OCUPAÇÃO DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS

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OCUPAÇÃO DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS

TICIANNE RIBEIRO DE SOUZA EAU - UFF - 2008



TICIANNE RIBEIRO DE SOUZA

OCUPAÇÃO DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Escola de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal Fluminense (EAU – UFF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Arquiteta Urbanista. Orientador: Prof. Dr. Glauco Bienenstein.

Rio de Janeiro 2008


Souza, Ticianne Ribeiro de Ocupação de Edifícios Públicos/ Ticianne Ribeiro de Souza – 2008. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal Fluminense. EAU – FFF Escola de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal Fluminense

Versão A4 feita para o concurso ―arquitetos do amanhã - 2008‖ promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Trabalho vencedor no Rio de Janeiro na categoria Trabalhos Teórico.


TICIANNE RIBEIRO DE SOUZA

OCUPAÇÃO DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Escola de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal Fluminense (EAU – UFF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Arquiteta Urbanista. Orientador: Prof. Dr. Glauco Bienenstein.

Aprovado em: BANCA EXAMINADORA:

______________________________________ Prof. Dr. Gerônimo Leitão Universidade Federal Fluminense

______________________________________ Prof. Dr. Glauco Bienenstein. Universidade Federal Fluminense


Agradeço: Aos meus pais, Adélia e Antônio Carlos, por me darem toda estrutura necessária e me apoiarem e incentivarem nesses muitos anos de formação acadêmica. Aos meus irmãos Marcelle e Caio pela compreensão, apoio e por terem me servido de exemplo de perseverança, determinação e dedicação acadêmica. A minha irmã Letícia pelo carinho e elogios incondicionais. Aos familiares, avós, tios e tias, por contribuírem tanto na minha formação pessoal. Aos inúmeros primos e primas, pelo carinho, brincadeiras e cobranças de “Sim Tici, e quando é quevocê se forma mesmo?”. Aos todos os amigos, por ouvirem minhas queixas, me darem ânimo nos momentos difíceis e renovar as minhas energias sempre que necessário. Especialmente: A Clarissa Staffa, Luísa Baêta e Mariana Kulnig, por me acompanharem desde o inicio, compartilhando angustias e alegrias e sempre acrescentando coisas boas. A Juliana Pan, por ser fiel escudeira, dividir momentos e crescer junto nesses longos anos de faculdade. A Diana Bogado, Alice Amorim e Tainá dos Reis, por compartilhar percepções, valores, ideias e trabalho nos projetos do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (EMPAZ-UFF). A Bruna Guterman, Violeta Vilas Boas e Vivian Torre pelo apoio e estímulo na reta final desse trabalho. A Mariana Lucas por proporcionar o início da vida profissional. A todos os meus professores, da Escola Parque, que colaboraram no principio da minha formação. A todos os meus professores, da escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. Dando destaque: a Laura Elza, pelos primeiros estímulos à Arquitetura, a Mauricio Campbell por proporcionar e alimentar o encontro com o mundo da cenografia, a Fernanda Furtado, pelo incentivo na viagem a Cuba, a Fernanda Sánchez pelo incentivo no intercambio a Barcelona e por ceder à pesquisa de sua ex-orientanda Mariana Zepeda, a Juarez Duyaer e Sônia Ferraz por todo saber transmitido que dá base a esse trabalho, a Regina Bienenstein pelo auxilio nessa pesquisa. Em especial: ao professor Gerônimo Leitão que me apresentou o tema habitação popular, fomentou e abriu portas para a realização do presente trabalho e a Glauco Bienenstein, meu querido (des) orientador (como ele costuma dizer), por teracolhido meus desejos, dúvidas e aflições; por ter me ensinado e me ajudado na confecção dopresente trabalho, que é também uma construção dele. A todas as pessoas que contribuíram diretamente para no meu trabalho final de graduação. A todos os que foram entrevistados na minha pesquisa, especialmente a


Célia Ravero, que sempre me proporciona "um banho de ideologia e conhecimento". A Danielle Barros, que deu suporte no inicio do trabalho, ouviu minhas dúvidas, me deu conselhos valiosos e ainda me cedeu gentilmente material da sua pesquisa. A Marcelo Edmundo, que desde o inicio desse trabalho me forneceu informações substanciais pra a minha pesquisa, me deu referencias e indicações sem as quais não seria possível a realização desse trabalho. A Maria de Lourdes (para mim Lurdinha) que sempre me auxiliou e me adotou como arquiteta da ocupação Manuel Congo. A Pablo Ravero, que tem sido um ótimo companheiro de trabalho e divide comigo a tarefa de levar a frente o projeto de reforma do prédio da Ocupação Manuel Congo. A todos os moradores desta ocupação e das demais que abriram as portas e me permitiram conhecer um pouco da intimidadede cada uma. A todos os militantes da luta pela moradia popular digna, por servirem de inspiraçãoe de referência na formação de valores pessoais. Caso tenha esquecido de citar aqui alguém especial, peço sinceras desculpas e a compreensão de que só me ocorreu esse lapso de memória devido ao cansaço físico e mental decorrentes de consecutivos dias de pura dedicação à finalização desse trabalho.


RESUMO Este trabalho tem com objetivo contribuir com a reflexão sobre habitação popular no Centro da cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa tem como foco ocupações de edifícios públicos abandonados e degradados realizadas por movimentos sociais organizados. O estudo foi realizado primeiramente por meio de levantamento bibliográfico sobre questões teórico-metodológicas a cerca do tema. Em segundo momento, buscou-se desvelar os perfis constitutivos, concepções e ações, dos principais atores envolvidos com o assunto, tendo tem como principal produto desta etapa um quadro comparativo de opiniões. A terceira parte consiste em um panorama geral dos edifícios públicos abandonados na área central do Rio, pontuando as intervenções/ações do Estado em contraponto com a atual situação das ocupações existentes nos edifícios. Para tal, foram realizadas visitas a ocupações e entrevistas com moradores-chave envolvidos com a luta pela moradia. Por ultimo, foi selecionada a ocupação Manuel Congo para dar suporte ao estudo de caso, cujas soluções arquitetônicas foram construídas juntamente com o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, passando assim, da escala urbana para a arquitetônica. Palavras-chave: Habitação de Interesse social, ocupação, Movimentos Sociais, Luta por Moradia, Retrofit.


ABSTRACT This work aims to contribute to the reflection on popular housing in Rio de Janeiro‘s downtown. This research focuses on occupations of abandoned and degraded public buildings carried out by organized social movements. The study was carried out primarily by means of a bibliographic survey on theoretical and methodological questions about the theme. Secondly, we sought to unveil the constitutive profiles, conceptions and actions of the main actors involved with the subject, having as a main product of this stage a comparative table of opinions. The third part consists of a general overview of abandoned

public

buildings

in

the

central

area

of

the

Rio

de

Janeiro city - Brazil, punctuating the State's interventions / actions in contrast to the current situation of the existing occupations in the buildings. To the fourth part, were made visits to occupations and interviews with key residents involved in the struggle for housing. Finally, the Manuel Congo occupation was selected to support this case study, whose architectural solutions were built together with the National Movement for the Struggle for Social Housing, thus moving from urban to architectural scale. Keywords: Social Housing, occupation, Social Movements, Struggle for Housing, Retrofit.


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SUMÁRIO PARTE I: QUESTÕES PRELIMINARES .................................................................. 17 1

A QUESTÃO DA HABITAÇÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA .................... 17 1.1 1.2 1.3 1.4

2

OS PRIMÓRDIOS DO CAPITALISMO: APONTAMENTOS .......................................... 17 A CONCEITUAÇÃO DO CAPITALISMO: ................................................................ 21 CAPITALISMO, MISÉRIA E SEGREGAÇÃO: .......................................................... 33 SOLUÇÕES PARA A QUESTÃO DA HABITAÇÃO NO SISTEMA CAPITALISTA: .............. 38

A SITUAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA HABITAÇÃO POPULAR NO BRASIL: 44 2.1 2.2 2.3 2.4

3

O ESPAÇO URBANO E AS ÁREAS CENTRAIS ....................................................... 47 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA HABITAÇÃO POPULAR: ........... 54 O QUADRO DA HABITAÇÃO NO BRASIL: ............................................................. 58 NOVAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA HABITAÇÃO POPULAR: .................................. 62

HABITAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS ......................................................... 70 3.1 3.2

HABITAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS NO MUNDO: ............................................. 70 HABITAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL:.............................................. 77

PARTE II: DIAGNOSTICO E AVALIAÇÃO DE ATORES ENVOLVIDOS NO TEMA 90 4

ÓRGÃOS PÚBLICOS E SUAS AÇÕES. ........................................................... 92 4.1 4.2 4.3 4.4

O MINISTÉRIO DAS CIDADES: .......................................................................... 92 A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF): ........................................................... 95 COMPANHIA ESTADUAL DE HABITAÇÃO (CEHAB) ............................................ 97 INSTITUTO DE TERRAS E CARTOGRAFIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ITERJ) 103 4.5 A SECRETARIA MUNICIPAL DO HABITAT (SMH) E O PROGRAMA NOVAS ALTERNATIVAS: ...................................................................................................... 106 5

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS. .... 109 5.1 5.2

6

CENTRAL DE MOVIMENTOS POPULARES – CMP ............................................. 109 MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA - (MNLM) ............................. 114

OUTROS AGENTES ENVOLVIDOS NA QUESTÃO DA HABITAÇÃO:......... 117 6.1 6.2 6.3

SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO RJ – SINDUSCON ....... 118 FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO .......................................................................... 125 NÚCLEO DE ESTUDOS E PROJETOS HABITACIONAIS E URBANOS (NEPHU-UFF) 126


11

7

COMPARAÇÃO DE OPINIÕES DE ACORDO POR TEMAS DETERMINADOS. 128 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 7.6

SOBRE O DÉFICIT HABITACIONAL DO BRASIL: .................................................. 128 SOBRE OS ―GARGALOS‖ NA PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO: ................................... 134 SOBRE AS OCUPAÇÕES DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS: ............................................ 139 SOBRE O CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: ......................................... 143 SOBRE A GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA ASSOCIADA À HABITAÇÃO: ............. 146 FINANCIAMENTO X SUBSÍDIO + TITULO DE PROPRIEDADE X CONCESSÃO DE USO: 148

PARTE III: HABITAÇÃO NA ÁREA CENTRAL DO RIO ....................................... 153 8

O CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. ............................................ 153 8.1 8.2

9

O DÉFICIT HABITACIONAL URBANO FLUMINENSE: ............................................. 153 OS DOMICÍLIOS NÃO OCUPADOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: ..................... 157

O ESTADO E A HABITAÇÃO POPULAR NA ÁREA CENTRAL: .................. 165

10 AS OCUPAÇÕES EM EDIFÍCIOS PÚBLICOS NO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. .................................................................................................. 184 11 INTRODUÇÃO À OCUPAÇÃO MANUEL CONGO ......................................... 220 11.1 11.2 11.3 11.4

O ENTORNO: ............................................................................................... 221 O EDIFÍCIO: ................................................................................................. 222 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO: .......................................................................... 224 PERFIL DO COLETIVO: .................................................................................. 230

12 LEVANTAMENTO E PROPOSTAS................................................................. 234 12.1 12.2 12.3 12.4

DEFINIÇÕES PRELIMINARES DE PROJETO ....................................................... 234 PROGRAMA DE NECESSIDADES: .................................................................... 236 PROPOSTAS: ............................................................................................... 237 CORTES E FACHADAS .................................................................................. 246

13 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 249 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:............................................................... 261


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Justificativa: Em 2005, junto com outros colegas, criei uma ―célula‖ do escritório modelo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, o EMPAZ. Tal ―célula,‖ tinha como objetivo realizar um documentário de média metragem sobre três edifícios situados no bairro de Icaraí, Niterói, RJ, que estavam ocupados por pessoas de baixa renda, cuja associação de moradores chamava ―amigos da paz‖. Praticamente na mesma época, tive a oportunidade de fazer intercambio em Barcelona, Espanha. Lá, pude notar que determinados setores da população também protestam contra a falta de moradias dignas e realizam ocupações em edifícios abandonados. Frequentei algumas aulas do mestrado de geografia do Professor Manuel Delgado, que participa de um coletivo de debate a Violência da especulação imobiliária na Espanha e seus desdobramentos. Pude, inclusive, comparecer ao lançamento do livro desse coletivo: ―El cielo esta enladrillado‖, que fala da falta de habitação na Espanha e da questão das casas okupas, como é chamado este movimento. Ao regressar ao Brasil, retomei o trabalho no supracitado documentário e cursei a disciplina de Projeto de Habitação Popular na EAU-UFF, o que aguçou meu interesse sobre a questão social da habitação no Rio de Janeiro. Há algum tempo, o militante da Central de Movimentos Populares (CMP) Marcelo Edmundo buscou a ajuda da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF para estabelecer uma parceria. Através do professor Gerônimo Leitão entrei em contato com ele e iniciei o trabalho com um grupo de arquitetos na ocupação Manuel Congo. Iniciei assim, uma busca pessoal por informações relacionadas com o tema: ocupação de edifícios públicos, tal busca teve inicio com a procura de filmes, principalmente documentários que alimentavam a minha curiosidade. A decisão de usar este tema como objeto central do meu trabalho final de graduação se deu pelo meu interesse em me aprofundar na temática, especialmente no que se referia às ações dos principais atores nela envolvidos (governo, teóricos, pesquisadores e os movimentos sociais).


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Com o auxílio do professor Glauco Bienenstein, meu orientador, fui aos poucos transformando minha aguçada curiosidade na estrutura do trabalho de pesquisa. Assim sendo, esta proposta de trabalho final de graduação visa, genericamente falando, tratar de questões pertinentes a essa temática. Desta forma, encontram-se aqui reunidos alguns dos principais resultados e conclusões a que cheguei a partir da pesquisa que, como não poderia deixar de ser, também apontaram para outras indagações e olhares sobre a questão da habitação nas cidades, as quais pretendo continuar, num outro momento, trabalhando.

Objetivo Geral Contribuir com a reflexão sobre habitação popular no estado do Rio de Janeiro, especialmente no que se refere ao lugar que este tema tem ocupado nas investigações levadas a cabo nos cursos se arquitetura e urbanismo das universidades públicas, centros de referência na discussão e mobilização das forças sociais envolvidas com esta importante questão.

Objetivos Específicos Realizar uma análise da questão da moradia popular no centro da cidade do Rio de Janeiro, focando na ocupação realizada por movimentos sociais organizados de Edifícios Públicos que passaram por processo de abandono; Identificar e pesquisar alguns dos principais atores envolvidos e atuantes com a temática; Realizar um panorama geral dos edifícios públicos abandonados situados na área central da cidade do Rio de Janeiro, elaborando um levantamento e diagnóstico dos mesmos; Propor, através de um estudo caso, sugestões de projeto que auxiliem o grupo social envolvido com a ocupação objeto do estudo de caso. Assim, este trabalho final de graduação terá em um primeiro momento a colocação de questões preliminares introdutórias: a falta de habitação popular, o abandono de edifícios nas áreas centrais das cidades e os movimentos sociais organizados que lutam pelo direito a moradia. Em um segundo momento foi diagnosticado alguns


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atores do Rio de Janeiro que influenciam nessa questão. O terceiro momento é um panorama geral da questão dos edifícios públicos abandonados e um levantamento da atual situação das ocupações na área central da cidade do Rio de Janeiro. Por ultimo foi selecionado uma ocupação para dar suporte a um estudo de caso, passando assim,

Metodologia adotada e Estrutura do Trabalho: Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, o presente trabalho encontrase dividido nas seguintes etapas: Parte I Questões preliminares Levantamento e revisão bibliográfica sobre questões teórico-metodológicas, a saber: sobre a noção de capitalismo, da inserção da questão do alojamento, assim como da sua importância, no que se refere aos grupos sociais excluídos, sendo que estes serão identificados através, especialmente, de artigos publicados em jornais e periódicos da cidade do Rio de Janeiro. Parte II- Diagnóstico e avaliação de atores envolvidos no tema A partir da identificação supracitada, nesta parte realiza-se através de entrevistas e consultas a sites eletrônicos, uma aproximação dos principais atores acima identificados, buscando-se desvelar seus perfis constitutivos, suas concepções e ações sobre a temática aqui tratada, ou seja, sobre a ocupação de prédios públicos por grupos sociais excluídos. Esta parte encontra-se desenvolvida nos capítulos 4, 5, 6 e 7. Parte III- Estudo da área central da cidade do Rio de Janeiro Relativa ao levantamento, caracterização e análise das intervenções/ações realizadas pelo Estado na área central do Rio de Janeiro, que são materializadas no capítulo 9 que discorre sobre o Estado e a habitação na área central no Rio de Janeiro. No capítulo 10, também incluído nesta parte, realizou-se visitas com registros fotográficos em seis ocupações, visitas essas auxiliadas por moradores-


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chave que estivesse envolvido com a luta. Em seguida, no capítulo 11, é apresentado o estudo de caso, cujas soluções arquitetônicas foram construídas com o coletivo de luta envolvido com o processo de ocupação, materializado no capítulo 5, ou seja, o Estudo de Caso propriamente dito; Para a parte IV Considerações finais Buscou-se

destacar

os

aspectos

mais

importantes

desvelados

pesquisa,

complementado por um quadro síntese que compara as opiniões, concepções dos diversos atores pesquisados ao longo do trabalho.


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PARTE I: Questões Preliminares


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PARTE I: Questões Preliminares 1 A questão da habitação na sociedade capitalista Para efeito da primeira parte desta reflexão utilizo seis importantes referências bibliográficas com as quais estabeleço um diálogo para desenvolver a reflexão objeto deste trabalho. São elas: A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra (1845) e A questão da habitação (1988), ambos de Friedrich Engels; História do pensamento econômico (1987) de E. K. HUNT; O Manifesto Comunista (1848) de Friedrich Engels e Karl Marx; A Questão Urbana (1983) de Manuel Castells e ainda A sociedade do espetáculo (1967) de Guy Debord.

1.1

Os primórdios do capitalismo: apontamentos

Para entender o capitalismo e as condições em que ele aparece passarei primeiro, brevemente, pelo sistema sócio-político que lhe foi antecessor: o Feudalismo. Na base desse sistema, como classe mais baixa, estavam os servos ou camponeses que eram protegidos pelos senhores feudais, que, por sua vez, deviam fidelidade em troca de proteção aos senhores mais poderosos e assim se seguia até o rei soberano. (cf. Hunt1, 1987, p.29). Essa proteção dos fortes para com os mais fracos se dava através da cobrança de um alto preço, ou seja, em troca de pagamento em moeda, de alimentos, de trabalho ou de fidelidade militar. Cada senhor possuía o direitohereditário ao uso de suas terras, que eram chamadas de feudos, onde regiam os costumes e tradições da época. Nessas duas classes claramente marcadas, os Senhores e os Servos, o sujeito da segunda não era um escravo, embora, por outro lado, não era um ser livre, à medida que estava preso à terra.

1

Para mais informações ver HUNT, E. K., História do pensamento econômico, tradução José Ricardo Brandão de Azevedo. –

5. ed. – Rio de Janeiro: Campus, 1987.


18

Além das vastas terras nas sociedades

medievais

Ocidentais

também

existiam algumas cidades, que

eram

centros

importantes

manufatureiros,

onde as corporações de oficio

dominavam

instituições

como

econômicas.

Nesses centros viviam e trabalhavam

outros

segmentos sociais, como os

artesãos

e

os

comerciantes.

Calendário do servo – cada mês uma atividade. Fonte: Hunt (1987).

Com a adoção do sistema de três campos2 conseguiu-se aumentar a produção agrícola em cerca de 50%, o que, por sua vez, possibilitou o crescimento da população. Esta, paulatinamente, se expandiu em direção às cidades, fomentando assim, o aumento da produção das manufaturas e dos centros urbanos bem como o do comércio de longa distância. O excedente de alimentos e manufaturas impulsionou o contato com outros povos, desenvolvendo assim, um comércio internacional que só foi possível devido ao concomitante progresso da energia e dos transportes.

2

O sistema de 3 campos se generalizou na Europa no XI, em substituição ao sistema de dois campos, ―onde

metade da terra era sempre deixada ociosa, de modo que se recuperar do plantio do ano anterior. Com o sistema de três campos, a terra arável era dividida em três partes iguais. No outono, no primeiro campo, se cultivava centeio ou trigo. Plantava-se aveia ou ervilha, na primavera, no segundo campo, deixando o terceiro campo em repouso. Todo ano, havia uma rotação dessas posições. Assim, um dado trecho de terra teria uma cultura de outono num ano, de primavera no ano seguinte e descansaria no terceiro ano.‖, HUNT, E. K., História do pensamento econômico, 1987. página 32


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No século XV as feiras livres começaram a ser incorporadas e, consequentemente, substituídas pelas cidades comerciais, inaugurando assim, o inicio da constituição de um mercado permanente. Todos esses aspectos contribuíam para o crescimento e a permanência da população nas cidades. Assim, esses desenvolvimentos básicos na agricultura e na indústria foram prérequisitos necessários para a disseminação do comércio, o que, por sua vez, estimulou mais ainda a expansão urbana e encorajou a indústria. (HUNT, 1987. P. 33) O antigo produtor era um artesão mestre que trabalhava na sua oficina, com suas ferramentas e matérias primas e ele próprio fazia também o papel de vendedor. Aos poucos, passaram a vender seus produtos aos comerciantes que, por sua vez, os transportavam e os revendiam. Com o avanço das ferramentas e a introdução de maquinarias esse produtor passa a ser um dono de indústria, que muitas vezes servia basicamente

Artesão do séc. XVII.

Fonte: Hunt (1987).

à exportação.

Com o passar do tempo o comércio se fortalece e tende a acelerar a dissolução do Feudalismo. Pouco a pouco aquela sociedade que antes possuía base rural, direciona o seu olhar para as cidades. Inicia-se o estabelecimento de muitas das fundações institucionais do capitalismo. O processo de ruptura do Feudalismo e inicio do Capitalismo também teve outros fatores de suma importância. Entre eles, estão as catástrofes que a Europa viveu entre os séculos XIV e XVI, a saber: A Guerra dos Cem Anos (entre França e Inglaterra), A Peste negra, e as revoltas camponesas, caracterizadas pela extrema crueldade e ferocidade. Transforma-se, então, a realidade através de um conjunto de mudanças na sociedade. Mudanças fundamentais na estrutura política e econômica, frequentemente, só são conseguidas após conflitos violentos e traumatizantes. Qualquer sistema econômico gera uma ou mais classes, cujos privilégios dependem da continuação deste sistema. Estas classes fazem de tudo para resistir a mudanças e proteger suas posições, como é natural. A nobreza feudal desencadeou uma reação selvagem contra o novo sistema capitalista de mercado, mas as forças da mudança afastaram completamente essa reação Embora às mudanças importantes tenham sido introduzidas pelos


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comerciantes e pequenos senhores em ascensão, os camponeses foram as vítimas políticas das convulsões sociais consequentes. E, ironicamente, eles estavam, na maioria das vezes, lutando para proteger o ―status quo‖ (HUNT, 1987. P. 38).

Nos séculos XV e XVI o movimento de cercamento3 dos campos para o uso da terra como pasto de ovelhas atingiu

seu

ponto

máximo,

fornecendo muita matéria prima para as indústrias têxteis e expulsando cerca de três quartos dos habitantes do campo, que foram forçados a buscar seu sustento nas cidades. Desenho esquemático da indústria têxtil na Inglaterra no século XVII. Fonte: site planetaeducacao.com.br

Começa então a surgir uma grande massa de trabalhadores formada pelos antigos criados, camponeses e até membros da pequena nobreza que foram à falência. Concentrados nas cidades, tais grupos sociais contribuem para a transformação do espaço urbano. E assim, os aluguéis sofrem um aumento exorbitante. Os monarcas dessa época passaram a procurar apoio na nova classe capitalista que já mostrava seu poder – de força e dinheiro, no âmbito da sociedade, através do acúmulo de capital significativamente maior que os seus rivais senhores feudais. Unificou-se o Estado (antes repartido em feudos) em prol do poder soberano do rei e, principalmente, da organização mercantil. Todo o território passou a ter as mesmas regras, leis, moeda, pesos e medidas. Essa época inicial, o capitalismo é conhecido, geralmente, como mercantilismo. Época em que os capitalistas, com o auxilio do Estado e impulsionados pelo progresso científico, puderam acumular bastante capital. Em virtude da propriedade desse capital, essa classe aufere seus lucros, reinvestindo-os para sempre aumentar seu capital, formando assim, uma espiral ascendente.

3

GRAS, N. S. B. A. History of Agriculture in Europe and America. Nova Iorque, Appleton, 1940


21

1.2

A conceituação do Capitalismo: O termo capitalismo descreve de modo bastante correto este sistema de busca de lucro e de acumulação de capital. A propriedade do capital é a fonte dos lucros e, daí, a fonte de mais acumulação de capital. Mas este processo do "ovo e da galinha" teria que ter um começo. A acumulação inicial substancial ou acumulação primitiva de capital ocorreu no período que está sendo considerado (mercantilismo). As quatro fontes mais importantes de acumulação inicial de capital foram: (l) o volume do comércio, que cresceu rapidamente; (2) o sistema industrial de produção doméstica; (3) o movimento dos cercamentos (op.cit., Gras, 1940); (4) a grande inflação de preços. Havia muitas outras fontes de acumulação inicial de capital, algumas das quais eram menos respeitáveis e, muitas vezes, esquecidas - por exemplo, a pilhagem colonial, a pirataria e o comércio de escravos. (HUNT, 1987. P. 40)

O capitalismo como sistema econômico, político e social dominante surgiu muito lentamente ao largo de vários séculos, tendo princípio na Europa Ocidental e, depois, em grande parte do mundo. À medida que se formava e mostrava suas feições, as pessoas buscavam compreendê-lo. Hoje em dia, existem algumas linhas de compreensão do capitalismo. A adotada no presente trabalho está baseada principalmente na perspectiva de HUNT, 1987. Busquei em dicionários de renome uma definição simplificada do que é capitalismo. Segundo o dicionário Aurélio4: Capitalismo: Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, na organização da produção visando o lucro e empregando trabalho assalariado, e no funcionamento do sistema de preços. (FERREIRA, 2006, P.208)

Já segundo o dicionário de Vocabulário Jurídico5: Capitalismo. É a denominação dada ao sistema econômico que tem o capital como um dos fatores da produção, mostrando-se o mesmo como um dos elementos predominantes em toda vida econômica em que predomina o capital entre os fatores de produção. É o denominado sistema da livre empresa, em que à iniciativa privada cabe, preferencialmente, a produção econômica. (SILVA, 2004, p. 253)

4

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, Mini-Aurélio: O dicionário da língua portuguesa, 6.ed.rev. editora

Positivo, 2006. 5

Silva, De Palácio e . Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho – Rio de

Janeiro, 2004


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No entanto, o presente trabalho utiliza o termo Capitalismo de forma um pouco mais profunda, conforme descreve HUNT (1987) na introdução do seu livro: História do pensamento econômico, que define o capitalismo caracterizando-o por quatro conjuntos de esquemas institucionais e comportamentais, que descreverei e analisarei sobre a ótica da habitação a seguir. São eles: a) Produção de mercadorias, orientada pelo mercado. b) Propriedade privada dos meios de produção c) Segmento da sociedade que subsiste através da força de trabalho d) Comportamento individualista-aquisitivo da maioria dos indivíduos A seguir, com base em HUNT (1987), realizo breve descrição de cada um desses esquemas.

A) Produção de mercadorias, orientada pelas leis de oferta e procura do mercado: Segundo Hunt (Op. Cit. Pág.26), as mercadorias possuem valor de uso (de acordo com a satisfação das nossas necessidades) e valor de troca (de acordo com a quantidade de moeda pela qual a mercadoria pode ser trocada). Com o capitalismo, passaram a existir inter-relações e dependências econômicas bastante complexas e que não envolvem, necessariamente, interação e associação pessoal direta. O indivíduo interage com a ―instituição social impessoal do mercado‖, trocando mercadorias por moeda e moeda por mercadorias. Instaura-se uma sociedade calcada radicalmente na produção de mercadorias, substancialmente voltada para o consumo: a sociedade do consumo 6. Segundo as leis do mercado quanto maior valor de uso, maior será o valor de troca. Entretanto, na sociedade consumista o valor de uso também engloba o Status que a mercadoria proporciona ao seu consumidor. Debord (1967, P.32)

7

, entende a compra

6

Baudrillard no livro A sociedade do consumo argumenta que, na medida em que "acreditamos" na publicidade, consumimos uma instância e sua imagem, consumimos uma propaganda que nos quer fazer acreditar no queremos acreditar. Consumimos mais do que o produto: consumimos a ideia de consumo. Nessa linha, imersos na sociedade de consumo, nossa leitura do mundo é muito mais sutilmente condicionada. (BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo. Lisboa: Edições 70, Ltda, 1995;) 7

Para mais informações ver DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Tradução: Estela dos Santos . Rio de Janeiro: Contraponto, 1997


23

alimentada pelo status como consumo alienado: ―O consumo alienado torna-se para as massas um dever suplementar de produção alienada. É todo o trabalho vendido de uma sociedade, que se torna globalmente mercadoria total, cujo ciclo deve prosseguir.‖. Nesse sentido, diante da crescente e inexorável mercantilização do mundo e da vida, a habitação deixa de ser um direito, como – supostamente – a saúde e a educação, passando a ser mais outro item a ser consumido. Através dessa constatação fica claro que no capitalismo, a lógica do capital submete a necessidade humana. Castells (1983) 8 declara que ―tratamos a moradia como um Bem‖ e que a sociedade capitalista não diferencia a moradia de nenhum outro tipo de mercadoria, esquecendo assim, que a habitação possui uma peculiaridade, bem ilustrada por ele na passagem a seguir: A moradia, além de sua escassez global, é um bem diferenciado, que apresenta toda uma gama de características, no que concerne a sua qualidade, sua forma, e seu status institucional que determinam os papeis, os níveis e as filiações simbólicas de seus ocupantes. (CASTELLS, 1983 P185) Desta forma, compreende-se que no sistema capitalista o significado de habitação perde seu valor de importante e necessário item para a reprodução da força de trabalho, passando a estar intimamente atrelado ao significado de propriedade. Assim sendo, a habitação converte-se numa mercadoria que embora peculiar, encontra-se submetida às leis da oferta e da procura, ou seja, à lógica do mercado. Nesse ponto, Engels e Marx9 (1848 P.12), no Manifesto Comunista (1848), são bastante contundentes ao escrever: ―A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário‖ Pois: ―Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca‖ apontando que no sistema capitalista tudo pode ser feito em nome da liberdade de comércio fazendo com que a vida siga sempre a lógica mercantil. Marcando o progresso que visa, unicamente, o lucro. Afirmam ainda que a burguesia ―rasgou o véu de sentimentalismos que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias.‖ 8

Para mais informações ver CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana, 1983 trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1983. 9

MARX, K. & ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro, 1998.


24

Para Castells (1983) bem como para Engels10 (1988) o desajuste entre a oferta e a procura no mercado de moradias está na base do sistema capitalista, Castells (1983 P.191) afirma que ―Trata-se de uma defasagem necessária.‖ (...) ―Daí a importância do tema da especulação da moradia em relação às leis econômicas que regularizam o mercado‖. Já Engels (1988, p. 39) julga que ―A falta de habitação não é nenhum acaso: é uma instituição necessária (...) só poderá ser eliminada quando toda a ordem social for inteiramente transformada.‖. Na perspectiva de Castells (1983 P.187), historicamente, a crise da moradia, que engloba não só o déficit, mas também as péssimas condições de grande parte das morarias dos estratos mais baixos da sociedade, aparece primordialmente nos aglomerados conquistados grandes

urbanos pela

cidades

subitamente

indústria.

Não

Nessas

praticamente

produção privada de moradia ―social‖, ao mesmo

tempo

em

que

encontramos

indústrias que fabricam bens de consumo destinados a todas as faixas de renda. Foto tirada por Dorothea Lange Fonte: https://www.artsy.net/

Assim:

―A incapacidade da economia privada em subvencionar as necessidades mínimas de moradia exige a intervenção permanente dos organismos públicos, a nível local e global.‖ [... Contudo,...] ―Na ausência de intervenção publica, a única demanda que efetivamente se leva em conta é a demanda solvável." (CASTELLS, 1983 P.187),

Assim, vemos que a falta de habitação para a demanda insolvente se trata de um desajuste entre a elevada procura e a mínima oferta, e mais, esse desajuste é uma consequência de características fundamentais do capitalismo. Castells (1983 P.191) aponta inclusive que ―A importância da especulação imobiliária provém, essencialmente, da penúria das moradias, que ela contribui para

10

ENGELS, F. questão da Habitação, trad. Antônio Pescada, Lisboa: Editorial Estampa, 1975


25

reforçar‖. Esse aspecto da especulação imobiliária é ainda claramente agravado com a falta de intervenção do estado. Já que se trata de estabelecer um equilíbrio na situação de um determinado bem no mercado, a intervenção publica pode ocorrer dois planos: intervenção na demanda, com a criação de demanda solvável, e a intervenção na oferta, com a construção de direta nas moradias e a adoção de medidas para facilitar as realizações imobiliárias e diminuir seu preço. (CASTELLS, 1983 P.198)

B) Propriedade privada dos meios ou modos de produção11: Segundo Hunt (Op. Cit.), no capitalismo, uma pessoa tem o direito de determinar com que matérias primas, ferramentas e maquinarias ela vai destinar à produção de certa mercadoria. Tal direito necessariamente implica que outros indivíduos sejam excluídos do grupo daqueles que têm algo a dizer sobre como estes meios de produção podem ser usados. As primeiras defesas da propriedade privada falavam em termos de cada produtor individual possuir - e, portanto, controlar — os meios de sua própria produção. (HUNT, 1987. P 27)

Nessa sociedade, a habitação também se encaixa como uma mercadoria que tem o meio de produção determinado pelo seu grupo de agentes produtores. Sendo assim, tal grupo decide como, quando, e onde é mais vantajoso para eles produzirem moradias. Como

foi

explicitado

anteriormente,

Castells

(1983) atribui a falta de habitação,

entre

outros

fatores, a falta de habitação, entre outros fatores, a um forte

desinteresse

do

mercado na produção das mesmas para os estratos mais baixos da população.

11

Desenho mostra maquinário têxtil inglês - automação crescente é marca da Revolução Industrial. Fonte: Hunt (1987).

Um meio ou modo de produção é, então, o conjunto social da tecnologia de produção (as forças produtivas) e os esquemas sociais através dos quais uma classe une suas forças produtivas para produzir todos os bens, inclusive o excedente; e a outra dele se apropria (relações sociais de produção), segundo HUNT, E. K., no livro: História do pensamento econômico, 1987


26

Por deter a propriedade dos meios de produção, os capitalistas decidem então por não atender a demanda insolvável. A propriedade se concentra nas mãos de um pequeno segmento da sociedade - os capitalistas. Um capitalista proprietário não precisava representar qualquer papel direto no processo produtivo, de modo a controlá-lo; a propriedade lhe dava esse controle. E essa propriedade foi o que permitiu ao capitalismo a apropriação do excedente social. Assim, a propriedade dos meios de produção é a característica do capitalismo que confere à classe capitalista o poder pelo qual controla o excedente social, estabelecendo-se, a partir daí, como classe social dominante. (HUNT, 1987. P 27)

Desta forma, se produz residências com características especificas para que as mesmas possuam grande valor de troca. Sempre existe oferta de habitação para a demanda solvável (e de preferência para aqueles que podem pagar valores exorbitantes). No entanto, por mais que haja uma grande procura por habitações mais modestas,

não

quantidades

suficiente

destas, uma vez que o capitalista, que detém o direto no processo produtivo, opta por só construir moradias que lhes gere altas taxas de

Fonte: https://steemit.com/

mais valia. Engels e Marx (1848, p. 9), analisado de forma mais radical esta questão, afirmam que ―a burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais.‖ Portanto, podemos entender que, segundo eles, os capitalistas, para efeito da ampliação da sua acumulação, estão sempre modificando e modernizando o modo de produção e, consequentemente excluindo o proletariado desse processo.


27

Nesse sentido, Engels (1988) afirma que a solução para a o problema da habitação reside, sim, na abolição do modo de produção capitalista e na apropriação pela própria classe operaria de todos os meios de produção existentes. Karl Marx e Friedrich Engels Crédito: Domínio Público

C) Um grande segmento da população que só pode existir pela venda da sua força de trabalho no mercado. Esse grande segmento se faz necessário para aumentar a oferta de mão de obra. Com o não aumento a oferta de postos de trabalho ocorre um claro desequilíbrio, que tem como decorrência a queda do ―valor de troca‖ da mão de obra. Segundo Engels (1845 P.58)

12

, com o número abundante de mão de obra, gerada

por essa guerra social, o proletariado que luta pelos seus meios de sobrevivência, se submete a baixos soldos, pois ―sabe que se hoje tem meios de subsistência pode não os ter amanhã‖. De acordo com Hunt (Op. Cit. P 26), com a mecanização do trabalho, oriunda da revolução industrial, o trabalhador por si só não tem acesso às ferramentas necessárias para produção de mercadorias. Assim, as mercadorias que ele produz não lhes pertencem, mas, sim, aos capitalistas proprietários dos meios de produção. O único que possui um trabalhador típico é sua capacidade de trabalho, resta-lhe então, vender sua força de trabalho para obter o salário que vai ser determinado pelo capitalista. Desse modo, ao contrário de qualquer outro modo de produção anterior, o capitalismo faz da força produtiva humana uma mercadoria em si mesmo — a força de trabalho — e gera um conjunto de condições pelas quais a maioria das pessoas não pode viver, a não ser que elas sejam capazes de vender a mercadoria de que são proprietárias — a força de trabalho — a um capitalista, em troca de um salário. Com este salário, podem comprar dos capitalistas somente uma fração das mercadorias que eles mesmos 12

Para maiores informações ver ENGELS, F A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:

Global, trad. Reginaldo Forti, 1985.


28

produziram. O restante das mercadorias que produziram constitui o excedente social13 e é retido e controlado pelos capitalistas. (HUNT, 1987. P 28)

Contudo, a relação de dependência entre as classes sociais oriundas e predominantes no capitalismo, a saber: os donos dos meios de produção e a massa trabalhadora, também se faz na contramão da exploração do trabalho do proletariado. Não só os operários dependem dos capitalistas como estes também dependem dos trabalhadores. A passagem que consta do inicio do livro A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra (1845, p. 56) em que Engels descreve a beleza da cidade de Londres e, logo após, afirma que os ―londrinos tiveram que sacrificar a melhor parte da sua qualidade de homens para realizarem todos estes milagres da civilização de que a cidade regurgita‖, constitui um bom exemplo do que eu estou falando. Mais a frente Engels (1845, p.89) expõe que para que em uma cidade haja toda essa beleza de construções e tantas riquezas, é necessário que uma boa parte da população possua muito pouco. Não tendo nenhum tipo de assistência, essa camada menos aquinhoada pelo capitalismo procura seu próprio meio de sobrevivência. O autor explicita então, o que ocorreu no bairro velho da cidade de Manchester, Inglaterra, que, em virtude da Revolução Industrial, se encheu com um exercito de operários: Foi a indústria apenas que obrigou a construir em cada espaço que separava estas velhas casas, a fim de ai conseguir abrigos para as massas que obrigava vir do campo e da Irlanda (...). Ela não poderia existir sem estes operários, sem a miséria e a servidão desses operários. (ENGELS, 1845, p. 99)

Engels (1845, p. 99) ainda completa a descrição das habitações dessa classe social, com a forte afirmação de que: ―só uma raça desumanizada, degradada, rebaixada a um nível bestial, tanto do ponto de vista intelectual como moral, fisicamente mórbida, se pode sentir aí à vontade e em casa‖.

13

O excedente social é definido como aquela parte da produção material da sociedade que sobra, após serem

deduzidos os custos materiais necessários para a produção, segundo HUNT, E. K., no livro: História do pensamento econômico, 1987.


29

Já Debord (Op. Cit.), no livro A sociedade do espetáculo

mostra

também

outra

forma

de

dependência da classe dominante para com a classe explorada. Uma vez que os capitalistas têm a capacidade de produzir um excedente maior do que sua própria classe pode absorver, eles necessitam que classes mais baixas o absorvam. Indústria têxtil na Inglaterra do século XVIII – Cena de trabalho infantil e feminino. Fonte: https://www.bestlibrary.org/files/changes-in-the-economyand-production.pdf

Portanto, Debord conclui que: Ainda que na fase primitiva da acumulação capitalista "a economia política não veja no proletário senão o operário" que deve receber o mínimo indispensável para a conservação da sua força de trabalho, sem nunca o considerar "nos seus lazeres, na sua humanidade", esta posição das ideias da classe dominante reinverte-se assim que o grau de abundância atingido na produção das mercadorias exige um excedente de colaboração do operário. Este operário, subitamente lavado do desprezo total que lhe é claramente feito saber por todas as modalidades de organização e vigilância da produção, reencontra-se, cada dia, fora desta, aparentemente tratado como uma grande pessoa, com uma delicadeza obsequiosa, sob o disfarce do consumidor. (DEBORD 1967. P. 33)

D) A maioria dos indivíduos dentro do sistema econômico é motivada por um comportamento individualista, aquisitivo e maximizado. Segundo Hunt (Op. Cit.), este ultimo item é necessário para o funcionamento adequado

o

capitalismo.

O

individualismo

tem

consequências

diretas no

enfraquecimento da organização coletiva dos trabalhadores nos seus respectivos sindicatos e associações. O comportamento aquisitivo, que provavelmente é mais conhecido como o consumismo, é o que impulsiona a produção do excedente. Um novo ethos social, às vezes chamado consumismo, tornou-se dominante. Caracteriza- se pela crença de que mais renda por si mesma sempre significa mais felicidade. Os costumes sociais do capitalismo têm levado as pessoas a acreditar que praticamente toda necessidade ou infelicidade subjetiva pode ser eliminada simplesmente comprando-se mais mercadorias. O mundo competitivo e economicamente inseguro no qual se movem os


30

trabalhadores cria sentimentos subjetivos de ansiedade, solidão e alienação. (HUNT, 1987. P28)

Com essa ânsia de consumo, o trabalhador busca sempre aumentar sua renda. Em decorrência, passa a trabalhar mais horas por dia e mais membros da família começam a trabalhar o mais cedo possível. Por mais que a renda da família aumente, a ansiedade pelo consumo sempre aumenta em proporções ainda maiores. Para HUNK (1987, p. 29): Então, os trabalhadores tendem a concluir que o problema é que o aumento dos salários é insuficiente. Como não identificam a verdadeira origem de seus problemas, caem num círculo vicioso asfixiante, onde quanto mais se tem, mais necessidade se sente. (HUNK 1987, p. 29):


31

Pirâmide do Sistema Capitalista. Fonte: http://historietasdeayerydehoy.blogspot.com/


32

Esse não é um comportamento só da classe mais baixa dos trabalhadores. Os que Hunt (Op. Cit.) caracteriza como capitalistas também possuem esse comportamento aquisitivo, porém, lutam por fatias maiores do excedente social. Com relação à habitação esse comportamento individualista e aquisitivo é demonstrado no contraste das tipologias habitacionais impulsionado pelas desigualdades sociais. O individualismo, segundo Engels (1845) fica claro ao passo que a burguesia se preocupa com a questão da habitação só quando percebe que as habitações dos menos favorecidos são focos de epidemia. Tal atitude se deve ao fato de que na época das grandes pestes, as doenças se proliferavam nas sujidades dos bairros operários e acabavam se espalhando por toda a cidade. Somente nesses momentos emergia o sentimento de preocupação de parte dos que Engels (1988, p. 35) chamava de ―burgueses filantropos‖, que só passavam a notar o quão precárias eram as condições de vida nos bairros operários quando estes viravam focos de epidemias que precisavam ser sanados, ao se retirar dali aqueles moradores. Não percebendo que assim, eles não eliminaram o problema, mas apenas o mudavam de lugar. O mesmo tipo de ―filantropismo Burguês‖ foi realizado por Houssmann, bonapartista parisiense que abriu longas artérias, diretas e largas no meio dos bairros operários de ruas estreitas, para guarnecê-las de ambos os lados com grandes edifícios de luxo. Tudo por considerações de saúde pública e de embelezamento. No Brasil, os mesmo moldes de solução foram usados no Centro da cidade do Rio de Janeiro, foco de estudo deste trabalho. Aqui também se vê ações da mesma natureza no que diz respeito às remoções de favelas. Com o discurso da preservação ambientalista, retiram-se da vista das burguesias as desordenadas habitações populares. Engels e Marx (1848), no Manifesto Comunista de 1848, apontam uma postura mais dura, e propõem a extinção da propriedade privada nos moldes os quais ela se coloca no sistema capitalista. Na citação a seguir ilustra como eles se pronunciavam aos burgueses: Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para estes que ela existe para vós. (ENGELS e MARX 1848 P.34)


33

Já Debord, no livro A sociedade do espetáculo, observa o comportamento da maioria dos indivíduos da sociedade atual e diagnostica uma variação no sentimento individualista, aquisitivo ressaltado por Hunt (Op. Cit.). A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar generalizado do ter em parecer, de que todo o "ter" efetivo deve tirar o seu prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo tempo, toda a realidade individual se tornou social, diretamente dependente do poderio social, por ele moldada. Somente nisto em que ela não é, lhe é permitido aparecer. (DEBORD 1967. P. 18 e 19)

1.3

Capitalismo, miséria e segregação:

A superposição dos fatores acima descritos provoca nas grandes cidades capitalistas inúmeras consequências. Duas delas são: a segregação e a miséria das classes menos favorecidas. Segundo Engels (1988, P.82), a burguesia possui absoluto interesse de viver longe dessa miséria que se faz presente no cenário urbano. Para tanto, é necessário criar um isolamento tão sistemático como uma arte tão delicada em mascarar tudo o que pudesse ferir a vista ou os nervos da burguesia. De toda forma, a maioria dos habitantes das grandes cidades vivia (e em muitos casos ainda vive) em situação de extrema miséria. Na sua obra A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, Engels, (p. 59) tece uma clara e rica descrição desse quadro ao citar que ―todas as grandes cidades possuem um ou vários bairros de má reputação onde se concentra a classe operária‖. Não planejados, e muitas vezes periféricos, tais bairro não dispõem de nenhuma infraestrutura, sua ocupação se dá de maneira espontânea e não se tem nenhum controle sobre o crescimento dessas áreas. Tornam-se o lado obscuro e intencionalmente esquecido das cidades. Tal como pontua Engels (1845, P. 69): ―Só se encontra água nas bombas públicas e a dificuldade para ir buscar água favorece naturalmente todas as sujidades possíveis‖.


34

Ainda nas cidades inglesas do século XIX, as habitações por muitas vezes eram construídas de forma improvisada com materiais inadequados e sem nenhuma assistência técnica. De acordo com Engels (1845,), muitas eram imundas, mal arejadas, mal ventiladas e sem boas condições sanitárias.

Inglaterra - Revolução Industrial modificou a paisagem das cidades a partir do séc. XVIII. Fonte: http://blogdopolini.blogspot.com

Era comum famílias viverem em um único cômodo junto com animais e dormirem em montes de palhas. Havia bairros onde as casas da cidade possuíam 5 a 6 andares e não havia nem esgotos nem lavabos públicos. Os excrementos de pelo menos 50.000 pessoas eram lançados nas valetas. Isso sem mencionar a grande quantidade de pessoas que não possuíam nem sequer um teto. Com tanta miséria presente nas cidades a reação da burguesia era, em sua maior parte, tentar esconder os ditos bairros de má reputação. Conforme Engels e Marx (1848 p. 58) pontuam: ―querem a sociedade atual, mas eliminando os elementos que a revolucionam e a dissolvem, querem a burguesia sem o proletariado‖ querem ―remediar as anomalias sociais para consolidar a sociedade burguesa‖.


35

Imagem: Inglaterra começo da Revolução Industrial http://revollucaoindustriall82.blogspot.com/2007/08/o-pioneirismo-da-inglaterra.html

Contudo, Engels (1845) deixa claro que por vezes estes refúgios da mais atroz miséria, que representava 78% da população, estavam ao pé de luxuosas casas dos ricos. Assim, a burguesia desenvolveu técnicas de mascarar as habitações pobres, conforme demonstrado no esquema da pagina a seguir. O esquema representa uma quadra padrão, onde as casas da classe A, possuíam fachada voltada pra uma rua e pátio voltado para ruelas traseiras, já as de classe B só possuíam fachada para a rua e o muro traseiro estava colado com as habitações da classe C, que, por sua fez, só possuíam fachada voltada para a ruela traseira.

Engels (1845, p.92)

Engels (1845,) relata o exemplo de Manchester, que possuía mais de 400 mil habitantes e, no entanto, podia-se habita-la durante anos, sair e entrar dela


36

cotidianamente sem nunca ver um bairro operário, nem sequer encontrar um operário! Estes estavam dissimulados sob o manto da claridade ou separados com o maior rigor das partes da cidade reservadas à classe media e alta. Na parte mais afastada do centro havia bairros ricos em pleno ar puro e os aristocratas que ali habitam podiam chegar aos seus escritórios na área central, passando pelos bairros operários, sem sequer notar a mais sórdida miséria que atravessam. Essa miséria e segregação que existia na Inglaterra no século XIX não parecem ser muito distintas das que vivemos hoje nas grandes cidades latino-americanas, como por exemplo, a do Rio de Janeiro. Sendo a habitação uma mercadoria especial que, como visto acima, possui valor de uso e de troca, ela funciona como delimitadora do espaço urbano, ao passo que este, conforme Corrêa (1993)

14

tem o seu rebatimento no espaço fragmentado

devido ao diferencial que cada grupo tem em pagar pela residência que ocupa. Assim, as áreas sociais resultam de diversas ações das classes sociais para encontrarem COMO e ONDE morar. Segundo Corrêa (1993) a classe dominante atua diretamente na segregação do espaço, através da auto segregação, à medida que escolhe para si os melhores espaços (longe dos

pobres

e

menos

favorecidos,

nos

condomínios fechados etc.), e indiretamente, através do Estado. Contudo, o autor também explicita que a classe dominante também cria a ―segregação imposta‖ exclusivos.

