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Thiago Fabres de Carvalho Natieli Giorisatto de Angelo Raphael Boldt

Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico

2ª edição


Copyright© Tirant lo Blanch Brasil Editor Responsável: Aline Gostinski Assistente Editorial: Izabela Eid Diagramação e Capa: Analu Brettas CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO: Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México Juarez Tavares Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil Luis López Guerra Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha Owen M. Fiss Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA Tomás S. Vives Antón CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C329c 2. ed.

Carvalho, Thiago Fabres de Criminologia crítica e justiça restaurativa no capitalismo periférico [recurso eletrônico] / Thiago Fabres de Carvalho, Natieli Giorisatto de Angelo, Raphael Boldt. - 2. ed. - São Paulo : Tirant Lo Blanch, 2023. recurso digital ; 1 MB Formato: ebook Modo de acesso: world wide web ISBN 978-65-5908-658-0 (recurso eletrônico) 1. Criminologia - Brasil. 2. Justiça restaurativa - Brasil. 3. Livros eletrônicos. I. Angelo, Natieli Giorisatto de. II. Boldt, Raphael. III. Título. 23-86286

CDU: 343.848:343.9(81)

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439 DOI: 10.53071/boo-2023-09-14-65038ef771205

21/09/2023 28/09/2023

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Thiago Fabres de Carvalho Natieli Giorisatto de Angelo Raphael Boldt

Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico

2ª edição


Nota “saudosa” à 2ª edição A segunda edição de Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico é motivo de muita alegria e orgulho. Ver uma obra com viés crítico ser tão bem acolhida e esgotar também é surpreendente e motivador, sobretudo durante um período de intensificação da indiferença pela vida humana e de descrédito dos postulados humanistas tanto na academia quanto na esfera pública. Inicialmente, pretendíamos oferecer ao leitor um trabalho que fosse capaz de articular e ancorar o discurso criminológico crítico e a construção de alternativas ao binômio crime-castigo no contexto da modernidade periférica. Nossa intenção era, portanto, redigir um livro que compartilhasse algumas das nossas angústias com o objetivo de contribuir para a consolidação do pensamento crítico em tempos turbulentos e de acirramento das crises da criminologia crítica e dos direitos humanos. Nos termos de Lola Aniyar de Castro, Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico assume a “vocação antiautoritária da criminologia crítica” e se propõe a romper com as violências inerentes às estruturas dos poderes político, econômico e punitivo. Trata-se, pois, de um texto vocacionado à crítica do poder, projeto conjunto de três profissionais intelectualmente engajados no desenvolvimento de uma teoria crítica da justiça penal e da sociedade capitalista. E aqui se explica o título desta nota saudosa à segunda edição. Em fevereiro de 2020, nos despedimos de Thiago Fabres de Carvalho, idealizador deste livro e querido amigo e mestre. A identificação afetiva e intelectual que temos com Thiago foi ao mesmo tempo a motivação para publicarmos uma nova edição e possivelmente o maior desafio a levá-la adiante. Parafraseando Guimarães Rosa, não gostamos de nada que põe saudades na gente. E, sem dúvida, este livro e esta nota nos fazem sentir saudade. Não apenas do teórico sofisticado ou do coautor brilhante, mas do amigo espontâneo, afetuoso, de risada fácil e sincera, do companheiro de jornada, inconformado com as injustiças deste mundo e solidário às vítimas de todos os tipos de violência. Com os escritos de Thiago aprendemos a importância de uma formação crítica e humanista e com a sua postura diante do mundo e dos outros, entendemos o valor de resistir sempre, porém, sem jamais perder a ternura. A Thiago dedicamos carinhosamente esta segunda edição, cuidadosamente revisada e ampliada. Optamos, porém, em manter intocada a primeira 5


parte da obra, oriunda de conhecido texto originalmente produzido por Fabres em coautoria com Raphael. A segunda parte, por sua vez, sofreu algumas modificações e teve acrescida uma análise mais densa sobre as possibilidades de intersecção entre a justiça restaurativa e o pensamento decolonial. Com isso, buscamos trilhar caminhos necessários para uma crítica epistemológica aos fundamentos do sistema de justiça criminal, sugerindo outros campos de investigação e diálogo, imprescindíveis para aqueles que, como nós, fazem parte da tradição da teoria crítica. Por fim, mas não menos importante, agradecemos aos leitores pela acolhida carinhosa da primeira edição. Sem vocês, esta segunda edição não seria possível. A cada leitor e ao saudoso Thiago, nossa mais sincera gratidão. Vitória, maio de 2023. Natieli Giorisatto de Angelo Raphael Boldt

