Anais do VII ENFEPro - Encontro Fluminense de Engenharia de Produção, editora SFEPro - Sociedade Fluminense de Engenharia de Produção, 22 e 23 de Novembro de 2017, CEFET/RJ - Campus Nova Iguaçu. ISSN 2178-3272.
Impactos socioambientais de grandes projetos de investimento de uma empresa de petroquímica na pesca artesanal em Magé/ RJ: uma análise multistakeholder baseada no conceito de licença social para operar Área temática: ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL
Autores: Thiago da Silva Ferreira - thiagosf_adm@yahoo.com.br Fernando Oliveira de Araujo - faraujo@sustentabile.com.br Raynne Suzano de Freitas - raynnesuzano@yahoo.com.br
Grandes projetos de investimento industriais oferecem forte impacto nas comunidades vizinhas, alterando sua dinâmica geográfica e condições de saúde. Observa-se que esses impactos são marginalmente considerados na análise de viabilidade destes empreendimentos, majoritariamente centrada na questão técnico-econômica, e atendimento a prazos. Neste sentido, o presente artigo analisa os impactos de dois projetos de implementação de gasodutos em Magé, Estado do Rio de Janeiro. Em termos metodológicos, o artigo se fundamenta na temática da licença social para operar, além de trazer dados primários de pesquisa junto a diversos stakeholderes. Os resultados obtidos evidenciam danos materializados na redução do pescado, especialmente durante as obras. Por outro lado, foram observados esforços corporativos compensatórios. Palavras-chave: Justiça ambiental, Licença Social para Operar, Pescadores artesanais, Gerenciamento de stakeholderes, Indústria de petróleo
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1. Introdução A atividade petroquímica está presente em vários aspectos da vida moderna, sendo determinante para a mobilidade de pessoas e mercadorias, além da provisão de insumos para diversos produtos tais como plásticos, solventes, polietileno e fertilizantes (PORTO et al, 2013). É ainda uma atividade com amplo potencial de geração de postos de trabalho, além de pagamento de impostos (FAUSTINO e FURTADO, 2013; MAIA, 2014; OLIVOS, 2015). Em contraponto à sua importância econômica, Chaves (2011) e Porto et al. (2013) destacam que esta atividade é responsável por diversos impactos sociais e ambientais, objeto de contestação sob o prisma da justiça ambiental, notadamente na luta por maior empoderamento das comunidades (ALIER et al., 2014). É relevante que a organização possua o consentimento da população para implementação de empreendimentos de alta complexidade em seu território. Caso contrário, conforme evidenciam Freitas (2016), Jordhus-Lier (2015), Liu et al. (2016) e Shi et al. (2015), podem-se gerar intensos conflitos, impactando negativamente a implementação do projeto. Este consentimento consiste no aval dado por parte da sociedade para a operacionalização do projeto, também chamado de licença social para operar – LSO (JOYCE e THOMSON, 2000). Neste contexto, o presente estudo analisa os impactos socioambientais em dois projetos de implantação de redes de gasodutos em uma área ambientalmente sensível em razão da prática de atividades de pesca artesanal no município de Magé, situado na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Cumpre destacar que o artigo busca capturar as perspectivas dos múltiplos públicos interessados na iniciativa, incluindo pescadores, academia, poder público e sociedade civil, permitindo diferentes enfoques na análise. Ao longo do estudo, serão perseguidas respostas às seguintes questões: a) Como preencher a lacuna em termos de atenção aos aspectos sociais nos grandes projetos de investimento da indústria petroquímica? b) Quais são os principais pontos de aproximação e divergência evidenciados entre as perspectivas dos distintos stakeholderes entrevistados sobre os referidos empreendimentos? c) Quais as alternativas disponíveis e lições aprendidas para melhoria do relacionamento com a comunidade local, e mitigação de impactos socioambientais gerados pelos grandes projetos estudados? Em termos de organização, além da introdução contida na primeira seção, o artigo está estruturado em mais quatro seções. A segunda trata da revisão da literatura, onde serão discutidos os conceitos de justiça ambiental e licença social para operar. Na seção procedimentos metodológicos, terceira seção, se descreve o protocolo adotado para a realização da pesquisa de campo. A quarta parte oferece a caracterização, análise e discussão dos resultados obtidos, sendo a quinta parte a conclusão.
