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José Calvo González Copyright© 2019 by José Calvo González Editor Responsável: Aline Gostinski Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO: Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis López Guerra

Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

CRIMINOLOGIA VISUAL: SELOS POSTAIS COMO ARTEFATOS IMAGÉTICOS DE ACULTURAÇÃO IDEOLÓGICO-JURÍDICA

Owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

Tomás S. Vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

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Calvo González, José Criminologia visual : [livro eletrônico] selos postais como artefatos imagéticos de aculturação ideológicojurídica / José Calvo González ; Tradução de Tamara Flores e Augusto Jobim do Amaral. – 1.ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. – (Série Ciências Criminais) 10 Mb ; Ebook ISBN: 978-85-9477-290-9 1. Ciências criminais. 2. Cultura visual. 3. Filatelia. I. Título. II Série.

CDU: 343.97

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch. Av. Embaixador Abelardo Bueno, 1 - Barra da Tijuca Dimension Office & Park, Ed. Lagoa 1, Salas 510D, 511D, 512D, 513D Rio de Janeiro - RJ CEP: 22775-040 www.tirant.com/br - editora@tirant.com.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Coordenadores

Augusto Jobim do Amaral Clarice Beatriz Sohngen Ricardo Jacobsen Gloeckner Tradução de Tamara Flores e Augusto Jobim do Amaral


APRESENTAÇÃO DA SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS Indescritível a honra de podermos disponibilizar ao público, com o apoio da Editora Tirant Lo Blanch, um espaço singular para as ciências criminais. Uma Série disposta sobre um campo de saber interdisciplinar por excelência, politicamente enraizado, e que concerne à responsabilidade de encontros frutíferos para a decisão sempre urgente de transformar a crise em crítica. A condição atual de normalização da barbárie punitiva historicamente fixada e seus permanentes e violentos desdobramentos necessitam de um pensamento agudo que tenha primordialmente a responsabilidade de questionar este estado de crise. Diante de tamanha relevância temática, abre-se um espaço para investigação interdisciplinar crítica que represente uma ruptura aos esquemas legitimantes postos pelos discursos tradicionais e que demonstre empenho na desconstrução do caldo cultural difuso notadamente com traços autoritários. As inúmeras dinâmicas em matéria de violência punitiva – respaldadas por práticas ardilosamente racionalizadas jurídica e politicamente – em algum sentido, indicam uma biopolítica preocupada com uma governabilidade forjada por narrativas de exclusão/morte e funcionalizada pelas rotinas penais. Às pulsões totalizantes de um poder punitivo, aos afetos de medo que o monopoliza, bem como às suas técnicas securitárias em escala global, requer-se um enfrentamento que não pode se furtar ao aporte interdisciplinar. Assim, para interrogar as tendências e contornos de uma cultura punitiva e estarmos à altura de tempos urgentes, é que as ciências criminais devem fundar seu limiar radicalmente. Afinal, mais diretamente, o que haveria de decisivamente contemporâneo e radical senão o profundamente im-possível e necessário traço de con-vocação


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ética que a “questão criminal” possa se debruçar? Na fragilidade densa da resistência contra os blocos maciços de sentidos e racionalidades bem pensantes, diante das tendências justificantes da imposição violenta de supostos fins “justos”, talvez reste ainda pulsares, como instantes outros que excedam toda de presença ensimesmada. Para tanto, como desafio ímpar, a Série Ciências Criminais foi pensada como abertura fértil a uma qualificada resistência na seara do conhecimento pasteurizado sempre pronto a colonizar o saber nas ciências criminais. Prima-se por garantir o acesso a obras fundamentais nas mais diversas dimensões dos debates relativos à naturalização da violência punitiva. Baseada nesta premissa, a Série possui linhas editoriais plurais. Sua primeira direção tem como princípio fundamental ser um canal de acesso às atuais problematizações nos assuntos de interesse às ciências criminais em ampla escala, no Brasil e no exterior. De um lado, aproximar pesquisas no âmbito nacional, dispondo interfaces entre suas produções e experiências, por outro, construir traduções e possibilitar o diálogo, pontes profícuas a privilegiar a diferença. Permitir que se desenhe o caleidoscópio brasileiro neste campo, juntamente com suas aproximações e distensões ao pensamento alienígena, é contribuir para o encontro com sua própria singularidade e a possibilidade de fazermo-nos outros a nós mesmos. Uma segunda vertente possui acento na reedição de obras clássicas do pensamento das ciências criminais. A dificuldade em se encontrar obras esgotadas, vindas do Brasil e do exterior, que ainda hoje são merecedoras de atenção crítica, encontra-se na base desta linha preocupada com a genealogia do pensamento crítico nas ciências criminais. Emergências estas que, quiçá, acabaram se desviando das principais trajetórias editoriais, habitando injustificável espaço restrito às discussões de pós-graduação, ou um número pequeno de leitores. Nas frestas de uma memória reverberam outros futuros possíveis. Revigorar o debate científico nas ciências criminais

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certamente passa por aí. Por fim, uma terceira linha a ser contemplada na presente Série cuida de apresentar ao público brasileiro jovens pesquisadores, com obras de vanguarda que procuram oxigenar a atmosfera neste campo. Muitas vezes, o mercado editorial se encontra fechado para autores iniciantes e a tarefa desta linha é a de ajudar que o público tenha acesso a um rico material, represado em virtude da conjuntura do mercado editorial brasileiro. Portanto, em tempos sombrios de naturalização da violência, sobretudo dos dispositivos de punição, em que o embrutecimento do pensamento toma protagonismo, orientado pelos auspícios neoliberais, a urgência radical de alguma inteligência disposta a enfrentar a burrice do fanatismo mobilizado pelos fascismos como modo de vida atrofiado pelo terror se impõe. O vazio reflexivo ganha eco, matraqueado pelo senso comum que, em matéria penal, concretamente, não apenas franquia a morte em escala industrial operada pelo sistema penal, mas forja uma expansiva e permanente tecnologia de governo hábil à eliminação da diferença. Responsabilidade diante este estado de coisas é mais que mera questão de engajamento e luta, atualmente trata-se de ponto nevrálgico de sobre-vivência. Porto Alegre, maio de 2017.

Augusto Jobim do Amaral Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS Pós-Doutor em Filosofia Política pela Università Degli Studi di Padova/ITA Pós-Doutor em Filosofia do Direito pela Universidad de Málaga/ESP Doutor em Altos Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra/POR


SUMÁRIO PRÓLOGO - André Karam Trindade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 PREFÁCIO - Augusto Jobim do Amaral CRIMINOLOGIA COMO CRÍTICA DO VISÍVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 APRESENTAÇÃO - José Calvo González EM CELEBRAÇÃO AO JURISTA QUE OLHA IMAGENS . . . . . . . . . . . . . 19 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 CAPÍTULO 1 CULTURA VISUAL E CRIMINOLOGIA: ANTECEDENTES . . . . . . . . . . . 31 CAPÍTULO 2 CULTURA VISUAL DO DIREITO E FILATELIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 CAPÍTULO 3 SELOS POSTAIS: IMAGÉTICA E IDEOLOGIA JURÍDICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 CAPÍTULO 4 FILATELIA E CONTROLE SOCIAL: VISÕES CRIMINOLÓGICAS SOBRE A DROGADIÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 ANEXO I SELOS POSTAIS SOBRE O ABUSO E TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS . 69 CAPÍTULO 5 CRIMINOLOGIA CRÍTICA E FILATELIA IDEOLÓGICA: SOBRE AS FORÇAS E ÓRGÃOS DE SEGURANÇA DO ESTADO . . . . . . . . . . . . 127 ANEXO II SELOS POSTAIS SOBRE AS FORÇAS E ÓRGÃOS DE SEGURANÇA DO ESTADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 CAPÍTULO 6 FRANQUEIO AO DESTINO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173


PRÓLOGO José Calvo González é conhecido – e reconhecido – mundo à fora por sua produção teórica no campo dos estudos e pesquisas em Direito e Literatura. Ele é o grande expoente desse movimento nos países ibero-americanos. Mas não só. Um de seus principais traços, além da erudição, é a enorme capacidade investigadora que lhe permite encontrar o Direito onde, aparentemente, ele não existe. Autor de importantes livros, capítulos e artigos, publicados na Europa e na América Latina, com destaque para o Brasil – onde participa, anualmente, de atividades acadêmicas regulares promovidas pela Rede Brasileira Direito e Literatura (RDL) – , Calvo González foi agraciado com a Cruz San Raimundo de Peñafort, condecoração outorgada pelo Ministério da Justiça da Espanha aos juristas de maior envergadura, e, mais recentemente, recebeu o título de Doctor Honoris Causa pela Universidad Ricardo Palma, no Perú. Com seu espírito crítico e combativo, ele coordena uma série de atividades junto à Cátedra Abierta Derecho y Literatura, vinculada à Universidad de Málaga, onde leciona desde 1980, oferecendo seminários permanentes dirigidos à construção daquilo que denomina Cultura Literária do Direito. Trata-se, certamente, de um dos grandes juristas do século XXI e, acima de tudo, um humanista, para quem o Direito jamais pode desconectar-se da vida. Afinal, para ele, há muito mais vida em um romance do que em uma norma jurídica. Lamentavelmente, a vida fugiu do Direito; ou talvez o Direito tenha fugido da vida. De todo modo, a literatura é uma via que possibilita restituir o mundo da vida, em toda a sua amplitude e profundidade,


