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Diego Augusto Bayer

Copyright© 2019 by Diego Augusto Bayer Editor Responsável: Aline Gostinski Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO: Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis López Guerra

Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

Owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

JULGAMENTOS HISTÓRICOS CASOS QUE MARCARAM ÉPOCA NO BRASIL E NO MUNDO

Tomás S. Vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

B346

Bayer, Diego Augusto Julgamentos históricos : casos que marcaram época no Brasil e no mundo [livro eletrônico] / Diego Augusto Bayer. – 2.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2019. 15Mb ; ebook

2ª Edição

ISBN: 978-85-9477-432-3 1.Direito - Brasil. 2. Métodos jurídicos. 3. Julgamentos. I. Título. CDU: 340.142(81) É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98). Todos os direitos reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda. B346desta edição Bayer, Diego Augusto

Julgamentos históricos : casos que marcaram época no Brasil no mundo Bayer. – 2.ed. – São Todos osedireitos desta/ Diego edição Augusto reservados à Tirant lo Blanch. Paulo : Tirant lo Blanch, 2019. Avenida Nove de Julho nº 3228, sala 404, ed. First Office Flat 442 p. Bairro Jardim Paulista, São Paulo - SP CEP: 01406-000 ISBN: 978-85-9477-431-6 www.tirant.com/br - editora@tirant.com.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

1.Direito - Brasil. 2. Métodos jurídicos. 3. Julgamentos. I. Título.

São Paulo 2019


PREFÁCIO Inicio esse prefácio com um questionamento de Elias Norbert no seguinte sentido: [...] Que tipo de formação é esse, esta “sociedade” que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos? [...]1 Como conceber a sociedade como um ente único, dotado de uma única vontade, se essa mesma sociedade é composta por uma pluralidade de indivíduos, dotados de compreensão e desejos2. Observem que, a relação da pluralidade de pessoas com a pessoa singular, que persistimos em chamar de ‘indivíduo’ (um ser humano como se fora uma entidade existindo em completo isolamento) com a pluralidade denominada de ‘sociedade’ (como se fosse uma acumulação de muitos indivíduos) sempre se apresenta de forma conflituosa. Assim, inconscientemente pensamos e identificamos as pessoas, seja como ser humano singular, ou ainda, como uma pluralidade das pessoas concebida como sociedade, basicamente como duas entidades totalmente diferentes. Talvez tenhamos que admitir que, em algum momento da história, fomos e ainda somos dominados, ou melhor, conduzidos pela razão e o desejo, até porque, o desejo dirige a razão, mas não controla o conteúdo do conhecimento. Não é nada clara em nossos dias. Mas é frequente não nos darmos conta disso, e menos ainda do por que. Dispomos dos conhecidos conceitos de “indivíduo” e “sociedade”, o primeiro dos quais se refere ao, enquanto o segundo costuma oscilar entre duas ideias opostas, mas igualmente enganosas. Que mundo louco esse que vivemos. Na busca pelo poder, de glória, perseguimos objetivos que justificam inimizades, rivalidades e alianças indispensáveis. Emergem valores, enquanto representações sociais de desejos, determinantes do surgimento de regras, 1. 2.

ELIAS. Norbert. A Sociedade dos indivíduos. Organizado por Michael Schröter, Tradução: Vera Ribeiro. Zahar: Rio de janeiro, 1994, p. 12. ELIAS, 1994, p. 74


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JULGAMENTOS HISTÓRICOS: CASOS QUE MARCARAM ÉPOCA NO BRASIL E NO MUNDO

que definem formas de conduta sem distinguir a regra e o regulamentado, como as regras dos jogos e da lógica, e que guiam na escolha dos melhores meios para o alcance de determinados fins, mediante comandos que indicam permissões e proibições. Quanta insanidade. Olhar para trás e percebermos o quanto a história nos ensinou e continua ensinando é algo indispensável. No entanto, o mundo de hoje onde o foco é o presente e o futuro, a História é vista como um conhecimento praticamente dispensável para a vida e o mercado de trabalho. Para quê estudar coisas que aconteceram há muito tempo? Que importância tem a História no currículo escolar e na vida prática? Os historiadores não salvam vidas como os médicos, não constroem edifícios, pontes ou rodovias, não prendem criminosos, nem apagam incêndios e sequer inventam equipamentos eletrônicos ou remédios para a cura do câncer. Enfim, qual a importância em estudar o passado diante de tantas necessidades do presente?

PREFÁCIO 7

pequenos nós somos, quão passageira e imperceptível é a nossa marca no tempo, quão importante é checar a qualidade das fontes de tudo aquilo que temos interesse em absorver como conhecimento, dentre muitas outras mudanças importantes de percepção. Mas “estudar os julgamentos históricos” dificilmente significa que você será dessa ou daquela ideologia política, terá essa ou aquela opinião sobre o mundo contemporâneo, advogará por essa ou aquela causa, como as pessoas que falam para as outras fazerem isso costumam querer provar. Para todas essas coisas é possível sim que algum livro de história mude sua forma de pensar sobre o assunto, mas com certeza não será qualquer livro de história escolhido ao acaso, mas certamente, esse livro, cumprirá sua missão.

Thiago M. Minagé3

A História fornece um reservatório das múltiplas experiências humanas em espaços e tempos diferentes – a única base de evidências reais de que como as sociedades se comportam. Se a nação está em paz, como avaliar o impacto de uma guerra sem recorrer à História? Como avaliar a ameaça contra a democracia sem usar nossos conhecimentos ou experiências de ditaduras do passado? Esse é o sentido em conhecer o passado: fornecer referências para compreender como as pessoas agem, que fatores as impulsionam crescer e mudar, ou porque resistem às mudanças, o que impacta nossas vidas de maneira positiva e negativa. Esse conhecimento amplifica nossa compreensão sobre o mundo moderno e sinaliza outras possibilidades de experiências. Mas a História é, tenham certeza disso, uma forma de conhecimento essencial para o entendimento de tudo quanto diz respeito ao que somos como seres humanos. A História é a essência de um conhecimento secularizado, toda reflexão sobre o destino humano passa, de uma forma ou de outra, pela História. Sociologia, Antropologia, Psicologia, Política, todas essas disciplinas têm de se reportar à História incessantemente. A análise casos históricos que tão bem nos traz o querido amigo Diego Bayer é uma forma de apresentar o ontem nos dias de hoje. Dito isso, entenda, não é que “estudar os julgamentos históricos” não mude a forma da pessoa ver o mundo. Com certeza muda. Provavelmente deixará claro para você o quão pouco sabemos sobre o mundo, quão

3.