Sendo

15

assim,

dos condomínios a

parcela

da

população que sofre a segregação são os grupos sociais para os quais as opções de Imagem por Igor Colares 14

como e onde morar são pequenas ou nulas.

Para maiores informações ver: CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática S. A.

2ª Edição, 1993. 15

Termo de O`Neill, M. Mônica, em Condomínios exclusivos: um estudo de caso. Revista brasileira de

Geografia, 48(1), 1986 segundo referencia de CORRÊA, 1993, p. 64


37

Em sua obra, Corrêa (1993, p.65) com base em David Harvey (no artigo Class structure in a capitalistic society and the theory os residencial differentiation, 1975), argumenta que: ―a diferenciação residencial é a reprodução das relações sociais, sendo que as áreas residenciais fornecem meios distintos para a interação social e a diferenciação residencial significa acesso diferenciado a recursos necessários à ascensão social‖. Em suma: a segregação residencial pode ser vista como um meio de reprodução social. Assim, o espaço social age como um elemento condicionador (e condicionado) da (e pela) sociedade. A segregação residencial significa, então, não só um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro. Ao longo do tempo foram diagnosticados padrões espaciais de segregação. Assim, a seguir apresento alguns deles de forma sucinta, porém, esquemática e de fácil compreensão. Estão eles em ordem cronologia e levam o nome dos seus autores. 1. J.G.Kohl – feito em 1841, na Europa ocidental, para as cidades préindustriais. Mostra a elite junto ao centro. 2. E.W.Burgess – feito em 1920 nos EUA. Mostra o inverso, a elite na periferia. (lembra que Engels, em 1840, descrevia essa mesma situação para as cidades Inglesas; seria então, comparada ao esquema de Kohl, uma evolução que passou as cidades devido a grande fase industrial do capitalismo.). 3. Hoyt – feito em 1939 nos EUA. Mostra um padrão de círculos com setores. Segue a lógica da auto segregação da população de alto status que se expande ao longo de um eixo de circulação que corta as melhores áreas da cidade. 4. Oscar Yujnovsky – Mostra que a segregação é dinâmica, não forma um padrão. Pelo autor ser mais atual e por conhecer bem as cidades Latinas Americanas, este esquema é o que parece mais verossimilhante com o cotidiano carioca.


38

Imagem feita pelo autor com base nos esquemas de Corrêa (1993)

Imagem feita pelo autor com base nos esquemas de Corrêa (1993)

1.4

Soluções para a questão da habitação no sistema capitalista:

Desde os primeiros sinais de que aquelas condições de vida (dos operários) poderiam trazer malefícios que não diferenciavam classes sociais, surgem tentativas de amenizar tal situação. Houve na Áustria um economista e pensador, o Dr. Emil Sax, que, em 1869, escreveu um livro de título: ―As condições de habitação das classes trabalhadoras e a sua reforma‖ com quem Engels (1988) dialoga no seu livro ―A questão da habitação‖.


39

O Dr. Emil Sax passa a ideia que as ―classes não possuidoras‖ (que só têm a vender a sua força de trabalho) devem ser elevadas ao nível das ―classes possuidoras‖. Desde o principio, Engels (1988, p. 45-55) já se mostra discordar de Dr. Sax, alegando que ―o senhor Sax declara que a questão da habitação só pode resolverse por meio da transferência da propriedade da habitação para os operários‖. Como contraponto, Engels diz não ver maneira de transformar todo assalariado em capitalista sem que, por isso, deixem de ser assalariados. O debate de ideias se segue até que Dr. Emil Sax propõe uma série de medidas que deveriam ser tomadas para solucionar o problema da habitação. Entre elas destacam-se: 1. Que o Estado permitisse que a indústria da construção civil, produzisse de maneira mais barata. ENGELS rebate dizendo que as casas seriam tão fracas que desabariam por qualquer coisa. E ainda, menciona que os alojamentos operários que se construía na época só eram habitáveis, em média, por quarenta anos, o que, em parte, era uma decorrência da avareza que preside a construção, da ausência sistemática de reparações; da frequente desocupação dos alojamentos; da frequente mudança de locatários e, por outro lado, das depredações que estes cometem. Por tanto, a qualidade já estava em seu limite mínimo. 2. Que o estado impedisse que um cidadão propagasse um mal ou o provocasse novamente. ENGELS alega que esta é uma medida que incentiva as inspeções sanitárias nas casas dos operários e que provinha de um mascarado desejo da burguesia em fechar e afastar de si as habitações pobres e consequentemente insalubres. 3. Que os donos de indústrias construíssem casas e bairros e as cedessem para os operários. ENGELS aponta que: (a) A casa representaria uma maneira de prendê-los àquele lugar, já que não se poderia vender ou alugar (b) em caso de greve seriam ameaçados a ficarem sem teto; (c) se fossem despedidos ficariam sem a casa; e (d) de todas as formas, o dinheiro gasto na construção da casa seria disfarçadamente, diluído e descontado do salário do trabalhador.


40

4. Que o Estado e a iniciativa privada (por ex. Mutualidades16) investissem na construção de habitações individuais no campo e coletivas nas grandes cidades, sendo que tais habitações deveriam ser vendidas por meios de financiamentos de longo prazo, cobradas as devidas taxas de juros. ENGELS contra-argumentou pontuando as seguintes falhas dessa proposta: (a) Os operários pagariam preço de monopólio; (b) Se tivessem que mudar de trabalho, para outro local teriam que comprar outra casa; (c) Se fossem despedidos não teriam condições de pagar a taxa mensal, acarretando a perda da casa e todo o dinheiro que nela havia sido investido até então; (d) devido aos juros no final dos 15 a 20 anos os operários teriam pagado um valor exorbitantemente, muito maior do que o que vale as casas; (e) A casa não representaria capital para o trabalhador, assim como, a única roupa que possui para vestir não é capital, pois, necessita usá-la. Apesar de todas essas dificuldades os países ocidentais que primeiro se industrializaram, conseguiram, em parte, amenizar seus problemas de habitação popular. Com um proletariado melhor remunerado e mais organizado que, de certo modo, tem maior inserção da esfera do consumo capitalista, a questão da habitação em tais países não apresenta sua face tão cruel quanto nos países da periferia. Friedrich Engels e Karl Marx no famoso livro Manifesto comunista (1848, p. 14) Pontuam que com o advento das máquinas, a indústria se transforma, surgem as grandes fábricas industriais capitalistas e com isso a situação do trabalhador se agrava. Perguntam-se então: ―De que maneira a burguesia consegue vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças 16

As Mutualidades, originalmente foram as Building Societies inglesas: instituições de credito hipotecário

adaptadas às necessidades de operários. Pessoas que se unem normalmente com um mediador dono de um bar onde todos se reúnem. Os que têm mais dinheiro investem uma grana e compram um terreno. Só é possível no sistema de cottage. Aos poucos com os investimentos de todos vão construindo as casas. A medida que ficam prontas vão alugando e tendo o investimento de volta. Alugam por 12½ anos e ai passa a ser da pessoa. Podendo ter negociações (pagar mais e em menos tempo, ou pagar menos e por mais tempo) q partir do momento que vai dando lucro esse, vai sendo dividido pelos investidores. Como os operários não tem a segurança de 12 ½ e seus custo de vida só tende a aumentar (filhos) e seu salário na melhor das hipóteses continua o mesmo, a clientela desse sistema acaba por ser de pequenos burgueses, jovens, trabalhadores de mercearia, etc.


41

produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos.‖. Entramos então, na questão da relação entre os países para tentar explicar a capacidade do capitalismo, enquanto um sistema mundial, de superar suas repetidas e ampliadas crises. Talvez por isso, a escala e os constrangimentos do capitalismo nos países centrais sejam razoavelmente diferenciados daqueles situados na periferia. Impelida pela necessidade de mercados sempre novos a burguesia invade todo o globo. Necessitava estabelecer-se em toda parte, explorar toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. MARX E ENGELS (1848, P. 12) Sobre o tema da conquista de novos mercados Guy Debord (1967, p. 32) analisa nos

impactos decorrentes da

invasão

de

mercadorias dos

países

mais

desenvolvidos nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, ou ainda naqueles que apresenta cultura e valores distintos dos que produzem tais mercadorias: Nos lugares menos industrializados, o seu reino já está presente com algumas mercadorias- vedetes e enquanto dominação imperialista pelas zonas que estão à cabeça no desenvolvimento da produtividade. Nestas zonas avançadas, o espaço social está invadido por uma sobreposição contínua de camadas geológicas de mercadorias. (DEBORD, 1967, p. 32)

Para Castells (1983 p. 198) um possível caminho para, pelo menos, mitigar o problema da habitação residiria em intervenções feitas na demanda por habitação e na oferta da mesma. Para tanto, o autor sugere ações que são descritas abaixo de forma resumida: Intervenções na demanda: 

Deve-se ajudar as famílias sem possibilidade de pagar aluguel de forma semelhante à assistência social.

Deve-se conceder facilidades de créditos/empréstimos para a compra de moradia, com juros relativamente baixos.


42

Logo após essas proposições o próprio Castells (1983, p. 198) faz uma autocrítica ao expor que: ―Parece evidente que de toda forma a ação publica sobre a demanda é muito fraca, para suscitar a demanda solvável com a qual sonha a corretagem imobiliária‖. Intervenção na oferta: 

Deve-se construir grandes conjuntos habitacionais. Castells (1983 p. 202) deixa claro que é preciso andar depressa com as construções, e ter preços acessíveis, portanto, se faz necessário construir em terrenos liberados e baratos, situados na periferia das aglomerações. Ainda nesse ponto o autor diz que é preciso construir maciçamente, se possível, em série, faixas inteiras de moradias coletivas.

Deve-se intervir na especulação imobiliária e na oferta de terrenos para construção. Neste trecho CASTELLS cita alguns mecanismos de intervenção do estado (francês), muito similares aos instrumentos brasileiros que constam no estatuto da cidade.

Deve-se adotar empreendimentos do tipo ―solução Americana‖ que, segundo o autor vem a ser a expansão dos aglomerados ao longo dos eixos de transporte, dispersando o habitat e permitindo assim aumentar a massa de terrenos disponíveis.

Assim, na concepção de Castells (1983 p.205) a questão da moradia pode ser tratada segundo 3 abordagens: 1. Para a demanda solvável, as empresas privadas devem ser capazes de atendê-los. 2. Para a população que pode se tornar solvável a longo prazo, imagina-se uma nova forma de moradia privada, loteamentos de moradias populares, construída com pré-fabricados, financiados pelos fundos públicos, etc. 3. Para a população fortemente atingida pela crise, a solução é a moradia social, que toma abertamente a forma de um ato de assistência. Contudo, segundo Engels (1988, p.45) ―A solução da habitação não resolve a questão social e sim a questão social, isto é, a abolição do modo de produção capitalista, que torna possível a solução da habitação‖.


43

Para tanto, Marx e Engels (1848) afirmam que a maneira de se resolver essa questão só se dará com a constituição do proletariado em classe, com a derrubada da supremacia burguesa e por fim, com a conquista do poder político pelo proletariado. Também colocam que para arrancar o poder das mãos da burguesia era necessário centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado. No entanto, deixam claro que o que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. Porém, Marx e Engels (1848 P. 22 e P. 68) reconhecem que ―a organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os próprios operários.‖ e por isso ao final do livro clamam: ―PROLETÁRIOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS‖.

Imagem: Bandeira Comunista na Batalha de Berlim Fonte: https://www.brasildefato.com.br/


44

2 A Situação Contemporânea da Habitação Popular no Brasil:

Como exposto no capitulo anterior, hoje as grandes cidades brasileiras são a materialização da sociedade injusta e desigual em que vivemos. A exploração e a segregação encontram-se marcadas no território, revelando na paisagem urbana os contrastes sociais decorrentes da forma de desenvolvimento econômico que atualmente orienta a política e a sociabilidade. Desta forma, tal situação é um reflexo das características dominantes de um padrão de acumulação marcado por imensos contrastes sociais. Assim, a essência do sistema capitalista provoca marcas constantes na sociedade, independendo da sua fase temporal. Para Castells (1983 P.183) ―A questão da moradia é primordialmente a de sua crise.‖ Bienenstein (1992)

17

menciona esta marcante frase dizendo que para a

compreensão dessa crise, se faz necessário a adoção de instrumentos que dê conta dos nexos e determinações histórico-concretos, pois caso contrário, poderemos talvez cometer o equivoco de tratarmos o problema na sua aparência e não nos fatores que realmente determinam sua produção, uma vez que se os fenômenos correspondessem à sua essência, não haveria a necessidade da existência das diversas ciências (cf. LUKÁCS. 1972). Desta maneira (...) a tematização das diversas questões pertinentes e decorrentes da produção do espaço (arquitetônico, urbano) nesses países (e até mesmo nos de primeiro mundo) multas vezes, de maneira inconsciente, percorreu (e até certo ponto ainda percorre) a contramão das leis que produzem aquilo que era tido como problema, tentando resolver apenas seus efeitos. (...) BIENESTEIN (1992, p.13 e 14)

Seguindo esses princípios tentarei, ao longo deste trabalho, analisar os dados e as situações que caracterizam o problema da habitação na área central do Rio de Janeiro, me remetendo sempre à questão da desigualdade social e do jogo de interesses do capital, que está na essência desse problema e que se marca presente na nossa cidade, e na sociedade.

17

BIENENSTEIN, Glauco. Habitação e Qualidade de Vida da Classe Trabalhadora no Brasil: Considerações

Teórico- Metodológicas. Ano 1992. Texto não publicado.


45

Para tanto, será necessário, em determinados momentos, associar a questão da habitação a outras perspectivas de analise que decorrem (ou decorreram) também do sistema capitalista implantado no nosso país, como por exemplo, a qualidade de vida do trabalhador e o modo como se configura o urbano no centro do Rio de Janeiro. Cabe ainda Indicar, mesmo que em linhas gerais, algumas possibilidades teóricas para a análise da relação habitação qualidade de vida, tentando contribuir no sentido de se ir além das orientações que tratam a produção do espaço do ponto de vista genérico. No que se segue, sugere-se analisar a questão da habitação e suas decorrências (no caso em tela, destinada aos estratos mais baixos da classe trabalhadora brasileira), a partir da relação entre o padrão de acumulação e o padrão de urbanização. BIENESTEIN (1992, p. 14)

Dessa forma, a relação ACUMULAÇÃO - URBANIZAÇÃO, no caso de alguns países periféricos, apresenta uma particularidade expressa pela especificidade /natureza da acumulação que a regência do capital na escala mundial, lhes "Impõe". Trata-se da ACUMULAÇÃO INCOMPLETA, que além de não se estender por todo o território nacional e não ser reinvestida no espaço de sua "produção", que determina um padrão de urbanização particular que, por sua vez, delineia uma relação também particular no que se refere à habitação e a qualidade de vida. Numa única frase, à miséria da acumulação corresponde a miséria da urbanização (DUAYER & FERRAZ, apud BIENENSTEIN, 1992 p.2) 18 Sobre a qualidade de vida, é sempre válido lembrar que a grande maioria dos cidadãos brasileiros que sofre com a carência de habitação passa também por outras não menos importantes dificuldades, seja ela: A falta de emprego, o irrisório salário, a falta de educação publica de qualidade, um sistema de saúde publico inadequado, a fome, o não acesso ao lazer e a cultura, entre muitos outros itens de uma lista interminável. No que concerne à relação habitação e qualidade de vida, vale destacar que as famílias trabalhadoras têm-se submetido a diversos sacrifícios e privações, que vão desde a necessidade de obtenção de moradia, ate o sofrido cotidiano nessas unidades dada suas precárias condições. Exíguos salários chegando ate mesmo a 18

Para maiores informações ver: DUAYER, J. Torres & FERRAZ, S. M. Taddel Distribuição de Renda,

Habitação e Espaço Urbano: João Pessoa e a Miséria da Urbanização Brasileira. 1989


46

convivência cotidiana com a fome, moradia em abrigos desprovidos de condições de habitabilidade, extensão da Jornada de trabalho (autoconstrução a noite e nos fins de semana), e mais recentemente a ocupação de espaços públicos (nas ruas, nas praças, sob os viadutos, etc.) que passam a servir de abrigo para uma massa cada vez maior de excluídos (as populações de rua). Todo esse quadro de pauperização e miséria constitui matéria prima para os movimentos sociais, seja no mundo do trabalho, seja no que diz respeito às melhorias urbanas. Sobre este assunto, alguns autores têm alertado que se por um lado, esses movimentos têm efetivamente contribuído para a melhoria das condições de vida das áreas residenciais onde se fizeram presentes, por outro, quando suas reinvindicações por melhorias urbanas são realizadas, acabam justamente por reforçar os interesses dos proprietários fundiários. O fenômeno dos loteamentos clandestinos de periferia, inclusive na zona rural, constitui um bom exemplo. Dada sua localização, as obras de infraestrutura urbana e comunitária que por ventura foram executadas, atravessaram extensas áreas que muitas vezes eram mantidas vazias pelos próprios promotores desses loteamentos, que por sua vez obtiveram valorização dessas terras. BIENESTEIN (1992 P.17)

Segundo (ENGELS e MARX 1848 P.26) ―Para oprimir uma classe é preciso poder garantir-lhe condições tais que lhe permitam pelo menos uma existência de escravo.‖ O que ocorre hoje na sociedade brasileira é a manutenção da qualidade de vida de grande parte da população no seu nível mínimo, no nível da sobrevivência, negando assim, a esses cidadãos o básico. Tal diferença semântica, que a principio pode parecer pequena, se revela profunda sob a ótica e a definição de PERREIRA, conforme trecho a seguir: Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta. Por conseguinte, a nosso ver, o básico que na LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) qualifica as necessidades a serem satisfeitas (necessidades básicas) constitui o pré-requisito ou as condições prévias suficientes para o exercício da cidadania em acepção mais larga. Assim, enquanto o mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, tal como propõe a ideologia liberal, o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados (...) o mínimo nega o ―ótimo‖(...) (PEREIRA, P. Necessidades humanas, Cortez ed.,2002)

Na tentativa de não estender demasiadamente, (o que inviabilizaria a conclusão do presente trabalho) me focarei na Situação Contemporânea da Habitação Popular no


47

Brasil, levando somente os acontecimentos das ultimas décadas que foram de suma importância para a analise da habitação popular no centro do Rio de Janeiro. Assim, partindo de todos esses princípios, inicio o meu estudo mais prático (digamos assim) com um trecho de Bienenstein (1992 p.3) A partir da década de 1950 uma nova relação se configura no cenário mundial, entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Surgem com todo vigor os grandes conglomerados multinacionais desenhando uma nova polarização regional nos países subdesenvolvidos através da centralização de suas atividades em núcleos urbanos, se configuram as metrópoles que com a sofisticação dos sistemas de transportes reforçando cada vez mais o peso e a importância desses polos nacionais. Esses polos passam a atrair para si cada vez mais capital e assim apresentarão uma seria de problemas urbanos de natureza e dimensão até então desconhecidos nesse país.

2.1

O espaço urbano e as áreas centrais

A etapa III do presente trabalho, focaliza a área central do Rio de janeiro. Para tanto, inicialmente, faz-se necessário esclarecer algumas das principais orientações que norteiam a compreensão do que vem a ser espaço urbano; sua estrutura e sua dinâmica, especialmente no que se refere aos processos de centralização e descentralização na área urbana de uma grande cidade brasileira como o Rio de Janeiro. Corrêa (1993)19 define o Espaço Urbano com sendo um conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Nesta justaposição, tem-se a relação entre diversos grupos sociais o uso da terra. Tal relação, por sua vez, pode ser visível ou invisível. Nesse sentido, o espaço urbano é ao mesmo tempo fragmentado e articulado. O autor acrescenta ainda que o núcleo da articulação dessa relação é tradicionalmente o centro da cidade e que na sociedade capitalista o espaço urbano é profundamente desigual. Sendo assim o espaço da cidade é o cenário e o objeto das lutas sociais. O autor também o caracteriza como sendo: um reflexo social (à medida que bairros pobres e ricos refletem o tipo de sociedade excludente); mutável (já que intervenções podem alterar os usos e os subgrupos da cidade); possuidor de ritmo 19

Para maiores informações ver: CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática S. A.

2ª Edição, 1993.


48

(tendo o cotidiano das pessoas estabelecendo os ritmos da cidade) e um condicionante social (já que a disposição das áreas influencia nas relações sociais). Corrêa (1993, p.8) explica que o espaço urbano é produzido por vários fatores, constituindo-se um produto social (já que resulta das ações acumuladas através do tempo), sendo, desse modo, um produto da relação entre vários agentes, classificados a seguir: 

Proprietários dos meios de produção – Consumidores de terrenos amplos, baratos e próximos a meios de escoamento da produção.

Proprietários fundiários - Visam obter maior renda possível com suas terras, querem que elas tenham uso comercial ou residencial de status. Estão particularmente empenhados na conversão da terra rural em terra urbana e interessados no valor de troca e não no valor de uso.

Promotores imobiliários – são aqueles que agem para a realização de empreendimentos atuando nas áreas de incorporações, financiamento, viabilidade do empreendimento, construção ou produção física do imóvel e ainda comercialização ou produção do capital-mercadoria em capital-dinheiro.

Estado

É

o

responsável

pela

organização

espacial

da

cidade

(principalmente através da elaboração de leis e da implantação de serviços públicos). Possui também uma complexa e variada gama de possibilidades de ação (podendo inclusive produzir chão, como aterros etc.) Criam condições para a reprodução da sociedade capitalista, criando assim mecanismos que levam a segregação residencial e a sua ratificação (imposto territorial e predial etc.). 

Grupos sociais excluídos - Determinado pelo acesso (ou não acesso) aos bens (habitação sendo o bem maior). Um sintoma da exclusão destes é não possuir renda para paga, por exemplo, o aluguel, que está lado a lado com a subnutrição, o baixo nível de escolaridade, o subemprego e o desemprego.

Tendo definido os agentes, Corrêa (1993) deixa claro que para uma analise mais profunda é necessário conhecer as alianças que são feitas entre esses grupos/agentes e que, em geral, os três primeiros se inserem mais decisivamente na


49

dinâmica de acumulação (A, B e C) sendo que os dois primeiros (A, B) atuam nos conflitos que por ventura emergem através de pressões junto ao Estado. Segundo Corrêa (1997, p.172)20, o espaço metropolitano é complexo e se configura como um campo simbólico de lutas, sendo então, conforme visto, ao mesmo tempo cenário de disputas e objeto disputado. Sua complexidade é maior em razão da poderosa inércia que suas formas espaciais possuem. Segundo Bienenstein (1992, p.2) a sociedade e suas formas de aglomeração experimentaram uma intensa complexificação, se configurando cada vez mais como sociedade urbana. Ele cita Castells ao falar que nesse contexto, conforme indicação anterior, que o problema da habitação tem se conformado prioritariamente e essencialmente como o de sua crise. De acordo com Castells (1983 apud Bienenstein 1992) historicamente, a crise da moradia aparece primordialmente nos grandes aglomerados urbanos subitamente conquistados pela indústria. Quando se cria um polo que atrai mão de obra, como no caso de uma indústria, ocorrem os movimentos migratórios, e como, muitas vezes, por falta de planejamento ou por falta de interesse não é preparado previamente moradias para o proletariado, faltamente isso culmina em uma crise de moradia. Nesse

contexto,

Bienenstein

(1992,

P.

4)

afirma

que

o

binômio

INDUSTRIALIZAÇAO/URBANIZAÇAO, já conhecido nos demais países inseridos no sistema capitalista mundial, foi determinante fundamental na formação das metrópoles brasileiras. (Cf. Jacobi,1986, p.96) e se caracterizou (e se caracteriza até hoje) pelo não atendimento, por parte da iniciativa privada e de certa forma também por parte do Estado, das condições mínimas de vida e de reprodução nas áreas residenciais habitadas pelos extratos mais baixos da classe trabalhadora. No Brasil, no começo do século XX o processo de centralização passa a ser considerado um fenômeno urbano. Conforme Corrêa (1993), a área central constituise no foco da cidade e dos seus arredores. Destaca-se também pela sua verticalização. A área central é um produto do capitalismo, já que com a revolução 20

Para maiores informações ver CORRÊA, Roberto Lobato. ―O Espaço metropolitano e sua Dinâmica‖. In: Trajetórias geográficas, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 171-180.


50

industrial as ligações da cidade com o mundo exterior a ela se ampliaram quantitativamente e qualitativamente. Assim, uma rede de transporte se fazia necessário para escoar as mercadorias. Essa acessibilidade, por sua vez, atraiu as nascentes lojas e todo o comercio. Portanto, o preço das terras nesses núcleos e dos imóveis foram elevando-se, o que levou a seleção das atividades, permanecendo assim, as que tinham mais capital. Desta forma, Corrêa (1993, 1997) coloca que o núcleo central caracteriza-se na segunda metade do século XX pelo uso intensivo do solo (sobretudo pelo setor terciário); ampla escala vertical; limitada escala horizontal (passível de ser percorrido a pé); limitado crescimento horizontal (a expansão promove a derrubada de prédios baixos e/ou velhos para construção prédios altos e/ou novos); concentração diurna; área de decisões (presença de muitas instituições do estado), assim como intenso tráfico denso de pessoas, meios de transporte, valores e informação. Em contraponto, as zonas periféricas caracterizavam-se pelo uso semi-intensivo (atividades vinculadas ao núcleo); ampla escala horizontal e ser uma área residencial de baixo status social. No Brasil, até 1920 predominava a centralização, mas após a Segunda Guerra Mundial, as cidades começaram a se descentralizar, sobretudo pela limitação de crescimento

horizontal.

Com

os

centros

das

cidades

saturados,

a

descentralização passa a ser percebida como outra possibilidade de acumulação, constituindo foco de interesse de firmas empreiteiras e dos promotores imobiliários. Desta forma, Corrêa (1997) , explica que a descentralização ocorre primeiro com a saída das indústrias, especialmente as que são mais consumidoras de espaço ou as mais dependentes da energia hidráulica, como por exemplo, a têxtil. Estas saíram das cidades criando núcleos próximos, onde havia fonte de energia e de água, formando em torno delas vilas operárias. Esse modelo foi rapidamente incorporado às cidades; com o crescimento delas e se tornaram um bairro ou subúrbios. No Rio de Janeiro são exemplos: Jardim Botânico, Laranjeiras, Tijuca e Andaraí. Logo em seguida, outras indústrias que não dependiam tanto de energia hidráulica, se espalharam por terrenos maiores, de forma dispersa. Era comum, por praticidade, essas se alocarem próximo a eixos viários. Posteriormente as fábricas e os depósitos abandonam o centro, mas ali permanecem as sedes e escritórios e, somente então, as atividades terciárias se deslocam em direção aos bairros


51

habitados pela população de renda elevada, e as indústrias para os bairros populares. Apesar desse grande fluxo, algumas indústrias permaneceram centralmente localizadas, predominantemente as consumidoras de pouco espaço e que suportavam preços mais elevados dos imóveis (ex. pequenas gráficas, indústrias de confecção feminina sofisticadas, etc.). Junto ao porto também permaneceram indústrias extremamente dependentes dos meios de transporte, como por ex. moinhos de trigo. Sobre os processos de descentralização e a criação de núcleos secundários Corrêa (1993, p. 44), cita o Colby21 que, em 1930, especificava como um dos principais fatores para a ocorrência desses fenômenos o aumento constante do preço da terra na área central; os congestionamentos; as dificuldades de obtenção de espaço para a expansão e as restrições legais. Segundo Colby (apud CORREA, p.45), apesar de tudo, a descentralização só ocorre quando há ou são criadas áreas não centrais que sejam terras não ocupadas, com infraestrutura implantada, com facilidades de transportes e possuam possibilidade de controle sob o uso da terra, entre outras qualidades atrativas no sitio. Para Corrêa (1993, p.45) a descentralização também está associada ao crescimento da cidade. Seguindo a lógica capitalista, quando há mais procura por espaço e pouca oferta do mesmo, em especial nas áreas centrais, normalmente as empresas que crescem deixam ali seus escritórios e transferem o restante para periferia. Esse processo foi viabilizado pelo desenvolvimento de transportes tais como: carros, ônibus e caminhões, em contraponto ao trem, que era o mais usual. Atualmente, segundo artigo do Ministério das Cidades22, os fatores determinantes para o esvaziamento dos centros urbanos brasileiros, são: a evasão do mercado imobiliário (que buscou novas centralidades) e o discurso da segurança, da modernidade presente nas novas áreas. O mesmo estudo diz que a mancha urbana se estende então em direção às periferias para abrigar o assentamento da 21

COLBY, C. C. Centrifugal and centripetal Forces in Urban Geografy.In: CORRÊA, R.L. O Espaço Urbano. São

Paulo: Editora Ática S. A. 2ª Edição, 1993. 22

Artigo de titulo: Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais publicado por Arquimedes Belo Paiva

no site do ministério das cidades no dia 21/01/2008.


52

população de baixa renda e para atender novas áreas de expansão imobiliária (como condomínios fechados). Segundo Bienenstein (1992, P. 34) nas grandes cidades brasileiras o vertiginoso crescimento demográfico associado ao processo de retenção de terrenos à espera de valorização acarretou a ―urbanização de periferia‖ promovida pelos estratos mais baixos da classe trabalhadora. Tem-se assim a expansão da mancha urbanizada, pela agregação de novas áreas descontinuas ou não, conformando um processo de expansão horizontal. O referido autor (1992, P.5) ainda registra a ocupação de áreas residenciais deterioradas (cortiços) e a ocupação por invasão de áreas desocupadas no interior da mancha urbana (favelas). Nesse contexto, a deterioração das condições de reprodução da força de trabalho (tempo de deslocamento casa-trabalho, falta de saneamento e infraestrutura e de equipamentos de consumo coletivos como hospitais, escolas, creches etc.) afeta a população aí residente, constituindo um tipo de urbanização denominada por alguns como sendo excludente e segregada (cf. Jacobi, 1986, apud BIENENSTEIN, 1992). Corrêa (1993, p.45) complementa indicando que o aparecimento de núcleos secundários de atividades comerciais gera economia de transporte e tempo, induzindo a um maior consumo o que, por sua vez, é do interesse do capital produtivo e comercial. O autor afirma que com a descentralização para o capital industrial a venda de terrenos do antigo centro gera lucro (como, por exemplo, hoje se faz com áreas na Lapa, Rio de Janeiro), sendo assim, para os promotores imobiliários a descentralização representa campos para novos investimentos e reprodução do capital. Corrêa (1997, p.174) tece ainda maiores comentários sobre os novos núcleos secundários, que podem adotar formas espaciais distintas: Planejadas (shoppings centers) ou espontâneas. Esse segundo tipo ainda podem materializar subcentros especializados (de moveis, lustres, indústrias, etc.); subcentros regionais (são exemplos no Rio de Janeiro: Madureira, Méier, Tijuca e Copacabana) e subcentros de bairros (que podem ser uma avenida, como por ex: Boulevard 28 de setembro em Vila Isabel). Com a criação de novos centros comerciais o comercio voltado às classes com maior poder aquisitivo é suprido pelos shoppings, e a área central da cidade ganha


53

um foco de comercio mais varejista e de serviços para os seguimentos sociais de baixa renda. No Rio de Janeiro, a partir da segunda metade do século XIX a população de status mais elevado inicia o processo de abandono dos bairros centrais, deslocando-se predominantemente para a zona Sul. Corrêa (1997, p.175) também explica que inicialmente este segmento da população vai para a Gloria, Flamengo e Botafogo, e depois, num segundo momento, vai para Ipanema, Copacabana e Leblon. Nas ultimas décadas houve outro avanço, em direção à Barra da Tijuca e ao Recreio dos Bandeirantes. O crescimento da cidade e o surgimento desses novos bairros (afastados do centro) acarretam novas demandas, como transportes e infraestrutura. Simultaneamente à criação de novos setores residenciais verifica-se a explosão da periferia popular. São criados novos municípios nas periferias que se caracterizam por serem vastos reservatórios de mão de obra. A expansão da periferia se dá em três formas de organização espacial. São elas: loteamentos populares; conjuntos habitacionais e favelas. Para Corrêa (1997, p.177) cria-se assim, aparentemente, duas cidades. Uma de opulência, bem estar e poder, outra de pobreza e desesperança. No entanto, elas são partes integrantes de um mesmo todo e, conforme indicação anterior, elas são também dependentes uma da outra. Assim, nas grandes cidades de hoje radicaliza-se o quadro de segregação residencial23, ou segregação sócio espacial, da maioria da população dada pelo alto preço da terra urbana dotada de infraestrutura. Concomitantemente, muitos dos centros urbanos brasileiros se esvaziam e vivem em um gradativo processo de degradação, onde habitam, comercializam e vivem, de forma precária, parte considerável da população de baixa renda.

23

Segundo Robert Park e Mckenzie. Segregação residencial é a concentração de tipos de população em dado

território. Já segundo Castells A segregação residencial é um processo que origina áreas de ―forte homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas‖– in CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática S. A. 2ª Edição, 1993.


54

Desse modo, à guisa de mera ilustração, transcreve-se a seguir trecho de uma publicação do Ministério das Cidades24 que discute sobre o assunto: Inúmeras experiências de intervenção nos centros urbanos difundiram-se nos últimos anos, constituindo um roteiro não sistematizado de orientações para as ações do governo e da iniciativa privada, as conhecidas ações de requalificação urbana. Um dos efeitos dessas ações, porém, tem sido o reforço da expulsão da população pobre dessas áreas, na medida em que as novas intervenções urbanísticas públicas e privadas promovem a revalorização imobiliária, num processo de ―enobrecimento‖ da área em questão. (Por: Arquimedes Belo Paiva em artigo de título Programa Nacional de Reabilitação uma das principais diretrizes é promover a habitação social nas áreas centrais. Publicado dia 21/01/2008.)

Ciente desse processo, o Ministério das Cidades elaborou o Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, em 2003, do qual falarei em etapas seguintes do presente trabalho, juntamente com as demais iniciativas do governo no que diz respeito à habitação popular.

2.2

Breve histórico das políticas públicas para habitação popular:

Conforme visto, no atual modelo de urbanização excludente e segregada, o Estado só provem parte das condições mínimas necessárias para a coexistência das diversas classes sociais. Desta forma, se mantém a dependência, por parte das camadas mais baixas da sociedade, do justo atendimento das necessidades básicas, feito através de ações estatais. Subordinado a ótica da rentabilidade e, por vezes, preso ao gargalo financeiro do sistema, em vários momentos da história brasileira, o Estado limitou-se a realizar ações de caráter emergencial. Por muito tempo os planos e programas habitacionais definidos pelo Estado, percebiam o problema da habitação no Brasil como sendo um problema de déficit de unidades e apontava como solução a construção de moradias que fossem suprimir o déficit. (cf. Bienenstein 1992 p.6) Em 1964, através da Lei 4.380 foi criado o Banco Nacional da Habitação, BNH, que fazia parte do Plano Nacional de Habitação Popular, PLANHAP. Esta era a primeira 24

Criado em 2003 pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva


55

política25 de caráter nacional com grande quantidade de recursos para financiamento da habitação. O BNH tinha por função a realização de operações de crédito sobretudo de crédito imobiliário - bem como a gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Era um banco público brasileiro de segunda linha, ou seja, não operava diretamente com o público. Atuava por intermédio de bancos privados e/ou públicos, e de agentes promotores, tais como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. A partir de 1973, ainda conforme Bienenstein (1992 p.6) o Estado, através do BNH, assume a tarefa de elaborar planos e programas de habitação que articulem a produção de habitação à capacidade de pagamento da população carente, deixando de lado o discurso da superação do déficit habitacional. O BNH financiou inúmeras moradias construídas no País. Algumas hoje formam bairro que levam o nome do banco. Contudo, sua produção foi insuficiente para atender a demanda de um país que passava por um ritmo acelerado de urbanização. Segundo pesquisa do IPPUR-UFRJ26 os programas habitacionais, inicialmente desenvolvidos para atender a população de baixa renda, foram reformulados ao longo do processo, passando a beneficiar a população de renda média e média alta. Durante a sua existência, o BNH se caracterizava como estrutura de caráter nacional que tinha acumulado enorme experiência no âmbito da habitação. Com sua extinção, em 1986, através do Decreto Legislativo nº 2.291/86, no governo Fernando Henrique Cardoso, a suas funções foram transferidas para a Caixa Econômica Federal, CEF, consolidando-se uma visão bancária e burocrática no financiamento habitacional. A Caixa Econômica Federal acaba assumindo a atribuição de desenvolver a política habitacional do país. 25

Anteriormente existiram duas políticas nacionais para habitação: 1. os Institutos de Aposentadorias e Pensões

(IAPs), criados na década de 30 para implantar a previdência publica no Brasil, produziam conjuntos habitacionais para seus associados, trabalhadores com carteiras assinadas, deixando de lado os setores de menor renda e as populações fora da economia formal; 2. a Fundação da Casa Popular (FCP), criada em 1946, foi o primeiro órgão nacional a tratar exclusivamente da habitação, sendo extinto por uma série de questões: como falta de recursos, desestruturação interna, corrupção, etc. (Dados de rodapé retirados de apostila feita por alunos de mestrado do IPPUR-UFRJ de título: Políticas Habitacionais e Exclusão em 2007) 26

Fonte: apostila feita por alunos de mestrado do IPPUR-UFRJ de título: Políticas Habitacionais e Exclusão em

2007.


56

Além dessa nova atribuição, a CEF também já geria uma série de outras funções, inclusive a de banco comercial comum. Por esse motivo, muitas pessoas envolvidas na luta pela moradia consideram que a Caixa tem sido um fator complicador no processo de obtenção de recursos para habitação popular. Atualmente, as dificuldades para se obter financiamento, sobretudo para faixas de renda abaixo de 3 salários, continuam a ser enormes. O movimento social questiona a Caixa Econômica Federal enquanto principal agente operador e financeiro dos recursos do FGTS. E ainda, subordinada ao Ministério da Fazenda, a CEF guarda uma grande autonomia em relação aos organismos de gestão da política habitacional, como o próprio Ministério das Cidades. Assim, nas suas decisões sobre a aprovação de pedidos de financiamento e acompanhamento dos empreendimentos habitacionais, ainda prevalece uma lógica burocrática e bancária. (pagar juros, taxa de administração e de crédito, seguros por morte, invalidez, danos físicos do imóvel, correção monetária). Assim, a grande maioria dos cidadãos brasileiros não consegue ter acesso a este tipo de política habitacional, estando excluídos do direito à cidade. Neste sentido, reconhecemos que estamos diante de uma política de exclusão restando como única alternativa a cidade clandestina, ilegal, da favela, dos cortiços e da ocupação. (Danielle Barros Benedicto, em texto do mestrado do IPPUR- UFRJ: Políticas Habitacionais e Exclusão, 2007).

A produção de habitação popular fica assim, a critério do governo estadual e municipal que na grande maioria das vezes constrói complexos habitacionais em áreas mais afastadas do centro da cidade e dos bairros de classe média, em busca de terrenos com baixo custo. Cria-se assim verdadeiros ―bolsões‖ de moradias populares, com capacidade para grande número de família, porém, com pouca infraestrutura e equipamentos de qualidade. Um exemplo bem atual e bastante ilustrativo dessa tipologia habitacional popular é a iniciativa do estado do Rio de Janeiro com o programa "Morar Feliz", onde muitas casas foram ―vendidas por/a 1 real‖ para a população de baixa renda. Assim, foi idealizado os Projetos Nova Sepetiba I e o Nova Sepetiba II que causaram muita polêmica, não só por se tratar de uma área bastante afastada da maioria dos bairros da cidade, mas também, pela grande quantidade de casas construídas sem infraestrutura básica, desrespeitando, inclusive, as leis ambientais. Além disso, somam-se ainda inúmeras outras queixas de mal uso de verbas publicas e de péssimas condições de sobrevivência no local. Esse malogrado empreendimento é


57

motivo de grande indignação por parte dos militantes na luta por moradia digna. Já que muitos consideram que tal programa atende pessimamente à necessidade de moradia promovendo somente o mínimo – um teto – e não o básico27. Agravando o quadro das políticas publicas já implementadas, alguns dirigentes voltaram a adotar a política de remoções e despejos de áreas de morros e favelas do Rio de Janeiro que, como no passado, aparecem camufladas sobre um discurso ambiental e de riscos de desabamentos. Contudo, a população que é expulsa dessas localidades raramente é devidamente realocada, deixando transparecer que o que está em jogo na verdade, é a garantia do atendimento dos interesses do capital

imobiliário,

que,

por

sua

vez,

considera

prejudicial

aos

seus

empreendimentos a proximidade da convivência territorial entre classes ricas e pobres. Em algumas dessas áreas de ocupação irregular, o Estado promoveu outro tipo de intervenção através da implementação de obras de melhorias. Intervenções tais como o ―programa favela-bairro‖ constituem um exemplo dessas inciativas. Através delas, são realizadas benfeitorias voltadas à melhoria da infraestrutura urbana e comunitária e do sistema viário, gerando melhorias nas condições e na qualidade de vida dos grupos aí residentes. Contudo, é importante ressaltar que, em decorrência, alguns imóveis sofrem uma valorização do seu preço de mercado o que leva ao deslocamento de parcela da população para outras áreas mais degradadas ou ainda não ocupadas. Por outro, segundo Bienenstein (1992), com a ausência de políticas que gerem trabalho e consequentemente renda, a população dessas áreas não possui instrumentos mantenedores das melhorias implantadas, decorrendo daí, um processo quase que imediato de deterioração do espaço. Constitui-se então um ciclo vicioso no qual algumas políticas públicas relativas às melhorias habitacionais e urbanas estão inscritas.

27

Conceitos já explicados, no presente trabalho, em citação de PEREIRA, P. Necessidades humanas, Cortez

ed.,2002


58

Bienenstein (1992 P. 6), ainda tece uma dura, porém justa, critica ao dizer que os esforços para o equacionamento dos problemas relacionados à produção da habitação dos estratos mais baixos da população ―têm se revestido de proposituras inócuas e muitas vezes tautológicas, mesmo quando são requeridos para resolver problemas "práticos" e urgentes postos pelo capital em seu processo crescente de acumulação-urbanização‖.

2.3

O quadro da habitação no Brasil: Enfim, o que sucede quando, numa situação de congelamento, o Estado não vem ajudar a construção (de habitações populares) ou o faz de forma insuficiente? A resposta é clara: é a invasão de terrenos livres pelos que não têm casa e a organização de um habitat rude, obedecendo às normas culturais de seus habitantes, equipados conforme seus meios, e que se desenvolve numa luta contra a repressão policial, as ameaças jurídicas e, às vezes os atentados criminosos das sociedades imobiliárias, derrotadas desta maneira em seus projetos. (CASTELLS, 1983, p.210).

Ao que parece, as políticas públicas governamentais relativas à habitação destinadas à população de baixa renda se mostram nitidamente inadequadas e insuficientes, fazendo com que essa camada social busque suas próprias soluções para seus problemas mais básicos, tais como desemprego, ineficiência de transporte publico e a falta, propriamente dita, de moradia. Nesse contexto, eclode o ―fenômeno favela‖, e as invasões de áreas ainda não ocupadas se tornam parte integrante e necessária à reprodução da cidade. Dentre as opções elencadas pelos governos, a criação de ―bolsões‖ de moradias populares em locais distantes dos núcleos burgueses tem sido uma das mais adotadas. Embora possam, ainda que de forma tímida, mitigar parte do problema, acabam por criar outros não menos importantes, pois, sendo o preço da terra de tais áreas mais barato, a infraestrutura nelas existente é de baixa qualidade, ou inexiste. Desse quadro, emerge a informalidade como única possibilidade de reprodução, deixando o território e extensos grupos sociais desamparados à própria sorte. Nesse contexto, tais grupos, ou, pelo menos, uma parte dele, acaba tornando-se refém do ―comando informal da cidade‖, o tráfico de drogas, por exemplo.


59

No Brasil o direito à moradia digna é garantido por lei (como veremos melhor a seguir), no entanto, o que vemos nas grandes cidades é o reflexo de uma sociedade que faz crescer seus índices econômicos se apoiando nas desigualdades sociais, privilegiando sempre as camadas mais altas população em detrimento da classe mais baixa, situação esta, típica do sistema capitalista, conforme já explicitado no capitulo 1 do presente trabalho. Tal situação se agravou pelo alto preço da terra urbana dotada de infraestrutura e pela ausência de uma efetiva política pública habitacional de interesse social. Portanto, não é de espantar que o déficit habitacional do Brasil seja um dos maiores do mundo! Segundo dados censitários do IBGE, em 2000 o déficit habitacional urbano do Brasil era de aproximadamente 7,2 milhões de moradias. Segundo dados do IBGE, analisados no estudo O déficit habitacional no Brasil, da Fundação João Pinheiro (2006)28, em 2005, este valor é estimado em cerca de 7.902.699 moradias. Desse

total,

2.285.462

(28,9%)

se

situariam

nas

regiões

metropolitanas

selecionadas pelo estudo, a saber: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. (Gráfico 01)

Composição do déficit habitacional (Brasil 2005)

Fonte: elaboração própria com base nos dados do: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2005, retirados do estudo O déficit habitacional no Brasil, da Fundação João Pinheiro. Pág. 40

28

Déficit habitacional no Brasil / Fundação João Pinheiro, Centro de Estatística e Informações. 2 ed. Belo

Horizonte, 2005. Em Contrato da Fundação João Pinheiro (FJP) e do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD), PROJETO BRA/00/019 – Projeto de Apoio à Implementação do Programa HABITARBRASIL/BID, para dimensionar e qualificar o Déficit Habitacional no Brasil, em 17 de maio de 2006.


60

Em números absolutos, o déficit habitacional brasileiro está predominantemente concentrado nas áreas urbanas, 6.414.143 domicílios, dos quais 34,7%, ou 2.226.730, nas regiões metropolitanas. Cerca de 4,2 milhões de moradias corresponde a faixas de renda de até 2 salários mínimos. Em termos da distribuição regional, as regiões Sudeste e Nordeste são responsáveis por 71,4% das carências habitacionais (Gráfico 02). Todavia, enquanto a maioria das deficiências do setor concentra-se na área urbana da primeira, na Nordeste a área rural que tem papel de destaque.29

Distribuição do déficit habitacional urbano, segundo grandes regiões Brasil 2005

Fonte: elaboração própria com base nos dados do: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2005, retirados do estudo O déficit habitacional no Brasil, da Fundação João Pinheiro. Pág. 40

Esse mesmo estudo, curiosamente, também faz uma análise dos domicílios vagos. Apesar de admitir que existam poucos outros estudos assim como informações mais detalhadas, a Fundação João Pinheiro busca dados na análise dos micro dados da PNAD 2005 revelando, a existência de informações que até aquele momento não tinham sido trabalhadas. Por intermédio da variável ‗tipo de entrevista‘, é possível identificar as unidades domiciliares vagas ‗em condições de serem habitadas‘, as de ‗uso ocasional‘, as em ‗construção ou reforma‘, e as ‗em ruínas‘. Pela identificação da ponderação relativa aos setores onde esses domicílios localizam-se obteve-se a estimativa de cada categoria. (trecho extraído da publicação Déficit habitacional no Brasil / Fundação João Pinheiro. 2005. Op. Cit. Pág. 33).

29

É válido expor que segundo esse estudo ―Os componentes do déficit habitacional são: a habitação precária, a

coabitação familiar e o ônus excessivo com aluguel. Observam-se distinções no comportamento desses componentes, dependendo da situação do domicílio e de sua localização regional. A coabitação familiar é a grande responsável pelas estimativas do déficit, não importa a região considerada. Ela corresponde a 56,8% do total, percentual que sobe para 59,3% quando se refere às regiões metropolitanas. É um componente com características eminentemente urbanas, não tendo presença significativa nas áreas rurais.‖


61

Segundo dados publicados pelo Ministério das Cidades em 2004, o número de domicílios urbanos vagos no País vem crescendo. Entre 1991 e 2000 houve um aumento de 55%. Em 2000 havia 4,6 milhões de domicílios urbanos vagos, dos quais 2 milhões e 250 mil situados em aglomerados metropolitanos, especialmente nas áreas centrais. Do estudo da Fundação João Pinheiro (Op. Cit., 2006) podemos ressaltar os seguintes dados: 

Os domicílios vagos nas áreas urbanas equivalem a 11,3% em comparação ao estoque de domicílios particulares permanentes.

Em números absolutos, somam 6.736.404 unidades, sendo, 5.084.284 nas áreas urbanas. Nas regiões metropolitanas, são 1.899.184 domicílios vagos, ou seja, 11,4% dos domicílios totais.