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Sumário Nota “saudosa” à 2ª edição.......................................................................... 5 Natieli Giorisatto de Angelo e Raphael Boldt

Apresentação................................................................................................ 8 Vera Regina Pereira de Andrade

Prefácio...................................................................................................... 14 Daniel Achutti e Raffaella Pallamolla

PARTE 1 A criminologia da não-violência: fundamentos teóricos de filosofia restaurativa e o imaginário punitivo de um abril despedaçado..................... 20 Thiago Fabres de Carvalho e Raphael Boldt

PARTE 2 Criminologia

crítica,

(in)visibilidade

e

as

práticas

restaurativas

no

capitalismo periférico: por uma justiça restaurativa da libertação............. 83

Natieli Giorisatto de Angelo, Thiago Fabres de Carvalho e Raphael Boldt


Apresentação “Um sonho que se sonha junto é quase realidade”

Pelas mãos de Raphael Boldt chegou-me o convite, que havia sido feito originalmente por Thiago Fabres de Carvalho, desde a primeira edição, para escrever essas linhas. Naquela ocasião, não pude honrá-lo, e fazê-lo agora, saudando a dívida para com os três jovens coautores é motivo de grande alegria; mas, ao mesmo tempo, motivo de grande tristeza, porque sem Thiago na vida terrena. E endereçar-lhe uma homenagem póstuma é uma verdadeira incredulidade, só vencida por minha fé inabalável na eternidade espiritual, de modo a conseguir compreender o quanto a brevidade de sua vida entre nós encontrou na intensidade do seu legado um bálsamo para a aceitação de sua partida precoce, em 26 de fevereiro de 2020, aos 42 anos de idade. Encontrei-o pela última vez no dia 25 de abril de 2018, no Seminário “Justiça Restaurativa e Criminologia Crítica”, promovido pelo Instituto Carioca de Criminologia, sob a condução de Verinha e Nilo Batista, na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, ele me abraçou e carinhosamente me disse: “farol”. Sua memória está eternizada entre nós e farol é, em verdade, o que Thiago se tornou, deixando-nos um legado de vida e obra humano, ético e amoroso. Legado atemporal, sobretudo considerando sua juventude e existência na universidade e na advocacia já em tempos muito difíceis no Brasil. Legado amalgamado pelo exuberante entusiasmo de sua juventude utópica, que deixava suas marcas em tudo o que fazia, em tudo o que tocava. Legado de “práxis” transformadora do sistema de (in)justiça e da sociedade, evidenciado em sua jornada de coerência e articulação dialética entre teoria e prática, seja como advogado, pesquisador ou educador sempre militante, que tomou partido pelas “vítimas” da história, pelas metades sacrificadas do pacto colonial ocidental de dominação - que não cessa de multiplicar suas vitimações. É disso que a totalidade de sua obra - no Processo Penal, no Direito Penal e na Criminologia, atravessada pelos Direitos Humanos - nos fala, falando por todos sua “Criminologia da não-violência”. E certamente a identidade desses compromissos foi um elo forte que aproximou Thiago Fabres de Carvalho, Raphael Boldt e Natieli Giorisatto de Angelo na comum e linda trajetória que passaram a trilhar na Academia do Espírito Santo e que se reafirma, plenamente, na obra que agora tenho 8


