Felipe Américo Moraes
BITCOIN E LAVAGEM DE DINHEIRO:
Quando uma transação configura crime
Copyright© Tirant lo Blanch Brasil Editor Responsável: Aline Gostinski Assistente Editorial: Izabela Eid Capa, Projeto Gráfico e Diagramação: Rodrigo de Morais Lucio Finalização: Jéssica Razia
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Moraes, Felipe Américo
Bitcoin eCIENTÍFICO: lavagem de dinheiro - quando uma CONSELHO EDITORIAL Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot transação configura crime / Felipe Américo Moraes
1.ed. – São Paulo : TirantHumanos. lo Blanch, 2022. do Instituto de Presidente da Corte Interamericana de Direitos Investigador 220 Investigações Jurídicas da p. UNAM - México Juarez Tavares
ISBN: 978-65-5908-213-1 Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil Luis López Guerra
1. Europeu Bitcon.de2.Direitos Lavagem de dinheiro. Ex Magistrado do Tribunal Humanos. Catedrático 3. de Direito Constitucional da Globalização. Título. Universidade Carlos III de MadridI.- Espanha Owen M. Fiss Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón
CDU: 343.37
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
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Moraes, Felipe Américo Bitcoin e lavagem de dinheiro - quando uma transação configura crime [livro eletrônico] / Felipe Américo Moraes 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2022. 3.600Kb; livro digital ISBN: 978-65-5908-218-6 1. Bitcon. 2. Lavagem de dinheiro. 3.Globalização. I. Título. CDU: 343.37 Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva - CRB-8/6778
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
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Felipe Américo Moraes
BITCOIN E LAVAGEM DE DINHEIRO:
Quando uma transação configura crime
Sumário Prefácio................................................................................................... 9 Introdução. .......................................................................................... 13 1. Criptografia: Anonimato para Que(m)?.............................................. 18 1.1 Criptografia........................................................................................19 1.2 Cripto War: A Batalha pela Regulação das Comunicações no Ambiente Virtual......................................................................................................23 1.2.1 Primeira onda regulatória do ambiente virtual..............................23 1.2.2 A segunda onda regulatória ..........................................................29 1.2.2.1 Monitoração evidente realizada pelo Estado............................31 1.2.2.2 Monitoração oculta realizada pelo Estado...............................32 1.2.2.3 Monitoração oculta realizada pelas empresas privadas.............34 1.2.3 (Re)ação humana diante da monitoração oculta............................40 1.3 Pontos de partida................................................................................44 2. O Bitcoin. ......................................................................................... 46 2.1 Antes do Bitcoin.................................................................................50 2.2 Um sistema de dinheiro eletrônico ponto-a-ponto..............................52 2.3 Criptografia utilizada no Bitcoin........................................................54 2.4 Chaves e endereços.............................................................................56 2.5 A blockchain do Bitcoin.....................................................................57 2.6 Entradas (inputs) e saídas (outputs)......................................................60 2.7 Carteiras.............................................................................................62 2.8 A rede Bitcoin....................................................................................64 2.9 Mineração..........................................................................................67 2.10 Desfazendo abstrações......................................................................71 2.11 Criptomoedas de privacidade (privacy coins).....................................72 2.12 Ecossistema Bitcoin..........................................................................73 2.12.1 Plataformas de aproximação dos usuários....................................74
2.12.2 Exchanges centralizadas..............................................................75 2.12.3 Exchanges descentralizadas.........................................................77 2.12.4 Serviços de mixagem...................................................................78 2.12.5 Caixas automáticos de criptoativos.............................................80 3. O fenômeno da lavagem de dinheiro.................................................. 81 3.1 A internacionalização do direito penal................................................82 3.2 A internacionalização da política criminal de combate à lavagem de dinheiro....................................................................................................84 3.2.1 Convenções internacionais............................................................85 3.2.2 Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)..........................87 3.3 O delito de lavagem de dinheiro.........................................................88 3.3.1 Estágios da lavagem de dinheiro....................................................88 3.3.2 Bem Jurídico................................................................................91 3.3.3 Bem Jurídico tutelado pelo delito de lavagem de dinheiro.............96 3.3.3.1 Bem Jurídico tutelado idêntico ao do delito antecedente.........99 3.3.3.2 A “administração da Justiça” como bem jurídico protegido...102 3.3.3.3 A “ordem socioeconômica” também como bem jurídico protegido..........................................................................................104 3.3.3.4 Tomada de posição................................................................110 3.4 Elementos típicos do delito de lavagem de dinheiro..........................114 