Do total de domicílios vagos, 89,7% foi classificada como em condições de serem habitados, 8,6% em construção e apenas 1,7% em ruínas. Os percentuais revelam ainda uma proporção maior de domicílios em construção nas áreas urbanas. De acordo com estes dados, poderíamos especular que se todos os domicílios vagos urbanos em condições de serem habitados fossem usados para reduzir o déficit habitacional urbano o mesmo corresponderia a 2.160.548 nas áreas urbanas, sendo reduzido assim a 31,18% do que é hoje. Resolveríamos então, quase 70% dos problemas habitacionais do Brasil. Desse modo, a Fundação João Pinheiro (2005. Op. Cit. Pág. 36) faz o seguinte alerta: ―Tais números referenciam a necessidade de serem feitos esforços para melhor qualificação desse grande montante de domicílios. Parcela deles poderia estar ocupada, contribuindo para a queda do déficit habitacional.‖. Contudo, o Ministério das Cidades, no caderno 4 sobre as Políticas Nacionais de Habitação30, pág. 20, comenta os dados sobre tais imóveis vagos, advogando que: Ainda que não se tenha informações qualificadas, é evidente que esses imóveis não estão, necessariamente, ajustados à demanda habitacional tanto no que se refere à sua adequação para moradia, como para atendimento aos grupos sociais mais carentes, com baixos rendimentos, nos quais se concentra o maior déficit habitacional. (CIDADES, 2004, Pág. 20)

30

Para maiores informações ver: Cidades, Ministério das. Caderno 4 - Política nacional de habitação, novembro

de 2004. Disponível para download no site: http://www.cidades.gov.br/


62

De todas as formas, pelas suposições matemáticas, aparentemente é possível reduzir consideravelmente o déficit habitacional. Entretanto, consta que o déficit habitacional cresce a cada ano e, concomitantemente, a situação das habitações irregulares nas grandes cidades só se agrava. Como sempre, no sistema dominante, a população dos estratos mais baixos da sociedade é a que mais sofre. Do déficit existente, mais de 90% é referente a famílias com até 3 salários mínimos.

Déficit habitacional urbano, segundo faixas de renda mensal familiar Brasil 2005

Fonte: elaboração própria com base nos dados do: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2005, retirados do estudo O déficit habitacional no Brasil, da Fundação João Pinheiro. Pág. 46

Todos esses dado apontam uma situação no mínimo alarmante! Mas, de certa forma, infelizmente, já nos acostumamos a viver ao lado de tanta miséria, a andar pelas ruas cotidianamente ao lado de pessoas que dormem ali nas sarjetas. Já não nos chocamos, inclusive, com o fato de não haver perspectiva de política pública que resolva esta gritante questão. Nesse sentido, cabe indagar: o que os atuais governantes têm planejado fazer para solucionar esse problema?

2.4

Novas políticas públicas para habitação popular:

Antes de pontuar as novas políticas publicas que vêm sendo implementadas pelo governo federal, acho válido ressaltar que o Brasil, apesar de todos os problemas aqui minimamente indicados, possui leis bem avançadas no que diz respeito ao direito à habitação quando comparado a outros países da América Latina. Portanto, ganham destaque, a meu ver, alguns artigos da Constituição nacional de 1988, onde esta previsto:


63

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 21º, inciso XIX É competência privativa da União: instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos, cabendo a União estabelecer as normas gerais de direito urbanístico, no âmbito da competência legislativa concorrente com os Estados Art. 23, inciso IX É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988)31

Além da Constituição de 1988, tem-se ainda o Estatuto da Cidade, Lei Ordinária de número 10.257/2001 sancionada pelo Presidente da República em 10/07/2001, com um veto significativo no que se refere ao instrumento de regularização fundiária da concessão especial de uso para fins de moradia32. Nesta lei estão descritos diversos instrumentos passiveis de serem usados com fins de assegurar a Função social da propriedade, facilitando, assim, a resolução de inúmeras situações e ajudando muito na questão habitacional urbana. Dentre muitos, os instrumentos mais comuns voltados diretamente para a regularização urbanística e fundiária33 são: 

Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)

Usucapião Especial de Imóvel Urbano

Direito de Superfície

Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia

Concessão do Direito Real de Uso (CDRU)

O jurista José Cretella Júnior (1988, P.302), ao tratar da função social da propriedade conclui que: O direito de propriedade, outrora absoluto, está sujeito em nossos dias a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público e também no próprio interesse privado de tal sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia, cedeu lugar à 31 32

Disponível na íntegra no site da casa civil em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03

Se refere ao ato do Estado conceder à população de baixa renda o direito de moradia por 99 e anos (renováveis por mais 99 anos aos descendentes) quando esta habita informalmente em áreas públicas. 33 Conceito abordado em Desafios da nova política Urbana/organização: Hélia Nacif Xavier – Rio de Janeiro: IBAM, 2005. P.56.


64

concepção bastante diversa, de conteúdo social, mas do âmbito do direito público. CRETELLA (1988) 34

Já em 2003 com a troca do governo e a posse de Luís Inácio Lula da Silva foi criado o Ministério das Cidades, que reúne as áreas de habitação, saneamento, transportes urbanos e política de ordenação territorial, tem como função a coordenação da política urbana e habitacional do país, estruturando e implementado o Sistema Nacional de Habitação. Em Novembro de 2004, publicou então, a Política Nacional de Habitação (PNH), que tem como etapa essencial de implantação e consolidação o Plano Nacional de Habitação - PlanHab, que foi iniciado em agosto de 2007. Para os municípios, os planos de habitação deveriam ser articulados com os Planos Diretores e determinariam estratégias adequadas à realidade e especificidade local. Nestes, deve haver os Conselhos de Habitação com a participação de todos os segmentos sociais e públicos relacionados com o tema da habitação. A Política Nacional de Habitação é regida pelos seguintes princípios: 

Direito à moradia, enquanto um direito humano, individual e coletivo;

Moradia digna como direito e vetor de inclusão social;

Função social da propriedade urbana buscando implementar instrumentos de reforma urbana;

Questão habitacional como uma política de gestão democrática.

Desde então, tem-se uma série de acontecimentos relevantes no que tange à Política Nacional de Habitação com Interesse Social. Entre elas, destaco algumas que possuem grande relevância para o presente trabalho e que são a seguir indicadas: 

Em 2003, foi criado o Programa Nacional de Reabilitação das Áreas Urbanas Centrais35. Este busca coordenar as ações nos centros urbanos, subsidiando a elaboração de estratégias de intervenção, através do estabelecimento de parcerias e acordos. A partir dele, cada município deveria propor um programa específico para sua localidade.

34

35

J. CRETELLA JR. Comentários à constituição de 1988, vol. VIII . São Paulo: RT, 1988, p.302.

Maiores informações sobre como o ―Programa Nacional de Reabilitação das Áreas Urbanas Centrais‖ será aplicado no Rio de Janeiro podem ser encontradas no capitulo 4‖ A ocupação de edifícios públicos no centro da cidade do Rio de Janeiro, do presente trabalho.


65

Em 2004, foi criado o Programa Crédito Solidário, que será explicado com maior detalhe na Parte II deste trabalho, no item sobre a Caixa Econômica Federal.

Em Junho de 2005, foi instituído pela Lei Federal nº 11.124 o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS que tem como objetivo principal implementar políticas e programas que promovam o acesso à moradia digna para a população de baixa renda.

Esta mesma Lei instituiu o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS que, a partir de 2006, centraliza os recursos orçamentários dos programas de Urbanização de Assentamentos Subnormais e de Habitação de Interesse Social, inseridos no SNHIS.

A regulamentação desta lei veio através do decreto nº 5.796, de 06 de junho de 2006, que instituiu o Conselho Gestor do FNHIS, empossado no dia 1º de agosto de 2006.

Em março de 2008 o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social finalmente aprovou a criação do Programa de Produção Social a Moradia. Este permite financiamento direto a entidades populares, sendo eles os agentes promotores de habitação.

Sobre o SNHIS o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) coloca que: Todos os estados aderiram ao sistema. No entanto, a adesão não implica que o sistema esteja de fato funcionando, com conselhos com, no mínimo, ¼ de representantes do movimento popular deliberando sobre os recursos do FHIS, e com os planos de habitação sendo elaborados nos estados e municípios. Dados do Ministério das Cidades informam que apenas 148 municípios cumpriram o prazo para o envio de PL de Conselho e Fundo às suas respectivas Câmaras, até 31/12/2007. Municípios que não enviaram estão suspensos no repasse de recursos. Além disso, vários dos Conselhos foram constituídos de forma autoritária e não tiveram processos democráticos, com graves consequências para a população. (trecho retirado do site do FNRU)36

Foi criada também a Política Fundiária e Imobiliária para a Habitação que visa garantir o acesso à moradia e à cidade, e que inclui também o Uso de terrenos e imóveis públicos para habitação. Assim, tal política deve considerar as terras e 36

Trecho retirado do site do FNRU acessando os links: Documentos do FNRU – Propostas para 2008 –

Habitação. Disponível para acesso no link: http://www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/pagina.php?id=1906


66

imóveis públicos vazios ou subutilizados de domínio da União, Estados e Municípios para produção de habitação e deve apoiar municípios para: 

Criação de sistema de informações e gestão dos imóveis públicos, articulando todos os órgãos municipais envolvidos;

Adequação de instrumentos legais para viabilizar a aquisição de terrenos e imóveis em condições de preço e prazo compatíveis com os programas públicos;

Montagem de órgãos de gestão capazes de agilizar os processos de obtenção, atribuição e regularização de posses, de terrenos e imóveis públicos e particulares, utilizando todos os recursos legais disponíveis e estratégias compatíveis com os mercados locais;

Criação de programas de capacitação para a gestão fundiária, incluindo a cooperação técnica internacional;

Disponibilização de recursos específicos para formação de estoques como forma de proteção contra a valorização imobiliária em situações específicas;

Criação de políticas específicas para redução dos domicílios vazios, mediante mecanismos de estímulo (financiamento para reformas, por exemplo), apoio ao aumento da demanda (oferta de aval ou de ―bolsas-aluguel‖, por exemplo) e penalização nos casos de retenção especulativa;

Exigência de plano para utilização de terrenos e imóveis localizados no Município.37

O Governo Federal também lançou no dia 22 de janeiro de 2007 o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Segundo fontes do próprio Governo Federal38, este programa é um novo conceito de investimento em infraestrutura que, aliado às medidas econômicas, vai estimular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios sociais para todas as regiões do país. Na opinião do Fórum Nacional de Reforma Urbana O PAC é uma iniciativa positiva, e de importante caráter social: O Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU entende que o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC representa uma mudança importante na agenda econômica, antes focada no controle da inflação e do déficit fiscal, assumindo como eixos o aumento dos investimentos públicos em infraestrutura, o aumento do emprego e a 37

Trecho retirado do caderno 4 - Política nacional de habitação, publicado no site do Ministério das Cidades. Pág.48. 38 Definição do site oficial do PAC: www.brasil.gov.br/pac/


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melhoria das condições de vida da população. Para tanto é de suma importância que o Governo reduza de forma urgente e significativamente as taxas de juros para que possamos ter um novo ciclo de crescimento e desenvolvimento social para o País. (FNRU, em artigo publicado no seu site, sem data.)39

Conforme o FNRU, tal programa vai investir 106,3 bilhões em habitação e R$ 40 bilhões em saneamento até o final de 2010. O montante contabiliza recursos oriundos ou geridos pela União, investimentos do setor privado e contrapartida de estados, municípios e mutuários. Esses 106,3 bilhões visam atender 4 milhões de famílias com a construção de casas, aquisição de terrenos, reformas de imóveis, compra de material de construção e urbanização de assentamentos precários, de forma a combater o déficit habitacional. Do total de recursos para habitação, houve um aumento real dos recursos do orçamento geral da União, chegando à ordem de 2,6 bilhões por ano, e totalizando 10,1 bilhões em quatro anos. No Estado do Rio de Janeiro serão beneficiados os 15 maiores municípios. No município do Rio de Janeiro o programa está focado na questão do saneamento e urbanização das favelas: Rocinha, Complexo do Alemão Pavão/Pavãozinho, e Complexo de Manguinhos.

Fonte: site do PAC, do governo Federal (op. Cit.) 39

Trecho retirado do artigo ―O Fórum Nacional de Reforma Urbana e o Programa de Aceleração do Crescimento: desafio na construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável com cidades Justas e democráticas‖. Disponível n site do FRNU pelo link: http://www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/pagina.php?id=1368


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Fonte: site do PAC, do governo Federal (op. Cit.)

Em que pese à importância do volume de recursos previstos, é fundamental destacar que os recursos não onerosos são insuficientes, recursos estes especialmente adequados para atender as famílias de baixa renda (até 3 salários mínimos), onde está concentrado 83% do déficit habitacional do país, o que exige a ampliação dos recursos e subsídios destinados à população de menor renda, maioria absoluta do déficit habitacional brasileiro. Além disso, é preciso garantir que os recursos para habitação popular sejam alocados no Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, de forma que sua aplicação seja feita com controle social, acompanhada pelas organizações populares, fortalecendo as cooperativas e associações habitacionais. Por fim, é preciso levar em consideração que o desenvolvimento sustentável de um programa habitacional de larga escala não será realizado com êxito se não houver investimentos em regularização fundiária e em assessoria técnica. (FONTE: FNRU, op. Cit., sem data.)

Pode-se notar que o Ministério das Cidades criou uma série de regulamentos que favorecem a diminuição do déficit habitacional no Brasil. Contudo, segundo dados do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Janeiro – IPPUR/UFRJ, no Rio de Janeiro a produção de moradia ainda não é satisfatória. A produção de moradias no Rio de Janeiro pelo poder público, entre o período de 1991 e 2007, foi de apenas 80.000 unidades, sendo que somente 33.005 delas foram destinadas para grupos de baixa renda. Num universo de 433.218 moradias produzidas no mesmo período, apenas 138.000 unidades foram produzidas pelo mercado formal e pelo poder público. Quem produziu o restante? - a produção habitacional é feita pela própria população, em condições precárias e se utilizando muitas vezes da autoconstrução. Esta acaba sendo


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uma alternativa frequentemente do trabalhador, para ―resolver‖ um dos mais cruciais problemas familiares, que é ter onde morar.40

Aparentemente, um obstáculo é o fato de que muitas dessas resoluções necessitam de uma resposta favorável a nível estadual e/ou municipal, o que passa a ser um complicador nesse processo, já que por muitas vezes os dirigentes desses três níveis de instâncias possuem desavenças políticas. Resta então, esperar para ver como vão ser aplicadas todas essas novas determinações do Ministério das Cidades, para só então, poder tecer uma justa analise desse processo.

40

Trecho retirado de apostila feita por alunos de mestrado do IPPUR-UFRJ. Título: Políticas Habitacionais e

Exclusão. 2007.


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3 Habitação e Movimentos Sociais Apesar de o Brasil ser um dos países com o maior déficit habitacional do mundo, o fenômeno não é singular somente em nosso País. Em países Europeus, embora com déficits muito menores, observa-se organizações e movimentos sociais que se destacam muito mais do que os brasileiros, especialmente no que diz respeito aos respectivos veículos de mídia e meio acadêmico. Portanto, ao iniciar este capítulo é traçado um breve panorama dos movimentos sociais envolvidos com a luta pela moradia. Este procedimento busca oferecer a possibilidade de se comparar tais expressões de luta na Europa e no Brasil, com especial atenção para aqueles que são os mais conhecidos nesses dois países. Para a realização desse capítulo, foram pesquisadas informações em diversas fontes, a saber: artigos de jornais espanhóis, artigos na internet, livros, documentos e informativos periódicos oficiais de alguns dos movimentos populares aqui mencionados.

3.1

Habitação e Movimentos Sociais no Mundo:

Na Europa, existem significativos movimentos sociais de luta pela moradia envolvidos com a ocupação de edifícios, principalmente os da Europa. Pode-se considerar que esses movimentos estão hoje em uma situação de destaque na mídia, já que é frequente a ocupação de edificações abandonadas nas maiores cidades europeias. Muitos desses movimentos surgiram através da ideologia anarquista de grupos ligados ao movimento/cultura Punk, por exemplo. Hoje em dia, não estão necessariamente associados a esse movimento, nem tampouco ao anarquismo, porém, é comum o uso de símbolos que remetem a essas ideologias, conforme se pode observar nas figuras abaixo.


71

Foto da C.S.O.A.(centro social ocupado e autogestinado) La Alarma Foto por: Miguel Á. M. López. Fonte:www.ucm.es

Panfleto de debate na C.S.O.A. la Alarma Fonte: www.alasbarricadas.org

Na Inglaterra, os movimentos sociais que lutam por moradia digna e de acesso universal à mesma são conhecidos como Squatting. Esse é o termo usado para o ato de ocupar um espaço ou edificação abandonada ou desocupada, no qual o squatter (pessoa que ocupa) não é o dono oficial, nem paga aluguel ou tem sequer permissão para ocupar. O Ato de Squatting é mais comum em áreas urbanas do que em áreas rurais.

Manifestação em fevereiro de 2008 do grupo Vivienda digna Fonte:www.vdevivienda.net

Cartaz de fevereiro de 2008: ― Dia nacional contra os malefícios de origem imobiliária e urbanística Fonte:www.vdevivienda.net

Na Espanha o movimento de ocupações de casas abandonadas tem um significativo crescimento na década de 1960 e 70, como forma de solução para a grande demanda gerada pela migração campo-cidade. Na década de 1980 surge o movimento de okupación, a imagem e semelhança dos squatters ingleses. Na Inglaterra, os movimentos sociais que lutam por moradia digna e de acesso universal à mesma são conhecidos como Squatting. Esse é o termo usado para o ato de ocupar um espaço ou edificação abandonada ou desocupada, no qual o


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squatter (pessoa que ocupa) não é o dono oficial, nem paga aluguel ou tem sequer permissão para ocupar. O Ato de Squatting é mais comum em áreas urbanas do que em áreas rurais.

Manifestação de 23-12-06 convocada por internet Fonte:www.vdevivienda.net

Convocatória de: ―O encontro de todas as ocupações de Londres‖ Fonte: http://squat.net/

Cartaz em casa okupa na Espanha ‖Construyendo Autogestion‖. foto: Sergio López

Na Espanha o movimento de ocupações de casas abandonadas tem um significativo crescimento na década de 1960 e 70, como forma de solução para a grande demanda gerada pela migração campo-cidade. Na década de 1980 surge o movimento de okupación, a imagem e semelhança dos squatters ingleses. Para esse movimento, a diferença entre ocupar e oKupar reside no caráter político dessa ultima ação. Onde a ocupação de um imóvel não é só uma saída para a questão da habitação daquelas pessoas que o ocupam, mas também um meio de denunciar as dificuldades de acesso à casa própria, agregando assim, toda a questão política que envolve o direito à moradia. Na Inglaterra, os movimentos sociais que lutam por moradia digna e de acesso universal à mesma são conhecidos como Squatting. Esse é o termo usado para o ato de ocupar um espaço ou edificação abandonada ou desocupada, no qual o squatter (pessoa que ocupa) não é o dono oficial, nem paga aluguel ou tem sequer permissão para ocupar. O Ato de Squatting é mais comum em áreas urbanas do que em áreas rurais.


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Vista de famosa casa ocupada desde o PARC GÜELL, Barcelona foto: Mick Stephenson

Fonte: El país,15 de maio de 2008

Na Espanha o movimento de ocupações de casas abandonadas tem um significativo crescimento na década de 1960 e 70, como forma de solução para a grande demanda gerada pela migração campo-cidade. Na década de 1980 surge o movimento de okupación, a imagem e semelhança dos squatters ingleses.

Fonte: EL PAIS. Imagem: Santiago Carreguí. 14-09-2003

Foto de Matías Sapegno. Disponível no Blog do autor

Para esse movimento, a diferença entre ocupar e oKupar reside no caráter político dessa ultima ação. Onde a ocupação de um imóvel não é só uma saída para a questão da habitação daquelas pessoas que o ocupam, mas também um meio de denunciar as dificuldades de acesso à casa própria, agregando assim, toda a questão política que envolve o direito à moradia.


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Fonte: El país, 09 de dez. de 2006 1.

Fonte: El país,12 de nov. de 2006

Na Espanha a palavra Okupa já está popularizada pela imprensa e já é bastante reconhecida academicamente, inclusive nos dicionários bilíngues (inglês espanhol), onde é traduzida para squat. A mesma palavra serve para os demais idiomas falados no país: catalão, euskera, gallego. E ganha suas variações: okupa, okupación, okupado, okupaciones. Apesar da imprensa espanhola falar em "movimiento okupa", muitas pessoas que atuam nessa questão afirmam que não existe tal movimento e sim, uma multiplicidade de processos de okupación que não estão necessariamente relacionados. Por isso, é preferível falar de movimiento de okupaciones, ou ainda, movimiento de los centros sociales. Muitas vezes se usa a expressão ―centros sociales‖ para definir casas okupas. Isso se dá porque muitas ocupações são realizadas por jovens e têm como um dos focos


75

principais, servir de espaço de troca de ideias e de interação social, promovendo assim, seminários, cursos, atividades esportivas, culturais e festas. A palavra okupa, usada para definir a pessoa que vive em uma okupación, é má vista por muitos dos atores envolvidos, pois dá a ideia de existir uma tribo urbana que se utiliza de casas abandonadas para morar, mascarando assim a real motivação desse movimento, que busca por moradia e por espaços de socialização, com intuito de denunciar a especulação imobiliária.

Casa Vrankrijk, Amsterdam. (autor: desconhecido)

Casa de Raad‘s, Holanda .(autor: desconhecido)

Casa ocupada em Oranienburger Strasse, Berlin (autor: desconhecido)

C.O.A.T. 28,Milão (autor: desconhecido)

Muitas entidades acadêmicas apoiam a causa okupa e agregam conhecimentos que respaldam e subsidiam debates em prol de moradias mais acessíveis à população. Como exemplo, tive contato com o Taller VIU (Taller contra Violência Inmobiliaria y Urbanística), através de palestras e do livro “el cielo esta enladrillado - entre el mobbing y la violência inmobiliaria y urbanística‖ que trata explicitamente da


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especulação imobiliária, dos planos urbanísticos implementados na Espanha e de como isso gera o aumento dos preços de compra e aluguel de casas, excluindo a população de baixa renda do direito a cidade. Em outros países esse movimento também tem suas formas: na Itália se chama C.S.O.A - Centro Sociale Occupato Autogestito, já na Argentina em toma de casas.

Bicicletário em uma okupación fonte: www.elpais.com - foto: Navia -19-01-2007

Fachada de uma okupación - fonte:elpais.comfoto: Jordi Roviralta - 09-12-2006

Cartaz de cursos e oficinas em uma okupación foto: Andrea Alvarez

Show aberto para visitantes em uma okupación fonte: www.elpais.com - foto: Marcel Sàenz - 1708-2006

Pelo que pude perceber na Europa, grande parte das pessoas que participam dessas ocupações são jovens que protestam contra os altos preços dos imóveis, que há décadas atrás eram mais acessíveis. Contudo, hoje, na Europa, esses grupos muitas vezes são formados por: imigrantes que saem de países do dito terceiro mundo visando buscar trabalho que ofereça melhores salários; jovens com


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baixos salários (muitas vezes universitários que trabalham somente meio período); jovens casais, que querem sair da casas dos pais Casa ocupada em Oranienburger Strasse, Berlin e começar uma vida juntos; artistas que não possuem uma renda fixa, e por isso não podem obter um financiamento; jovens Anarquistas e/ou punks que por ideologia são contra a sociedade capitalista. Os movimentos organizados europeus muitas vezes se reúnem num protesto único. Porém, me parece que em nenhum país a ocupação de edifícios abandonados é feita por um movimento central, e sim por diversos grupos que, em geral, possuem ideologias semelhantes e um objetivo comum: que todos tenham acesso à moradia! Porém, é necessário registrar que existem muitas divergências e diversas diferenças na atuação de cada grupo.

3.2

Habitação e Movimentos Sociais no Brasil:

Existem hoje no Brasil inúmeros grupos e organizações que lutam pelo direito a moradia e pela reforma urbana. Acredito que nessa militância podem ser identificadas três possíveis tipos de campos na luta pelo espaço empreendida por tais grupos, abaixo indicados: 

Campo Político - Grupos envolvidos na luta pelos direitos, vinculados aos fóruns de discussões e debates, tais como, associações de moradores, movimentos pela moradia, entre outros;

Campo Técnico - Organizações que auxiliam e dão suporte técnico para grupos sociais organizados (em especial, para associações de moradores), tais como ONGs, grupos técnicos localizados nas universidades, entre outros;

Campo Social - Grupos sociais que se mobilizam e servem de apoio à população, podendo até, em alguns casos, coordenar a atuação em uma ocupação.

Vale ressaltar que, de certa forma, os atores envolvidos nesse tipo de luta atuam e participam simultaneamente de todos esses campos, priorizando sua luta em um deles. Muitas vezes, dentro de uma mesma entidade, há uma superposição de tipos de campo de atuação. Normalmente, entidades atuantes no campo político estão


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intimamente associadas a um ou até mesmo dos dois outros campos. Assim sendo, os fóruns de discussões e debates possuem representantes dos grupos sociais e das organizações de suporte técnico, tal como ocorre, por exemplo, no Fórum Nacional de Luta pela Reforma Urbana e nas Conferencia das Cidades. Um exemplo de entidade, próximo ao universo dos arquitetos e urbanistas, com foco na questão política é a Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – FeNEA, e a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – FNA. Como exemplos de entidades focadas no campo político e também no técnico estão: a Fase - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, Fundação Bento Rubião e o NEPHU-UFF – Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanísticos. Já a CMP - Central de Movimentos Populares e a MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia são exemplos de entidades focadas no campo Social e também no campo político. No presente estudo, enfatizo a atuação das entidades ligadas ao campo social, comumente chamadas de movimentos sociais, já que estes atuam diretamente no surgimento das ocupações de edifícios públicos na área central do Rio de Janeiro, tema deste trabalho. Bem como ocorre no caso do ―movimiento okupa‖ espanhol, aqui no Brasil, diferente do que aparece na mídia formal, o ―movimento dos sem-teto‖, o qual os jornais, televisões e revistas habitualmente assim nomeiam, não pode ser caracterizada por um só grupo, nem por um só nome. Diversas vezes, as ações não oriundas do MTST (Movimento dos trabalhadores Sem-teto) são atribuídas ao dito ―Movimento dos Sem-teto‖. Desta forma, a tendência da mídia é generalizar, não dando

destaque

aos

reais

acontecimentos

levados

pelos

grupos

sociais

organizados. No decorrer do presente trabalho citarei alguns desses grupos. Para tanto, neste capítulo dedico um espaço para uma breve exposição de alguns movimentos sociais que atuam, há algum tempo, na luta pela moradia e pela democratização do espaço urbano brasileiro. Selecionei dois desses movimentos, com os quais tive contato pessoal e direto, para ampliar a analise na parte II- Diagnóstico dos atores. São eles:


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CMP - Central de Movimentos Populares e MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia Para contextualizar a criação de grande parte desses movimentos é necessário voltar um pouco na história brasileira, já que muitos têm como base da sua formação a forte articulação política de meados do século XX. Na década de 1970 e no inicio da década de 80, anos de Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), muitos movimentos estavam vinculados à Comissão Pastoral da Terra, CPT, da Igreja Católica, porque, segundo Lourdes (coordenadora do MNLM), naquela época ―só se conseguia fazer movimento nas barras da saia da Igreja Católica (...) A igreja, nessa época, foi base para a criação dos movimentos‖. Segundo relatos de atores do movimento social, após o fim da Ditadura, a Igreja Católica auxiliou, juntamente com o Partido dos Trabalhadores (PT - criado no dia 10 de fevereiro de 1980), a criar uma articulação nacional chamada Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais – ANAMPOS, destinada a congregar, em caráter suprapartidário, militantes e entidades identificadas com as aspirações libertárias expressas na prática pastoral das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, e na Carta de Princípios do PT (1980). Assim, a ANAMPOS começou a ser criada em 1980, com o objetivo de articular a classe trabalhadora do campo e da cidade. Da ANAMPOS surge como força sindical a Central Única dos Trabalhadores, CUT, em agosto de 1983, e como força dos movimentos sociais, a Central de Movimentos Populares, CMP) criada 10 anos depois (1993). Alguns movimentos ligados diretamente à questão da terra urbana têm data de fundação um pouco tardia (sendo institucionalizado somente na década de 1990), porque no período logo após a Ditadura parte considerável dos militantes estava envolvida no processo de: eleições diretas para presidente; Assembleia Nacional Constituinte assim como na elaboração da Constituição. É importante ressaltar que, segundo relato de militantes, muitos deles já se organizavam em comitês constituintes, para reivindicar o direito a moradia. Feito esse breve apanhado histórico, aponto agora, os movimentos presentes na cidade do Rio de Janeiro dos quais mais ouvi falar ao longo do processo de elaboração deste trabalho. Provavelmente, haverá entidades e movimentos sociais


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de importância também relevante que aqui não serão citados. Deixo então claro que não houve uma seleção ou nenhum tipo de exclusão dos mesmos, mas sim, o desconhecimento e a possível falta de contato com eles. Os aqui apresentados serão ordenados em ordem cronológica, seguindo o ano da sua fundação. Os que não consegui obter informações sobre a fundação serão apresentados ao final.

CONAM - Confederação Nacional das Associações de Moradores A Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM) foi fundada no dia 17 de janeiro de 1982. Têm como seu papel organizar as federações estaduais, uniões municipais e associações comunitárias, entidades de bairro e similares. Defende a universalização da qualidade de vida, com especial atenção às questões do direito a cidades, incluindo além da luta pela moradia digna, saúde, transporte, educação, meio ambiente, trabalho, igualdade de gênero e raça e democratização em todos os níveis. Atualmente, a CONAM congrega mais de 550 Entidades Municipais e 22 federações estaduais, marcando presença em 23 estados da Federação e no Distrito Federal. Está associada compondo, inclusive, a diretoria executiva da Frente Continental de Las Organizaciones Comunales, FCOC, que reúne as entidades comunitárias do continente americano. ―A Confederação Nacional de Associação de Moradores, CONAM, foi fundada em 1982,

fruto

desse

rico

redemocratização do País.‖

período

de

mobilização

popular

41

Ícone da CONAN Fonte: https://conam.org.br/

Ícone da CMP. Fonte: https://cmpbrasil.org/

41

Citação retirada do site do Portal Vermelho:

http://www.vermelho.org.br/pcdob/secretarias/movimentos/part_movimentos4.asp

no

período

da


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CMP - Central de Movimentos Populares Conforme já mencionado, no final da década de 1980, no seu 8º Congresso, a ANAMPOS (Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais) foi dissolvida, dando lugar à CUT e a Comissão pró-Central de Movimentos Populares. Em outubro de 1993, finalmente, foi realizado o Congresso de fundação da CMP, em São Bernardo do Campo. Sendo assim, a CMP, nasceu para ser uma entidade de representação de vários movimentos populares se configurando como espaço de articulação e debate de diversos coletivos de luta popular. Aos poucos foi incorporando novos eixos de luta, conforme documento interno da referida Central: Desde os primeiros eixos políticos definidos pelo Congresso de Fundação da CMP, Direitos Humanos e Cidadania, acrescentados no I Congresso, em 1996, por Reforma Agrária e Reforma Urbana, até a consolidação do eixo Políticas Públicas com Participação Popular (II e III Congressos, em 1999 e 2003, respectivamente), o funcionamento da CMP propiciou um imenso aprendizado para dirigentes e para a base do movimento popular, que foram aprendendo a construir eixos de mobilização unitários que dessem conta de criar poder de imenso aprendizado para dirigentes e para a base do movimento popular, que foram aprendendo a construir eixos de mobilização unitários que dessem conta de criar poder de aglutinação semelhante ao criado pelo eixo tático dos sindicatos (melhores salários) ou dos movimentos sociais do campo (luta pela terra). (trecho do texto CMP: na Luta por Políticas Públicas e pelo Socialismo, cedido por Marcelo Edmundo) Caracteriza-se

como

organização

estratégica

do

movimento

popular

no

enfrentamento do capitalismo, se propondo a aglutinar os movimentos populares urbanos para enfrentar a onda neoliberal, buscando a construção de uma sociedade sem exploradores e sem explorados. Na sua organização interna, ela é dividida por setoriais temáticos (violência, moradia, jovens, mulheres e etc.). Atualmente a CMP atua em 15 Estados e os movimentos populares em torno da Central são variados, indo desde ONGs de mulheres, movimentos de negros, moradia e comunitários, passando pelos movimentos culturais, de rádios comunitárias, indígenas e ecológicos, dentre outros, propondo diretrizes gerais para


82

as lutas a serem travadas em cada momento específico, bem como colaborar com a construção de um projeto político popular para a transformação da sociedade. A dita Central hoje está vinculada e atua em conjunto com a Federação Continental de Organizações Continentais (FFCCOC), e participa ativamente do Fórum Nacional de Reforma Urbana e Conselho Nacional das Cidades. No setor de moradia, o maior movimento vinculado a CMP, nível Federal, é a UNMP (União Nacional de Moradia Popular), explicitada a seguir. Contudo, nos anos 1990, também congregava o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), explicitado mais a frente.

Evento da CMP Fonte: https://cmpbrasil.org/

Logo da UNMP. Fonte: www.unmp.org.br /

UNMP - União Nacional Por Moradia Popular Segundo consta do seu site42, a UNMP iniciou sua articulação em 1989, consolidando-se a partir do processo de coletas de assinaturas para o primeiro Projeto de Lei de iniciativa popular que criou o Sistema, o Fundo e o Conselho Nacional por Moradia Popular no Brasil. Sua forma de organização tem uma forte influência da metodologia das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), de onde se originam grandes partes de suas lideranças. Trabalham com grupos de base nas regiões metropolitanas e se articulam regionalmente nos principais polos dos estados, tendo representação e atuação em 19 Estados brasileiros. 42

De todos os movimentos estudados, a UNMP se destaca por dispor facilmente informações sobre sua organização na internet. Seu site é bastante completo, lá podem ser encontradas, informações básicas sobre o dito movimento, bem como noticias de jornais, explicações sobre as atividades implementadas, agenda de lutas, legislações habitacionais e urbanas, material de apoio aos movimentos entre outros. Tudo pelo link: http://www.unmp.org.br/


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Caracteriza-se também por defender sempre a proposta autogestionária, o direito à moradia e à cidade e a participação popular nas políticas públicas e por ser radicalmente contra os despejos. Atua fortemente no âmbito político, tendo elegido 6 titulares e 5 suplentes para o Conselho Nacional das Cidades para o período 20082010. Segundo site da filial da UNMP da Bahia43 a grande capacidade de mobilização que caracteriza o movimento representa um real potencial de ação, já que, nos últimos 10 anos 30.000 unidades puderam ser construídas para e com os habitantes de bairros populares. Possuem filiações e parcerias com diversas outras entidades, incluindo a CMP, a participação no FNRU (Fórum Nacional de Reforma Urbana) e na Coalizão Internacional do Habitat (HIC). Suas instancias no nível estadual por vezes não segue o padrão da sigla UNMP-XY (XY=sigla do estado), havendo assim variações como: UMM – União dos Movimentos de Moradia (como por exemplo, a UMM-SP e a UMM-AL), UMP - União por Moradia Popular (cujas ramificações estaduais são representadas pelas siglas UMP-PR e UMP-BA, por exemplo), entre outros. Na cidade do Rio de Janeiro a instância da UNMP estadual, intitulada UMP-RJ, possui forte atuação, apesar de no momento não atuar diretamente em ocupações de edifícios em áreas centrais. Em 2007, lutaram pelo acesso direto aos recursos do FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), que deve se concretizar em 2008, contando com o qualificado apoio técnico da Fundação Bento Rubião.

MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia Tem origem relacionada às ocupações de áreas e conjuntos urbanos que surgiram a partir da década de 1980 através das seguintes ações: realização do I Seminário Nacional Popular promovido pela CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil) e a Emenda Popular da Reforma Urbana apresentada pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana durante o processo de elaboração da atual Constituição Brasileira. 43

http://ba.unmp.org.br


84

O MNLM foi oficializado em julho de 1990 no primeiro Encontro Nacional do Movimento realizado em Goiânia, tendo sido fundado oficialmente em 1992. Desde a década de 1990 já tem a proposta de buscar acabar com o déficit habitacional, através do estímulo à organização e articulação nacional dos movimentos de luta pela moradia, desenvolvidos pelos sem-teto, inquilinos, mutuários e ocupantes, unificando suas lutas pela conquista da moradia e o direito fundamental a Cidade. Hoje o MNLM está presente em 16 estados, tem como principal eixo de luta a Reforma Urbana e faz parte do Fórum Nacional de Reforma Urbana. O movimento luta não apenas pela questão da moradia, mas sim de todo o seu contexto: educação, saúde, economia, trabalho, comunicação, meio ambiente, mobilidade urbana, relações humanas, etc. Propomos discutir e construir cidades democráticas, participativas, sustentáveis e que respeite as diversidades. Em alguns dos estados brasileiros, as coordenações estaduais do MNLM, bem como no Rio de Janeiro, também já fizeram ocupações em edifícios abandonados, um conhecido caso é o da Ocupação 20 de Novembro em Porto Alegre44. Por um tempo, ficou pouco ativo no estado do Rio de Janeiro, mas hoje, retoma sua articulação com força, devido à bem sucedida ―Ocupação Manuel Congo‖ que será o objeto de estudo do presente trabalho. Assim, mais informações sobre tal movimento serão passadas ao longo do presente trabalho.

Logo do MNLM. Fonte: https://lutapelamoradia.wordpress.com/2010/07/28/mnlm/

44

Para mais informações, uma boa fonte são os vídeos com depoimentos sobre a ocupação disponíveis no site You Tube, pelos link: http://www.youtube.com/watch?v=Z3F1ZO1oreY&feature=related e http://www.youtube.com/watch?v=_wj2ewPfCg8&NR=1


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MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto Segundo o site oficial do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST surgiu, no final da década de 1990, com o compromisso de lutar, ao lado dos excluídos urbanos, contra a lógica perversa das metrópoles brasileiras: sobram terra e habitações, falta moradia. Sendo assim, tem como um dos seus objetivos ―combater a máquina de produção de miséria nos centros urbanos‖. Para isso, se organizam visando a ocupação de terra urbana tendo como principal forma de ação do movimento o trabalho de organização popular. Para alguns militantes cariocas a sigla MTST surgiu impulsionado pelo MST. Segundo eles, na verdade, não existe organização do MTST no Rio de Janeiro, apesar de existir fortemente em São Paulo e em Pernambuco. Fui informada, inclusive, de que aqui no Rio de Janeiro há um grupo de pessoas, que foram expulsas de outras entidades, por condutas duvidosas e se aproveitam dessa lacuna, para se auto intitular como representantes do MTST- RJ se aproveitavam assim, do movimento para ganhar espaço em questões políticas, eleitorais e até visando dinheiro com venda de espaços pós-ocupação, etc.

CMS - Coordenação dos Movimentos Sociais Segundo o site da CUT45, a CMS foi criada em abril de 2003, organizada por diversos movimentos tais como a MMM (Marcha Mundial das Mulheres), o MST (Movimentos dos Sem-Terra), a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a CMP (Central dos Movimentos Populares), CONAM (Confederação Nacional das Associações de Moradores), ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), UNE (União Nacional dos Estudantes), movimentos envolvidos com a luta pela moradia, estudantil, de desempregados, pastorais e diversos sindicatos. É um espaço de convergência, de construção de unidade e de reflexão entre os mais diferentes movimentos e formas organizativas do povo brasileiro.

45

Mais informações disponíveis no link: http://www.cut.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=cms


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FLP - Frente de luta popular Segundo relatos de moradores das ocupações de significativa importância na área central do Rio de Janeiro, a Frente de Luta Popular tem uma forte atuação na luta pelo direito à moradia. Diversas vezes na minha pesquisa essa entidade se fez notar na divulgação de informações sobre as ocupações e no apoio as mesmas. Portanto, logo no inicio da minha pesquisa enviei um e-mail pedindo informações, tentando estabelecer um contato com a FLP. Por via de relatos de outros atores, sei que mensagem eletrônica que enviei chegou ao conhecimento de militantes de tal organização, porém, infelizmente, não recebi nenhuma resposta. Ainda assim, considero importante registrar aqui a importância da luta desse movimento nas ocupações de edifícios públicos na área central, mas não me acho no direito de tecer nenhum outro comentário sobre a Frente de Luta Popular.

FIST – Frente Internacionalista dos Sem Teto Segundo artigo publicado no site da editora A Faísca Publicações Libertárias 46 a Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST) foi fundada em 2005 pela Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), juntamente com a Liga dos Comunistas Sem Partido (LCSP) e representantes de algumas ocupações que se aliaram na época da criação desse movimento. São elas: Olga Benário, Vila da Conquista, Poeta Xynayba e Nelson Faria Marinho. O objetivo da FIST é ―dar mais força à luta por moradia no Rio de Janeiro, fugindo dos partidos políticos, das ONGs, da Igreja, do crime organizado e dos aproveitadores de todos os tipos‖, conforme explicitado nos ditos sites. Para tal, foram estabelecidos princípios éticos e morais mínimos para a convivência, articulação política e organização das lutas do movimento de ocupações do Rio de Janeiro. Além disso, o respaldo jurídico às ocupações também acabou constituindo um de seus fortes pilares.

46

Mais informações disponíveis no link: http://www.editorafaisca.net/fistjb.htm


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Em dezembro de 2007 a FARJ publicou no site anarkismo.net.48 um texto escrito pelo editorial do Libera47 comunicando a sua saída da FIST, argumentando que: Para nós, foi ficando cada vez mais claro que o papel desempenhado pela LCSP dentro da FIST, atribuindo demasiada ênfase em seus aspectos jurídicos, estava complicando nossos objetivos de politizar as ocupações, trazer visão de longo prazo, estimular a solidariedade e a associação para luta. (...) A ênfase no jurídico estava despolitizando as ocupações, gerando líderes ―messiânicos‖ – visto que o advogado não era mais um, mas era o único capaz de levar a ocupação à ―redenção‖. Ao invés de proporcionar experiências pedagógicas, mostrando aos explorados que o poder está no povo, e não fora dele, estas situações estimulavam o contrário. Atualmente a FIST, não possui mais ligações diretas com nenhuma das ocupações que conheci no centro do Rio de Janeiro. A FARJ, no entanto, continua apoiando algumas delas. Contudo, há informações espalhadas por sites na internet que indicam que a FIST coordena hoje 8 ocupações na cidade do Rio de Janeiro, e o detalhamento dessa questão não se encaixa nos limites deste trabalho. Além desse rompimento com a FARJ, o longo desta pesquisa, se pôde perceber a existência de outros conflitos envolvendo a referida organização.

Nas próximas páginas se inicia a Parte II do presente trabalho, de título diagnóstico de atores. Nesta, constam as entrevistas com alguns dos atores mencionados nesse capítulo, a saber: Fundação Bento Rubião; NEPHU-UFF – Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanísticos; CMP - Central de Movimentos Populares e MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia.

47

Mais informações disponíveis no link: http://www.anarkismo.net/newswire.php?story_id=7100 Libera é o informativo da FARJ, cujos exemplares estão disponíveis pra download no site da FARJ http://www.farj.org/


88


89

PARTE II: Diagnostico e avaliação de atores envolvidos no tema


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PARTE II: Diagnostico e avaliação de atores envolvidos no tema Para esta etapa, foi necessário conhecer os grupos e as pessoas que têm atuado na luta pela habitação no centro da cidade do Rio de Janeiro. A partir desse movimento, foi possível traçar quais são os principais órgãos e atores envolvidos com a temática aqui tratada. Cada contato realizado com pessoas comprometidas com esse tipo de luta, indicou, pelo menos, mais duas outras, o que enriqueceu bastante a pesquisa. Nesse sentido, consegui contatar diferentes pessoas e/ou grupos sociais. Contudo, é importante esclarecer que devido à restrição de tempo, tornou-se impossível entrevistar a totalidade dos grupos e/ou pessoas indicadas. Tal impossibilidade fez com que do ponto de vista metodológico, se realizasse a seleção de alguns dos principais representantes que têm tratado/atuado na questão, e que pudessem prover diferentes pontos de vista sobre ela. Nesse sentido, vale destacar que ao todo, foram realizadas nove entrevistas durante o período entre 24 de abril e 23 de maio de 2008. Além delas, a busca de informações no site do Ministério das Cidades, revelou-se bastante profícua neste trabalho. Os atores diagnosticados foram: Sigla

Entidade ou órgão:

Entrevistado

CMP

Central de Movimentos Populares

Marcelo Braga Edmundo

MNPL

Movimento Nacional de Luta pela Moradia

Maria de Lourdes Lopes

MCidades

Ministério das Cidades

Pesquisa em Site

CEF

Caixa Econômica Federal

Christiano Benedicto Otoni

CEHAH

Companhia Estadual de Habitação

Tiago Franco Fontes

SMH

Secretaria Municipal do Habitat (Novas Alternativas)

Ahmed Nazih M. Heloui

ITERJ

Instituto de Terras e Cartografia do Estado do RJ

Célia Ravero Schargrodsky

SINDUSCO Sindicato da Indústria da Construção Civil no N RJ -

Fundação Bento Rubião

NEPHU- Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e UFF Urbanísticos

Jackson Pereira Ricardo de Gouvêa Correa Regina Bienenstein


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Primeiramente, acho válido fazer uma introdução sobre cada ator para, posteriormente, empreender uma comparação entre as suas ideias e ações. Deixo claro que as entrevistas foram realizadas pessoalmente assim como foram gravadas. Vale, contudo, destacar que em alguns casos/momentos me foi pedido para não gravar, ou não usar algumas falas no presente trabalho, requerimentos esses que foram respeitados neste trabalho. Algumas entrevistas foram conversas, que duraram mais de duas horas. Portanto, o que explicito aqui é uma edição das mesmas, com as falas que para mim foram as mais relevantes. Em alguns momentos busquei também dados em sites oficiais dos atores para complementar a descrição de cada um deles. Vale também ressaltar que concentrei mais tempo naqueles atores que se qualificam como promotores de habitação, a saber: Ministério das Cidades, Companhia Estadual de Habitação, Secretaria Municipal do Habitat (Novas Alternativas) e Sindicato da Indústria da Construção Civil - SINDUSCON–RJ, uma vez que tais atores possuem projetos e programas que deverão ser explicados para que se entenda melhor seu papel na questão da habitação no centro do Rio de Janeiro. Finalmente, cabe esclarecer que os resultados da pesquisa são apresentados a partir dos órgãos públicos, segundo a sua escala de abrangência, seguidos dos movimentos populares e, ao fim, os demais envolvidos (SINDUSCON–RJ, NEPHUUFF e Fundação Bento Rubião).


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4 Órgãos públicos e suas ações. 4.1

O Ministério das Cidades:

O Ministério das Cidades foi instituído em 1º de janeiro de 2003, através da Medida Provisória nº 103, depois convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio do mesmo ano. Sua criação foi uma conquista que teve com um dos principais responsáveis uma parcela especial do movimento social formado por profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs, intelectuais, pesquisadores e professores universitários. Segundo Álvaro Rocha Venino (2008),48 este Ministério constitui um fato inovador nas políticas urbanas, na medida em que supera o recorte setorial da habitação, do saneamento e dos transportes (mobilidade) e trânsito para integrá-los levando em consideração o uso e a ocupação do solo. Para o presente trabalho, o Ministério das Cidades é um ator de especial importância, porque é quem dita as principais regras das políticas de habitação a serem usadas no País. Desta maneira, influencia de forma estrutural as ações públicas aplicadas no centro da cidade do Rio de Janeiro, área aqui tratada. Destaco um programa do MCidades que será recorrentemente citado neste trabalho: O Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, que visa primordialmente promover a habitação social nas áreas centrais com intuito de favorecer a melhoria da qualidade de vida da população e democratizar o acesso à cidade. O Ministério admite que o processo de degradação e esvaziamentos e as características dos centros urbanos possuem diversas causas, mas, aponta que alguns fenômenos se repetem por todo o Brasil, como, por exemplo: 

Existência de imóveis vazios e subutilizados;

Degradação do patrimônio histórico e ambiental;

Precariedade habitacional; êxodo populacional;

Envelhecimento da população residente;

Concentração de comércio ambulante;

Transferência de atividades produtivas para áreas novas localidades;

Degradação do espaço público, utilização da área restrita aos períodos diurnos.

48

Em texto sobre o ministério das cidades, no site do mesmo, atualizado em 24/03/2008.


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Para o MCidades a eleição, sobretudo pelo mercado imobiliário, de novas centralidades constituídas a partir de políticas de provisão habitacional baseada exclusivamente em novas edificações, em detrimento da recuperação do estoque construído, foi um dos fatores determinantes para o esvaziamento dos centros. E outros fatores tão importante quanto esse estão ligados ao discurso da segurança, da modernidade presente nas novas áreas, à adaptação tecnológica, à visão do automóvel como meio de acesso exclusivo às áreas nobres da cidade, etc. Sendo assim, a mancha urbana se estende em direção às periferias, tanto para abrigar o assentamento da população de baixa renda, quanto em direção às novas áreas de expansão imobiliária para abrigar os setores de alta renda nos condomínios fechados. Segundo PAIVA (2006), o Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais49 trabalha em três principais frentes: apoio direto através de recursos financeiros, disponibilização de imóveis públicos e coordenação setorial e fomento às ações federativas. Com recursos da União, disponibilizados a fundo perdido, tal Programa apoia Estados e Municípios em duas ações: Apoio à elaboração de planos de reabilitação de áreas urbanas centrais e apoio a projetos de infraestrutura e requalificação de espaços de uso público em áreas centrais. Para a primeira ação os recursos devem ser solicitados diretamente ao Ministério das Cidades, através de processo público de seleção. Já a segunda ação tem tido seus recursos definidos através de emendas parlamentares. Outra atribuição do Programa diz respeito aos imóveis vazios ou subtilizados. Seguindo a lógica já colocada pela Lei nº.11.481 de 31 de maio de 2007, que prevê medidas voltadas a regularização fundiária em imóveis da união, na perspectiva de fazer cumprir a função social da terra urbana, o Ministério das Cidades assinou convênios com a RFFSA(Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima) e o INSS(Instituto Nacional do Seguro Social) e vem trabalhando conjuntamente com a Secretaria do Patrimônio da União – SPU para permitir a alienação de terrenos e imóveis públicos, vazios e subutilizados, para viabilizar as ações do supracitado Programa. Esses imóveis poderão ser utilizados para fins habitacionais e/ou outros usos previstos nos Planos Municipais de Reabilitação.