a ventura de apresentar, cujo sucesso editorial alocou-a rapidamente para a segunda edição. De fato, a obra resulta desse Encontro e da convergência de esforços de ensino e pesquisa dos três professores, consolidando uma fotografia datada de um tempo-espaço. É que a biografia acadêmica deles é tecida por vários encontros que interseccionam suas formações, pesquisas e atividades, inclusive na advocacia. À Thiago Fabres deve ser creditado o pioneirismo no trabalho sobre Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Espírito Santo, semeadura que, feita no solo dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito das Universidades em que atuou como professor - a Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) - encontrou no trabalho de Raphael Boldt e, depois, no de Natieli, frutificações interdisciplinares fecundas. Thiago participou da banca de tese de Raphael, na FDV, versando sobre “Processo penal e alternativas”, na qual já trabalhava na vertente da Teoria crítica do direito e dos direitos humanos e da Filosofia alemã. Natieli foi aluna de Thiago e de Raphael no Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e foi ali orientada por Thiago no seu trabalho de conclusão de curso. Posteriormente, foi aluna de ambos novamente no mestrado e, orientada por Thiago, fez sua dissertação sobre Justiça Restaurativa, tendo Raphael, por sua vez, atuado como membro da banca examinadora. Nessa ciranda de encontros, os três professores construíram seminários e artigos em coautoria e passaram a protagonizar o que, justamente, Daniel Achutti e Raffaella Pallamolla, no belo prefácio à primeira edição - chamaram de “Escola de Direito Processual Penal, Penal e Criminológica de Vitória”. Unidos pelo comum compromisso da crítica ao sistema penal e social e sua transformação e resguardadas as especificidades do pensamento e escritos de Thiago e Raphael, já marcadas em obras anteriores, associadas à contribuição de Natieli (como também pontuam os prefaciadores), a convergência de trabalhos pretéritos dos três para o trabalho presente, adquire, na reunião e reescritura, uma nova unidade de sentido, configurando uma totalidade singular. Nessa pegada, o meu encantamento imediato com “Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no capitalismo periférico” reside no fato dela responder, com brilhantismo, a uma necessidade que também sustentamos como urgente: intensificar um diálogo em cujo epicentro situa-se a trilogia Criminologia crítica-abolicionismo-Justiça Restaurativa, sem temer o enfrentamento da enorme complexidade epistemológica e política que isso implica. 9


Quero apresentar essa obra, pois, como um tributo singular à construção de uma Criminologia para a brasilidade, de raiz latina e periférica, assumindo as perspectivas dos saberes que lhe constituem o alicerce, entre os principais, já indicados: a Teoria crítica do direito e dos Direitos humanos, a Filosofia da libertação, a Antropologia, a Sociologia e a Criminologia Crítica, especialmente a latino-americana, ademais da Cinematografia brasileira. Apoiados na interdisciplinaridade como base teórica e na “Antropologia Hermenêutica da violência e do controle penal” como metodologia, Thiago, Raphael e Natieli delineiam uma “filosofia restaurativa abolicionista” desde a perspectiva de um novo sujeito histórico (os contingentes sociais marginalizados no contexto da modernidade periférica) e da transformação social e punitiva estrutural, alertando para os limites do reformismo conjuntural conservador-relegitimador, quando não autoritário, em relação à justiça restaurativa. No marco da proposta de uma “antropologia hermenêutica da violência e do controle penal”, “a criminologia assume um caráter filosófico, de compreensão dos processos de produção social da violência e dos mecanismos de reação social aos atos considerados intoleráveis. Sendo assim, a criminologia deixa de fechar-se na busca de um estatuto científico próprio e definitivo, para abrir-se aos horizontes inesgotáveis de sua tarefa ‘epistemológica’, ao reivindicar o seu status teórico no âmbito das ciências sociais como uma permanente hermenêutica da conflitividade social e da questão criminal, nas permanentes tensões e contradições entre formas instituídas e forças instituintes.” Trata-se, na visão dos coautores, de indicar aqui não apenas um percurso, mas um percurso necessário, de desconstrução-reconstrução, sem o qual a justiça restaurativa estará fadada a não-vir-a-ser nos países de capitalismo periférico como o Brasil, enquanto justiça relacional e empoderadora das partes e das comunidades; ou seja, enquanto potência de inauguração de um novum - um paradigma de justiça com raízes fincadas na superação da pena e na libertação das “vítimas da história”(Walter Benjamin) e do sistema penal. Vítimas, ao final da filosofia abolicionista libertadora aqui proposta, ressignificadas: de “não-cidadãos”, em sujeitos da história e de aprendizado com a lida dos seus próprios conflitos, ao retomá-los, na eternizada lição de Nils Christie, e também de Louk Hulsman. O percurso vai então da desconstrução dos mitos subjacentes à vingança privada (que reaparece como um sistema normativo, o da “justiça vindicativa”) e à justiça penal moderna, à construção das bases para uma justiça relacional e democrática, a partir da crise de legitimidade do sistema penal periférico. Nessa trajetória, o percurso enfrenta a “naturalização da pena” (primeira parte) e a “naturalização da desigualdade social” (segunda parte). 10