Pós Doutorando em Direito na UFRJ/FND. Doutor e Mestre em Direito pela UNESA/RJ. Professor de Processo Penal. Membro do IAB, IBCCRIM e presidente da ABRACRIM/RJ. Conselheiro Estadual da OAB/RJ. Advogado Criminalista e amigo do Diego Bayer.


NOTA DO AUTOR Relembrar a história do Direito é algo muito importante para entendermos algumas garantias e direitos fundamentais hoje adquiridos. Pensando nisso, a obra Julgamentos Históricos surgiu da vontade de relatar um pouco alguns julgamentos que marcaram época, tanto no âmbito nacional como estrangeiro, que muitas vezes acabam esquecidos pelo passar dos anos e que fazem parte da construção de diversas garantias hoje previstas em nossos ordenamentos. Assim, a ideia foi abordar nesta obra, casos rumorosos que ajudaram a construir a história do Judiciário no país e no mundo, sendo estes julgamentos que marcaram época e algumas mazelas do processo penal brasileiro. Tratou-se de julgamentos incontroversos e também alguns erros do judiciário, onde através de uma pesquisa histórica, doutrinária e jurisprudencial, traçar um relato dos fatos, processo e sentença dos fatos que marcaram a história. Foram abordados casos históricos em uma reconstrução bibliográfica sobre os fatos, tentando aprofundar o máximo de conhecimento sobre cada uma das histórias. Este trabalho desenvolveu-se primeiro através de uma coluna no site do Justificando, com o convite do brilhante Brenno Tardelli, onde a coluna era assinada com a parceira de escrita Bel Aquino. Posteriormente, a coluna retornou escrita ao lado da parceira de vida Cidânia Aparecida Locatelli. Assim, surgiu a ideia de transformar essas pesquisas de casos históricos em um projeto de pesquisa, onde em conjunto com a Escola de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina e o Grupo de Pesquisa Direito, Justiça e Cidadania, na linha Crime e Sociedade, os alunos do 2º Semestre do curso de Direito de 2018-2 aceitaram o desafio de realizar pesquisas históricas e enriqueceram esta edição. Assim, completou-se uma nova versão, repagina, atualizada e acrescida de diversos casos históricos que ocorreram no Brasil e no mundo. Espero que gostem da obra e agradeço a todos aqueles que prestigiam a leitura desta obra.

O Autor


SUMÁRIO CINQ-MARS O INIMIGO DO HOMEM DE VERMELHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

TIRADENTES VERDADEIRO HERÓI OU MÁRTIR CRIADO?. . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

JOANA D’ARC DE HEROÍNA ATÉ A MORTE NA FOGUEIRA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

FAMÍLIA CALAS CULPADOS OU INOCENTES POR INTERMÉDIO DE VOLTAIRE? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

A FERA DE MACABU UM ERRO HISTÓRICO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO. . . . . . . . . . 55

OSCAR WILDE CONDENADO POR SER HOMOSSEXUAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

SACCO E VANZETTI CONDENADOS PELA IRA DO CAPITALISMO NORTEAMERICANO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

O CRIME DA MALA SÃO PAULO: 1928. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

O CRIME DO CASTELINHO DA RUA APA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 O CASO DOS IRMÃOS NAVES UM DOS MAIORES ERROS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO. . . . . 115

A TRAGÉDIA DO CINE OBERDAN QUANDO UMA BRINCADEIRA PODE SE TRANSFORMAR EM UMA TRAGÉDIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

O JULGAMENTO DO TENENTE BANDEIRA O CRIME DE SACOPÃ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

GREGÓRIO FORTUNATO, O ANJO NEGRO DE GETÚLIO VARGAS SERÁ QUE FOI REALMENTE ELE O RESPONSÁVEL POR TUDO? . . . 145


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JULGAMENTOS HISTÓRICOS: CASOS QUE MARCARAM ÉPOCA NO BRASIL E NO MUNDO

DE NEYDE MARIA PARA FERA DA PENHA, DE PAIXÃO PARA VINGANÇA DE UMA AMANTE ENGANADA PARA UMA CRIMINOSA FRIA. . . 171

AÍDA CURI O JÚRI QUE MARCOU UMA ÉPOCA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

CRIMES DA RUA DO ARVOREDO AS LINGUIÇAS DE CARNE ALEMÃ (CARNE HUMANA). . . . . . . . . 195

CHICO PICADINHO O ESQUARTEJADOR DE MULHERES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203

CHARLES MANSON LOUCO OU GÊNIO DO CRIME?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211

ANA LÍDIA BRAGA DITADURA, INFLUÊNCIA E MISTÉRIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

O CASO VAN LOU O PACTO CRUEL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229

DOCA STREET A DISCUSSÃO DO FEMINICÍDIO EM 1976. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241

ZUZU ANGEL

SUMÁRIO 13

O. J. SIMPSON ASSASSINO OU INOCENTE?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301

MANÍACO DO PARQUE UM ASSASSINO EM SÉRIE BRASILEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319

A MORTE DO ÍNDIO GALDINO A INDIFERENÇA PARA OS DESIGUAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329

WOLFGANG PRIKLOPIL O SEQUESTRO DE NATASCHA KAMPUSCH. . . . . . . . . . . . . . . . . . 343

SANDRO DO NASCIMENTO E O ÔNIBUS DA LINHA 174 UMA TRAGÉDIA EM TRÊS ATOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359

SUZANE VON RICHTHOFEN E OS IRMÃOS CRAVINHOS UM CRIME POR AMOR OU DINHEIRO?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369

O ASSASSINATO DA MISSIONÁRIA DOROTHY STANG A LUTA POR TERRAS NA AMAZÔNIA QUE RESULTOU EM MORTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385

ELOÁ UM SEQUESTRO E ASSASSINATO MIDIÁTICO. . . . . . . . . . . . . . . . 395

GOLEIRO BRUNO E ELIZA SILVA SAMÚDIO

NA LUTA PELO CORPO DE SEU FILHO, OUTRA VÍTIMA DA DITADURA MILITAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249

DE GOLEIRO DO CLUBE COM A MAIOR TORCIDA DO BRASIL A UMA CONDENAÇÃO POR HOMICÍDIO. . . . . . . . . . . . . 411

CLÁUDIA LESSIN RODRIGUES

ERROS JUDICIÁRIOS: QUANDO MAIS VALE UM INOCENTE PRESO DO QUE UM CULPADO SOLTO

UM ASSASSINATO DESVENDADO EM RAZÃO DE UMA DOR DE DENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259

MÔNICA GRANUZZO ATÉ QUANDO MULHERES VÃO CAIR DE EDIFÍCIOS? . . . . . . . . . 265

DA PAIXÃO NA FICÇÃO AO ASSASSINATO NA VIDA REAL O CASO DA DANIELLA PEREZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273