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2. Revisão da literatura A pesquisa na literatura ocorreu nas bases de pesquisa Scielo, Scopus e ISI Web of Science), conforme protocolo “PICO” sugerido por Petticrew (2006). Foram utilizados os seguintes termos de pesquisa: “social license”, “licença social”, “environmental justice” e “justiça ambiental” (Intervenção – “I”), oriundas das pesquisas prévias dos autores, além dos termos “Indústria petrolífera, pescadores, pesca artesanal” (População – “P”) e “Projetos sociais, responsabilidade social, impactos sociais, desenvolvimento social, desenvolvimento comunitário” (“O”, Outcomes ou Saídas), contemplando os idiomas português e inglês. Ocorreram quatro rodadas de pesquisa, sendo elas: filtragem apenas por artigos e reviews em inglês (rodada 1), retirada do termo “indústria de petróleo” aumentandose a abrangência (rodada 2), pesquisa mais genérica usando apenas os conceitos de justiça ambiental e licença social para operar (rodada 3) e, por fim, retirada por completo o “P” do acrônimo (rodada 4). Foram incorporados ainda textos relevantes já pesquisados pelos autores. A revisão embasou a caracterização dos fatores críticos da LSO, desmembrados em forma de questões apresentadas em pesquisa de campo. 2.1.Licença social para operar para auxílio na operacionalização de projetos petroquímicos complexos A atividade petroquímica está presente em vários aspectos da vida moderna. É uma atividade com amplo potencial de geração de postos de trabalho, além de taxas e royalties (FAUSTINO e FURTADO, 2013; MAIA, 2014; OLIVOS, 2015), tendo alcançado a marca de 13% do Produto Interno Bruto – PIB brasileiro em 2014 (BRASIL, 2014), percentual este que se reduziu para 10% no ano de 2016 em razão da crise econômica (EBC, 2016). Por outro lado, a literatura registra uma lacuna em termos de atenção aos aspectos sociais nos grandes projetos de investimento, com dificuldades no relacionamento da indústria com as comunidades por onde atua (MARCELINO-SÁDABA et al., 2015). Isto ocorre porque grandes projetos interferem nas vidas das comunidades de seu entorno, gerando impactos ambientais tais como poluição do ar, água e solo, extinção de espécies, mudanças na qualidade de vida da população, saúde, meios de sustento e subsistência (LEFF, 2011; FAUSTINO e FURTADO, 2013; KOTLER, 2015). Igualmente, há amplos relatos de impactos e conflitos de origem socioambiental relacionados ao setor, assim como violações de direitos humanos (ALIER et al., 2014; FAUSTINO e FURTADO, 2013; MAIA, 2014), apesar dos aludidos benefícios econômicos. Na implementação de projetos de gasodutos, por exemplo, além dos impactos durante o período das obras, há denúncias de redução do pescado em até 80% pela construção e operacionalização destas estruturas (FAUSTINO e FURTADO, 2013).
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Com isso, é crescente a busca da comunidade afetada em reivindicar junto às empresas menores impactos quando da implementação destes empreendimentos, ou mesmo o cancelamento destes investimentos, conforme movimento da justiça ambiental (ALIER et al., 2014; LOWEY, 2016). Esta preocupação resulta em diversos eventos beligerantes manifestados ao longo da operacionalização do projeto, tais como boicotes, greves, ações civis públicas e paralisações das atividades (ALIER et al., 2014; JOYCE e THOMSON, 2000; SHI et al., 2015). Considerando este panorama, Freitas (2016) evidencia que o consentimento da sociedade é preponderante para operacionalização de projetos com altos impactos. De acordo com Joyce e Thomson (2000), o consentimento dado pela sociedade para a operação de uma organização é denominado licença social para operar (LSO). Esta trata-se de uma série de protocolos de relacionamento com a comunidade do entorno dos empreendimentos de investimento da indústria com o objetivo de ampliar os benefícios do projeto para a comunidade local, e mitigar seus impactos (VIANNA, 1999; FREITAS, 2016). A licença social (LSO) constitui assim uma forma de licenciamento não técnica, tácita e informal (JOYCE e THOMSON, 2000; OWEN e KEMP, 2013; THOMSOM e BOUTILIER, 2011) que, apesar de não ser exigência legal, tem sido observada como boa prática para a viabilização de projetos de alto impacto socioambiental. No entanto, Freitas (2016), Jordhus-Lier (2015), Liu et al. (2016) e Shi et al. (2015) relatam que há poucas pesquisas que busquem analisar o processo de licença social em projetos de alta complexidade. Ao longo da revisão da literatura, foram encontrados alguns pontos em comum que podem ser descritos como fatores críticos no conceito de LSO, sistematizados no Quadro 01. Fator crítico
Descrição
Autor(es)
Comunicação
Necessidade de comunicação breve, desde o início e constante da empresa com a comunidade, além do exigível por lei. O objetivo é adequar as expectativas da comunidade local, e da sociedade em geral, indo além da tentativa de silenciá-la (business as usual).