São então enfrentados os mitos fundacionais, que se perpetuam secularmente na tradição ocidental, como pressupostos legitimadores do poder punitivo estatal e da dominação por ele exercida, como o da imprescindibilidade do monopólio do poder de punir pelo Estado e o da pena pública de prisão, como garantia da “ordem” contra a “anarquia” punitiva (a vingança privada compreendida como guerra de todos contra todos), mito igualmente usado para contestar a viabilidade do abolicionismo penal. Entretanto, é no abolicionismo e na antropologia que os autores buscam pesquisas e argumentos empíricos para desconstruí-los: a violência produzida pelo Estado, com seu inesgotável estoque de violação de direitos, de produção de dano e morte (genocídio) não encontrou paralelo em nenhuma sociedade anterior, onde, ao invés do caos, existia uma “anarquia organizada”. É a “ordem”, inversamente, em nome da qual se fala, que produz, sistematicamente, vítimas, em nome da violência que diz combater. É assim que a primeira parte da obra gravita em torno da categoria “imaginário punitivo”, cunhada pelos pesquisadores para designar a dimensão simbólica das representações sobre a pena, sejam as dominantes no senso comum (instituídas e secularmente vigentes), sejam as emergentes, críticas ou instituintes. Essa dimensão de ambiguidade do “imaginário punitivo” tem na obra uma importância fundamental: ao mesmo tempo em que contém uma dimensão de legitimação e reprodução simbólica dos sistemas punitivos, dialetizando-se com a estrutura social (que os autores igualmente relevam, segundo as lições da criminologia crítica) ele também abriga, na sua contradição, espaços de resistência e transformação. Espaços que serão tratados na parte II, precisamente para alocar os potenciais transformadores e libertários da justiça restaurativa. Partindo da ideia da ambiguidade constitutiva do imaginário punitivo, em cujo centro radica a força da “memória da lei”, a cinematografia do Abril Despedaçado é brilhantemente trazida à cena para metaforizar esta ambiguidade, que se sobressai na personagem de Pacu. É que Pacu rompe o pacto, vertendo a tradição sanguinária da vindita em mudança libertadora, pelas mãos do amor da sereia. Pacu, portanto, é a personagem que encarna uma resposta afirmativa aos interrogantes postos na obra, abrindo caminho para a viabilidade histórica da superação da pena de prisão e do sistema punitivo vigentes. Pacu aponta para um sim, é possível quebrar o pacto da imprescindibilidade da pena. No passado, o pacto da vingança de sangue; no presente, o pacto da pena estatal de prisão, nas pegadas firmes do abolicionismo. 11


Com esse olhar, dizem os autores, “a compreensão da obra cinematográfica Abril Despedaçado, aqui realizada, pretende construir a articulação de novos horizontes simbólicos, novos imaginários jurídicos penais, novos círculos hermenêuticos da pena (MESSUTI, 2003), a fim de que, ao compreender a violência, a vingança e a pena, possamos compreender a nós mesmos, e assim permitir a lenta, porém inadiável, transformação das velhas formas do viver da justiça penal (...)” A segunda parte da obra procede, pois, ao giro de uma justiça vindicativa a uma justiça relacional (convencionalmente chamada restaurativa), na rota do abolicionismo e da criminologia crítica, especialmente a latino-americana e da libertação, e da teoria crítica dos direitos humanos, como bases para uma “criminologia da não-violência”, tornada referencial para pautar os fundamentos teóricos de uma “justiça restaurativa da libertação periférica”. Contextualizando a justiça restaurativa para o capitalismo periférico e sua estrutural desigualdade, é aqui que a ambiguidade do “imaginário punitivo de um abril despedaçado” terá seu horizonte transformador projetado para a transformação do sistema penal a partir da aceitação da “contradição dos mecanismos modernos da justiça criminal, abandonando a ideia de mera disfunção, subjacente à crença otimista de que, em algum momento, essa mesma abordagem destrutiva será contida (...). É nessa perspectiva que a justiça restaurativa, enquanto “uma das mais promissoras tentativas de reconstrução de respostas a conflitos” é revisitada, em seus limites e possibilidades, apostando-se nas suas possibilidades libertárias, diante dos seus limites conservadores e autoritários, e ainda epistemológicos, como os relativos ao conceito de comunidade. “Assim, ante a crise de legitimidade do sistema penal, (...)parte-se da hipótese de que a naturalização da desigualdade, cuja gênese está no processo de modernização seletiva e autoritária dos países periféricos, embora não impeça a implementação da justiça restaurativa, é uma condição que, à luz da criminologia da libertação, precisa ser enfrentada e ultrapassada para que as práticas restaurativas – que, no Brasil, são focadas no ofensor – possam se fundar em um paradigma relacional, com foco na simetria de ambos os envolvidos no conflito.” Não poderia finalizar esta apresentação sem referir a honra que tive em ver o fecundo diálogo que os autores aqui fizeram com a pesquisa por mim coordenada, “Pilotando a justiça restaurativa: o papel do poder judiciário”, realizada com fomento público, do Conselho Nacional de Justiça, entre os anos de 2016 e 2018, marcando sua identidade com os resultados e conclusões ali obtidos, notadamente a respeito de uma justiça relacional. 12


