Organizadores:
Copyright© 2018 by Daniela Villani Bonaccorsi & Leonardo Monteiro Rodrigues Editor Responsável: Aline Gostinski Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros
Daniela Villani Bonaccorsi Leonardo Monteiro Rodrigues
Conselho Editorial Científico: Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México
Juarez Tavares
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis López Guerra
Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
A MÍDIA E AS GARANTIAS PENAIS
Owen M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
M573
A mídia e as garantias penais [livro eletrônico] Organizadores Daniela Villani Bonaccorsi e Leonardo Monteiro Rodrigues. – 1.ed. - Florianópolis : Tirant lo Blanch, 2018. 3Mb ; e-PDF ISBN: 978-85-9477-251-0 1.Mídia. 2. Avanços tecnológicos. 3. Direito penal. I. Título CDU: 343
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.
AUTORES
Adriana Maria Gomes de Souza Spengler André Canelas Alves André Martino Dolabela Chagas Daniela Villani Bonaccorsi Delaine Gloria Magleau Martins Douglas dos Reis Santos Jéssica Costa Pereira Silva Leonardo Monteiro Rodrigues Mariana de Carvalho Faria Mariana Viotti Mateus Vaz e Greco Raquel Rodrigues Reis Gomes
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch. Av. Embaixador Abelardo Bueno, 1 - Barra da Tijuca Dimension Office & Park, Ed. Lagoa 1, Salas 510D, 511D, 512D, 513D Rio de Janeiro - RJ CEP: 22775-040 www.tirant.com.br - editora@tirant.com.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Academia
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 A PROPAGANDA MIDIÁTICA DA ORDEM PÚBLICA COMO REQUISITO DA PRISÃO PREVENTIVA: A HERANÇA INCONSTITUCIONAL DO AUTORITARISMO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 André Martino Dolabela Chagas
MÍDIA E DISCURSO PUNITIVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 André Canela Alves Raquel Rodrigues Reis Gomes
O MEDO, A RESPOSTA PENAL E AS GARANTIAS . . . . . . . . . . . . . . . 63 Daniela Villani Bonaccorsi
PROCESSOS MIDIÁTICOS E DELAÇÃO PREMIADA . . . . . . . . . . . . 87 Delaine Glória Magleau Martins
REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DO GARANTISMO PENAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Douglas dos Reis Santos Jéssica Costa Pereira Silva
AS TEORIAS DA PENA, A MÍDIA E O DIREITO PENAL SIMBÓLICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Leonardo Monteiro Rodrigues
A GARANTIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E SEUS EFEITOS MIDIÁTICOS: PRINCÍPIO JURÍDICO OU POLÍTICO? . . 145 Mariana de Carvalho Faria
A MÍDIA E O DIREITO PENAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 Mariana Viotti
DELAÇÃO PREMIADA NOS CASOS DE PRISÃO PREVENTIVA E SUA APLICABILIDADE EM MEGAOPERAÇOES MIDIÁTICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Mateus Vaz e Greco
APRESENTAÇÃO A presente obra é resultado de grupo de pesquisa junto ao CNPQ, desenvolvido de 2016 a 2018, em conjunto com os alunos de Graduação da PUC-Minas, Praça da Liberdade. A partir da linha de pesquisa “Mídia e Garantias Penais” os alunos desenvolveram uma série de textos, que busca relacionar as repercussões dos fenômenos da sociedade pós-moderna e seus avanços tecnológicos, especificamente na velocidade de informações midiáticas, no direito penal. Para possibilitar tal análise, partiu-se da análise de mudanças sociológicas, políticas e econômicas, caracterizadas com o processo de globalização. Dessa forma, os alunos puderam perceber que os avanços tecnológicos, desenvolvimento de internet e de redes sociais no final dos anos 80 aumentaram o efeito sociológico da mundialização econômica e tecnológica, o surgimento de uma verdadeira “sociedade de riscos”. Esse modelo social será analisado a partir do sociólogo Ulrich Beck, em 1986 (Risk Society) diante da intensa relação hoje dessa proliferação de leis no sistema penal com base em demandas sociais, que buscam um amparo de um risco em potencial. As várias revoluções políticas e industriais, caracterizadas com o processo de globalização, trouxeram riscos não delimitáveis, crises financeiras e um avanço tecnológico que possui efeitos benéficos e maléficos. Se, por um lado, a velocidade de informações, de transações,
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de relações, trouxe a possibilidade de se ter notícias quase que simultaneamente ao ocorrido, veio juntamente os excessos, as “fake news”, o medo pela noção da dificuldade do aviso de que isto irá acontecer. Por isso, é necessária a análise dessa sociedade da insegurança, do medo, reforçada por uma mídia que vende e divulga a propaganda de um direito penal rápido, urgente, preventivo e que possa de alguma forma garantir a sociedade de um porvir, de algo que nem mesmo chegou a ocorrer. Tudo em nome da “prevenção”, do “medo” de algo que pode vir a ocorrer, da promessa de devolução de uma “paz social” que na realidade nunca foi alcançada. Partindo desse pano de fundo, os alunos percorreram assuntos atuais como: as consequências desse excesso de informações, as relação das finalidades de pena com a propaganda da necessidade de segurança, o “bum” das contribuições premiadas, as exceções hoje propostas à princípios e garantias constitucionais como a presunção de inocência e o devido processo legal. Por isso, a análise dessa sociedade de insegurança, do medo é reforçada muitas vezes por uma mídia que vende e divulga a propaganda de um direito penal rápido, urgente, preventivo e que possa de alguma forma garantir a sociedade de algo que nem mesmo chegou a ocorrer. A sociedade moderna, alarmada pelo fenômeno da criminalidade, desenvolve um sentimento de insegurança, que autoriza o uso da força como forma de prevenção” Medo potencializado pela mídia, em que a pena, o castigo, e a punição são defendidos como resposta a esse medo social. O papel do direito penal seria não o de proteger bens jurídicos fundamentais, conforme será abordado oportunamente, mas o de “confiança institucional no sistema e a segurança dos cidadãos” Na presente obra, buscou-se compreender a relação de toda essa propagação midiática com a ideia de crime e medo. Isso, com a demonstração de que o sentido social em relação à divulgação e
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propagação midiática da violência se dá a partir de uma generalização do medo, de uma construção política e ideológica de medos. Isso porque é o medo e a busca de uma segurança que acaba por trazer uma sociedade que permite exceções a garantias. Mas, mesmo diante dessa influência midiática no medo e resposta social, reconheceu nessa pesquisa que o sistema garantista proposto por Ferrajoli busca oferecer respostas satisfatórias ao problema de expansão do poder punitivo, mas, ciente de suas limitações.
A PROPAGANDA MIDIÁTICA DA ORDEM PÚBLICA COMO REQUISITO DA PRISÃO PREVENTIVA: A HERANÇA INCONSTITUCIONAL DO AUTORITARISMO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO André Martino Dolabela Chagas1
1. Resumo. 2. Introduçao. 3. Os resquícios autoritários do Codigo de Processo Penal. 4. Direitos Fundamentais: eficácia e executividade. 5. Prisão Cautelar e Preventiva: a falta de integridade no direito brasileiro e a inconstitucionalidade da tutela provisória de modalidade satisfativa/antecipada no Processo Penal. 6. O princípio da não-culpabilidade. 7. Ordem Pública e seu conflito normativo. 8. Conclusao. 9. Referências.
“O modelo de sociedade de risco, ao trazer a sensação de insegurança subjetiva, o medo, trouxe a adoção de um sistema penal “simbólico”, com a incriminação de uma série de crimes de perigo abstrato, que visa à proteção de bens jurídicos supraindividuais, a tipificação de condutas que nem mesmo chegam a trazer risco concreto ou dano a bem jurídico. Passou-se a ter um sistema penal que se preocupa muito mais com uma “resposta social” e urgente do que com as garantias inerentes ao acusado, o qual passou a ser visto como um “risco em potencial”, um inimigo que não possui as mesmas garantias que um cidadão”.2 (BONACCORSI, 2013)
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Aluno do curso de graduação da Faculdade Mineira de Direito. Puc/MG. Orientado pela Professora Doutora Daniela Villani Bonaccorsi. Estagiário no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Bonaccorsi, Daniela Villani. A atipicidade do crime de lavagem de dinheiro: análise crítica da lei 12.684/12 a partir do emergencialismo penal/ Daniela Villani Bonaccorsi – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013
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1. RESUMO
recepção pela constituição de 1988.