Pnro e Slocombe, 2012; Hanna et al, 2016; Boutilier e Thomsom, 2011; Que, Awuah-Offei e Samaranayake, 2015; Sing, 2014; Idemudia, 2009
Sustentabilidade
As empresas devem dedicar atenção às dimensões da sustentabilidade: Econômica e de geração de empregos; Social - redução das desigualdades sociais; Ambiental / ecológica - qualidade ambiental e preservação das fontes de recursos naturais para as próximas gerações; Cultural - evitar conflitos culturais que possam vir a piorar a qualidade de vida local; Espacial / geográfica - evitar excesso de aglomerações; e Política - apropriação da questão dos direitos humanos nos âmbitos nacional e internacional como política pública.
Due dilligence (auditoria externa em direitos humanos)
Necessidade de auditoria e prestação de contas de direitos humanos nas empresas, com participação de todos os públicos de interesse. Evitando a centralidade da relação empresa-ente público em razão do poderio político e econômico destes.
Sachs, 2002; Que, 2015; Losicer, 2013; Joyce e Thomson, 2000; Shi et al, 2015
Ruggie, 2011; Wachenfeld, Ângulo e Kemp, 2014; Giurco et al, 2014; Van Bets; Van Tatenhove e Mol, 2016; Losicer, 2013
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Descrição
Autor(es)
Empoderamento
Empoderamento das comunidades enfocando na sua participação no debate sobre as alternativas de desenvolvimento econômico e social, e a necessidade de preservação ambiental.
Vianna, 1999; Alier et al., 2014; Ruggie 2011; Pnro e Slocombe, 2012; Wilson, 2015; Van Bets; Van Tatenhove e Mol, 2016; Rocha, 2014
Legado
Estabelecimento de um “legado” para a comunidade, de forma a tornar claros os benefícios do empreendimento e garantir a aceitação da opinião pública e dos órgãos de fiscalização e regulatórios. Uma iniciativa correlata é o incentivo a aquisições locais, ou seja, a contratação e desenvolvimento de pequenos negócios pela indústria no seu entorno.
Teschner, 2013; Meirelles, 2014
Chesire,
2009;
Com isso pretende-se contribuir além da demanda por mão-de-obra para viabilização dos projetos de investimento, na medida em que o petróleo se trata de recurso natural não-renovável.
Confiança
Criação de uma relação de confiança na medida em que a licença social pode impactar nos negócios em razão de manifestações contrárias, greves e paralisações de obras. A empresa deve considerar sair do seu isolamento em relação à comunidade, buscando aprovação ou até mesmo identidade da população com o empreendimento, pelo entendimento de benefício mútuo.
Missimer, Robèrt, Broman, 2017; Que, Awuah-Offei e Samaranayake, 2015; Owen e Kemp, 2013; Thomsom e Boutilier, 2011; Joyce e Thomson, 2000; Shiet al, 2015
Mitigação
Pode ocorrer de forma voluntária (investimento em projetos socioambientais, patrocínios e convênios culturais) ou de ajustes de conduta legalmente firmados, para a indústria internalizar seus custos.
Richert, Rogers e Burton, 2015; Meirelles, 2014; Sing, 2014; Hall et al, 2016; Losicer, 2013
Dependência
Preocupação quanto a evitar dependência excessiva, precavendo-se de danos causados pelo descomissionamento da atividade no local, impactos na oferta de emprego e custeio de despesas públicas via tributos e royalties. Apesar de ser uma responsabilidade alheia à empresa, impacta na sua imagem, e na LSO.
Chesire, 2009
Consideração da licença social como vantagem competitiva, integrada ao negócio, indo além de medidas meramente compensatórias.