O MASSACRE DO CARANDIRU DE UM PRESÍDIO MODELO PARA UM DOS MAIORES MASSACRES NO SISTEMA PRISIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281

ESCOLA BASE A CONDENAÇÃO QUE NÃO VEIO PELO JUDICIÁRIO. . . . . . . . . . 289

AS MAZELAS DE HÉBERSON LIMA, ANDRÉ BIAZUCC E OUTROS INJUSTIÇADOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423

E QUANDO O QUE ESTÁ NOS AUTOS NÃO ESTÁ NO MUNDO? AS MAZELAS DE WAGNO LÚCIO, MARCOS MARIANO E OUTROS INJUSTIÇADOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433


CINQ-MARS O INIMIGO DO HOMEM DE VERMELHO


CINQ MARS: O INIMIGO DO HOMEM DE VERMELHO Diego Augusto Bayer Maria Eduarda Burow Ruon

A ganância é o último recurso do fracasso. OSCAR WILDE Ano de 1638, França sob o comando do Rei Luís XIII. Todavia, quem realmente governava a França era seu primeiro ministro, Cardeal Duque de Richelieu. Armand Jean du Plessis, nascido em 9 de setembro de 1585, era filho de François du Plessis, senhor de Richelieu e grande-reitor da França, e Suzanne de la Porte, filha de um advogado do Parlamento de Paris. Foi consagrado Bispo de Luçon em 1607, foi orador do clero nos Estados Gerais de 1614, passando a fazer parte do conselho da regente Maria de Médici por volta de 1616 e tornou-se cardeal em 1622, chefiando posteriormente o conselho do Rei. Cardeal Richelieu foi de tanta confiança do Rei Luis XIII, que este inclusive se afastou da Rainha mãe Maria de Médicis, qual morreu posteriormente exilada nos Países Baixos. Uma das provas disso, foi a carta enviada pelo Rei para Richelieu onde dizia: “estejai certo de que vos protegerei contra quem quer que seja e nunca vos abandonarei” (ROBERT, p. 70). Com essa confiança do Rei, mesmo tendo assumido com um reino fraco e dividido, chefiou praticamente todos os negócios da França transformando a França em uma nação poderosa e respeitada. Foi também um dos arquitetos do absolutismo e criador da Academia Francesa. O “homem de vermelho”, como a multidão murmurava, foi o maior primeiro ministro que a França já teve. Apesar de seu currículo extenso, muitos o conhecem apenas por ser o antagonista no romance dos “Três mosqueteiros”.


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JULGAMENTOS HISTÓRICOS: CASOS QUE MARCARAM ÉPOCA NO BRASIL E NO MUNDO

Conhecendo um pouco então deste Cardeal, podemos prever que era meio impopular entre os nobres em razão do seu pulso firme e de decisões severas, tendo enfrentado diversas lutas e esmagar diversas conspirações. Mas voltemos ao Caso Cinq-Mars. O Cardeal Richelieu devia muito de sua grande fortuna a toda a ajuda que recebeu de Henrique Coëffier, Marquês de Cinq-Mars, qual foi um grande Marechal da França, sendo cavaleiro das Ordens do rei e governador das províncias de Auvergne e de Bourbonnais. E foram aos seus filhos que o Cardeal Richelieu quis agradecer toda sua gratidão. Seu segundo filho, Henrique d’Effiat, foi apontado por todos da família como o filho que teria herdado todas as características do pai. Jovem, com uma conversação brilhante, beleza física e uma destreza incomparável. Sob a proteção de Richelieu, aos dezesseis anos foi nomeado capitão da guarda real. Aos dezoito anos recebeu o argo de grão mestre das roupas do rei. Nesta função, se aproximou do rei, qual não demorou muito para ver suas qualidades, seja pelo convívio, seja pelos méritos que Richelieu lhe concedia. Após um ano na função, o rei tornou ele seu companheiro favorito e não podia mais passar os dias sem ele. Isto foi estratégicamente articulado por Richelieu, pois sabia que muitos queriam ver sua queda e aproximando seu protegido do rei, saberia tudo que se passava por lá. Em razão dessa aproximação, aos dezenove anos de idade foi nomeado pelo rei para o cargo de grande escudeiro da França, o mais importante dos postos da corte. Ocorre que este começo tão brilhante acabou virando a cabeça do jovem Cinq-Mars. Neste época, Cinq-Mars (ou Monsieur le Grand, como era chamado o grande escudeiro) conheceu na corte a princesa Maria de Gonzaga, tendo se apaixonado por ela. Esta queria na verdade casar com Gastão de Orleans, irmão do rei, mas este preferiu Margarida de Lorena, que era mais rica. A partir desse momento, Maria de Gonzaga cedeu as investidas de Cinq-Mars. Só que esta lhe disse que somente iria casar quando este fosse nomeado um Duque da França ou posto semelhante. Cinq-Mars, movido pela paixão, foi se abrir com Richelieu e lhe pedir ajuda, qual refutou a ajuda e ainda o disse duras palavras, o que fez Cinq-Mars passar a considerar Richelieu um inimigo irreconciliável disposto a tudo para vingar seu orgulho, esquecendo tudo que o Cardeal já tinha feito por ele. A segunda ruga entre ambos, foi quando Richelieu aconselhou o rei a não deixar mais Cinq-Mars participar das reuniões do Conselho de Ministros