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à esfera jurídica. Neste livro, “Criminologia Visual”, Calvo González propõe uma reflexão sobre a pictorial turn investindo na análise sutil através dos selos postais. Isso mesmo. Os selos postais constituem artefatos imagéticos de inculturação ideológico-jurídica. Apesar de objetos relativamente simples, seu consumo é capaz de revelar uma inconsciente e até mesmo involuntária habitualidade em relação a determinados valores jurídicos. Com isso, os selos postais favorecem uma eficaz e ativa produção de sentido no âmbito do controle coletivo da experiência educativa no sistema jurídico e social. Sua premissa, na verdade, é que existe vasto material no campo do giro visual, e a partir dele é possível analisar a receptividade da Criminologia. Isso porque, como se sabe, a relação imagem-palavra exsurge de maneira muito particular desde o nascimento da Criminologia, uma vez que o fenômeno do crime pode ser explorado sob múltiplas dimensões. Esse resgate é um dos objetivos do livro. Como se vê, Calvo González já transitava pela semiótica, educação, filosofia, linguagem, história, cinema, artes, música, iconografia, fotografia e arquitetura; agora, lança-se em um novo campo: a Filatelia. Neste trabalho inédito, ele investe, criativamente, na Cultura Visual do Direito, inaugurando uma abordagem até então inédita entre nós, ilustrada por aproximadamente duzentos imagens de selos. Por essa, razão, o livro é também uma obra de arte e, assim, serve de inspiração para os juristas repensarem o modo como desempenham suas atividades. Rio de Janeiro, julho de 2018. Prof. Dr. André Karam Trindade Presidente da Rede Brasileira Direito e Literatura

PREFÁCIO

CRIMINOLOGIA COMO CRÍTICA DO VISÍVEL: Tomando posição quando as imagens queimam – a propósito das lições de José Calvo González

Augusto Jobim do Amaral

“Pois a imagem é outra coisa além de um simples corte praticado no mundo dos aspectos visíveis. É uma impressão, um rastro, uma cauda visual do tempo que ela quis tocar, mas também de tempos suplementares – fatalmente anacrônicos, heterogêneos entre si – que, como arte da memória, não pode deixar de aglutinar. É a cinza de várias fogueiras misturadas mais ou menos quente. Neste aspecto, então, a imagem queima. Ela queima pelo real de que ela mesma, em um momento, se aproximou. (...) Ela queima pelo desejo que a anima, pela intencionalidade que a estrutura, pela enunciação, até mesmo pela urgência que manifesta (...). Ela queima pela destruição, pelo incêndio que esteve prestes a pulverizá-la, do qual escapou e, consequentemente, é capaz hoje de oferecer arquivo e a possível imaginação. Queima pela luz, ou seja, pela possibilidade visual aberta por seu próprio consumo: verdade valiosa, porém passageira, visto que está destinada a se apagar (...). Ela queima pela dor da qual procede e que oferece a quem dedique seu tempo para se afeiçoar a ela. Enfim, a imagem queima pela memória, ou seja, que ela queima ainda, ainda que só seja cinza: um jeito de expressar sua vocação essencial para a sobrevivência, para o apesar de tudo. Mas, para sabê-lo, para senti-lo, é preciso ousar, é preciso aproximar o rosto da cinza.” Georges Didi-Huberman


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Não serão poucos os trabalhos que, também em criminologia, procuraram mergulhar na questão das imagens. Se hoje o sentido visual atravessa e escorre praticamente todas as dimensões de nossa sociedade, sempre restará algo a interrogar sobre o que, de fato, pode significar imagem na condição contemporânea. A lógica frenética da velocidade, do instantaneísmo imagético que nos abate modificando as dimensões de tempo e espaço tradicionais1, quando não aniquilando nossa capacidade de abstração e crítica; as tecnologias digitais que nos conduzem quase que à correspondência entre realidade e ficção, através de uma espécie de “mediascape”2, trazem um cenário profundamente complexo em que tais linhas se borram e, sobretudo, misturam-se ao mundo das mercadorias. O campo criminológico, neste sentido, sempre procurou apurar sua análise, em especial no sentido de identificar o que David Freedberg chamou de “o poder das imagens”, ou seja, a efetividade, a eficácia e a vitalidade das próprias imagens (real ou imputada) – não apenas considerando a conduta e manifestações dos expectadores, mas além, estudar tanto aquilo que as imagens parecem fazer quanto o que se espera que estas formas façam.3 Foi ressaltando a importância da imagem para a criminologia que, destacadamente, Hayward e Presdee pretenderam oferecer à chamada “criminologia cultural” uma nova orientação metodológica em busca de um “visual” capaz de abranger sentido, afeto, situação, poder simbólico, eficácia e espetáculo em um mesmo “frame”.4 Não que antes inexistisse tal pretensão, mesmo no próprio grupo, de uma “visual criminology”, já atenta à mera importação das imagens para uma disciplina definida5 e, sobre1. 2. 3. 4. 5.

VIRILIO, P. A Inércia Polar. Lisboa: Don Quixote, 1993; O Espaço Crítico e as Perspectivas do Tempo Real. Tradução Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993 e Velocidade e Política. Tradução de Celso M. Paciornik. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. APPADURAI, A. Dimensões Culturais da Globalização: a modernidade sem peias. Tradução de Telma Costa. Lisboa: Teorema, 2004, p. 53-4. FREEDBERG, D. El Poder de las Imágenes. Traducción Purificación Jiménez y Jerónima Bonafé. Madrid: Cátedra, 1992, p. 14. HAYWARD, K. J.; PRESDEE, M.. Framing Crime: Cultural Criminology and the Image. New York: Routledge, 2010, p. 16. FERREL, J.; HAYWARD, K.; YOUNG, J.. Cultural Criminology: an invitation. London: SAGE, 2008, p. 184-8.

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maneira, refratária à limitação associada ao binômio tradicional crime e mídia. Entretanto, se a posição ascendente da imagem/visual na cultura contemporânea é evidente, devemos levar a sério o alerta levantado por esta mesma criminologia que pretende estudar não apenas a simples imagem (se é que se pode concebê-la assim), mas seus processos de produção, reprodução, enquadramento e interpretação – em resumo, o instante do “framing” como momento esculpido – e enfrentar, além disso, o desafio da necessária transformação filosófica dos fundamentos da criminologia.6

* Num mundo em que o poder é cada vez mais exercido através de processos mediados/mediatizados de produção visual, qualquer foco criminológico parece demasiadamente restrito quando não indaga a própria imagem, para além de um mero suporte organizativo de um passado ou como moldura de nossas experiências.7 Falar de imagens, principalmente em termos criminológicos, de início, é percebê-las como “marcos de guerra”, sobretudo como testemunho da violência perpetrada pelo exercício do poder punitivo. Para isso, antes de tudo, devemos lembrar a riqueza que a expressão “to be framed” comporta e aquilo que o verbo pode nos informar: por exemplo, tanto um quadro pode estar “emoldurado” quanto alguém pode ser falsamente acusado pela polícia – ambos estarão “framed”. Isso significa, guiado por Butler8, que estar “framed” é ser objeto de uma artimanha, engano, cujo marco guia implicitamente a interpretação. Toda imagem é, portanto, sempre enquadrada, recortada, focada. 6.

7. 8.

Direção apontada literalmente por HAYWARD, K. J.; PRESDEE, M.. Framing Crime: Cultural Criminology and the Image. New York: Routledge, 2010, p. 16. No sentido de inscrever a criminologia como crítica radical da violência desde a transformação filosófica dos seus fundamentos, cf. o nosso “Criminologia como desconstrução – Talvez” in: Revista de Derecho Penal y Criminología, año VII, nº 9, octubre 2017, pp. 249-260. Neste sentido restrito, GOFFMAN, E.. Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience. With a foreword by Benett Berger. Boston: Northeastern University Press, 1974, p. 13-6. BUTLER, J. Frames of War: When Is Life Grievable. London/New York: Verso, 2009, pp. 08-9.


