria dos 2 Fatores” que haveriam os chamados fatores higiênicos ou extrínsecos (ou seja, aqueles que levam a estados de insatisfação caso ocorram ou de não insatisfação caso ausentes, sem contudo gerar satisfação) e fatores motivacionais ou intrínsecos (capazes de gerar estados de satisfação do trabalhador caso ocorram, ou não satisfação, sem contudo gerar insatisfação). Salários, benefícios e tipos de chefia seriam exemplos de fatores higiênicos (que estão fora do controle do indivíduo) e, por si só, não geram satisfação quando ocorrem, mas com


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certeza geram insatisfação caso ausentes ou deficientes. Desta forma, é fácil entender a insatisfação dos bombeiros do Rio de janeiro, considerados desvalorizados em sua remuneração frente a seus pares, a nível nacional. Já se consideramos o conteúdo do cargo, a natureza das tarefas e a metodologia de trabalho, são fatores estes motivacionais de certa forma sob domínio ou influência do indivíduo e, portanto, passíveis de sua ação (quando são ótimos provocam a satisfação, mas quando são precários - não atendidos -, não a alcançam. Mas também não geram insatisfação). Cabe contudo questionar se haveria espaço para estes indivíduos deixarem “sua marca” no trabalho, ou optar (e implementar) melhorias, dentro de uma rígida estrutura militar, um trabalho crítico, e sob um governo que sequer escuta suas demandas? Estudando o caso dos bombeiros, objeto de nossa análise, aparentemente um fato de grande relevância nas análises da satisfação e motivação, pela Administração Pública, estaria a importância em servir ao público. Salvar vidas. Intrínseco à própria natureza do serviço em questão. Porém, quais os impactos desta nobre motivação quando se falha? Quando, mesmo com todo o esforço e competência, não se salva uma vida? Seria característica sine qua non a estes indivíduos, assim, a capacidade de Resiliência4 diante das adversidades, “dar a volta por cima”. Mas imagine-se arriscando sua vida, a salários extremamente baixos e ainda defasados de seus “pares” nacionais em uma das cidades com maior custo de vida do país (quiçá, do mundo, conforme estudos e notícias recentes), e sem qualquer espaço para debate ou interação, sem o direito “moral” de fazer greve em razão da “necessidade superior” de segurança da sociedade, e da natureza militar da relação de trabalho. Com uma sociedade que necessita sempre de bons serviços.

3. Ajuste e sofrimento no trabalho no âmbito da Administração Pública Brasileira: abordagem conceitual no caso da greve dos bombeiros no Estado do Rio de Janeiro, 2011-2012 No caso em estudo, por volta de junho do ano de 2011 houve paralisações do efetivo do corpo de bombeiros, prosseguindo e sendo retomadas no início de 2012 com a 4

“A resiliência é um conceito psicológico emprestado da física, definida como a capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas - choque, estresse etc. - sem entrar em surto psicológico. (...) Assim entendido, pode-se considerar que a resiliência é uma combinação de fatores que propiciam ao ser humano condições para enfrentar e superar problemas e adversidades.”, retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Resili%C3%AAncia_%28psicologia%29 consultado em 26/12/2012, às 16h


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reivindicação básica de pareamento salarial com os outros Estados. Ao mesmo tempo em que movimento contava com o apoio de grande parte da sociedade, extravasado pelas fitas vermelhas onipresentes nas antenas de carros no trânsito das principais vias do Rio de Janeiro, notamos que parte da mídia e o poder público (governador) tentaram uma campanha difamatória, conforme FIGUEIREDO do IBASE analisa, a seguir: O artigo 5º de nossa Constituição assegura serem todos e todas iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e dentre os direitos fundamentais exaltados em seu caput (início) está a liberdade. Esse mesmo artigo determina que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Sim, a Constituição trata cidadãos civis e militares de forma diferente. (...) A mesma Constituição assegura, em seu artigo 9º, no qual também se enumeram, de modo não-exaustivo, direitos fundamentais: o direito de greve. (...) Na falta de uma legislação específica por quase 20 anos vicejou a polêmica sobre o direito de greve dos servidores públicos.(...) Os bombeiros do Rio de Janeiro estão lutando pelas melhorias de suas condições de trabalho. Suas reivindicações se referem ao direito à saúde (protetor solar) e direito ao trabalho (vale transporte e aumento do piso salarial que hoje é de R$ 950,00). (...) Em protesto por não verem seus pleitos serem negociados, ocuparam o quartel central do Corpo de Bombeiros na sexta-feira. (...) O clima se tornou tenso e houve danos ao patrimônio do quartel. Quem provocou tais danos? Os bombeiros que reagiram quando atacados de forma inesperada, ou o próprio efetivo do Bope 5 ao praticar a invasão?6 Vemos neste artigo fatores que podem ensejar algumas considerações. A natureza militar e de servidor público, além da óbvia importância do trabalho, acabam criando uma 5