Os decretos cautelares segregatórios fundados unicamente na gravidade em abstrato do delito, sob o pretexto de amparo à ordem pública, são sintomas de um sistema jurisdicional desvirtuado, em que as garantias processuais inerentes ao devido processo legal são suplantadas por um sistema procedimental em que o juízo penal é legitimado a prolatar decisão sancionatória desprovida de fundamentação idônea, em cognição sumária, e em desrespeito às normas legais. A prisão preventiva, portanto, fundada unicamente na gravidade em abstrato do delito representa verdadeira tutela provisória satisfativa, inadmissível no processo penal, nos termos do art. 5º, LIV da CF. Proponho a reflexão critica quanto ao serviço público já que imprescindível ao alcance dos anseios sociais insculpidos na constituição da república. A jurisdição é serviço público essencial à democracia, e demanda permanente supervisão por parte de seus destinatários, sob pena de sucumbirmos ao autoritarismo e ao voluntarismo judicial.
Como cediço, a despeito do mandamento constitucional instituído no artigo 5º, LVII3, que elevou ao patamar de norma fundamental o princípio da presunção de inocência, os relatórios periódicos do INFOPEN demonstram que cerca de 40% dos internos nas Penitenciárias nacionais são presos provisórios, ou seja, que ainda não possuem culpa formada para ensejar o inicio do processo de execução penal.
Trazemos à discussão tema de suma relevância à comunidade nacional, sobretudo diante do alarmante quadro penitenciário brasileiro, que vem compromete a execução penal em todos os seus aspectos de reinserção do custodiado à vida social, assim como a própria ação jurisdicional direcionada à tutela da segurança pública. O modelo de prisão processual vigente no país demanda uma rigorosa reflexão, para que possamos, então, reforma-lo substancialmente. Palavras-Chave: Garantismo. Processo Penal Democrático. Prisão Preventiva. Artigo 312 CPP. Requisito da garantia da Ordem Pública. Presunção de Inocência. Insegurança Jurídica. Autoritarismo.
2. INTRODUÇÃO Esse trabalho tem por propósito o incentivo à análise crítica do instituto da Prisão Preventiva, modalidade de prisão cautelar prevista nos artigos 311 e seguintes do CPP, sendo dedicado, sobretudo, a análise reflexiva acerca do requisito da ordem pública e sua eventual
Nessa esteira, irei abordar o instituto da prisão preventiva sob o escopo da problemática consubstanciada no conflito normativo existente entre a jurisprudência dos tribunais de apelação, que legitimam e expandem as possibilidades de decretação da custódia cautelar, e o referido princípio constitucional, elevado ao status de cláusula pétrea pelo constituinte de 1987, de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Para tanto, irei me utilizar de sintético tratamento histórico, abordando o contexto social de nosso país no delicado momento em que outorgada o Código de Processo Penal ainda vigente, redigido pelo jurista anti garantista Francisco Campos. Em seguida, farei breve reflexão sobre os direitos fundamentais e sua concepção perante a constituição federal de 1988, para então apresentar minha opinião sobre a ilegitimidade do Instituto da Prisão Preventiva, quando aplicado de forma infundamentada, por ser contrário ao princípio da presunção de inocência, substancial em nosso ordenamento jurídico democrático. Ao final, irei propor algumas reformulações conceituais, especialmente no que tange à delimitação semantica do requisito respaldo da ordem pública, porquanto será demonstrado, ao longo deste trabalho, que parte da jurisprudência e da doutrina vem subvertendo a lógica de nossa democracia institucional através de técnicas hermenêuticas, que mitigam o direito constitucional de responder ao 3
5º, LVII : ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
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processo em liberdade, em prol deste vago e abstrato conceito de ordem pública, que aqui será criticado.
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Sobre o tema, os historiadores do direito Paulo Mendonça e Patricia Rios: “Em 10 de novembro de 1937, a poucos meses do final previsto para seu mandato constitucional, o presidente Getúlio Vargas outorga a terceira Constituição Republicana, dando início à ditadura do estado novo. A Carta, que assegurava a continuidade de vargas até a realização de um plebiscito, que jamais ocorreria, também ampliava de forma extraordinária seu poder. Grande parte do texto foi escrita pelo jurista Francisco Campos, que logo viria a ocupar o Ministério da Justiça no novo regime. Já em seu preâmbulo, Vargas e seus aliados evocavam uma suposta “iminência da guerra civil” e a “infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente”, para as medidas que seriam enunciadas.” (MENDONCA LOPES, RIOS, 2016. P. 105).
3. OS RESQUÍCIOS AUTORITÁRIOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL O Código de Processo Penal Brasileiro foi outorgado em 1941. Naquele momento da história nacional vigorava um sistema ditatorial na administração pública e os direitos fundamentais eram mitigados por ideologia jurídico-administrativa em que as garantias processuais eram compreendidas como obstáculos ao êxito das pretensões nacionais. Assim, nosso Código de Processo Penal, cuja vigência se prolonga até os dias atuais, é produto direto do regime estado novo, instaurado no país por Getúlio Vargas após a ligeira revolução de 19304, que tinha por principal objetivo a instituição de mecanismos jurídicos que permitissem ao Presidente da República à época perseguir seus opositores políticos das mais diversas tendências, de forma legítima e constitucional. É notória, portanto, a inspiração anti-garantista do então Presidente da República, que, não raras vezes, enviara juristas e legisladores a países de regimes notadamente autoritários, objetivando a importação da cultura jurídica desses estados que, em detrimento de direitos e garantias individuais e das regras padrões do sistema representativo liberal clássico, atribuíam poder de ampla discricionariedade tanto às instituições públicas de controle social como às instituições judicantes, entendendo que esses preceitos devem ser suprimidos em prol do ‘’interesse e soberania nacional’’. 4
Com a Revolução de 1930, o Brasil passa por profundas mudanças, entre elas, a centralização política, caracterizada pela atuação do Estado no desenvolvimento do capitalismo nacional, tendo por base a industrialização. A partir desse período, Getúlio Vargas, líder da revolução, domina o cenário político nacional. Primeiro como chefe do governo provisório, que durou de 1930 a 1934, depois como presidente eleito pela constituinte (1934-37) e estadista (1937-45). Em 1950, retorna ao poder pelo voto popular, mandato que não foi concluído em virtude do suicídio, em agosto de 1954. (A NOVA IMPRENSA: como os veículos baianos de comunicação realizaram a cobertura do Estado Novo/ Ciranda Campos Santana dos SANTOS/ Laís de Souza dos SANTOS)
Essa tendência centralizadora, além de conter os crescentes movimentos e mobilizações sociais, de vieses socialistas e conservador5 6, buscava também abalar a institucionalidade vigente até então, representada pela breve Constituição de 1934. Segundo José de Assis Santiago Neto, Vargas governou de forma contraditória, atuando no plano interno, de forma ditatorial e semelhante aos governantes dos regimes autoritários europeus, inclusive entregando à Alemanha de Hitler a judia e comunista alemã Olga Benario Prestes, espossa de Luis Carlos Prestes, e, em contrapartida, no plano internacional, lutando ao lado das tropas aliadas na segunda guerra mundial. (SANTIAGO NETO, 2015. P 143)7 No Estado Novo, o país passou por uma crise de identidade, 5
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Neste cenário, duas ideologias políticas se estruturavam: a primeira era a Ação Integralista Brasileira (AIB), surgida em 1932. Com estrutura partidária e defendendo os interesses da classe média, era inspirada no fascismo italiano, cujos integrantes eram conhecidos como “camisas-verdes” ou “galinhas-verdes” devido aos seus uniformes e à forma como marchavam. A segunda era a Aliança Nacional Libertadora (ANL), criada em março de 1935, liderada pelo Partido Comunista (PCB), era contrária ao governo. Epud Tanto o Partido Comunista Brasileiro, de viés stalinista, como também a famosa Ação Integralista Brasileiro, cujo expoente Plínio Salgado nutria manifesta admiração pelo regime fascista de Benito Mussolini, foram perseguidos e sabotados pelo governo Getúlio Vargas. Estado Democrático de direito e processo penal acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual / José de Assis Santiago Neto. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
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durante a qual houve mudanças na economia, na política e na cultura. Após o golpe, foi instituída a Lei de Segurança Nacional, que permitia ao governo prender qualquer pessoa sem mandato judicial e antes que fosse verificada sua culpa. Muitos inimigos políticos de Getúlio foram aprisionados e torturados, alguns até à morte e sem direito à defesa. A pena de morte passou a existir e a liberdade de imprensa foi abolida.8 (SANTOS, 2009.) Neste sentido, a Professora Eli Diniz, titular do departamento de economia da UFRJ: ‘’A carta constitucional de 1937 implantou um regime autoritário, reforçando os poderes do Presidente da República, conferindo-lhe a faculdade de governar por decretos-leis, ampliando a possibilidade de intervenção do governo federal nos Estados pela reativação das interventorias e abolindo, pelas chamadas disposições gerais e transitórias, o Poder Legislativo, aos níveis nacional, estadual e municipal.”. (DINIZ, ELI. 1996. P. 110)