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Todavia o desafio, diante da imagem, estará em perceber que há sempre o movimento para além deste confinamento, uma espécie de evasão de rompimento perpétuo. O marco (“frame”) – que pretende conter, veicular, orientar, determinar ou focar o que se vê – entranha uma estranha e constante ruptura, pois pressupõe que nem tudo nele cabe. Desenquadrar a imagem, desemoldurar o marco, fazer possível a experiência do que excede a imagem, trazendo aquilo que de fato perturbará o sentido conformado de realidade estabelecida por ela, isso sim certamente implica uma instância altamente reflexiva do campo visual. Se pudéssemos dizer em termos simples, seria demonstrar que qualquer marco visual aposto nas imagens nunca inclui realmente o cenário que supunha desejar descrever. Portanto, a ambição de qualquer exercício de “framing crime” para a construção de uma “criminologia visual” deverá antes ter em conta estas questões candentes que atravessam a imagem. Didi-Huberman, ao pensar as imagens como referimos, na esteira de Benjamin e Aby Warburg, dirá que “l´image brûle”.9 O esforço para “não imobilizar as imagens” não será apenas aquele de dotá-las de movimento – passar da análise de um índice estático (por exemplo, fotográfico) para seu incremento tecnológico através da dinâmica imagética de vídeos, filmes etc., que, de toda forma, não avançam senão para uma mera reprodução funcional e acelerada de imitação de fatos que futilmente tentam representar uma verdade10 – tal capacidade de fugir ao estático passa por tornar sensível um fugaz fragmento da história. A imagem, como escreve este filósofo da arte, é uma “borboleta viva”11, e tal como o entomologista que mata sua borboleta para observá-la, ao mesmo tempo amortecendo seu olhar, também poderá fazê-lo qualquer outro que se puser a congelar 9. DIDI-HUBERMAN, G. A imagem queima. Tradução de Helano Ribeiro. Curitiba: Medusa, 2018, p. 25 10. DIDI-HUBERMAN, G. “Imitation, représentation, fonction. Remarques sur um mythe épistémologique”. In: BASCHET, J.; SCHMIDT, J.. L´image. Fonctions et usages des images dans l´Occident médiével. Paris: Le Léopard d´Or, 1996, pp. 59-86. 11. Cf. DIDI-HUBERMAN, G. Falenas. Ensaios sobre a aparição. Tradução A. Preto et. al.. Lisboa: KKYM, 2015.

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seu objeto para resolvê-lo como enigma dentro de uma infalível hermenêutica. Em especial o criminólogo, não raro acostumado a esvaziar sua visão e mergulhar na vertigem de uma “datafied criminology” reduzida a regimes numéricos de baixíssima intensidade imaginativa e reduzidíssimo impacto crítico. Nesta seara, a questão visual pressupõe, mais que uma abordagem estética, a passagem para o questionamento ético em si e seu correlato posicionamento político. Assim, uma criminologia que pretenda se orientar num mundo onde talvez como nunca as imagens tenham se imposto tanto, precisa questionar primeiro a que tipo de conhecimento elas podem dar lugar. Daí, “não podemos mais, então, falar de imagens sem falar de cinzas.”12 Estamos assim diante de vestígios, de inscrição de desejos e, sobretudo, de temores, não apenas daquilo que passou, mas daquilo que da memória se faz experiência como documento cultural. Esta criminologia, ao colocar seu olhar sobre qualquer imagem, a terá como registro documental da barbárie da cultura, sempre disposta a pensar as condições que impediram sua destruição. Imagens como memória que se deixam apenas interpretar como sintomas. Walter Benjamim escreveu que a verdade “não se manifesta no desvelamento e sim num processo que pode ser caracterizado metaforicamente como um incêndio, no qual o invólucro do objeto, ao penetrar na esfera das ideias, consome-se em chamas, uma destruição, pelo fogo, da obra, durante a qual sua forma atinge o ponto mais alto de sua intensidade luminosa”.13 Eis a questão incendiária. Exatamente por serem anacrônicas ao presente, por mais instantâneas que sejam, ainda restará às imagens uma radical interrogação entre a história e a memória. Sua verdade, se é que assim se pode dizer, como escreve Deleuze, estará em sua complexa expressão de ser capaz de fazer sensíveis as relações temporais irredutíveis ao presente.14 Disso que não se 12. DIDI-HUBERMAN, G. A imagem queima, p. 33. 13. BENJAMIN, W. Origem do Drama Barroco Alemão. Tradução, apresentação e notas: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984, pp. 53-4. 14. Na entrevista aos Cahiers Du Cinéma de 1986, por ocasião da publicação do “Cinema 2:


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sabe diretamente (sintoma) é que se pode extrair algo decisivo, daí a força das imagens para o conhecimento.15 Os rastros daquilo que sobreviveu reconhecidos nas imagens, se levado a sério que são pó e cinzas da experiência, são inclassificáveis. Mas isto apenas aumenta a responsabilidade profunda do artista, historiador, criminólogo, jurista etc. em fazer visível a tragédia na cultura inseparável de sua memória, noutros temos, “ver nas imagens onde se sofre”16. Próximo, assim, estaríamos de fato da arte benjaminiana de escovar a realidade a contrapelo, de uma postura inflamável, urgente, de, a todo instante, tentar arrancar a tradição do conformismo sempre pronto a apoderar-se dela.17 Assim, saber olhar a imagem, em termos criminológicos, não requer meramente tê-la como um objeto metodologicamente ordenável, trata-se de “discernir onde ela queima”, ou seja, ter a criatividade de romper o limite da representação que a imagem tenta consolidar e injetar uma crise inquieta na sua beleza eventual. Em sua “Pequena história da fotografia”, Benjamin, falando de Atget, respondia a esta nova capacidade como “demascarar a realidade”.18 Uma imagem bem olhada, longe dos clichês visuais, é aquela capaz de desconcertar e renovar o pensamento. O traço visual contido na imagem é expressão de uma centelha do tempo que agora se coloca. Como numa espécie de “inconsciente ótico”, as imagens conduzem o chamuscado que a realidade lhes impôs.19 Em épocas que a informação visual tende à naturalização

15. 16. 17.

18. 19.

A imagem-tempo”, Deleuze refere que: “A própria imagem é um conjunto de relações de tempo do qual o presente somente deriva (...). A imagem faz sensível, visível, as relações de tempo irredutíveis ao presente.” DELEUZE, G. “Le cerveau, c´est l´écran”. In: Deux Régimes de fous. Texts et entretiens, 1975-1995. Éd. Lapoujade. Paris: Minuit, 2003, p. 270. DIDI-HUBERMAN, G. A imagem queima, p. 46. DIDI-HUBERMAN, G. A imagem queima, p. 46. Ecos das teses de Walter Benjamin “Sobre o conceito de história”, em especial as teses VI e VII. Cf. Obras Escolhidas. Vol. 1: Magia e Técnica, Arte e Política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995, pp. 224-5. Ademais, cf. SOUZA, Ricardo Timm de Souza. Ética como fundamento II: Pequeno tratado de ética radical. Caxias do Sul: EDUCS, 2016, pp. 77-90. BENJAMIN, W. “Pequena história da fotografia”. In: Obras Escolhidas. Vol. 1: Magia e Técnica, Arte e Política, p. 100. BENJAMIN, W. “Pequena história da fotografia”, p. 94.

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das imagens de barbárie e de violência, seja pela indução à cegueira camuflando sua destruição seja pelo excesso desenfreado que as transforma em vazios clichês, saber olhar as imagens é tarefa árdua. A começar pela implicação que o olhar supõe. Implicação requer a compreensão de ser tocado pela imagem. Assumir que, a partir desta cisão inelutável do olhar, a imagem, de fato, também nos olha.20 Olhar, que não é simplesmente ver, mas que supõe afeto – para ser mais preciso e-moção. Postura e movimento que consistem em nos pôr para fora de nós mesmos, gesto que atravessa ao mesmo tempo exterior e interior. Dirá Didi-Huberman sobre a emoção: “ela age sobre mim mas, ao mesmo tempo, está além de mim. Ela está em mim, mas fora de mim.”21 Talvez aí esteja o uso ético das emoções e das próprias imagens que podem tocá-las. Olhar a imagem implicará a “emoção [que] não diz ´eu´”.22 Este é a trama da experiência que olhar a imagem importa. E se as imagens são cinzas de rastros como dissemos, aspectos impressos de um tempo que nos quis tocar, fatalmente um olhar criminológico precisará ousar, para além de um raquítico olhar focado, e saber sentir a memória da violência perpetrada e naturalizada no rol do poder punitivo, através da dor que daí procede, como força de sobrevivência apesar de tudo. Ver as imagens sob este gesto é tocar as coisas de maneira singular. Antes de operar uma tentativa policial de extrair algum sentido próprio ou original, procura comparar aquilo que vemos no presente como fragmento que sobreviveu ou está exposto diante daquilo que sabemos ter desaparecido. Portanto, o desafio 20. Cf. DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, pp. 29-36. 21. DIDI-HUBERMAN, G. Que emoção! Que emoção? Tradução Cecília Ciscato. São Paulo: Ed. 34, p. 26. 22. Expressão de Deleuze, em entrevista a Hervé Guibert de 1981 ao Le Monde, por ocasião da publicação de “Francis Bacon, lógica da sensação”: “A emoção não diz ´eu´. (...) A emoção não é da ordem do eu, mas do acontecimento. É muito difícil apreender um acontecimento, mas não acredito que essa apreensão implique a primeira pessoa. Antes seria preciso recorrer à terceira pessoa, como Maurice Blanchot, que diz haver mais intensidade na proposição “ele sofre” do que em “eu sofro”. DELEUZE, G. “La peinture enflamme l´écriture”. In: Deux Régimes de fous. Texts et entretiens, 19751995. Éd. Lapoujade. Paris: Minuit, 2003, p. 172.