CINQ-MARS 19

e este acatou seu pedido. O ódio de Cinq-Mars passou a aumentar ainda mais e resolveu montar uma vingança contra o Cardeal. Para isso, Cinq-Mars passou a travar uma amizade com Luís d’Astarac, Marquês de Frontailles, retratado como um gnomo corcunda, invejoso e peçonhento (ROBERT, p. 81), qual também possuia um ódio mortal de Richelieu. Acrescentou-se ao grupo ainda François de Thou, amigo de Cinq-Mars e grão mestre da biblioteca do rei. Este, foi enviado por Cinq-Mars a cidade de Sedan para que persuadisse o Duque de Bouillon (qual anteriormente havia se coligado com o Duque de Soissons contra Richelieu e Luís XIII, mas que foi perdoado da pena de morte por ser possuidor da cidade de Sedan, que muito interessava aos franceses) para que passasse a fazer parte do grupo também. Pouco tempo depois Cinq-Mars encontrou Gastão de Orleans, irmão do rei, qual já havia participado de diversas conjurações contra Richelieu, na tentativa de instalar-se no trono no lugar de Luis XIII, convidando-o para compor o grupo também. Foram diversos projetos de consiração sem nada definitivo. Durante os planos, surgiu a ideia de um tratado com a Espanha, para a queda de Luis XIII e consequentemente de Richelieu. O projeto foi escrito a mão por Cinq-Mars e emendado pelo Duque de Bouillon, sendo acertado o seguinte: Duque de Bouillon daria acesso aos espanhóis por Sedan. Gastão de Orleans marcharia a frente das tropas confederadas, assumindo o seu comando. O rei da Espanha se comprometeria a fornecer doze mil homens e cinco mil cavalos e a dar quatrocentos mil escudos para recrutar tropas na França. Ficava entendido ainda que Gastão de Orleans ficaria no lugar de Luis XIII e que Cinq-Mars ficaria no lugar de Richelieu. Mas Cinq-Mars não sabia ficar quieto e ficava falando aos quatro cantos o que em breve se realizaria. Passou a empunhar um punhal em sua cintura e dizia aos amigos que este seria dedicado ao Cardeal Richelieu. Continuando a empreitada criminosa, o tratado foi entregue ao Duque de Fontrailles que se encarregava de obter a assinatura do primeira ministro espanhol, o Duque de Olivares (o “Richelieu” da Espanha). Este, disfarçado de capuchinho (um tipo de roupa de frade) e levando o tratado na bainha do gibão, atravessou os Pireneus pelo vale de Aspe e pelo porto Caucasiano. Chegando a Madri, Frontailles falou com o Duque de Olivares conseguindo sua assinatura. Voltou e foi diretamente ao encontro de Cinq-Mars e de Thou em Carcassonne. O cardeal Richelieu enfrentava uma doença grave,


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JULGAMENTOS HISTÓRICOS: CASOS QUE MARCARAM ÉPOCA NO BRASIL E NO MUNDO

estando de cama. Já Cinq-Mars, com a assinatura do tratado, presunçoso, esbanjava seu dinheiro e desafiava já Richelieu abertamente. Dividia-se a França entre os “cardealistas”, que apoiavam o Cardeal Richelieu e os “realistas” que apoiavam o grupo. E em razão de seu comportamento, o rei se afastava cada vez mais de Cinq-Mars, chegando a proibi-lo de entrar durante dias (BASSERIE). Em certa ocasião, proibido de entrar para ver o rei, pediu ao porteiro para deixa-lo ficar pelo menos no corredor, para fazer crer ao público que conversava com o rei. Após passado um tempo, o rei o deixou entrar e este aproveitou para falar mal de Marechal Fabert e seu plano de operações, tendo-lhe Luis XIII falado: “Ide ! Sois insuportável! Sem dúvida passastes a noite visitando as obras do marechal para falar delas assim, como passastes os dias no meu vestiário lendo romances para fazer crer que ocupáveis o vosso tempo em concertar comigo os negócios do reino! Ide, orgulhoso! Tenho-vos nojo!” (ROBERT, p. 90). E virando para o Marechal Fabert complementou: “É preciso diver-vos tudo, Sr. Fabert. Não existe homem mais perdido de vícios nem tão pouco complacente. É o maior ingrato do mundo. Um reino não bastaria para seus gastos! Possui, no momento em que vos falo, mais de trezentos pares de bota!” (ROBERT, p. 90). Cinq-Mars acabava de arruinar seu crédito com o rei. Richelieu, mesmo doente, não pedia de vista seu agora rival, tendo chego ao seu conhecimento que um francês havia estado em Madri e selado um tratado secreto com o Duque de Olivares. O segredo da conjuração estava cada vez mais exposto, tanto que, a Princesa Maria de Gonzaga escrevera a Cinq-Mars o seguinte: “Vosso negócio é tão geralmente sabido em Paris como se sabe que o Sena passa sob a Ponte Nova”. Quando Cinq-Mars leu o bilhete a Frontailles, este apavorado fugiu disfarçado de capuchinho para a Inglaterra. Nesta mesma noite da fuga de Frontailles, Chavigny trazia ao rei, da parte de Richelieu, uma cópia do tratado secreto com a Espanha. O rei, aterrado com o que acabava de ler, mandou chamar Cinq-Mars e apresentou tal documento, tendo-lhe perguntado: “É verdade?”, não tendo nenhuma resposta deste, qual permaneceu mudo, o que demonstrava uma confissão. O Rei deixou Cinq-Mars sair, mas na manhã seguinte emitiu uma ordem de prisão. Em seu romance, Alfred de Vigny traz que Cinq-Mars se apresentou ao rei e ao cardeal para ser preso, mas a história na realidade não é bem assim. Cinq-Mars foi preso dias depois em uma pobre casa de arrabalde, escondido debaixo de uma cama. Ficou ainda mais deprimido após saber que,

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pela traição cometida por ele, a princesa Maria de Gonzaga fora contratar casamento com o Rei da Polônia. De Thou foi preso em seu domicílio. O Duque de Bouillon foi preso enquanto estava no exército da Itália, logo após ter se escondido no meio de um monte de feno quando observou a guarda francesa que vinha prende-lo. Posteriormente, recebeu o perdão em troca de dar a França a cidade de Sedan. O irmão do rei, Gastão de Orleans, se prontificou a todas as delações e baixezas quando soube da prisão de seus cumplices, implorando perdão ao rei Luis XIII. O rei não queria perdoa-lo, mas com a influência de Richelieu, este obteu o perdão desde que realizasse uma confissão pública da conjuração. Restavam então apenas de Thou e Cinq-Mars para serem condenados, uma vez que Frontailles nunca mais voltou. O rei concedeu ao cardeal Richelieu plenos poderes para fazer com que o processo andasse o mais rápido possível. Assim, Richelieu decidiu que o julgamento se realizaria em Lyon, tendo nomeado os conselheiros de Estado que seriam os responsáveis pelo julgamento e alguns conselheiros de parlamento, elevando a treze o número de juízes. O cardeal Richelieu, doente, era carregado em um quarto móvel, guardado por dezoito homens. Neste quarto havia um escritório, onde possuia uma mesa coberta pelos dossiers dos negócios em curso e do processo. Quando possível, prefiria se locomover pelas vias fluviais, através de um barco construído exclusivamente para sua locomoção. Por onde passavam, de Thou e Cinq-Mars eram carregados por guardas, sendo, quando em via terrestre amarrados e quando via fluvial, amarrados em um bote com guardas, sempre ao som das trombetas que causavam respeito e terror as populações por onde passavam, pois demonstrava que até mesmo quem possuia cargos poderosos teria um castigo severo pelo crime cometido. No dia 03 de setembro de 1642 iniciaram os interrogatórios de Cinq-Mars e de Thou, sempre sem nenhum sucesso. Foi então que se utilizou de um recurso odioso (mas muito utilizado nos dias atuais). O conselheiro de Estado Laubardemont, pessoa sem honra e sem escrúpulo, foi procurar Cinq-Mars na prisão e disse que somente a confissão poderia lhe render o perdão, afinal, Gastão de Orleans e o Duque de Bouillon já haviam testemunhado contra ele, e inclusive de Thou começava a acusá-lo (o que era uma mentira estrondosa). Cinq Mars ficou abismado com a infidelidade de seu amigo,