49

Publicado no site do Ministério das Cidades, de autoria de Arquimedes Belo Paiva, atualizado dia 21/01/2008.


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Conforme noticiado pela Agência Brasil em 4/4/2008, o Ministro das Cidades, Márcio Fortes, defende a destinação de prédios públicos vazios às famílias de baixa renda ao se tornarem áreas de interesse social. Segundo ele: ―Revitalizar significa evitar o vazio que nós encontramos no centro das cidades, nos fins de semana, à noite. São áreas comerciais durante o dia e à noite são vazias, quando há muitos prédios públicos que podem ser transformados, se não utilizados, em áreas de interesse social‖. Percebe-se que o Programa foi pensado para destinar muitos dos edifícios desocupados para famílias com renda de zero a três salários mínimos (maioria do déficit habitacional). Conforme Raquel Rolnik (2006),50 desta forma: ―a política pública cuidaria de incluir esta parcela da população na cidade formal, levando-a a habitar uma região consolidada, provida de toda infraestrutura e mais próxima de locais de trabalho. Além disso, diminuiria a pressão pela expansão das fronteiras urbanas, a expansão infinita da não-cidade.‖ (ROLNIK, 2006).

Em artigo que consta do portal Vitruvio, Raquel Rolnik (2006) reafirma seu posicionamento a favor da habitação social no centro: Reabilitar os centros, segundo a estratégia de ampliar o espaço de urbanidade para todos, é, como sabemos, desafio de enorme complexidade. Entre outros fatores, porque não há solução possível que não rompa com a cultura corporativista dos vários entes públicos envolvidos na região (o ―porto‖, o ―patrimônio‖, o Estado, o município, a empresa ferroviária, a União, entre outros), naquela eterna luta entre órgãos setoriais e entes da Federação pelo controle e gestão do ―público‖. Significa romper o paradigma de que requalificar é sinônimo de excluir qualquer traço da presença dos mais pobres – a não ser como garçons, porteiros ou artistas envolvidos em espetáculos que compõem o cenário, pessoas que evidentemente viverão bem longe dali, em alguma favela ou periferia precária. (ROLNIK, 2006)

Além disso, o Programa integra as ações de cinco ministérios, com objetivos e diretrizes pactuados no território central de diversas cidades. Coordenados pelo Ministério das Cidades, responsável pelo Programa, estão envolvidos os Ministérios do Turismo, Cultura, Planejamento e Transportes, além da Caixa Econômica Federal. Tal articulação interministerial é reproduzida na esfera local e, em seguida, são realizados esforços para pactuar entre os entes públicos as diretrizes e os objetivos que passam a nortear o trabalho de todos, num mesmo território. Esses 50

ROLNIK, Raquel. Um novo lugar para o velho centro [ano 6, vol. 11, jun. 2006, p. 164] .Portal Vitruvio, Editorial Minha Cidade. Disponível no link: http://vitruvio.com.br/minhacidade/mc164/mc164.asp


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pactos vêm sendo instituídos através de Acordos de Cooperação Técnica e Convênios, com a instituição de Grupos Executores e seus fóruns temáticos.

4.2

A Caixa Econômica Federal (CEF):

A Caixa, como é informalmente conhecida, é um órgão publico que gerência grande parte dos investimentos do Estado para habitação, já que em 1986 incorporou o papel de agente operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), antes gerido pelo extinto BNH (Banco Nacional da Habitação). Ela está subordinada ao Governo Federal que é quem cria e dita as normas dos diversos programas para habitação popular disponíveis. O entrevistado na CEF foi o Sr. Christiano Benedicto Otoni, supervisor de vários programas para habitação (entre eles os que envolvem a questão da reabilitação da área central). Segundo ele: A Caixa não cria as regras, ela cumpre requisitos que lhe são impostos, por exemplo, no FGTS existe um conselho curador que dá todas as diretrizes de como esse recurso vai ser aplicado e quais as garantias que a Caixa tem que exigir para esse recurso ser retornado, que seja bem aplicado e que corra o mínimo de risco de não retornar para futuras aplicações. (...) Como é um recurso publico tem-se que ter a garantia da boa aplicação do recurso. E muitas vezes somos mal entendidos por isso. (Christiano Otoni, em entrevista gravada)

Conforme declarou, a CEF sabe que há muitas queixas, especialmente por parte dos movimentos populares e das entidades de assistência técnica popular (ONG‘s, fundações, etc.), com relação ao excesso de burocracia que a Caixa exige a empreendimentos populares. Contudo, explicou que essas exigências, em sua maioria, não partem diretamente dos funcionários da Caixa no Rio de Janeiro. Nem sempre as pessoas que estão nos gabinetes em Brasília têm a experiência do pé no chão, do contato com a população, e isso a gente percebe claramente (...) Nós que estamos mais na ponta, com contato com as pessoas, conseguimos ver a dificuldade das pessoas em cumprir as exigências. (Christiano Otoni, em entrevista gravada).

Ele ainda afirmou que há sim uma explicação para esse grande rigor. Conta que na década de 1980, em alguns dos empreendimentos habitacionais para classe de


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renda mais baixa, houve descuido no que diz respeito às exigências de aplicação das verbas, que acabaram por ser mal aproveitadas, ou até mesmo perdidas. Portanto, ele explicita que ―Esses fatos ainda contaminam o próprio processo do financiamento habitacional.‖ Christiano ainda tem clareza de que ―O formal quer que o informal se adapte a todas as regras do formal.‖ E concorda que o problema da falta de moradia para a população de até 3 salários mínimos é uma questão emergencial e que deveria ser tratado como tal. Deveria sim haver uma flexibilização, deveria haver uma diferenciação no nível de exigência conforme a faixa de renda. Mas, isso não deveria partir unicamente da Caixa, teria que haver um compartilhamento de correr risco. Tem determinadas situações que são tão emergenciais que vale a pena correr risco. (...) Até porque, tem a questão da contra partida social, que vale a pena, correr risco. Uma coisa é não correr riscos para a construção de um prédio de milhões na Viera Souto, mas não pode querer o mesmo grau de exigências para o caso do déficit de habitação. (...) Na minha opinião pessoal, tinha que compatibilizar o nível das exigências com as características da população, mas, isso deveria partir de uma instancia maior. (Christiano Otoni, em entrevista gravada).

Indagado se a CEF só supervisionava os programas financeiros ou se atuavam também na busca por imóveis que poderiam servir para habitação popular, ele respondeu que a Caixa nunca foi a campo e que somente possui dados daquilo que o Estado lhe demandou algum tipo de avaliação. Ele afirmou ainda que acha que falta na CEF uma atuação desse gênero, e que acha que essa ação seria exequível e viável. ―A Caixa até poderia ter e deveria ter essa atuação, digamos assim, proativa nessa questão da identificação e prospecção de focos de atuação no próprio desenvolvimento urbano. Ela vai muito a reboque dos outros órgãos.‖ A Caixa Econômica Federal hoje trabalha com vários programas financeiros voltados para habitação de diversas faixas de renda. Dos programas para beneficiar famílias de até três salários mínimos, muitos estão voltados para a construção de novos conjuntos habitacionais em terrenos livre (fora do centro da cidade) ou para a urbanização e obras de melhorias em áreas de favelas. Segundo Christiano dos programas existentes, os mais indicados para ser aplicados nos casos de edifícios públicos ocupados por população de baixa renda (0 a 3 salários mínimos) são:


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Credito Solidário (financiamento) e FNHIS- Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (subsidiado).

4.3

Companhia Estadual de Habitação (CEHAB)

Desde 1963 a CEHAB-RJ atua na produção de habitação popular no estado do Rio de Janeiro, seja construindo conjuntos habitacionais ou atuando junto à população de assentamentos informais, com ações de urbanização. Hoje em dia, ela tem como funções diretas: I.

Planejamento setorial, produção e comercialização de unidades habitacionais de interesse social, obedecendo aos critérios e normas estabelecidos pelo Governo do Estado do e pela legislação federal;

II.

Aquisição, urbanização e venda de terrenos;

III.

Exercício de atividade de construção civil, para si ou para terceiros;

IV.

Compra e venda de material de construção;

V.

Apoio a programas e projetos de desenvolvimento comunitário;

VI.

Atuação como agente financeiro e promotor do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), em todo o território do Estado do Rio de Janeiro.

Contudo, segundo meu entrevistado, Sr. Tiago Franco Fontes, a CEHAB-RJ nunca tinha atuado com a construção de habitação popular na área central da cidade do Rio de Janeiro. A primeira experiência está sendo em um imóvel na Rua da Constituição, que no momento da entrevista (maio de 2008), se encontrava em fase preliminar à obra. A reforma da edificação será feita para contemplar um determinado grupo social composto por 9 famílias com até 3 salários mínimos, que ocuparam o prédio. Durante as obras essas famílias sairão do prédio e para isso receberam o aluguel social. Quando voltarem a obra já estará concluída, inclusive a área de uso comum, que vai ser um espaço de geração de trabalho e renda. A obra será realizada com a conciliação R$ 195.000,00 de recursos do Orçamento Geral da União – OGU (subsídio a fundo perdido), R$ 150.000,00 do Crédito Solidário (financiamento onde as famílias pagaram mensalmente prestação em torno de 100 reais) e a contrapartida do Estado é a doação do imóvel. Desta forma cada


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casa terá um custo aproximado de R$38.330,00 (trinta e oito mil e trezentos e trinta reais). Tiago Franco Fontes ressaltou ainda que além desse pequeno imóvel a CEHAB-RJ está no momento trabalhando no Programa de Reabilitação da Área Central do Rio de Janeiro (PRAC-RJ), onde ele atuará diretamente. Tal Programa faz parte do Programa Nacional de Reabilitação das Áreas Urbanas Centrais, criado pelo Ministério das Cidades, já explicitado em subcapítulo anterior. Conforme o entrevistado, a CEHAB-RJ está iniciando agora, e ainda não existem definições concretas. Estamos na fase preliminar de estudo, estamos fazendo primeiro a lista de imóveis prioritários porque, temos um universo de 500 imóveis. O patrimônio imobiliário do estado gira em torno de 500 imóveis na área central. Mas desses 500 é claro que vários estão ocupados por instituições públicas etc. Vamos começar a estudar agora, para levantar exatamente, desses tantos, quais estão desocupados, quais estão subutilizados e qual o critério que a gente vai usar para a subutilização. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Indagado sobre a origem desses imóveis e a quem eles pertencem, o entrevistado respondeu que só trabalharão com imóveis diretamente do governo estadual e os que pertencem ao Rio Previdência (Fundo único de previdência social dos servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro e seus dependentes). Comentou ainda que: É bastante coisa porque tudo que era do Distrito Federal, quando o Rio era capital do Brasil, ao passar o Distrito Federal para Brasília, ao invés desses imóveis irem para a Prefeitura da cidade eles foram para o estado do Rio de Janeiro, não foi para o estado da Guanabara. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Tiago comentou que eles estão, a princípio, verificando num conjunto de cerca de 500 imóveis, em quais existem possibilidades de serem usados por habitação. Já que tal grupo inclui, por exemplo, o prédio de secretarias da Rua da Ajuda, sobrados na Rua da Constituição e Rua Regente Feijó e vários terrenos na Presidente Vargas. Portanto, ele explica: ―Fizemos uma nova lista, com um novo trabalho de campo que eu e o Paulo Oscar Saad51 fizemos. Dessa lista destacamos uns 90 imóveis que, olhando arquiteturalmente, comportam reabilitação.‖ Ele deixou claro que esse grupo 51

Arquiteto Urbanista que compõem a equipe de trabalho do PRAC – RJ (Programa de Reabilitação da Área

Central do Rio de Janeiro) juntamente com Tiago Franco Fontes.


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de, aproximadamente, 90 imóveis ainda vai ser analisado mais a fundo, para verificar suas reais condições. Agora precisamos saber a situação fundiária desses imóveis. Mandamos para a superintendência de patrimônio imobiliário do estado uma lista de 90 e poucos para saber a situação fundiária desses imóveis. Porque na verdade esse é o grande entrave para a reabilitação. Porque para fazer orçamento na Caixa o imóvel tem que estar regularizado no RGI. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Sobre o plano de reabilitação da área central Tiago explicou que é previsto que fique pronto no inicio do próximo ano, em janeiro. E que o plano engloba: 

Levantamento do patrimônio imobiliário do estado,

Levantamento das ocupações existentes nesses imóveis do estado,

Levantamento de toda a legislação incidente sobre esses imóveis, depois

Analises: dos imóveis, da legislação, das ocupações.

Estabelecimento de parâmetros para a seleção dos imóveis

Seleção de 50. Depois de selecionados 50 imóveis, destes vamos selecionar 10 imóveis prioritários para elaborar o projeto de arquitetura completo.

E os outros 40 um estudo de arquitetura.

Segundo o depoimento do Sr. Tiago: Os 50 serão feitos, destes 50, 10 a gente vai deixar pronto para iniciar para licitar. Deixar pronto com projeto de arquitetura, projeto executivo, orçamento. 10 para inicio de obra imediato. E outros 40 de projeto de arquitetura, para depois detalhamento e orçamento. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Perguntei então, se era possível ter acesso à lista desses 90 possíveis imóveis, para colocar no meu trabalho como também as áreas onde o governo irá trabalhar. Infelizmente, tal informações não pode ser fornecida. Segundo o entrevistado, tal negativa se devia ao fato de que a lista com os 500 imóveis vieram da Superintendência de Patrimônio Imobiliário e Logístico – SUPAT-RJ e que ele não está autorizado a repassar tais informações. Busquei então, que me apontasse áreas, ou manchas onde haja maior concentração de imóveis. Ele indicou as manchas demarcadas no mapa abaixo:


100 Fonte: Elaboração própria.

O que posso te dizer de manchas é que temos uma área, que é a nossa área de interesse 1 (digamos assim). Que é o entorno da Praça Tiradentes, que é onde temos a maior concentração de imóveis do Estado. Mas isso também pode mudar, de acordo com fatores: qual é a situação fundiária, qual é a disponibilidade do Rio Previdência e o interesse deles para com esses imóveis. Nesse quadrilátero há aproximadamente uns 50 imóveis, grande parte sobrados, e muitos no SAARA. Essa é nossa área de interesse porque é onde tem a maior concentração de imóveis do estado. Alguns no Saara, que temos que verificar se usam todo o prédio ou só o térreo como comércio. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Fora desse quadrilátero ele informou que os imóveis estão mais dispersos. Há prédios situados na Rua da América, na Nabuco de Freitas, na área da Cruz Vermelha, no Catumbi, mas são casos mais pontuais. Na avaliação do entrevistado o que definirá melhor quais os imóveis a serem usados será a questão fundiária. Explicou ainda que estão trabalhando com imóveis do governo do Estado e com imóveis do Rio Previdência: Se um imóvel está na administração direta do Estado ele é regido por determinada lei. Se ele é do Rio Previdência ele é regido pela lei do Rio Previdência. O do Estado é muito mais fácil de dar uma destinação social, você pode, dentro da legislação que rege o patrimônio do Estado. No caso dos imóveis do Rio Previdência é mais complicado. Isso é outra coisa que a gente vai estudar. Porque o Rio Previdência é o fundo de previdência dos servidores do Estado, então se o imóvel está lá é pra fazer caixa para este fundo para pagar a aposentadoria dos servidores do Estado. Então, a função desse imóvel na categoria do fundo é uma função puramente econômica. Então, temos que encontrar uma maneira na legislação do rio previdência de trabalhar com esses imóveis. Se o Rio Previdência quiser devolver esse imóvel para o estado ele também


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tem que justificar porque que ele está devolvendo. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Foi ainda solicitado que ele indicasse quais os possíveis obstáculos que o programa poderá ter. Em resposta, ele afirmou que: A questão fundiária é um grande gargalo; depois a gente tem acho que a questão dos financiamentos, de obtenção de recursos, principalmente para atender as famílias de 0 a 3 salários mínimos, porque a gente conseguiu um, a Helena Galiza e a Laís Coelho conseguiram recursos para um (se referindo ao imóvel da Rua da Constituição comentado acima). Não foi nem a CEHAB que conseguiu o recurso, foram elas que conseguiram. Elas conseguiram para um que foi de R$ 190.000,00. Agora se a gente vai falar 10, 90, a gente fala em alguns milhões; enfim, ai a gente entra em outro gargalo, que é o gargalo de sempre que é uma decisão política. Mas, do ponto de vista da atual gestão da Secretaria de Habitação do Estado, há um apoio e um desejo total para que isso aconteça. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Tentei saber qual o tipo de programa financeiro que eles pretendiam usar para esse projeto, ele relatou que ainda não estava definido. Questionei também sobre que faixa de renda iria ser contemplada com os imóveis ele respondeu que pretende que seja misturado, para varias faixas, atendendo também a servidores do estado. Indaguei então, se saberia me informar ao menos qual a porcentagem de imóveis destinados a faixa de 0 a 3 salários mínimos ele me respondeu: ―ainda não; porque só quando a gente fizer o levantamento e souber quantas pessoas que estão ocupando que a gente vai poder traçar um plano de 0 a 3 ou de 3 a 6.‖. Indagado sobre qual seria então a estratégia adotada com imóveis que já estavam ocupados por população de baixa renda, e se caso eles tivessem que sair dali, se receberiam algum tipo de indenização ou se seriam realocados. Como resposta obtive a seguinte afirmação: O primeiro pensamento que eu tenho é que acho que terei que trabalhar com alguma mobilidade sim. Não temos ainda um dado especifico. Mas, digamos que eu tenha uma família de 0 a 3 que ocupa um sobrado no Século XIX, que vão ter uma dificuldade de manutenção maior em um imóvel que precisa de conservação maior, e ai de repente a gente tem um pequeno vazio que a gente pode construir uma edificação com padrão construtivo mais simples, com um nível de conservação muito mais fácil para essas família, então, eu penso que a gente trás essas pessoas de 0 a 3 para esse tipo de edificação que vai ser muito mais fácil para eles manterem. Eles vão continuar no centro da cidade, com todo o beneficio do centro da cidade, sem precisar ser realocado para 500km daqui, e ai a gente


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aloca pessoas de 3 a 6 que tenha uma capacidade de manutenção maior nesses imóveis que tem uma qualidade construtiva um pouco mais elaborada. E ai faz esse movimento. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Sobre a questão da porcentagem de terrenos e de construções em relação ao total dos imóveis da lista da SUPLAT-RJ, o entrevistado não soube informar. Porém, afirmou que é maior o número de construções, apesar de terem terrenos bem grandes, como por exemplo, o entorno da catedral que hoje serve de estacionamento. Questionado, então, sobre como seriam usados esses terrenos se serão construídas habitações populares neles, ele respondeu: Aí é uma coisa que foge totalmente. Se você pensar, por exemplo, a Av. Presidente Vargas e o entorno da Catedral, sinceramente, são áreas que eu não sei como a gente vai trabalhar, são áreas de grande interesse para o Estado, são áreas economicamente muito interessantes e valiosas. Então, uma coisa que eu penso é uma proposta, e ai vai depender da viabilidade dessa proposta; de repente o Estado vender essa área, ou fazer uma permuta dessa área para a construção de unidades habitacionais. Vende para uma determinada construtora ou empresa, que estabelece ali um edifício de escritórios mesmo, e a gente pega esse volume de recursos e investe na reabilitação dos outros imóveis do Estado ou, por exemplo, ali que a gente tem a possibilidade de construir edifícios até 4 pavimentos, que se construa, que reserve uma parte para habitação. Porque eu acho que fazer um edifício ali totalmente habitacional não, mas pode ser um edifício misto, porque não?! . (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Sobre a atuação do município com o Programa Novas Alternativas, Tiago afirmou que está entrando em contato com os responsáveis por tal Programa e que entrarão em um acordo para trabalhar junto com eles. Acho que temos que unir forças. O município tem bastante experiência nessa área, a gente vai tentar agregar toda a experiência que o município tem. O nosso plano vai ter um lado que vai olhar para essas famílias de 0 a 3 salários mínimos que o município a principio não contempla dentro dos seus programas, vai estudar maneiras e formas e instrumentos capazes de atender a esse seguimento. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

O entrevistado pontuou ainda que ―que o que a CEHAB agora está apoiando, são essas outras intervenções, que é Manuel Congo, Chiquinha Gonzaga e Matadouro. Que entra na parte do plano de trabalho e assistência técnica.‖


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Indagado sobre se a CEHAB está aberta a auxiliar novas ocupações como essas, no processo do FNHIS. Ele me respondeu finalmente que: Grupos envolvidos com essas ocupações nos procuraram. Houve então uma analise e elas foram atendidas, se novas vierem serão bem vindas, serão feitas novas analises e um estudo de se trabalhar essa ou aquela ocupação. Eu acho que aberto, o poder publico sempre tem que estar a qualquer iniciativa que seja para o bem da população e para o bem da cidade. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

4.4

Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ)

O Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro - ITERJ é uma autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Habitação. A ideia do ITERJ nasceu no governo do Brizola e foi fundado em 5 de novembro de 1990, através da Lei n.º1738 de 1990, através da Lei n.º1738, e alterado pela Lei n.º2696, de 19 de fevereiro de 1997. É um órgão criado para acolher as comunidades que estão em conflitos, ameaçadas de despejo, ou ocupando uma área e precisa da titulação. Desse modo, tal Instituto tem como atribuição mediar os conflitos das comunidades de baixa renda e dar todo o apoio técnico necessário para eles atingirem a titulação. Como órgão técnico, o ITERJ é o executor da política fundiária do Estado visando promover, ordenar e priorizar os assentamentos urbanos e rurais, em terras públicas e privadas. Nas áreas urbanas as intervenções combinam as dimensões jurídica (titulação) e urbanística (infraestrutura e habitação), considerando que o reconhecimento social da moradia não se reduz ao direito da propriedade da terra, e que construir condições de habitabilidade - água, luz e esgoto – são os requisitos básicos para alcançar assentamentos urbanos sustentáveis. Entrevistei a Presidente do ITERJ, a Sra. Célia Beatriz Ravero Schargrodsky, que defende as causas sociais com paixão. Ela defende sobretudo o direito a moradia, baseada na função social da propriedade. Na entrevista ela Explicou que:


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A Constituição limita o direito do proprietário e o direito de propriedade já não é mais absoluto. Ninguém é mais o proprietário absoluto, é sim, proprietário de uma área que tem limitações. Uma área tem que ser ocupada. Tem que ter uma função. Porque a terra urbana foi construída coletivamente. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Sobre o funcionamento do ITERJ e ela explicou que hoje, funciona atendendo as comunidades minimamente organizadas que os procuram, dando auxilio técnico para elas obterem o direito a moradia. Sobre se existe algum levantamento de edifícios vazios ou subtilizados que possam favorecer a essas famílias, a Presidente do ITERJ ponderou que antes existia um trabalho de levantamento, mas que o Instituto sofreu um esvaziamento muito grande e hoje eles estão limitados a atender a todas as comunidades que os procuram. Quando indagada sobre as ocupações de edifícios públicos, ela explicou, citando o caso de um edifício ocupado pelo movimento no centro do Rio de Janeiro, conhecido como Manuel Congo, que: O paradoxo do Rio de Janeiro é que existem prédios públicos, como os do INSS, abandonados a 15, 20 anos, servidos de uma infraestrutura excepcional, enquanto temos um déficit habitacional gritante e quando vem uma disposição do governo federal dizendo que este prédio deve ser destinado a habitação popular existe uma resistência dos próprios cargos hierárquicos do INSS que revelam uma inércia de moral e de costumes institucionais que não tem nada a ver com a realidade constitucional. Então o problema habitacional do Rio de Janeiro está muito longe de ser resolvido porque não existe um planejamento da cidade do ponto de vista de uma cidade sustentável, uma cidade humana. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Sobre o funcionamento da transferência dos prédios de órgãos como o INSS para essa população, ela responde dizendo que ―no caso do Manuel congo e INSS vai vender o prédio ao estado e o estado vai outorgar a concessão real de uso‖. Contudo explica que segundo a lei um prédio público se qualificava sendo de interesse social depois de haver ido a leilão e não ser adquirido por ninguém. ―Só isso já bastaria para se qualificar como prédio de interesse social destinado a habitação para a classe de baixa renda.‖ Na área central do Rio de Janeiro existem alguns prédios que passam por situações parecidas. A Presidente do ITERJ revelou que muitos desses órgãos públicos colocam vários empecilhos para a transferência dos prédios.


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Sobre o Programa de Reabilitação da Área Central do Rio de Janeiro, a Presidente do ITERJ explicou que essa ideia. Vem do movimento pela Reforma Urbana e que a pratica habitacional era levar a moradia para bem longe e não utilizar as áreas com infraestrutura, as melhores áreas são aquelas que já estão infraestruturadas, e são as áreas centrais. O Rio de Janeiro particularmente tem dezenas de imóveis vazios que não tiveram mais funcionalidade. Então colocar habitação na área central é uma determinante e uma necessidade própria de uma situação de emergência habitacional e de uma racionalidade de utilização do solo urbano, em um principio urbanista de continuidade. Você tem que construir onde tem infraestrutura. Sobretudo com o tema dos vazios urbanos, os vazios urbanos aqui no Rio são enormes. O que é escandaloso no Rio de Janeiro é que a área central está sendo disputada pelo grande capital, como ocorreu em Buenos Aires com o Puerto Madero. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Com esse depoimento Célia me confirma assim uma tendência que eu já apontava no inicio deste trabalho, ou seja, que os órgãos públicos concentram seus esforços, no que diz respeito a criação de novas moradias populares, na construção das mesmas em áreas afastadas do centro da cidade, onde muitas vezes não há nenhuma infraestrutura. Diz que de início o ITERJ iria participar do PRAC-RJ mas que agora por razoes políticas não irá mais. Ela me comenta que existe certo risco desse programa acabar por não atender as famílias de mais baixa renda (de zero a três salários mínimos), que é o que particularmente ela gostaria de fazer. Então, a recuperação das áreas centrais todo mundo está de acordo, acho que no momento, ninguém se opõe a isso. Agora como se está instrumentalizando é uma coisa que está determinada (destinada) pela especulação imobiliária. Minha posição é que: claro que uma parte pode ser utilizada para investimentos turísticos, para gerar renda, trabalho e tudo mais. Mas, toda área portuária não, como eles querem dar o melhor da área portuária para grandes empreendimentos, eu acho que deveria ser gravada como área de habitação de interesse social. E então, conduzir essas áreas para que só se faça investimentos para habitação popular. Este é o grande planejamento que deve estar apoiado no estatuto (com lotes de tais medidas, sem a possibilidade de desmembramentos dos lotes). Isso seria uma prefeitura medianamente progressista e comprometida. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Célia apontou ainda que querem utilizar nas áreas centrais o consórcio urbanístico, que vem a ser uma parceria entre capital privado e capital público. Ela parece discordar da prática de tal parceria, e menciona que ―a lei francesa exige que cada consórcio urbano que se implante destine 25% dos investimentos para habitação


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popular. Aqui não se fala nada disso no consórcio urbanístico. E isso na França, país com déficit habitacional muito menor do que o daqui. Aqui não se fala nisso.‖ Também ressaltou a que esse tipo de política, que defende e promove os direitos à habitação da população com baixa renda não ocorre ―só em Cuba ou em países socialistas e sim em países capitalistas com um pouquinho mais de racionalidade‖.

4.5

A Secretaria Municipal do Habitat (SMH) e o Programa Novas Alternativas:

No nível municipal, buscou-se tratar do setor que estivesse mais envolvido com a questão da habitação no centro da cidade do Rio de Janeiro. Foi então que se chegou ao Programa Novas Alternativas que, conforme descrito no site da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, atua na reabilitação, na recuperação e na construção de imóveis em vazios urbanos infraestruturados localizados no Centro do Rio. Buscando desenvolver ações de desenvolvimento econômico e social, o tal Programa promove principalmente a construção de moradias de uso misto, com prédios associados à atividade comercial e de serviços. Ainda segundo o site: o Programa recuperou o primeiro cortiço no Brasil que foi comercializado através do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal para a população de baixa renda. Destaco a ultima expressão da frase a cima pelo fato de que, como veremos a seguir, o conceito de ―baixa renda‖ parece destoar do que normalmente ele é utilizado. Até este momento da minha pesquisa, sempre que qualquer outro ator se referia a baixa renda, estava falando de famílias de 0 a 3 salários mínimos. Este não é o que ocorre neste Programa. Entrevistei o Gerente do Programa Novas Alternativas, o Senhor Ahmed Nazih M. Heloui. Primeiramente, questionei qual seria a diferença entre esse Programa e outro, o morando no centro. O entrevistado revelou que na verdade tratava-se do mesmo Programa, e que somente por uma questão política (troca de governo) surgiu o novo nome de morando no centro. Perguntei, então, quais eram os objetivos de tal Programa. Obtive a seguinte resposta:


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O Programa Novas Alternativas tem o objetivo de apresentar solução para essa gama de imóveis abandonados, em ruínas, subutilizados na área central, criando a opção de moradia para um publico diferenciado e respondendo assim à grande demanda por habitação nas áreas centrais e bem servido de infraestrutura, isso tudo aliado a restauração do patrimônio cultural do Rio de Janeiro. (...) Pretende romper o quadro de degradação, usando a habitação como agente impulsionador da reabilitação urbana. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada).

O entrevistado comentou que até o ano passado o Programa tinha ações pontuais em edificações e, por isso, não tinha muita visibilidade. Contudo, no presente momento, pretende atuar junto com outros órgãos para realizar de fato uma reabilitação em um área maior de uma só fez. ―Estamos unindo esforços em uma mesma rua‖. Como exemplo, foi citado o caso da Rua do Livramento, que ele considera como uma das mais degradadas da área, tendo 25 ruínas. Segundo seu relato, o Instituto Pereira Passos – IPP estaria por fazer um projeto nos moldes do Rio Cidade ali que, através de uma ação articulada com o Programa Novas Alternativas irá reformar varias edificações da referida Rua, promovendo aproximadamente 250 novas unidade habitacionais, para cerca de 1000 moradores. No que tange à questão financeira, o Sr. Dr. Nazih expõe que o programa de financiamento utilizado é o PAR ou o Crédito Associativo. Programas de financiamento: PAR- que atende de 3 a 6 salários, ou o Crédito Associativo que atende a acima de 6 salários. Eu acho que o perfil do morador do centro na verdade não é o PAR é mais o Crédito Associativo. Porque o PAR hoje só vai a R$ 40.000 por unidade , e hoje você consegue vender uma unidade no centro por R$ 70.000, R$ 65.000 tranquilamente. (...) Então, a gente acaba vendendo os imóveis pelo PAR por uma questão fundiária complicada, porque eu só tenho emissão de posse e, então, não posso vender pelo Programa Crédito Associativo. O PAR é um financiamento que demora 15 anos, a Caixa vai ser dona desse empreendimento, então, eu tenho 15 anos pela frente para terminar a desapropriação. Então, eu acabo vendendo para uma população de 3 a 6 salários, mas quando eu tenho a posse definitiva eu posso vender pelo Programa Crédito Associativo, porque por ele eu posso vender por 60, 70 mil reais (cada unidade). (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada).

Questionado sobre como proceder tais programas com a população na faixa de zero a três salários mínimos, se eles pretendem fazer habitação no centro para essa classe social, obtive a resposta de que essa era uma das metas a serem atingidas.


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Hoje nós não atendemos essa população, e eu acho inconcebível fazer um programa de reabilitação de uma região excluindo na verdade essa classe social. A zona sul do Rio, na verdade, foi muito elitizada e a pressão veio. Hoje, praticamente todos os bairros da Zona Sul possuem favelas, então, não adianta querer excluir, o porteiro, a empregada doméstica, porque essas pessoas vão querer morar perto do trabalho. Então, um programa de reabilitação urbana precisa prever certa quantidade desses imóveis que vão ser produzidos deverão atingir uma população de baixa renda e não fazer uma reabilitação excludente. Não foi feito porque não existe um programa de financiamento para essa classe. Agora que se houve falar no PAC. Mas, ainda é uma coisa muito recente, o Programa (Novas Alternativas) tem 15 anos, então ainda não se produz unidade habitacionais no centro para 0 a 3 salários.

Insisto na questão da população de zero a três salários mínimos e o entrevistado revela que: Se a gente está recuperando um imóvel que esteja em uma franja de favela, não adianta você levar a classe média pra querer morar do lado de uma favela que não vai conseguir. (...) Existem, claro, umas favelas no centro da cidade, como ali na zona portuária tem o morro do Livramento; então eu acho que nessas áreas de transição entre a cidade informal e a cidade formal nos podemos, próximo às favelas, produzir habitação de 0 a 3 salários. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada).

Ahmed Nazih M. Heloui deixou claro que o objetivo maior do Programa Novas Alternativas não é resolver o problema do déficit habitacional do Rio de Janeiro e sim a questão da degradação de imóveis antigos no centro do Rio de Janeiro Portanto o programa não tem grandes preocupações em atender a população de menor renda. Conforme ele argumentou isso se justifica por que: Se você pegar um empreendimento daqui vai ter umas 5 unidades, enquanto um único empreendimento da prefeitura na Zona Oeste tem 200 a 300 unidade. (...) O meu objetivo maior é fomentar habitação no centro e construir habitação em imóveis que a iniciativa privada não vai ter condições de entrar pela questão burocrática da situação fundiária desses imóveis. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada).


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5 Identificação e caracterização dos movimentos sociais.

Nesta parte do trabalho priorizou-se dois movimentos populares para a realização das entrevistas. Tal escolha se justificou pelo fato de que, pelo que se pode observar, estes dois movimentos são os que estão mais a frente nas conquistas atuais pelo direito à moradia assim como por atuarem em dois campos, a saber: na mobilização e na organização da população para a ocupação de edifícios públicos, como também na luta pelo direito à moradia, estando vinculados aos fóruns de discussões e debates sobre tais lutas. São eles: Central de Movimentos Populares (CMP) e Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNPL). Ambos têm participação no Fórum Nacional de Reforma Urbana e também têm ajudado a organizar na realização de importantes ocupações: Manuel Congo e Chiquinha Gonzaga. Estas duas estão hoje avançando no processo de obtenção de recursos para reforma pelo FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social).

5.1

Central de Movimentos Populares – CMP

Conforme indicação anterior, este movimento tem abrangência nacional e atua em diversas áreas. No Rio de Janeiro, o representante desse coletivo de lutas que mais atua na questão da moradia é o Sr. Marcelo Braga Edmundo, a quem eu entrevistei. É necessário destacar que o entrevistado foi recentemente selecionado como um dos representantes populares para o novo Conselho Nacional das Cidades. Inicialmente, tratei a ocupação denominada Chiquinha Gonzaga que, atualmente, o entrevistado auxilia no contrato do FEHIS (Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social). Perguntei a ele como começou a ideia da ocupação, e ele me respondeu que a mesma ―teve inicio quando em um acampamento contra a guerra em frente ao consulado americano, os movimentos que estavam organizando o acampamento (CMP e FLP) entraram em contato direto com muitas pessoas simples, que dormiam no centro e que estavam sem casa.‖ Na hora da alimentação, o pessoal do acampamento convidava os moradores de rua para o ―Sopão‖ e o Marcelo aproveitava para conversar com essas pessoas.


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Ele revelou que após esse acampamento, foram realizadas reuniões semanais sobre ações de ocupação, durante 6 meses. Um processo de formação das pessoas que visava a construção de uma pauta de lutas coletiva. Segundo ele, ―se fez reuniões e pouco a pouco um sem-teto chama o outro. E não cabe a gente julgar o passado de cada um, o que interessa é a real necessidade da pessoa e a conduta dela na ocupação.‖ Daí surgiu o grupo que realizou a ocupação. ―O que resultou em um processo muito interessando porque eram todos conscientizados, e não havia um líder e sim um coletivo.‖ Contudo, o entrevistado não escondeu o fato de que todo o processo foi apoiado e iniciado pela CMP e pela FLP (Frente de Luta Popular), ressaltando, por outro lado, que o importante é que as pessoas se envolvam como iguais e se sintam, de fato, como um coletivo. Indagado sobre como conseguiram um financiamento tão importante, o entrevistado explicou que foram aos poucos participando de conselhos e conferências e no meio desses muitos encontros foi criado o fundo FEHIS (Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social). Através dessas articulações conseguiram colocar no Fundo uma clausula que diz que os movimentos e associações teriam o direito a acessa-lo, embora na proposta inicial do Governo Estadual para o Fundo, era o executivo estadual que iria nomear as entidades. Somente algum tempo depois, através de muita e discussões, é que conseguiram aprovar também que na eleição do Conselho Gestor do FEHIS teria que ser convocada uma assembleia onde cada segmento escolheria seus representantes. Só então o movimento popular conseguiu entrar no referido Conselho: ―Saíram: eu pela CMP, o Claus pela União, e da FAMERJ quem entrou foi o Lázaro.‖ O entrevistado afirmou ainda que no primeiro edital do Fundo não conseguiram organizar nada a tempo de enviar. Isto só foi possível no segundo edital. Marcelo contou que no dia de enviar o segundo edital, ―o Fernando William, Subsecretário da SEH (Secretaria Estadual de Habitação), até disse que se consegue o Fundo, mas, o movimento não apresenta nada.‖ Mas como os movimentos populares já estavam mobilizados para esse segundo edital na mesma hora ele apresentou o projeto, ao Subsecretário que, então, teve que enviar o projeto da população para aprovação no Ministério das Cidades. Ela ainda comentou que o estado do Rio de Janeiro poderia encaminhar uma proposta no valor máximo de cinco milhões de reais que poderia agregar 3 projetos


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a seguir indicados: o Matadouro, através da construção de casas encaminhada pela União de Moradia Popular (UMP-RJ) a aquisição do prédio do INSS (Manuel Congo) encaminhado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia e a reforma e requalificação do Chiquinha Gonzaga, encaminhado pela CMP. Na avaliação do entrevistado, ―isso tudo poderia formar uma única proposta.‖ Questionado sobre como era feita a seleção dos prédios a serem ocupados, ele deixou claro que só ocupam os que estão completamente abandonados e complementa que ―até então preferencialmente prédios públicos, porque o Estado, ultimamente tem um discurso favorável. Ai a gente faz um levantamento e passa um tempo avaliando o prédio, questão de segurança, fluxos, carro da policia entre outros.‖ Contudo, atualmente, o entrevistado avalia que o movimento começa a se interessar por ocupar imóveis privados, notadamente aqueles que se encontram em dívida com o Município (IPTU). Conforme ele explicou: ―fazendo levantamento também se tem divida com IPTU, essas coisas, porque a lei permite que até 48h o proprietário pode reaver seu imóvel de qualquer forma, só com força policial, não precisando de ordem judicial‖. Ele comentou então que seria mais arriscado, mas que existem muitos prédios que tem divida de IPTU muito grandes (valor acumulado durante anos de inadimplência), chegando, inclusive a superar o valor do próprio imóvel. Nestes casos, o Estado tem o direito a desapropriar o imóvel como forma de pagamento dessa divida de IPTU, assim, o imóvel passaria a pertencer ao Estado, sem que o mesmo tivesse que desembolsar nenhuma quantia de dinheiro. Ao ser indagado sobre como e quem escolhe os moradores de uma ocupação, ele responde que até hoje só participou dessa parte de inicio de processo no Chiquinha Gonzaga. Mas que se fosse fazer uma nova ocupação hoje seria da seguinte forma: Fortaleceria um pequeno grupo de pessoas que já tem um contato e a partir daí ampliaria. A partir daí começaria a discutir regimento etc., mas, desde o inicio já deixaria claro os objetivos da ocupação, o que se pretende e qual seria a linha de pensamento. Ai, cada um decidiria se concorda ou não, se ficaria ou não. É necessário ter autonomia e decidir tudo no coletivo, mas é fundamental também deixar marcado os princípios básicos da ocupação. Porque, se não, qualquer grupo mal intencionado pode vir e se aproveitar da ocupação para beneficio próprio. Nas ocupações é necessário deixar claro que existem regras e princípios, fica quem concorda e respeita as regras básicas. Se não faz, o coletivo pode e deve expulsar. (Marcelo Edmundo, em entrevista gravada).


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Pergunto sobre a existência de grupos qualificados como com intenções duvidosas e como o coletivo os trata. Ele responde que existe sim um grupo de pessoas que agem em ocupações de forma mal intencionada, alertando que: ―para começar, nesse tema é importante observar um tempo para entender e perceber os reais interesses de cada um. Alguns querem só se dar bem.‖ Destaco ainda outra afirmação: ―Pobre é pobre, na sociedade capitalista que vivemos ele é o pobre, o que não quer dizer que ele também não quer levar vantagem com as ocupações‖. Nesse contexto, Marcelo revela ainda que há de ter certo cuidado com o olhar paternalista e o sentimento de pena e compaixão. Avalia, inclusive, que muitas pessoas que começam a trabalhar com movimento social se frustram por causa disso. Sobre o papel de liderança política, e do movimento social, o representante entrevistado crê que seja necessário que a ocupação seja composta por pessoas já conscientes, que já tenham participado de um processo de debate sobre o tema, mas sabe que deste grupo a maioria não vai virar um militante de movimento social. ―São pessoas que têm suas vidas, seus dramas e que querem morar. Quando se pode despertar algo político em alguém, é ótimo. Mas normalmente é pouco.‖ Ele ainda ressaltou que é necessário a atuação do movimento organizado porque a ocupação não se restringe ao momento em que se ocupa ou a convivência dento da edificação: ―depois que ocupamos tem toda uma articulação política pós-ocupação, para se manter ali, tem que ir ao ITERJ, nos órgãos do estado, no INCRA.‖ Algum tempo depois da entrevista percebo que esta é a ação mais direta da CMP depois de realizada as ocupações dos prédios. Cumprindo assim, o papel de APOIO, principalmente nas negociações com outras entidades, não se envolvendo muito no controle interno e no cotidiano dos moradores. Esse controle fica a cargo do coletivo, apesar de Marcelo conhecer bem a realidade, e do dia a dia das ocupações. Sendo assim, ele menciona que é normal existir divergências: ―com certeza, na obra do Chiquinha daqui a um ano o governo do estado, e o governo federal vão colocar as plaquinhas deles, e tem pessoas de movimentos que vão falar mal de mim. (...) Mas eles tem que entender que estamos inseridos no sistema e temos que trabalhar dentro das possibilidades‖.


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Outro tipo de divergência diz respeito à posição política de cada um. Marcelo conta que dentro das ocupações não pode haver nenhum tipo de manifestação política ou religiosa. Há de ser um ambiente neutro. Diz inclusive que é contra a colocação de anúncios ou chamadas de qualquer tipo de ideologia na ocupação, seja de partidos, de movimentos anarquistas ou religiosos. Outra divergência comum é sobre a questão do relógio contador de energia elétrica individual ou coletivo. Ele afirma que acha justo que se coloque relógio coletivo e se divida a conta por igual. Porque, por exemplo, o morador que tem 4 filhos gasta mais, mas, tem mais contas pra pagar e vive em um espaço parecido com o daquele que mora sozinho. Marcelo afirmou ainda que considera esse processo de individualização ruim para a coletividade dos prédios. Finalmente, indago o entrevistado se a CMP tem alguma estratégia de ocupação de áreas no Centro do Rio de Janeiro. Ele relata que não, mas que haverá um encontro agora e junho e uma reunião em maio de2008. A partir daí vai sair uma estratégia de trabalho. Segundo ele: ―nossa prioridade é agora encontrar uma solução para (a ocupação) Quilombo das Guerreiras que estão em um prédio das docas, mas estão sofrendo muita pressão, eles provavelmente vão sair de lá. Existe uma possibilidade de construção em um terreno na Gamboa‖. Sobre quem financia os movimentos populares, o entrevistado responde que alguns sindicatos, assim como outros movimentos e ONG`s (tais como FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) que têm apoiado as ações e realizado a captação de recurso junto com eles. Alguns desses são também financiados por entidades internacionais, como por exemplo, a Miseror. ―Mas hoje é difícil. A vida no movimento é muito difícil. É diferente do sindicato que tem imposto sindical.‖ Ele ainda complementa sua resposta colocando o lado ruim de obter recursos com outras entidades: ―o problema dessas ajudas financeiras é que às vezes os movimentos deixam de fazer criticas por temer ir contra aos que os apoiam‖.


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5.2

Movimento Nacional de Luta pela Moradia - (MNLM)

Conforme já mencionado no Capitulo 3 do presente trabalho, bem como a CMP, os militantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia até o período da constituição nacional ainda não estavam organizados sobre a entidade MNLM, mais várias pessoas que participaram da fundação deste movimento já militavam na luta pela reforma urbana no nível nacional. A minha entrevistada, foi Maria de Lourdes Lopes, militante de Volta Redonda que ajudou a fundar o MNLM. Ela conta que os militantes daquela época, ainda como CPT (Comissão Pastoral da Terra) eram vigilantes na luta pela reforma agrária e urbana. Conforme explicado no capitulo anterior, durante a Ditadura Militar (1964 a 1985), os movimentos estavam sempre ligados à Igreja Católica. Lourdes expõe que ―tinha uma coisa mesmo de piedade e de caridade do movimento com os pobres‖. Para ela a igreja via os movimentos como os pobres que estavam se organizando, mas que não detinham conhecimentos suficientes para seguir sozinhos nessa luta. Lourdes percebe nesse tipo de comportamento certo preconceito e uma postura que menospreza a capacidade da população de mais baixa renda. Na nossa conversa, ela faz uma comparação dessa visão da igreja, de décadas atrás, com a visão atual de algumas ONG`s hoje: ―o papel que a igreja exercia anteriormente as ONG`s passaram a exercer, então as ONG`s é que estudam, as ONG`s é que propõem‖. Desta forma, ela deixa transparecer certa indignação com relação à postura de ONG`s e entidades que não percebem as aptidões das famílias de baixa renda e tendem a impor suas ideias e suas opiniões sem nem antes parar para ouvir a população. Nesse contexto, ela afirmou que o MNLM tem uma grande preocupação em quebrar essa relação de dependência e de inferioridade, buscando sempre se informar, sem precisar da caridade intelectual alheia para se manter: Nós sempre tivemos uma briga interna pela concepção de movimento popular. A gente sempre tentou dar uma purificada naquilo que a gente acha que é movimento popular: a autonomia, a história de o sujeito estar se organizando, a briga pela formação. Não é uma coisa maravilhosa mas, é um objetivo e uma missão que a gente persegue. A gente sabe que a gente nasceu da igreja, então a facilidade de aceitar ser tutelado é grande. De ser os pobres tutelados, aqueles que pensam mas não pensam direito, não pensam tudo, então tem que ser tutelado pela igreja, pela ONG. Então, é uma


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briga que a gente tem com a gente mesmo. Para a gente mesmo se autotutelar. (Maria de Lourdes Lopes, em entrevista gravada).

Destaco uma diferenciação entre a ação de ONG`s que têm como intuito esse ―tutelar‖ a que se refere Lourdes daquelas organizações que têm como intuito dar suporte técnico, prestar serviços técnicos como, por exemplo, o de projetos de arquitetura ou acessória jurídica. No Rio de Janeiro, o MNLM defende o direito a moraria popular para todos, sendo contra a visão de moradia como mercadoria, consequentemente, contra o mercado imobiliário. Nas palavras da entrevistada: Nós queremos derrubar o mercado imobiliário, nós queremos que todos tenham acesso à moradia, independente se ele tem ou não tem dinheiro. Para você derrubar essa historia cultural e econômica de que a moradia é mais um produto para ser vendido, a gente derruba afirmando que ela é um direito universal, se ela é um direito universal ela não tem que ser comprada. (Maria de Lourdes Lopes, em entrevista gravada).

Ela avalia como uma ―loucura‖ achar que é possível que o Estado ceda moradias estatais, com concessão real de uso, para todos os brasileiros que não possuem casa própria. Mas, afirma que esse deve ser um objetivo a ser seguido, priorizando a concessão de habitação para os que apresentam menor possibilidade de conseguila sem o auxilio do Estado: Vamos pegar um grupo que ficou excluído no meio do caminho e garantir a eles um direito que é de todos. E ai depois de conseguir isso pra eles vamos evoluindo aos poucos. Porque a habitação tem que ser pública; se ela fosse pública não teriam aqueles que a guardariam esperando especular, se elas não especulassem não faltariam imóveis para aqueles que não podem pagar. Porque a lógica é você ter o imóvel do tamanho que você necessita para você viver com dignidade e conforto. Essa é que é a lógica! Agora, se é utopia, sim é utopia. Mas nos temos que começar, e vamos começar de 0 a 3 (salários mínimos) porque temos um argumento financeiro muito forte e um argumento humanitário muito forte. Mas, para nós, não é só o argumento humanitário e financeiro, é o argumento ideológico! (Maria de Lourdes Lopes, em entrevista gravada).

No que diz respeito a organização interna, o MNLM nacional, conta com a organização das coordenações estaduais. Por sua vez o MNLM – RJ possui, ainda, algumas coordenações municipais, sendo elas em: Caxias, Petrópolis, Rio de Janeiro e Volta Redonda.


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Eles fazem encontros estaduais de dois em dois anos e nacionais de 3 em 3 anos. As coordenações estaduais têm que fazer reuniões sempre que for necessário. Contudo, isso demanda um custo que, segundo a entrevistada, agora com a ocupação Manuel Congo, ficou menor, porque já há onde dormir e onde comer, tendo em vista que as passagens de ônibus representam o maior custo hoje. Ela explicou também que quando há dinheiro, a coordenação estadual faz mais encontros, seminários e etc. Com relação ao financiamento do MNLM, Lourdes afirmou que não há um apoio sistemático, e por isso, estão sempre pedindo apoio para ONG`s nacionais e internacionais; para entidades; sindicatos e etc. Assim, tentam, pelo menos, conseguir financiar os encontros. O movimento não paga auxilio para os coordenadores. Em tese, eles deveriam conciliar seu tempo entre um trabalho fixo e o cargo do movimento. Lourdes está desempregada no momento. Ela está buscando um emprego, mas sabe que só será mais fácil se manter em um emprego após dezembro (quando prevê que as obras do edifício Manuel Congo já estarão em andamento), porque hoje, a ocupação e a articulação do movimento demandam muito do seu tempo.