3.4.1 Ocultação e dissimulação (art. 1º, caput)....................................114 3.4.1.1 Elementos subjetivos do tipo previsto no art. 1º, caput.........117 3.4.1.2 O problema da “cegueira deliberada”....................................120 3.4.1.3 Elementos subjetivos especiais...............................................122 3.4.1.4 Autolavagem.........................................................................130 3.4.2 Art. 1º, parágrafo 1º...................................................................132 3.4.2.1 Elementos objetivos do tipo..................................................132 3.4.2.2 Elementos subjetivos do tipo.................................................134 3.4.3 Art. 1º, parágrafo 2º, inciso I......................................................136 3.4.3.1 Elemento objetivo do tipo....................................................136 3.4.3.2 Elementos subjetivos.............................................................136 3.4.4 Art. 1º, parágrafo 2º, Inciso II....................................................137
4. Lavagem de Dinheiro e Bitcoin........................................................ 139 4.1 Características do Bitcoin que facilitam a lavagem de dinheiro.........139 4.1.1 Descentralização.........................................................................140 4.1.2 Pseudoanonimato ......................................................................142 4.1.3 Conclusões parciais.....................................................................145 4.2 Tratamento regulatório dos criptoativos para fins de combate à lavagem de dinheiro.............................................................................................146 4.2.1 Autorregulação industrial............................................................150 4.2.2 Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional quanto aos criptoativos....................................................................................151 4.2.3 Relatório de risco do GAFI envolvendo atividades suspeitas (red flag indicators)...........................................................................................155 4.2.3.1 Indicadores relacionados às transações...................................155 4.2.3.2 Indicadores relacionados ao anonimato das transações..........156 4.2.3.3 Indicadores relacionados às partes que participam da transação..... 158 4.2.3.4 Indicadores relacionados às fontes dos valores ......................159 4.2.3.5 Indicadores relacionados aos pontos geográficos....................159 4.2.4 Percepções regulatórias e novas iniciativas...................................159 4.2.5 Regulação brasileira para combate da lavagem de dinheiro em relação aos criptoativos....................................................................................163 4.3 Aplicação da lei penal brasileira........................................................165 4.3.1 Criptomoeda como objeto material do delito..............................165 4.3.2 Definição da competência territorial em conflitos internacionais ......167 4.3.2.1 O local de ocorrência da ação................................................170 4.3.2.2 O local de ocorrência do resultado........................................171 4.3.2.2.1 O local onde os bitcoins se encontram............................172 4.3.2.2.2 O local em que ocorre uma alteração no mundo físico que resulta em uma transação com bitcoins..........................................174 4.3.2.2.3 O local onde ocorreu a lesão ao bem jurídico..................176 4.3.2.3 Local da ação como forma de verificação da competência territorial internacional ....................................................................178 4.3.3 Definição da competência territorial interna em casos de conflitos....................................................................................... 179
4.3.3.1 Competência federal ou estadual...........................................180 4.3.3.2 Definição do Juízo competente.............................................185 4.4 Condutas de lavagem de dinheiro envolvendo bitcoins.....................187 4.4.1 A presença do elemento subjetivo especial da lavagem de dinheiro e o caso dos bitcoins...............................................................................188 4.4.2 Conversão de dinheiro de proveniência ilícita em bitcoins..........191 4.4.2.1 A troca de dinheiro ilícito por bitcoins em exchanges centralizadas.....................................................................................191 4.4.2.2 A troca de dinheiro ilícito por bitcoins junto a outros usuários da rede...................................................................................................194 4.4.2.3 A troca de dinheiro ilícito por bitcoins em caixas eletrônicos de criptomoedas....................................................................................197 4.4.3 Movimentações de bitcoins de proveniência ilícita......................198 4.4.3.1 Trocas simples entre usuários ou “endereços”.........................199 4.4.3.2 A utilização de serviços de mixagem......................................202 4.4.3.3 A utilização de exchanges centralizadas como serviços de mixagem...........................................................................................202 4.4.3.4 transferências para sites de jogos............................................204 4.4.3.5 transações no sistema Bitcoin com o método CoinJoin.........205 4.4.3.6 A entrega ou compartilhamento físico das chaves criptográficas com terceiros....................................................................................206 4.4.3.6 A conversão de bitcoins de proveniência ilícita por outros criptoativos (chain hopping).............................................................208 4.4.3.6.1 Conversões de bitcoins por outros criptoativos em exchanges centralizadas...................................................................................209 4.4.6.3.2 Conversões de bitcoins por outros criptoativos em exchanges descentralizadas..............................................................................211 4.4.6.3.3 Conversões de bitcoins por criptomoeda de privacidade .......212 4.4.6.5 A participação em Ofertas Iniciais de Moedas (ICOs) ou Ofertas Iniciais de Tokens (ITO)...................................................................212 Conclusão........................................................................................... 214