Acselrad, 2010; Giurco, Mclellan, Franks e Nansai, 2014; Brockhaus, et al, 2017
Vantagem Competitiva
Quadro 01 - Fatores críticos da licença social para operar Fonte: Os autores
Este panorama remete à importância da temática tanto na viabilização de grandes projetos de investimento industrial quanto na manutenção da qualidade de vida, desenvolvimento social equilibrado e proteção do meio ambiente. 3. Procedimentos metodológicos da pesquisa Conforme destacado, a revisão da literatura foi contributiva para a caracterização dos fatores críticos da LSO, permitindo a elaboração de instrumentos de coleta de dados aplicados na pesquisa de campo realizada junto a distintos públicos de interesse ou stakeholderes dos projetos petroquímicos em Magé/RJ. Com o propósito de coletar as percepções desses distintos agentes, foram efetivadas uma série de entrevistas contemplando quatro públicos, empresa (E), pescadores (P), poder público (PP), e academia/sociedade civil (A), realizadas presencialmente no período de setembro a novembro de 2016.
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O critério seleção dos entrevistados foi a participação nos projetos estudados, ou em outros projetos de altos impactos socioambientais (no caso dos entrevistados oriundos da academia). A amostragem foi não-aleatória. A ampliação e qualificação da amostra original ocorreu por meio da técnica do snowball sampling (“bola de neve”), no qual os próprios participantes indicam novos entrevistados em potencial sucessivamente (BALDWIN e MUNHOZ, 2011: 332). Desta maneira, entende-se que a abordagem favoreceu múltiplas perspectivas acerca do fenômeno estudado. A identidade dos respondentes foi mantida em sigilo a fim de propiciar segurança aos respondentes, tendo sido contemplados representantes de todos os públicos citados, incluindo pescadores e representantes de classe, funcionários e tomadores de decisão da empresa, representantes dos três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e pesquisadores de três programas de pósgraduação correlatos à temática deste estudo. A fim de proceder ao aproveitamento do conteúdo coletado nas entrevistas e pesquisas na literatura, das ações civis públicas e materiais disponibilizados publicamente pela empresa e pela academia, foi utilizado o método denominado análise de conteúdo (BARDIN, 2006), composto pelas seguintes etapas: Pré-análise: etapa realizada através da leitura “flutuante” e escolha dos documentos que embasarão o estudo, considerando-se os critérios de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência; Exploração do material: imersão na leitura dos documentos e pesquisas selecionadas, e a realização das entrevistas; e Tratamento dos resultados e interpretações. O objetivo final é propor boas práticas da indústria visando à melhoria no relacionamento empresa-comunidade. Entende-se que o método proposto contribuiu para apreender tanto os conteúdos manifestos espontaneamente pelos entrevistados (explícitos) e referencial teórico estudado, quanto conteúdos latentes enunciados verbalmente na comunicação pelos atores consultados (MOZZATO e GRZYBOVSKI, 2011). 4. Pesquisa de campo 4.1.Caracterização A pesquisa de campo foi realizada considerando-se os conflitos socioambientais ocasionados por dois empreendimentos petroquímicos em Magé, Estado do Rio de Janeiro. O empreendimento Gás Natural Liquefeito - GNL trata-se de terminal marítimo interligado por dutos à malha de gasodutos do Rio de Janeiro através do Terminal de Campos Elíseos. Tem por objetivo propiciar a importação de gás natural liquefeito através de navios e sua regaseificação (MPF, 2009).
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No caso do Gás Liquefeito de Petróleo - GLP, situado entre a Refinaria de Duque de Caxias (REDUC) e a Ilha Redonda, refere-se à construção de um gasoduto para ligar, por meio da baía, a REDUC ao Terminal Aquaviário na Ilha Redonda (TAIR). Neste local são abastecidos navios com o gás combustível (MPF, 2009). Ambos os projetos e respectivas áreas de afetadas, direta ou indiretamente, encontramse ilustrados na Figura 01.
Figura 01 - Situação da pesca em Magé-RJ e região Fonte: Chaves (2011, p. 123)
Estes empreendimentos convergem com o quadro de ocupação econômica da Baía de Guanabara, priorizando atividades de alto impacto aos ecossistemas locais. A região foi acometida pelas obras do GNL e GLP, as quais foram alvos de pesadas críticas e oposição (FAUSTINO e FURTADO, 2013). Entende-se que neste caso a empresa responsável pelos projetos apresentou dificuldades com a questão da licença social para operar, perdendo legitimidade e confiança da comunidade local, conforme relatos extraídos das entrevistas de campo realizadas. Este fator gerou uma série de imbróglios, incluindo a paralisação das obras pelos pescadores artesanais por mais de um mês e uma ação civil pública pleiteando indenizações para 96 famílias de pescadores (MP, 2009).