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6 Outros agentes envolvidos na questão da habitação:

Os demais agentes entrevistados não necessariamente têm atuação na área central do Rio de Janeiro, contudo, acredito que possam contribuir muito com o debate da questão objeto desta reflexão, através dos seus conhecimentos e experiências no que diz respeito à habitação popular e também por representarem outras visões sobre esse tema. Entre os escolhidos está o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio de Janeiro, que pode trazer outro e peculiar olhar sobre a temática, não se esquecendo de mencionar que durante esta pesquisa nos foi mencionado que há um levantamento que o SINDUSCON-RJ teria feito de aproximadamente 5.000 imóveis vagos na área central da cidade. Busquei também conversar com arquitetos que trabalhassem com comunidades e/ou ocupações. No inicio desta etapa da pesquisa, eu só conhecia a Associação Chic da Silva, formada por jovens arquitetos que começaram a trabalhar com o tema em 2006, realizando o workshop relativo à ocupação Chiquinha Gonzaga. A partir daí, enviei e-mails e tentei contato direto com os mesmos, embora só tenha conseguido conversar brevemente com eles, quando esta etapa do meu trabalho já estava concluída. Nesse meio tempo, decidi então entrevistar outros agentes, que tivessem vasto conhecimento sobre o tema. Escolhi, então, duas entidades de caráter distinto, porém, com atuação semelhante. Em ambas trabalham arquitetos que prestam acessória aos movimentos populares. E, apesar de nunca terem trabalhado na área central do Rio de Janeiro, já possuem uma larga experiência em assentamentos urbanos, projetos para habitação popular e edifícios ocupados em outras áreas do Estado do Rio. São elas: A Fundação Bento Rubião e o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense (NEPHUUFF).


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6.1

Sindicato da Indústria da Construção Civil no RJ – SINDUSCON

O SINDUSCON-RJ é uma entidade da classe empresarial da indústria da construção civil brasileira, fundada em 1919 por um grupo de construtores responsáveis por grande parte do desenvolvimento urbano da cidade do Rio de Janeiro àquela época, e convertida em sindicato 1935, com o advento do sindicalismo no Brasil. Segundo as informações que constam do seu site, a política do Sindicato prima pelo fortalecimento institucional do setor, através da promoção de ações concretas voltadas para o bem-estar da população e dos trabalhadores da indústria da construção. A ideia de incluí-lo no presente trabalho origina-se da importância desse agente no âmbito da construção civil, assim como da supracitada pesquisa que realizou um levantamento de cerca de cinco mil imóveis do centro do Rio. Através de indicações consegui uma entrevista com o Senhor Jackson da Costa Pereira, um dos 10 vicepresidentes do Sindicato, e que, a principio, seria a pessoa responsável por esse levantamento que, coincidentemente, foi capa do jornal O Globo (abaixo indicada), dois dias depois de realizada a entrevista por mim requerida. Interessante observar que logo no inicio da entrevista, antes mesmo de ser realizada a primeira pergunta, o Senhor Jackson me contou que fez um trabalho há anos atrás para sua pós-graduação no Instituto Metodista Bennett, onde foi aluno de restauração. Durante este curso o Sr. Jackson fez uma pesquisa sobre os imóveis do Rio e chegou à conclusão da existência de 5 mil imóveis vazios. Para tal, o raciocínio se inicia com base em dados censitários que, segundo o autor, apontavam que nos últimos 30 anos o Centro da cidade do Rio de Janeiro havia perdido cerca de 40 mil habitantes. Nas palavras do entrevistado: A tipologia básica desses sobrados é loja em baixo, primeiro e segundo pavimento, ou só primeiro pavimento. Dependendo da área central mais nobre, são 2 pavimentos além da loja. Nas áreas menos nobres, 1 pavimento. (...) Nesse estudo nós chegamos à conclusão que se perdeu 40.000 moradores, e a média de habitação por cada casarão, pode ser definida como 8 pessoas, porque as famílias não eram pequenas. E se você tinha um casarão com um andar simplesmente, supomos que quase sempre um andar tinham 2 apartamentos, era sempre um na frente e outro atrás. Aí, supondo 4 pessoas por apartamento dá 8 pessoas. Então, fazendo uma conta


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simples e empírica, são 40.000 pessoas dividido por 8 pessoas por casarão, você teria 5.000 casarões abandonados. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Fonte: Jornal O Globo – 11/05/08, página 1


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Ao ser indagado sobre a possibilidade desses imóveis terem recebido outras funções (comércio e/ou algum tipo de serviço), O entrevistado registrou a seguinte explicação: Mas quando eu falo 5.000 imóveis é que não têm morador, e não imóveis que estão caindo aos pedaços só não. O que virou uma oficina mecânica para mim é um imóvel sem uso, o que virou um boteco ou uma borracharia é um imóvel sem uso que poderia ocupar um morador e está mal utilizado. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Tentando esclarecer melhor os parâmetros usados para definir esses imóveis ―sem uso‖, aprofundei os questionamentos, conforme diálogo transcrito a seguir: (T) - Mas se a gente contar, por exemplo, e o seu escritório? (E) - ―Não, o meu escritório não! Ele é uma habitação que está sendo utilizada. Não é habitação ‖ (T) - Mas o seu escritório não entraria nessa conta? (E) - ―Mas para você ver... o que você tem de comercial, eu sou um caso único contando algumas coisas da Lapa e algumas coisas da Rua do Lavradio, que são lojas com... e... e... são muito poucos... Você pode dizer tranquilamente que tem 5.000 imóveis com utilização indevida, que sejam 4.000, que seja 3.000, isso é um número empírico, porque é em torno, porque o numero é chocante. Se você chegar a 3.000 é tão chocante quanto aos 5.000. Então, não houve uma preocupação; mesmo porque não tem condições de se fazer isso através de um mecanismo empírico.‖ (Ticianne Ribeiro e Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Ao fim deste diálogo notei que até é possível que existam sim cinco mil imóveis desocupados ou ocupados por pequenos comércios e por serviços simples (que atendem à população de baixa renda, como os botecos ou as oficinas) de que fala o Senhor Jackson. Porém, definitivamente, esse não é um dado nada científico, não me parece ser um ―levantamento‖ como dito na capa do jornal O Globo, e sim uma suposição simples do representante do Sinduscon-RJ, que demonstra conhecer bastante a área central do Rio de Janeiro. Insistindo no levantamento noticiado pelo jornal O Globo, indaguei se havia sido feito algum levantamento de campo, para conferir quantos imóveis que estão desocupados, sem comércio, sem nada. O Vice-presidente afirmou que sim, complementando que havia contratado uma:


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equipe de estagiários e de arquitetos para fotografar todos os imóveis que estivessem com a placa aluga-se ou vende-se. Desse levantamento, foram encontrados 91 imóveis em toda a área do Centro. (...) fotografamos esses imóveis, pegamos os endereços e os contatos e disponibilizamos esses imóveis para os empresários, para ver se interessariam em fazer reabilitação dos mesmos para uso habitacional. Alguns empresários se interessaram, mas ao contatarem os proprietários viram que um percentual de 30% tinha problemas de titularidade e quase 100% tinha problema de divida de IPTU que, com juros e com multa, às vezes era um valor igual ou superior aos imóveis. O que inviabilizava totalmente o empreendimento habitacional. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Dito isto, voltamos a tocar no tema dos cinco mil imóveis, o Sr. Jackson confirma então, minha impressão de que esse número, na realidade, não passa de uma suposição ao afirmar que: A pesquisa que a gente tem é empírica, como eu disse baseado na redução dos moradores do centro e na existência dos mesmos imóveis que nós tínhamos a 30 anos atrás. A gente deduziu que a gente tem próximo de 5.000 imóveis que estão desabitados, em processo de degradação e invadidos, ou ocupados de forma indevida, por oficinas, por bares, por borracharias, por estacionamentos, enquanto poderiam se tornar habitações. Parte desses imóveis só tem a parte inferior do imóvel ocupado e a parte superior desocupado, então, quer dizer, é uma má utilização de uma região que é dotada de uma infraestrutura de primeiro mundo. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Veremos outros trechos da entrevista a seguir. Mas, ao que tudo indica, parece que a pretensão do SINDUSCON-RJ é que todo esse comércio de baixo poder aquisitivo saia do centro e passe a haver somente atividade comercial, apartamentos e Lofts para classe média e média alta. Nessa mesma entrevista, o Sr. Jackson afirma ainda que as edificações que por ventura necessitem de obras de restauração, possuem uma série de complicadores. Já os vazios urbanos são, na avaliação do entrevistado, mais simples: ―os vazios urbanos vão ser ocupados rapidamente. Por serem terrenos não precisa restaurar‖. Para ilustrar e corroborar tal afirmação, ele cita o exemplo do Cores da Lapa, dizendo que ―os vazios urbanos são viáveis, porque não dependem de restauração, nem de IPTU, de nada. É o caso do Cores da Lapa, por exemplo.‖ Devido ao grande empecilho com os altos valores de IPTU que muitos imóveis do centro possuem o representante do SINDUSCON-RJ alerta que a referida entidade já tentou solucionar, de alguma maneira, esse obstáculo. Nas suas palavras:


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Submetemos, um projeto de lei ao Prefeito, para ter a remissão da divida do IPTU dos imóveis que se destinassem à habitação no Centro. Se o construtor fizesse a restauração e a reabilitação do imóvel, a Prefeitura eliminava o IPTU atrasado. E para poder não ter jogo com esse tipo de coisa, só na hora do habite-se é que se faria a concessão. Só que o Prefeito respondeu que não! Que se o imóvel deve tanto quanto ao valor do imóvel ele vai desapropriar, e que o imóvel vai pertencer à Prefeitura. Tudo bem, então que a Prefeitura desaproprie, mas, restaure, porque daqui a 2, 3, 5 anos ele desaba sozinho; ou venda, ou faça um leilão para iniciativa privada. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

O projeto para atender à habitação popular elaborado pelo SINDUSCON-RJ, com o apoio da FIRJAN é conhecido como ―PROJETO PILOTO‖. Este propõe a construção de pequenos bairros residenciais, em terrenos próximos à estação de trem ou metro de bairros pobres do Rio. Segundo eles, essas habitações se destinariam a às famílias de baixa renda. De novo, destaco a palavra baixa renda. Conforme explicarei a seguir. O crescente déficit habitacional no País se deve à falta de uma POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL, que nunca existiu, nem mesmo à época do BNH – Banco Nacional da Habitação. Os números mais recentes são de 2004 do IBGE e apontam déficits de 7.649.191 no País e 711.420 no Estado do Rio de Janeiro. Considerando-se que 91,6% atingem populações de baixa renda (até 5 salários mínimos) é preciso que se encontrem soluções para o problema, que agrava cada vez mais as condições de segurança e saúde das cidades. Um instrumento excelente foi criado no ano de 2005, com a aprovação por aclamação no Congresso, após 13 anos de tramitação, da Lei 11.124/05 que cria o SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL e institui um FUNDO FINANCEIRO PARA SUBSÍDIO EXPLÍCITO às famílias que serão atendidas, e que exige a parceria dos Municípios e ESTADOS. Em função disto, o SINDUSCON-RIO - Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro, com o apoio da FIRJAN - Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e com a colaboração das empresas responsáveis pelo transporte massa ferroviário e do metrô na região metropolitana do Rio de Janeiro, criaram um PROJETO PILOTO para a construção de pequenos bairros residenciais e mistos, destinados às famílias de baixa renda, em terrenos dos vazios urbanos infraestruturados, situados preferencialmente ao longo dos eixos das linhas férreas, próximos às estações. A iniciativa tem como objetivo demonstrar a viabilidade da Lei mencionada acima. Como exemplo, apresentamos o crescimento urbano desordenado no Rio e áreas infraestruturadas disponíveis junto aos eixos de transporte de massa. (trecho retirado do site do SINDUSCON-RJ).


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O projeto52 prever edifícios de até 5 pavimentos (térreo + 4 tipo), sem elevador, com 4 apartamentos por andar, de sala, 2 quartos, banheiro social, copa-cozinha, em grupamento residencial, com taxa de ocupação de 50%, com áreas de lazer para adultos (quadra poli esportiva) e de recreação infantil, bem como áreas verdes e estacionamento, e eventual equipamento comunitário construído e instalado pela Prefeitura ou Estado (creche, escola ou posto médico), em terrenos junto à linha férrea próximo as estações. Os apartamentos podem possui área útil de 41,60m²; 45,74 m² ou ainda 53,8 2 m².

Fonte: Site do SINDUSCON-RJ.

Vale ressaltar que o projeto se mostra só viável para famílias com renda de no mínimo 3 salários. A tabela abaixo indicada demonstra os valores dos apartamentos de menor custo, ou seja, de R$50.000,00, e do de maior custo, de R$75.000,00.

Fonte: Site do SINDUSCON-RJ

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Todos os dados e imagens do ―projeto piloto‖ foram retirados do arquivo de apresentação do mesmo, em

PDF, disponível para download no site do SINDUSCON-RIO através do link: http://www.sindusconrio.com.br/doc/proj_piloto.pdf Consultado em Maio de 2008


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*Para o Subsidio FNHIS exceder os R$23.000,00, é preciso que o empreendimento esteja dentro do PPI (Projeto Prioritário de Investimentos) do PAC. No caso do Rio de Janeiro, o Conselho Gestor do FEHIS fez a solicitação ao Ministério das Cidades para a inclusão dos terrenos do Projeto Piloto Sustentável do SINDUSCON-RIO/FIRJAN no PPI do PAC. Fonte: Site do SINDUSCON-RJ

Note que na terceira e quarta linha do trecho retirado do site o SINDUSCON as informações do IBGE sobre o déficit habitacional são apresentas conforme o entendimento do sindicato visando dar respaldo ao projeto piloto. Como já foi dito no presente, do déficit, mais de 80% é referente a famílias com até 3 salários mínimos. A população de 3 a 5 salários mínimos representa somente 6% do déficit. Mas, como a proposta do Sindicato é para faixa de 3 a 5 salários, o dado real do déficit é apresentado de modo a favorecer o dito empreendimento. Registra-se então, a clara manipulação da informação. Assim, o sindicato usa um número (do déficit) que representa a precariedade e a falta de geração de habitação popular para os setores de mais baixa renda (de 3 a 6 salários mínimos) ao seu favor, como justificativa da captação de recursos públicos para a implantação do seu projeto que em realidade atende a faixa de 3 a 5 salários. Não me cabe julgar essa proposta a nível arquitetônico e urbanístico, contudo, acho que para o presente trabalho, a simples apresentação das ideias do sindicato para solucionar.


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6.2

Fundação Bento Rubião

A Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião foi criada em 1986, por uma equipe que já desenvolvia um trabalho de fortalecimento comunitário e regularização fundiária na Pastoral de Favelas da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Nesse ano, o grupo discordou da vinculação da evangelização com a defesa e garantia de direitos e decidiu criar sua própria instituição, sem confissão religiosa ou político-partidária. Meu entrevistado na Fundação Bento Rubião é o Coordenador Executivo, Arquiteto Ricardo de Gouvêa Correa. Nas suas palavras: O projeto original de 21 anos atrás Fundação Bento Rubião é assessoria sócio jurídica de grupos ameaçados de despejo, de sem terra, procurando terra e isso nos temos até hoje. Nos temos um programa chamado terra e habitação que tem 3 linhas de atuação: ação sócio jurídica contra despejos; mais recentemente, a pauta da regularização fundiária, com locais que não estão ameaçados, mas também não estão regularizados, como Rocinha, Nova Iguaçu entre outros; e o terceiro projeto é esse de cooperativas e associações que é a construção de casas. Além disso tem também toda a participação política maior na luta pela formulação e implementação de políticas públicas. Isso é uma ação transversal da nossa organização. (Ricardo Correa, em entrevista gravada).

Desta forma, Ricardo explicita que a Fundação é uma organização não governamental, que se coloca fundamentalmente como assessor dos movimentos sociais, ainda que também, como outras ONG`s, protagonize na discussão das políticas, participa do Fórum Nacional de Reforma Urbana, do Conselho das Cidades, do Conselho do Fundo Nacional para Habitação de Interesse Social, mas ―sempre, acima disso, nos colocamos como assessor dos movimentos, dos grupos.‖. Questionado sobre como se dá o diálogo com o poder publico, e ele responde que: ―nosso dialogo com o poder público é sempre que houver o interesse de determinado grupo. Não temos uma negociação nós e o poder público.‖ Pergunto também se a Fundação está trabalhando com algum imóvel no centro. Ele me responde: ―Não! Mas gostaríamos, é uma lacuna no nosso ―cardápio‖.‖ Hoje a Fundação Bento Rubião presta assessoria e elabora o projeto para a área conhecida com Matadouro. Conforme indicação anterior, esta é uma das 3 propostas que vão ser contemplados no pacote do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social FEHIS, junto com às ocupações localizadas no Centro, a saber, Manuel Congo e Chiquinha Gonzaga.


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6.3

Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU-UFF)

O Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos é um grupo vinculado à Pro-reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense que atende à demanda da população de baixa renda de Niterói e redondezas, propiciando auxílio técnico para lograr o direito à terra e à moradia. A entrevista realizada nesse Núcleo, foi com a Coordenadora do mesmo, Arquiteta Regina Bienenstein que também é professora da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF, ainda ministra a disciplina de Projeto de Habitação Popular. A Arquiteta Regina relatou que o NEPHU-UFF trabalha atendendo às solicitações dos grupos sociais que estão minimamente organizados. O método utilizado é essencialmente participativo, e busca sempre a interação com a população. Tal metodologia ―estimula a população a participar conosco em todo o processo, inclusive, no projeto. Devem aprender e buscar ter autonomia na luta. É um processo que visa ensina-los a andarem sozinhos.‖ Sobre como são viabilizados os projetos no NEPHU-UFF, a Coordenadora afirma de forma clara que: Orientamos as lideranças para pressionar a Prefeitura. A partir daí, a ideia é buscar convencer o poder público de que o projeto é viável. Nisso a Universidade ajuda, porque ainda tem algum respaldo tendo em vista sua chancela, seu nome. Às vezes a Prefeitura vem nos buscar e ai, neste caso, é mostrar para a população como a gente trabalha, levando as lideranças com as quais já trabalhamos, para mostrar que o trabalho é confiável. Porque não é uma discussão fácil, porque muitas vezes mexemos com a questão da posse da terra. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).

Em 2005 e 2006 o NEPHU-UFF trabalhou na ocupação do conjunto Amigos da Paz, em Icaraí, Niterói, RJ. As famílias foram despejadas do edifício privado em 2007 por ordem judicial, resultante de um complexo processo de jogo político. Por isso, pergunto como está a questão da habitação popular no centro de Niterói. Ela comenta que alguns alunos, em sua disciplina fizeram um levantamento de todo o centro de Niterói estudando as possibilidades de habitação popular. Este projeto foi premiado, mas, apesar dos prêmios e da repercussão do mesmo, Regina pondera que:


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A força do capital imobiliário foi mais forte perante a Prefeitura. Não interessa para eles colocar moradia popular no centro da cidade, porque essa é uma área infraestruturada, que eles querem revitalizar. Tanto é, que a Prefeitura foi até Miami e contratou uma empresa americana para vir a Niterói elaborar o que chamaram de Máster Plan daquela área da cidade de Niterói. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).

Questionada sobre o que ela pensa sobre as ocupações de edifícios públicos e a ocupação de edifícios privados, quais as diferenças? Ela responde que: A ocupação dos espaços privados para regularizar é sempre um processo mais longo, (de décadas) porque depende sempre da justiça. Contudo, por mais que hoje já se tenha o Estatuto da Cidade que reafirma o direito à cidade e a função social da cidade e da propriedade, os juízes ainda não estão completamente convencidos disso. Por outro lado, se uma ocupação consegue ficar em um edifício publico por mais de 5 anos o processo em principio seria administrativo, aplicando a medida provisória 2220. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).

Comento o fato dos edifícios nas áreas centrais do Rio de Janeiro e ele avalia que no caso desses edifícios deveriam ser criadas pequenas Zonas de Especial Interesse Social, ZEIS, para habitação, no lote de cada edifício, acrescentando ainda, um ponto de vista que julgo ser bastante interessante e enriquecedor, e que é a seguir indicado: Se o objetivo não é segmentar a cidade e fazer quistos na mesma de uma só renda, é possível, mapeando, fazer pequenos recortes, não precisa ter ZEIS para habitação de baixa renda enormes na cidade. Esta é a solução que hoje estamos privilegiando, ao invés de ter grandes áreas de baixa renda você ter essa mistura no tecido urbano, isso preserva a riqueza e democratiza a ocupação da cidade. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).


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7 Comparação de opiniões de acordo por temas determinados. Ao realizar a etapa de diagnóstico dos atores envolvidos com a questão da habitação, percebi que muitas vezes um mesmo assunto era visto de diferentes pontos de vista, de acordo com a vivência e interesses dos diferentes atores. Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é o de colocar lado a lado as diferentes opiniões sobre um mesmo tema. Para tanto, foram selecionadas partes (ainda não apresentadas) das entrevistas com os atores acima descritos, que foram organizadas segundo os temas que mais recorrentes que emergiram durante as entrevistas realizadas.

7.1

Sobre o déficit habitacional do Brasil:

Inicio esse tópico com a opinião de Célia Ravero (ITERJ) que durante a entrevista realizada, afirmou que o Brasil é o terceiro país depois da África e da Índia em déficit habitacional e que tal dado o coloca em uma situação de emergência habitacional. Sendo assim, ela acredita que, no Brasil, se deve tratar esse problema com maior objetividade. Prosseguindo na sua argumentação a entrevistada ponderou que: Trata-se de um paradoxo! Porque, do ponto de vista da legislação, o Brasil é o país mais avançado na América Latina, sem dúvida. Tanto é assim, que outros países como Venezuela querem agora adotar parte do arcabouço jurídico brasileiro. Desse modo, pode-se dizer que o Brasil encontra-se no mesmo patamar de países com grande desenvolvimento urbano como a França, por exemplo. Por que eu falo isso? Porque em 1988 a Constituição Federal incorporou preceitos da reforma urbana e isso foi produto de uma importante mobilização popular, ou seja, a luta pela reforma urbana a nível nacional. E ele incorporou instrumentos fundamentais para viabilizar habitação popular (...). O Estatuto da Cidade é um instrumento jurídico de maior valor para, através de disposições legais, fazer um planejamento da cidade que permita conduzir essa cidade para incorporar os excluídos. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Célia acredita que para solucionar o problema da habitação é necessário que o governo tenha como elemento dominante um programa de incorporar os trabalhadores no desenvolvimento, indo além da simples modernização do País para atrair os capitais internacionais. Ela destaca a diferença entre essas ações: (...) uma coisa é modernizar e outra coisa é desenvolvimento, que é incorporar os setores excluídos a toda essa riquezas produzidas


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nacionalmente. O Brasil está cada vez está mais alto na pirâmide de países modernos e cada vez mais baixo na pirâmide descendente dos países subdesenvolvidos, quando se observa os índices de qualidade de vida (...). Enquanto persistir o enfoque de país moderno através de, entre outros, capital internacional, cultura para exportação, bolsas lá em cima e lá em baixo, a miséria, a fome e as dificuldades de acesso à moradia, é porque não há desenvolvimento, há modernização criando um país de contradições violentas e de um desenvolvimento desigual e combinado. Trata-se então de uma paradoxal combinação entre esse tipo de modernização e escassos recursos para a população. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Questionada sobre qual seria a saída para o problema da habitação, Célia responde: ―a solução é que a sociedade siga um modelo diferente de desenvolvimento e não de modernização‖. Peço para ela me explicar mais como isso pode ser feito em uma cidade repleta de contradições como o é a cidade do Rio de Janeiro, e ela me dá como exemplo o caso de edifícios que devem IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) maior do que o valor do próprio prédio, alegando que nesse caso a função de um Prefeito progressista e comprometido com um tipo de planejamento para uma cidade por ela qualificada de sustentável, é fundamental. A esse respeito, destaco a seguinte afirmação da entrevistada: ―O Prefeito para uma cidade por ela qualificada de sustentável, é fundamental. A esse respeito, destaco a deveria executar a divida de todo o imposto, ficando com o prédio para o Estado, e dedicando-o à habitação popular‖. Vale ainda acrescentar outro trecho da sua entrevista que complementa seu raciocínio: Agora, congelou! Ninguém compra porque deve imposto que é mais caro que propriedade. E como o imposto acompanha a propriedade, o preço final dela fica caríssimo. Ai fica abandonado. Se, por acaso, o imóvel é ocupado, vem a polícia repreender e retira-los em função da questão da propriedade privada. Então, tudo fica paralisado, embora existam instrumentos jurídicos para poder viabilizar a ocupação e, consequentemente, contribuir para uma cidade mais sustentável. Portanto, trata-se de um problema de modelo. Nele, às vezes são incorporados instrumentos jurídicos que contradizem o próprio modelo. Acaba caindo naquela velha expressão ―para inglês ver‖, ou seja, os instrumentos estão ai, mas não são utilizados. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Christiano Otoni, da Caixa Econômica Federal, concorda com tal visão, ou seja, de que esse é um problema muito grave. Ele sabe que 70% a 80% do déficit estão concentrados na população de baixa renda (a saber: até 3 salários mínimos), e avisa que esta é, normalmente, uma população que tem muita dificuldade de acesso ao


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financiamento da casa própria. Na sua avaliação, ―a resposta para isso não tem outra que não seja o subsídio habitacional‖, explicando como isso funciona dentro da CEF: É (o subsídio) o que está se procurando fazer agora, com o FNHIS, o próprio FGTS também vem a alguns anos destinando recursos para subsídios para a baixa renda. Agora, é um longo caminho, é um déficit muito grande, não se resolve de uma hora para a outra. Aliado a isso se deve buscar tecnologia e alternativas construtivas que reduzam o custo da habitação e também incentivar a autogestão, com capacitação e assistência técnica, que considero um ponto chave. (Christiano Otoni, em entrevista gravada).

Christiano Otoni ainda enfatiza a questão relativa à assistência técnica, pois, antes do FNHIS, nenhum outro programa dava recursos para esse item. Ou seja, os movimentos sociais tinham que ficar a espera de uma ONG, ou entidade do tipo, que trabalhasse em um projeto para eles gratuitamente. Hoje, o FNHIS já fornece uma quantia para o custeio do projeto e, o mais importante, essa quantia é paga antes da apresentação de todo o projeto. Essa modalidade de financiamento o FNHIS, foi criada recentemente e por isso o entrevistado demonstra cautela ao falar que essa será a solução para o problema da habitação. Sendo assim afirma que: (o déficit habitacional) É um problema grave que tem que ser resolvido o mais rápido possível. Mas, a gente sabe que isso demora um tempo, mas o fato de já estar vislumbrando essas novas alternativas que estão sendo criadas (FNHIS), isso me deixa muito otimista.

Eu sei que estamos no caminho certo, mas, ao mesmo tempo fico cauteloso, porque eu sei que para isso dá resultado ainda vai demorar certo tempo. Quando indagado se considerava possível resolver o problema da habitação da cidade do Rio de Janeiro, Tiago Franco Fontes, da CEHAB, respondeu, talvez de forma um pouco mais direta, que SIM! Conforme relatou, a solução através do aproveitamento dos: (...) vazios urbanos da cidade em áreas infraestruturadas que existem, como no centro da cidade, na Avenida Brasil (tem também enormes vazios) e na área portuária. Baseado na pesquisa do SINDUSCON-RJ, que na área central tem cinco mil imóveis vazios, públicos e privados. Tem também uma pesquisa da Fundação João Pinheiro que indica que na área metropolitana do Rio tem mais de 400.000 domicílios urbanos vagos. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).


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Sem tecer mais comentário sobre a pesquisa do SINDUSCON-RJ, me pergunto somente se essa afirmação não seria um tanto quanto contraditória da fala destacada no capítulo anterior. Conforme descrito no cap.5, item 5.3, Tiago não me pareceu tão positivo e determinado a fazer no Programa de Reabilitação das Áreas Centrais do Rio de Janeiro tantas habitações populares que chegariam a vencer o déficit, pois admite que sua intenção é fazer habitações para todas as faixas de renda, tendo somente afirmado que: ―nosso plano vai ter um lado que vai olhar para essas famílias de 0 a 3 salários mínimos‖. Já Marcelo Edmundo (CMP), tem uma visão parecida com o a de Célia Ravero (ITERJ): O problema da questão da moradia só vai mudar se mudar o modelo de sistema que temos aqui. Mas a gente pode tentar avançar em algumas coisas. Temos que continuar ocupando como forma de pressão, não como solução. Temos que avançar e ocupar não só imóveis públicos, mas também particulares. Na minha visão pessoal temos que perturbar. O momento que a gente vive é um momento que a única coisa que nos resta é perturbar. Tomaram todas as outras possibilidades, a gente não tem direito a nada (...) olha ai os despejos das favelas. Sou contra a remoção das favelas, mas temos que ter consciência que aquele espaço não é o ideal e devido. (Marcelo Edmundo, em entrevista gravada).

Sobre esse tema, fica claro, que Marcelo que mesmo, talvez, sem ter consciência disso, seus posicionamentos se remetem aos colocados por Engels (1872) com relação aos ―burgueses filantropos‖ de que falei no capitulo 01. Podemos comprovar tal remetimento à seguinte fala: ‖o sentimento de culpa da classe média faz com que ela seja contra a remoção, mas, desde que o cara fique na favela. Coloca faculdade na favela, creche na favela para que ele fique lá e não invada os espaços da burguesia.‖ (Marcelo Edmundo, em entrevista gravada). Lourdes (MNLP) acha que quando se fala no déficit habitacional, em geral, se reduz muito a questão da moradia. Porque, se analisar só o número do déficit, deixamos de lado diversos aspectos tais como: a existência, nas proximidades das moradias populares, de equipamentos coletivos de lazer, de instituições de ensino e saúde, de transporte coletivo de qualidade, de oportunidade de emprego, além da conformação física dos espaços internos da casa e do o entorno e a questão da segurança.


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Portanto, ela prefere falar na falta de moradia digna, mas admite que por vezes usa o termo déficit habitacional também como referência estatística. Contudo, vale destacar que na concepção da entrevistada, esse numero não representa a demanda real de moradia digna. A resposta de Jackson Pereira (SINDUSCON-RJ) à minha pergunta sobre como solucionar o problema do déficit habitacional no Brasil se encaminhou para o contexto de que falamos durante a entrevista, ou seja, habitação no centro do Rio de Janeiro voltada especialmente para a população de 0 a 3 salários mínimos. A esse respeito o entrevistado respondeu que: Do déficit habitacional no Brasil cerca de 80% corresponde à faixa de 0 a 3 salários mínimos. Nessa faixa de renda, em todos os países do mundo tem que haver subsídio. No centro ou em qualquer outro lugar não se encontra moradia para esse grupo de pessoas nessa faixa de renda. Existem programas do governo que subsidiam. Uma solução seria na parte mais nobre do centro seriam inseridas as incorporações a preço de mercado e, na parte menos nobre, como a área portuária, a área da Gamboa, ali perto da Cidade do Samba onde trabalham aproximadamente 2.000 pessoas fora da época do carnaval e na época do carnaval vai pra 4.000, por exemplo, poderiam ser implantadas moradias destinadas à baixa renda subsidiada pelo governo. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Para Ricardo Correa, da Fundação Bento Rubião é possível solucionar o problema da moradia no Rio de Janeiro, desde que haja vontade e inteligência política! Porém, ele alerta que não seria através de uma solução simples e que, talvez, no rol das atuais demandas sociais, seja a mais complexa e cara. Segundo ele, o montante de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) um dos maiores investidores na produção de habitação e saneamento, ou seja, produção de cidades que serão investidos chega a cerca de 14 bilhões de reais. Ele possui também, um dado de que em 2005 a autoconstrução mobilizou para a construção de moradias cerca de R$10 bilhões. Com esse valor (24 bilhões), ele especula que em cerca de 5 ou 6 anos ―se acabaria com o déficit habitacional‖. Na sua avaliação não se trata de ―um problema de recurso é um problema de gestão desse recurso. Por isso, acho que dá sim pra resolver.‖ (Ricardo Correa, em entrevista gravada). Questionado sobre quais seriam as alternativas mais viáveis e mais inteligentes, para diminuir o referido déficit, ele me responde, cauteloso, que o Brasil é um país grande, com uma diversidade imensa e, por isso, estaríamos falando ao mesmo tempo de Amazonas e São Paulo.


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Por isso, não dá muito para ter padrões de atendimento. Para Ricardo Correa, deve haver tratamentos diferenciados, com diversidade de soluções para diversidade de contextos. Sobre o caso da cidade do Rio de Janeiro, e ele diz então que falta um poder público (todos os órgãos, inclusive os conselhos com participação social) de fato compromissado com uma cidade justa e sustentável (aplicando os instrumentos) que vai planejar e orientar a ocupação e desenvolvimento da cidade e a provisão de habitação em 3 grandes linhas: a) A urbanização e a regularização de assentamentos (como favelas); b) A produção de novas habitações pelo setor privado ou pelas cooperativas e associações; e c) A autoconstrução assistida com financiamento e acessória técnica e acesso a terrenos infraestruturados. Sobre o método usado na produção de novas habitações Ricardo Correa afirma que: Acho que tem que produzir unidades através do setor privado, mas com uma apresentam uma demanda. Eu acho até que não dá para construir sete milhões de casas por cooperativas e por autogestão, que é um dos programas que eu acho regulamentação, planejada. Tem-se, por exemplo, o programa da Caixa como crédito associativo coletivo. Ele é todo feito pela lógica das empreiteiras, elas que deveriam ser fundamentais, mas é claro que tem espaço para as empreiteiras, mas o que criticamos é a lógica de produção ser uma lógica ditada por elas. Uma lógica de produção, que a empreiteira que escolhe o terreno, onde acha melhor e mais barato, enfim, não há uma gestão publica que escolha e atenda a demanda por habitação segundo critérios transparentes, com o lucro regulamentado também, de uma cidade sustentável e democrática. (Ricardo Correa, em entrevista gravada).

Ele ainda ressalta que para essa produção de moradia planejada era necessário ter um Plano Diretor que ordenasse o uso e a ocupação do solo, que definisse as áreas para produção de habitação de interesse social, gravasse essas áreas como áreas de especial interesse social (inclusive as favelas para melhoria habitacional). Então, a partir do Plano Diretor, um plano municipal de habitação, que agora é obrigatório de ser feito. Lembra ainda que devem ser utilizados os instrumentos já consagrados pelo Estatuto da Cidade (IPTU progressivo, outorga onerosa, direito de construir, entre outros), para que se possa baixar ou segurar o preço da terra e destinar, para habitação popular, áreas infraestruturadas da cidade, de preferência parte delas no


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centro da cidade, perto das oportunidades de emprego. Complementou sua intervenção afirmando que: Essa produção seria realizada pela iniciativa privada, por cooperativas, por associações, ou pela própria população. Não se poderá eliminar os 10 milhões, que vem da própria população, sem financiamento, sem Caixa, sem nada. Não vai se acabar com isso da noite para o dia, não sei nem se é o caso de acabar. O que é preciso é dar acessória técnica a essas famílias, dar acesso ao financiamento para que elas possam fazer isso com menos sacrifício, facilitar que elas acessem um terreno com infraestrutura e bem localizado. (Ricardo Correa, em entrevista gravada).

Na entrevista com Regina Bienenstein (NEPHU-UFF), pude perceber que talvez por atuarem em áreas muito semelhantes, ela compartilha de muitas ideias de Ricardo Correa. Quando indagada sobre quais seriam as possíveis alternativas para acabar com o déficit habitacional, Regina Bienenstein foi um pouco mais objetiva, afirmando que no Estado do Rio de Janeiro, onde ela atua, existiriam três formas básicas de enfrentamento do problema: a) A construção de novas moradias; b) A urbanização e a regularização de assentamentos; e c) A ocupação de espaços abandonados ou subutilizados.

7.2

Sobre os “gargalos” na produção de habitação:

Inicio, mais uma vez, pela opinião de Célia Ravero (ITERJ) tendo em vista que, na minha avaliação, são as que abordam de questões mais amplas, para, depois, aos poucos, tratar das questões mais pontuais e específicas que nos trazem os demais atores entrevistados. Célia identifica como o maior gargalo da produção de habitação popular, o jogo de interesses que submete a vontade coletiva, da grande massa de trabalhadores, às vontades comerciais, prevalecendo assim a violenta especulação imobiliária. Ela lembra dos instrumentos jurídicos, como, por exemplo, o conceito de função social da propriedade urbana e o Estatuto da Cidade, afirmando também que a terra urbana é uma construção coletiva. Nas suas palavras: Esses instrumentos estão colocados no Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro há 14 anos e o imposto progressivo nunca foi aplicado, porque o interesse da especulação imobiliária é muito forte.


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Nesse sentido, o fato de eu deixar uma terra urbana vazia sem edifícios é porque ela está esperando o maior valor da terra, ou para vender ou para construir. Todos esses instrumentos jurídicos existem e deveriam ser aplicados, mas, não são aplicados. Dessa forma, o déficit habitacional do Rio de Janeiro se deve em grande parte não a falta de uma legislação adequada, e sim a governantes que resistem a cumprir essa legislação.

A entrevistada afirma ainda que Secretaria Municipal de Habitação da cidade do Rio de Janeiro tem recursos liberados pelo Ministério das Cidades, mas não encontra terra para construir casas populares! ―Não é que não haja terra, é que a terra é tão cara que não consegue acessar‖. Lourdes (MNLP) vai além, apontando que para o movimento ―a visão do Estado de que moradia é uma mercadoria é uma grande barreira ideológica que trava todos os mecanismos internos do Estado que cria uma política que atenda o direito universal de morar‖. Ela aponta como outra barreira também muito importante o fato de que tal visão já foi assumida pela população. A esse respeito, ela afirmou que: ―é uma dificuldade organizar o povo e mostrar que ele não está invadindo, que é uma ocupação e ele tem o direito, que ele não precisa se sentir culpado, não precisa ficar constrangido com isso, pode se organizar, botar a cara, e não precisa ter vergonha de ser chamado de sem-teto.‖ Nesse sentido, Ela conclui que o povo tem que perceber que sem-teto não é sinônimo de vagabundo e de mendigo. Assim, acha que ―a maior dificuldade é o povo se sentir sujeito desse direito e o governo se sentir na obrigação de garantir esse direito‖. Marcelo Edmundo (CMP) coloca como uma dificuldade a questão da propriedade privada ser vista ainda como um direito incontestável, superior ao direito à moradia, afirmando que muitos ainda pensam assim, não vendo a moradia como direito maior: ―na lei, a propriedade está acima do direito à moradia, e isso se confunde muito.‖ Diz que para o movimento social o diálogo com aqueles que possuem as propriedades também é muito difícil, citando o caso do Instituto Nacional da Reforma Agrária, INCRA, aonde o movimento tem encontrado muita resistência. Lembra também que já tiveram muitas dificuldades envolvendo questões políticas, das quais preferiu não falar. Reforçando essa opinião acerca da difícil relação com os órgãos públicos Ricardo Correa (Bento Rubião) aponta que:


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Pelo que vemos no Rio de Janeiro nenhum órgão é exemplar, trazendo os casos da Companhia Docas com a ocupação Quilombo das Guerreiras, do INCRA com a ocupação Chiquinha Gonzaga, do INSS com a ocupação Zumbi dos Palmares e com o Manuel Congo. Uns com um pouco mais de diálogo (como INCRA), e outros mais incessíveis (como a Companhia Docas) (Ricardo Correa, em entrevista gravada).

Indagado sobre como tem se dado à relação com a Caixa Econômica Federal, Ricardo responde que: É um órgão muito grande, extremamente burocratizada, sem foco. Éramos felizes e não sabíamos com o BNH, que era especializado na questão da habitação e desenvolvimento urbano. A Caixa é desde um banco até gestor de vários programas do governo federal. As informações têm que ser checadas constantemente com Brasília, nisso se perde muita informação. Independente de pessoas há ai uma questão estrutural que prejudica o processo. (Ricardo Correa, em entrevista gravada).

Na avaliação de Regina Bienenstein (NEPHU-UFF), a maior dificuldade na luta por habitação popular ―é o poder publico estar consciente que tem que cumprir seu papel. Porque a parceria com a comunidade não é difícil. Desenvolver o projeto não é muito difícil.‖ Ela aponta que essa é a grande dificuldade, e que depois estão os gargalos. No caso, do projeto de assentamento, onde ela atua mais frequentemente, ela apontou dois desses gargalos: ―ter recursos para fazer levantamento topográfico aéreo, porque é um serviço caro, e hoje a universidade não presta mais esse serviço‖, afirmando também que é comum fazer um projeto de implantação, de acordo com a realidade da ocupação, com vários estudos e com participação da mesma e por questões diversas a obra se distancia cronologicamente do projeto. Nesses casos então, corre-se muitos riscos de não corresponder mais com a realidade da comunidade e com isso, se ter mais problemas. Christiano Otoni (CEF) reconhece que um grande gargalo são a burocracia e as exigências da Caixa. ―Mesmo quando consegue viabilizar recursos mais baratos, o grau de exigência é o mesmo para um imóvel na Vieira Souto. Já é complicado para quem tem uma estrutura para apresentar toda a proposta, toda a burocracia, imagina para quem não tem essa assistência.‖ Ele aponta também o desinteresse das construtoras: ―pouquíssimas querem trabalhar até com o PAR de 40mil reais.‖ E diz que muitas vezes se faz necessário


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chamar construtoras de fora do Rio de Janeiro. ―As de fora conseguem construir bem rápido e por isso conseguem baratear o custo‖. Diz que aqui no Rio as construtoras precisam fazer um ―pacote‖ (de várias obras) para ter a atratividade. Conta que várias construtoras do Rio de Janeiro não querem fazer obra nos sobrados do centro alegando que têm dificuldades com transporte de material, espaço para canteiros, entre outros problemas. Christiano comenta também o que falta é criar mecanismos que possibilitem financeiramente a reforma para habitação popular no centro. Diz que esses mecanismos devem partir de cima, de quem ele chama de o dono do dinheiro, deixando bem claro que a Caixa é só o meio distribuidor que na verdade está aplicando o dinheiro dos outros - do trabalhador, da população. Ahmed Nazih (Programa Novas alternativas - SMH) afirma que um dos maiores problemas da área central é a questão fundiária. Diz ter muitas propriedades no centro que ao levantarem o registro se deparam com uma complexidade burocrática muito grande (cita exemplos de confusões de herdeiros, na busca pelo real proprietário, etc.). Ele cita, inclusive, que, na verdade, muitos imóveis do centro pertencem à irmandades religiosas. Muitos desses imóveis no centro da cidade pertencem a essas irmandades religiosas que não têm condições de mantê-los. Mas, por outro lado, elas também não vendem. Muitas vezes porque elas também não têm a propriedade. Muitos imóveis receberam em doação há 100 anos e não tiveram a preocupação de passar esses imóveis naquela época para eles. Tem ruas no centro do Rio que, às vezes, em quase toda sua extensão, pertencem a irmandades religiosas. Muitos desses imóveis estão na Rua da Carioca, na Rua do Livramento e na Sacadura Cabral. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada)

O entrevistado aponta também a divida que esses imóveis possuem com concessionárias do serviços públicos, explicando que um dos maiores problemas é que, diferente da energia elétrica, a água não pode nunca ser cortada, então, há imóveis que são avaliados em R$60 mil e esse mesmo imóvel tem uma divida, por exemplo, de R$150 mil de água (no caso da CEDAE, a divida acompanha o imóvel). Nazih, então, mostra que ainda busca remediar essa situação nos imóveis incluídos no Programa Novas Alternativas: Nós temos mostrado para CEDAE que isso é um absurdo e que a Prefeitura não reconhece como sendo dela essa divida, e que


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também não adianta a CEDAE ficar cobrando divida de, por exemplo, uma pessoa que já morreu e que não deixou herdeiros. Então, nós tentamos mostrar a essa concessionária que se ela perdoar aquela divida e a gente construir 10 unidades ali, ela vai ter uma receita imediata. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada)

Tiago Fontes (CEHAB) aponta que no caso dos imóveis que ele irá trabalhar no Programa de Reabilitação da Área Central, a questão fundiária também se apresenta como um complicador, porque tais imóveis vieram parar no patrimônio do estado por meios diversos: Conversei com o cadastro do patrimônio e eles já veem implementando um trabalho ainda pequeno, pois eles têm uma dificuldade para emissão na posse do imóvel, porque muitas vezes o Estado tem a emissão de posse do imóvel, mas não tem a propriedade, porque não está regularizado no RGI (Registro Geral de Imóveis) e pra fins de financiamento só com o RGI. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Jackson Pereira (SINDUSCON- RJ) afirma que da já mencionada (no item 6.1 do capítulo 6) lista de 91 imóveis a venda ou para locação existentes no centro do Rio de Janeiro, 70% tem grandes problemas com a dívida do IPTU. ―Tem imóvel que vale R$ 200.000 e deve mais R$ 300.000 pro IPTU (...) Se você soma a divida da CEDAE e do IPTU vai ser um valor maior do que o imóvel‖! Ele conta que isso é um complicador para os empresários porque não dá pra vender uma habitação no centro para pessoas com faixa de renda superior a 8 salários mínimos. Então, o imóvel não poder ter um valor tão grande como o que acaba tendo quando incorporado o valor da divida do IPTU. Ele ainda ressalta que: ―o pior da divida do IPTU de R$300.000 é que normalmente a divida propriamente dita é R$80.000 a R$100.000 e os outros R$200.000 é juros e correção monetária e multa.‖ Jackson menciona ainda que como é uma obra de restauração, se torna mais complicado para o construtor, citando o exemplo dos 16 lofts que ele fez na área da Praça da Cruz Vermelha: ―tem que dar lucro porque é uma obra lenta, a obra de restauração. Enquanto faço 16 aptos em qualquer lugar em 8 meses, a restauração aqui demora 1 ano e meio.‖ Contudo, ele aponta uma vantagem: ―tem isenção de IPTU, porque você não paga IPTU quando você restaura o prédio‖. Deixa claro que o IPTU a que ele se refere é o valor do ano que vindouro, e não o da divida que já existe há anos. No que diz respeito a CEDAE, Jackson afirma que ―a CEDAE já


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topou fazer um parcelamento da dívida depois da obra concluída.‖. Conclui reafirmando que o maior problema, para ele, é mesmo a divida do IPTU: Com o custo da divida passada do IPTU incidindo no imóvel, primeiro o proprietário não vai pagar esse IPTU nunca, segundo não vai manter um imóvel porque ele sabe que deve o valor do próprio imóvel a prefeitura, então esses imóveis tendem a serem invadidos, ocupados criminalmente ou então desabados. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

7.3

Sobre as ocupações de edifícios públicos:

Célia Ravero (ITERJ), que apoia e ajuda há anos os movimentos populares a fazer a regularização fundiária, é claramente a favor das ocupações. Ela inclusive insiste que uma ocupação não pode ser chamada de invasão, ―porque o ocupante o que faz é, através da organização e da luta, materializar um direito que está escrito. Na verdade, quando ele está ocupando uma área abandonada ele está cumprindo a Constituição, porque não pode deixar a área urbana abandonada.‖ Ela explica que com a introdução do conceito de ―função social da propriedade‖ o proprietário da terra urbana deixa de ter o direito absoluto a propriedade privada, não podendo deixar assim a terra urbana abandonada. Caso deixe, como ela é fruto da construção coletiva, ela tem que ser utilizada para fins coletivos, como, por exemplo, para habitação popular. Esboçando opinião convergente a de Célia Ravero (ITERJ), embora, quando questionado sobre o assunto pela primeira vez tenha se negado a emitir qualquer comentário sobre o assunto tendo em vista ser funcionário da CEF, Christiano Otoni respondeu, como cidadão e morador da cidade do Rio de Janeiro que: Na minha experiência sobre o Rio de Janeiro, e sei que em São Paulo, os movimentos sociais são muito mais organizados do que aqui no Rio, e que agem muito mais e lá as coisas acontecem muito mais do que aqui. O que a gente percebe na pratica é que quando a coisa acontece dessa forma inversa acaba resolvendo. Isso acaba acelerando o processo de dissolução. (...) Porque infelizmente nós temos que ver que é muito fácil chegar no palanque e dizer ―vamos dar os imóveis da União‖ e chegar no palanque e prometer. Mas, existem os complicadores, jurídicos, etc. (...) eu acho que essa vontade política é que tem que vir em cima, e não simplesmente falar ―vou dar e vou acontecer‖, ai quando o social age, faz a coisa acontecer. Infelizmente, porque eu acho que não deveria ser assim,


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não precisava ser assim, mas, é através disso que a gente vê o resultado. É uma vergonha.