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e em meio a confusão e ressentimento, contou todos os detalhes da trama. Mandaram então buscar de Thou e este se manteve fiel a Cinq-Mars. Todavia, quando lhe mostraram o depoimento de Cinq-Mars, este ficou consternado e então proferiu um discurso digno, que vale citá-lo: Senhores, poderia negar categoriacamente que o tivesse jamais sabido; não podeis provar o contrário a não ser pela confissão de Cinq-Mars. Não escrev nem falei nisso a quem quer que seja. Ora, um acusado não pode validamente acusar outro. Não se condena à morte senão com o depoimento de duas testemunhas insuspeitas. Minha vida e minha morte, minha condenação e minha absolvição estão em minha boca. Entretanto, senhores, confesso que soube da conspiração. Confesso-o por duas razões: durante três meses de prisão, tão bem meditei sobre a morte e a vida que percebi claramente que, seja qual for a vida que me seja dado gozar, ela não será senão triste e monótona. A morte é me bastante vantajosa. Eu a encaro como a mais certa prova de minha predestinação. Estou preparado para morrer e jamais me encontrarei em idêntica disposição. Não quero, portanto, perder esta oportunidade para a minha salvação. Embora meu crime seja passível da pena de morte, não é nem negro nem enorme. Confesso senhores que soube da conspiração e fiz todo o possível para dela dissuadir Cinq-Mars. Ele me julgava seu único amigo fiel, e não o quis trair. Eis por que mereço a morte e me condeno a mim mesmo pela lei Quisquis. (ROBERT, p. 105-106)

Este discurso pasmou os juízes, mas o procurador geral pediu a pena capital para os dois. Logo em seguida, os juízes votaram de forma unanime pela condenação a pena de morte de Cinq-Mars. Quanto a de Thou, por onze votos contra dois, era condenado a morte. A execução seria realizada naquele mesmo dia, 12 de setembro de 1642, às cinco horas da tarde. Os dois condenados ouviram a leitura da sentença de joelho em terra e chapéu na mão. Cinq-Mars, sempre acostumado a bajulações, repetia melancolicasmente os versos de Ovídio: “Donec eris felix multos numerabis amicos; tempora si fuerint nubila, solus eris (Enquano te sorrir a fortuna, contarás numerodos amigos; mas se algum dia o tempo se anuviar, ver-te-ás inteiramente só)” (ROBERT, p. 110). Chegou então a hora da execução. Cinq-Mars vestia um traje de corte, de grande elegância, com um manto escarlate e um chapéu de fêltro de aba levantada a moda catalã. Já de Thou trajava uma roupa preta de luto, de extrema simplicidade. Foram transportados em uma carretinha qual parou junto ao patíbulo. Vieram pronunciar que Cinq-Mars seria o primeiro a morrer. Subiu os degraus com uma coragem incrível. Chegando lá, põe-se de

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joelhos junto do cepo e põe o pescoço em cima. Pergunta se tem que tirar o gibão (um tipo de vestimenta de couro), ajudando o padre e o acólito (como se fosse um coroinha) a despi-lo do gibão. (HENRI, p. 175-176) Levanta-se, pega o crucifixo, beija-o e entrega-o ao padre, recebendo a ultima absolvição. O carrasco aproxima-se e tira o cutelo do saco. Cinq-Mars diz: “Vamos. É preciso morrer. Meu Deus, tende piedade de mim”. Põe o pescoço no cepo, segura-o, fecha os olhos, pois não quis ser vendado, e espera o golpe. A cabeça não ficou bem cortada, necessitando um segundo golpe do carrasco, lançando esta para o cadafalso. Morre então aos 22 anos de idade. (HENRI, p. 175-176) Logo em seguida chega a vez de François de Thou, qual subiu o cadafalso com a mesma coragem, mas preferiu ser vendado para não ter que ficar vendo a cabeça e o sangue de seu amigo. Recita novos versículos de São Paulo e põe a cabeça no cepo. A lâmina cai muito perto da cabeça, ficando assim o pescoço somente cortado pela metade. De Thou volta-se ao contrário, com o rosto virado para o céu. O corpo estremece e as mãos erguem-se. O carrasco tenta voltá-lo para acabar com ele. O povo grita. É uma sangreira. O carrasco tenta obstinadamente atingi-lo na garganta, dando mais quatro golpes até conseguir arrancar a cabeça. Morre aos 35 anos de idade. (HENRI, p. 177) O cardeal Richelieu morre três meses depois da execução, a 4 de dezembro de 1642. Em seu leito de morte, o padre veio lhe dar a extrema unção, dizendo-lhe: “É preciso perdoar aos vossos inimigos!”, tendo-lhe respondido Richelieu: “Meus únicos inimigos foram os inimigos da França!”. Luis XIII morre sete meses mais tarde, em 14 de maio de 1643.

REFERÊNCIAS BERTIN, Claude (Org). Os Grandes Julgamentos da História, v. Cinq-Mars/Malet, São Paulo: Otto Pierre. ROBERT, Henri. Os Grandes Processos da História, v. I, Globo, Porto Alegre, 1964. BASSERIE, Jean Pierre. La conjuration de Cinq-Mars. ERLANGER, Phillippe. Cinq-Mars ou la passion et la fatalité. VASSIÈRE, Pierre de. Conjuration de Cinq-Mars. VIGNY, Alfred de. Cinq-Mars.


TIRADENTES VERDADEIRO HERÓI OU MÁRTIR CRIADO?