Batalhão de Operações Policiais Especiais especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro 6

(BOPE)

é

uma

FIGUEIREDO, Dida, em artigo publicado na data de http://www.brasildefato.com.br/node/6525, consultado em 26/12/2012, às 11:30h

força

de

06/06/2011

operações

no

website


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espécie de “limitação moral” às paralisações (greves). Com alguns casos de vandalismo em outros movimentos semelhantes a nível nacional, passou a vicejar a versão de contravenção ao regulamento do Código Penal Militar (pelas infrações de motim e insubordinação), além de infrações ao Código Penal (em razão de crimes eventualmente cometidos durante os protestos), idealizando que haveria uma proibição constitucional às greves, algo polêmico e não previsto em lei, a princípio. Houve, ainda, a tentativa de caracterizar as paralisações como mero movimento político (haja vista a aproximação das eleições municipais no ano de 2012, e o envolvimento de alguns personagens do “jogo” político local). Como se a defasagem salarial já citada, no caso do Estado do Rio de janeiro (assim como o perigo inerente à própria atividade) não justificassem por si só o descontentamento e reivindicação dos bombeiros. Apesar de a referência ser a princípio em nível de indivíduo, BERGAMINI (1992) indica, oportunamente: É preciso compreender que a intenção primeira de cada pessoa é ser produtiva. Se isso não ocorre no seu trabalho, na sua vida familiar, na sua carreira escolar e assim por diante, é porque essa pessoa deve estar acumulando dentro de si certa inadequação pessoal. Se nos lembrássemos de que toda pessoa-problema para nós é antes de tudo um problema para si mesma, a convivência e o entendimento entre todos ficariam mais fáceis, e muito sofrimento advindo de desencontros pessoais poderia ser evitado. Resgatando a auto-imagem “heróica” dos bombeiros e a consciência de importância do seu trabalho para a sociedade, ao mesmo tempo em que se vislumbram os baixos reconhecimento (restrito, ao olhar de alguns, apenas ao alto comando) e valorização (no Rio de Janeiro, à época se indicava uma remuneração líquida de R$ 950,00, para literalmente arriscarem suas vidas diariamente em prol do próximo), notamos um grande potencial para desajustes no trato dos mesmos com o trabalho. Notamos, assim, um sério comprometimento de algumas das condições necessárias para a chamada Ressonância Simbólica7, a saber: ausência de Espaço público de discussão (visto que suas manifestações são criminalizadas pelo poder público e autoridades, seus principais “chefes”) e de Reconhecimento (seja em termos de remuneração, objetivamente indicada como defasada a nível nacional, seja pela sensação – real ou não – de 7

Esta definida como a mobilização subjetiva do funcionário para o trabalho, ou seja, “que o move, e nos tira de casa para trabalhar todos os dias”


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reconhecimento apenas para as altas patentes), que podem culminar em casos de desmotivação, estresse e depressão nestes profissionais. Tal cenário ensejaria uma pesquisa mais aprofundada, com entrevistas a alguns participantes do corpo de bombeiros visando observar seus desejos, expectativas, alegrias e frustrações no trato com o trabalho, no contexto desta realidade. Por fim, entende-se que seria interessante, a despeito do ambiente em geral autocrático e inflexível imaginado da atividade militar, o estabelecimento de fóruns e espaços definidos para debate dos bombeiros com seus superiores hierárquicos e poder público, em busca de soluções coletivas. E, sobretudo, garantir que suas reivindicações sejam ouvidas, consideradas e atendidas, sempre que possível. Talvez fosse oportuna a busca por representatividade da categoria em cargos eletivos públicos.