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 1998, P.122) aponta que a legislação processual penal brasileira foi sufocada por uma legislação fascista, copiada, na maior parte, do Código de Rocco de 1930, com princípios autoritários que somente poderão ser solucionados com uma nova legislação. Franco cordero (CORDERO, 2000, P. 61) aponta que o código de processo penal italiano, que entrou em vigor em 19 de Outubro de 1930, era a própria manifestação do autoritarismo, nele o Ministério Público teve suas atribuições ampliadas sendo equiparado ao juiz, enquanto isso os defensores foram expulsos. No modelo italiano fascista a prisão era considerada regra no sistema, assim como a instrução secreta e o procedimento sumário com a atuação do Ministério Público como “órgão de justiça”. (SANTIAGO NETO, JOSÉ DE ASSIS. 2015. P. 84). Sob essa tendência autoritária, Getúlio Vargas convocou um jurista de sua confiança, também famoso pela inclinação anti-liberal 8
A NOVA IMPRENSA: como os veículos baianos de comunicação realizaram a cobertura do Estado Novo/ Ciranda Campos Santana dos SANTOS/ Laís de Souza dos SANTOS/
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e autoritária, para redigir tanto a mencionada Constituição de 1937, como também um novo Código de Processo Penal para o Brasil. “A Constituição de 1937, conhecida como polaca (o seu modelo foi a Constituição polonesa de 1935, do regime do general Pilsudski), por traduzir elementos do autoritarismo que assolava a Europa naquela época, fora redigida por Francisco Campos, Ministro da Justiça de Getúlio Vargas”. (GONÇALVES CARVALHO, 2015. P. 641)
Francisco Campos foi um jurista, advogado e Professor, que, a despeito de nunca ter se declarado fascista, ou assumido abertamente a sua influência oriunda do regime fascista, era conhecido nacionalmente por estudar e difundir os paradigmas do estado autoritário, à tendência de Manzini, jurista italiano ligado ao governo fascista de Benito Mussolini, que comandou a Itália a partir da década de 1920. (MALAN, DIOGO. 2015. P 46) Eis o motivo de Francisco Campos ser considerado um dos mais notáveis intelectuais do autoritarismo institucional brasileiro do século XX, além de ter servido, também, de artífice da base jurídica do regime de exceção do Estado Novo Varguista. Segundo Campos, consoante exposto na exposição de motivos por ele redigida, as garantias processuais estimulavam a criminalidade e davam suporte às ideologias subversivas, obstando o poder de controle e o jus puniendi do Estado. Quando da redação da exposição de motivos do então Projeto de Código de Processo Penal, o autor não deixou dúvidas sobre seu marco teórico conservador, tanto que não poupou críticas às chamadas garantias processuais, tais como direito a uma defesa técnica, ao estado de inocência, a um juiz togado e imparcial, à ampla defesa e ao contraditório: “De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha‐se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que
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colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudo direitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico‐penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal‑avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios norma‑ tivos com que, sob o influxo de um mal‑compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal.“ (Exposição De Motivos Do Código De Processo Penal)
Francisco Campos fora recrutado pelo então Presidente da República justamente para elaborar um sistema normativo-procedimental legitimador de arbitrariedades, criando instrumentos jurídicos que possibilitavam o então governo ditatorial, recém constituído, a perseguir e aprisionar seus adversários políticos e ideológicos com amparo legal, e, de forma contraditória, afastando as características primordiais do devido processo legal. Nessa tendência normativa que fora instituído, em 1942, o Código de Processo Penal, vigorante até os dias atuais, com pouquíssimas e irrelevantes modificações. Tal tendência autoritária, mitigadora da presunção de inocência (princípio norteador de nosso constitucionalismo contemporâneo), é mais facilmente demonstrada por outro trecho da já citada exposição de motivos de nosso vigente Código de Processo Penal, que passo a transcrever:
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“As nulidades processuais, reduzidas ao mínimo, deixam de ser o que têm sido até agora, isto é, um meandro técnico por onde se escoa a substância do processo e se perdem o tempo e a gravidade da justiça. É coibido o êxito das fraudes, subterfúgios e alicantinas. É restringida a aplicação do in dubio pro reo. É ampliada a noção do flagrante delito, para o efeito da prisão provisória. A decretação da prisão preventiva, que, em certos casos, deixa de ser uma faculdade, para ser um dever imposto ao juiz, adquire a suficiente elasticidade para tornar‑se medida plenamente assecuratória da efetivação da justiça penal. Tratando‑se de crime inafiançável, a falta de exibição do mandato não obstará à prisão, desde que o preso seja imediatamente apresentado ao juiz que fez expedir o mandato. É revogado o formalismo complexo da extradição interestadual de criminosos. O prazo da formação da culpa é ampliado, para evitar o atropelo dos processos ou a intercorrente e prejudicial solução de continuidade da detenção provisória dos réus. Não é consagrada a irrestrita proibição do julgamento ultra petitum. Todo um capítulo é dedicado às medidas preventivas assecuratórias da reparação do dano ex delicto. Quando da última reforma do processo penal na Itália, o Ministro Rocco, referindo‑se a algumas dessas medidas e outras análogas, introduzidas no projeto preliminar, advertia que elas certamente iriam provocar o desagrado daqueles que estavam acostumados a aproveitar e mesmo abusar das inveteradas deficiências e fraquezas da processualística penal até então vigente. A mesma previsão é de ser feita em relação ao presente projeto, mas são também de repetir‑se as palavras de Rocco: “Já se foi o tempo em que a alvoroçada coligação de alguns poucos interessados podia frustrar as mais acertadas e urgentes reformas legislativas”. E se, por um lado, os dispositivos do projeto tendem a fortalecer e prestigiar a atividade do Estado na sua função repressiva, é certo, por outro lado, que asseguram, com muito mais eficiência do que a legislação atual, a defesa dos acusados. Ao invés de uma simples faculdade outorgada a estes e sob a condição de sua presença em juízo, a de‑ fesa passa a ser, em qualquer caso, uma indeclinável injunção legal, antes, durante e depois da instrução criminal. Nenhum réu, ainda que ausente do distrito da culpa, foragido ou oculto, poderá ser processado sem a intervenção e assistência de um defensor. A pena de revelia não exclui a garantia constitucional da contrariedade do processo. Ao contrário das leis processuais em vigor, o projeto não pactua, em caso algum, com a insídia de uma acusação sem o correlativo da defesa.” (Exposição De Motivos Do Código De Processo Penal)
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Mesmo com o fim do estado novo, a repercussão factual do autoritarismo no código de processo penal brasileiro permanece na doutrina e nos precedentes dos tribunais nacionais, de modo que o aspecto inquisitório de produção de provas é características dos juízos instrutórios no brasil, assinalado pela busca incessante do juiz à verdade real, pela ampla possibilidade (legalidade) de iniciativa de produção de prova9 pelo próprio magistrado, e pelo acentuado destaque que ministério público ocupa nas salas de audiências e nos órgãos jurisdicionais colegiados ao redor do país. A legislação processual penal brasileira autoritária, então, sobrevive há mais de 70 anos. Apesar de toda a modulação operada por reformas pontuais e pela emergência de uma constituição democrática e “garantista”, a estrutura segue regida pelos mesmos elementos culturais inerentes à práxis inquisitorial, em especial a lógica da verdade real e o papel que o magistrado, desde aí, assume na condição da instrução.10 (NUNES DA SILVEIRA, 2015) Desta maneira, somente em 1988, após grande comoção popular que colocou termo aos desmandos da ditadura militar da década de 60 e 70, surgiu uma tendência política capaz de efetivamente institucionalizar instrumentos legais susceptíveis de limitar o poder punitivo do estado, sobretudo no âmbito do processo penal, materializada pelo amplo rol de direitos fundamentais que lhes são característicos, assim como da constitucionalização do princípio da presunção de inocência, que será analisado em momento oportuno. (MEDAUAR OMMATI, JOSÉ EMÍLIO. 2016. P 89). Todavia, parte significativa dos dispositivos do Código de 9
O processo penal no paradigma do Estado Democrático de Direito não comporta o juiz ator, protagonista, este modelo de juiz volta-se ao inquisidor, prima por colocar a hipótese em preponderância sobre os fatos. O juiz deve deixar às partes a atuação ativa, apenas interferindo para fins de assegurar a isonomia entre os sujeitos. Isso não faz com que o julgador se torne condescendente com o crime ou com a criminalidade, mas apenas o faz imparcial e assegura às partes a isonomia necessária para que possam participar da construção do provimento. SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório: A participação dos Sujeitos no Centro do Palco Processual. 174 10 A Origem Autoritária do Código de Processo Penal Brasileiro. Marco Aurélio Nunes da Silveira.