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estará em transformar este esforço de uma arqueologia de vestígios em trabalho de resistência criminológico. As imagens aparecerão assim como “cascas da história”23, onde não se produzirá apenas um inventário de objetos acumulados ou técnicas de abordagem, mas serão percebidas como arte da memória, ou seja, toques para uma anamnese do presente. Como escreveu Benjamin24, este é uma atividade longe de qualquer sobriedade caricatural, mas que interroga inquietantemente as camadas de tempo do próprio presente. Isto implica, mais que um trabalho de escavação para revolver o passado, uma verdadeira recordação que acaba por apontar os estratos de tempo soterrados que teve que se passar antes, o que acaba também por “dar ao mesmo tempo uma imagem daquele que recorda” – retrato do esforço político de engajamento com o que do passado pela superfície da imagem se exprime, expressão de vida não apenas desta aparição, mas daquele que recorda ética e politicamente daquilo que lhe toca. Em termos criminológicos, principalmente, este trabalho é imenso. Não apenas porque os clichês e as inclinações reducionistas nos acometem com frequência quando se analisam as diversas plataformas imagéticas – seja pelos determinismos explicativos quando se pensam as imagens de forma unilateral seja pela nova especularização do sofrimento que acaba por vinculá-las como meros produtos culturais (inclusive de capital acadêmico) –, mas porque a abissal violência exercida pelo poder punitivo, para ser vista como consistente, tendencialmente parece que deve ser tida como reserva de exclusividade ou como privilégio, frequente em discursos de vitimização. Bem ao contrário, a necessidade política de irresignação e sua força de potência subversiva, a nosso ver, consiste em “fazer da dor, e, logo, da história e das emoções que a acompanham, nossos bens comuns: nossos objetos de pensamento para a troca, e não nossa reserva de caça.”25 A atenção e desconfiança ao poder punitivo 23. DIDI-HUBERMAN, G. Cascas. Tradução de André Telles; inclui entrevista do autor a Ilana Feldman. São Paulo: Editora 34, 2017, pp. 66-7. 24. BENJAMIN, W. “Escavar e Recordar”. In: Imagens de Pensamento. Edição e Tradução de João Barrento. Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 219-220. 25. DIDI-HUBERMAN, G. Cascas, p. 95 (Entrevista do autor a Ilana Feldman).

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passa por vê-lo como dispositivo que canaliza dores, histórias e emoções como reserva de caça.

* Por estes rastros do in-visível que tomamos posição. Em razão disso, portanto, é que preferimos antes de falar numa “criminologia visual” ou algo que o valha, que haja a imperativa problematização da noção filosófica da visibilidade. O visível é exatamente este lugar de oposição entre o sensível e o inteligível, e antes de nos atiramos, como de regra, no exame privilegiado do óptico é necessário um deslocamento que traga a criminologia para o espaço de crítica do visível. Tal como Derrida propôs problematizar as artes do visível no lugar da tradicional aproximação às artes visuais pelo movimento do rastro, com esta inflexão, o tom radicalmente se transforma. Talvez não exista forma mais explícita que aflore nosso “logocentrismo”, nosso privilégio do logos e a autoridade da teoria (theorein é olhar),26 que naqueles espaços de reflexão sobre as artes visuais, em qualquer dimensão disciplinar que se ponha. Todas elas, de modo mais ou menos intenso, tem seu idioma colonizado pelo sentido dado pelo visual. Haveria como não ser assim? Existiria um espaço de inscrição outro que desestabilizasse a visibilidade que suporta qualquer ordem visual? Se antes o problema que levantamos estava disposto desde a fragilidade que qualquer foco visual conduz e da exclusão que suporta, cabe ainda dizê-lo de modo diverso. Instante pelo qual a questão incendiária não se põe apenas sobre a capacidade técnica ou a propriedade metodológica de abrir mais ou menos as 26. “O valor de fenômeno (phainesthai) é o que brilha, o que se vê, trata-se ainda de um privilégio do visível. O valor de evidência, o valor da clareza, até mesmo o valor da verdade, a aletheia ou o desvelamento, é a não dissimulação, o que se mostra e que estava escondido, é o desocultado, o desmascarado: e esse valor de visibilidade continua a dominar a história do pensamento.” DERRIDA, J. “Pensar em não ver”. In: Pensar em não ver: Escritos sobre as artes do visível (1979-2004). Organização Ginette Michaud, Joana Masó, Javier Bassas; tradução Marcelo Jacques de Moraes; revisão técnica João Camillo Penna. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012, p. 83. Ademais, cf. DERRIDA, J. Gramatologia. Tradução de Miriam Schnaiderman e Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1973.


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lentes na qual se examinam as imagens, entretanto é sumamente importante interrogar não somente os contornos do visual, mas diretamente o privilégio do visível. Criminologia menos visual e mais – através das imagens – crítica do visível. Não obstante, poderia haver uma criminologia – assim como qualquer empreendimento intelectual –, diante da condenação do homem contemporâneo à superficialidade expressa pela dimensão de virtualidade cuja essência todos os fatos visíveis aparentemente endossam e uma legião de mentalidades plastificadas se apressam em legitimar, que não fosse “visual”? A pista de Derrida27, para tensionar as artes do visível como “artes espaciais”, parece uma sugestão a ser seguida. Arriscar um pouco também é jogar com estas hierarquias da predominância do olho no pensamento. Dizer “espacial” para Derrida28 permite ligar estas artes a um conjunto geral de ideias de “espaçamento”, pois espaço não necessariamente é aquilo que é visível, e muito menos o invisível é apenas o contrário da visão. Não esqueçamos que as palavras também são imagens, letras que representam uma visibilidade espacial, corpos que sempre podem e devem ser usados para além do discurso e para fazer explodi-lo.29 Tal como o desafio está em fazer explodir a letra para que o não verbal apareça, explodir o visual e o privilégio do visível para que o invisível venha como experiência da cegueira parece ser um chamado valioso. Tentemos explicar de uma maneira melhor. Em que pese tenhamos naturalmente a propensão de ter os olhos como feitos para ver, Derrida ressalta a obviedade abissal de que eles “são feitos também para chorar”, mas não apenas que eles choram,

27. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”. In: Pensar em não ver: Escritos sobre as artes do visível (1979-2004). Organização Ginette Michaud, Joana Masó, Javier Bassas; tradução Marcelo Jacques de Moraes; revisão técnica João Camillo Penna. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012, pp. 63-91. 28. DERRIDA, J. “Cinquant-deux aphorismes pour un avant-propos”. In: Psyché. Inventions de l´autre. Paris: Galilée, pp. 509 ss.. 29. DERRIDA, J. “As artes espaciais: uma entrevista com Jacques Derrida”. In: Pensar em não ver, p. 39.

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como “também que as lágrimas veem”.30 Esta provocação consiste em dispor a funcionalidade do olhar para além do ver e colocar a própria visão em seu limite extremo. Quando se diz que um ponto de vista é apenas a vista sobre um ponto, mais que um jogo de palavras, assume-se o perspectivismo que toda visão do olhar possui. A tomada de posição que toda imagem compõe e que toda visão informa já importa certo interesse, organização, seleção – devedoras tanto ao “enceguecimento quanto à visão”.31 Para ver é preciso negligenciar, ficar cego a todo o resto. Ponto cego é como chamamos este foco de não vidência, mas que organiza o campo da visão. Em suma, o invisível é a condição indispensável a qualquer visibilidade: “o que torna visíveis as coisas visíveis não é visível, dizendo de outro modo, a visibilidade, a possibilidade essencial do visível não é visível.”32 Difícil será, dentro desta crítica do visível que baseia o visual, ajustar o tom na direção de um pensamento “que se vê sem ver e que não se vê ao ver”. Figura espectral, entre o visível e o invisível, que não pré-vê. Que, em todo caso, desloca uma das funções vitais do olho que é “ver vir”33, ou seja, antecipar o que vem, apreender previamente algum perigo, propriedade que se apodera antecipadamente para prevenir. Logo, se visão é apreensão “para ver vir o que vem”, a “experiência do acontecimento” em seu sentido radical torna-se prejudicada. A dignidade do acontecimento só pode vir do outro. Se anteciparmos, precisamente o amortecemos. Para não ser neutralizado, apenas acontece se não o vemos vir, saída imprevisível, surpreendente e inesperada.34 Por isso, não condiz com qualquer horizonte de compreensão ou expectativas antecipáveis. Nesta dimensão, é vertical e somos cegos a ele. Não será de menor importância que Derrida assumirá o desenhista – representante 30. 31. 32. 33. 34.

DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, pp. 66-7. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 73. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 82. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 68-9. DERRIDA, J. “Uma certa possibilidade impossível de dizer o acontecimento”. Tradução de Piero Eyben. In: Revista Cerrados (Revista do Programa de Pos-Graduação em Literatura da UnB), Brasília, Vol. 21, n. 33, 2012, pp. 231-251.


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privilegiado das artes visuais – como testemunha daquele que trabalha com o traço, vê vir, calcula, mas ao mesmo tempo que inventa é de algum modo cego, é surpreendido pelo que trilha sem ver vir, constituindo seu desenho um acontecimento. Como visibilidade, o desenho é uma “mostração do invisível”.35 Portanto, como referimos, indispensável pensar o acontecimento. Inclusive é o que propriamente convida o pensamento, é o que ele em seu movimento também convoca.36 É preciso também ver para conseguir desdobrar essas potências de cegueira; sem nunca esquecer, porém que tal “experiência do traço em si mesma é uma experiência de cego”.37 Quando a experiência, de fato, não for subsumida a um presente vivo (presença presente), e for tida como um genuíno experimentar, algo que atravesse uma viagem (não turismo) sem programação prévia, daí sim acontece algo. Inassimilável, este acontecimento “quer se trate de um quem ou de um quê”38 vem sempre do outro, radicalmente inapropriável e inantecipável. Assim, pode-se perceber o quanto a visão pode restritivamente estar apenas interessada no “visual” presente diante de nós, como um objeto, ou se lidamos com uma in-visibilidade que transborda e excede o presente por alguém ou por alguma coisa. As imagens são esta soleira, oportunidade de leitura para além de um contorno visível – remissão ao outro. Assim, uma crítica à altura do abismo opaco que habitamos, do frenetismo imagético do visual naturalizado, talvez possa ser inscrita desde os espectros que a assombram. Se o poder da determinação da realidade via visão (logos) pode nos sujeitar, sempre restará sermos assombrados e transbordados pela fantasmagoria das imagens. Há sempre tempo que irrompe na realidade: “realidade (é) o que se dá, o que ocorre entre a ideia de realidade e 35. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 82. 36. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 68-9. 37. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 87. Inafastável referência a Memórias de cego: o auto-retrato e outras ruínas. Tradução de Fernanda Bernardo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. 38. DERRIDA, J. “Pensar em não ver”, p. 80.

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sua desaparação.”39 Imagem é uma representação que apenas pode franquear a inconsistência essencial de si mesma através da sua figura. Como vimos, “seu propósito é serem mapas do mundo, mas passam a ser biombos”, dirá Flusser40. E mais do que o alerta sobre a nossa fatídica servidão às imagens, cabe a permanente denúncia à idolatria que dispensa decifrar as cenas contidas nelas e a riqueza dos significados do mundo em função da inversão do mundo pela adoração à imagem. Infeliz aquela criminologia “visual” que se puser a não antever a falência da representação e tiver a pretensão de que as imagens sejam mais do que em realidade são: o déficit temporal que necessariamente significam. Delirante razão idolátrica, como escreve Ricardo Timm de Souza, que, de fato, não percebe nossa precária capacidade objetivante e ignora a genuína oferta que a, a-pesar de tudo, a realidade nos faz: traduzir a “desconjunção dos instantes”41. Quando a crítica do visível, enfim, acolher as “raízes invisíveis da visibilidade”42, transpor a visibilidade para, essencialmente, dar a ver o que a ela é irredutível, talvez algo de radical aconteça: fazer aparecer o invisível de outro modo, irredutível ao visível. Num mundo que o que conta é ser olhado e apenas queremos ver o visível, as imagens teimarão em nos olhar e o segredo de qualquer crítica da visibilidade apenas encontrará espaço como vidência que toque o invisível.

* Inenarrável é a honra em poder contar com uma obra de 39. SOUZA, Ricardo Timm de. “(Dis)Pensar o Ídolo – Responsabilidade Radical no Pensamento Contemporâneo”. In: Ética do Escrever: Kafka, Derrida e Literatura como crítica da violência. Porto Alegre, Zouk, 2018, p. 34. 40. FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: HUCITEC, 1985, pp. 23-24. 41. SOUZA, Ricardo Timm de. “(Dis)Pensar o Ídolo – Responsabilidade Radical no Pensamento Contemporâneo”, p. 38. 42. SOUZA, Ricardo Timm de. “(Dis)Pensar o Ídolo – Responsabilidade Radical no Pensamento Contemporâneo”, p. 40.


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José Calvo González em nossa “Série Ciências Criminais”. Seu tom para uma criminologia visual desde os selos postais, da forma erudita, profunda e bela que é elaborado, apenas poderia ter vindo à tona através de sua pena: um intelectual de enorme envergadura, de intensidade crítica única, multiplicado pelo rigor do filatelista. Depois da espetacular Conferência sobre o tema que marcou não apenas o “8º Congresso Internacional de Ciências Criminais” da PUCRS sobre Criminologia Global em 2017, mas a história do próprio Evento, o mínimo que poderíamos fazer era oportunizar ao público brasileiro o registro deste trabalho de excelência e inédito. Hospitalidade e carinho foram as marcas com que fui recebido em 2017-2018 na Universidad de Málaga (UMA/España), junto à “Cátedra Abierta de Derecho y Literatura” dirigida por ele, para um período de estudos pós-doutorais. Que o instante desta publicação, ainda com a responsabilidade de poder prefaciá-la, ao modo limitado que posso lhe render uma homenagem, possa ser um gesto de gratidão para além das amarras da representação. Restará sempre o que agradecer.

APRESENTAÇÃO

EM CELEBRAÇÃO AO JURISTA QUE OLHA IMAGENS José Calvo González

O sentido da visão é um milagre. Recuperá-lo, quando foi perdido, é-o da mesma forma. Aquele dom prodigioso de curar os cegos – havia um cego sentado à beira da estrada para Jericó...43 – está, de fato, entre os mais extraordinários que são narrados nos Evangelhos. A questão seria, a partir daqui, como alcançar a cura do jurista, cuja exposição permanente – mesmo êxtase – ao espetáculo da Letra da Lei lhe trouxe uma quase total cegueira. Não creio que existam remédios milagrosos, pelo menos não instantâneos, mas estou convencido de que é altamente recomendável que os juristas realizem uma revisão ocular, porque o Direito não é apenas, nem mesmo no primordial, um fenômeno textual. Esta advertência é importante para começar a educar o olhar e saber olhar – onde e o que, eis um exercício mais reflexivo do que apenas ver. Existem numerosas experiências jurídicas ao redor, e mais além, do campo da comunicação normativa, e sua observação requer treinamento e um exercício de aperfeiçoamento. Desenvolvimento de habilidades que são essenciais, além de treinamento equilibrado para melhorar o desempenho. E parece necessário instruir o jurista contemporâneo em disciplinas visuais, porque o presente e o futuro de sua cultura teórica e prática já estão irreversivelmente localizados no novo panóptico derivado do barroco digital. Nesse novo contexto modal de sua formação, o jurista ainda se move, no entanto, tateando, como um homem cego. 43. Marcos, 10: 46-52.


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Não há pior cego do que o jurista que não quer ver. Então, tudo visível torna-se invisível. E também o contrário, converte-se num cego que chega a ver invisível. Em 1927, Stefan Zweig escreveu um pequeno conto intitulado “Die unsichtbare para Sammlung”44 [“A coleção invisível”]. É uma espécie de paradoxo emocional – enquanto terrível – em que um cego vê algo que já desapareceu definitivamente. Zweig oferece nele uma antecipação de “Die Welt von Gestern. Erinnerungen eines Europäers”45 (“O mundo de ontem. Memórias de um europeu” de 1942). Agora, neste momento, o mundo da lei já é ontem. O jurista de hoje, entre a cegueira voluntária e as visões figurativas, vive em um mundo de sombras e quimeras, que muitas vezes o leva a confundir a realidade com o desejo. Não menos assustador, no entanto, é que pode acabar sendo uma realidade a que nos sentimos atraídos, enquanto também a rechazamos. “Todo mundo quer ver as imagens, e ainda assim ninguém quer vê-las”, sublinhou – por 1951 – Ray Bradbury nas páginas iniciais de “The Illustrated Man”46 (“O homem ilustrado”).