TIRADENTES: VERDADEIRO HERÓI OU MÁRTIR CRIADO? Diego Augusto Bayer Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por sua alcunha “Tiradentes”, um revolucionário do Brasil colonial, nascido em 1746 na Fazenda de Pombal, na capitania das Minas Gerais. Filho do português Domingos da Silva Xavier, proprietário rural, e da portuguesa nascida na colônia do Brasil, Maria Paula da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos nove filhos. Em 1751, morre sua mãe e em 1757 morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de seu tio e padrinho Sebastião Ferreira Leitão, que era cirurgião dentista. Trabalhou como mascate (mercador ambulante) e minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu o apelido de Tiradentes. Em 1772, após defender um escravo, foi preso e perdeu sua licença de mascate. Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão sudestino. Em 1780, alistou-se na 6ª Companhia de Dragões do Regimento de Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais; em 1781 foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do “Caminho Novo”, estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao porto Rio de Janeiro na Serra da Mantiqueira. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de marechal da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da cavalaria em 1787. A partir deste momento é que a história começa a se desencontrar, onde por um caminho surge um Tiradentes revolucionário e por outro caminho, surge um Tiradentes revoltado.


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A Grande Enciclopédia Luso-Brasileira destaca que, após se licenciar da Cavalaria, dispôs-se a explorar uma pequena mina, mas como essa iniciativa não produziu os resultados que esperava, contraiu dívidas, que em parte alteraram o seu caráter, tornando-se um revoltado. Então mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu por cerca de um ano, tentou promover uma iniciativa pública para canalizar as águas dos rios Andaraí e Maracanã para melhorar a distribuição de água na cidade, mas o governou vetou sua proposta. Esse desprezo fez com que aumentasse sua indignação perante o domínio português. Retornou para Minas Gerais, no ano de 1789, e já corriam ideias revolucionárias por algumas vilas mineiras, algo que atraiu o seu interesse. Alguns historiadores relatam que teria sido Tiradentes, quando de licença no Rio de Janeiro, teria estabelecido relações com o Dr. José Alves Maciel, recém retornado da Europa, qual influenciado por ideias democráticas e princípios da Revolução Francesa teria entusiasmado Tiradentes a lutar pela independência. Todavia, outro relato é que tem ganho mais força como verdadeiro. Quando retornou para Minas Gerais, em 1789, conheceu um movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, dentro os quais se os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor., qual planejavam a independência de Minas Gerais, denominado posteriormente de “Inconfidência Mineira”. Todo esse movimento começou em Vila Rica (hoje Ouro Preto) que era a cidade mais rica de Minas Gerais, tendo uma vida praticamente europeia com orquestras, teatro e grupos literários. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na Europa. Todo este movimento iniciou em razão da cobrança sobre o ouro que era extraído das minas. Esta cobrança iniciou após o terremoto de 1756 que ocorreu em Portugal, que destruiu quase toda a cidade de Lisboa. Nesta época, o Marquês de Pombal impôs uma cobrança de ouro de 1/5 sobre o peso do mesmo que deveria ser enviado a Portugal por 10 anos consecutivos (10 anos que acabaram durando 60 anos). O que ocorreu foi que com as

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minas de ouro em Vila Rica se esgotando, os mineiros não tinham como pagar o quinto do imposto e para piorar a situação, o Império de Portugal estabeleceu uma cota fixa de 1.500 kg por ano, não importando a quantidade de extração. A partir da nomeação de Luís da Cunha Meneses como governador da capitania, em 1783, ocorreu a marginalização de parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos, mesmo que preciso fosse prender o cobrado, a ser executada pelo novo governador da Capitania, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de Barbacena (futuro Conde de Barbacena), o que afetou especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde 1762, do quinto, que à altura somava 768 arrobas de ouro em impostos atrasados. Diferente do que se relata na história, Tiradentes era um dos membros do movimento dos inconfidentes, e não o líder ou um dos grandes idealizadores como se pensou por muito tempo, algo que de certa forma foi imposto para nós crermos; neste caso, ele executou um papel interessante neste movimento. Por ser um homem conhecido pelos pobres e pela elite de Minas, foi o seu mediador entre as duas classes. Outro detalhe importante era que todos os membros deste movimento eram ligados a maçonaria, sob o pavilhão e o dístico maçônico do Libertas Quae Sera Tamen, que adorna o triângulo perfeito, com este fragmento de Virgílio. A ideia da Inconfidência não era apenas protestar contra a derrama, mas passou a tentar mobilizar o povo mineiro a iniciar uma revolução para se proclamar a independência de Minas Gerais e se fundar uma república (ideia que tinha reforço ideológico com a independência das colônias estadunidenses e a formação dos Estados Unidos). Diferente do que se conjecturou, os inconfidentes não pensavam em libertar o Brasil, mas apenas Minas Gerais. Naquela noite de 15 de março de 1789, os inconfidentes saíram às ruas prontos para lutarem por seus ideais e direitos, contudo o movimento não deu certo. Joaquim Silvério dos Reis (membro dos inconfidentes) traiu os demais e juntamente com Basílio de Brito Malheiro do Lago, tenente-coronel, e Inácio Correia de Pamplona, luso-açoriano, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda, delataram o plano as autoridades, sendo que a carta enviada e assinada por Joaquim Silvério dos Reis é datada de 11 de Abril de 1789. Entrementes, em 14 de março, o Visconde de Barbacena já havia


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suspendido a derrama o que de esvaziara por completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração, Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente (em 7 de maio) abriu uma investigação (devassa). Avisado, o alferes Tiradentes, que estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo, mas foi descoberto ao tentar fazer contato com Silvério dos Reis e foi preso em 10 de maio. Dez dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes em Minas. Em 15 de junho de 1789, se apresentava o Auto de Devassa, que dava início ao processo contra os inconfidentes. Auto de Devassa a que mandou proceder o Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão- General desta Capitania, sobre a Sedição e Levante que na mesma se pretendia excitar. Escrivão O Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e oitenta e nove, aos quinze dias do mês de junho do dito ano, nesta Vila Rica de nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José de Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo e sendo aí, por ele dito Ministro me foi participado que em observância da Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General desta Capitania, datada de doze de junho do corrente ano, e auto de corpo de delito e mais papéis dele juntos, de que o mesmo faz menção, queria proceder a Devassa para, pelo auto dela, se perguntarem testemunhas e se poder examinar e vir no perfeito conhecimento, não só dos infames réus que temerariamente se abalançaram a perpetrar o execrando delito de que foram denunciados, havendo já de antemão e com premeditada maldade disseminado em alguma parte do povo desta Capitania vários discursos e vozes sediciosas, adaptadas ao fim que se propunham de ilaquear e dispor os mesmos povos a uma horrorosa e geral sublevação, que pretendiam concitar e teriam já praticado se lhes não obstasse a incorrupta fidelidade que neles encontraram; mas também se descobrirem os mais cúmplices que, por qualquer modo ou maneira, houverem prestado ou concorrido com auxílio, conselho ou favor para tão temerário procedimento; e conhecida a verdade, serem uns e outros punidos com todas as penas cíveis e crimes por Direito estabelecidas; de que tudo, para constar, mandou ele dito Ministro fazer este auto, que recebeu