A justiça restaurativa no Brasil tem uma caminhada e uma história decenárias a contar, de multiplicadas lutas de atores e instituições, e multiplicadas conquistas. Há muito mais, entretanto, a caminhar, sobretudo na direção apontada nessa obra, que ingressa nessa história não apenas como uma leitura obrigatória, mas como um marco epistêmico, político e pedagógico para as muitas lutas que virão. E referindo à história da justiça restaurativa no Brasil, não posso deixar de registrar a honra que tenho em partilhar este espaço com os estimados prefaciadores à primeira edição, Daniel Achutti e Raffaella Pallamolla, não à toa chamados “casal restaurativo”, pois a eles devemos tributar não apenas pioneirismo e continuada contribuição à pesquisa e caminhada da justiça restaurativa no Brasil, mas, simultaneamente, pioneirismo em uma leitura abolicionista da Justiça restaurativa. Thiago, essa obra, já em segunda edição, coroa o teu legado, junto a teus dois grandes companheiros de jornada, Raphael e Natieli. De onde estiveres, acompanharás conosco, e seus muitos leitores, o quanto esse “farol” continuará iluminando a longa travessia e sensibilizando aos “pacus”. Sim, porque é deles (que encarnam a força do amor, da empatia e da solidariedade sobre a força da pena e do sofrimento), é da aliança de muitos “pacus” que poderá vir a virada duradoura, com a qual vocês três e muitos de nós continuaremos sonhando juntos porque, como disse o Mestre Alessandro Baratta certa vez, no início deste século, “um sonho sonhado junto já é quase realidade”. Primavera de 2023 Vera Regina Pereira de Andrade Professora Titular de Criminologia da UFSC

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Prefácio É notório que o campo do direito é conservador e, portanto, resistente a mudanças. Essa característica não é exclusiva de nosso país, mas uma marca dos sistemas jurídicos ocidentais modernos, tendo sido objeto de pesquisa de inúmeros autores das ciências jurídicas e sociais (Bourdieu, 2007; Garapon, 1996, 2001; Pires, 1999). Esse é um dos motivos pelos quais não é comum encontrar pesquisadores que podem ser chamados de críticos no campo do direito, mas os autores deste livro são, sem sombra de dúvidas, exemplos de exceção a essa constante. São força contrária à inércia, ao pensamento tradicional que insiste em não ver seus limites e pensar em possíveis saídas fora das possibilidades mais evidentes, daquilo que lhes é familiar. Thiago Fabres de Carvalho, que tão prematuramente nos deixou, juntamente com Natieli Giorisatto de Angelo e Raphael Boldt, fazem constar a resistência democrática em cada página desta obra, que não tem medo de ultrapassar os limites do convencional e de questionar, com razão, até mesmo os limites daquilo que se coloca como inovação no campo do direito – neste caso, a justiça restaurativa. Nos últimos anos, uma quantidade razoável de trabalhos sobre justiça restaurativa foi publicada no Brasil. Depois do livro de Howard Zehr (2008), pode-se tomar, como exemplos, as obras de Leonardo Sica (2007), Raffaella Pallamolla (2009), Daniel Achutti (2014), Fernanda Fonseca Rosenblatt (2015), André Giamberardino (2015), Vilobaldo Cardoso Neto (2018), e os livros organizados por Valois et al (2017) e Glaucia Orth e Paloma Graf (2020 e 2021). Trata-se de alguns exemplos de trabalhos que, naturalmente, não esgotam as publicações sobre o tema, mas são representativas do que tem sido desenvolvido no âmbito acadêmico no Brasil no campo do direito, especialmente na esfera das ciências criminais. Em relação às experiências restaurativas espalhadas pelo país, o trabalho de maior fôlego de que se tem notícia foi coordenado por Vera Regina Pereira de Andrade (2018), com financiamento do Conselho Nacional de Justiça, em que se buscou mapear as experiências de justiça restaurativa nos Tribunais brasileiros. A quantidade e a diversidade de experiências avaliadas indicam que, certamente, as práticas restaurativas estão em expansão, em que pese não seja possível concluir que isso seja, ao mesmo tempo, uma boa notícia. Independente do que se tem no momento, em termos práticos ou teóricos, fato é que o debate sobre como deve ser uma justiça restaurativa tipica14