Tiago Franco Fontes (CEHAB) mostra a importância desses movimentos ao dizer: ―acho importante a atuação deles, porque sem eles acho que não haveria esse movimento que estamos vendo hoje, esse novo caminho que o Ministério das Cidades acena para a reabilitação dos prédios.‖. Contudo, Tiago, que já trabalhou no programa Corredor Cultural, demonstra também grande preocupação com os imóveis do centro e a sua preservação. Eu só acho que ao fazer a reabilitação e ao Estado, seja federal ou estadual subsidiar a reforma do imóvel, é preciso saber qual é a relação dessas pessoas que estão ocupando com o imóvel e com a aquela área. Até pra evitar a depredação de um imóvel histórico, de valor arquitetônico. Pessoas que trabalham dessa maneira não devem ser contempladas. Agora, em contrapartida, eu acho que pessoas como as do imóvel da Rua da Constituição (são pessoas que eu tenho contato) claro, são pessoas humildes e se instalaram no imóvel a cinco anos e que pelo contrario! Elas evitaram o processo de depredação daquele imóvel dando uma utilização para ele. Eles o conservaram minimamente. Estão lá com condições precárias, mas, não depredaram o imóvel, não contribuíram para o processo de deterioração do imóvel. (...) Assim como o Manuel Congo também, que eu fiquei impressionado com o nível de organização deles, de limpeza. São pessoas organizadas, que fazem parte de um movimento, acho que quando há uma organização política e uma consciência é super bacana e super importante. Esse tipo de ocupação é que deve ser valorizada. (...) Agora, aquela ocupação que tem não um intuito de permanência, mas, apenas de passagem e uma atitude agressiva com o patrimônio público e o patrimônio coletivo, se a gente esta falando de um imóvel preservado, que é de toda a cidade, aí eu sou um pouco reticente ao trabalho em direção ao beneficio dessas pessoas.

Já Ahmed Nazih M. Heloui (SMH) se mostra completamente contra a ocupação dos edifícios públicos, afirmando categoricamente que como representante do ―poder publico não pode incentivar isso... a ilegalidade‖. Considera essas atuações ―um dos maiores entraves do programa [em que ele atua]‖. Diz que vê essas ocupações de forma ―preocupante‖. Fez breve relato exemplificando tal qualificativo, relembrando que havia muitos imóveis que passaram 20 anos como ruínas, e que quando foi divulgado no Diário Oficial do Município [?] que aqueles imóveis estavam sendo desapropriados, naquele mesmo dia os ,mesmos foram invadidos. Nesse sentido, concluiu sua intervenção afirmando que vê:


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isso [as invasões de prédios público] realmente como um problema. Tanto que hoje eu poderia estar produzindo muito mais unidades do que eu estou. Mas todos meus prédios estão invadidos, e eles na hora que você tenta tirar, eles vão para o Ministério Público; ai entra a causa na justiça e no final de 3 a 4 anos eu vou ser obrigado a indenizar essas pessoas. Acabo dando uma indenização para essa pessoa de 15 a 20 mil reais e ai eles saem do prédio e invadem o prédio do lado. Isso está acontecendo. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada)

O representante da SMH conta que havia um imóvel na Rua Venezuela, numero 53, um prédio art decó, que estava vazio há 2 anos. Eles fizeram a primeira visita, para fazer um retrofit, porque era um prédio comercial da União na época que o Rio de Janeiro era capital federal. Cerca de 10 dias após a visita o prédio foi invadido. Conforme declarou: ―então, hoje se você passar lá está totalmente tomado. Ai paramos de trabalhar lá. (...) Agora, quem que vai pagar a recuperação daquilo? Quem que vai pagar o retrofit daquilo? Ai você vai fazer, fazer, fazer, pra no final dar? Não é justo!‖ Além disso, o entrevistado também relatou que a Prefeitura tem uma corregedoria de fomento que cadastra pessoas sem moradia, toda vez que um empreendimento fica pronto existe sorteio pela loteria federal. Ele crê que na corregedoria existam 150mil famílias inscritas. Dessa maneira, indaga: Então porque que uma pessoa que se inscreveu nos programas da Prefeitura não vai receber habitação, enquanto uma pessoa que invadiu um imóvel você vai recuperar o imóvel e dar para essa pessoa? Você está incentivando a indústria da invasão. Porque que essas pessoas não estão inscritas aqui na coordenadoria de fomento? (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada)

A esse respeito, conforme referência anterior deste trabalho, é importante destacar que as edificações que passam por obras de retrofit, realizadas pelo Programa Novas Alternativas, são vendidas para população de 3 a 6 salários mínimos. Estão longe de serem doadas para a grande parte da população com menos de 3 salários cadastradas na corregedoria de fomento. Com opinião completamente oposta à de Nazih, Regina Bienenstein (NEPHU-UFF), lembra que o estudo do Ministério da Cidades mostra que o número de edificações vazias é próximo ao número do déficit habitacional, porém, é claro que elas não


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estão localizadas necessariamente onde há o déficit, ―não existe uma correlação direta‖ afirma ela. Mas, acha que a ocupação desses prédios quando abandonados ou subutilizados pode ser uma das alternativas, não sendo a única solução, de acordo com sua declaração em capítulos anterior. Regina, bem como Célia (ITERJ), acredita que as ocupações são uma forma de fazer cumprir a função social da propriedade. Como o governo não toma nenhuma iniciativa mais firme e enfática nesse sentido, a população de baixa renda acaba tendo que buscar caminhos para resolver seus próprios problemas, seja ocupando as edificações vazias, seja, ocupando as terras vazias, se não elas ficam sem lugar na cidade. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).

Sobre esse tema Regina explicita, a partir da sua experiência, sua percepção de que os movimentos se organizam em ondas, exemplificando tal concepção através da seguinte da seguinte frase: ―as pessoas se movimentam quando têm uma vitória ou quando têm uma ameaça grande. É claro que com sucessivas perdas as pessoas cansam. E aí, quando vêm alguma possibilidade de sucesso, elas voltam ou se organizar‖. Ricardo Correa (Bento Rubião) ao responder o que acha dos movimentos sociais que ocupam prédios públicos, nos brinda com um comentário: Eu diria que infelizmente é excelente. Porque infelizmente? Porque não deveríamos ter chegado a esse ponto, de termos tantos imóveis vazios e tantos imóveis públicos vazios. Claro que esse dado do IBGE que são cerca de 5 milhões de imóveis vazios no Brasil é um pouco questionado; mas, de todas as maneiras, é um número enorme. Já é escandaloso quando a sociedade tem esses imóveis vazios para especulação, mas, o mais escandaloso é quando o próprio poder público ter imóveis vazios e ociosos. (Ricardo Correa, em entrevista gravada).

Ele ainda lista uma série de fatores, conclui o seu ponto de vista favorável às ocupações: Você tem os imóveis, você tem uma legislação que permite a destinação desses imóveis para a habitação, tem uma lei federal que regulamenta a transferência desses imóveis do Serviço do Patrimônio da União (SPU), do INSS e da rede ferroviária, tem um governo federal comprometido com essa política de habitação, mas você esbarra com uma burocracia, que também é uma questão ideológica, que também não é gratuita, que faz com que as coisas não aconteçam. Então, o que resta ao movimento organizado é a ocupação para pressionar que isso de fato aconteça. (Ricardo Correa, em entrevista gravada).


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Considero importante finalizar este tópico com um relato que, a princípio, confesso ter me chocado. Contudo, aos poucos entendi o ponto de vista indicado pelo entrevistado, e hoje compreendo perfeitamente com ele. Tal relato ocorreu durante a longa entrevista de cerca de quatro horas com Marcelo Edmundo (CMP). Não era uma pergunta planejada, uma vez que, a questão relacionada às ocupações eu só iria fazer às pessoas que não eram vinculadas aos movimentos sociais. Assim, no meio de outros assuntos Marcelo me afirmou que: Ocupação não é solução para a moradia. Não é. Isso tem que ser deixado bem claro. Se você achar que é a solução, você está iludido. Com o déficit habitacional de 8 milhões de unidades, você acha que ocupar um prédio na cidade é solução? Você tem que mudar essa sociedade! (...) Para o cara que morava na rua e agora mora no ―Chiquinha Gonzaga‖ individualmente para ele é maravilhoso. Agora, efetivamente para a luta pela moradia, não significa nada. (Marcelo Edmundo, em entrevista gravada).

Para Marcelo as ocupações servem como uma forma de pressionar o governo a tomar atitudes em prol da camada mais baixa da população. Sendo assim, as ocupações são mais um ato de reivindicação, que tem tido impacto, e importância na luta pela direito a moradia.

7.4

Sobre o centro da cidade do Rio de Janeiro:

Como o objetivo é tentar mostrar todos os lados da questão objeto deste trabalho, procurando ouvir o maior número de atores envolvidos dando espaço a todos, avaliei ser importante também reunir algumas opiniões sobre o recorte geográfico da pesquisa, ou seja, o centro da cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, no que se segue, são mostradas as principais dificuldades de implementação de habitação popular no centro, que foram levantadas nas entrevistas pelos atores entrevistados. Segundo Christiano Otoni (CEF), o centro do Rio de Janeiro tem uma tipologia que dificulta muito as obras voltadas para habitação popular, pois, grande parte das edificações sem uso são casarões antigos. Para ele, infelizmente, trata-se de ―uma


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realidade. A gente não consegue fazer uma requalificação dos imóveis antigos, preservar, com um custo por metro quadrado aquém do custo de construção normal.‖ Para ele, os custos das reformas e a escala dos imóveis fazem com que não haja construtoras interessadas no negócio. Christiano avalia ainda que talvez por isso, ―sai mais caro construir no centro do Rio do que na zona oeste.‖ Concluiu suas ponderações sobre a questão colocada, afirmando que como o PAR tem o limite de R$40 mil por unidade, na prática, a restauração acaba implicando custos maiores do que o limite estipulado pelo Programa e a Prefeitura tem que arcar com a contrapartida. Sobre sua atuação na construção de habitação na área central Tiago Franco Fontes (CEHAB) coloca que: ―a nossa ideia para o centro da cidade é um centro pra diversidade. Acho que essa é a palavra-chave. É baixa renda, é media renda, é media baixa. Eu acho que o centro tem que ser um espaço de diversidade.‖ Nesse sentido, ele avalia que o Programa de Reabilitação de Áreas Centrais deve atender a famílias com renda de zero a seis salários mínimos e ―de 6 em diante eu acho que tem que morar aqui também, mas, ai a gente deixa para iniciativa privada. Enfim, com outros instrumentos, e aí não entra subsídio.‖. Ahmed Nazih M. Heloui (SMH Novas Alternativas) Lembrou, em diversos momentos da entrevista, que o Centro do Rio de Janeiro tem valor histórico. Como estamos trabalhando em um sitio histórico, e são imóveis tombados ou preservados pelo patrimônio histórico, esses imóveis ciclicamente vão precisar de obras de restauro. Então, uma população de classe média baixa não vai ter condições financeiras de conservar esses imóveis. Desse modo, eu acho que o perfil dos moradores do centro não é o PAR, é um associativo. Se você botar uma unidade no centro por 70 mil reais, você vende. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada)

Uma das metas do programa coordenado por Nazih é promover a maior quantidade de imóveis de 1 e 2 quartos que, segundo ele, é o perfil de produto para o centro. Ele ainda lembra que esta é uma área que está toda infra estruturada. Na sua avaliação, ―construir no centro, custa metade do que em outras regiões da cidade. Porque quando você fala em empreendimentos em Campo Grande e Santa Cruz, você tem que levar água, luz, gás.‖ O entrevistado também comentou que o morador de baixa renda não possui condições para manter um edifício tombado: Quando você coloca em um imóvel preservado um morador de 0 a 3 salários mínimos. Você está criando um ―problema‖ para a Secretaria


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de Patrimônio Histórico. Porque a gente vai entregar o imóvel totalmente restaurado e daqui a 3 a 4 anos o imóvel vai precisar de alguma conservação e aquela população não vai dar. Essa discussão, na verdade, eu acho que não cabe à Secretaria de Habitação, acho que os órgãos do patrimônio e a Secretaria de Urbanismo, na verdade, é que vão ter que administrar essa cidade e é quem precisa ter essa definição. (Ahmed Nazih M. Heloui, em entrevista gravada)

Nazih não concorda em fazer um projeto de reabilitação excluindo a população com menos de 3 salários mínimos, mas diz que ―o programa que vai ser usado para esses imóveis na franja de favelas é o PAC‖, lembrando que os imóveis na franja de favelas do centro são os únicos que serão destinados à baixa renda. Concluiu suas ponderações sobre assunto afirmando que: ―acho que você não vai resolver o problema dessa população de 0 a 3 na área central‖. Para Jackson Pereira (SINDUSCON-RJ) ―os centros históricos das cidades estão sucateados, mas, têm a estrutura pronta e ociosa, tornando mais econômico restaurar o que já existe do que construir algo novo‖ (frase de um power point que me foi apresentado no final da entrevista). Além disso, ele avaliou como: ―um absurdo fazer um conjunto habitacional lá em Sepetiba pro cara, enquanto é o mesmo preço de fazer moradia em algumas partes da área central‖. Mostra-se, inclusive, a favor de que moradores de bairros ditos de classe baixa venham morar no centro: Perto da Cruz Vermelha é considerado a área nobre do centro, aqui pode fazer unidades que custem R$ 70.000,00 a R$ 80.000,00, mas pode fazer uma de R$ 50.000,00 se quiser, pode fazer habitação de 23m². Eu acho que quem mora em Campo Grande, em Santa Cruz e que trabalha no centro, por um mesmo preço, talvez um imóvel um pouco menor, claro que ele iria morar no centro, com isenção de IPTU. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Contudo, Jackson demonstra, em outros momentos, preocupação com um suposto processo de favelização no interior dos casarões invadidos o que, de certa maneira, pode ser entendido como uma contradição no seu discurso de dotar o centro de habitação para as classes mais baixas da sociedade, como se pode notar através do trecho da entrevista abaixo transcrito: No centro já tem água, já tem esgoto, já tem mercado de trabalho, já tem tudo e o centro não tem favela, curiosamente, a favela mais próxima é perto da central, que é longe daqui, e não tem jeito de ter favela porque não ter espaço para isso, mas, vai ter sim, dentro dos casarões, se a Prefeitura não tomar nenhuma providência, porque


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grande parte dos casarões já esta invadida, como aquele casarão perto da Sala Cecília Meireles (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

Respondendo a pergunta sobre qual o tipo de renda que ele acha que deveria morar no Centro da cidade do Rio de Janeiro, ele parece reafirmar tal contradição, ao comentar que a faixa de renda deve ser: (...) de 4 a 8 salários mínimos na primeira fase, depois que for começando a ser reabitado a região vai ficando mais nobre e aí a faixa deve aumentar. Isso aconteceu em todos os lugares do mundo: no Marais na França, em Paris, no Soho em Nova Iorque. Primeiro começa a população de mais baixa renda, o bairro vai ficando charmoso e isso vai levando gente de maior poder aquisitivo. Hoje as grandes butiques de Paris estão naquela área, que há alguns anos atrás estava degradada. (Jackson Pereira, em entrevista gravada).

7.5

Sobre a Geração de trabalho e renda associada à habitação:

Célia Ravero (ITERJ) é grande defensora da implantação de espaços e programas de geração de trabalho e renda em edificações para a população de baixa renda. Ela trás da Argentina essa discussão que, segundo ela, já está mais avançada lá do que aqui: Devido à modernização da sociedade com excluídos, temos uma grande massa de operários sem emprego. Por isso, é importante agregar a moradia ao trabalho (e não a emprego). A moradia como um espaço também coletivo para gerar renda, porque não há emprego para essas pessoas. (...) Então, só a organização coletiva no próprio espaço de moradia pode gerar trabalho para gerar renda, ainda que mínima para essas famílias. Desse modo, o enfoque de moradia em uma organização espacial, tanto em assentamentos como em prédios, tem que necessariamente incorporar espaços geradores de renda. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Tiago Fontes (CEHAB) concorda com Célia, afirmando que no imóvel que a CEHAB está supervisionando a obra na Rua da Constituição, a área de uso comum vai ser um espaço de geração de trabalho e renda. Segundo ele:


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Acho interessante colocar uma biblioteca [no imóvel], mas acho que antes disso é importante pensar um espaço que possa gerar renda, ou para o condomínio, ou para cada uma das famílias. Para que você possa garantir a manutenção desses imóveis. Porque acho que não faz sentido também o Estado investir na recuperação desses imóveis e daqui a 5 anos ele ter que investir novamente na reforma desses imóveis. Se não, você acaba gerando um ciclo sem fim de clientelismo. Encontrar uma forma que as pessoas possam por si e através da sua organização manter esses imóveis. Porque a gente também está trabalhando com habitação e reabilitação do centro da cidade. (Tiago Fontes, em entrevista gravada).

Lourdes (MNLM) vê o trabalho como condição de permanência do homem na terra urbana, da mesma forma que a terra produtiva e o escoamento da produção são condições de permanência do homem na terra rural. ―O trabalho é um dos pilares das boas condições do homem urbano‖ diz ela. Lourdes acha que nos prédios ocupados (como no Manuel Congo) a geração de renda ainda tem uma finalidade maior, que é desmanchar essa visão burguesa que os pobres não podem morar em um tipo de construção vertical mais semelhante aos padrões da classe média e alta. Uma vez que na manutenção dos prédios, a parte que pode ser feito com trabalho simples humano, os ocupantes o fazem de forma coletiva e a manutenção mais difícil, que precisa de mão de obra especializada, como no caso do elevador, eles pretendem pagar esse tipo de serviço com os recursos oriundos do esforço coletivo em atividades de geração de trabalho e renda. Marcelo Edmundo (CMP) coloca que só pelo fato de estarem morando no centro da cidade isso já colabora bastante para os ocupantes conseguirem um trabalho, nem que sejam ―bicos‖. Afirma ainda que os movimentos sociais já possuem essa prática de geração de renda coletiva em grande parte dos prédios que ocupam. Segundo ele: Toda ocupação com um movimento minimamente organizada não é só uma ocupação pra pegar pessoas, colocar em um prédio pra morar. A gente sempre pensa na questão cultural, na geração de renda, etc. Algumas coisas hoje já começaram a ter um formato. Na Chiquinha, hoje, já formaram um cooperativa, já fizeram cursos. No quilombo das guerreiras tem um grupo que já está produzindo chinelo. E ai é uma porcentagem para a ocupação e uma porcentagem para as pessoas que trabalham. As pessoas só podem produzir para o coletivo. (Marcelo Edmundo, em entrevista gravada).


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7.6

Financiamento X Subsídio + Titulo de propriedade X Concessão de uso:

Percebi ao longo das entrevistas que havia diferentes opiniões sobre como deve ser paga a habitação para população com renda até 3 salários mínimos. Atrelada a essa questão veio também outra polêmica: se os futuros moradores das habitações subsidiadas deveriam ou não receber o titulo de propriedade. Sobre a primeira questão Jackson Pereira (SINDUSCON-RJ) respondeu que ―para atender essa faixa de 0 a 3 salários mínimos só o subsídio claro, explicito, previsto no orçamento do governo. (...) Eu diria que você pode fazer um empreendimento de 1.200 reais o metro quadrado. Uma moradia de 42 metros quadrados sairia por no máximo 60 mil reais, como a família de 0 a 3 só pode comprar uma unidade de 20 mil, dois terços teria que ser subsidiado pelo Estado.‖ Tiago Fontes (CEHAB) demonstra ter um posicionamento parecido com o do Vicepresidente do SINDUSCON-RJ. Acho que deve ser feita a conjunção de recursos, recursos a fundo perdido com financiamentos. Não acho que as unidades tenham que ser entregues de graça. Acho que as pessoas têm que pagar sim, porque elas têm que se sentir contribuindo para a aquisição daquele bem. Só que pagar o que elas podem pagar. Teria que fazer uma analise socioeconômica para saber quanto aquela família pode pagar. Uma analise pontual. Uma analise não dentro de critérios econômicos, financeiros, de riscos para um agente financeiro tal. Não. Mas, com critérios sociais, se a família pode pagar 50, então 50, se a família pode pagar 100, então 100. E estudar quanto de subsídio a gente pode alocar em cada empreendimento. Acho que esse é o caminho. (Tiago Franco Fontes, em entrevista gravada).

Regina Bienenstein, avalia que como o capital privado só visa o lucro, ele jamais vai querer investir para as classes mais baixas. Sendo assim, ela acredita que o Estado deve subsidiar a habitação para as faixas de renda mais baixas, que mal têm dinheiro para comer, cobrando um valor simbólico e aos poucos devem cobrar taxas pequenas. Uma população que se quer tem para comer não vai dar lucro para ninguém. Então, habitação até 3 salários mínimos tem que ser subsidiada. E ai você tem níveis de subsídio. Se a família ganha até um salário mínimo o subsídio tem que ser total, paga-se um valor simbólico e aí vai aumentando. De três a seis até existem algumas empresas que vêm se interessando a construir através do PAR, e


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dos programas da Caixa. Mas para essa faixa de renda mais baixa se o poder público não agir, não resta outra possibilidade a não ser ocupar o que está vazio, nem que seja embaixo do viaduto. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).

Questionada sobre a titulação e se ela acha que deve ser dada a propriedade ou a concessão de uso, Regina respondeu que: O tipo de titulo não impede a comercialização dos imóveis. O BNH tentou isso, mas apenas fez com que se criasse um mercado informal de venda de imóveis. Não é o tipo de titulo que impede essa venda com o papel. (...) Acho que não se deve impedir a comercialização. Qualquer cidadão tem o direito de querer mudar de moradia, de lugar de moradia. Ocorre que alguns, uma parcela da população, tem um amplo poder de escolha e outros não. Esses que não tem, a tendência é que eles mudem sempre para lugares piores, onde tem menor trabalho social investido. O que se precisa fazer é: em paralelo a qualquer proposta de habitação, trabalhar a questão do emprego e da renda, trabalhar a questão da capacitação da mão de obra, para que essa população possa ter acesso a trabalhos com remunerações melhores. E depois dar um instrumental que ele precisa para poder sobreviver na sociedade capitalista, ensinar como vender. (Regina Bienenstein, em entrevista gravada).

Regina ponderou ainda que para que o governo não ―perca‖ o dinheiro investido em habitação popular, ao correr o risco que com a especulação imobiliária aqueles moradores sejam expulsos dali deve-se, em paralelo, usar alguns instrumentos do Estatuto da idade, em especial, as Zonas de Especial Interesse Social, para delimitar essas áreas de modo que quando houver a venda, não haja a substituição de classe. ―Porque isso significa perder dinheiro publico. Garante assim, que ali só se pode ter habitação social.‖. Mas ela também não descarta o uso do recurso da Concessão de Uso ―É um dos caminhos para prover a moradia.‖. Célia Ravero (ITERJ) me explicou que a Concessão Real de Uso está sendo muito usada nos imóveis públicos porque pela legislação, o Estado é proibido de doar uma propriedade (por que antes dessa lei os políticos doavam para amigos, familiares etc.). Ela conta que ―aos poucos fomos avançando e se chegou à Concessão Real de Uso, que é o que dá o ITERJ e que agora o governo federal também esta outorgando, que são 99 anos mais 99 anos.‖ Além disso, colocou que: Você tem a Concessão Real de Uso, mas se você quer sair dessa área você tem que consultar primeiro a comunidade em assembleia e apresentar outra família com um mesmo perfil dessa comunidade e que não tenha moradia para, a partir daí, se a comunidade em assembleia aceitar, você vem ao ITERJ que vai identificar se essa


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família tem outra propriedade (porque se tiver não pode ficar) e no cadastro a família nova assina garantindo que não tem outra casa onde morar, se ele mentiu ele está sujeito a uma penalidade, porque ele estará fazendo estelionato. (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Célia vê isso de uma forma positiva, porque assim a comunidade tem um controle coletivo para que aquele imóvel que foi destinado à habitação popular não se desvirtue. Ela explica ainda que na Concessão Real de Uso há, inclusive, uma cláusula que diz que se em uma família o filho casa e consegue outra moradia para ele e depois o pai morre e o então filho a recebe do pai como herança, ele tem que passar para outra família. Quando indagada sobre os financiamentos para a classe com menos de três salários Célia me respondeu que: Quando você fala de crédito, você fala de banco, e por mais subsidiado e mais bonzinho que o crédito seja ele necessariamente tem que respeitar as diretrizes do banco, uma diretriz fundamental do banco é a garantia do pagamento. Então, em uma sociedade do desemprego, que o desemprego é cada vez maior, da informalidade e da exclusão de trabalho, onde que está a pessoa que pode garantir que ele vai pagar todos os meses se ele não tem nem um emprego fixo? (...) Então, esses créditos, na verdade, não estão olhando as sociedades que foram excluídas do mercado de trabalho. Ele esta olhando o Brasil como se fosse um Brasil desenvolvido, que incorporou todo mundo no trabalho, e não é isso! (Célia Ravero, em entrevista gravada).

Célia ainda falou ainda que na sociedade extremante capitalista em que vivemos a pressão social e a cultura da mercadoria é tão grande, que o próprio movimento social as vezes diz: eu prefiro pagar! ―Em um sentido como se isso é honesto e o outro não é honesto. E isso é que é um erro.‖ Lourdes (MNLM) é contra os financiamentos já que a intenção não é fazer com que a população pobre seja incluída no mercado imobiliário, porque, dessa forma, o movimento estaria afirmando a moradia como uma mercadoria. Porque que a gente foi tão contra o crédito solidário? Porque ele afirmava a moradia como mercadoria. Não tem que ter financiamento!! É tudo uma questão de concepção. A questão não é só pagar 2 reais ou 10 ou 100. A questão é se isto (moradia) é um produto ou se é um direito. Isso deveria ser propriedade coletiva, e quem representa-nos juridicamente é o estado, por isso deveria ser propriedade dele e o uso do povo, independente do salário que


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ganha. O que é direito não se compra, se conquista! (Maria de Lourdes, em entrevista gravada).

Ela ainda vai de encontro a essa lógica mercantilista questionando: ―por que que os mais pobres têm que vender e comprar se foram exatamente a compra e venda que o excluiu do acesso?‖ E afirma, como integrante de um movimento social organizado, que se um movimento quiser derrubar isso não pode fazê-lo pedindo a inclusão dos pobres no mercado imobiliário, pedindo dinheiro para comprar moradia. Lourdes se mostra também claramente a favor da Concessão Real de Uso ao falar que o MNLM não luta pelo direito de propriedade, mas sim pelo direito de morar e se a moradia não tem que ser comprada ela não tem que ser vendida: Ela tem é que ser acessada. Ela crê que ―tem que ter o direito de viver nela, ele e seus (descendentes) para a vida inteira.‖ Para tanto, julga que as moradias públicas deveriam existir para todos. Então se é 10 reais, ou 30 reais, não importa!! O que importa para gente é que eles estão afirmando a concepção que a gente quer derrotar, que é a mercantilista, da moradia como produto. O artigo 6 da Constituição tem lá moradia ao lado da educação e da saúde. E não se luta pelas melhorias e pela qualidade universal da saúde e da educação? E porque moradia está lá, paralela no mesmo artigo e tem que continuar sendo vendida e sendo tratada como produto?! (...) Eu não preciso ter casa para vender. Eu preciso ter casa para morar, porque ter casa para vender é uma exigência do sistema, ter casa para morar é uma exigência da minha essência, da essência humana. (Maria de Lourdes, em entrevista gravada).

Marcelo (CMP) também é a favor do subsídio e da Concessão Real de Uso. Na sua opinião, tirando a questão da propriedade, dificulta a pessoa de vender e repassar a vaga. ―Porque aí, até os moradores da ocupação podem denunciar, e expulsar o morador, abrindo uma nova vaga parar alguém que realmente queira ficar.‖ Marcelo, na verdade, quer ir além, pensa na Concessão de Uso Coletiva, onde o coletivo, todos os moradores juntos é que teriam direito a morar no edifício. Ele afirma que ―funcionaria mais parecido com o modelo que está a ocupação, dando ao coletivo uma gestão, que ajudaria a manter o coletivo. Por ex. se algum morador faz uma merda muito grande, o coletivo tem direito de expulsar o cara.‖ Marcelo, eleito como integrante do novo Conselho Nacional das Cidades, vai levar para lá esse debate.·.


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PARTE III: HABITAÇÃO NA ÁREA CENTRAL DO RIO


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PARTE III: HABITAÇÃO NA ÁREA CENTRAL DO RIO

8 O centro da cidade do Rio de Janeiro.

Com o propósito de realizar uma breve contextualização sobre o déficit habitacional na área central da cidade do Rio de Janeiro, compreende-se importante registrar alguns dados específicos sobre a temática na escala do estado do Rio de Janeiro, na da região metropolitana carioca e, finalmente, como último nível de aproximação, no âmbito da supracitada área central. Desnecessário dizer que tais dados possuem relevância na compreensão das questões colocadas no presente trabalho.

8.1

O déficit habitacional urbano fluminense:

Ao analisar os dados do déficit habitacional procurei buscar elementos que pudessem identificar/caracterizar a população que mais sofre com a falta de moradia (pelo usual critério de renda média familiar), assim como tentei descobrir se o estado do Rio de Janeiro e, principalmente, a região metropolitana da capital fluminense, tem conseguido obter algum progresso no que diz respeito à superação do referido déficit. Para tanto, com o auxilio do estudo realizado pela Fundação João Pinheiro (2006, op.cit.)53 cheguei às seguintes tabelas comparativas:

53

Déficit habitacional no Brasil / Fundação João Pinheiro, Centro de Estatística e Informações. 2 ed. Belo

Horizonte, 2005. Em Contrato da Fundação João Pinheiro (FJP) e do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD), PROJETO BRA/00/019 – Projeto de Apoio à Implementação do Programa HABITARBRASIL/BID, para dimensionar e qualificar o Déficit Habitacional no Brasil, em 17 de maio de 2006. Tal pesquisa usou dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE.


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Porcentagem do déficit por faixa de renda mensal: Especificação Faixa de renda média familiar mensal Até 3 De 3 a 5 De 5 a 10 +de 10 Distribuição percentual Área: s.m. s.m. s.m. s.m. Estado do 89,0 % 5,6% 4,5% 0,9% RJ. Déficit habitacional Região urbano Metropolitan 87,7% 6,6% 4,9% 0,8% a Estado do 62,2% 16,1% 18,1% 3,6% RJ. Habitações precárias Região urbanas Metropolitan 57,4% 18,1% 20,7% 3,8% a Estado do 84,1% 8,3% 6,3% 1,3% RJ. Coabitação familiar Região urbana Metropolitan 82,4% 9,8% 6,8% 1,0% a Fonte: Tabela realizada por Ticianne Ribeiro a partir dos dados contidos no estudo da Fundação João Pinheiro (2006)

Evolução do déficit por faixa de renda mensal - 2000/2005 Estado do Rio de Janeiro Especificação:

Até 3 s.m.

De 3 a 5

+ de 5

s.m.

s.m.

Região Metropolitana Até 3 s.m.

De 3 a 5 s.m.

+ de 5 s.m.

Ano 2000

75,1%

12,3%

12,7%

73,8%

12,6%

13,6%

Ano 2005

89,0%

5,6%

5,4%

87,7%

6,6%

5,7%

-54,47%

-57,48%

+18,83%

-47,61%

-58,08%

Diferença em % +18,50%

Fonte: Tabela realizada por Ticianne Ribeiro a partir dos dados contidos no estudo da Fundação João Pinheiro (2006)

Desta forma, pode-se concluir que as medidas tomadas pelo Estado nos últimos anos para resolver a falta de moradia para habitantes com renda superior a três salários mínimos têm sido bastante positivas, à medida que, em 5 anos (de 2000 a 2005), foi possível diminuir a falta de moradia para essa faixa de renda em mais de 50%. Hoje, a população com renda superior a 3 salários mínimos no estado do Rio de Janeiro, representa apenas 15,9% do total do déficit. Já as iniciativas para a população com menos de 3 salários mínimos têm se mostram insuficientes, uma vez que o déficit para essa faixa subiu mais de 18%


155

nesse mesmo período de tempo. Por isso, hoje, essa faixa de renda, no estado do Rio de Janeiro representa mais de 84% do total do déficit. Do estudo realizado pela Fundação João Pinheiro (2006, op.cit.) também pude obter alguns dados sobre os domicílios vagos 54 existentes no estado do Rio de Janeiro. Contudo, vale destacar que tendo em vista que as pesquisas sobre esse tema ainda são escassas, tem-se um conjunto de informações ainda imprecisas, mas que fornecem uma ideia geral sobre tal aspecto. Domicílios vagos e percentual em relação ao total dos domicílios particulares permanentes, por situação do domicílio % em relação aos domicílios Especificação de área: Domicílios vagos particulares permanentes Estado do Rio de Janeiro 713.958 14,9 % Região Metropolitana 498.898 13,2 % Fonte: Tabela com dados retirados do estudo da Fundação João Pinheiro (2006)

Mesmo considerando a imprecisão dos dados sobre os domicílios vagos, se pode notar que é um montante considerável. O mais impressionante é que grande parte deles possuem condições de serem ocupados, conforme demonstrado na tabela abaixo. Domicílios vagos, por condição de edificação e situação do domicílio. Área urbana Condições de Especificação de área: Em construção Em ruínas serem ocupados Estado do Rio de 90,1 7,9 2,0 Janeiro Região Metropolitana 90,1 7,7 2,2 Fonte: Tabela com dados retirados do estudo da Fundação João Pinheiro (2006)

Comparando somente os números dos domicílios que possuem condições de serem ocupados em relação ao déficit habitacional fluminense, temos uma equação que acredito ser bastante intrigante:

54

Segundo a Fundação João Pinheiro, os domicílios não ocupados que se subdividem em: de uso ocasional (casa de veraneio, de campo etc.), fechados (onde há moradores porém os mesmos se encontravam ausentes durante o período da coleta) e vagos sendo estes: ―unidades domiciliares que efetivamente se encontravam desocupadas na data de referência da coleta dos dados.


156

Comparação entre domicílios vagos e déficit habitacional Fluminense Domicílios vagos Déficit Diferença Só os com Especificação de área: Total condições de serem habitacional total (vagos-déficit) ocupados Estado do Rio de 713.958 648.987 571.614 + 77.373 Janeiro Região Metropolitana 440.801 Fonte: Tabela realizada por Ticianne Ribeiro com dados retirados do estudo da Fundação João Pinheiro (2006)

Dessa comparação emergem as seguintes indagações: 

Teria então o estado do Rio de Janeiro um número maior de edificações vazias do que o necessário para acabar como o déficit habitacional do estado?

Essas habitações estariam mesmo em condições de serem ocupadas? Com toda a infra- estrutura básica de água, luz e esgoto?

Se, hipoteticamente, todas fossem ocupadas e o déficit reduzido a zero e ainda restariam 77 mil edificações vagas, a espera de futuros moradores?

Claro que nenhuma dessas perguntas é fácil de ser respondida. A existência de domicílios vagos não está diretamente ligada com a possibilidade de usar os mesmos como solução para minimizar o déficit habitacional. É preciso primeiro analisar inúmeros fatores como a localização desses domicílios, as reais condições habitacionais de cada um. Antes de tecer qualquer comentário sobre tais dados, é necessário realizar uma profunda analise qualitativa. Talvez assim, seja possível desvelar esse dado que hoje somente aponta para a necessidade e a possibilidade de se fazer um melhor aproveitamento do espaço urbano edificado.


157

8.2

Os domicílios não ocupados na cidade do Rio de Janeiro:

Em outra fonte de pesquisa (SIGAUD, 2007), que usa as mesmas bases do IBGE, encontrei dados sobre os domicílios não ocupados na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, estes se referem ao ano 2000. Como os descritos acima se referem ao PNAD de 2005, não seria pertinente mesclar tais dados. Contudo, acredito que a analise por regiões administrativas podem dar uma ideia de como tais domicílios se apresentam na cidade.

55

Fonte: IBGE, Sinopse Preliminar do Censo Demográfico 2000. In: SIGAUD, 2007 Nota: O percentual de domicílios não ocupados é sobre o total de domicílios recenseados e as três classes de não ocupados (fechado, uso ocasional e vago) somam universo de 100%.

Pelo mapa de localização das Áreas de planejamento (abaixo) pode-se melhor compreender do gráfico acima. A AP é referente ás áreas centrais e parte do seu entorno imediato, ela está composta pelas regiões administrativas: I – Portuária; II – Centro; VII – São Cristóvão; XXI – Paquetá e XXIII – Santa Tereza. Desses dados, vemos que 19% dos domicílios recenseados na AP1, em 2000, foram caracterizados como não ocupados. Destes, a maioria (64%) foi caracterizado como vaga. O mesmo estudo de SIGAUD (2007) ainda detalha, segundo os dados do IBGE, como os domicílios vagos se apresentam pelas regiões administrativas com relação a sua proporção sobre o total de domicílios particulares permanentes.56 55

SIGAUD, Márcia Frota. Caracterização dos domicílios na cidade do Rio de Janeiro. Na Coleção Estudos da Cidade. Rio Estudos, n° 253. Rio de Janeiro, 2007. 56 Segundo a Fundação João Pinheiro, por Domicílio Particular Permanente entende-se: local de moradia estruturalmente separado e independente, destinado a habitação de uma pessoa ou grupo de pessoas cujo


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A proporção de domicílios vagos é (em ordem decrescente): ―Barra da Tijuca (30%) – possivelmente em decorrência dos diversos lançamentos imobiliários -, Centro (23%) - talvez pelo mau estado de conservação dos seus imóveis inabilitando-os a moradia -; Guaratiba (18%), Santa Teresa (17%) – provavelmente com procura reduzida em função da expansão das favelas, Ilha de Paquetá e Portuária (15%)‖. (SIGAUD, 2007)

Proporção de domicílios vagos sobre o Total de domicílios particulares permanentes, segundo as Regiões Administrativas - 2000

Fonte: IBGE, Censo Demográfico e Sinopse Preliminar 2000. In: SIGAUD, 2007.

Segundo os dados da pesquisa de SIGAUD, o fato da R.A. II do Centro tem 23% dos seus domicílios vagos se justifica talvez, pelo bom momento que passa o mercado imobiliário, de um lado, e pela desvalorização de alguns trechos da área central de outro. É valido lembrar que o dado de 23% é sobre o número de domicílios particulares permanentes. Ou seja, ilustrando hipoteticamente, se o centro possui 200 imóveis

relacionamento é ditado por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência. É localizado em imóvel destinado à moradia e classificado como casa, apartamento ou cômodo.


159

comerciais, 10 domicílios particulares permanentes e 5 domicílios vagos, o valor acima estudado seria de 50%. Assim, pela área central possuir poucos domicílios particulares permanentes o dado referido aumenta, ganhando certo impacto. Desta forma, me parece que a porção de domicílios vagos sobre o total de domicílios particulares permanentes deve ser analisado juntamente com o percentual de domicílios particulares permanentes sobre o total de imóveis existentes na área. Provavelmente, grande parte dos domicílios vagos da área central possui infraestrutura disponível em situação de vazio urbano.57 Outro estudo com relevância para o presente trabalho é o trabalho de NEVES (1996)58 que na sua dissertação de mestrado mapeou a II R.A. (centro) em busca dos vazios urbanos. Contudo, é valido ressaltar que já se passaram mais de 11 anos após a conclusão da sua pesquisa. Nesse sentido, tais dados podem estar defasados. De todas as maneiras servem como referência. Terrenos vazios na II RA do Município do Rio de Janeiro segundo tipologia. Número de Área média por Porcentage Tipologia dos vazios Área total na RA lotes lote m Sem edificação e uso 56 77.747m² 1.388,32 m² 25,30 % Terreno só com 47 7.884 m² 175,21 m² 2,60 % fachada Fachada c/ interior 136 32.512 m² 239,06 m² 10,60 % Semidestruído Estacionamento 125 188.672 m² 1.509,38 m² 61,50 % irregular Total 364 306.815 m² 817, 56 m² 100 % Fonte: NEVES, Luiz (1996). Levantamento de campo e pesquisa junto à Prefeitura do Rio de Janeiro, 1995.

57

Designação para América Latina e Brasil apresentada num quadro síntese elaborado por Andréa Borde (2006) em sua tese de doutorado onde ela o descreve como ―terrenos não ocupados e não utilizados, em estado de abandono. Expressão utilizada para designar os espaços livres abandonados que integram lotes de edificações abandonadas. No primeiro caso, são mais comuns em áreas de expansão urbana e, no segundo, nas áreas urbanas consolidadas‖ (2006, p.51). BORDE, Andréa. Vazios Urbanos: perspectivas contemporâneas. Tese de Doutorado. PROURB/UFRJ. Rio de Janeiro, 2006. 58 NEVES, Luiz. Vazios urbanos na II RA, área central do Rio de janeiro: identificação e decodificação. Dissertação de Mestrado. Instituto de Planejamento Urbano e Regional /UFRJ. Rio de Janeiro, 1995. apud BORDE, Andréa. Vazios Urbanos: perspectivas contemporâneas. Tese de Doutorado. PROURB/UFRJ. Rio de Janeiro, 2006.


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Proprietários dos terrenos vazios localizados na II RA segundo tipologia. Gov. Federal Gov. Federal Prefeitura Particular Tipologia dos Área total/nº Área total/nº Área total/nº Área total/nº vazios lotes lotes lotes lotes Sem edificação e 4.475 m² / 04 17.337m² / 11 20.922m² / 10 35.015 m² / 33 uso Terreno só com 126 m² / 01 574 m² / 03 660 m² / 01 6.524 m² / 40 fachada Fachada c/ interior 1.940 m² / 12 6.476 m² / 11 3.633 m² / 08 20.463 m² / 115 semidestruído Estacionamento 57.564 m² / 13 30.017 m² / 13 28.860 m² / 12 72.231 m² / 87 irregular 134.231 m²/ TOTAL 64.105 m² / 20 54.404 m² / 38 54.075 m² / 31 275 Porcentagem 21,00% 17,70% 17,60% 43,70% Área média por 3.120 m² 1.432 m² 1.742 m² 457 m² lote Fonte: NEVES, Luiz (1996). Levantamento de campo e pesquisa junto à Secretaria Municipal de Fazenda do Rio Janeiro, 1995/1996.

Ainda na dissertação de mestrado de NEVES (1996) há um interessante levantamento dos terrenos vazios da área central. Não entrarei na questão dos terrenos vazios no presente trabalho, já que isso renderia tema suficiente para muitas teses. Porém, nesse mapa pude notar que o autor vai um pouco além da questão dos terrenos vazios e pontua também as construções vazias, subdividindo-as em edifícios residenciais com mais de 5 pavimentos, Fachada e interior semidestruídos e ainda os que possuem somente fachada, tendo o interior vazio. Pelo pouco que conheço da área central, noto que no levantamento de NEVES, as áreas marcadas por instituições publicas não compreendem somente terrenos mas também edificações, como, por exemplo, a grande mancha referente a DOCAS, na Avenida Francisco Bicalho, onde estou segura que não somente há uma edificação como a mesma se encontra ocupada por um movimento social organizado. Ainda sobre esse mapa, encontro indícios de confirmação de uma suspeita minha, pois, ao andar pela área entorno da Praça da Cruz Vermelha, sempre observei a existência de muitos prédios baixos, com cerca de 6 a 7 pavimentos com características residências e já havia notado que alguns deles se encontravam


161

vazios, bem como se pode perceber nitidamente os muitos pontos verdes (edifícios residenciais com mais de 5 pavimentos) marcados por Neves nessa região. Sendo assim, apesar do levantamento de Neves ter sido realizado há mais de 10 anos, ele ainda se constitui como um bom instrumento que pode servir de base para estudos sobre a utilização dos vazios urbanos construídos do centro do Rio de Janeiro.


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Um último ponto aqui apresentado se refere às famílias que habitam a área central. Segundo o relatório final da pesquisa sobre a demanda habitacional para o centro do Rio de Janeiro, tal área conserva pequenas concentrações residenciais que subsistiram como setores de moradia mesmo com o que se costuma conceituar como intenso ―processo de esvaziamento‖ do centro. Em 2002, o Instituto Pereira Passos IPP realizou uma a pesquisa socioeconômica que identificou que 72,4% dos moradores de bairros da área central possuem um rendimento familiar médio mensal entre um e três salários mínimos. Desta maneira, pode-se concluir que nos bairros que ainda se mantém as concentrações residenciais (de que fala o relatório da pesquisa sobre a demanda habitacional para o centro do Rio de Janeiro), grande parte dos moradores são de classe baixa.

Fonte: INSTITUTO Pereira Passos. Pesquisa Socioeconômica Porto do Rio. Secretaria Municipal de Urbanismo. Dezembro 2002. (in ZEPEDA, 2007)


165

9 O Estado e a habitação popular na área central:

Conforme já explicado, no subcapítulo 2.1, O espaço urbano e as áreas centrais, vários são os fatores que durante décadas impulsionaram a saída da população residente no centro da cidade em direção a novas áreas. No caso do Rio de Janeiro, a população de maior poder aquisitivo transferiu-se para áreas novas e com inúmeros atrativos, localizadas na Zona Sul da cidade, enquanto os de classe média se locomoviam pra áreas próximas ao centro, mas sem tantos atrativos (como, zona Norte) e às classes mais baixas não restavam muitas alternativas

além

infraestruturadas

de

construir

(como

baixada

moradia

em

fluminense)

áreas ou

longínquas ainda improvisar

espaços

não de

sobrevivência nos morros da cidade. Esta ultima ação foi o inicio do grande problema que passa hoje a cidade do Rio de Janeiro com as complexas favelas. Levanto aqui, então, se não seria uma possível solução, mitigadora desse quadro habitacional caótico, o uso dos vazios urbanos (construídos e não construídos) do centro do Rio de Janeiro para construção de habitação para população de baixa renda? Sabendo que essa questão já foi levantada por outros antes, me pergunto quais ações o governo (níveis federal, estadual e municipal) já implementou para gerar habitação popular na área central. Conforme já citado na parte II – Diagnostico de atores – do presente trabalho, alguns projetos e planos já estão em andamento, tais como, o Programa Novas Alternativas e o Programa de Reabilitação da área Central. Acrescento então, que, nas minhas conversas com diversos atores entrevistados no decorrer da pesquisa, soube que a Secretaria do Patrimônio da União(SPU) é o órgão federal que possui o cadastro dos imóveis do Estado que se encontram desocupados na área central do Rio de Janeiro. Conforme dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal, em 2002 houve uma tentativa de viabilizar empreendimentos habitacionais em parte desses imóveis. Para


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tanto, a CEF realizou um estudo preliminar que onde indicava, entre outros, a quantidade de habitações possíveis de serem construídas, o custo estimado de obra para cada imóvel e o programa de financiamento indicado -que em todos era o PAR (Programa de Arrendamento Residencial) que atende somente famílias de 3 a 6 salários mínimos. Segundo o depoimento de militantes do Fórum Nacional de Reforma Urbana, o FELRU-RJ (Fórum Estadual de Luta pela Reforma Urbana) há algum tempo, já solicitou ao SPU uma listagem com todos os imóveis vagos no centro do Rio de Janeiro. Pelo que pude perceber, nesta ocasião o FELRU-RJ recebeu da Secretaria do Patrimônio da União a mesma listagem a que tive acesso. Por se tratar de uma lista pequena, de cerca de 20 casas, é possível que haja mais imóveis no centro do Rio de Janeiro de posse da união, dado este (a localização) que ainda não foi divulgado. Vale registrar que durante a pesquisa encontrei certa dificuldade de se obter informações sobre tais imóveis. Como já mencionado no item 4.3 do presente trabalho, com a CEHAB, passei por essa dificuldade ao ter sido negado o meu pedido de informações sobre os imóveis do Estado, com os quais a Companhia Estadual de Habitação irá trabalhar no Programa de Reabilitação da Área Central. Contudo, vale registrar que no início da pesquisa, em conversa anterior à entrevista gravada que realizei com o representante da CEHAB, o mesmo havia me permitido consultar uma pequena lista de imóvel vagos do Estado na área central. Portanto, com o intuito de contribuir com a discussão (e a prática) sobre a redemocratização do espaço urbano, decidi expor aqui os poucos dados que obtive sobre os imóveis públicos e vazios da área central. Apresento nas páginas que seguem a localização desses imóveis, assim como algumas breves anotações e registros fotográficos por mim realizados em trabalho de campo. Posteriormente, é apresentada a localização daqueles que já foram, e dos que ainda serão trabalhados pelo executivo municipal através do Programa Novas Alternativas,


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juntamente com uma tabela de dados referentes a tais imóveis. Dando os devidos créditos, este material bastante elucidativo sobre o mencionado Programa, foi retirado da tese de mestrado da arquiteta Mariana Zepeda59 que discorre de forma mais completa sobre o assunto. Desta forma, apresento a seguir tais dados na seguinte ordem: 2. Imóveis do SPU (informações transmitidas pela Caixa) 3. Imóveis do PRAC - Programa de Reabilitação da Área Central (informações transmitidas pela CEHAB) 4. Imóveis do PNA - Programa Novas Alternativas (informações da tese de Mariana Zepeda)

59

ZEPEDA, Mariana Doet. Moradia na Reabilitação das Áreas Centrais. Rio de Janeiro: Programa Novas

Alternativas. Tese de mestrado do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. Niterói. 2007


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180 A seguir apresentarei parte da sistematização da ação do Programa Novas Alternativas realizada por Mariana Zepeda, em sua tese de mestrado.


181 FONTE: Elaboração de Mariana ZEPEDA (2007) Através de Fotografia aérea do acervo do Instituto Pereira Passos e da informação proporcionada pela gerência do Programa Novas Alternativas em junho de 2007


182

Quadro de empreendimentos programados pelo Programa Novas Alternativas (Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro) para construção novas unidades habitacionais.

FONTE: ZEPEDA (2007) Através de Informação proporcionada pelo programa Novas Alternativas em junho de 2007.


183

Quadro de empreendimentos realizados pelo Programa Novas Alternativas (Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro) até setembro de 2007:

FONTE: elaboração de ZEPEDA (2007) a partir de informação obtida nas entrevistas com Nazih (PNA) e Ângela Prendini (CEF) 2007 Observações de ZEPEDA (2007) Foi excluído o empreendimento realizado em Travessa da Mosqueira 14 / 16 no ano 2000 por se tratar de uma casa da acolhida para população de rua com características projetuais e financeiras diferentes, propriedade da Mitra Arquiepiscopal. No caso de Sacadura Cabral 295 o terreno já era um próprio municipal, por tanto o seu preço não está incluído. Unidades com banheiros coletivos. 1 banheiro para cada 3 cômodos.