4. Uma abordagem em prol do desenvolvimento da liderança no contexto da Administração Pública Brasileira Obviamente, na hierarquia militar, diferente de algumas instituições do setor público e privado, imagina-se haver espaço reduzido para incentivar conceitos como participação, espaço aberto para debates e para a impressão pelo funcionário de sua “marca pessoal” ao trabalho. Afinal, o trabalho militar é regido por uma série de normas próprias, rígidas e claras, de forma a reduzir ao máximo a diversidade (desde o uso do uniforme, pela padronização, e até pela imagem tradicional de pouco incentivo ao “pensar livremente” e dificuldade em expressão de opiniões individuais no meio militar). Então, qual seria o modelo de liderança capaz de eliminar, ou ao menos reduzir, as frustrações com o trabalho neste caso? Resgatamos em TOLFO (2004)8 algumas das principais teorias de liderança: (1) traços do líder (enfatizando características pessoais como altura, porte, tom de voz e afins), (2) comportamento (dividindo as lideranças em Democrática - mais participativa - , Autoritária - não participativa - e Laissez faire – na qual o líder se envolve o menos possível, deixando a condução do dia-a-dia aos próprios subordinados -), (3) teoria do poder e influência (conforme WEBER, que dividia os líderes e tipos de dominância em Carismática enfatizando características pessoais atrativas como fator de legitimação da dominância, Tradicional - a qual dá ênfase a laços de sangue, família, ou patrimônio , e Racional-legal - de 8

IN BITENCOURT, Cláudia (org.). Gestão contemporânea de pessoas; novas práticas, conceitos tradicionais, Editora Bookman, 2004. Conforme BIBLIOGRAFIA


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acordo com as regras, normas e procedimentos estabelecidos), (4) aspectos contingenciais (importância a questões situacionais, ao contexto de cada situação específica), e (5) ação transformadora (na qual visualiza-se o líder como agente de mudanças). Nos bombeiros, salvo engano leigo (em razão da ausência de pesquisa mais aprofundada sobre o assunto no momento, relativa ao público específico do corpo de bombeiros do Estado do Rio de Janeiro), intuiria uma perspectiva weberiana de preponderância de uma forma de liderança (dominância) formal e autoritária, racional-legal. Conforme contextualização de aula de ANA MARIA LANA RAMOS (UFF, 2012) no curso de Administração Pública, nos bombeiros estima-se que ocorre uma liderança formal universal, inata na medida em que imposta pelas relações hierárquicas da referida organização (caracterizadas conforme figura a seguir), fruto do arcabouço racional-legal e normativo da organização, de natureza militar. Tabela 01: Abordagens da liderança

Treinamento Geral Seleção (“Desenvolvimento UNIVERSAL Gerencial”) Treinamento específico SITUACIONAL Alocação (“coaching ”)

INATA

APRENDIDA

Fonte: Anotações de aula, professora Ana Lana, UFF, 2012

Porém, num contexto atual marcado por constantes pressões diversas, novas demandas, novas tecnologias, ascensão das pressões sociais por melhorias, podemos imaginar se realmente não seria o caso, mesmo nas organizações militares e mais rígidas, de buscar uma liderança mais sistêmica, atenta tanto à estratégia, valores e objetivos organizacionais quanto ao fator humano da organização, suas motivações, desejos e frustrações? Talvez uma pesquisa mapeasse alguns traços ou mesmo a implementação destas idéias em alguns ambientes militares mais avançados, democráticos e de vanguarda. Na “linha de frente”, haveria (ou há?) espaço para lideranças informais, situacionais e contingenciais (haja vista que o objeto de sua ação cotidiana de trabalho ser, a princípio, imprevisível - e perigoso, o que pode vir a valorizar as lideranças situacionais). Modernamente, vivenciamos em muitos casos que informalmente nas organizações tem-se diminuído a influência das lideranças tradicionais (utilitaristas), o “chefe” formal, e


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ocorrendo a ascensão da liderança transformacional, na qual o líder é visto como agente de mudança, havendo influência mútua entre líder e subordinados. Haveria, assim, uma espécie de “contrato” implícito entre os objetivos dos líderes, dos subordinados e os organizacionais, sempre que possível em consonância e consenso. Práticas mais democráticas e pluralistas tem emergido, apresentando formas de gestão mais participativas, a fim de obter o máximo da criatividade, motivação e engajamento das equipes. Sobretudo, em atividades com alto nível intelectual, em que é necessário esforço criativo, artístico ou inovador elevado. Seria esta uma tendência, para equipes de alto desempenho, ou um fenômeno isolado apenas a alguns “nichos” de organização? No caso dos bombeiros, regidos pela rígida hierarquia militar, talvez fosse oportuna a busca por representatividade da categoria em cargos políticos públicos, buscando levar ao debate público suas demandas legítimas, incluindo melhores condições de trabalho, treinamento, assessoria, equipamentos e, obviamente, a questão salarial (vide PEC-300, comentado na conclusão, a seguir).