Olho no “Elogio de la madrasta”, de Mario Vargas Llosa, e leio: “A princípio, você não me verás nem me entenderás, mas tens que ter paciência e olhar. Com perseverança e sem preconceitos, com liberdade e com desejo, olhar.”47 Seguem a esta linha mais recomendações, algumas sensuais e até voluptuosas. Deter-me na erótica do olhar não é aqui impertinente. Um das miradas mais comprometidas pareceria com a do voyeur. Um olhar furtivo, quiçá dissimulado, encoberto, mas, assim mesmo, atrevido, e às vezes muito ousado. O que revela é um descuido, talvez uma mera negligência acidental; e ele traz à luz e des-oculta. Olhe para o infracotidiano, e também de surpresa. Eu menciono como instrução geral, porque é interessante dar uma olhada, como o observador da tela “Camino a Mendiate 10” (1997), por Fernando Szyszlo (1925-2017), descobre o subreptício regime mítico, às vezes místico e sacrificial escondido sob cores e formas. “A figura geométrica da faixa central, bem no meio da pintura, aquela silhueta plana de paquiderme de três pernas é um altar, um altar ou, se você tem o espírito alérgico ao simbolismo religioso, um cenário teatral.”48

No entanto, o jurista educado em cultura visual deve encontrar a coragem também de olhar para a parte maldita do Direito – a execrável, a infame – e encarar de frente sua visão. Desviar o olhar, não querer ver, é a abordagem mais prejudicial – e perigosa – , tanto vezes confotável ponto de vista participante (“participant point of view”); porque é negar as trevas vivendo nelas, porque equivale a refutar a obscuridade de uma fé descompromissada, daquilo que não é possível não enxergar simplesmente por não ver. 44. Stefan Zweig, La colección invisible. Episodio de la época de la inflación en Alemania, trad. y nota prel. De Alex Weis, Palma de Mallorca (España): José J. de Olañeta, Editor, 2016 [Stefan ZWEIG, Novelas insólitas: Segredo ardente, Confusão de sentimentos, A coleção invisível, Júpiter, Foi ele?, Xadrez, uma novela. Tradução Kristina Michahelles el. al.. Rio de Janeiro: 2012 – N.T.]. 45. Stefan Zweig, El mundo de ayer. Memorias de un europeo, trad. de Joan Fontcuberta y Agata Orzeszek, Barcelona: El Acanticado, 2001 [Stefen Zweig, Autobiografia: o mundo de ontem. Memórias de um europeu. Tradução Tradução Kristina Michahelles. Rio de Janeiro: 2014 – N.T.] 46. Ray Bradbury, El hombre ilustrado, trad. de Francisco Abelenda, Barcelona: Minotauro, 2009, p. 16 [Ray Bradbury, O Homem Ilustrado: contos fantásticos. Tradução Eurico da Costa. Lisboa: Edições Livros do Brasil, 1951 – N.T.].

O olhar do jurista autenticamente livre será aquele capaz de revelar re-presentações subjacentes. O jurista livre procurará até mesmo profanar o ponto cego – punctum cæcum, blinder Fleck no sentido luhmaniano49 – dos sistemas simbólicos do Direito. Nessa competência radica a erótica da olhar jurídico. E os juristas medrosos e temerosos são reconhecidos apenas olhando para eles; usam 47. Mario Vargas Llosa, Elogio de la madrastra, Barcelona: Tusquets Editores, 1988, p. 157 [Mario Vargas Llosa, Elogio da madrasta. Tradução Ari Roitman e Paulina Wacht. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012 – N.T.]. 48. Fernando de Szyszlo, Miradas furtivas. Antología de textos, 1955-2012 (2.ª ed.). Lima: Fondo de Cultura Económica, 2012. 49. Cf. Niklas Luhmann, “¿Cómo se pueden observar estructuras latentes?”, en El ojo del observador. Contribuciones al constructivismo, Paul Watzlawick y Peter Krieg (comps.), trad. de Cristobal Piechocki, Barcelona: Gedisa, 1998, pp. 60 – 72, e “El conocimiento como construcción”, em Niklas Luhmann, Teoría de los sistemas sociales II, Mexico: Universidad Iberoamericana, 1999, pp. 69 – 89. Sobre isto também Luc Ciompi, “Ein blinder Fleck bei Niklas Luhmann? Soziale Wirkungen von Emotionen aus Sicht der fraktalen Affektlogik“, Soziale Systeme 10, 1 (2004), pp. 21-49, e Günter Schulte, Der blinde Fleck in Luhmanns Systemtheoria, Münster: LIT Verlag, 2013.


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vendas nos olhos, como se imitassem uma Justiça cega, embora, na realidade, só se trata de evitar que ela os deslumbre.

(“alethic turn”)50 – implica uma tomada de posição ontológica e hermenêutica.51

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Olhar o invisível que emerge diretamente das imagens visíveis é, certamente, um desafio singular. Requer um olhar incisivo, talvez também irônico. O espectador convencional é um caleidoscópio e, muitas vezes, distrai do fundo, do vazio da imagem que permanece extravagante e de seu próprio artifício. A ironia é uma forma de perspectiva que se aprofunda e se amplia. Saber encontrar o orifício da imagem, ou praticá-la, olhar através dela, em seu palco, que nunca é um reduto vazio, olhar em sua intriga. Naturalmente, aquele que assim olha é exposto a ser visto como um voyeur, ou a ser chamado de conspirador. Mas não será insidioso, mas definição.

Como moedas, selos postais são – como assinala Horst Bredekamp em “Theorie des Bildakts” (2010), ao mover a teoria de austiniana (1955) e searleana (1969) dos atos de fala52 à teoria da imagem – atos icônicos. Resultam de um processo de iconização pelo qual, finalmente, sendo suficientes para si mesmos, produzem certeza jurídica em seu valor de troca.53 Com um olhar posto sobre os ombros de gigantes – como dos historiadores Ernst Kantorowicz (1895-1963) e Eric Hobsbawm (1917-2012) – movimentei-me – desde uma virada pictórica (“pictorial turn”) que devo a W.J.T. Mitchell54 – desde meu ponto de vista pessoal que se concentra no campo das ciências sociais. Desta forma, desenhei uma perspectiva que aproveita o foco criminológico. A proposta de atos pictóricos (“picture acts”) ligados aos bildakts, como este aos speech acts, abre a perspectiva ao selo da condição de ato enunciador e imagem falante. Assim, os selos postais são dados para ver com o efeito – anamorfosis – funcional de

*** Reparar nos selos, com uma visão jurídica não implicada por uma lente convexa, modificando o ponto focal, para corrigir o erro de refração, mirando de modo divergente. Não proponho a visão concentrada de uma lupa, mas a aberta, a panorâmica oferecida pelo observador. E, assim, olhar para o horizonte, que é onde o olhar é esvaziado por uma perspectiva imagética e leva a outras imagens mais distantes. Olhe com outra imaginação, para ampliar os limites imagináveis ​​ou, pelo menos, projetá-los. Porque o jurista, de fato, pode optar por manter um olhar estreito e dogmático (um olhar de Medusa, petrificante), excludente, fixo, abstrato, isolado, retilíneo, ou bem fazer do seu olhar uma construção crítica; isto é, torná-lo extenso, discutível, inclusivo, dinâmico, concreto, interrelacional, curvo. A percepção do jurista que olha imagens pode ser monocular (como a do Polifemo, com apenas um olho no meio da testa) e concêntrica (como a do safisfeito Narciso diante de seu próprio retrato), ou binocular e excêntrica. A escolha de uma das duas percepções – uma visão acertiva ou uma visão alética

50. Cf. David Michel Levin, The Opening of Vision: Nihilism and the Postmodern Situation, London/New York: Routledge, 1988, p. 440, e “Visions of Narcissism: Intersubjectivity and the Reversals of Reflection”, em Merleau-Ponty Vivant, Martin C. Dillon (ed.), Albany: State University of New York Press, 1991, pp. 47-90. Do mesmo mdo, Martin Jay, “The Rise of Hermeneutics and the Crisis of Ocularcentrism”, Poetics Today 9, 2 (‘The Rethoric of Interpretation ans the Interpretation of Rethoric’) (1988), pp. 307-326. 51. Não é menor a repercussão tecnológica e estético-jurídica. Cf. os vários trabalhos reunidos em Law and the Visual: Representations, Technologies, and Critique, Desmond Manderson (ed.), Toronto: University of Toronto Press. Scholarly Publishing Division, 2017. 52. John L. Austin, Cómo hacer cosas con palabras. Palabras y acciones, comp. de James Opie Urmson y trad. de Genaro R. Carrió y Eduardo A. Rabossi, Barcelona: Paidós Ibérica, 1982, [John L. Austin, How to do things with words: The William James Lectures delivered at Harvard University in 1955. Oxford: Clarendon Press, 1962 – N.T.] e John R. Searle, Actos de habla. Un ensayo de Filosofía del lenguaje, trad. de Luis M. Villanueva, Madrid: Cátedra, 1980 [John R. Searle, Speech Acts: an Essay in the Philosophy of Language. London: Cambridge University Press, 1969]. 53. Cf. Horst Bredekamp, Teoría de acto icónico, trad. de Anna Carolina Rudolf Mur y rev. de Jesús Espino Nuño, Madrid, Ediciones Akal, 2017, p. 144. 54. W.J.T. Mitchell, Picture Theory: Essays on Verbal and Visual Representation, Chicago: University of Chicago Press, 1994 (Teoría de la imagen. Ensayos sobre representación verbal y visual, trad. de Yaiza Hernández Velázquez, Madrid: Akal, 2009), e Iconology, Visual Culture and Media Aesthetics, Chicago: University of Chicago Press, 2015.