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Processo Penal vigente ainda carrega grave resquício de inquisitoriedade, que pode se evidenciado tanto na redação abstrata e subjetiva do atual artigo 31211, como também no método hermenêutico utilizado pelos tribunais e juízes, que geram por sucedâneo pronunciamentos judiciais que acabam por cercear os direitos e garantias fundamentais dos acusados. Importante consignar, ademais, que a modalidade legislativa eleita pelo presidente à época para veicular a normatividade procedimental penal, qual seja, o Decreto-Lei, não deveria ter sido recepcionada pela constituição federal, já que é incompatível com o estado democrático de direito a edição de norma unilateralmente pela presidência da república. Há, efetivamente, uma mácula séria aos postulados do Sistema Acusatório. Com inteira razão Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (…) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime.12 (Boletim Do Instituto Brasileiro De Ciências Criminais, Nº. 175)
Para finalizar esta introdução histórica, trazemos um trecho da obra do Professor Leonardo Costa Bandeira, do corpo docente da Faculdade Mineira de Direito, no sentido de que a normatividade processual penal, de inspiração nitidamente fascista, até porque concebido durante governo autoritário, à época alinhado aos ideais da Alemanha nazista e da Itália de Mussolini, o vigente código não 11 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 12 O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.
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mais comporta uma interpretação puramente literal, pois grande parte de seus artigos não foram recepcionados pela Constituição de 1988. (...)Assim, o atual Código de Processo Penal é que deve ser interpretado conforme a Constituição, e não está conforme aquele. (COSTA BANDEIRA, 2003. P 147)
4. IV. DIREITOS FUNDAMENTAIS: EFICÁCIA E EXECUTIVIDADE
É cediço que a constituição de 1988, carinhosamente apelidada de constituição cidadã, impôs ao ordenamento jurídico nacional um paradigma inédito de prestação jurisdicional, institucionalizando a teoria democrática (artigo 1º da CF) e elevando ao patamar máximo de validade e eficácia as normas regulamentadoras de direitos fundamentais. Nos nossos ordenamentos anteriores, enfatizando aquele subjacente à promulgação de nossa Carta de 1988, a práxis do decisionismo (jurisdição) típico(a) do constitucionalismo liberal e social de direito13 inibiam a eficácia das normas regulamentadoras de liberdades públicas e direitos fundamentais, inviabilizando a solidez e a discursividade procedimental inerente a uma Democracia sólida. (PEREIRA LEAL, 2016. P. 47). Nesse sentido, Professor Luís Roberto Barroso: ‘’Na antevéspera da convocação da constituinte de 1988, era possível identificar um dos fatores crônicos do fracasso na realização do Estado de direito no país: a falta de seriedade em relação à Lei Fundamental, a indiferença para com a distância entre o texto e a realidade, entre o ser e o dever-ser. Dois exemplos emblemáticos: a Carta de 1824 estabelecia que “a lei será igual para todos”, dispositivo que conviveu, sem 13 A ideologia, como linguagem estratégica da preservação do Estado Liberal e do Estado do Bem-Estar Social, reclama, como preconiza Karl Engish, uma técnica de conjectura tópico-retórica aprimorada e só acessível aos praticantes exitosos do sistema em que se permite que as decisões sejam contra as partes, mas sempre a favor do sistema vigorante. Não se admite a renovação, ou troca dos conteúdos normativos do sistema jurídico por uma correição difusa e contínua de controle processual de democraticidade coinstitucional e pelo devido processo legislativo, judicial e administrativo. Teoria processual da decisão jurídica — Belo Horizonte: Editora D’Placido, 2016. P. 47.