mente brasileira se faz urgente e necessário. Compreender a situação periférica do Brasil, suas desigualdades e violências históricas e estruturais, a seletividade de seu sistema penal e o cada vez mais latente esvaziamento dos direitos humanos, faz com que não seja mais possível imaginar um modelo de justiça restaurativa que ignore estas realidades. Além disso, levar em consideração que a justiça restaurativa, nos anos 1970-1980, tomou corpo a partir da insatisfação crescente com o sistema de justiça criminal tradicional (Hoyle, 2010), é absolutamente fundamental. Enquanto temos uma boa formação técnica, que desenvolve de forma ímpar a habilidade de facilitar ou mediar encontros restaurativos, deixamos de lado importantes debates sobre o contexto em que essas mesmas práticas serão aplicadas: os atores envolvidos com a aplicação da justiça restaurativa precisam estar cientes de que um conflito nunca será apenas um conflito, e que para além do conflito subjacente desde a perspectiva individual, é bastante provável que os conflitos a serem facilitados ou mediados consistirão, de uma forma ou de outra, na expressão das desigualdades e das opressões históricas e estruturais a que boa parte da população brasileira foi – e ainda é – submetida. Desigualdades e opressões essas que são revividas de forma insistente pelo sistema de justiça criminal. A separação entre teoria e prática, algo que parece bastante comum no campo da justiça restaurativa (Pallamolla, 2017), pode gerar um hiato significativo na formação de novos facilitadores ou mediadores de práticas restaurativas: excelentes teóricos que desconhecem a prática, e exímios práticos que desempenham com louvor a técnica, mas são incapazes de visualizar, ao facilitar ou mediar um conflito, o drama que ronda a história de vida daquelas personagens. E é essa separação, ao fim e ao cabo, que contribui para o enfraquecimento da justiça restaurativa como uma estratégia de transformação das práticas do sistema de justiça criminal. É latente, portanto, a necessidade de aprofundar as reflexões teóricas sobre justiça restaurativa, no campo da administração de conflitos no Brasil, com o objetivo de incidir essas mesmas reflexões na prática. As particularidades de um país latino-americano, marcado pela violência (urbana e de Estado) e pelo desprezo cotidiano aos direitos fundamentais, precisam passar a fazer parte, com urgência, da discussão sobre o que buscamos e o que pretendemos com a aplicação – e com a ampliação – da justiça restaurativa. Para isso, todavia, a compreensão dos fundamentos filosóficos da justiça restaurativa é condição absolutamente necessária, em especial para se compreender não apenas as limitações deste modelo de administração de conflitos, como também seus principais desafios. Após a compreensão de seus fundamentos filosóficos, a caracterização de seu surgimento nos debates da criminologia crítica – em especial, do abolicionismo penal (Achutti, 2014) – é igualmente questão fundamental, por situá-la de modo crítico quanto à existência e ao funcionamento do sistema de justiça criminal. 15