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10 As ocupações em edifícios públicos no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Existem hoje na área central do Rio de Janeiro algumas ocupações irregulares de imóveis que ficaram por longos períodos de tempo abandonados. Dentre essas, há diferentes formas, como por exemplo: as que são realizadas de maneira individual e pontual (exemplo: uma família que ocupa uma casa pequena abandonada); o que hoje é largamente conhecido como cortiços (exemplo: varias famílias que coabitam em um mesmo casarão abandonado) e ainda a ocupação por movimentos sociais organizados de edifícios abandonados. Definido em linhas gerais essa diferenciação, pontuo aqui que no presente trabalho estudo somente esse ultimo tipo de ocupação me focando mais nas que são realizadas em edifícios públicos. Sendo assim, esclareço que sempre utilizo a palavra ocupação sem maiores explicações me refiro a este tipo: Ocupações de edifícios públicos por movimentos sociais organizados. Desta forma, adoto essa denominação que vem sendo largamente empregada pelos militantes dos movimentos sociais com os quais tive contato. Para o presente trabalho, busquei conhecer o maior número possível de ocupações existentes atualmente nas áreas centrais do Rio de Janeiro, englobando além do bairro Centro, os bairros: Santo Cristo, Gamboa e Saúde. Apesar de ter o auxílio de militantes que me passaram o contato da maioria das ocupações do centro, nem sempre é fácil consegui uma entrevista ou a autorização de fazer fotografias das ocupações. Muitos moradores desconfiam (com certa razão) da atuação de pessoas que se interessam em conhecer as ocupações. Algumas ocupações decidem inclusive por não se expor a pesquisadores e curiosos. Exemplifico isso, no caso da minha pesquisa, com duas ocupações que não foram visitadas por motivos desta ordem:


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Ocupação da Rua da Relação: Esta ocupação já foi comentada no presente trabalho, na entrevista com a CEHAB, já que é a primeira ocupação do centro onde o poder público (a CEHAB, no caso) está implementando obras de melhoria (através do programa crédito solidário) e realizando a regularização fundiária. Através de indicações fui apresentada e posteriormente liguei para uma moradora dessa ocupação, que parecia não estar disponível a dar uma entrevista. Contudo, tempos depois descobri que certo dia, em uma festa na ocupação Manuel Congo ela me ouviu falar do levantamento do SINDUSCON-RJ e associou o meu nome a esta entidade. Pelo que pude perceber, ela estava reticente em marcar uma entrevista devido a esse equívoco que só diagnostiquei quando já não havia mais tempo hábil para desfazê-lo e incluir uma visita a essa ocupação no presente trabalho. Flor do Asfalto: Foi criada a partir de jovens anarquistas que deram apoio aos moradores da ocupação Quilombo das Guerreiras (localizada na Francisco Bicalho, próximo à Rodoviária Novo Rio) nos seus primeiros meses de fixação neste local. Ao voltarem para suas casas os jovens passavam em frente a um galpão abandonado na Rodrigues Alves, e daí surgiu a ideia de criar uma ocupação com princípios anarquistas para protestar contra a especulação imobiliária. Até onde sei, esse grupo de jovens realiza eventos, como debates e shows no espaço ocupado. Conheci uma moradora e tentei estabelece contato com a mesma, mas segundo fui informada, os moradores da Flor do Asfalto não retornaram minhas ligações porque, por princípios, essa é uma ocupação que não gosta de se expor para pesquisadores e curiosos. Na minha pesquisa houve ainda um caso específico envolvendo questões de segurança. Há uma ocupação no centro do Rio de Janeiro, a qual fui recomendada não estabelecer contato, vez que, havia fortes suspeitas de que, infelizmente, esse espaço havia sido controlado pelo tráfico de drogas. Fui informada que aos finais de junho de 2008 os moradores haviam conseguido expulsar o grupo de traficantes do local, contudo, para minha própria segurança, e seguindo recomendações de militantes, julguei desnecessário me expor a este tipo de risco.


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Desta forma, das nove ocupações que segundo militantes dos movimentos populares existem no centro do Rio de Janeiro, foi possível visitar somente 6. Sendo que uma delas se tornou o meu estudo de caso, vez que fui convidada para participar de um grupo de arquitetos que estava sendo formado para elaborar a proposta preliminar de intervenção arquitetônica no edifício ocupado. Dentre esse grupo de ocupações que pude ter contato percebi que há uma diferenciação conforme a organização desses grupos sociais, sendo possível a classificação: a) Ocupações com coordenação de uma entidade definida b) Ocupações com coordenação de associação de moradores c) Ocupações com coordenação do coletivo, de forma horizontal, não havendo nenhum tipo de líder. Dentre essa última categoria, há aquelas ocupações que já nasceram com esse princípio (fundamentado ideologicamente) e há também as ocupações que se iniciaram de forma mais espontânea e adotaram hoje esse tipo de organização. Além do diferente tipo de coordenação, há ainda, a variação do grau de envolvimento dos moradores com a ocupação. Essa variação pode por vezes ocorre de acordo com o tempo de permanência do grupo no local. De acordo com alguns moradores, é comum que no inicio da ocupação as pessoas se envolvam mais com as atividades e o trabalho coletivo. Com o passar do tempo, as ocupações tendem a realizar reuniões/assembleias com menor frequência. Segundo relatos, nos primeiros dia de ocupação chega-se a fazer até 2 reuniões por dia, já depois de alguns anos, há ocupações que fazem somente reuniões extraordinárias quando surge algum problema a ser resolvido. Sobre a questão da escolha prévia do imóvel que será ocupado, pude constatar que os movimentos sociais, optam pelos edifícios públicos porque hoje esses são o de maior possibilidade de permanência dada por uma série de fatores, entre eles estão:


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O dever do Estado de fazer ser cumprido o direito a moradia e de promover programas de construção de moradia (marcado na constituição, conforme já citado no item 2.1)

O direito a propriedade privada como algo quase de inquestionável dentre o poder jurídico.

As políticas públicas para habitação (a nível nacional) se mostrarem favoráveis à utilização de prédios públicos para habitação popular

A grande maioria dos casos analisados são ocupações em edifícios públicos com uma única exceção no caso da ocupação Riachuelo 21 que se trata de uma edificação de posse de uma ordem religiosa. Há no processo das ocupações uma dinâmica interessante no que diz respeito às tentativas de estabelecimento em um ponto. Algumas ocupações atuais já haviam sido expulsas de outros espaços, como no caso do Manuel Congo, que já ocupou o Cine Glória e no caso da Quilombo das Guerreiras que já havia ocupado o edifício onde hoje está a ocupação Manuel Congo. Me parece que há então um processo de tentativas, onde o que dá errado para um grupo não necessariamente dará para outro. Outro ponto curioso no decorrer dessas ações de luta pela moradia através da ocupação dos edifícios vazios da cidade é a velocidade com que ocorrem as mudanças na suas configurações do ambiente urbano e a instabilidade dessas mudanças. Exemplificando: Um edifício de escritórios comum do centro, que há 20 anos tem como vizinho uma construção abandonada do dia para a noite pode passar a ter como vizinhos, no lugar dos ratos, insetos e sujeira (característicos dos edifícios públicos abandonados) cerca de 100 novos moradores e estes podem ser expulsos na semana seguinte ou podem se estabelecer lá por anos. Há nestes casos uma dinâmica bastante diferente da que se conforma nos assentamentos informais/favelas do Rio de Janeiro aonde aos poucos os barracos vão sendo construídos, se consolidando como casas e se expandido e transformando espaço até se estabelecerem como uma comunidade. Ao contrário, as ocupações se estabelecem de forma veloz (a entrada em um prédio dura cerca de 5 minutos). O espaço predefinido com configuração interna, até então,


188

desconhecida muitas vezes não permite formas de expansão. A comunidade já organizada (por inúmeras reuniões prévias), se estabelece ali, concomitantemente ela se adapta aquele espaço e o modifica conforme suas necessidades. Outra questão que surge quando se fala das ocupações mais recentes e dos despejos é o ―sentimento de já ser morador‖. Essa é uma polêmica, a meu ver, tradicional vez que a cerca de 30 anos atrás o arquiteto e antropólogo Carlos Nelson Ferreira dos Santos, já a havia diagnosticado nos seus estudos sobre os Movimentos Sociais Urbanos no Rio de Janeiro. No caso das ocupações, me parece que essa questão surge tendo como fator de qualificação para ―ser morador‖ dois importantes aspectos: o tempo de permanência do coletivo no local, e as possibilidades deles fixarem ali residência permanente. Sendo que o primeiro aparentemente se destaca por possuir maior força. No entanto, acredito que a minha relação com as ocupações do centro (nos últimos 3 a 4 meses) ainda não atingiu o nível de intimidade necessário para tecer maiores suposições sobre esse tema. Sobre a organização de regras internas, geralmente cada ocupação possui redigido um documento que estabelece as normas e condutas de boa convivência. Algumas estabelecem inclusive penalidades para aqueles que as desobedecem. É importante ressaltar que apesar de todas as ocupações objetivarem a mesma coisa: o direito à moradia digna. Cada uma possui características distintas, até porque se estabelecem em edificações de conformações absolutamente variadas. E assim, os moradores adaptam suas regras e conduta de acordo com os espaços. Para uma análise um pouco mais detalhada demonstrarei a seguir mais informações sobre cada ocupação. Elas serão aqui apresentadas na seguinte ordem: 1. Riachuelo 21 2. Amor Associação de Luta pela Moradia 3. Chiquinha Gonzaga 4. Zumbi dos Palmares 5. Quilombo das Guerreiras 6. Manuel Congo


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NOME da ocupação: Riachuelo 21 Endereço: Rua Riachuelo, nº 21 Movimento social: Autônoma DATA da ocupação: indefinida Tempo de abandono: cerca de 25 anos Dono oficial: Ordem Terceira do Carmo

Esta é a ocupação mais antiga dentre as analisadas. Na realidade, seu inicio se assemelha à formação de um cortiço comum, mas hoje busca se estabelecer como uma ocupação através de um movimento social organizado.

Mapa esquemático de localização do lote. Elaboração própria em base do google maps.

A

edificação

fica

na

área

da

Lapa

onde

hoje

é

Entorno / Uso

reconhecidamente um ponto de encontros culturais da

Comércio

Médio

cidade do Rio de Janeiro. Muitos dos artistas que ocupam o

Residência

Pouco

prédio possuem espaços de Atelier de pintura e de técnicas

Serviço

Lazer

de artes plásticas alternativas (como grafite), estando

Indústria

-

envolvidos nesse processo de crescimento cultural da Lapa.

Gabarito

4pavs.


190

Outros moradores buscam na cultura, no turismo e no

Qtd

Moradores

lazer noturno da Lapa o seu sustento. Há no prédio

21

habitações

pessoas que trabalham (ou já trabalharam) com produção

9

famílias

cultural, animação de festas, serviços em espaços de

12

solteiros

lazer e turismo (como camareiras e garçons).

01

idosos

Segundo plantas antigas que os moradores possuem, a

37

adultos

edificação foi construída para servir de moradia para 03

03

crianças

famílias e abrigar 01 estabelecimento comercial. Sendo

01

onde se tem o acesso à unidade 01 (moradia com 2

ESPECIAL

assim, o sobrado possuiria no térreo um armazém por

Mental Auditivo Visual

quartos, copa, cozinha, sala de jantar e banheiro) e ao

50% empregados

quintal, que também estava dividido em 3 partes (quintal

50% autônomos

do 1º andar, quintal do 2º andar e quintal da loja).

desempregado

O segundo e o terceiro pavimentos serviriam de moradia mais amplas para 2 famílias, uma em cada andar, sendo cada pavimento composto por 02 salas amplas (voltadas para a rua), uma saleta, 3 quartos, copa, cozinha e banheiro.

Vista da fachada da Rua Riachuelo (Loja de máquinas de ventilação no andar térreo)

A história da edificação é bem complexa e os dados são muito imprecisos. Segundo relato de morador, possivelmente este prédio foi doado à ordem religiosa como caridade e esta, por sua vez, locava o espaço (administrado por uma imobiliária). Posteriormente, o imóvel ficou abandonado.


191

LEVANTAMENTO BÁSICO DA EDIFICAÇÃO Espaço

Qtd. Por tipo de uso

Conservação

infraestrutura

Qtd.

Andar

Hab.

Outro

WC Piso Parede Teto Água Luz Esg. Tel.

01

1º andar

-

Loja de Máquinas

?

M

B

?

Ok

Ok

Ok

?

01

2ºandar

10

(3c/ wcs internos)

2

M

M

M

Ok

1/2

Ok

1

01

3ºandar

11

Circulação

2

R

M

R

Ok

Ok

Ok

3

Fonte: Realização própria com dados coletados nas visitas de campo (B=bom, M=médio R=Ruim)

Na década de 80, de acordo com o morador, quando a Lapa era conhecida como reduto de prostituição e vida noturna conturbada, o prédio sofreu uma série de ocupações por ―frequentadores‖ da área (bandidos, traficantes, travestis, prostitutas e meninos de rua). O morador conta que depois do ―processo de limpeza social da Lapa‖ se iniciou o que ele chamou de ―segunda geração de ocupação‖, que foi realizada por trabalhadores regulares, como: garçons, cozinheiros, faxineiros, porteiros etc. Seguindo esse raciocínio, hoje o prédio encontra-se na ―terceira geração‖, que é composta por trabalhadores e artistas, que chegaram aos poucos, com a saída gradativa dos moradores da ―segunda geração‖.

As paredes da edificação servem de local de expor obras de arte dos moradores Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Escada antiga - acesso comunitário Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

A situação fundiária do imóvel é bastante complicada. A Ordem Terceira do Carmo colocou o imóvel como penhora de inúmeras dívidas, algumas de menor valor (em torno de R$30 mil) e uma, em especial, de valor exorbitante (mais de R$2,8 milhões). Desta forma, tais penhoras ultrapassam claramente o valor do imóvel que


192

foi já avaliado algumas vezes (entre R$600 e 800 mil). Segundo um morador, devido a essas questões, a Ordem Terceira do Carmo, contratou o escritório C.E. Chermont de Britto Advogados, que presta acessória a entidade. No momento, a Ordem não possui processo judicial de despejo contra os moradores. Contudo, em setembro de 2002 as famílias foram despejadas por algumas horas. Nessa época, pelas descrições do morador e segundo informações divulgadas pela mídia na época, houve uma forte repressão policial, tendo sido o prédio cercado e inúmeros carros da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (CORE) tendo fechado a rua.

Telhado de unidade no terceiro andar Artista pendura molduras nas tesouras Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Escada antiga - acesso comunitário Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Nesse dia, os moradores pediram auxilio a diversas entidades e pessoas politicamente influentes e, através do Vereador Chico Alencar, conseguiram se comunicar com, a então Governadora do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, que agiu para a retirada da polícia do local. Quanto à organização interna, os ocupantes realizam reuniões sempre que há alguma questão que deva ser debatida por todos. Não existem regras pré-fixadas, o entendimento entre as pessoas é de acordo construído a partir do bom senso. Hoje, a ocupação busca solucionar a sua questão fundiária, com o auxílio do ITERJ, que vêm procurando algum meio legal para solucionar essa complicada questão. Os moradores sabem que por não ser um imóvel público e pelas inúmeras dívidas que a


193

Ordem Terceira do Carmo possui a resolução da situação de moradia deles deverá demorará alguns meses ou anos para ser definida.

Jornal do Brasil, 12/09/2002 arquivo pessoal de um morador

Nesse contexto, o fornecimento de água e de energia elétrica também não é formalizado. A dívida do edifício para com a CEDAE (Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio de Janeiro) gira em torno de R$50 mil e com a LIGHT S.A. cerca de R$30 mil.

Recuo Lateral do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro

Corredor Fonte: Ticianne Ribeiro

Recuo Lateral do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro


194

NOME da ocupação: ALMOR (Associação de Luta pela Moradia) Endereço: Rua Mem de Sá, nº 261 Movimento social: Autônoma DATA da ocupação: 20/12/1997 Tempo de abandono: 10anos Dono oficial: UERJ

Esta é uma das ocupações mais antigas da área central do Rio de Janeiro. Ela teve início com uma ação da Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST), tendo como coordenador o advogado André de Paula. Em 1997 70 famílias entraram no prédio e ali passaram a residir. Em 1998, devido a questões de organização interna, a FIST se retirou da ocupação que passou a ser coordenada pelos moradores organizados em coletivo de maneira horizontal, sem hierarquia.

Mapa esquemático de localização do lote. Elaboração própria em base do google maps.


195

Segundo relatos, nesses mais de 10 anos de ocupação, já ocorreram duas tentativas de reintegração de posse, ambas

Entorno / Uso

Comércio

Médio

Residência

Médio

dos moradores se eles possuíam relação direta com alguma

Serviço

Médio

entidade e a resposta foi: ―Não, a gente vive por a gente

Indústria

-

mesmo‖.

Gabarito

4pavs.

foram derrubadas graças à organização dos ocupantes, que contaram com o apoio da Defensoria Pública. Perguntei a um

Em 1999, a UERJ buscou negociar com os ocupantes do prédio, fazendo com que os mesmos se organizassem visando procurar terrenos na região de Gamboa, Campo Grande e Méier. Contudo, a coordenação que estava à frente da ocupação não aceitou as condições impostas pela UERJ. No entanto, alguns moradores gostariam de sair do prédio e receber em troca uma casa preferencialmente em área próxima, nem que fosse necessário pagar pequenas taxas mensais para a aquisição dessa nova habitação. Tais moradores dizem não querer ficar definitivos no prédio, porque o mesmo não apresenta condições mínimas de salubridade, como por exemplo, janelas para todas as habitações.

Vista da fachada da rua Mem de Sá Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Vista da fachada da rua Mem de Sá Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Hoje, os moradores pagam caro pelo fornecimento de energia elétrica, a taxa mensal varia de R$60,00 a R$70,00 por morador acima de 18 anos de idade, acarretando o custo de R$120,00 por mês para uma unidade habitacional composta por um casal e 2 filhos. Essa divisão independe do uso que faz cada morador, uma


196

pessoa que mora em um quartinho de tapume com um só ponto de luz paga o mesmo que aquele que mora em uma quitinete com geladeira, rádio e televisão. Esse alto preço se deve ao fato de que o relógio da Light, existente no prédio está registrado como Comercial. Os moradores já entraram com ação contra a referida companhia reivindicando que o relógio seja transferido para o tipo de uso residencial.

Hall de entrada do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro

Moradores habitações famílias solteiros idosos adultos crianças Mental Auditivo Visual empregados autônomos desempregado ESPECIAL

Qtd 33 32 06 03 20 40 19 16 01

Por ser uma ocupação muito antiga, alguns dos moradores do principio já não moram mais ali. Segundo relatos, quando um morador sai, ele que decide quem irá se estabelecer no seu lugar. Possivelmente, essa troca de moradores e o acréscimo do número de famílias, criou uma grande desigualdade na distribuição do espaço da edificação. O que acarreta em complicações para criar uma proposta de reforma arquitetônica do prédio.

LEVANTAMENTO BÁSICO DA EDIFICAÇÃO Espaço Qtd. Andar

Qtd. Por tipo de uso Conservação infraestrutura Hab. Outro WC piso parede teto água Luz Esg Tel.

01 1º andar

10

01

2ºandar

14

01

3ºandar

9

Sala de reunião

3

M

R

R

Ok

Ok

Ok

4

Circulação

5

M

M

M

Ok

Ok

Ok

3

Circulação

2

B

M

R

Ok

Ok

Ok

?

+ Hall

Fonte: Realização própria com dados coletados nas visitas de campo (B=bom, M=médio R=Ruim)


197

Corredor do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro

Teto improvisado Fonte: Ticianne R.

Corredor do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro

Um morador me contou que um arquiteto, anos atrás, realizou um projeto para a ocupação, projeto esse que reordenava o espaço o conformado em 40 quitinetes. Contudo, o mesmo não foi viabilizado. A reconfiguração do espaço causou muita confusão interna, pois para proporcionar uma habitação minimamente digna para todos os moradores, aqueles que possuem espaços um pouco maiores (sala + cozinha + quarto) necessariamente deveriam abrir mão de parte deles.

Sala de reunião e assembleia dos moradores. Fonte: Ticianne Ribeiro

O coletivo não realiza reuniões em datas pré-definidas. Há a convocação de assembleias somente quando há alguma questão que deva ser debatida. Não há atividade de geração de trabalho e renda e os espaços de uso coletivo são: o hall de entrada, os banheiros e o salão de reunião.


198

Parece-me que esta é uma edificação originalmente de uso educacional. Os espaços internos são em geral amplas salas, sem instalações hidro sanitárias. Por tanto, hoje os moradores subdividiram esses espaços, e alguns realizaram pequenas obras, puxando pontos de água, via tubulações aparentes e conectando as novas saídas de esgoto na tubulação antiga de águas pluviais. A distribuição de energia elétrica também se dá dessa forma improvisada. Alguns moradores instalaram portas (muitas vezes feitas pelos próprios com pedaços de madeira) e também portões.

Banheiro de uso coletivo: Primeiro andar Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Banheiro de uso coletivo: Terceiro andar Fonte: foto de Ticianne Ribeiro

Nota-se que os banheiros existentes em cada andar são grandes e possuem conformação mais parecida com a de vestiários, agregando em um só ambiente mais de um vaso sanitário e inclusive, por vezes, mais de um chuveiro.

Escada antiga - acesso comunitário Fonte: Ticianne Ribeiro


199

Existem regras de convívio pré-definidas, entre elas, a proibição de uso e venda de drogas no recinto. A limpeza dos corredores de circulação, escada e banheiros de cada andar é feita conforme escala determinada pelos moradores.

Corredor do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro

Corredor do prédio Fonte: Ticianne Ribeiro


200

NOME da ocupação: Chiquinha Gonzaga Endereço: Rua Barão de São Felix, nº 110. Movimento social: Autônomo com apoio da CMP e da FLP DATA da ocupação: 23/07/2004 Tempo de abandono: 20 anos Dono oficial: INCRA

A ideia de fazer a ocupação Chiquinha Gonzaga, teve inicio através de um acampamento contra a guerra (Estados Unidos x Iraque) em frente ao Consulado Americano organizado pela Central de Movimento Popular (CMP) e pela Frente de Luta Popular (FLP). Posteriormente, esses movimentos promoveram reuniões semanais sobre a ocupação durante cerca de 6 meses. Um processo de formação das pessoas, onde se discutia de forma coletiva questões que abrangiam desde a falta de moradia popular no Rio de Janeiro às regras de conduta em uma ocupação.

Mapa esquemático de localização do lote. Elaboração própria em base do google maps.

Foi feito, então, um cadastro das pessoas que participavam dessas reuniões, do qual incluía: moradores de rua do centro e de abrigos públicos; pessoas que não


201

podiam mais pagar aluguel e pessoas que moravam de favor em pequenas casas de parentes. Foi formada uma equipe de estratégia que estudou o prédio do INCRA, assim como foram traçadas coordenadas para o ato de ocupação propriamente dita. Somente estes sabiam qual seria o prédio e em qual hora ele deveria ser ocupado. No dia da entrada no edifício o grupo já havia estabelecido uma rede de contatos, onde as informações foram sendo passadas em cadeia. Assim, se aglutinaram em pequenos grupos e aos poucos chegaram ao edifício. Qtd

Moradores

42

habitações

30

famílias

10

solteiros idosos adultos ESPECIAL

crianças Mental Auditivo Visual

25

empregados

12

autônomos

73

desempregado

Projeto de reforma de: Chiq da Silva - Vista do fachada - Rua Barão de São Felix Fonte:www.ignezferraz.com.br

Essa ocupação se localiza em uma área bem

Entorno / Uso

degradada do centro. No seu entorno, se

Comércio

destacam: a Central do Brasil, e o terminal

Residência

Muito - favela

rodoviário que existe atrás dessa estação, o

Serviço

Médio a pouco

Morro da Providência (favela mais antiga do Rio

Indústria

-

de Janeiro), alguns estabelecimentos de

Gabarito

3 pavs.

Muito - informal

comércios e serviço e ainda um espaço que abriga comércio informal, camelôs, que atendem a população de baixa renda que passa diariamente pela Central do Brasil.


202

Nas Ruas Barão e São Felix há alguns sobrados antigos em mal estado de conservação e o prédio do INCRA se destaca por ser um dos únicos desse trecho com mais 3 pavimentos. Dos moradores do prédio grande parte trabalha no comércio informal, seja como vendedor ambulante de produtos (camelô) ou como vendedor de comida (como carrocinha de cachorro- quente). É comum também moradores que trabalham em obras como, por exemplo, pedreiros. Alguns projetos de geração de trabalho e renda estão sendo cogitados. Junto ao projeto de reforma do edifício, foi iniciada uma cooperativa de quentinhas, aonde 10% da renda vai para o coletivo e o restante é dividido entre os moradorestrabalhadores. Contudo, esse cooperativa sofreu grande abalo devido ao não pagamento de serviço prestado a UNE (União Nacional dos Estudantes) por 3 meses de trabalho no inicio de 2007. A dívida gira em torno de R$11.000,00 (onze mil reais).

Almoço coletivo sendo preparado Foto: Por Latuff 31-08-2004*

Os banheiros no dia da ocupação Foto: Frente de Luta Popular 26-07-04*

Uma moradora conta que o estado físico do prédio do INCRA era deplorável e por isso nos primeiros dias de ocupação eles se organizaram em subgrupos como os de: hidráulica, elétrica, esgoto, limpeza, etc., para poder transformar ao menos algumas áreas em espaços habitáveis. Portanto, no inicio os ocupantes dormiam em espaços coletivos e faziam refeições e em cozinhas também coletivas. Aos poucos, conseguiram desentupir o encanamento, limpar os cômodos e levar água a todos os andares. Hoje, todas as unidades possuem banheiros individuais e muitos


203

moradores já fizeram extensões da tubulação para criar pequenas cozinhas nas unidades.

Morador fazendo reparos Foto: Por Latuff 31-08-2004

Porta de entrada inicio da ocupação 60 Foto: CMI-Rio 02-10-2004

Ambientes cheios de entulho Foto: FLP (26-07-04)*

Segundo relatos, ainda nos primeiros dias de ocupação houve repressão da policial municipal. Contudo, como o prédio é federal só poderia entrar nele a Polícia Federal. No segundo dia, um policial federal passou no prédio e perguntou se eles já haviam conversado com o dono do prédio; como uma comissão de moradores já estava a caminho do INCRA não houve maiores conflitos. Entretanto, os ocupantes encontraram muita resistência do INCRA, apesar de terem ido lá conversar com representantes da entidade no dia útil seguinte à ocupação. Segundo Marcelo Edmundo (CMP), as maiores dificuldades envolviam questões políticas complexas. LEVANTAMENTO BÁSICO DA EDIFICAÇÃO Espaço Qtd. Andar 01 Térreo 01 Anexo térreo 01 Anexo 1ºandar 01 1º andar 11 Pav. Tipo 01 Cobertur a

Qtd. Por tipo de uso

Conservação

infraestrutura

Hab. Outro Depósito - Hall Desocupado

WC Piso Parede Teto Água Luz Esg. Tel. M B B Ok Ok Ok R R R -

-

Desocupado

-

R

R

R

-

-

2 6 -

Sala + terraço Circulação Caixa d‘água Maquina

4 6 +-

M B ?

M M ?

B B -

Ok Ok -

Ok ½ Ok ½ -

-

-

Fonte: Realização própria com dados coletados nas visitas de campo (B=bom, M=médio R=Ruim)

60

* Fonte: Site: CMI- Central de Mídia Independente©Copyleft http://www.midiaindependente.org: É livre reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

a


204

Na Ocupação Chiquinha Gonzaga não há líderes, a coordenação é feita pelo coletivo, todos os moradores participam das decisões. Alguns acreditam que isso foi resultado do processo de discussão feita nos seis meses de reuniões. Nos primeiros dias de estadia do prédio, havia duas reuniões por dia. Conforme a necessidade o número de reuniões foi diminuindo e hoje os moradores se encontram todas as segundas feiras à noite. Segundo as regras internas, nenhuma decisão pode ser tomada nas assembleias sem a presença de no mínimo 1/3 dos moradores. Contudo, por questões burocráticas, foi criada uma associação de moradores, com CNPJ, para que eles pudessem legalizar o fornecimento de água para com a CEDAE. Uma moradora comentou que dentro da ocupação a associação de moradores é meramente fictícia e que os moradores decidiram adotar dela somente a comissão de finanças, por questões de ordem prática.

Sala de uso coletivo Foto: Ticianne R. *

Unidade habitacional padrão. Foto: Ticianne R.

Hoje, cada família paga mensalmente: a taxa de água (que por serem cadastrados como baixa renda, gira em torno de R$4,00 a R$6,00) e uma contribuição de R$10,00 para manutenção do prédio, que serve como reserva para reparos internos, de cunho coletivo, como compra de bomba de água, por exemplo. Sendo assim, todos os custos são divididos igualmente pelas unidades habitacionais. As tarefas também são divididas por unidades. Os moradores de cada uma tem que cumprir 20 horas de trabalho na portaria por mês. Há sempre cerca de 2 moradores controlando o acesso ao prédio. As famílias internamente que decidem quem irá trabalhar essas 20 horas. Na portaria só pode trabalhar maiores de 15 anos desde que, conforme a escala, de forma que haja sempre um morador maior de 18 anos. Após as 20:00 os dois ―porteiros‖ devem ser maiores de idade. Cada morador deve


205

limpar o corredor de entrada do seu apartamento e as demais tarefas são realizadas em mutirão.

Cartaz na parede da ocupação. Fonte: CMI-Rio 02-10-2004 *

* Fonte: Site: CMI- Central de Mídia Independente ©Copyleft http://www.midiaindependente.org: É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

Atualmente, as próximas conquistas internas almejadas por esse coletivo são: a regularização fundiária deles; a compra de um elevador; obras de reforma (possível com o subsídio do FNHIS que já está em vias de ser alcançado) e a legalização do fornecimento de energia elétrica (que também já está em processo judicial com a LIGHT.) O anteprojeto arquitetônico do prédio foi realizado pela associação de arquitetos Chiq da Silva. As regras de convívio estão descritas no Regimento Interno do grupo. Contudo, como este foi criado no inicio da ocupação, hoje (quase quatro anos depois) algumas dessas regras já foram modificadas em assembleia

coletiva

como,

por

exemplo, a proibição de consumo de bebida

alcoólica

dentro

das

unidades.

Filipeta de divulgação (19-07-2005) Imagem: Frente de Luta Popular


206

No inicio da ocupação a distribuição das famílias pelos andares se deu de forma a priorizar os andares mais baixos para idosos, pessoas com alguma doença (cardíaca, por exemplo) e famílias com crianças pequenas. Nos fundos do prédio há uma construção anexa de dois pavimentos. Nesta, curiosamente, o acesso ao segundo pavimento se dá pelo prédio da ocupação Chiquinha Gonzaga e o acesso ao primeiro pavimento se dá pelo galpão, também do INCRA, usado como estacionamento, em lote contíguo ao prédio, mas com entrada pela Ladeira do Faria. Esse anexo está abandonado e é de interesse dos moradores. Mas eles ainda não o ocuparam.


207

NOME da ocupação: Zumbi dos Palmares Endereço: Av. Venezuela, nº 53 Organização social: Coletivo Autônomo DATA da ocupação: 23/07/2004 Tempo de abandono: 20 anos Dono oficial: INSS

O movimento que resultou na ocupação Zumbi dos Palmares surgiu da demanda não totalmente contemplada na ocupação Chiquinha Gonzaga. Assim, foi feito um cadastro de 180 famílias excedentes e estas começaram a se reunir, primeiramente no próprio espaço da Chiquinha Gonzaga e depois intercalando com outros espaços (sindicatos, por exemplo), para abrir um pouco mais o debate. Nove meses depois, consolidou-se o grupo e realizaram a ocupação hoje conhecida como Zumbi dos Palmares. Nesse processo envolveram-se a CMP, a FLP, Estudantes secundaristas e alguns sindicatos, como o Sind Justiça-RJ (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do RJ) e o SINTRASEM (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço) municipal.

Mapa esquemático de localização do lote. Elaboração própria em base do google maps.


208

O edifício em questão foi possivelmente construído para alocar o IAPETC - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, que cobria os riscos de doença, invalidez, velhice e morte dos seus segurados, talvez por isso, possuía salas de exames e grande parte do recinto possui características hospitalares.

Vista da fachada principal - Rua Venezuela Foto de Ticianne Ribeiro

Vista da lateral - empena cega faz limite com um estacionamento Foto de Ticianne Ribeiro

Vista da fachada de fundos Rua Coelho e Castro Foto de Ticianne Ribeiro

O IAPETC tem forte ligação com a Federação Nacional dos Estivadores**. Provavelmente por isso, a edificação se localiza próxima ao antigo porto do Rio de Janeiro, que foi um dos mais movimentados do país. ASPECTOS GERAIS : Um morador me contou que hoje habita uma unidade onde antes ficava equipamento de raio X. Para liberar o local para

Entorno / Uso

Comércio

residência, o coletivo chamou um técnico especializado que Residência ao final de uma visita, organizou a retirada da maquina. Serviço Os dados sobre os moradores não me foram divulgados por uma questão de segurança dos mesmos, que temem pela sua exposição.

Médio Pouco Médio

Indústria

Pouco

Gabarito

8pavs.

A escolha do edifício se deu através de uma analise que verificou a quem pertencia o imóvel, quanto tempo estava abandonado, se havia pretensos compradores, quanto devia as concessionárias (Light e Cedae) e etc.


209

O edifício foi ocupado na madrugada do dia 25 para o dia 26 de abril de 2005 por cerca de 130 famílias que entraram pelos fundos do prédio, que dá para a Rua Coelho e Castro. Três horas depois chegaram 2 viaturas da polícia, que permaneceram na porta por 3 dias. Concentrados na entrada também estavam pessoas de apoio e alguns setores da imprensa. Foto da porta de entrada do edifício no dia seguinte a ocupação: Policiais e Apoio.

Fonte da foto a esquerda: Site CMI - Central de Mídia Independente Postada por MOVIMENTO SEM TETO 27/04/05 © Copyleft http://www.midiaindependente.org: É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

Para se estabelecerem ali, logo nos primeiros dias as famílias limparam a maior parte do imóvel e iniciaram a recuperação das instalações hidráulicas, sanitárias e elétricas.

LEVANTAMENTO BÁSICO DA EDIFICAÇÃO Espaço

Qtd. Por tipo de uso

Qtd. Andar Hab. 01 1ºandar 9

Outro Hall + *1

Conservação

infraestrutura

WC Piso Parede Teto Água Luz Esg. Tel. 10 B B B Ok Ok Ok -

01

2º andar

20

-

5

B

M

R

Ok

Ok

Ok

2

01

17

*2

4

B

M

R

Ok

Ok

Ok

3

20

-

4

M

M

R

Ok

Ok

Ok

-

03

3ºandar 4º, 5ºe 7º- tipo 2º andar

19

Atelier de camisas

4

M

M

R

Ok

Ok

Ok

-

01

8ºandar

-

Em Construção

R

R

R

-

-

-

-

01

1ºandar

9

Hall + *1

B

B

B

Ok

Ok

Ok

-

03

10

Fonte: Realização própria com dados coletados nas visitas de campo (B=bom, M=médio R=Ruim) * 1 - Hoje nesse pavimento funciona (além do hall de entrada e das unidades habitacionais) o Centro Cultural Zé Kéti (que em dias que não há festa também é usado como estacionamento de moradores) e um espaço para depósito de carrinhos e utensílios de trabalho de vendedores ambulantes que moram no edifício. *2 - Nesse andar ainda há sala de reunião dos moradores, espaço para as crianças brincarem (com quadro negro) e um estante, onde deveriam ficar os livros para a futura biblioteca.


210

Parte de um corredor foi fechado pelos moradores das unidades referentes. Foto de Ticianne Ribeiro

Materiais de obras e obras podem ser vistos em todos os andares do edifício. Foto de Ticianne Ribeiro

Vista do Prisma interno que Proporciona ventilação e luz a unidades habitacionais Foto de Ticianne Ribeiro

No inicio das negociações, o INSS entrou com pedido de reintegração de posse. Ainda em abril de 2005 a juíza Salete Maccaloz, titular da 7ª Vara Federal, ordenou o despejo das famílias, se necessário, pelo uso de força policial. Os moradores protestaram e receberam apoio de vários setores. A Juíza decidiu então ir à ocupação para conhecer melhor o caso e, após duas visitas ao local, ela voltou atrás na sua decisão. Ao longo desse processo outras ordens de despejo foram dadas pela justiça. Sempre com muitos protestos, os moradores conseguiram garantir seu espaço. Chegaram até a entregar uma carta diretamente ao Ministro das Cidades, o Sr. Márcio Fortes de Almeida, em maio de 2006.

Hall de elevadores e escada do pav. tipo Foto de Ticianne Ribeiro

Hall do tipo: fiação e tubulação improvisadas Foto de Ticianne Ribeiro


211

Houve a tentativa de estabelecer uma atividade de geração de trabalho e renda, um morador fabrica camisetas, mas os demais moradores não se envolveram coletivamente nessa atividade, e assim, hoje é um trabalho individual e autônomo. Os moradores lutam pela concessão real de uso, (já explicada na Parte II do presente trabalho), pois não possuem condições financeiras de comprar as unidades, mesmo que através de financiamentos.

Ao lado fotos do espaço destinado a confecção de camisetas personalizadas. Morador costura e Silke camisetas em uma saleta no sexto andar Fotos de: Ticianne Ribeiro

Hoje, a organização coletiva no edifício já não é mais a mesma do inicio da ocupação. Os moradores não fazem mais reuniões periódicas que, só são convocadas em caráter extraordinário, quando há um problema e a mesma precisa ter no mínimo 20 moradores para que se decida algo. Segundo relatos, a única comissão que ainda funciona razoavelmente é a de finanças. Para a manutenção do edifício cada unidade habitacional colabora mensalmente com R$10,00, embora haja casos de inadimplência por parte de alguns moradores que já devem cerca de 7 a 8 meses tal taxa.

Ambiente que será usado como centro cultural e atualmente é depósito e garagem Foto de Ticianne Ribeiro

Depósito de objetos de trabalho de mora- dores que são vendedores ambulantes Foto de Ticianne Ribeiro


212

As regras de convivência são parecidas com as da ocupação Chiquinha Gonzaga. o motivo mais grave de expulsão foi o caso de um morador já idoso que estava fumando maconha na porta do seu apartamento e inclusive chegou a plantar um pé de maconha colocando-o ao sol na janela. Conforme depoimento de outro morador há uma crescente troca de pessoas que habitam o prédio, algumas famílias saíram e colocaram outras em seus lugares, o que fez com que o perfil dos habitantes mudasse muito. Conversei com um morador, que alguns do prédio já chamam de síndico, que me confessa acreditar que a maior barreira nessa luta pela permanência é o desinteresse dos próprios moradores e, por isso, ele crê que seja necessário fazer um trabalho de formação e educação e conscientização política com os mesmos e com as crianças, em uma linha parecida com a implementada pelo MST (Movimento dos Sem-Terra).

Sala de crianças com quadro negro e espaço para futura biblioteca ao fundo. Foto de Ticianne Ribeiro

Unidade habitacional: onde antes funcionava Raio X agora é a cozinha Foto de Ticianne Ribeiro

Há cerca de um ano e meio foi realizado um seminário interno, para tentar mobilizar e reorganizar as famílias que habitam no prédio. Os resultados foram positivos, mas aparentemente não o suficiente para restabelecer um coletivo forte como era no inicio da ocupação.


213

NOME da ocupação: Quilombo das Guerreiras Endereço: Rua Francisco Bicalho, nº 49 Movimento social: Autônomo com apoio da CMP e da FLP DATA da ocupação: 23/07/2004 Tempo de abandono: 20 anos Dono oficial: cia. DOCAS

A ideia da Ocupação Quilombo das Guerreiras, por sua vez, nasceu da demanda de famílias cadastradas envolvidas no processo da Ocupação Zumbi dos Palmares e ainda não contempladas com espaço de moradia.

Mapa esquemático de localização do lote. Elaboração própria em base do google maps.

O edifício está localizado no inicio da Rua Francisco Bicalho. Esta é uma área peculiar da região central do

Entorno / Uso Comércio

Rio de Janeiro. Nela há uma grande confluência de Residência transporte com a presença marcante da rodoviária Serviço

Médio informal Lazer

Novo Rio, da estação da Leopoldina e de inúmeros

Indústria

-

pontos de ônibus.

Gabarito

3 pavs.

Caracteriza-se assim, nitidamente como uma via de passagem, onde as únicas pessoas que se vê podem ser separadas em dois grupos: aqueles que esperam pelo


214

transporte coletivo (nos pontos de ônibus), e os vendedores ambulantes de água e alimentos, que aproveitam a breve permanência dos primeiros no local. Sendo assim, se afastando um pouco dos pontos de ônibus percebemos que é um local ermo, perigoso e degradado, o que se agrava nos momentos que não há fluxos de pessoas.

Vista da Rua Francisco Bicalho - fachada principal Foto de Ticianne Ribeiro

Vista desde o pátio do 3º andarfachada fundos

Foto de Ticianne Ribeiro

Após um longo processo de mais de um ano e meio de conversas de embasamento e preparação de um grupo de famílias, estas decidiram por ocupar o edifício do INSS situado na Rua Alcindo Guanabara, numero 20, onde hoje está a Ocupação Manuel Congo. Essa primeira tentativa foi frustrada, em pouco tempo as famílias foram retiradas violentamente do local. Houve então, uma segunda tentativa, em um edifício privado, abandonado há cerca de 15 anos, prédio este localizado na Rua Estrela no bairro do Rio Comprido, nesta também não obtiveram sucesso. Em outubro de 2006, o grupo ocupou o edifício onde hoje estão alocados, que ficou abandonado por 25 anos. Provavelmente ali funcionou uma firma de engenharia (parte da Companhia Docas do Rio de Janeiro CDRJ) que produzia peças para máquinas que serviam às atividades portuárias.


215

O edifício em questão possuía, em tese, seguranças internos fixos, contudo, segundo depoimentos, na prática o carro da empresa que prestava serviço de segurança só passava pela frente da edificação algumas vezes por dia. Sabendo disso, parte das famílias entrou na noite de sexta e a outra parte na manhã de domingo e permaneceram sem serem notados até a manhã de segunda-feira, quando os guardas apareceram juntamente com os advogados da CDRJ.

Foto primeiros dias de ocupação Fonte: Site Central de Mídia Independente ©Copyleft http://www.midiaindependente.org

Apoios nos primeiros dias de ocupação Fonte: Site Central de Mídia Independente ©Copyleft http://www.midiaindependente.org

Nos primeiros dias de ocupação não havia como entrar água nem comida para os ocupantes. As pessoas se mantiveram com os suprimentos que levaram. Nos dois primeiros messes havia sempre carros de guardas na porta do prédio. Por isso foi organizado um grupo de apoio que ficava de plantão junto aos guardas. A ocupação Quilombo das Guerreiras é gerida por um

Qtd

Moradores

coletivo autônomo, no entanto, tiveram apoio de militantes

habitações

de várias entidades. Entre elas estão: Central de

famílias

Movimentos Populares (CMP); Frente de Luta Popular

solteiros

(FLP); Rede Nacional de Advogados e Advogadas

idosos adultos

Populares (RENAP); Federação Anarquista do Rio de Frente Internacional dos Sem-Teto (FIST); do extinto grupo anarquista Grupo Ação Libertária (GAL). Os dados sobre os moradores não me foram divulgados por uma questão de segurança dos mesmos, que temem pela sua exposição. O único que me foi dito é que a ocupação foi iniciada com mais de 70 famílias e mais de 100 pessoas. Fonte: Moradores (02/11/06).

crianças 01

ESPECIAL

Janeiro (FARJ); Federação dos comunistas sem partido,

Mental Auditivo Visual

20% empregados 80% Autônomos desempregado


216

Hoje, o coletivo luta contra a propriedade e deseja alcançar a concessão real de uso, mesmo que não seja no prédio da CDRJ que ocupam. Desde o principio, a ocupação se organizou para colocar em ordem o edifício, que estava em condições absolutamente

precárias.

Contam

que só no primeiro mês, foram retirados cerca de três caminhões de lixo. Site: Central de Mídia Independente ©Copyleft http://www.midiaindependente.org

Estado de conservação encontrado *

Após uma manhã de mutirão foi tirada cerca de 3 caçambas de entulho dessa sala. O ambiente, onde antes mal se podia permanecer, será a sala de produção da cooperativa.

Foto do estado de conservação atual da sala que abrigará a cooperativa Foto de Ticianne Ribeiro

Já foi iniciada uma atividade de geração de trabalho e renda: a confecção de chinelos e sandálias. Contudo, no momento a produção está parada por falta de materiais. Tive a oportunidade de visitar a biblioteca nomeada de Gutemberg Gomes Alves que apesar de pequena, está bem organizada. No terceiro andar há ainda um teatro, que


217

anos atrás, pegou fogo e por isso hoje se encontra lacrado, por ser considerado um espaço perigoso. Segundo moradora entrevistada, o processo de ocupação resulta também em uma transformação social importante para muitos ocupantes,

que

passam

por

um

forte

crescimento pessoal no sentido educacional e

solidário.

Muitos

individualistas,

deixam

de

ser

preconceituosos

e

competitivos. Na ocupação é necessário o respeito e o bom convívio com as diferenças de crenças religiosas, opções sexuais e conceitos políticos. Isso reforça a união de um coletivo em busca de um ideal comum: o

Porta da biblioteca Gutemberg Gomes Alves – funcionando. Foto de Ticianne Ribeiro

direito a moradia.

Essa mesma moradora também mostra sua indignação com relação ao posicionamento da Cia Docas-RJ, (que, segundo ela, nunca se sensibilizou com o caso deles e sempre fez o possível para atrapalhá-los) bem como com a frieza do setor judiciário: ―o Juiz quando dá uma ordem de despejo nunca vem ver a população que ele está colocando na rua‖.

LEVANTAMENTO BÁSICO DA EDIFICAÇÃO Espaço

Qtd. Por tipo de uso

Conservação

infraestrutura

Qtd.

Andar

Hab.

Outro

01

1º andar

Portaria + *1

01

2ºandar

? ?

*2

2

B

B

B

-

-

-

-

01

3ºandar

?

Teatro

2

B

B

B

-

-

-

-

02 4º e 5 º andar

?

Sala

B

B

B

-

-

-

-

01

?

Máquinas

-

-

-

-

6ºandar

WC Piso Parede Teto Água Luz Esg. Tel. ? B B B

?

?

?

Fonte: Realização própria com dados coletados nas visitas de campo * 1- No primeiro andar, além da portaria, há também a sala de produção, área que aloca a atividade geradora de trabalho e renda. *2-O segundo pavimento é o maior de todos, nele há a biblioteca, a sala de crianças e a sala de reunião.


218

Em todos os andares há habitações e banheiros. Contudo, as informações sobre a quantidade dos mesmos e o estado da edificação não me foi transmitido por motivo de segurança dos moradores. A edificação não possui fornecimento legalizado de energia nem de água e nem de sistema de telefonia. Segundo os moradores, é comum o entupimentos na rede de esgoto, vez que a tubulação que recolhe o esgoto da edificação fica em área do terreno onde os moradores não possuem acesso, próximo a uma edificação contígua à ocupada, que ainda está sobre o uso e controle da CDRJ. Assim, sempre que há algum problema do gênero, é preciso muita conversa e negociação, para que seja permitido o desentupimento da rede por parte dos moradores.

Escada de acesso a todos os pavimentos

Foto de Ticianne Ribeiro

Os elevadores foram saqueados,tempos antes da ocupação. Foto de Ticianne Ribeiro

A Cia Docas-RJ também não permite a entrada de materiais de construção, como tijolos, por exemplo. Vez que alega que o espaço ocupado se constitui somente como moradia provisória para os habitantes, não possuindo eles, assim, o direito de construir nele. Tal decisão atrapalha os moradores a executarem as reformas necessárias para a boa manutenção da edificação.


219

PARTE IV: ESTUDO DE CASO

VRED


220

11 Introdução à ocupação Manuel Congo

Deixei para o final as informações referentes à ocupação Manuel Congo não por acaso, pois ela é a ocupação objeto do estudo deste trabalho. Nesse sentido, os dados sobre ela são apresentados de maneira mais completa, com mais riqueza de detalhes, contribuindo assim, para uma sutil transição entre a Parte III e a Parte IV do presente trabalho.

NOME da ocupação: Manuel Congo Endereço: Rua Alcindo Guanabara, nº 20. Movimento social: Movimento Nacional de Luta pela Moradia DATA da ocupação: 28/10/2007 Tempo de abandono: 20 anos Dono oficial: INSS

Mapa esquemático de localização do lote. Elaboração própria em base do google maps.


221

11.1 O entorno: O entorno imediato se caracteriza por edifícios altos de escritórios e comércio no primeiro pavimento. As duas ruas que dão acesso ao prédio são muito movimentadas durante o horário comercial, mas, à noite e nos fins de semana fica um local ermo e perigoso. Entorno / Uso Comércio

Muito

Residência

Pouco

Serviço

Muito

Indústria

-

Gabarito

10pavs.

Restaurante CazuelaRua Alcindo Guanabara Foto de Ticianne Ribeiro

Destaca-se também a proximidade com: a Câmera dos Vereadores, o Teatro Municipal, a estação de metrô da Cinelândia e a Praça Floriano (palco de muitas manifestações populares e sindicais), tendo como pontos de referencia o Cinema Odeon e o famoso bar ―Amarelinho‖.