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Prefácio Com mãos competentes, Felipe Américo Moraes oferece à comunidade jurídica o resultado de sua pesquisa junto ao Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Empresarial e Cidadania do Unicuritiba. Apresentando-a sob o título “Lavagem de dinheiro e bitcoin”, diante de banca examinadora composta pelos Professores Rodrigo Régnier Chemim Guimarães e Fernando Gustavo Knoerr, além do subscritor, obteve o título de Mestre com a nota máxima, concedida unanimemente pelos exigentes avaliadores. Acompanhar o trabalho disciplinado e cuidadoso do Felipe foi o que fiz por dois anos, mais que orientar. Afinal, este é um acadêmico cuja capacidade de investigação científica leva, naturalmente, a um caminhar pelos próprios pés. Com a pá na mão, cava a não mais poder em busca dos detalhes que revelem, à plenitude, o objeto desejado. E começou cedo a escavação: ao contrário de muitos que, iniciada a jornada do Mestrado, ainda não têm clareza do problema a ser enfrentado, Felipe já sabia onde cavar e o que buscar desde o primeiro minuto. Estas duas virtudes, que iluminam toda boa pesquisa, já as trouxe consigo: objetividade, por saber aonde queria ir, e têmpera, porque capaz das renúncias diárias que a lentidão da escrita de uma pesquisa vultosa demanda. No caso, a pretensão que o moveu, desde a partida, foi conjugar um tema já tradicional do direito penal econômico, o crime de lavagem de valores, bens e direitos, com as possibilidades de realização delitiva derivadas da tecnologia das criptomoedas. O tratamento da reciclagem, segundo os variados temas de direito que traz ao debate, Felipe maneja com a qualidade que se espera de um Mestre. Faz, no capítulo IV, dedicado ao ponto, ótimo desenvolvimento, com destaque para o tratamento do tema do bem jurídico ofendido pelo delito e suas repercussões. Explora os aspectos centrais da estrutura do tipo, objetivos e subjetivos. Aqui, devo dizer que conheci o Felipe como interlocutor qualificado: aquele que ouve um argumento contrário ao seu, compreende-o, em vez de rebatê-lo com pressa e sem a exata compreensão; depois, trata de confirmá-lo, esmiuçá-lo, formando opinião em que o adota refletidamente ou parte para nova contraposição. No uso desta dialética, seu trabalho foi crescendo. Tornou-se um ótimo texto sobre lavagem. Revela-se um traço de personalidade fundamental para a pesquisa: o pesquisador – no excelente exemplo do Mestre Felipe – não pode ser sectário e deve tentar, sempre, suspender preconceitos. Isto produz duas consequências: a primeira, de que sua opinião terá solidez, pois enfrentou argumentos opostos, já não podendo ser desafiado pela surpresa. A segunda: isto torna suas palavras
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confiáveis. Só é confiável quem ouve o posicionamento contrário, rumina-o, interpela-o, montando a partir daí sua posição. Para além do crime de lavagem, era preciso debruçar-se sobre a técnica. Isto desafia o jurista: afrontar aquele mundo, de todo estranho para ele, dos inventos, das engenharias, das tecnologias da informação. Humanista, o profissional do direito costuma lidar com dificuldade com o horizonte das ciências duras - conceitos da física, equações, todas estas coisas. Não é diferente com o expoente mais visível de uma revolução tecnológica, atualmente vivida: o meio ambiente digital1, que se soma ao natural e ao artificial (este, o agregado ao natural pela mão humana), e os integra. Apagam-se as fronteiras entre eles. De fato, esta revolução contemporânea – uma quarta revolução industrial2, na precisa percepção de Klaus Schwab - ostenta a marca da fusão: atam-se os universos físico e digital, através de veículos autônomos e robôs, de impressão 3D3. Isto produz consequências para o direito: quem é responsabilizado por acidentes envolvendo aquelas máquinas? Como lidar com as facilidades que, através de impressão 3D, permitem a alguém confeccionar, de forma caseira, com material plástico, percutores de projéteis em tudo semelhantes a armas de fogo? No mesmo plano, a internet das coisas – IoT – já cumpre uma mudança severa na logística de distribuição, com redução de custos e impactos no direito do consumidor e laboral. Mais: a distopia do controle absoluto sobre cada pessoa ganha traços factuais, presentes, através de câmaras com reconhecimento facial cruzados a acervos de big data. Isto também é IoT. O meio ambiente digital – com fronteiras indefiníveis em relação ao físico, algo evidente na IoT e nos veículos autônomos, que operam por geoprocessamento de dados digitais -, a seu turno, vê-se incrementado de novas possibilidades. Uma delas é o pareamento de oferta e demanda por plataformas de conjugação de interesses, operando com dados em massa, do que resultam serviços como Airbnb e Uber, cujos impactos, sobretudo nas relações laborais, vêm sensivelmente apontados por Tom Slee4. Mais: estas técnicas conferem aos detentores uma posição de superpoder, eliminando métodos de prestação de serviços e distribuição de produtos, aniquilando setores econômicos tradicionais inteiros, monopolizando ou oligopolizando ambientes de trocas econômicas. Outra mecânica impulsora do agigantamento de nossa dependência em relação ao mundo digital é a cadeia de blocos, ou blockchain. Trata-se de mecanismo de autenticação da veracidade de ações em cadeia, produzindo aquilo 1 2 3 4
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; CONTE, Christiany Pegorari. Crimes no meio ambiente digital. Saraiva Educação SA, 2017, p. 17. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016, pp. 16-17. Idem, pp. 24-25. Slee, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Editora Elefante, 2017.