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na parte que era de receber segundo a forma da Lei, em o qual se assinou comigo, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência, que o escrevi e assinei. Saldanha – José Caetano César Manitti

Tiradentes ficou preso na “Cadeia Velha”, localizada no subterrâneo do prédio da antiga Câmara do Rio de Janeiro, hoje sobre o local encontra-se o atual Palácio de Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Durante os quase quatro anos que ficou preso, o processo do julgamento dos inconfidentes ainda se desenrolava na justiça, até que naquele ano de 1792, chegou a um veredicto. E é a partir deste momento que a história de Tiradentes começa ser mitificada. De acordo com o advogado Mário Caldonazo, o defensor público designado para defender os 29 acusados da Inconfidência Mineira teve 21 dias para ler todo o processo e elaborar os argumentos de defesa, sendo que o processo original possuía 10 volumes. O processo durou de 1789 a 1791 e Tiradentes foi interrogado em 11 oportunidades. Nos primeiros depoimentos Tiradentes negou qualquer envolvimento, assim como os demais acusados, assumindo a autoria posteriormente inocentando seus demais companheiros. Estes 11 depoimentos foram realizados pois os inquisidores estavam inseguros nas declarações de Tiradentes, vez que a falta de firmeza em seus depoimentos não demonstravam o papel de líder que este se auto proclamava. Dizem estudos que Tiradentes, por ser o membro de menor preparo cultural e poucos amigos, foi a melhor escolha para desempenhar o papel de um bode expiatório que livraria da morte os verdadeiros chefes, uma vez que alguns deles eram membros do Exército, como o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, e o coronel Domingos de Abreu e Viera, além de também entre os membros terem havido padres, artistas, funcionários públicos, comerciantes, etc.. Presos, todos os inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao degredo; algumas horas depois, por carta de clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram alteradas para degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que continuou condenado à pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino: Tiradentes foi enforcado. Os réus foram sentenciados pelo crime de “lesa-majestade”, definida, pelas ordenações Afonsinas e as Ordenações Filipinas, como traição contra o


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rei. Crime este comparado à hanseníase pelas Ordenações Filipinas: Sentença proferida contra os Réus do Levante e conjuração de Minas geraes. Acordam em Relação os da Alçada etc. Vistos estes auto, que em observância das Reais ordens se fizeram sumários aos vinte e nove réus pronunciados, conteúdos na relação de folhas 14 verso, Devassas, perguntas, apensos e defesa alegada pelo Procurador que lhes foi nomeado etc. Mostra-se que na Capitania de Minas alguns vassalos da dita Senhora, animados de espírito da pérfida ambição, formaram um infame plano para se subtraírem da sujeição e obediência devida à mesma Senhora, pretendendo desmembrar e separar do Estado aquela Capitania, para formarem uma república independente, por meio de uma formal rebelião, da qual se erigiram em chefes e cabeças, seduzindo a uns para ajudarem e concorrerem para aquela pérfida ação, e comunicando a outros os seus atrozes e abomináveis intentos, em que todos guardavam maliciosamente o mais inviolável [...]Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa [...] [...] prova, que especificamente soubessem da conjuração e dos ajustes dos conjurados, mas que somente souberam das diligências públicas, e particulares, que fazia o réu Tiradentes, para induzir gente para o levante, e estabelecimento da república, pelas práticas gerais que com ele teve, ou pelos convites que lhes fez para entrarem na sublevação, suposto que não estejam em igual grau de malícia e culpa como os sobreditos réus, contudo a reserva de segredo de que usaram, sem embargo de reconhecerem, e deverem reconhecer a obrigação que tinham de delatar isso mesmo que sabiam, pela qualidade e importância do negócio, sempre faz um forte indício da sua pouca fidelidade, o que sempre é bastante para estes réus ao menos serem apartados daqueles lugares onde uma vez se fizeram suspeitosos, porque o sossego dos povos e conservação do Estado pedem todas as seguranças para que a suspeita do contágio da infidelidade de uns, não venha a comunicar-se e contaminar os mais. Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi do Regimento pago da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será

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dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios das maiores povoações, até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; [...]

E assim, numa manhã de sábado, 21 de abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa local. Executado e esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida em um poste em Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada; os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo: Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós, atual Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para que nada lá germinasse. Algumas versões sugerem que o seu enforcamento foi uma encenação, que ele havia sido assassinado na prisão. Outra versão, menos confiável, retrata que: Durante todo o processo, ele admitiu voluntariamente ser o líder do movimento, porque tinha a promessa que livrariam a sua cabeça na hipótese de uma condenação por pena de morte. Em 21 de abril de 1792, com ajuda de companheiros da Maçonaria, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela Maçonaria. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos.. No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa (“Narrativa da Perseguição”) é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro “Contribuindo”, de 1921:


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“Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito...”. O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado e os pedaços espalhados pela estrada até Vila Rica (MG), cidade onde o movimento se desenvolveu. A cabeça não foi encontrada, uma vez que sumiram com ela para não ser descoberta a farsa. Os demais inconfidentes foram condenados ao exílio ou absolvidos.

Tiradentes não morreu como herói ou um mártir. Ele morreu como um rebelde, como um traidor. O qual teve o infortúnio de levar a pior. A Coroa Portuguesa não poderia deixar aquilo passar em branco. Ela deveria dar o exemplo, e isso recaiu sobre as costas de Tiradentes, o qual acabou servindo de exemplo a população, para quem tentasse promover algum ato revolucionário, sofreria as mesmas consequências. Somente quase um século depois, durante o processo republicano que culminou na Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889 é que passou a ser lembrado pela história e tornou-se “mártir” ou um “herói nacional”. Até lá, viveu no anonimato. Mas como ele se tornou um mártir, um herói?

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tinham como o retratar a época, se criou um “personagem”. Neste caso, em 1889, foi encomendado ao renomado artista André Delpino (1864-1942) o trabalho de se pintar a imagem oficial de Tiradentes. Então, Delpino desenhou uma imagem de perfil do mártir da Inconfidência, ainda usando o “laço da morte” envolta do seu pescoço. Hoje, os historiadores tem demonstrado que na realidade, a história é outra. Como Tiradentes serviu no exército, era alferes, ele não poderia ter os cabelos e a barba longos, no máximo um bigode. Na prisão, era comum os presos terem as cabeças raspadas ou cabelos curtos e a barba feita, para se evitar problemas com piolhos, algo comum em muitas prisões antigas, pois os presos não tinham o direito de tomar banho com frequência, e para se evitar a proliferação de piolhos, era comum ter os cabelos e a barba aparados. Com isso, a ideia de se representar Tiradentes com cabelos longos e barba, parecido com Jesus, era uma forma de se reforçar sua mitificação, e a imagem de “bom homem”. Além do mais, o Brasil desde a época colonial e até hoje é predominantemente católico, e Jesus Cristo era a figura mais conhecida pelo povo.