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O caso analisado faz parte do levantamento denominado “Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil”, realizado pela Instituição de pesquisa FIOCRUZ, em conjunto com a organização da sociedade civil FASE e apoio do Ministério da Saúde (PORTO et al., 2013). O mapa contemplou 343 conflitos no país. 4.2.Análise e discussão dos resultados As questões que compuseram as entrevistas abordaram os aspectos aderentes aos fatores-críticos da LSO identificados na literatura, conforme os temas: “Impactos à pesca”, “Benefícios, geração de empregos e oportunidades”, “Comunicação”, “Transparência”, “Investimentos Socioambientais”, “Mitigação”, “Atuação do Poder Público” e “Atuação da Academia”. As similaridades entre as respostas foram categorizadas como “Sim” quando as opiniões declaradas eram idênticas ou próximas, “Não” quando eram contrárias, e “Parcial”, quando houve convergência. Os resultados obtidos encontram-se sumarizados no Quadro 02.
Fatores críticos
Pescadores (P)
Empresa (E)
Poder público (PP)
Aderência Academia e entre Sociedade Percepções dos Civil (A) Públicos Entrevistados
Impactos à pesca
Impacta muito
Impacta muito; porém é, em geral, reversível
Impacta muito
Impacta muito
Sim
Benefícios, geração de empregos e oportunidades
As oportunidades são raras e o pescador perde o direito ao benefício diferenciado de aposentadoria
No geral, não. Benefícios assistencialistas causam dependência
Não; ocorrem impactos nas condições de subsistência
Não
Parcial
Comunicação
Não há
Audiência pública, diagnósticos, programa de educação ambiental e comunicação social
n/a*
n/a*
Parcial
Transparência
Não há
Audiências públicas e diagnósticos
n/a*
n/a*
Não
Investimentos Socioambientais
Não há. Alguns poucos identificaram projeto de limpeza da baia pelos pescadores, encerrado
Relatam investimentos Seminário com os pescadores, da empresa programa de educação Não sem relação ambiental, projetos conhecem com as socioambientais diversos pessoas atingidas
Não
Mitigação
Não ocorre
Conforme exigência legal e Termos de Ajuste de Conduta Não ocorre para licenciamento ambiental
Não ocorre
Parcial
Atuação do Poder Público
Omisso e visto como corrupto
Não ajuda, ou não tem ajudado no período
Vocações regionais com foco em
Sim
Omisso, com privilégios excessivos
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Atuação da Academia
Ajuda pontualmente com pesquisas sobre a fauna local
Viabilização de estudos junto aos pescadores
Apoio l não institucionali zado
megaempre endimentos . Apoio não instituciona lizado
Importante, mas não institucionali zada
Importante, mas não Sim instituciona lizada
Quadro 02– Análise comparativa das respostas dos quatro públicos Fonte: Os autores *Não se aplica, pois estas questões são aderentes apenas aos públicos pescador (P) e empresa (E)
Os distintos entrevistados apresentaram opinião aderente no que concernem aos impactos para a atividade pesqueira na viabilização dos empreendimentos GNL e GLP. Os principais problemas citados foram as áreas de exclusão da pesca, o ruído, luzes e movimentação dos maquinários, trepidação dos gasodutos, movimentação das embarcações, e vazamentos de óleo ocasionais. Vale registrar, entretanto, que em seu discurso a empresa declara estes prejuízos como reversíveis (FAUSTINO e FURTADO, 2013). Já os pescadores entendem que os prejuízos persistem, sobretudo na perspectiva dos caranguejeiros entrevistados. Tais danos se expressam por redução da qualidade e quantidade do pescado, com crescentes distâncias (e custos) para sua captura. Quanto ao aspecto dos benefícios da atividade petrolífera à região, em termos de empregos e oportunidades gerados, as declarações apresentam concordância parcial. A empresa relata oportunidades pontuais, mas assumidas em geral como assistencialistas (projetos sociais). A baixa escolaridade dos pescadores entrevistados sugere sua difícil inserção neste mercado. Os pescadores relatam que alguns deles trabalharam por um curto período nas obras, mas perderam benefícios especiais de aposentadoria concedidos à classe conforme Lei nº 8213 /91, podendo se aposentar com menos idade que a exigida para o trabalhador urbano. Uma maior discordância ocorre quanto às visões dos envolvidos, pescadores e empresa, quanto à comunicação e transparência. No tocante à comunicação, a empresa declara que faz diversos trabalhos de diagnóstico e as audiências públicas, exigidas por lei, assim como programa de educação ambiental e comunicação social. Já os pescadores declaram que não há comunicação nem transparência, e que não conhecem uma figura de referência para interlocução com a empresa. Em alguns casos, estes lidam com funcionários de consultorias terceirizadas, sem poder decisório.