Colocadas essas questões preliminares, localizar a justiça restaurativa no Brasil e na América Latina é o passo seguinte, e nesse cenário esta segunda edição do texto de Thiago, Natieli e Raphael vem em boa hora. Em sua primeira parte, os autores propõem problematizar as concepções clássicas sobre o imaginário punitivo a partir do magnífico Abril Despedaçado. Utilizando-se de modo magistral das personagens do filme, expõem os discursos oficiais sobre pena e punição, e colocam um ponto de interrogação importante em relação à ideia de que a ausência do direito penal ocasionaria em um cenário de caos e vingança. Na segunda parte, contextualizam a crise de legitimidade do sistema penal e, a partir da criminologia da libertação e da teoria crítica dos direitos humanos, projetam um modelo de justiça restaurativa para os países latino-americanos, em que possa se constituir em uma alternativa não punitiva de controle social, que demanda uma mudança sobre o que se entende por crime e, como referem os autores, “sobre o que significa punir, ou mais precisamente censurar, e sobre a própria concepção de justiça, a partir da busca por uma resposta emancipada da ideia de pena e que vise a possibilitar a relação violada pelo crime”. Ao problematizar o que se pode e o que se deve esperar da justiça restaurativa no Brasil, os autores ainda ressaltam que o cenário das experiências brasileiras é desanimador: a referida investigação coordenada por Vera Regina Pereira de Andrade (CNJ, 2018) aponta, de fato, para programas ou projetos de justiça restaurativa em que se privilegia sua aplicação em casos de crimes de menor potencial ofensivo, frequentemente sob a coordenação de um juiz ou um promotor de justiça, e em muitas vezes sem a participação da vítima. Já Pallamolla (2017) aponta, por seu turno, para a centralidade do Poder Judiciário na institucionalização e no desenvolvimento da justiça restaurativa no Brasil, e chama a atenção para o risco de se construir um modelo excessivamente burocratizado, que atenda primeiramente aos interesses e à forma de funcionamento do Judiciário para, apenas depois, voltar-se para os interesses das partes. O reocentrismo característico do sistema penal, por sua vez, faz com que os atores envolvidos nas práticas restaurativas estejam mais preocupados com uma eventual ressocialização do ofensor do que com uma efetiva oportunidade para que as partes possam, de fato, estabelecer um diálogo adequado sobre o conflito em questão. Isto faz com que a vítima, que ocupa (ou deveria ocupar) posição central em qualquer programa restaurativo, permaneça relegada a um mero suplemento desejado dos encontros restaurativos, mas não ocupe o espaço que deveria, necessariamente, ocupar. Ao propor um modelo atento às particularidades histórico-sociais dos países latino-americanos, os autores suprem importante lacuna na produção acadêmica brasileira, e oferecem ao leitor um guia fundamental para colaborar com a construção de um modelo crítico de justiça restaurativa, desvinculado do paradigma punitivo e de possíveis riscos de ampliação do controle social. 16


Apenas por isso, o livro já deve ser celebrado, mas vale ressaltar que os autores – Thiago, Natieli e Raphael – representam com maestria o que se poderia chamar de Escola Crítica de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia de Vitória. Thiago, que foi professor da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), era certamente o representante mais experiente desse grupo, e trazia consigo amigos, ex-alunos e colegas em uma caminhada intelectual que, apesar de muito breve, deixou-nos um legado valoroso. Autor de trabalhos marcantes da criminologia brasileira (Carvalho 2010, 2014, 2015 e 2023), oportunizou ao público conhecer sua perspectiva sobre a justiça restaurativa, a partir de seus referenciais hermenêuticos. Raphael, professor da FDV e autor da geração seguinte, igualmente oferece obras prévias (Boldt, 2013, 2018) que não deixam dúvidas sobre seu referencial crítico e emancipador. Natieli, por sua vez, confirma a continuidade da Escola Crítica de Vitória em sua primeira publicação, muito bem acompanhada de dois de seus mestres, a partir de pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de mestrado, realizado no Programa de Pós-Graduação em Direito da FDV. Na sequência dos trabalhos referidos acima, a presente obra fornece um amplo espectro sobre o atual estado da arte da Escola Crítica de Vitória, e sinaliza que ou buscamos compreender a justiça restaurativa desde uma perspectiva crítica, ou estaremos fadados a produzir mais do mesmo e a ampliar as formas de controle social, e ao se utilizar do discurso da pacificação social, dificilmente será possível superar o exercício desse controle dócil e aparentemente inofensivo. É preciso expor os conflitos e mostrar sua face mais bruta e desigual. Apenas assim, encarando os problemas que nos constituem de frente, é que será possível efetivamente encontrar novos caminhos, dissociados das formas punitivas hegemônicas. Nada melhor, nesse contexto, do que o presente livro. Thiago certamente estaria orgulhoso de acompanhar a publicação desta segunda edição, na companhia qualificada e valiosa de Natieli e Raphael. Boa leitura. Daniel Achutti Doutor em Ciências Criminais pela PUCRS Professor da Escola Justiça Restaurativa Crítica (jrcritica.com.br) Advogado criminalista Raffaella Pallamolla Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS Professora da Escola Justiça Restaurativa Crítica (jrcritica.com.br) Advogada criminalista 17