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que o direito penal cristaliza no bem jurídico “fé pública”. Através dela, um novo dinheiro está aí: a criptomoeda. A confiança coletiva é curial ao uso do dinheiro: outrora estampado em metal, num pedaço de papel, hoje uma informação digital, o dinheiro é uma ficha simbólica5. Um “pedacinho de confiança”, costumo dizer em sala de aula. A confiança nele depositada, há séculos, deriva da palavra dada pelo emissor: o Estado-nação, agência de poder que emerge na Idade Média e se agranda na Modernidade. Dentre seus poderes, está o curso forçado da moeda, cujo lastro é a crença, comum aos cidadãos nacionais, de que aquilo “vale”. A criptomoeda permite crer na valência de uma operação de trocas a partir da certificação, por máquinas digitais, de modo descentralizado, de que sua realização se deu. E – aí – já não se faz necessário o Estado-nação... Agência de poder em queda, também este seu monopólio, de produzir o dinheiro e controlar sua circulação, se coloca em xeque. E não me cabe ir além. A palavra, a partir daqui, passa a ser do Felipe Américo Moraes. É uma deferência a quem sabe mais: afinal, quebrou o vidro blindex invisível que nos separa, gentes do direito, do conhecimento das coisas da técnica e, com detalhe, explicou, no invejável capítulo III desta obra, muito sobre o bitcoin - dentre outras criptomoedas. Na banca, não esqueço as palavras do Prof. Chemim, que se dedica a estudar inovações tecnológicas e direito, como parte de sua pesquisa na Universidade Positivo: “já li muito sobre bitcoin, mas confesso que nunca vi um texto tão claro sobre isso”. E tudo sem sacrifício dos detalhes. E tudo em linguagem acessível ao leigo. Como no Felipe habita alma de humanista, precedeu o desenvolvimento sobre bitcoin de um capítulo, o de número II, em que eriça o pelo do leitor, ao alertar sobre as ameaças que, em ondas, pretendem estender regulações sobre um espaço que, na internet, enxerga como consagrado à liberdade humana. O controle de criptoinformações é investigado e desvelado, como numa cruzada em prol da conservação do inédito espaço digital em que a liberdade tem valor elevado. Lado outro, este capítulo se revela espécie de moldura para escrever sobre bitcoin. Afinal, a moeda digital é uma cripto-informação. O ponto culminante é, naturalmente, o desenvolvimento final do texto, ocasião em que o delito de lavagem se encontra com a tecnologia das criptomoedas. A interseção tem um sabor grande de novidade. São alguns – ainda poucos – os textos dedicados a esta realidade. Conhecendo a criptomoeda, Felipe parte das características de descentralização e anonimato que envolvem as transações com estes tipos de dinheiro, como fatores que instam seu uso na lavagem. Após, dedica-se a recolher normativas internacionais (GAFI em destaque) e nacionais sobre moedas digitais. Faz, na sequência, incursão no tema da lei penal no espaço
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GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, pp. 30-31.
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e ilícitos praticados com bitcoin, atento ao princípio da territorialidade mitigada estampado no art. 5o, CP, para definição dos limites de emprego da lei brasileira. Positivado o uso da nossa legislação, trata de afrontar as questões processuais atinentes à definição de competência. Tudo é novidade, por força da ubiquidade e de-localidade que caracterizam moedas digitais. No tocante à lavagem, faz alusão ao elemento subjetivo diverso do dolo da pretensão de ocultação ou dissimulação, dando-lhe a amplitude que entende presente no tipo, para proceder, na sequência, à importante separação: uma coisa é converter bens, valores e direitos em bitcoins. Outra, receber bitcoins constitutivos do objeto material do crime antecedente. Esta bifurcação se mostra seminal no desenvolvimento dos escritos finais do trabalho. Felipe esmiuça as possibilidades e consequências jurídicas, percorrendo cada um dos dois ramos. A conclusão transcende o problema da lavagem: coloca novamente o compromisso do humanista com o espaço digital enquanto espaço de liberdades. Para além, sugere certa inconsistência nas tentativas regulatórias de operações de criptomoedas, em particular aquelas entre carteiras privadas, demonstrando como a tecnologia impacta no direito e força sua evolução. A lavagem, aqui, é apenas um ponto de partida para o Felipe alçar voos mais altos. Os leitores, ao final do texto, ansiarão por isso. Curitiba, setembro de 2021. Fábio André Guaragni