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Adicionalmente, é importante registrar um dissenso entre os próprios pescadores, algo já sinalizado pela existência de três órgãos de representação da mesma classe na região (Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara - AHOMAR, Colônia z-9 e caranguejeiros do Suruí). A empresa relata investimentos socioambientais milionários em projetos de geração de renda, educação, direitos da criança e do adolescente, reflorestamento. Por outro lado, os pescadores, assim como poder público e academia, declararam completo desconhecimento destas iniciativas. Em comparação às altas cifras dos projetos, os pleitos dos pescadores parecem simples: barcos melhores, compensando as maiores distâncias necessárias à pesca, além de refrigeração ao pescado. Um destaque pontual nestes investimentos foi um projeto de limpeza da Baía de Guanabara que era realizado pelos próprios pescadores, já encerrado. Quanto à questão da mitigação dos impactos gerados, a percepção é semelhante, sendo bastante otimista por parte da empresa, ao contrário das declarações dos demais públicos. E aí há uma questão premente: os empreendimentos seguiram todo o rito legal, autorizados pelas autoridades públicas competentes, mas mesmo assim ocasionaram o conflito. Quanto aos últimos fatores questionados, ou seja, as atuações do poder público e da academia, houve consenso. O apoio aos pescadores, quando ocorre, é pontual e não institucionalizado. A entrevista com o público da academia contribui debatendo as questões das vocações regionais e da centralidade da empresa, sendo este último fator também relatado pelos entes públicos entrevistados. Estes pesquisadores entrevistados relatam certa invisibilidade acerca da temática dos conflitos socioambientais ocasionados por grandes projetos de investimento. Adicionalmente, pode-se observar que algumas pesquisas são financiadas pela própria empresa, o que pode sugerir conflitos de interesse. Muitas vezes os entrevistados indicaram que o Estado atuou quando já havia judicialização da questão, por meio de ações civis públicas impetradas por uma das partes. Ou pior, como polícia, com a violenta evacuação dos pescadores dos canteiros de obras, onde os mesmos realizavam protestos. Verifica-se ainda que os relatos da indústria evidenciam certa preocupação de trabalhar a questão do descomissionamento da atividade. O fim da exploração de óleo e gás, e desuso dos gasodutos podem acometer duplamente a comunidade, com queda nos investimentos (royalties e impostos) e redução dos empregos gerados. Verifica-se assim que a inserção em campo junto aos quatro distintos stakeholderes consultados remonta a aspectos identificados na revisão bibliográfica, dentre os quais a importância da comunicação breve e constante, dialógica e além da exigência formal para licenciamento (PNRO e SLOCOMBE, 2012; HANNA et al, 2016; BOUTILIER e
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THOMSOM, 2011; QUE, AWUAH-OFFEI e SAMARANAYAKE, 2015; SING, 2014; IDEMUDIA, 2009). A rarefeita transparência acaba refletindo em pouco ou nenhum empoderamento da comunidade local que, por sua vez, é diretamente afetada em seus modelos de subsistência. Ocorre assim um desalinhamento das expectativas e prejuízos visualizados pelos pescadores (TESCHNER, 2013). Outra questão importante refletida na literatura é a necessidade de investimento para desenvolvimento local e mitigação de impactos onde realmente ocorrem (IDEMUDIA, 2009; RUGGIE, 2011; TESCHNER, 2013; RICHERT et al., 2015). As gerências entrevistadas na empresa relataram investimento socioambiental voluntário anual de milhões de reais em nível nacional, até 2015. Mas aparentemente estes investimentos não chegam em comunidades afetadas diretamente por seus empreendimentos. Isso reitera a posição de centralidade da empresa no relacionamento com as comunidades locais e com o poder público (VAN BETS et al., 2016), com forte apoio e legitimação junto ao Estado, o que acaba por desnivelar o poder de influência da empresa em relação às comunidades em seu entorno. 