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que se assinalasse perplexidade ou constrangimento, com os privilégios da nobreza, o voto censitário e o regime escravocrata. Outro: a Carta de 1969, outorgada pelo Ministro da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, assegurava um amplo elenco de liberdades públicas inexistentes e prometia aos trabalhadores um pitoresco rol de direitos sociais não desfrutáveis, que incluíam “colônias de férias e clínicas de repouso”. Buscava-se na Constituição, não o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce. A disfunção mais grave do constitucionalismo brasileiro, naquele final de regime militar, era a falta de efetividade das normas constitucionais. Indiferentes ao que prescrevia a Lei Maior, os estamentos perenemente dominantes construíam uma realidade própria de poder, refratária a uma real democratização da sociedade e do Estado. ‘’(ROBERTO BARROSO, LUIS. P. 04) 14
Antes da promulgação da carta constitucional de 1988, portanto, o decisionismo se manifestava no processo jurisdicional através da ponderação e de técnicas hermenêuticas. Os princípios constitucionais, tais como o estado de inocência, o devido processo legal, a liberdade, o direito à inviolabilidade da vida privada eram suplantados e tolhidos de eficácia (ponderados) por uma vontade solipsista de exercício de poder judicante, onde o magistrado decidia de acordo com sua consciência, desrespeitando o trâmite democrático do procedimento jurisdicional, e fundamentando seus despachos denegatórios da vigência de direitos fundamentais no suposto resguardo da ordem pública e do interesse nacional. Foi justamente em virtude de diversos fatos que evidenciaram as mazelas do poder estatal não-limitado por um sistema normativo protetor dos direitos fundamentais que tornou-se urgente necessidade de se instaurar uma assembleia constituinte que elevasse os direitos fundamentais ao status de títulos executivos, dotados de certeza, liquidez e exigibilidade plena e inequívoca, como nos ensina o Professor Rosemiro Pereira Leal: ‘’Assim, a constitucionalidade democraticamente cartularizada equivale a um título executivo extrajudicial que, em seus conteúdos de 14 O CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO NO BRASIL: CRÔNICA DE UM SUCESSO IMPREVISTO. Roberto Barroso, Luis. P. 04
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liquidez e certeza, se lança à imediata satisfação como devido a priori pela Administração Governativa, porque, se não adredemente executados os direitos titularizados pela constitucionalização, não há falar em lesão ou ameaça a direitos fundamentais do nada que pedisse reparos ou socorro por tutelas de urgência de um judiciário mesmo que prestimoso e sutil.”15 –
Portanto, de modo diverso daqueles modelos anteriores, no paradigma atual, ao menos em tese, os direitos e garantias fundamentais estão elevados ao patamar inédito de norma constitucional de eficácia imediata, absoluta, indisponível e de exigibilidade difusa. Assim sendo, sob pena de degeneração completa de nosso ordenamento jurídico constitucional, devemos compreender e aplicar os princípios fundamentais sob a premissa de que se tratam de normas substanciais de toda nossa institucionalidade, e que eventual negligência à sua eficácia pode produzir efeitos nefastos à sociedade civil. Discorrendo sobre o assunto, o Professor José Emílio Ommati, em sua obra Teoria dos direitos Fundamentais : ‘’A característica fundamental de um direito fundamental é o fato de ser um direito absoluto, que não admite qualquer espécie de limitação, já que nasceu e se desenvolveu como mecanismo de proteção do indivíduo contra possíveis arbítrios estatais. Hoje, direitos fundamentais são mecanismos de proteção do indivíduo ou grupos vulneráveis contra o Estado ou contra outros grupos privados com mais poder.” (MEDAUAR OMMATI, JOSÉ EMÍLIO. 2016) 16
Assim, na teoria da democracia os direitos fundamentais são inafastáveis não porque já estejam impregnados na consciência dos indivíduos, mas porque são requisitos jurídicos da instalação processual da movimentação do sistema democrático, sem os quais o conceito de Estado Democrático de Direito não se enuncia. (Pereira Leal, Rosemiro. 2016)17 15 O GARANTISMO PROCESSUAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS LÍQUIDOS E CERTOS. PEREIRA LEAL, ROSEMIRO. 16 Uma teoria dos direitos fundamentais/ José Emílio Medauar Ommati. – 3ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. P. 149. 17 Teoria processual da decisão jurídica – Rosemiro Pereira Leal- Belo Horizonte: Editora
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Por fim, como diz o Professor Rosemiro Pereira Leal (PPG PUC/MG), ao discorrer sinteticamente sobre a legitimidade democrática: ‘’na conjuntura democrática, o legítimo autor da norma é o seu próprio destinatário”18.
5. PRISÃO CAUTELAR E PREVENTIVA: A FALTA DE IN-
TEGRIDADE NO DIREITO BRASILEIRO E A INCONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA PROVISÓRIA DE MODALIDADE SATISFATIVA/ANTECIPADA NO PROCESSO PENAL A prisão preventiva é uma modalidade de medida cautelar típica no Processo penal. O eminente processualista mineiro, Prof. Rosemiro Pereira Leal, define medida cautelar como(...) ‘’Procedimento auxiliar que, de modo preventivo, preparatório ou incidental, pode ser instaurado em juízo para assegurar os efeitos de uma futura sentença ou de sentença já expendida ou a efetividade de procedimento em tramitação ou a ser instaurado.’’ 19 Por conseguinte, ao analisar o conceito amplo de medida cautelar, conclui-se que se trata de procedimento estritamente de cautela, isto é, tem por escopo unicamente a garantia da futura execução penal, ou da aplicação da lei penal, estando essas medidas à disposição das partes (ministério público e réu/indiciado) sempre que houver fundado risco à eficácia do processo penal, e indícios fortes de futura condenação definitiva. Em outras palavras, em se tratando de medida cautelar, independentemente da matéria processual, não pode o prestador da Jurisdição adentrar na análise de mérito descrita na peça acusatória (denúncia), ou pré-acusatória (inquérito ou outras modalidades de investigação preliminar), devendo o órgão jurisdicional se limitar à análise objetiva dos pressupostos legais para a concessão de tais medidas. D’Placido, 2016. P.30 18 A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajectória conjectural / Rosemiro Pereira Leal. – Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013. p . 87 19 Teoria Geral Do Processo, 2017. Belo Horizonte. Ed. Forum. Rosemiro Pereira Leal.
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Isso porque, se o indivíduo é considerado inocente e como tal deve ser tratado, nenhum juízo de probabilidade, em seu desfavor, poderá ser realizado, mesmo que já exista uma sentença condenatória, sob pena de se inverter a norma constitucional, que passaria a consagrar a presunção de culpabilidade.20
“ A gravidade do crime imputado, um dos malsinados “crimes hediondos”(Lei 8.072/90), não basta a justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção a gravidade do crime imputado, do qual, entretanto,”ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”(CF, art. 5., LVII)24.
A prisão cautelar nunca poderá ser decretada para assegurar a existência de um provável direito material, pois o reconhecimento da relação jurídica, regulada pela norma substantiva, só existirá, como objeto da ação penal, no caso de provimento definitivo da pretensão acusatória. Admitir a cautela como instrumento de preservação de um direito que nem mesmo foi reconhecido, e que poderá vir a não ser, é ferir de morte o princípio da não-culpabilidade.21
“A Prisão Preventiva – Enquanto medida de natureza cautelar – Não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu. – A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.”25
Este o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que decidiu no sentido de que é constitucionalmente vedada a utilização da prisão preventiva, por parte do titular da ação penal ou do próprio juiz, com a finalidade de antecipar a tutela penal: “Os fundamentos do Decreto de prisão preventiva relativos à natureza da conduta e ao modus operandi devem ser afastados ante a orientação pacífica desta Corte de que a gravidade abstrata do crime e sua capitulação como hediondo, por si sós, não bastam para justificar a prisão preventiva, repercutindo tais circunstâncias, tão-somente, no caso de condenação, quando da individualização da pena a ser imposta. 22 “A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU. – A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV)- não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”23 20 21 22 23
Do direito constitucional de recorrer em liberdade, 2003. Editora Del Rey. 42 Do direito constitucional de recorrer em liberdade, 2003. Editora Del Rey. 42 STF – HC 81613 – DF – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 31.05.2002 STF; HC 80379/SP – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 25.05.2001
Note-se que, não obstante a eficácia absoluta das normas constitucionais, a prática forense aplica a Prisão Preventiva26 de modo dissociado aos mandamentos constitucionais, eis que seus requisitos substanciais27 devem ser filtrados pelos direitos fundamentais, sobretudo àquele que prescreve a liberdade. Importante ressaltar que, diferentemente da técnica cautelar do processo civil, onde vigora o princípio da atipicidade e o poder geral de cautela, especialmente por força da parte final do artigo 301 do NCPC28, no processo penal as hipóteses de incidência de incidência 24 25 26 27
STF; HC 68631/DF – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 25.06.1991 RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello Art. 311 e seguintes do Código de Processo Penal Garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. 28 Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.
