Exposição comemorativa de 100 anos de morte de Machado de Assis
Academia Brasileira de Letras De 26 de junho a 31 de outubro de 2008 Rio de Janeiro
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Uma infância obscura Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no último ano da Regência, 1839, fim de uma das décadas mais conturbadas da história brasileira. Era o primeiro filho de uma família humilde, mas não miserável, como a lenda tenta crescentemente fazer crer. Seu pai, Francisco José de Assis, era pintor e dourador – um artífice, portanto, e um leitor, já que assinava o Almanaque Laemmert – e sua mãe, Maria Leopoldina Machado da Câmara, era uma imigrante açoriana – bem alfabetizada, como comprova a sua assinatura – chegada ainda bebê ao Brasil, em 1815, em meio à grande leva de açorianos para aqui incentivados a vir por D. João VI. Eram ambos agregados na chácara da rica viúva D. Maria José de Mendonça Barroso Pereira, no Morro do Livramento, e para se ter uma noção verídica de sua situação social é preciso levar em conta a instituição do agregado, de tanta importância no Brasil do século XIX até começos do século XX. Dois anos após seu nascimento, viria à luz uma irmã, que morreria aos quatro anos de idade, numa das muitas epidemias de varíola que avassalavam o Rio de Janeiro oitocentista. Criança ainda, o pequeno Joaquim Maria perdeu a mãe, tuberculosa. Todo período que medeia a morte da mãe, quando de seus seis anos de idade, e a sua estreia literária, aos quinze, é extremamente obscuro. Diz-se que foi caixeiro por poucos dias, não se adaptando ao comércio, que foi sacristão da Igreja da Lampadosa, que com o forneiro francês da padaria de uma certa Madame Gallot aprendeu esse idioma, fatos todos que podem ser perfeitamente verídicos, mas que infelizmente não deixaram traço documental. Muitas vezes, anos depois, acusaram-no de desinteresse pela família, de voluntário ocultamento de suas origens, mas quando publicou seu primeiro livro importante, Crisálidas, em 1864, este traz uma dedicatória à memória de seus pais falecidos. O importante é que nesses anos obscuros, e que, ao que tudo indica, assim permanecerão, os olhos de menino do Morro do Livramento começaram a agudamente esmiuçar o universo, a vida, os homens e suas misérias.
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Nas fileiras românticas Nascido para a literatura na década de 1850, Machado de Assis se afinou naturalmente com o grande movimento estético de sua época, o Romantismo, movimento universal e que atingiu todas as artes a partir de finais do século XVIII. Nas Crisálidas, nas Falenas e nas Americanas isso fica evidente, desde o lirismo amoroso até o indianismo tardio de “A última jornada” e da bela elegia pela morte de Gonçalves Dias. O escritor que, anos mais tarde, seria conhecido e bastante criticado pelo seu distanciamento dos fatos políticos, escreveu, no entanto, um “Hino a Juarez”, no calor da hora, assim como um furioso hino antibretão – editado com música e bela litografia de Henrique Fleuiss – no ápice da Questão Christie, episódio que pôs em armas, aliás, todos os poetas brasileiros, desde o autor de “O alienista” até o Fagundes Varela do O estandarte auriverde. O amigo pessoal de Casimiro de Abreu, assim como de Manuel Antônio de Almeida e de Joaquim Manuel de Macedo, o tradutor de Victor Hugo e de Edgar Allan Poe, o amigo de toda a vida de José de Alencar, o apresentador, ao lado do mesmo, do genial jovem baiano Antônio de Castro Alves, nunca poderia deixar de estar nas fileiras do movimento, que marca igualmente a estética dos seus quatro primeiros romances. Assim como nasceu literariamente no auge do Romantismo entre nós, assistiu Machado de Assis à sua dissolução. Pode-se dizer que com a morte do autor de Espumas flutuantes, em 1871, o Romantismo brasileiro havia atingido o seu apogeu e iniciado a sua rápida decadência. No último ano dessa mesma década vinha à luz, na Revista Brasileira, as Memórias póstumas de Brás Cubas. O Romantismo acabara, e com ele o primeiro Machado. Para descer a encosta, a da vida, e para subir a da arte, o outro – o frio olhar analítico e pessimista – lhe estendera a mão.
A Gazetinha
A Semana
O teatro e a música Como todos os homens cultos de sua geração, Machado de Assis acalentou uma paixão imensa pelo teatro, para o qual escreveu, aliás, ao menos dez peças, traduziu treze outras, além de ter sido membro do Conservatório Dramático e censor do mesmo. Quanto à música, foi sempre o autor de Dom Casmurro um grande melômano, frequentador assíduo do Club Beethoven, a principal sociedade musical da Corte de então. Dois de seus mais belos contos, “Cantiga de esponsais” e “Um homem célebre”, têm a música como argumento central, metonímia de toda a arte, embora o tema primordial que os domine seja o da frustração pelo irrealizado anelo da criação. Fusão das duas artes, o canto lírico não poderia deixar indiferente Machado de Assis, que foi, confessadamente, um dos devotos de Augusta Candiani, cantora milanesa que fez furor nos palcos do Rio de Janeiro a partir da década de 1840. Em certa ocasião, como era de praxe no período dos extravasamentos românticos, os estudantes e outros jovens, após uma récita da diva, desatrelaram os cavalos de sua carruagem e a levaram eles próprios a seu destino. Machado de Assis, que tantos viriam a falsamente considerar como casmurro e misantropo em sua maturidade, foi um dos “cavalos da Candiani”.
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“Musset, – que Heine dizia ser o primeiro poeta lírico da França, – pedia aos amigos, em belos versos, que lhe plantassem um salgueiro ao pé da cova. Possuo umas lascas e folhas do salgueiro que está plantado na sepultura do autor das Noites, e que Artur Azevedo me trouxe em 1883; mas não foram amigos que o plantaram, não foram sequer franceses, foi um inglês.”
A Semana o
(Obra Completa
Vistas da exposição
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