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Introdução Desde a Terceira Revolução Industrial, percebeu-se que o crime de lavagem de dinheiro é um delito internacional. A globalização, sobretudo a financeira, permitiu aos membros de organizações criminosas a utilização dos valores auferidos de sua atividade de maneira muito mais fácil do que o tradicional transporte físico, em espécie. O envio por meio do sistema bancário possibilitou que transações de grandes quantidades fossem enviadas em um curto espaço de tempo para praticamente qualquer ponto geográfico do mundo. Tal possibilidade não veio desacompanhada de rígidas normas para evitar essa prática. Logo, surgiram tratados internacionais exigindo que os Estados signatários editassem leis capazes de garantir a investigação, persecução e punição daqueles que pretendem movimentar internacionalmente dinheiro proveniente de crime. Entre elas, destacaram-se as orientações para que as entidades que atuam no sistema financeiro tomem medidas para minimizar os danos causados pelo uso por parte de criminosos. Rígidas obrigações passaram a ser exigidas daqueles que atuam nesse setor para evitar que o dinheiro de origem criminosa seja transferido pelo sistema bancário – e, caso isso aconteça, que seja possível identificar seu autor. Exige-se que aquele que deseja abrir uma conta bancária faça um cadastro detalhado, bem como se destinou uma regulação precisa para determinados setores, que passaram a ser obrigados a reportar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) transações com determinadas características, tidas como suspeitas de atividades ilícitas. Em meio à recorrente evolução da legislação e da regulação para combater a lavagem de dinheiro, constantemente aperfeiçoadas para atender aos padrões internacionais, surgiu uma nova tecnologia capaz de subverter todo o aparato preventivo da movimentação internacional de dinheiro ilícito: o Bitcoin. A Quarta Revolução Industrial, marcada pelo surgimento das tecnologias disruptivas – e da premissa de que toda atividade centralizada será pressionada por tentativas de descentralização –, elegeu como oponentes o Estado e seu sistema monetário. O Bitcoin é um complexo sistema capaz de armazenar valores no ambiente digital eletronicamente – e sem depender das tradicionais instituições financeiras. Além disso, permite que a transferência seja realizada para qualquer ponto geográfico do mundo. Basta que a pessoa disponha da “chave” – instrumento que garante a disponibilidade desses valores armazenados na rede – e a envie a quem desejar. Essa capacidade equivale à possibilidade de transferir dinheiro para qualquer ponto geográfico do mundo, mas, dessa vez, distante do controle exigido
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pelo Estado. Na prática, portanto, criou-se uma moeda eletrônica que prescinde da confiança promovida pelo Estado enquanto emissor. Baseia-se exclusivamente no código computacional desenvolvido pelo setor privado e na confiança depositada pelas pessoas quanto à higidez desse sistema. Novas tecnologias, sem dúvida, são socialmente desejáveis. Elas criam novas soluções para antigos problemas, tornando determinadas atividades humanas mais fáceis de serem desempenhadas. Quanto a esse ponto, é necessário um parêntese. Ainda que a pretensão deste livro seja trabalhar um aspecto negativo do Bitcoin – sua possibilidade de uso na prática de crimes –, isso não significa alçar essa nova tecnologia à condição de um novo mal social. Sabe que os efeitos advindos do surgimento do Bitcoin poderão criar um ponto de inflexão na sociedade para resolver problemas de um modo nunca antes cogitado. O Bitcoin foi precursor no desenvolvimento de um sistema inédito de confiança no ambiente digital: a blockchain. Fruto do seu desenvolvimento, surgiram outros milhares de projetos dedicados, cada um, a solucionar antigos problemas com métodos inovadores. As primeiras percepções circundavam a: i) facilidade para realização de pagamentos internacionais; ii) acessibilidade a um sistema financeiro internacional para países considerados “em desenvolvimento”; iii) um meio inédito para indivíduos se protegerem de crises internas e, sobretudo, casos graves de inflação. Mais recentemente, as percepções são ainda maiores. O uso da blockchain avança rapidamente para diversos outros setores6, permitindo a criação de: i) formas inéditas de garantir a artistas o recebimento direto de royalties sem necessitar passar por intermediários, bem como evitar fraudes em obras artísticas; ii) garantir a propriedade de bens, tais como imóveis ou veículos, em um registro descentralizado e imune à fraudes; iii) o desenvolvimento de banco de dados criptografados por companhias para tornar as transações financeiras realizadas pelas instituições imune a fraudes; iv) a criação de sistemas imunes a ataques cibernéticos para dispositivos do ramo da “internet das coisas” (IoT); v) o desenvolvimento pelo Estado de registros de nascimento, morte, votações, seguridade social, passaportes, dentre outros7; ou ainda, vi) o controle sobre o processo decisório pelos usuários acerca da acessibilidade de seus dados pessoais. É dizer que, desde o surgimento do Bitcoin, sua aplicabilidade transcende o mero envio de valores financeiros e permitem a criação de sistemas que auxiliam sobremaneira a solução de dificuldades sociais. 6 7
DALEY, Sam. 25 Blockchain applications & real-world use cases distupting the status quo. Built in, 2018. p. 1-3. HOLLOWAY, Craig. State of Illinois: Request for Information. Department of Innovation and Technology, 2017. p. 1-2.