Referências bibliográficas ACHUTTI, Daniel. Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal. São Paulo: Saraiva, 2014. ANDRADE, Vera Regina Pereira de (coord.). Pilotando a Justiça Restaurativa: o Papel do Poder Judiciário. Brasília: CNJ, 2018. BOLDT, Raphael. Criminologia midiática: do discurso punitivo à corrosão simbólica do garantismo. Curitiba: Juruá, 2013. ________. Processo penal e catástrofe: entre as ilusões da razão punitiva e as imagens utópicas abolicionistas. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2018. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. CARDOSO NETO, Vilobaldo. Justiça restaurativa no Brasil: potencialidades e impasses. Rio de Janeiro: Revan, 2018. CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo penal eficiente e ética da vingança: em busca de uma criminologia da não-violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. ________. Criminologia, (in)visibilidade, reconhecimento: o controle penal da subcidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2014. ________. Justiça paralela: criminologia crítica, pluralismo jurídico e (sub) cidadania em uma favela do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015. ________. Introdução à criminologia: a crítica radical do imaginário punitivo. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2023. Conselho Nacional de Justiça. Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. Brasília: CNJ, 2018. GARAPON, Antoine; GROS, Frédéric; PECH, Thierry. Punir em democracia– e a justiça será. Coleção Direito e Direitos do Homem. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. GIAMBERARDINO, André. Crítica da pena e justiça restaurativa. A censura para além da punição. Empório do Direito: Florianópolis, 2015. ORTH, Glaucia; GRAF, Paloma (Orgs.). Sulear a Justiça Restaurativa: as contribuições latino-americanas para a construção do movimento restaurativo. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2020. ________. Sulear a Justiça Restaurativa (Parte 2): por uma práxis decolonial. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2021. PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: IBCCRIM, 2009. ________. A construção da justiça restaurativa no Brasil e o protagonismo do Poder Judiciário: permanências e inovações no campo da administração de conflitos. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. PUCRS: Porto Alegre, 2017. PIRES, Álvaro Penna. Alguns obstáculos a uma mutação “humanista” do direito penal. Sociologias. Dossiê Conflitualidade. Porto Alegre: UFRGS – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ano 1, nº 1, jan./jun., 1999. ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008. ROSENBLATT, Fernanda Fonseca. The Role of Community in Restorative Justice. Londres: Routledge, 2015. SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. VALOIS, Luiz Carlos; SANTANA, Selma; MATOS, Taysa. (Orgs.) Justiça Restaurativa. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008.

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PARTE 1


A criminologia da não-violência:

fundamentos teóricos de filosofia restaurativa e o imaginário punitivo de um abril despedaçado Thiago Fabres de Carvalho Raphael Boldt SUMÁRIO: 1. Introdução. – 2. No princípio era a violência – 2.1. Violência e (luta por) reconhecimento – 2.2. ‘Sou violento, logo existo’: violência, instituição da sociedade e as fontes subjetivas do desvio – 3. ‘Em terra de cego quem tem um olho só todo mundo pensa que é doido’: Pacu e a não-violência como exigências ética e política – 4. Punir é recordar a lei: a longa memória da pena, vingança ou pacificação? – 5. A criminologia da não-violência e as representações simbólicas punitivas: justiça relacional e a filosofia ética da vingança (punir é transformar um sofrimento em (in) felicidade) - 5.1. Punir é recordar: vítimas apagadas, esquecidas e anuladas - 5.2. O percurso do justo vindicativo à justiça relacional - 5.3. A justiça vingativa: do em si e para si - 5.4. Por uma filosofia ética restaurativa - 5.5. Punir é transformar sofrimento em infelicidade: o transcurso do tempo - 6. Considerações finais - 7. Referências

“Eternamente quieto está o passado. (...) Isto, sim, é a própria vingança, a aversão da vontade contra o tempo e o que se foi”. (F. Nietzsche, Assim falau Zaratustra) “Tempo rei! Oh tempo rei! Oh tempo rei! Transformai as velhas formas do viver Ensinai-me, ó Pai, o que eu ainda não sei Mãe Senhora do Perpétuo Socorrei” (Gilberto Gil, Tempo Rei)

1. Introdução Sertão Brasileiro, 1910. No chão árido e talhado da caatinga nordestina, um menino caminha solitário e inicia a narrativa de sua singela, porém extraordinária e chocante biografia: “meu nome é Pacu. É um nome novo. Tão novo que ainda nem peguei costume. Tô aqui tentando alembrar1 uma 1

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No decorrer do texto, as palavras em itálico referem-se à transcrição literal, em linguagem coloquial e típica do sertanejo, das falas das personagens de Abril despedaçado. Filme disponível em: http:// www. youtube. com/ watch? v= wqzx1f WF2cY.


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