Ambiência: Rua Alcindo Guanabara Foto de Ticianne Ribeiro

Ambiência: Rua Evaristo da Veiga Foto de Ticianne Ribeiro


222

11.2 O edifício:

A edificação em questão encontra-se na Rua Alcindo Guanabara, número 20 e possui entrada também pela Rua Evaristo da Veiga, número 17. Está localizada no centro do Rio de Janeiro em área conhecida como Cinelândia. Tem como limites laterais um edifício privado de escritórios e o edifício anexo a Câmera dos Vereadores, onde estão os gabinetes dos mesmos O prédio foi construído em meados do século XX para ser um edifício de escritórios do INSS. Sua tipologia é bastante comum no centro do Rio de Janeiro: lojas no pavimento térreo e nos demais andares salas de 35m² a 60m² servidas por um banheiro cada. A legislação da época não exigia a existência de escada de incêndio enclausurada, por isso, há somente uma escada aberta e dois elevadores responsáveis pela circulação vertical.

Fachada da Rua Alcindo Guanabara Foto de Ticianne Ribeiro

Fachada da Rua Evaristo da Veiga Foto de Ticianne Ribeiro

Bem como muitos outros edifícios do INSS, a edificação foi abandonada há cerca de 20 anos atrás, tendo permanecido todo esse tempo fechada. Em funcionamento,


223

havia somente uma das lojas do térreo, onde hoje se encontra o restaurante Cazuela, que aluga o espaço.

LEVANTAMENTO BÁSICO DA EDIFICAÇÃO Espaço

Qtd. Por tipo de uso

Conservação

infraestrutura

Qtd.

Andar

Hab.

Outro

01

Térreo

-

Casa de samba

2

M

B

B

Ok

Ok

Ok

01

-

Uso comum + ?

4

B

M

M

Ok

Ok

-

5

Circulação

4

B

M

B

Ok

Ok

6

Circulação

4

B

M

B

Ok

Ok

6

Circulação

4

M

R

R

Ok

Ok

½ ½ ½ ½

Caixa d‘água + Máquinas

0

B

M

-

-

-

-

-

01 01 01 01 01

Pav. Comum Pav. Tipo A Pav. Tipo B 10º andar Cobertura

WC Piso Parede Teto Água Luz Esg. Tel.

-

Fonte: Realização própria com dados coletados nas visitas de campo

A tubulação de exaustão do restaurante Cazuela sobe pelo prisma de ventilação do prédio, ao chegar no telhado ainda está fixada a empena cega da edificação vizinha, por onde sobe até o telhado da mesma.

Acima foto do telhado do edifício. A parede a direita é da torre da caixa d`água Ao lado foto do Prisma de ventilação do edifício Fotos de Ticianne Ribeiro


224

Por ser um edifício público abandonado, com uma infraestrutura muito boa, e muito bem localizado, muitos movimentos sociais já pensaram em ocupá-lo. Antes de se tornar a ocupação Manuel Congo, neste mesmo prédio já ocorreu duas outras tentativas de ocupar o prédio, ambas sem sucesso, com a retirada das famílias algumas horas depois da ocupação. Mais detalhes arquitetônicos do edifício serão apresentados a seguir.

11.3 Histórico da Ocupação: A ocupação Manuel Congo é uma conquista do MNLM (Movimento Nacional de Luta por Moradia). No início tinham somente a certeza de que queriam ocupar um edifício no centro da cidade, onde as famílias cadastradas tivessem oportunidades de emprego e melhoria de vida, já que, segundo informado pelo movimento, estavam todos vivendo de forma indigna: pagando aluguel alto, morando perto de boca de fumo ou em área controlada por violentas milícias.

O início da ocupação do abandonado Cine-Vitória, notícia do site G1 da Globo.com dia 01/10/2007. Foto tirada por: Alaor Filho / Agência Estado Disponível no site: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL139962-5606,00.html


225

No dia 01 de outubro de 2006 ocuparam o Cine Vitória. Muitos nunca tinham ido ao cinema na vida, assim, decidiram por este local juntando a curiosidade com a necessidade de ter onde morar. Estavam planejando ocupar na mesma noite o prédio da Alcindo Guanabara. Contudo, como só havia 100 pessoas (das cerca de 200 cadastradas pelo movimento), resolveram entrar no Cine Vitória, porque era o prédio que mais queriam e sabiam que ocupar um naquela noite, não anulava a chance de ocupar um outro depois. Lá permaneceram por somente 8 dias. A coordenadora Lourdes avalia que não houve sucesso na ocupação porque, apesar das famílias estarem organizadas e deles estarem politicamente bem articulados, não estavam tecnicamente preparados, pois nunca tinham entrado no edifício, não sabiam quais eram as condições de habitabilidade e não tinham fonte de recurso para se manter lá.

Foto da desocupação no Cine-Vitória, tirada por 61 Alaor Filho, dia 08/10/2007. Foto do Hall de entrada do Cine-Vitória, tirada 62 por André Muzell, dia 06/10/2007

61

Disponível na versão on line do Jornal Estado de São Paulo. Último acesso em abril de 2008. Pelo Link: http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid61923,0.htm 62 Disponível no site de fotografias: Flickr Último acesso em abril de 2008. Pelo Link: www.flickr.comphotosmuzell1499012788


226

Ao saírem do cinema ocuparam o prédio do estado, na Regente Feijó que foi reservado para a policia civil e agora é a secretaria de fazenda. Neste ficaram só uma noite, no momento que ocuparam o governador Sergio Cabral ordenou para a polícia o despejo imediato. Entretanto, conforme relatos, o Comandante Ubiratan conversou com o governador por telefone e pediu para que ele permitisse que as famílias pudessem pelo menos dormir lá naquela noite, para não serem despejados na madrugada. Lourdes conta, que ouvia pelo telefone do Comandante Ubiratan os gritos do governador que perguntava se ele ia ter que ir lá fazer o despejo pessoalmente.

O

comandante

argumentou

que

eram

famílias,

de

gente

trabalhadora, gente de Deus (o comandante também é evangélico, como muitos dos moradores) e por fim, o governador cedeu, sob a condição de que no máximo até meio dia o prédio estaria desocupado.

Famílias protestando após despejo do Cine-Vitória, notícia do site G1 da Globo.com dia 09/10/2007. Foto tirada por: Guilherme Pinto / Agência O Globo Disponível no site: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL146962-5606,00.html


227

As famílias saíram de lá e foram para a porta da Secretaria de Habitação, porque já estavam negociando o prédio da Alcindo Guanabara. Contudo, contam que estavam todos muito cansados e levavam dias comendo e dormindo mal. Um coronel, então, ofereceu os ônibus da policia para eles ficarem estacionados no local. As famílias passaram o dia dentro do ônibus enquanto os coordenadores buscavam local para dormirem. Nessa noite, dormiram todos na sede da Comlurb. Dizeres da faixa de protesto: ―Famílias conseguem dinheiro para comprar o prédio e ainda assim serão despejadas. INSS: incompetência ou má fé?‖ Fonte das 3 fotos: Site CMI - Central de Mídia Independente Autor: CMI-Rio. © Copyleft Disponível no site: http://www.midiaindependente.org

Ato de protesto em frente ao INSS, dia 22-01-08*

Ato de protesto em frente ao INSS, dia 22-01-08*

Como a coordenação do MNLM-RJ sabia que era necessário esperar um pouco de tempo antes de realizar uma nova ocupação, decidiram que as famílias tivessem um tempo para descansar para depois, organizar a estratégia de entrada no prédio da Alcindo Guanabara. Nesse momento, muita gente não tinha mais casa, já que estavam há mais de uma semana em processo de ocupação. Além disso, sabiam que ia ser prejudicial à luta se todos se dispersassem naquele momento difícil. Por isso, somente alguns foram para a casa de familiares e a maioria foi para um galpão emprestado solidariamente pela Ocupação Quilombo das Guerreiras.


228

Quando decidiram ocupar o prédio que hoje é ocupação Manuel Congo, já estavam mais bem preparados, à medida que, segundo relata a Sra. Lourdes, já haviam ―conseguido colocar responsabilidades nas costas do ministério das cidades, nas costas da executiva nacional do MNLM, de pessoas da CUT que também defende a habitação popular‖. Tinham também ido ao SPU negociar o prédio em questão da Rua Alcindo Guanabara e mandado oficio para Brasília reivindicando a destinação dele como habitação de interesse social para famílias do MNLM. ―Já tínhamos feito um meio de campo e uma articulação política maior. Já tínhamos até procurado algumas pessoas que já tinham ocupado lá antes.‖ (Maria de Lourdes Lopes, em entrevista gravada em 2008). Assim, no dia 28 de outubro de 2007 entraram no edifício abandonado do INSS de forma tranquila e pacífica. Ocuparam durante o dia e esperaram o vigia noturno do prédio ir embora pela manhã. No fim da tarde, quando o vigia voltou para começar seu turno ficou então sabendo que o prédio tinha sido ocupado. Eles conversaram com o vigia e pacificamente ele retornou a empresa de segurança para a qual trabalhava e fez o relato da situação.

Espaço coletivo - Sala Jovem Foto de Ticianne Ribeiro

Início da ocupação - Crianças com faixa Fonte: Site CMI - Central de Mídia Independente Autor: CMI-Rio. Disponível no site: http://www.midiaindependente.org © Copyleft

Como já era noite, a Sra. Lourdes acredita que a empresa de segurança não contatou o INSS, e chamou diretamente um policial para ir ao prédio. Durante a madrugada, chegaram dois policiais que tentaram intimidar os moradores. Marcelo Edmundo (CMP) localizou o comandante Ubiratan, que ligou para um dos policiais e, só então, eles se retiraram falando que o problema dos ocupantes tinha que ser resolvido com a Polícia Federal, uma vez que o prédio é de um órgão federal. A Sra.


229

Lourdes alerta para o detalhe de que esse argumento já tinha sido colocado pelo coordenadores do MNLM em diversos instantes anteriores e o policial não o aceitara. Há quem desconfie que os policiais ganharam dinheiro da empresa de segurança para estarem ali. Depois desse dia não tiveram maiores problemas com a polícia. Nos primeiros dias de ocupação as pessoas que trabalhavam em locais onde era obrigatório bater ponto, tiveram que ficar de fora ou encontrar uma maneira de justificar a falta no trabalho, porque nas primeiras 48 horas de ocupação havia a certeza de que ninguém iria poder sair. Já no caso dos que trabalham como autônomos, havia sido acordado que nenhum iria trabalhar até que a situação da ocupação estivesse minimamente consolidada. Ainda nos primeiros momentos da ocupação, as famílias foram orientadas para não permanecerem perto da porta visando não serem identificados. Deveriam somente esperar tranquilamente, tendo levado apenas o básico pra se manter naqueles dois primeiros dias. Conforme relato de integrantes do movimento, a negociação do prédio com o INSS não foram fáceis. No início do ano, as famílias conseguiram a aprovação de verba subsidiada do FEHIS, suficiente para que o governo do estado compre o edifício e faça obras de reforma básica para adaptar o edifício para moradia. No entanto, a ordem de despejo solicitada na primeira semana da ocupação não foi retirada pelo INSS, tendo sido somente adiada por 3 meses para negociação. Há cerca de 3 meses esse prazo se esgotou e o INSS continua criando barreiras e dificultando a permanência dos moradores no edifício.

Cozinha Comunitária*

Foto de Ticianne Ribeiro

Cartaz na porta interna* Foto de Ticianne Ribeiro


230

11.4 Perfil do coletivo:

O que determina as regras de convivência é a carta de princípios, elaborada em muitas reuniões, onde os ocupantes organizaram e instituíram como deveria ser a ocupação, enquanto a coordenadoria do MNLM anotava os pontos citados e organizava-os, lendo-os na reunião seguinte para que fosse aprovado por todos. Assim, as pessoas não teriam vergonha de expor suas ideias e participariam mais do processo. Se dissesse para eles que era para a gente fazer uma carta de princípios, e desse para eles os artigos para eles fazerem, eles não iam fazer porque iam achar que não eram capazes. Então fazíamos só uma discussão mesmo, do tipo: como é que vamos fazer para morar todo mundo junto em um prédio? O que que não pode? O que que um não poderia fazer que atrapalharia o outro? A gente está aqui por quê? Somos só nós? Não somos? (Maria de Lourdes Lopes, em entrevista gravada em maio de 2008)

Segundo a carta de princípios, a mulher, a criança, o idoso e o deficiente têm proteção especial. E os vícios de relação de poder do capitalismo devem ser combatidos no edifício. Por isso, o trabalho tem que ser coletivo, não pode um trabalhar para todos e receber salário. Não querem criar de forma alguma relação de empregado e empregador entre os moradores do prédio.

Acima: Pequenos moradores brincando em festa na Casa de Samba. Foto de Ticianne Ribeiro Ao lado: Moradores e Lourdes (moradora e coordenadora MNLM) na sua festa surpresa de aniversário na Casa de Samba Mariana Crioula.


231

―Aqui a Concepção é outra. Nós estamos construindo uma comunidade, com convivência coletiva. Nós não vamos ter relações empregatícias aqui.‖ Conta a Sra. Lourdes. Quem coordena e toma as decisões do prédio é o comitê democrático de gestão, que é eleito pela assembleia, segundo a carta de princípios. No momento, funciona o comitê transitório, que foi indicado pela coordenação do MNLM. Para outubro (quando a ocupação completa um ano), está planejada a primeira eleição por assembleia. O comitê democrático é formado por moradores e coordenadores do MNLM. Em todos os andares deve possuir um morador membro do comitê.

Festa de aniversário de Lourdes - Coordenadora MNLM

Foto de Ticianne Ribeiro

Apresentação ao ar livre (na porta da ocupação) do filme: ―Encontro com Milton Santos‖. Foto de Ticianne Ribeiro.

Na Ocupação Manuel Congo, as famílias fazem parte do MNLM e se organizam em coletivos (seja de mulheres, de jovens, etc.) ―quem mora na ocupação é do MNLM (...) Não tem uma ausência de vínculo (MNLM e ocupantes), é diretamente ligado‖. A Sra. Lourdes diz ainda que sabe que alguns acham que isso é autoritarismo, e que é difícil as pessoas entenderem, mas afirma que a ocupação foi construída coletivamente e tem um formato e um objetivo específico. ―Fica quem concorda com os princípios e que querem lutar pela moradia. Não abrimos espaço para individualismo.‖ Desta forma, os moradores acham que é muito difícil a ocupação ser tomada por movimentos que sejam contra a carta de princípios e por milícias ou tráfico de drogas. Por isso, concordam com esse sistema de gestão.


232

Qtd

Moradores

42

habitações

30

famílias

12

solteiros

0

idosos

58

adultos

39

crianças

01 25

empregados

12

Autônomos

13

desempregado

01

Sala de reuniões da coordenação Foto de Ticianne Ribeiro

Mental

ESPECIAL

01

Física Facial

No que diz respeito aos possíveis conflitos internos entre os moradores, os já previstos claramente na carta de princípios, podem ser tratados diretamente pelo comitê democrático. Contudo, algumas regras estão colocadas de uma forma bem dura na carta e, por isso, o comitê acaba relevando algumas coisas, dando avisos e deixando passar um tempo, para que a pessoa possa mudar de conduta.

Festa de homenagem a Célia Ravero na Casa de Samba Mariana Crioula Foto de Ticianne Ribeiro

Festa de homenagem a Célia Ravero na Casa de Samba Mariana Crioula Foto de Ticianne Ribeiro

No entanto, em casos de uso de drogas ilegais, por exemplo, está previsto somente uma ponderação de 48h, onde a pessoa deve decidir: ou é encaminhado para tratamento ou tem que se retirar do prédio. No caso de tráfico de drogas a determinação é ainda mais drástica: expulsão imediata. Os assuntos não tão claros e omissos na carta de princípios são decididos em assembleia.


233

O MNLM acredita que para cada prédio que se ocupa há regras que são peculiares ao caso determinado. No edifício da Rua Alcindo Guanabara uma dessas regras, que é considerada uma falta grave, é cozinhar nos apartamentos antes das obras de reforma. Isso se deve a falta de infraestrutura hidro sanitária necessária para o preparo de alimentos e a limpeza dos utensílios usados. Assim, todos devem cozinhar, auxiliando, por exemplo, em tarefas que evitem problemas na cozinha coletiva, tais como, possíveis entupimentos no sistema de esgoto que é antigo e precário e que por fim prejudicaria a todos os moradores.

Cozinha coletiva- 1 pias e 2 fogões Foto de Ticianne Ribeiro

Cozinha coletiva- As cozinheiras do dia Foto de Ticianne Ribeiro

Uma regra geral, que pode ser aplicada a todos os casos das ocupações realizadas pelo MNLM é o veto à participação de famílias que possuem casas (ou barracos) em outro local. Esse fato, pode até ser contornável se a família vender a casa, ―porque ninguém é obrigado a morar e criar seus filhos ao lado da boca de fumo‖, conta a Sra. Lourdes. Todos os que estão lá no edifício ou pretendem nele morar permanecem lá desde o dia da ocupação, sendo que, no momento da entrada no edifício, ainda estavam presentes alguns coordenadores do movimento que possuem suas casa e algumas famílias que, como não cabem todos, estão esperando um segundo momento para conseguir uma moradia. Quando perguntei a Sra. Lourdes se eles têm alguma pretensão de quando terminar de resolver as pendências do Manuel Congo começar uma outra ocupação, ela me respondeu que não podem nem esperar acabar a obra do Manuel Congo, porque sabe que isso ainda vai demorar muito. Ela, então, afirma que este ano ainda iniciarão um novo processo em outro local.


234

12 Levantamento e propostas

12.1 Definições preliminares de Projeto No inicio do trabalho na ocupação Manuel Congo percebi que as famílias ali organizadas, juntamente com o comitê de gestão da ocupação já haviam decido as diretrizes básicas do projeto. Sendo assim, em uma simples conversa foi possível estabelecer uma relação dos espaços desejados pelos ocupantes e o programa de necessidades apresentado é fruto da compatibilização das ideias dos moradores com o aproveitamento racional dos espaços existentes no prédio. O edifício em questão possui 10 andares e a única escada que dá acesso aos pavimentos não atende as normas de incêndio. Para a reabilitação da edificação será necessário a construção de uma escada de incêndio, que provavelmente será feita em estrutura metálica e alocada no prisma de ventilação central do prédio. Contudo, vale a pena ressaltar que para cumprir com esse pré-requisito para a obra, será necessário que o restaurante Cazuela retire sua cozinha do espaço por eles ocupados, correspondente ao prisma de ventilação no pavimento térreo.

Telhado da cozinha do restaurante que funciona do espaço do prisma de ventilação Foto de Ticianne Ribeiro

Escada padrão dos pavimentos tipo. Foto de Ticianne Ribeiro

Outro pré-requisito é a instalação de um elevador. Antigamente o prédio possuía dois elevadores, que possivelmente foram saqueados durante os anos de abandono.


235

Por ser uma construção um pouco antiga, e ter permanecido sem uso/manutenção por muito tempo, a estrutura física do prédio e as instalações hidro sanitárias e elétricas deverão passar por um processo de avaliação antes do inicio da obra. Devido a este fato algumas possíveis soluções já foram pensadas caso seja necessário a construção de nova redes de água, de esgoto e ou de energia. O edifício possui 3 prismas de ventilação e também um vão de elevador que não será, a princípio utilizado, por onde poderão ser distribuídos verticalmente as instalações prediais, todos os andares possuem pé direito avantajado o que facilitaria a distribuição das mesmas horizontalmente.

Hall dos elevadores: detalhe do vão da porta fechada com tijolos pelo restaurante Foto de Ticianne Ribeiro

Banheiro padrão: alguns pedaços de mármore poderão ser reaproveitados Foto de Ticianne Ribeiro

Seguindo o contexto ao qual se insere esse projeto, as propostas visam que a obra de reforma tenha um baixo custo e que seja possível a sua realização com os moradores no local. Assim, buscou-se quebrar e construir o mínimo possível de alvenaria, aproveitando a configuração dos espaços existentes conforme mostrado a seguir.


236

12.2 Programa de necessidades: Os espaços utilizados como áreas de uso coletivo, correspondem ao primeiro e ao segundo pavimento, possuindo os seguintes recintos:

Discrição do espaço:

Área (m²)

Casa de Samba Mariana Crioula

75,30m²

Banheiro fem.

2,20m²

Banheiro masc.

1,50m²

Bar da casa de samba

9,65m²

Cozinha da casa de samba

18,00m²

Depósito

3,96m²

Escada de incêndio

-

Farmácia Popular*

100,00m²

Livraria e internet

50,65m²

Cafeteria

3,80m²

Banheiro p/ item acima

2,80m²

Cooperativa de costureira

34,30m²

Banheiro p/ item acima

2,40m²

Saleta de Administração

3,00m²

Sala de reunião e cursos

55,60m²

Banheiro p/ item acima

3,32m²

Espaço de lazer Infantil

44,20m²

Banheiro p/ item acima

2,04m²

*Esse item é um desejo pelos moradores, mas há chances de não se tornar possível sua viabilidade já que a sua localização seria no espaço onde hoje ocupa restaurante Cazuela.

Sala modelo com janelas voltadas para uma das ruas. Foto de Ticianne Ribeiro


237

12.3 Propostas: Como espaços de moradia serão utilizados 8 andares, (do terceiro andar ao décimo andar) Estes serão divididos da seguinte forma: 

2 andares do edifício terão planta pavimento tipo modelo A: 1 apartamento de sala, cozinha e 3 quartos (60m²) + 2 apartamentos de sala e 2 quartos (37,8 a 38,2m²) + 2 quitinetes (28 a 31m²)

6 andares do edifício terão planta pavimento tipo modelo B: 2 apartamentos de sala e 2 quartos (37,8 a 38,2m²) + 4 quitinetes (28 a 31m²)

CAIXA D‘ÀGUA MÁQUINAS 2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

1APTO de 2 QTOS 2 QUITINETES

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

1APTO de 2 QTOS

2 QUITINETES

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

1APTO de 2 QTOS

2 QUITINETES

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

1APTO de 2 QTOS

2 QUITINETES

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

1APTO de 2 QTOS

2 QUITINETES

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

1APTO de 2 QTOS

2 QUITINETES

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

2 QUITINETES

1APTO de 2 QTOS

PRISMA VENTIL. + HALL ELEV.

EVARISTO LIVRARIA-INTERNET COOP. COSTURA DA VEIGA CASA DE SAMBA BAR+COZINHA

1APTO de 2 QTOS 1APTO de 3 QTOS 1APTO de 2 QTOS 1APTO de 3 QTOS LAZER INFANTIL CURSOS+REUNIÃO RESTAURANTE CAZUELA

CISTERNA POÇ

CORTE OESQUEMÁTICO. Sem escala. Elaboração: Ticianne Ribeiro de Souza

ALCINDO GUANABARA


238

Térreo


239

segundo anda – lado a


240


241

tipo


242


243


244


245


246

12.4 Cortes e Fachadas

1

Corte longitudinal da proposta Sem escala


247

1

Corte Transversal Sem escala


248

1

Fachada Evaristo da Veiga Sem escala

2

Fachada Alcindo Guanabara Sem escala


249

13 Considerações finais Desde o principio desta pesquisa obtive dados e informações que deixaram claro que a existência das ocupações de edifícios públicos no centro do Rio de Janeiro promovida por de movimentos sociais organizados ou ainda por moradores que atuam de forma isolada, são um reflexo da insatisfatória atuação do Estado no que diz respeito à promoção de habitação popular, especialmente, nas ultimas décadas. De acordo com Castells (1983, p.210) quando o Estado não colabora na construção de habitações populares ou o faz de forma insuficiente, a resposta da população é clara: a invasão de terrenos livres pelos que não têm casa e a organização de um habitat rude, que se desenvolve numa luta contra a repressão policial, as ameaças jurídicas e, às vezes, aos atentados criminosos das empresas do capital imobiliário. Na sociedade brasileira do século XXI este quadro, aparentemente, começa a ser mudado de forma mais expressiva com a elaboração de novas políticas publicas voltadas para a habitação. Conforme visto, o atual governo Federal vem concentrando esforços nas melhorias habitacionais no país. Desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, alguns projetos de suma importância já foram implementados, como a Política Nacional de Habitação e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Tais programas auxiliam de forma global na produção de moradia popular para as camadas de baixa renda (de 0 a 3 salários mínimos). Com atuação mais específica, também foi criado o Programa Nacional de Reabilitação das Áreas Urbanas Centrais63 e a Política Fundiária e Imobiliária para a Habitação que visam garantir o acesso à moradia e à cidade, e que inclui também o uso de terrenos e imóveis públicos para habitação popular. Segundo o Ministério das Cidades, o Programa Nacional de Reabilitação das Áreas Centrais, deve priorizar a produção de habitação popular nos centros das cidades como mecanismo de amenizar e/ou mitigar o déficit habitacional brasileiro. Nesta direção, a Arquiteta Mariana Zepeda, em sua dissertação de mestrado defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, avalia que: 63

Maiores informações sobre como o ―Programa Nacional de Reabilitação das Áreas Centrais‖ será aplicado no Rio de Janeiro podem ser encontradas no capitulo 4 ―A ocupação de edifícios públicos no centro da cidade do Rio de Janeiro‖, do presente trabalho.


250

Os processos de reabilitação das áreas centrais estão, cada vez mais, adotando diretrizes inclusivas. Conforme visto, os programas de reabilitação formulados a partir da década dos anos 90 contemplam importantes aspectos sociais. Nestes programas destaca-se principalmente a importância de se explorar o enorme potencial da área central, tanto para diminuir o déficit habitacional quanto para garantir o acesso à cidade para a população mais pobre. No caso brasileiro, estes aspectos são fortemente enfatizados no nível federal – como visto nas diretrizes do Programa Nacional de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais. Porém, observa-se que as diretrizes e as políticas que efetivamente se concretizam através dos programas municipais, perdem, grande parte do seu conteúdo social na etapa de implementação. (Zepeda, 2007,pg. 186)

Conforme indicação anterior, no presente trabalho, no caso do Rio de Janeiro o atendimento às necessidades da população de baixa renda por parte das ações dos governos estadual e municipal, está aquém das demandas e/ou expectativas desse seguimento da sociedade. Comumente se busca soluções paliativas em áreas de assentamentos informais e se produz habitação popular em regiões muito afastadas centro, não atendo assim, o anseio da população de habitar dignamente áreas infraestruturadas, seguras e próximas a oportunidades de trabalho. Ainda de acordo com Zepeda (2007, p187), o Programa Novas Alternativas (PNA), se mostra excludente, uma vez que não atende e, segundo seu coordenador, nem pretende atender a população de baixa renda! A atuação do PNA parece muito mais condizente com outros objetivos: produzir moradia de um nível social maior para subir o nível social da população residente e fomentar a participação do capital imobiliário. Corre-se o grande risco de que a inserção da iniciativa privada na revitalização urbana potencialize os problemas de segregação espacial e de exclusão social. (Zepeda, 2007,pg. 187)

No nível estadual, segundo Tiago Franco Fontes da CEHAB, o Programa de Reabilitação da Área Central (PRAC), bem como o Novas Alternativas, não será voltado para a provisão de habitação popular na área central, e sim ―vai ter um lado que vai olhar para essas famílias de 0 a 3 salários mínimos que o município a principio não contempla dentro dos seus programas‖. Assim, me parece que o PRAC já se inicia com vontades tímidas de auxiliar na mitigação do déficit habitacional. Tal inferência se baseia também no posicionamento de Célia Ravero, presidente do ITERJ, que coloca a existência de um certo risco desse programa acabar por não atender as famílias de mais baixa renda (de zero a três salários mínimos), uma vez


251

que, segundo ela, sobre a recuperação das áreas centrais, todas as entidades mais profundamente envolvidas64 estão de acordo, restando, contudo, a grande questão de como se está instrumentalizando tal processo de reabilitação na área central. É de suma importância estar alerta com os fundamentos e os objetivos básicos isso será feito: se efetivamente será voltado para atender as demandas por habitação e geração de trabalho e renda da população necessitada, ou se serão beneficiados os grandes

construtores

e

empreendedores

urbanos,

comprometidos

com

a

especulação imobiliária. Eles querem dar o melhor da área portuária para grandes empreendimentos, eu acho que deveria ser gravada como área de habitação de interesse social. Isso seria uma prefeitura medianamente progressista e comprometida. (Célia Ravero, em entrevista gravada em maio de 2008).

Ao que parece, percebe-se uma falta de firmeza e vontade política por parte do Estado (nas suas escalas Estaduais e Municipais) no que diz respeito à provisão de habitação popular no centro da cidade do Rio de Janeiro. Possivelmente, o processo de inclusão efetiva das camadas mais pobres só será de iniciado quando o poder público tomar medidas claras focadas nesse objetivo. O trecho a seguir de Zepeda (2007, p. 188) reforça essa ideia. Quanto à questão sobre a viabilidade de acesso à moradia na área central para a população de baixa renda, ficou também claro que, de maneira similar às outras áreas da cidade, se requer uma atuação decisiva do poder público, tanto como promotor quanto como investidor. A reabilitação habitacional inclusiva só será possível quando o poder público priorize este processo, destinando recursos, subsidiando e formulando programas que utilizem todos os instrumentos inclusivos previstos no Estatuto da Cidade. De igual maneira, parece correto afirma que continuar pelo mesmo caminho só pode piorar a situação, tanto da população residente como das condições sócio urbanas da cidade toda: será acumulado um maior déficit habitacional para baixa renda – consequência da expulsão desta população da área central – e o problema será transferindo a outras áreas da cidade agravando a já complexa situação atual. 64

Sendo as principais: CEHAB, SMH, ITERJ, SINDUSCON-RJ, FNRU e militantes


252

Aliado à falta de vontade política dos governos estadual e municipal de prover habitação popular no centro, vejo como um ponto de forte correlação a este fato e importante de ser aqui ressaltado, o claro posicionamento do Sindicato da Construção Civil a favor de que haja uma valorização gradativa dos imóveis no centro da cidade onde, aos poucos, as populações de baixa renda devem ser substituídas pela de renda média que, por sua, vez será também substituída pelas classes mais altas. Assim, me parece que o centro do Rio de Janeiro se conforma como espaço que revela grandes disputas, principalmente os conflitos entres os interesses mercadológicos, típicos do sistema capitalista contemporâneo, fundamentado somente na modernização seletiva e excludente das cidades, de um lado, contra os interesses de uma população que vê no desemprego e no imenso déficit habitacional a marca profunda das desigualdades entre classes, apontada no inicio do presente trabalho, conforme o pensamento de Engels (1872). Esta provável exclusão das camadas mais pobres dos espaços habitacionais do centro, acaba se configurando no que a bibliografia tem denominado de gentrificação65 que, em linhas gerais, é um processo onde em uma determinada área degradada há a troca das camadas locais e de baixa renda por classes mais abastadas mediante implantação de ações de valorização dessa área agregado ao processo especulativo imobiliário. Segundo Neil Smith (in BIDOU, 2007),66 em algumas cidades a gentrificação pode ocorrer ―em três ondas‖. A primeira pode-se chamar de gentrificação esporádica, que ocorre em escala restrita e em parcelas isoladas ao longo do tempo. A segunda,

65

A gentrificação é um fenômeno ao mesmo tempo físico, econômico, social e cultural. Ela implica não apenas

uma mudança social, mas também uma mudança física do estoque de moradias na escala de bairros; enfim, uma mudança econômica sobre os mercados fundiário e imobiliário. É esta combinação de mudanças sociais, físicas e econômicas que distingue a gentrificação como um processo ou conjunto de processos específicos (Hamnet, 1984) in BIDOU- Zachariasen, Catherine, Coord. De volta às cidade.2006. 66

in BIDOU-Zachariasen, Catherine, Coord. De volta às cidades.2007.


253

seria a ―consolidação do processo de gentrificação‖ Neil Smith (in BIDOU, 2007, p.63 ) que, no caso de Nova Iorque, que é tomado pelo supracitado autor como exemplo, ocorre quando a municipalidade, assessorada entidades orientadas pela lógica bancária, se joga de cabeça nos novos programas de reabilitação de habitações, concedendo uma série de vantagens aos promotores imobiliários. A terceira onde trata da generalização da gentrificação, quando essa começa a se expandir também para os circunvizinhos. Smith (in BIDOU, 2007, p.78) também aponta que esse processo culminou na tomada de espaços pelos militantes sem-teto (chamados de Squatters no Estados Unidos) no inicio da década de 90. Talvez seja possível fazer uma analogia com o caso carioca da seguinte forma: primeiro tomando o trabalho do Programa Novas Alternativas como gentrificação esporádica, já que há 15 anos tal programa implementa vagarosamente a restauração de imóveis abandonados e por vezes ocupados irregularmente por famílias com a venda desses imóveis para população de média renda (de 3 a 8 salários mínimos). Caso o Programa de Reabilitação da Área Central não atenda à população de baixa renda, que hoje reside irregularmente no centro e priorize os imóveis para média e alta renda, provavelmente teremos a consolidação do processo de gentrificação que, por fim, segundo anseios da iniciativa privada, pode se alastrar por outros bairros como, Lapa, Santa Tereza, Gamboa e Saúde. Desse modo, podem ser produzidas ―paisagens urbanas que as classes médias e médias altas pode ―consumir‖- uma vez que os sem-teto foram rapidamente evacuados‖ conforme Neil Smith (in BIDOU, 2006, p.73). Smith (in BIDOU, 2007, p.75) acrescenta ainda que a generalização da gentrificação pode ser compreendida em 5 características distintas, embora interligadas. De forma simplificada são elas: 1. O novo papel do Estado, que deixa de atender as demandas sociais e intensifica as parcerias entre o capital privado e o poder publico local; 2. A penetração do capital financeiro, com os incentivos do Estado; 3. As mudanças nos níveis de oposição política, como a forte repressão aos movimentos anti-gentrificação; 4. A dispersão geográfica com a difusão da gentrificação para além do perímetro central; e


254

5. A generalização plena da gentrificação, que se torna mais complexa, institucionalizada, inaugurando uma renovação urbana de dimensão classista. Acredito que, alguns desses aspectos já se fazem presente no centro da cidade do Rio de Janeiro. Como já apresentado nas questões preliminares e reforça principalmente na fala de Célia Ravero (presidente do ITERJ) o Estado apresenta indícios de estar envolvido em um modelo de sistema capitalista que visa prioritariamente à modernização da cidade deixando de lado propostas de incorporação da grande massa de trabalhadores no desenvolvimento urbano sustentável do Rio de Janeiro. Assim, aparentemente, o foco das ações do Estado se volta para o capital privado, se intensifica as parcerias com os mesmo. Ocorre então a penetração do capital financeiro na construção das cidades, que intensifica o seu poder de pressão nas decisões sobre o futuro de determinados espaços urbanos. Em resposta, vemos surgir movimentos sociais que lutam por políticas públicas mais atenciosas às necessidades da população de baixa renda. Pode-se considerar que o crescente número de ocupações organizadas a edifício públicos no centro do Rio de Janeiro seja um tipo manifestação da insatisfação popular no que diz respeito à atuação do Estado na promoção de habitação popular. Estes movimentos se manifestam principalmente contra a especulação imobiliária, e em prol de medidas mais enfáticas e significativas na produção de habitação popular para a grande camada da população que possui renda inferior a três salários mínimos. Até onde pesquisei, no Rio de Janeiro os movimentos populares não se utilizam da palavra gentrificação, para expressar suas ideias. Contudo, nitidamente percebem o surgimento de um processo de segregação das classe mais pobres das áreas infraestruturadas da cidade e atuam com intuito de frear esse processo, buscando democratizar a área central com a promoção de habitação popular.


255

Lambe-lambe colados em áreas ocupadas e já despejadas. 67 De: coletivo Bijari | 2005 foto: Anderson Barbosa

Me parece que no centro da cidade de São Paulo já há grupos, ligados a movimentos que lutam pela moradia popular que atuam explicitamente contra a gentrificação. No dossiê Centro Vivo realizado em 2007 pelo Fórum Centro Vivo, encontrei imagens que mostram intervenções e criações do coletivo Bijari na luta contra o processo de gentrificação, conforme abaixo explicitado. Acredito que provavelmente na cidade do Rio de Janeiro ainda não tenhamos chegamos ao nível de gentrificação generalizada relatada por Smith (in BIDOU, 2007, p.75). Contudo, vale reafirmar, que esse processo de troca de população e valorização excludente de determinarias áreas da cidade é uma tendência em diversas cidades no mundo, e possivelmente essa já apresenta seus sinais no centro do Rio de Janeiro. Cabe assim, a colocação de um ultimo aspecto apresentado por Smith (2007, p.82) 68 sobre a revitalização de áreas da cidade onde se implementa o discurso da diversidade da população: A questão do equilíbrio sociológico está associada à necessidade de ―trazer moradores para o centro de nossas cidades‖ (...) O equilíbrio sociológico parece ser uma coisa boa – quem poderia ser contra? até que se examine quais são os bairros escolhidos para a ―regeneração‖ e se torne claro que o projeto implica em uma acentuada colonização desses locais pelas classes médias e altas. 67

Fonte: Dossiê de Denúncia. Violações dos Direitos Humanos do Centro De São Paulo: Propostas de Reivindicações Para Políticas Públicas. Organização: Fórum Centro Vivo, 2007 68

In BIDOU-Zachariasen, Catherine, Coord. De volta a cidade. 2006, página 82


256

Quadro síntese elaborado pelo coletivo Bijari, publicado no Dossiê de Denúncia do Fórum Centro Vivo São Paulo, 2007


257

Curiosamente esse tipo de discurso analisado por Smith, se aproxima, em linhas gerais, das ideias propostas para o centro do Rio de Janeiro explicitadas nas entrevistas com representantes da CEHAB e do SINDUSCON-RJ. Tais entrevistas já foram aqui já detalhadas e serão resumidamente sintetizadas no quadro da página XX. Sobre o trabalho levado pelos grupos que ocupam os prédios públicos no Rio de Janeiro pude constatar que, em muitos casos, os moradores das ocupações visitadas se mostraram de modo geral, engajados na luta em prol da moradia popular digna na área central e também envolvidos com outras lutas populares. Há uma preocupação outras questões como, por exemplo: a valorização da cultura nacional, o papel da mulher na sociedade, melhorias no sistema de saúde e de educação pública, a problemática da segurança pública entre outros. Não gratuitamente, algumas ocupações levam o nome de personalidades emblemáticas da história brasileira. Contudo, me parece que ainda falta nesse processo um olhar mais apurado voltado para o controle das políticas publicas que irão ser implementadas futuramente, mais especificadamente, no Programa de Reabilitação das Áreas Centrais. Talvez, essa seja uma preocupação que poderia ficar a cargo do meio acadêmico (como por exemplo, das universidades públicas) e de demais grupos sociais, já que os moradores de ocupações de edifícios públicos abandonados já possuem demasiadas tarefas necessárias para a sua manutenção nos respectivos locais. Nesse contexto, de acordo com Bienenstein (1992, P.20), as Universidades Públicas poderiam se apresentar como um importante espaço de atuação nas questões ligadas à habitação popular em áreas centrais e suas decorrências. Acompanhando as propostas do governo, levantando questionamentos e inclusive propondo ações, em parcerias com o governo, com os movimentos sociais organizados ou até mesmo com outras entidades voltadas para o tema. Desta forma, me parece que seja possível realizar a uma reflexão teórica e uma atuação prática consciente sobre o tema, com base na atuação direta através da universidade pública, seja criando linhas de pesquisa, fóruns de discussão, promovendo debates abertos, ou apenas levando esse tema para as salas de aula,


258

estimulando os alunos a formularem conceitos mais críticos, práticas inovadoras e inclusivas nessa parcela da produção social do espaço, e a serem mais atenciosos sobre a questão da falta de habitação popular; da exclusão das camadas mais pobres dos espaços mais infraestruturados da cidade e dos processos de reabilitação que serão implementados futuramente nas áreas centrais. Finalmente, à guisa de complementação deste capítulo, é a seguir apresentado um quadro das opiniões, visões e concepções dos atores entrevistados durante a pesquisa de campo deste trabalho, sobre alguns dos assuntos nele tratados.


259

Quadro síntese das opiniões, visões e concepções dos atores envolvidos no tema

NEPHU UFF

Fundação Bento Rubião

SINDUSCON RJ

MNLM

CMP

SMH

CEHAB

ITERJ

CEF

Ator / Tema

do trabalho, ordenado por assuntos abordados nas entrevistas. Sobre soluções visando o enfrentamento do déficit habitacional do Brasil

Sobre os possíveis ―gargalos‖ na produção de habitação no Brasil

Solução: subsídio aliado à busca de Burocracia aliada às exigências da tecnologias e alternativas Caixa assim como o desinteresse construtivas que reduzam o custo das construtoras em trabalhar com da habitação. unidades habitacionais com orçamentos reduzidos. A sociedade deve progredir O jogo de interesses que submete baseado não no modelo restrito à a vontade coletiva, da grande mera modernização, e sim em um massa de trabalhadores, às modelo diferente de vontades comerciais, desenvolvimento, sustentável e que prevalecendo assim a violenta incorpore os trabalhadores no especulação imobiliária. crescimento do país. A questão fundiária já que, muitas Principal solução: o aproveitamento vezes, o Estado tem a emissão de dos vazios urbanos existentes na posse do imóvel, mas não tem a cidade. propriedade pelo RGI.

Sobre as ocupações de edifícios públicos Pessoalmente o entrevistado é a favor à medida que ―na pratica é que quando a coisa acontece dessa forma inversa acaba resolvendo‖. ―O ocupante o que faz é, através da organização e da luta, materializar um direito que está escrito. (...) ele está cumprindo a Constituição."

Importante influência nas novas diretrizes traçadas pelo Ministério das Cidades com a luta pela moradia. Contudo, algumas contribuem para a deterioração do patrimônio público. CONTRA: ―como representante do O assunto não é o foco do A questão fundiária aliada à divida poder publico não pode incentivar Programa Novas Alternativas. dos imóveis abandonados com isso... a ilegalidade ‖. Na sua concessionárias tais como a avalição, é um dos maiores CEDAE. entraves do programa Novas Alternativas. A propriedade privada, vista como "Ocupação não é solução para a "Só vai mudar se mudar o modelo um direito incontestável, superior moradia. (...) Se você achar que é de sistema que temos. " ao direito à moradia; o difícil a solução, você está iludido. Você diálogo e negociação sobre a tem que mudar essa sociedade! ‖ questão das propriedades públicas com as entidades proprietárias. Reduz-se muito a questão da Visão do Estado de que moradia é Não foi indagado sobre o assunto, habitação ao déficit de espaço uma mercadoria e não um direito; porque como é um dos promotores físico de moradia, deixando de lado Tal visão já foi assumida pela de ocupação o seu a falta de diversos outros aspectos população que não se sente posicionamento a favor é algo que deveriam estar atrelados sujeito desse direito. claro e sabido. à habitação. Reduz-se muito a questão da Enormes dividas de IPTU aliado _ habitação ao déficit de espaço ao fato das obras de restauração físico de moradia, deixando de lado serem mais complicadas e a falta de diversos outros aspectos demoradas. que deveriam estar atrelados à habitação. "Falta vontade e inteligência Apontou a difícil relação com os "Eu diria que infelizmente é política!" 3 linhas de atuação: órgãos públicos, aí incluída a excelente... Já é escandaloso urbanização e a regularização de Caixa, que é percebida como um quando a sociedade tem esses assentamentos; produção de novas órgão muito grande, imóveis vazios para especulação, habitações (pelo setor privado ou extremamente burocratizado e mas, o mais escandaloso é cooperativas e associações), sem foco. quando o próprio poder público ter autoconstrução assistida (com imóveis vazios e ociosos ." financiamento, assessoria técnica Três formas básicas: construção de Grande barreira: o poder publico "É uma maneira encontrada pela novas moradias; urbanização e a estar consciente que tem que população de baixa renda de regularização de assentamentos; e cumprir seu papel. Gargalos: resolver a falta de habitação, já ocupação de espaços atividades que demandam que o governo não toma iniciativas abandonados ou subutilizados. grandes recursos. firmes e enfáticas nesse sentido. "


260

Quadro síntese das opiniões, visões e concepções dos atores envolvidos no tema

Ator / Tema

Ambiente construído (tipologia) que dificulta muito as obras voltadas para habitação popular - Casarões antigos o que implica em alto custo de obra.

181

NEPHU UFF

Geração de trabalho e renda associada à

_

Financiamento X Subsídio Título de propriedade X Concessão de uso _

"É importante agregar a moradia A favor do subsidio total do ao trabalho (e não a emprego), governo. É a favor da concessão porque não há emprego para real de uso, inclusive no que diz essas pessoas.‖ respeito ao controle do coletivo na troca de moradores. Espaço da diversidade: convivência "É importante pensar um espaço de diferentes classes sociais (baixa que possa gerar renda para que Conjunção de recursos: fundo renda, media renda, media baixa). se possa garantir a manutenção perdido + financiamentos. É contra desses imóveis. " o subsidio total. _

Sitio histórico com imóveis tombados ou preservados não _ _ sendo adequado para a classe média baixa. É a favor de habitação de baixa renda somente em franjas de favelas. O centro como local de "Toda ocupação sempre pensa na É a favor da Concessão de Uso oportunidade de trabalho. "Morando questão cultural, na geração de Coletiva. Na opinião deste no centro a população de baixa renda. Tentam se organizar em coletivo, a retirada a questão da renda possui mais possibilidades cooperativas de trabalho. " propriedade, dificultaria que os de conseguir trabalho, nem que ocupantes viessem a vender e/ou sejam bicos. ‖ repassar o imóvel. Posiciona-se contra os "Trabalho significa condição de financiamentos, pois, no _ permanência do homem na terra entendimento deste coletivo, à urbana. Nos prédios ocupados a medida que população pobre é geração de renda também serve incluída no mercado imobiliário, para desmanchar essa visão acaba por assumir a moradia burguesa que os pobres não como uma mercadoria. A favor da podem morar em edifícios.‖ Concessão Real de Uso ―Não preciso ter casa para vende

Fundação SINDUSCON Bento RJ Rubião

MNLM

CMP

SMH

CEHAB

ITERJ

Sobre o centro da cidade do Rio de Janeiro

CEF

do trabalho, ordenado por assuntos abordados nas entrevistas. (continuação)

Prioridade da construção de moradias para as faixas de renda entre 4 a 8 salários mínimos.

_

_

"A população deve contrair um financiamento no maior valor possível e o restante do custo da construção deve ser subsidiado pelo Estado. " _

_

_

"É necessária, em paralelo a Subsidio total para famílias até 3 qualquer proposta de habitação s.m. O titulo não impede a popular. Com a capacitação da comercialização dos imóveis. A mão de obra, para dar um favor da delimitação das áreas em instrumental que ele precisa para ZEIS, pois, nesse caso, mesmo poder sobreviver na sociedade com a venda não há a substituição capitalista. " de classe


261

14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Companhia Estadual de Habitação do estado do Rio de Janeiro: http://www.cehab.rj.gov.br

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Fórum Centro Vivo: http://dossie.centrovivo.org/Main/SumArio

Fórum virtual (aberto, horizontal e anônimo) espanhol, http://www.alasbarricadas.org/

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Fundação Bento Rubião: http://www.bentorubiao.org.br/

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Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: http://www.rio.rj.gov.br

Programa de Aceleração do crescimento: http://www.brasil.gov.br/pac/

PROURB Programa de Pós-Graduação em Urbanismo FAU-UFRJ: http://www.fau.ufrj.br/prourb/


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Secretaria de Estado de Habitação do estado de São Paulo: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/habitacao

Secretaria de Estado de Habitação do estado do Rio de Janeiro: http://www.seh.rj.gov.br

Secretaria Municipal do Habitat: http://www.rio.rj.gov.br/habitat

SINDUSCON-RIO (Sindicato da Indústria da Construção Civil no RJ) http://www.sinduscon-rio.com.br/doc/proj_piloto.pdf

SPU: Secretaria de patrimônio da União: http://www.spu.planejamento.gov.br/

União Nacional de Moradia Popular: http://www.sp.unmp.org.br/

Universidad Complutense de Madrid: www.ucm.es Http://squat.net/

Filmes: À Margem do Concreto (85min), Brasil, São Paulo, 2006. Produção: 24VPS Filmes e Casa Azul Produções Artísticas. Gênero: Documentário. Tema abordado: ocupação de edifícios em São Paulo. Dia de Festa (77 min) Brasil, São Paulo, 2006. Direção: Toni Venturi. Produtora: Olhar Imaginário. Gênero: Documentário. Tema abordado: ocupação de edifícios em São Paulo. Moro na Tiradentes (54min), Brasil, São Paulo, 2007. Direção: Henri Arraes Gervaiseau, Claudia Mesquita, Companhia Produtora: Centro de Estudos da Metrópole. Gênero: Documentário. Tema abordado: habitação popular na cidade Tiradentes, São Paulo. Hóspedes da Noite (53 min) Moçambique, 2007. Direção: Licínio Azevedo, Companhia Produtora: Ebano Multimídia. Gênero: Documentário. Tema abordado: ocupação de hotel abandonado para habitação popular em Moçambique.

Outros tipos de Fontes: Power point do trabalho: Restaurar e Reciclar imóveis para fins residenciais na cidade do Rio de Janeiro: um empreendimento viável. Autores: Jackson da Costa Pereira e Narciso P. Bernardino, 2002. Power point de título: Sem título, Autor: Sinduscon Rio, CRI - Comissão de Reabilitação de Imóveis, atualizado em 09 de abril de 2007. Informativo da ocupação Chiquinha Gonzaga, Agosto de 2006.Dossiê de denúncia. Violações dos direitos humanos no centro de São Paulo: propostas e reivindicações para políticas públicas organização: fórum centro vivo, São Paulo, 2007


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