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Entretanto, é verdadeiro dizer que novas tecnologias quase sempre acarretam um novo risco a ser administrado. Enquanto a Terceira Revolução Industrial foi marcada pela expansão do direito penal, sobretudo pelo surgimento de novos bens jurídicos, a Quarta é marcada pela criação de novas condutas humanas, fruto das inovações tecnológicas, o que resulta em formas inéditas de lesão aos bens jurídicos existentes. E mais: a velocidade com que surgem não permite ao legislador a edição de leis para manter uma proteção equivalente. Essas questões podem ter acompanhado o delito de lavagem de dinheiro. Novas condutas humanas despontaram com o advento do Bitcoin. Com isso, surgiram possibilidades inéditas de praticar esse crime, ao passo que inexiste – ao tempo de redação deste livro – legislação específica regulando a matéria. Essa nova tecnologia tencionou sobremaneira a tradicional política criminal de combate à lavagem de dinheiro. Para que o tema seja compreendido adequadamente, será necessário, introdutoriamente, tratar de outro. A política de combate à lavagem de dinheiro data, pelo menos, da década de 1980. Contudo, o advento das criptomoedas fez a discussão ingressar em um terreno tão antigo quanto, mas com o qual até então não havia colisão: o da privacidade e do anonimato no ambiente digital. A possibilidade de manter comunicações anônimas na internet foi objeto de discussão desde o início do uso civil da criptografia, também na década de 1980. Os usuários militantes sustentavam a necessidade – e o direito – de comunicações privadas; o Estado, em contrapartida, sempre afirmou a posição de que comunicações anônimas permitem aos criminosos um ambiente seguro para a prática de crimes. Imagens de predileção pedófila podem circular no ambiente digital de maneira que órgãos de investigação não conseguem acessar. Terroristas e organizações criminosas podem se comunicar facilmente e livres da possibilidade de interceptação. O argumento utilizado pelo Estado soa justificável à primeira vista. A segurança nacional é, sem dúvida, uma medida que deve ser perseguida pelas autoridades públicas a fim de garantir o bom desenvolvimento da sociedade. Entretanto, esse argumento é ameaçado quando confrontado com eventos reais que demonstraram a criação de sistemas de monitoração em massa pelo Estado. Não só os investigados pela prática de crimes estavam sendo vigiados, mas também praticamente todas as pessoas do mundo. Eventos como esse incentivam o uso de técnicas pessoais para proteção das comunicações no ambiente digital, sobretudo diante da lesão a direitos constitucionalmente garantidos, como o sigilo das comunicações (art. 5º, XII, CF), privacidade (art. 5º, X, CF) e liberdade de expressão (art. 5º, IV, CF), além do direito de proteção de dados pessoais (Lei nº 13.709/18).
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Com o avanço da tecnologia, o tema da privacidade no ambiente digital ficou ainda mais delicado. Se comunicações anônimas permitem que criminosos e terroristas se organizem melhor, agora as comunicações criptografadas apresentam uma nova capacidade: o envio de dinheiro. Há, assim, uma tensão inédita ao tema da lavagem de dinheiro, isto é, a colisão com a privacidade no ambiente virtual. Dessa forma, é necessário refletir preliminarmente sobre o tema. Sem isso, é possível que a problemática seja compreendida de maneira imprecisa, geralmente fomentada por desvios cognitivos. Afinal, há uma tendência humana em observar o que é novo através das lentes do passado. Como afirmou Hannah Arendt sobre a primeira vez que a humanidade se deparou com o totalitarismo, mas acreditou ser essa uma forma diferente do (já existente) imperialismo. Segundo ela, “por mais que possamos aprender com o passado, isso não nos torna capazes de conhecer o futuro”8. Essa é uma limitação humana – no caso, o “viés de ancoragem” – que cria atalhos cognitivos capazes de, eventualmente, limitar a compreensão inicial sobre determinado tema.9 Essa advertência também é devida em relação às criptomoedas. O penalista desavisado, habituado a trabalhar com as transações financeiras ocorridas em sistemas bancários, poderia presumir que o primeiro sistema de moedas digitais criptográficas – o Bitcoin – seja somente uma forma inédita de realizar as mesmas operações. Essa analogia não é equivocada, mas pode limitar a compreensão adequada de alguns conceitos. O Bitcoin não é somente um método inédito de transferência de dinheiro. Representa também a primeira vez que um dado computacional (como é, por exemplo, uma mensagem de e-mail) ganhou a capacidade de funcionar como moeda sem depender da existência de um terceiro intermediário, como são as instituições financeiras. Por esse motivo, é preciso recuar para poder avançar. Antes de abordar o tema da lavagem de dinheiro, faz-se necessário entender que as criptomoedas, em sua essência, não são somente um meio para realizar transações financeiras sem depender do sistema financeiro tradicional. São uma forma de comunicação no meio ambiente digital. Essa característica traz ao tema da lavagem de dinheiro nuances antes inexistentes. A forma tradicional de evitar a movimentação de dinheiro ilícito no sistema financeiro sempre consistiu em exigir um comportamento fiscalizatório dos intermediários, sobretudo das instituições financeiras. Partindo de uma abor-
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ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Editora: Companhia das Letras, 2013. p. 138. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Editora: Objetiva, 2012. p. 80-96.