CONCLUSÃO Com este debate, buscamos analisar, dentro das limitações de tempo e recursos disponíveis, o panorama da precarização do trabalho nos corpos de bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. Na falta de um estudo local específico no momento, analisamos pesquisas realizadas em outras regiões, além de efetuar ampla pesquisa na internet sobre a visão da mídia sobre o movimento grevista em 2011-2012, além de consulta às páginas virtuais da categoria no período de maiores repercussões da greve (sobretudo entre junho de 2011 e fevereiro de 2012). Por mais polêmico que possa parecer, na falta de espaços públicos de discussão e reivindicação, acaba sendo a greve o momento em que a sociedade acaba por ter acesso à real situação da categoria. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Nº300, conhecida como “PEC-300”, que estabeleceria piso salarial entre Policiais Militares e bombeiros, a nível nacional, ao que consta, segue até o momento para a apreciação do Congresso Nacional, protelando a defasagem salarial da categoria entre as diversas regiões do país. Desta forma notamos, no estudo realizado, um paradoxo: ao mesmo tempo em que os bombeiros estão cientes de sua importância para a segurança da sociedade, que entende e valoriza seu trabalho, eles tem de se submeter a condições de vida e morte em seu cotidiano (intrínsecas ao trabalho), regidos por uma hierarquia militar rígida que limita sobremaneira


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sua capacidade de mobilização e reivindicação dos mesmos como categoria, com uma proibição “moral”, a certo nível institucional, no corpo militar e no Governo (seu chefe, como servidores públicos) no sentido de criminalização e desqualificação do movimento grevista. Neste caso, são fundamentais a capacidade de resiliência (já definida e qualificada neste artigo) e a luta da categoria de forma organizada, legal e democrática, para buscar ao atendimento as suas demandas, e melhoria das condições de trabalho.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Maria Aparecida Ferreira. Psicologia Aplicada à Administração; uma abordagem interdisciplinar, Editora Saraiva, 2005; BERGAMINI, Cecília W. Psicologia aplicada à administração de empresas; psicologia do comportamento organizacional, 4ª edição, Editora Atlas, 2009; BITENCOURT, Cláudia (org.). Gestão contemporânea de pessoas; novas práticas, conceitos tradicionais, Editora Bookman, 2004. GURGEL, Cláudio; RODRIGUEZ, Martius Vicente. Administração: Elementos Essenciais para a Gestão das Organizações, Editora Atlas, 2009; MONTEIRO, Janine Kieling; MAUS, Daiane; MACHADO, Fabiane Rosa; PESENTI, Clarissa; BOTTEGA, Daniela; CARNIEL, Letícia Bassôa. Bombeiros: Um olhar sobre a Qualidade de Vida no Trabalho, Revista Psicologia, Ciência e Profissão, Conselho Federal e Regionais de Psicologia, 2007; VASCONCELOS, V.V. Jürgen Habermas, em Técnica e Ciência como Ideologia Conhecimento e Interesse e Consciência Moral e Agir Comunicativo - Sobre a Estrutura de perspectivas do Agir orientado para o Entendimento Mútuo, UFMG, 2006.


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PESQUISA EM WEBSITES: http://www.brasildefato.com.br/node/6525, consultado em 26/12/2012, às 11:30h; http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/06/confira-o-salario-basico-dos-bombeirosnos-estados-do-pais.html, consultado em 26/12/2012, às 12h; http://www.defesacivil.rj.gov.br/, consulta em 21/12/2012, às 10h; http://www.sidneyrezende.com/noticia/133399, reportagem de 05/06/2011, consultada em 20/12/2012, às 15h; http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2011/06/em-fase-decisiva-greve-dosbombeiros-se-divide-em-tres-frentes, reportagem de 07/06/2011, consultada em 20/12/2012, às 15h; http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5585108-EI8139,00RJ+sob+ameaca+de+greve+bombeiros+exigem+reuniao+com+Cabral.html, reportagem de 30/01/2012, consultada em 20/12/2012, às 15h; http://ricardo-gama.blogspot.com.br/2012/01/greve-dos-policiais-e-bombeiros-no-rio.html, reportagem de 14/01/2012, consultada em 20/12/2012, às 15h.


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