5. Conclusões e sugestões de estudos futuros O presente estudo pôde evidenciar que, ao contrário do discurso oficial, a indústria petroquímica, em particular no caso estudado, não tem logrado êxito em seu relacionamento com as comunidades de seu entorno. Este artigo contribui neste sentido com o debate acerca da licença social para operar de pelo menos quatro maneiras. Primeiramente na ampliação do debate acerca da justiça ambiental. Pois na busca pela viabilização de seus empreendimentos, as organizações e o poder público em geral levam em conta uma racionalidade puramente econômica, sem considerar plenamente os impactos neste caso aos pescadores e à sociedade, por vezes silenciando seus protestos e reivindicações. A segunda contribuição remete à identificação de oportunidades de melhoria nas práticas de comunicação e transparência corporativas quanto às informações de seus empreendimentos e riscos, para melhoria do relacionamento com a comunidade local. Igualmente há dificuldades no devido tratamento e mitigação dos impactos da indústria, assim como no desenvolvimento de aptidões locais alternativas na região. Neste sentido, entende-se como preponderantes as participações do poder público e da academia a fim de reduzir a centralidade da empresa nas relações de poder e influência política. Entende-se que estes públicos podem contribuir dando maior destaque para os saberes locais para incorporar nos projetos de engenharia questões socioambientais, além da viabilidade técnica e econômica, considerando-se soluções e alternativas propostas
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pela comunidade que abriga o empreendimento. Isso feito dialogicamente, empoderando-se as comunidades do entorno, desenvolvendo ou potencializando negócios locais e políticas públicas. Terceiro, entende-se que uma alternativa quanto à mitigação de impactos socioambientais de grandes projetos de investimento pode ser o investimento socioambiental. Para isso, deve-se considerar a necessidade da transversalidade do investimento ao negócio, ou seja, além de ações meramente assistencialistas. Importante assim que se dê ênfase a estes gastos considerando-se os reais impactos dos projetos da indústria. Em quarto lugar, entende-se que a coleta e confrontação de depoimentos da perspectiva de múltiplos públicos permitiram uma maior pluralidade quanto à detecção de problemas e sinalização preliminar de possíveis soluções. Este levantamento converge para a importância de um maior diálogo empresacomunidade-poder público-academia, visando a um debate alternativo quanto ao desenvolvimento econômico. Considerando-se as perspectivas locais, defesa do meio ambiente, equidade, manutenção ou melhoria da qualidade de vida levantadas no âmbito da justiça ambiental. A LSO apresenta-se desta maneira como protocolo de relacionamento da indústria com as comunidades locais para viabilização de grandes projetos de investimento. Atendendo parcialmente às demandas da justiça ambiental e queixas da comunidade quanto ao impacto socioambiental destes mesmos projetos, buscando a gestão de seus diversos stakeholderes. Finalmente, como estudos futuros, sugere-se a realização de pesquisa similar em diferentes contextos, outras empresas ou setores industriais, assim como um estudo de boas práticas que possam reduzir o gap entre teoria e prática. Referências ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça ambiental. São Paulo: Estudos avançados, Ed.68, Vol. 24: 103-119, 2010. AGÊNCIA BRASIL - EBC (2016). Clima é de confiança na retomada da indústria de petróleo e gás, diz IBP<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-07/clima-e-de-confianca-na-retomada-daindustria-de-petroleo-e-gas-diz-ibp/>, Acesso em 19/06/2017 às 07:40h ALIER, J.M.et al. Between activism and science: grassroots concepts for sustainability coined by Environmental Justice Organizations. Journal of Political Ecology, Vol. 21: 19-60, 2014. BALDWIN, N.; MUNHOZ, E. M. B. Snowball (bola de neve): uma técnica metodológica para pesquisa em educação ambiental comunitária. IN: Congresso Nacional de educação – EDUCERE, X, Curitiba. PUC Paraná, 2011. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2006. (Obra original publicada em 1977) BRASIL (2014). Setor de petróleo e gás chega a 13% do PIB brasileiro. <http://www.brasil.gov.br/economiae-emprego/2014/06/setor-de-petroleo-e-gas-chega-a-13-do-pib-brasileiro/>, Acesso em 08/06/2017 às 14:20h.
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