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dagem de risco, elas têm o dever de monitorar e notificar as transações suspeitas, bem como de coletar informações dos usuários que realizam todas as transações (know your customer – KYC). Todavia, essa dinâmica pode encontrar outros vetores de resistência quando o que se tenta monitorar não são as transações efetivadas por meio das instituições financeiras, mas comunicações realizadas diretamente entre as pessoas. O debate se alarga à medida que o controle e a monitoração dessas transações podem impactar outros direitos constitucionalmente garantidos, como o já mencionado sigilo das comunicações, privacidade, liberdade de expressão, além do direito de proteção de dados pessoais (Lei nº 13.709/18). O objeto deste livro será responder à seguinte indagação: em que medida o advento do Bitcoin tenciona a política-criminal de combate à lavagem de dinheiro? Para responder, o livro será dividido em quatro capítulos. O primeiro será dedicado ao estudo da utilização da criptografia em comunicações realizadas no ambiente digital. Será abordada sua utilidade como ferramenta para garantir privacidade e anonimato aos usuários, sobretudo sua capacidade de servir como mecanismo de resistência a interferências regulatórias realizadas pelo Estado. O objetivo são dois: i) permitir compreender todos os desafios enfrentados durante o período de regulação do ambiente digital; e ii) esclarecer que o Bitcoin, ainda que possa servir como um método para realizar transações financeiras, é, em sua essência, um meio de comunicação no ambiente digital.10 O segundo capítulo é destinado a apresentar o tema das criptomoedas, sobretudo desfazer as abstrações inerentes ao sistema que foram criadas para facilitar a compreensão do usuário acerca de uma tecnologia de elevada complexidade, mas que, por outro, podem ocasionar imprecisões técnicas quando se pretende avaliar a conduta humana verdadeiramente realizada nesse ambiente. No terceiro capítulo serão feitas as delimitações dogmáticas acerca do delito de lavagem de dinheiro. No quarto capítulo, por fim, será feito o confronto entre o tema da lavagem de dinheiro e o Bitcoin.
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Ainda assim, cumpre ser feita uma advertência. O resultado de entender que as transações realizadas no sistema Bitcoin são um meio de comunicação não tem por objetivo afirmar que elas devem estar sujeitas ao mesmo sigilo previsto no art. 5º, XII, da Constituição Federal. O objetivo é, somente, esclarecer que as características dessas transações estão mais próximas de uma comunicação realizada no ambiente virtual do que uma transação financeira realizada por meio de instituições. Essa constatação impacta diretamente na capacidade de o Estado regular esse ambiente, como será visto adiante (seção 5.2).
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1. Criptografia: Anonimato para Que(m)? O surgimento das criptomoedas exigirá do Estado uma regulação adequada. Entretanto, ela não se limitará ao controle da movimentação do dinheiro por meio do sistema financeiro. Avançará em um tema mais tortuoso: o controle e a monitoração das comunicações e dados no ambiente digital. A tentativa de controlar esse ambiente decorre da percepção de um novo risco. O surgimento de um método inédito de movimentação global de dinheiro que independe das instituições financeiras possibilita que as organizações criminosas desloquem dinheiro de proveniência ilícita de maneira muito mais fácil, rápida e barata. Pior: com tecnologias de criptografia que incrementam o anonimato dessas transações. No entanto, não será a primeira vez que o Estado tentará controlar as comunicações realizadas no ambiente virtual. Desde o início do uso civil da internet, houve tentativas recorrentes de extinguir a possibilidade de comunicações anônimas no ambiente digital. Durante esse período, os Estados passaram por uma “curva de aprendizagem” acerca dos mais eficientes métodos de controle e monitoração desse sistema. O mais exitoso – e provavelmente o mais abusivo – deles foi revelado em 2013, quando veio a público o sistema de monitoração global empregado por diversas agências de segurança do mundo. A principal foi a agência estadunidense National Security Agency (NSA), que contou com a cooperação de agências de outros países, como França, Polônia, Alemanha, Suécia, Holanda. Juntas, elas interceptaram clandestinamente praticamente todos os dados e metadados dispostos no ambiente digital. Coletaram dados que passavam por cabos subterrâneos de internet. Instalaram clandestinamente instrumentos de interceptação em pontos de afunilamento da rede. Coletaram de maneira oculta informações de empresas privadas. Mapearam a localização, coletaram o internet protocol (IP), interceptaram ligações telefônicas, acessaram as câmeras de aparelhos, coletaram mensagens de textos. Isso não de pessoas relacionadas a crimes e que tiveram seu sigilo afastado, mas de praticamente todos os indivíduos do mundo.11 Esse es-
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BAUMAN, Zygmunt et al. After Snowden: Rethinking the impact of surveillance. International political sociology, 2014. p. 122-123