Várias foram as revoltas ocorridas no Brasil durante estes períodos, sendo que a partir da Inconfidência Mineira (1789), aconteceram, dentre as mais importantes a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Pernambucana (1817), a Guerra dos Farrapos (1835-1845) e a Guerra do Paraguai (18641870). Todos estes movimentos tiveram líderes, candidatos a serem heróis populares, mas porque a escolha de Tiradentes.

Logo, tornar Tiradentes parecido com Jesus, era uma boa maneira de torná-lo conhecido aos olhos da nação, e reforçar sua importância. Concluído esta mitificação da imagem de Tiradentes, os representantes republicanos lhe consagraram uma data comemorativa que de fato veio a se tornar feriado nacional, o dia 21 de abril (transformando quase que em nula a data do “Descobrimento do Brasil”, em 22 de abril).

Vários são os motivos. Primeiro, pertencia ao exército, quais foram os grandes responsáveis pela Proclamação da República. Foi um homem da classe baixa (intuito de se remeter a questão do “povo”, do “popular”), foi o único a ser culpado e executado e teve a execução presidida por discursos que salvavam e glorificavam a rainha Dona Maria I. Os republicanos viram nisso uma reafirmação de seus ideais, ou seja, um “rebelde contra a opressão da monarquia portuguesa”, dando a entender ao povo que era isso que eles queriam, que o republicanismo seria a liberdade da opressão monárquica.

E então, será que Tiradentes foi realmente um herói ou será que foi um mártir criado?

Outra discussão é em relação a sua imagem, sua retratação. Nenhum retrato seu foi pintado na época. Utilizaram então os republicanos uma imagem semelhante a de Jesus Cristo, ou seja, homem de longa barba e cabelos. A primeira imagem dele é datada de 1889, sendo certo que os pintores não

COSTA E SILVA, Paulo (1 de abril de 2007). “A outra face do alferes”. Revista de História da Biblioteca Nacional. Consultado em 7 de abril de 2010.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHIAVENATO, Júlio José. Inconfidência Mineira – As Várias Faces. São Paulo: Contexto, 2000. AQUINO, Rubim Santos Leão de; BELLO, Marco Antônio Bueno; DOMINGUES, Gilson Magalhães. Um sonho de liberdade: a conjuração de Minas. São Paulo: Editora Moderna, 1998. MACEDO, Joaquim Manuel de (1878). “7”. Memórias da Rua do Ouvidor [S.l.: s.n.] p. 227. ISBN 8523001107. Digitalizado por Google Livros.

BARBOSA, Waldemar de Almeida, A Verdade sobre Tiradentes, Instituto de História, Letras e Artes, Belo Horizonte, s/d. JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1989.


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MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal – 1750-1808. São Paulo: Paz e Terra, 1985. SILVA, Joaquim Norberto de Sousa e. História da Conjuração Mineira, Rio de Janeiro, 1860 Disponível em: http://www.pliniotomaz.com.br/downloads/tiradentes.pdf. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2009/09/tiradentes-o-homem-por-tras-do-mito.html. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2014/04/advogado-contesta-versao-e-diz-que-tiradentes-morreu-careca-em-mg.html. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-outra-face-do-alferes. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: http://cafehistoria.ning.com/forum/topics/at-onde-verdadeira-a-hist-ria-da-inconfid-ncia-mineira-que. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: https://pt.wikisource.org/wiki/Senten%C3%A7a_proferida_contra_os_r%C3%A9us_ do_levante_e_conjura%C3%A7%C3%A3o_de_Minas_Gerais. Acesso em 18 abr. 2016. Disponível em: https://pt.wikisource.org/wiki/Auto_de_devassa_a_que_mandou_proceder_o_Doutor_Desembargador_Pedro_Jos%C3%A9_Ara%C3%BAjo_de_Saldanha,_em_15_de_junho_ de_1789. Acesso em 18 abr. 2016.

JOANA D’ARC DE HEROÍNA ATÉ A MORTE NA FOGUEIRA


JOANA D’ARC: DE HEROÍNA ATÉ A MORTE NA FOGUEIRA Karen Weiss Diego Augusto Bayer Joana d’Arc nasceu em um vilarejo de Domrémy-la-Pucelle na França provavelmente em 1412, na época em que a França vivia o Feudalismo na baixa Idade Média. A sociedade Feudal era essencialmente agrária, portanto a terra era a maior riqueza que alguém poderia possuir, sendo a terra a base econômica do Sistema Feudal. Foi a época dos castelos, dos Reis, do senhor feudal, do clero e dos servos. Sua família era de camponeses, sua mãe Isabelle Romée e seu pai Jacques D’Arc tinham uma casa em um pequeno pedaço de terra, sendo pessoas de certa importância na aldeia. Apesar dessa parcela de segurança e prestígio, a vida era difícil para a família D’arc. Não houve escola para Joana, sua irmã e seus três irmãos. Eles passavam a maior parte do tempo ajudando a família na fazenda. Ainda quando criança presenciou a morte dos membros de sua família pelo exército inglês, que incendiavam as casas e matavam todos que estavam presentes nas vilas. Joana, que já era muito religiosa desde pequena, passou a frequentar todos os dias a Igreja, onde encontrava-se com o Padre e confessava seus pecados sobre o ódio que sentia pelos soldados ingleses de ter matado sua família e as pessoas que convivia. Aos 13 anos, Joana começou a escutar vozes divinas, sendo a primeira vez enquanto caminhava na direção da Igreja. Foi acometida por uma sensação de caridade e medo, uma vez que não as entendia muito bem. A vozes começaram a lhe acompanhar duas ou três vezes por semana. Entre as mensagens que ela entendeu, estavam conselhos para frequentar a Igreja, que deveria ir a Paris e que deveria levantar o domínio que havia na cidade de Orleans. Posteriormente, ela identificaria as vozes como sendo do Arcanjo São Miguel, Santa Catarina de Alexandria e Santa Margarida de Antióquia. Em 1066, o Duque Guilherme, o conquistador (que era Duque de Normandia, uma região do Noroeste da França) se apoderou da Inglaterra. Os monarcas


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