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e de decretação das medidas cautelares devem seguir ao parâmetro da taxatividade de da estrita legalidade. Adotamos a opinião do Professor Leonardo Costa Bandeira, também professor desta FMD, nestes exatos termos: “Assim, em matéria criminal, ao contrário da civil, o juiz não detém o proclamado “poder geral de cautela”, que permite a adoção de cautelas não previstas expressamente em lei, pois a restrição da liberdade do cidadão impõe a estrita observância do princípio da legalidade dos delitos e das penas. Nao havendo, pois, previsão legal da cautela, inviável sua adoção na seara do processo penal. (Costa Bandeira, Leonardo. 2003) 29 Viável falar-se, dessa forma, em uma tipicidade processual, que não difere da tipicidade do Direito Penal, pois a medida cautelar pleiteada deve subsumir-se a um dos modelos legais de tutela previstos pela norma legal. Não havendo expressa previsão no ordenamento jurídico, a medida cautelar torna-se legalmente impossível.30 (COSTA BANDEIRA, LEONARDO. 2003. P. 48) As medidas cautelares pessoais (as medidas cautelares reais no processo penal fogem ao tema deste trabalho), portanto, possuem guarida nos artigo 282 e seguintes do Código de Processo penal, e consistem nas modalidades de prisão provisórias (flagrante, preventiva e temporária), e nas medidas cautelares previstas no art. 319. Importante destacar, por oportuno, que os longos e indefinidos prazos das prisões cautelares, a inexistência de delimitação legal relativa ao prazo da decisão judicial que decreta prisão preventiva fazem por subverter todo o seu aspecto cautelar, considerando, também, que o judiciário vem relativizando a norma prevista na resolução 213 do STJ31. 29 Do direito constitucional de recorrer em liberdade, 2003. Editora Del Rey. 52 30 Do direito constitucional de recorrer em liberdade, 2003. Editora Del Rey. 48 31 EMENTA: HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA – REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR – INVIABILIDADE – PRESENTES OS REQUISITOS DOS ARTS. 312 E 313 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – GRAVIDADE CONCRETA – NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NO ACAUTELAMENTO – PRECEITOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE-
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A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da administração da justiça O núcleo do problema da demora, como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 4.519, está em que, quando se julga além do prazo razoável, independentemente da causa da demora, se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito, em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido, e, por isso, a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição (muito menos da falaciosa “reinserção social”). Sem falar no imensurável custo de uma prisão cautelar indevida ou excessivamente longa” 32 (LOPES JR. AURY. 2017. p. 1117).
6. O PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE Como colocado alhures, a carta política de 1988, concebida sob ventos democráticos, após longo “período de chumbo”33, é pródiga em dispositivos pertinentes ao processo penal, muitos dos quais elevados à categoria fundamental. Somente em 1988, após o fim do regime ditatorial (ocorrido em 1984), é que foi estabelecida uma nova ordem social e o Brasil passou a adotar o paradigma odo Estado Democrático de Direito. A ordem Constitucional buscou separar completamente as atividades de acusar e de julgar, bem como trouxa a ação penal pública ao status de direito fundamental, demonstrando ser inadequado o conflito entre segurança pública X liberdades individuais. (SANTIAGO NETO, JOSÉ DE ASSIS. 2015). VIDAMENTE OBSERVADOS – INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ORDEM IMPETRADA DENEGADA. - É medida que se impõe a manutenção do acautelamento provisório do paciente, eis que presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, constantes do art. 312, do Código de Processo Penal. - Inexiste ilegalidade na prisão do paciente em razão da não realização da “audiência de custódia”. Apesar do caráter supralegal do Pacto de São José da Costa Rica, a aplicação de seus dispositivos deve ser observada caso a caso, de modo a não desprezar as normas processuais vigentes no país. 32 Direito processual penal/ Aury Lopes Jr. – 14. Ed – São Paulo: Saraiva, 2017. P. 1117 33 Uma teoria dos direitos fundamentais/ José Emílio Medauar Ommati. – 3ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. P. 224.
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A inserção dessas garantias foi uma conquista de amplos setores sociais, que fixam os limites do exercício do poder estatal segundo a lei, e, assim, oferecendo mecanismos ao cidadão jurisdicionado para conter a arbitrariedade e a amplitude do poder estatal. As garantias constitucionais do processo são garantias de jurisdicionados perante o Estado, que detém a sanção em sua universalidade. São garantias de que o Estado não invadirá o domínio dos direitos individuais e coletivos, se não for chamado a protegê-los, de que o Estado não instituirá juízos pós-constituídos, de que a privação dos bens da vida que o Direito assegura não se dará sem as formas de um processo devido e de que não se dará sem a participação e o controle dos destinatários do provimento em sua propria formacao, de que não se dará sem a devida explicação aos jurisdicionados sobre os fundamentos de uma decisão que interfere em seus direitos e na liberdade pelo Direito assegurados. (MEDAUAR OMMATI, JOSÉ EMÍLIO. 2016)34 O Princípio do estado de inocência ou não-culpabilidade, é consagrado nas famosas cartas e declarações de direitos humanos desde a Revolução Francesa, consistindo, principalmente, em uma regra de tratamento. Em outras palavras, o estado de inocência impõe ao estado que se abstenha de tratar o acusado como culpado, durante todo o procedimento persecutório ou investigatório. A presunção de inocência funciona como regra de tratamento do acusado ao longo do processo, não permitindo que ele seja equiparado ao culpado. São manifestações claras deste último sentido da presunção de inocência a vedação de prisões processuais automáticas ou obrigatórias e a impossibilidade de execução provisória ou antecipada da sanção penal. (COSTA BANDEIRA, 2003. P. 168). Tal direito fundamental, que somente adquiriu eficácia de princípio em 1988, possui guarida em diversos tratados legislativos, de origem difusa e remota, indicando sua condição de extrema importância para a dignidade e harmonia social. 34 Do direito constitucional de recorrer em liberdade, 2003. Editora Del Rey.
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Artigo XXVI. Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade35. Artigo 11°- 1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2.Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido.36 Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.37 No direito norte-americano, embora não esteja expressamente previsto na Constituição de 1787, a Suprema Corte decidiu que existe previsão constitucional implícita do princípio, com base nas emendas de numeração 5a, 6a e 14a. Esse foi o entendimento que prevalece desde o leading case: Coffin v. United States, em 1985.38 No direito brasileiro, o princípio foi recepcionado pela Constituição de 1988, em seu artigo 5º, LVII39, assim como no código de 35 36 37 38
Convenção americana de direitos humanos- 1948 Declaração Universal dos direitos Humanos ONU- 1948 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão- 1789 1985 -The principle that there is a presumption of innocence in favor of the accused is the undoubted law, axiomatic and elementary, and its enforcement lies at the foundation of the administration of our criminal law ... Concluding, then, that the presumption of innocence is evidence in favor of the accused, introduced by the law in his behalf, let us consider what is ‘reasonable doubt.’ It is, of necessity, the condition of mind produced by the proof resulting from the evidence in the cause. It is the result of the proof, not the proof itself, whereas the presumption of innocence is one of the instruments of proof, going to bring about the proof from which reasonable doubt arises; thus one is a cause, the other an effect. To say that the one is the equivalent of the other is therefore to say that legal evidence can be excluded from the jury, and that such exclusion may be cured by instructing them correctly in regard to the method by which they are required to reach their conclusion upon the proof actually before them; in other words, that the exclusion of an important element of proof can be justified by correctly instructing as to the proof admitted. The evolution of the principle of the presumption of innocence, and its resultant, the doctrine of reasonable doubt, make more apparent the correctness of these views, and indicate the necessity of enforcing the one in order that the other may continue to exist. – Coffin v. United States, 156 U.S. 432 (1895) 39 LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
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processo penal, artigo 28340, com redação alterada por lei de 2011.41 Comentando o referido princípio, o Professor e Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa: Por força da presunção de inocência, o acusado deveria iniciar a ação penal absolvido, derrotando-se ao decorrer do jogo penal o status de inocente, razão pela qual a carga probatória é toda da acusação no tocante aos fatos constitutivos da denúncia ofertada. Cabe ao Ministério Público comprovar, step by step, os requisitos legais para verificação da conduta e prolação da decisão condenatória 42.
Desta maneira, o Principio da presuncao de inocencia é uma garantia que o acusado tem de que, até que sejam produzidas as provas em juízo(contraditório), até que seja aberto prazo para a sua manifestação defensiva técnica, até que lhe seja dada a oportunidade de exteriorizar, em juízo, sua interpretação da lei penal, e até que seja possível a impugnação de eventuais erros judiciários, por meio de recursos, os efeitos funestos de uma condenação penal não irão recair sobre sua vida. O principio da presuncao de inocencia merece maior dedicação por parte do legislador em uma sociedade com enraizados laços de desigualdade social, como o é a Brasileira, para que os estigmas que as classes mais baixas carregam não possam interferir na apuração de eventual culpa. Diante da superioridade hierárquica que caracteriza a constituição federal, é decorrência lógica que as normas, que se encontrem em patamar inferior, tal como o é o CPP, são a ela subordinadas, devendo-lhe estrita obediência. Assim, qualquer dispositivo legal infraconstitucional deve ajustar-se à norma constitucional, sob pena de ser declarada inconstitucional ou por ela não ser recepcionada (COSTA BANDEIRA, 2003. P. 187)43. 40 Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. 41 Lei 12.403/11 42 Citação em acórdão do TJRJ, no Recurso Crime de nº 71006741334 43 Do direito constitucional de recorrer em liberdade/ Leonardo Costa Bandeira – Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2003.