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quema permitiu, inclusive, a monitoração da presidente do Brasil à época, Dilma Rousseff12, além da coleta de informações da Petrobras13. Segundo Bauman et al., esse evento não foi somente um escândalo a ser esquecido rapidamente, mas uma forma de perceber como o Estado impôs à força novos ideais de privacidade, sigilo das comunicações, presunção de inocência e democracia.14 Diante da evidência de que praticamente todas as comunicações eletrônicas estão sendo interceptadas pelo Estado e coletadas por empresas privadas, surgiu uma nova demanda de proteção no ambiente digital. Os meios que tornam isso possível são a criptografia e o anonimato. A encriptação permite que o conteúdo não seja lido, não obstante a possibilidade de saber o autor da mensagem. Por sua vez, o anonimato impede que o autor seja descoberto. No ambiente digital, uma complementa a outra.15 Esse tema encontra uma relação intrínseca com as criptomoedas e o risco de lavagem de dinheiro. Isso porque todos utilizam a mesma tecnologia que incrementa o anonimato digital – a criptografia –, a qual poderia servir de instrumento para a movimentação de dinheiro ilícito. Por esse motivo, é necessário, antes de relacionar as criptomoedas com o delito de lavagem de dinheiro, compreender adequadamente os fatores que incentivam a busca das pessoas por privacidade e anonimato no ambiente virtual. De antemão, o objetivo é desfazer uma eventual suposição que afirmaria que o único motivo pelo qual um indivíduo buscaria realizar transações de maneira anônima com criptomoedas fosse a prática de crime. Antes disso, o anonimato no ambiente virtual digital é um meio de defesa contra abusos realizados pelos Estado e por empresas privadas. Primeiro, é necessário compreender alguns detalhes sobre criptografia que auxiliaram o desenvolvimento do raciocínio.
1.1 Criptografia Comunicações privadas no ambiente digital somente são possíveis devido à criptografia. Com ela, é possível assegurar que determinada informação ou mensagem enviada pela rede não seja acessível a terceiros. Ela não garante que a informação não possa ser eventualmente interceptada por alguém em sua tra-
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G1. Edward Snowden cita grampo de Dilma no Twitter. G1, 2016. BBC. EUA espionaram Petrobras, dizem papeis vazados por Snowden. BBC, 2013. BAUMAN, Zygmunt et al. Op. cit. p. 125-126. FROOMKIN, A. Michael. Lessons learned too well: Anonymity in a time of surveillance. Ariz. L. Rev., 2017. p. 97-100.
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jetória, mas assegura que, caso isso ocorra, o interceptador nunca conseguirá acessá-la. As técnicas de encriptação são o meio capaz de assegurar essa condição. Encriptação é o processo pelo qual determinada informação é modificada de maneira aleatória e incompreensível. O padrão utilizado para realizar essa transformação funciona como uma senha para acessar o conteúdo. Com ela, é possível fazer a informação retornar ao estado anterior. Ou seja, descriptografar a mensagem. Esse padrão recebe o nome de “chave”.16 Ao contrário de uma senha convencional, a chave não permite acessar diretamente a informação. A “chave” serve para instruir um algoritmo a transformar a informação de uma maneira específica. Sem essa “chave”, a informação é, em tese, inacessível.17 Em tese, pois, decorrente da criptografia, surgiu outra ciência, esta dedicada a – essencialmente – descobrir as chaves criptográficas de mensagens interceptadas. É o ramo da criptoanálise, que ganhou popularidade durante períodos de guerra. Os especialistas nessa área buscam desvendar os padrões utilizados para criptografar mensagens enviadas pelos inimigos. Com a possibilidade de criptoanalistas descriptografarem informações interceptadas, surgem conceitos como criptografia “forte” e “fraca”. Em verdade, a força da criptografia é mensurada pelo tempo que um processador de informações levaria para descriptografar uma mensagem. Poderiam ser cinco minutos, ou até mesmo alguns milhares de anos. Nesse caso, afirma-se que a criptografia é forte o bastante para ser considerada impossível de ser quebrada. A criptografia serve para três propósitos: a) garantir a segurança e a privacidade da informação, visto que uma informação criptografada somente poderá ser acessada pela pessoa que tem sua chave de acesso; b) garantir que há precisão nas informações transmitidas, assegurando que elas não tenham sido alteradas durante sua trajetória; c) garantir a autenticidade da informação, visto que, com o uso dessa técnica, é possível assegurar que determinada mensagem foi redigida exatamente pelo seu autor, o que impede cópias falsas.18 A criptografia é uma ciência bastante antiga, com mais de 4.000 anos de existência. Entretanto, sua evolução mais significativa ocorreu em 1976, quando se inventou um novo método de uso: a criptografia de chave pública (ou de chave assimétrica). Até essa data, existia um único método de uso da criptografia: aquela de chave privada (ou de chave simétrica). Nessa hipótese, duas pessoas comparti16 17 18
RUSSELL, Deborah. GANGEMI, G. T. Encryption. In: Building in big brother: the cryptographic policy debate. 1995. p. 10-11. Ibidem. p. 14. Ibidem. p. 16.