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imagens duplas. Essa dimensão visual se enraizaria, a meu ver, no conceito de cifra – imagens cifradas – da retórica barroca do emblema55; retórica não imparcial, por seu componente docet56.

*** O convite que me dirigiu o Doutor Augusto Jobim do Amaral, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), para participar do 8º Congresso Internacional de Ciências Criminais/17º Congresso Transdisciplinar de Estudos Criminais do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (!TEC): “Criminologia global”, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (PPGCCrim) da Universidade, nos dias 25-27 outubro 2017, permitiu-me organizar algumas páginas sobre a Cultura visual do Direito e Filatelia e discuti-la com a imagética dos selos postais ordenados sob duas temáticas específicas: “Abuso e tráfico de drogas ilícitas” e “Forças e Órgãos de Segurança Pública”. Minha percepção é que eles podem ser vistos como artefatos de aculturação criminológica cujo sistema de produtividade e reprodutibilidade estabelece actos de narrativa ideológico-jurídica. O selo postal é picture [“imagem”] ou image act [“acto imagético”] com a capacidade de produzir uma narrativa de aculturação ideológico-jurídica no imaginário de controle social sobre crime, segurança, lei e ordem.

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de sentido no infracotidiano. Eu propus, como referi, esse tipo de olhar como uma occasio iuris [“oportunidade jurídica”]. Mas a variedade de tópicos filatélicos, naturalmente, ampliaria o horizonte de análise; direito constitucional, direito eleitoral, profissões jurídicas, tribunais internacionais, instituições educacionais, processos legislativos, comemorações codificadores etc., formam uma lista para outra occasio. Em todo caso, que o jurista ainda permaneça cego a uma realidade social já completamente habitual, daria – haverá ocasião – para muito mais. Não é só que vivemos – como Calvino previu57 – “sob uma chuva ininterrupta de imagens”; cruzamos o presente milênio em um mar de imagens digitais, mas ainda a bordo de barcaças lançadas há dois séculos. Os naufrágios do Direito analógico são assim cada dia mais frequentes. O Direito do barroco digital tem de ser construído em outros estaleiros.

*** O Direito da era digital precisa ser um multiproduto epistemológico. Uma reviravolta metodológica como a mudança de curso que estão produzindo as contribuições da Cultura Literária do Direito e da Cultura Visual do Direito será indispensável para governar a travessia nessa nova experiência jurídica. Málaga, maio de 2018.

*** Direcionar o olhar para esses construtos revela a invisibilidade interior subjacente da vida cotidiana, onde surgem pesos 55. Cf. na sugestiva bibliografía sobre os emblemas os estudos de Peter Goodrich, Legal Emblems and the Art of Law: Obiter Depicta as the Vision of Governance, Cambridge, Cambridge University Press, 2013. Do mesmo modo, Law, Culture and Visual Studies, Anne Wagner and Richard K. Sherwin (eds.), Dordrecht, Heidelberg, New York, London: Springer, 2013 e Genealogies of Legal Vision, Peter Goodrich and Valérie Hayaert New York: Routledge, 2015. 56. Terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo doceō, referindo o autor não apenas ao sentido próprio de “fazer aprender, ensinar” quanto ao sentido figurado de “repetir, ensaiar”, como quem faz uma peça de teatro. Sem esquecer, ainda, que na linguagem retórica, remete ao significado de “instruir” um juiz ou uma plateia, no sentido de “probar” (“probare”). Cf. Dicionário Escolar Latino – Português. Organizado por Ernesto Faria, com a colaboração de Maria Amélia Pontes Vieira et. al.. 3ª ed.. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1962, p. 324 – N.T.

57. Italo Calvino, Seis propuestas para el próximo milenio (1985). trad. Aurora Bernárdez, Madrid: Siruela, 1989, p. 73 [Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 – N.T.].


INTRODUÇÃO

“And let me speak to th’ yet unknowing world How these things came about. So shall you hear Of carnal, bloody, and unnatural acts; Of accidental judgments, casual slaughters; Of deaths put on by cunning and forc’d cause; And, in this upshot, purposes mistook Fall’n on th’ inventors’ heads-all this can I Truly deliver” V. ii 370-378 Shakespeare, Hamlet (1602)58

“As long as I live under the capitalistic system, I expect to have my life influenced by demands of moneyed people. But I will be damned if I propose to be at the beck and call of every itinerant scoundrel who has two cents to invest in a postage stamp. This, sir, is my resignation.” William Faulkner (1924)59 58. William Shakespeare, Hamlet, em The Complete Works, Peter Alexander ed. introd. and glosary, London and Glasgow: Collins [The Tudor edition], 1951, reimp. 1961, V, ii, 370-378. [“E permitas que eu relate ao mundo que ainda desconhece como se sucedem estes acontecimentos, Sabemos assim de sangrentos e aberrantes atos carnais; de juízos providenciais, de assassinato cego; de mortes causadas pela astucia e pela violência, de propósitos falhos que caíram sobre as cabeças de seus artífices. Tudo isto hei de lhes contar fielmente” – N.T.]. 59. Ver Roark Bradford, “The Private World of William Faulkner” [1948], em Conversations with William Faulkner, M. Thomas Inge (ed.), Jackson, Miss.: University Press of Mississippi, 1999, pp. 83-89 [“Enquanto eu viver sob o sistema capitalista, sei que minha vida será influenciada pelas demandas de pessoas endinheiradas. Mas eu estaria danado se eu me colocasse às ordens e à mercê de todo o patife itinerante com dois centavos para investir em um selo postal. Este, senhor, é minha renúncia.” Carta de renúncia ao emprego de administrador da agência dos correios da Universidade de Mississippi, datada de outubro de 1924 – N.T.]


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“sono le immagini stesse che sviluppano le loro potenzialità implicite, il racconto che esse portano dentro di sé.”

visual (visual turn)63, memorialístico (memorialistic turn)64 e, em última rotação, também pelo giro afetivo (affective turn)65, de abordagem hermenêutica.

Italo Calvino (1988)60

Destes movimentos, trabalharei a modalidade do pictorial turn – de acordo com o modelo de conexões entre imagem e texto (implícito ou explícito) ou palavra (oral ou escrita), desenvolvido na proposta de W.J.T. Mitchell66 – para tentar

O período que vai do final da década de 1950 ao final do século passado registra um conjunto de rupturas significativas no quadro epistêmico e metodológico cultural contemporâneo. Assim, a produção e o modo de organização do pensamento tem girado sobre novos eixos do conhecimento que, de fato, acabaram por modelar o fundamento atual das ciências sociais, através de um incentivo ao surgimento de novos ramos interdisciplinares como condição necessária para um diálogo colaborativo e a uma discussão compreensiva, e também mediante a introdução de novos paradigmas do saber em tais áreas.

63.

Esse movimento giratório, de revolução, arqueamento e curvatura, identifica-se no âmbito das ciências sociais e humanas por redefinições teórico-práticas e de confrontação crítica patrocinadas pelo giro linguístico (linguistic turn)61, narrativo (narrative turn)62, 60. Italo Calvino, Lezione americane, Milano: Garzanti, 1988, p. 88 (‘La Visibilità’). [“são as imagens que desenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto que trazem dentro de si”. Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 77 – N.T.]. 61. Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus [1921], trad. e introd. De Jacobo Muñoz e Isidoro Reguera, Madrid: Alianza Editorial, 2001 (outra ed. em trad. de Luis M. Valdés Villanueva, Madrid: Tecnos, 2002), e Investigaciones filosóficas [1953], trad. de Ulises Moulines e Alfonso García Suárez, Barcelona: Altaya, 1999. No mesmo sentido Richard Rorty, The linguistic turn, Chicago: University of Chicago Press, 1967 (El giro lingüístico: dificultades metafilosóficas de la filosofia lingüística, trad. e introd. de Gbruel Bello, Barcelona: Paidós/I.C.E.-U.A.B., 1998) e em “El ser que puede ser comprendido es lenguaje”. Homenaje a Hans-Georg Gadamer [2001], Jürgen Habermas, Richard Rorty et al., Madrid: Síntesis, 2003, pp.43-57. 62. Como indicações fundamentais, Arthur C. Danto, Analytical Philosophy of History, Cambridge: Cambridge University Press, 1965, logo inclusa em Narration and Knowledge, New York: Columbia University Press, 1985 (parcialmente traduzida para o espanhol – capítulos I, VII e VIII – como Historia y narración, Ensayos de filosoia analítica de la historia. Introd. de Fina Birulés e trad. de Eduardo Bustos, Barcelona: Paidós/I.C.E.-U.A.B., 1989); On narrative, W.J.T. [William John Thomas] Mitchell (ed.)., Chicago: University of Chicago Press, 1981; Hayden White, The Content of the Form, Narrative, Discourse and Historical Representation, Baltimore: John Hopkins University Press, 1987 (El contenido de la forma, Narrativa, discurso y representación histórica, trad. de Jorge Vigil Rubio, Barcelona: Paidós, 1992); Paul Ricouer, La métaphore vive, Paris: Seuil, 1975 (La metáfora viva, trad. de Agustin Neira, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1980) e Temps et récit I. L’intregue et le récit historique, Paris:

64. 65.