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7. ORDEM PÚBLICA E SEU CONFLITO NORMATIVO A prisão preventiva, espécie de medida cautelar com previsão legal no art. 312 do CPP44, tem por requisitos, dentre outros, a garantia da ordem pública, que se apresenta como conceito vago, indeterminado, e presta-se a qualquer senhor, diante de uma maleabilidade conceitual apavorante. Não sem razão, por sua vagueza e abertura, é o fundamento preferido, até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer. Nessa linha, é recorrente a definição de risco para ordem pública como sinônimo de “clamor público”, de crime que gera um abalo social, uma comoção na comunidade, que perturba a sua “tranquilidade”. Alguns, fazendo uma confusão de conceitos ainda mais grosseira, invocam a “gravidade” ou “brutalidade” do delito como fundamento da prisão preventiva. Também há quem recorra à “credibilidade das instituições” como fundamento legitimante da segregação, no sentido de que se não houver prisão, o sistema de administração de justiça perderá credibilidade. A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder Judiciário, Polícia e Ministério Público. É prender para reafirmar a “crença” no aparelho estatal repressor45. (LOPES JR, AURY. 2017, p. 635). Em simples pesquisa na coletânea de jurisprudência dos tribunais de apelação, não é difícil encontrar decisões que atestem a amplitude interpretativa do termo ordem pública, que não raramente leva a patentes violações às garantias constitucionais da presunção de inocência. Não são poucas as vezes que órgãos do poder judiciário decretam/mantém a prisão preventiva de um cidadão, sob o pretexto de garantir a ordem pública, mas que, a toda evidência, está adentrando no mérito da cognição da persecução penal, de modo a antecipar a execução da pena, a contra sensu dos mandamentos constitucionais 44 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 45 Direito processual penal/ Aury Lopes Jr. – 14. Ed – São Paulo: Saraiva, 2017. P. 635.
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delineados alhures46. Os julgados colacionados são exemplos típicos de decisões (predominantes) que se utilizam do conceito de ordem pública para adentrar no mérito da cognição processual, usurpando as garantias do devido processo legal, da ampla iniciativa probatória das partes, e da presunção de inocência, assim como violando, também, a jurisprudência dos tribunais superiores e a prerrogativa do juízo sentenciante. O fato de recair sobre o jurisdicionado a prática de qualquer delito, por si só, não autoriza, automaticamente, a sua custódia. Pensar assim seria generalizar que, para todo acusado da prática do crime em comento, seria incabível a concessão da liberdade provisória, o que afrontaria sobremaneira o princípio da presunção de não culpabilidade, um dos mais fundamentais princípios do direito penal. Nos crimes de drogas47, que responsáveis por 26% dos encarce46 Habeas corpus. TRÁFICO DE DROGAS. Prisão preventiva. Pretendida revogação. Inadmissibilidade. Sustentáculo para a prisão proporcionado por indícios de autoria e materialidade. Custódia necessária a bem da ordem pública. Apreensão de relevante quantidade de porções de cocaína, além de dinheiro e anotações relativas ao tráfico. Presença dos requisitos do art. 312 do CPP. Decisão fundamentada. Imposição de medidas cautelares alternativas insuficiente. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (TJSP, 2018) Habeas corpus. TRÁFICO DE DROGAS. Revogação da prisão preventiva. Inadmissibilidade. Sustentáculo para a custódia proporcionado por indícios de autoria e materialidade. Prisão necessária a bem da ordem pública, considerando as circunstâncias do caso concreto. Existência de denúncia anônima, apreensão de significativa quantidade e variedade de entorpecentes, além de dinheiro. Presença dos requisitos dos arts. 312 e 313 do CPP. Decisão fundamentada. Imposição de medidas cautelares alternativas que se revela insuficiente. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (TJSP,2018) EMENTA: HABEAS CORPUS – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO -PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA – DECISÃO FUNDAMENTADA – PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DOS ART. 312 E SEGUINTES DO CPP – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA – QUANTIDADE DE DROGAS – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS – IRRELEVÂNCIA – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – DENEGADO O HABEAS CORPUS. - Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, a prisão preventiva deve ser decretada, nos termos dos art. 312 e ss. do CPP, se houver necessidade cautelar. - A quantidade de drogas apreendidas na operação policial que culminou com a prisão do paciente evidencia sua periculosidade, sendo necessária, portanto, a manutenção de sua prisão processual para a garantia da ordem pública e consequente acautelamento do meio social. - A existência de condições pessoais favoráveis não implica a concessão da liberdade provisória, quando presentes, no caso concreto, outras circunstâncias autorizadoras da segregação cautelar.·. 47 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil
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rados homens, e 62% das encarceradas mulheres, essa prática arbitrária é evidente, sobretudo por possuírem elementos normativos em seus tipos penais que facilitem sua incidência, por se tratar de crime de perigo abstrato (presumido) 48 (TJRN, 1999), e, neste sentido, por prescindirem de outras provas para a atestação de sua materialidade e consumação, pois que esta ocorre com a simples apreensão da substância. Ou seja, não obstante nossa constituição imponha um regime acusatório (AVENA, 2017. P. 67), onde o ônus probatório é exclusivamente da acusação, nos crimes de droga ocorre verdadeira e ilegítima inversão do ônus da prova logo no momento da audiência de custódia, quando o preso em flagrante é levado perante autoridade judicial para a averiguação da condição de sua prisão. Grandes evidências de que a prisão preventiva vem sendo utilizada como tutela satisfativa penal49 (antecipada da pena) são as inúmeras custódias cautelares decretadas nos crimes de droga, sem que o juiz tenha acesso aos laudos toxicológicos definitivos que atestem a inequívoca materialidade da conduta, o que indica a tendência solipsistas desses juízes, que se julgam capazes de atestar a materialidade e a relação de tipicidade com a resolução da Anvisa50, sem que, ao menos exista um laudo pericial a indicar a ilicitude da substância51
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e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. “O crime de tráfico de entorpecentes é configurado ainda que não haja venda de tóxico, mas evidenciada somente a posse do produto destinado a consumo de outrem. Configurando crime de perigo abstrato, o tráfico nao exige efetiva oferta da droga a terceiro, pois o bem jurídico tutelado é a saúde pública. É condenável a simples possibilidade de distribuicao (gratuita ou onerosa) do entorpecente” (TJRN, Ap. 99.000136-9, Cám. Crim., rel. Des. Armando da Costa Ferreira, j. 15-10-1999, RT 776/663). A tutela provisória antecipada – ou satisfativa – adianta os efeitos da tutela definitiva antecipada, conferindo eficácia imediata ao direito afirmado, ao direito tutelado na ação principal. Portaria n.º 344, de 12 de maio de 1998/ ANVISA. EMENTA: “HABEAS CORPUS”. TRÁFICO DE DROGAS. RELAXAMENTO DA PRI-
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(TJMG, 2018). As decisões colacionadas são ilustrativas de um sistema institucional em que o Juiz, ao decretar a custódia do sujeito, emite um juízo sumário de cognição acerca da materialidade e da autoria do crime, já se utilizando da prisão preventiva para antecipar a sanção estatal necessária para coibir e prevenir condutas tidas por ele como indesejáveis. Portanto, inadmissível que decisões como estas continuem a predominar os ambientes forenses, especialmente nas audiências de custódia52, que implementadas no país justamente para amenizar a grave situação do sistema penitenciário nacional, que foi, inclusive, SÃO PREVENTIVA. NULIDADE. MATERIALIDADE DELITIVA NÃO COMPROVADA. INEXISTÊNCIA DE LAUDO TOXICÓLOGICO. MERA IRREGULARIDADE JÁ SUPERADA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PRESENÇA DOS REQUISITOS FÁTICOS (ART. 312 DO CPP) E INSTRUMENTAIS (ART. 313, I, DO CPP) DA MEDIDA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. AGENTE EM GOZO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. DESCABIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. Não há que se falar em relaxamento da prisão preventiva por nulidade consistente na não realização do laudo preliminar de constatação dos entorpecentes, eis cuidar-se de mera irregularidade incapaz de macular a segregação cautelar, mormente por ter sido confeccionado, posteriormente, o exame definitivo, estando, portanto, superada a questão. 2. Tendo sido o paciente preso preventivamente pela suposta prática do delito de tráfico de drogas, presentes a prova da materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria, inexiste constrangimento ilegal na decisão que, fundamentadamente, decretou a sua segregação cautelar, visando a garantir a ordem pública. 3. O princípio do estado de inocência, estatuído no artigo 5º, LVII, da Constituição da República, não impede a manutenção da prisão provisória, quando presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. 4. A Lei 12.403/2011 alterou todo o sistema de medidas cautelares do Código de Processo Penal, preconizando de forma expressa o princípio da proporcionalidade, composto por dois outros, quais sejam: adequação e necessidade. 5. A prisão preventiva, espécie de medida cautelar, passou a ser exceção na sistemática processual, dando, o quanto possível, promoção efetiva ao princípio constitucional da não-culpabilidade. Todavia, embora medida extrema, a manutenção da segregação cautelar pod e ser determinada, sempre que presentes os requisitos exigidos pelo Código de Processo Penal, em seus artigos 312 e 313. 6. Tendo o paciente supostamente cometido o delito a ele imputado durante a vigência de liberdade provisória que lhe fora anteriormente concedida nos autos de outro processo penal a que responde, a manutenção da sua segregação cautelar mostra-se necessária, também como forma de se evitar a reiteração delitiva. 7. Sendo o crime de tráfico de drogas apenado com reprimenda máxima, privativa de liberdade, superior a quatro anos, é admissível a manutenção da segregação provisória, como forma de garantia da ordem pública e visando a evitar a reiteração delitiva. 8. Não se mostrando adequadas e suficientes, no caso concreto, as medidas cautelares diversas da prisão, não poderão ser aplicadas, mormente quando presentes os requisitos para a manutenção da prisão preventiva. 9. Ordem denegada. (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.18.003672-5/000, Relator(a): Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/03/2018, publicação da sumula em 15/03/2018) 52 Trata-se da apresentação do autuado preso em flagrante delito perante um juiz, permitindo-lhes o contato pessoal, de modo a assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão. Decorre da aplicação dos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil.
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alvo de ADPF (nº 347) 53 perante o STF, oportunidade em que o colegiado do tribunal declarou o estado de coisas institucional que vigora no sistema penitenciário nacional. Por outro lado, muito embora em voto vencido, colaciono entendimento do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, que expõe entendimento não majoritário nos tribunais brasileiros, e que se contrapõem às demais decisões mencionadas: Concessa vênia, julgo que com razão o nobre causídico pelas razões que passarei, agora, a expor. A doutrina e a jurisprudência entendem que toda e qualquer espécie de prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, tem natureza cautelar, o que significa dizer, deve estar devidamente comprovada a necessidade de tal restrição da liberdade. Por mais uma vez, quero ressaltar meu posicionamento no sentido de ser contrário à banalização do instituto jurídico da prisão cautelar, 53 O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alegava-se estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferimento de liminar para que fosse determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c) que considerassem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos — v. Informativos 796 e 797.
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que tem sido utilizada como verdadeira antecipação de pena, em consonância com os anseios do chamado movimento da lei e da ordem. Este movimento, que enxerga o Direito Penal como panaceia de todos os males, enseja o endurecimento da via penal e processual penal, sendo o instituto da prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória a mais visível face deste Direito Penal do terror, que não resolve a questão da intensa criminalidade e ofende, quase sempre, os direitos e garantias individuais, constitucionalmente estabelecidos como pilares do Estado Democrático de Direito. Em regra, portanto, me oponho à custódia cautelar, em todas as suas modalidades, a não ser que haja necessidade evidente da cautela antecipada, na forma restrita do artigo 312, do Código de Processo Penal. No presente caso, quando da análise da decisão que decretou a prisão cautelar do (f. 37/38-v), verifiquei que a fundamentação empregada se deu nos seguintes termos, verbis: Encontram-se presentes, no caso, os requisitos autorizadores da manutenção da segregação preventiva, notadamente o de resguardar a ordem pública, também para evitar ta reiteração delitiva considerando-se que consta nos autos à notícia de que o autuado estaria envolvido com a prática do tráfico de drogas. Ressalte-se, também, a natureza das substâncias entorpecentes apreendidas, o que também evidencia a necessidade da custódia preventiva para acautelar o meio social. Concessa vênia, julgo que a decisão referida pelo juízo primevo encontra-se precariamente fundamentada e, não obstante existir um registro na cac do acusado, o magistrado não o mencionou na decisão, que não foi, como mencionado, suficientemente fundamentada. In casu, como dito, não foram apontados elementos concretos que possam indicar a necessidade do afastamento da liberdade do increpado, além daqueles próprios do tipo penal. (TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.18.055487-5/000, Relator(a): Des.(a) Júlio César Lorens , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/07/2018, publicação da súmula em 09/07/2018)
A decisão emanada do magistrado mineiro é ilustrativa da banalização paradigmática do instituto da prisão cautelar, que vem sendo aplicada para efetivar a execução antecipada da pena, burlando as etapas procedimentais previstas em lei, e demonstrando, desta
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maneira, a urgência da mudança necessária à implementação de um processo penal verdadeiramente democrático. Como bem apontado pelo Professor José Santiago Neto: Não há, portanto, no processo penal, espaço para o conflito entre segurança pública e liberdade individual. No processo penal democrático há o dever do Estado de proteger os direitos fundamentais, consoante dispõe o art. 5º, XLI, da Constituição da Republica, devendo, para tanto e se realmente necessário, fazer uso do direito penal e do processo penal. (SANTIAGO NETO, JOSÉ DE ASSIS. 2015)
Em outubro de 2016, logo após um pedido de cooperação feito pelo Brasil à Procuradoria-Geral da República de Portugal, os professores da Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão54 publicaram um artigo recomendando à procuradoria portuguesa a rejeição do acordo, por entenderem que atos negociais de delação premiada não podem prometer redução da pena em patamar não previsto na Lei das Organizações Criminosas, nem oferecer regimes de cumprimento dela que não existem nas leis penais.55 Naquela ocasião, os Professores fizeram uma digressão sobre o conceito de ordem pública, sob o parâmetro do objeto daquele artigo, qual seja, a o pedido de cooperação mencionado anteriormente: “Nesta perspectiva, os direitos fundamentais são nacional e internacionalmente “constitucionalizados” como medida da ordem pública. Se os direitos liberdades e garantias e os direitos constitucionais judiciais densificam a ordem pública, isso significa que a aplicação de direito estrangeiro não pode deixar de ser excluída quando conduzir a resultados insustentáveis no plano da ordem pública jusfundamental. A insustentabilidade pauta-se por esta ordem pública jusfundamental sempre que esteja em causa a restrição do seu núcleo essencial, nas suas dimensões materiais e pessoais. A consequências jurídicas da violação desta ordem pública será a inaplicabilidade do direito estrangeiro, no sentido de que dele não podem ser extrínsecos 54 https://www.conjur.com.br/2017-mai-24/delacoes-lava-jato-sao-ostensivamente-ilegais-canotilho 55 https://www.conjur.com.br/2017-mai-24/delacoes-lava-jato-sao-ostensivamente-ilegais-canotilho