66.

Seuil, 1983, Temps et récit II. La configuration dans le récit de fiction, Paris: Seuil, 1984, e Temps et récit III. Temps raconté, Paris: Seuil, 1985 (Tiempo y narración I. Configuración del tiempo y el relato histórico; Tiempo y narración II. Configuración del tiempo y el relato de ficción, y Tiempo y narración III. El tiempo narrado, trad. de Agustin Neira, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1987). W.J.T. Mitchell, Iconology: image, text, ideology, Chicago: University of Chicago Press, 1986, “What is visual Culture?”, em Meaning in the Visual Arts: Views from the Outside. A Centennial Commemoration of Erwin Panofsky (1892 – 1968), Inving Laving (ed.), Princeton, NY: Institute for Advanced Studies, 1995, pp. 207-217, “Interdisciplinary and Visual Culture”, Art Bulletin 77, 4 (1995), 540-544, “Showing Seeing: A Critique of Visual Culture”, Journal of Visual Culture 1, 2 (2002), pp. 165-181 [Nesse sentido, Art History, Aesthetics, Visual Studies, Michael Ann Holly & Keith P.F. Moxey (eds.), New Haven: Strling & Francine Clark Art Institute/Yale University Press, 2002, pp. 231-250] (“Mostrado el ver: una crítica de la cultura visual”, trad. de Pedro A. Cruz Sánchez, Estudios visuales 1 (2003), pp. 17-40), What do pictures want?: the lives and loves of images, Chicago: University ou Chicago Press, 2005 (¿Qué quieren las imágenes? Una crítica de la cultura visual, trad. de Isabel Mellén, Vitoria-Gasteiz, Buenos Aires: Sans Soleil Ediciones, 2017), e “Four Fundamental Concepts of Image Science”, em Visual Literacy, James Elkins (ed.), New York: Routledge, 2008, pp. 14-30. David Christian, Maps of Time. A introduction to Big History, Berkeley: University of California Press, 2004 (Mapas del Tiempo, Introducción a la ‘Gran História’, trad. de Antonio Moya, Barcelona: Crítica, 2005). Brian Massumi, “The Autonomy of Affect”, Cultural Critique 31, 2 (1995), pp. 83-109, logo reproduzido com breves revisões como capítulo I de Parables for the Virtual: Movements, Affect, Sensation, Durham, N.C.: Duke University Press, 2002. Igualmente, Patricia Clough & Jean Halley (eds.), The Affective Turn: Theorizing the Social. New York: Duke University Press, 2007. Importante também referir-me ao trabalho de Marta C. Nussbaum, Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions, Cambridge: Cambridge University Press, 2001 (Paisajes del pensamiento: la inteligencia de las emociones, trad. de Araceli Maira, Barcelona, Paidós, 2008). Uma forte crítica a vários postulados de Massumi foi realizada por Ruth Leys, “The turn to affect: a critique”, Critical Inquiry” 37 (2011), pp. 434-472. Sobre a perspectiva jurídica, remeto ao meu trabalho “‘The turn to affect’. Sentido y sensibilidad en el Teatro legislativo de Augusto Boal y la Teoria crítica del Derecho de Luis Alberto Warat”, apresentação a José Alexandre Ricciardi Sbizera, Arte e Direito. O lugar da literatura na formação do jurista crítico-sensível, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, pp. 5-28. Picture Theory: Essays on Verbal and Visual Representation, Chicago: University of Chicago Press, 1994 (Teoría de la imagen. Ensayos sobre representación verbal y visual, trad. de Yaiza Hernández Velázquez, Madrid: Akal, 2009), e Image Science: Iconology, Visual Culture and Media Aesthetics, Chicago: University of Chicago Press, 2015. [Ademais, vale referir do autor What do pictures want: the lives and loves of images, Chicago: University of Chicago Press, 2013 e, em espanhol, “El giro pictorial: Una correspondencia entre Gottfried Boehm y W.J.Thomas Mitchell (II) em Filosofía de la Imagen, Ana García Varas (Ed.), Salamanca, Edicciones Universidad


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SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 3 - CRIMINOLOGIA VISUAL

refletir sobre o marco de referência ideológica, legitimidade referencial da representação simbólica – e de constituição, construção e atribuição de sentido aos selos postais, um dos artefatos imagéticos concretos aparentemente simples, porém capazes de gerar na realidade cotidiana de seu consumo uma habitualidade perceptiva inconsciente e até involuntária sobre determinados valores jurídicos, favorecendo uma produção de sentido fortemente ativa e eficaz ligadas ao controle coletivo da experiência educativa pela Lei e Ordem.

de Salamanca, 2011. Ainda destaque para a obra coletiva sobre o autor editada por Krešimir Purgar (Ed.), W.J.T. Mitchell´s Image Theory: Livings Pictures (Routledge Advances in Art and Visual Studies), New York and London: Routledge, 2017 – N.T.].

Capítulo 1

CULTURA VISUAL E CRIMINOLOGIA: ANTECEDENTES Acredito que seja possível reunir dados, circunstâncias e notícias indicadoras da recente receptividade operativa da Criminologia a respeito de algumas condições materiais e tecnológicas daquilo que hoje reconhecemos dentro do chamado giro visual. De fato, o emprego da imagem como recurso é parte característica de sua origem e tem marcado notavelmente o posterior desenvolvimento científico e técnico da especialização no estudo do delito, suas causas, meios de dissuasão, instrumentos de controle, assim como da genealogia social dos delinquentes – primeiro mediante representações gráficas e logo com o apoio de sistemas de reprodução fotográfica – e de sua correlação linguística em mensagens primeiro orais e seguidamente por escrito. O que sustento é, por tanto, que a incumbência imagem e palavra atuou de maneira muito destacada desde o início daquela incipiente disciplina penal. O resgate desse vestígio me parece relevante.67 E é que o 67. Reconstruirei e organizarei o material recorrendo principalmente a obras espanholas, não com a ideia de formar um modelo nacional e exclusivo, pois sua natureza a miúde se ajusta a experiências e manifestações temporais e espaciais culturalmente coincidentes em países como Portugal e Brasil, assim como a outras nações hispano americanas e europeias. Do tudo, pontuarei um detalhe. Na Espanha, existem duas coleções que reúnem um importante número de “pliegos de cordel” e “aleluyas”: a coleção de Pau Vila de la Fundación Bosh i Cardellach de Sabadell (Barcelona), e os catálogos da Fundación Joaquín Díaz em Ureña (Valladolid). Destes últimos, ver Joaquín Díaz, El ciego y sus coplas. Selección de pliegos en el siglo XIX, Madrid: Escuela Libre Editorias – ONCE, 1996. Existem também coleções universitárias como a Colección de Pliegos de Cordel y Literatura Popular del Seminario de Bibliografia de la Facultad de Filología de la Universidad Complutense de Madrid. Outras coleções ou impressões que também se encontram – total ou parcialmente – catalogadas são: Pilar García de Diego, “Catálogo de Pliegos de Cordel” [Col. Biblioteca del CSIC], Revista de Dialectología y Tradiciones Populares XXVII, 1971, pp. 123-164 y 371-409; XXVIII, 1971, pp. 157-188 y 317-360 y XXIX, 1971, pp. 235-275 e 473-515; Palabras para el Pueblo. I. Aproximación general a la Literatura de cordel, Madrid: CSIC, 2000 e Palabras para el Pueblo. II. La colección de pliegos del CSIC: fondos de la imprenta Hernando, Madrid: CSIC, 2001, em ambos Luis Días González-Viana (coord.); Manuel Alvar, Romances en pliegos de cordel. Siglo XVIII, Málaga: Delegación de Cultura del Ayuntamiento de


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