Territórios Possíveis

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territórios possíveis maíra vaz valente


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Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA – USP, Departamento de Artes Plásticas Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura em Artes Plásticas sob orientação da Prof. Dr. Domingos Tadeu Chiarelli como requisito à graduação.

banca examinadora

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agradecimentos

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Os agradecimentos aqui registrados talvez não consigam dar a devida retribuição aos que me ajudaram chegar até aqui. Ao concluir essa passagem pela academia através do texto que apresento, importa-me nomear alguns encontros, mesmo alguns anteriores a minha chegada à Escola, os quais fiam a rede de relações que fizeram esse trabalho acontecer. Peço que a ordem dos nomes não importe, prevalecendo a marca de cada presença. Ao que me acompanhou nesse processo, com a escuta de um mestre, agradeço ao professor orientador Tadeu Chiarelli. Agradeço às dedicadas horas, que me proporcionaram um encontro com a Arte de outros professores desse Departamento: Ana Maria Tavares, Christina Rizzi, Cláudio Mubarac, Gilbertto Prado, João Musa, Marco Buti, Mario Ramiro, Mônica Tavares, Norma Grinberg, Regina Machado, Sonia Salzstein, Silvia Laurentiz e Sumaya Mattar. Da Faculdade de Educação: aos professores José Sérgio de Carvalho e Júlio Groppa. Do Museu de Arte Contemporânea, à professora Maria Cristina Freire. Aos outros professores não pertencentes à instituição que desenharam um terreno para esse primeiro salto: Inês Raphaelian, Leda Catunda, Márcia Cymbalista, Mário Fiori, Raquel Garbelotti, Regina Teixeira de Barros, Salete Mulim e também ao antigo mestre que me fez acreditar na possibilidade de mudança: prof. Nivar Gobbi.

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Agradeço a minha pequena família por compreender, apoiar e incentivar minha dedicação nesse processo. Aos meus pais, Márcia e José Augusto por saberem meu verdadeiro caminho, ainda que tenha insistido por outro, antes de chegar às Artes Plásticas. Ao meu querido irmão Rodolfo, pela cumplicidade e pelas inquietações cotidianas compartilhadas sobre a Arte e a vida. Aos meus avós que sempre esperaram pacientemente pela minha visita e que por minhas ocupações não pude ficar mais, e infelizmente com alguns, que tanto me aguardaram, nos encontramos hoje somente na memória: Francisca e aos que já se foram, Bruno, Janina, José Augusto. As minhas queridas amigas que me auxiliaram nesse trabalho: Adriana Siqueira, pela revisão atenciosa do texto; Aline Antunes, ao lindo projeto gráfico; e Fabíola Salles pela parceria de trabalho. Gostaria também de registrar os agradecimentos especiais aos verdadeiros amigos que habitaram ou atravessaram os territórios possíveis da vida, nas trocas, nos encontros, nas conversas, nas confissões: Adriana Bento, Affonso Prado, Branco Chiaccio, Bruna Antonelli, Bruno Makia, Carolina Cortinove, Fábio Tremonte, Federico de Aquino, Felipe Salem, Francisco Laurindsen, Giovani Barros, Giovanni Baraglia, Graziela Kunsch, Graziela Mantoanelli, Hermes!, Inaê Luz, Inti Grespan, Jorge Menna Barreto, Maíra Gerstner, Manuela Eichener, Marcelo Correa, Marcela Tiboni, Marcos Kaiser, Marcos Kurtnaits, Mariana Fernandes, Maura Grimaldi, Nair Sasaki, Nirvana Marinho, Olavo Costa, Paola Lopes, Paula Galasso, Regina Melim, Sylvia Sanchez, Tatiana Abitante, Vitor César e a Yuka Tome. Aos meus performers! Às amizades do Núcleo Aberto de Performance. Agradeço!


sumário

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The objects in mirror are closer than they appear sobre procedimentos e espaços dos procedimentos

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os manguezais em nós 21 antecedentes 23 insight 27 À Jusante 29 acontecido 32 do nome 33 Faça-me lama, dê-me movimento 35 acontecido 38 des-Ata-me 41 acontecido 44 poéticas encaminhadas 47 acontecido 50 do processo Os manguezais em nós

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Território (2006) 55 Território #01 (Território-Fachada) 59 acontecido 62 Território #02 (Território-Corpo) 65 acontecido 66 do processo Território 67 movimentos para atravessar a multidão 69 ‘À uma passante’ 70 Paulistanos 73 acontecido 76 Espaços de Contemplação 79 acontecido 82 desdobramentos ou a revelação de um nome Guarda 87 acontecido 90 O Baile 93 acontecido 96

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dos espaços

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Núcleo Aberto de Performance 101 O projeto 103 O nome 104 Origem ou porque partimos de onde partimos 109 Os fatos em anotações livres dos encontros do NAP 113 2007 119 18 de abril de 2007 120 registros de leitura 123 Algumas questões 150 2008 153 Oficina de Performance: Espaços Imaginados 155 anotações livres: conteúdo e andamento 155 Transitivos.NAP 168 2009 183

Comentários Finais

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Referencias Bibliográficas Anexos

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the objects in the mirror are closer than they appear


12 the

objects in mirror are closer than they appear

Era um curioso texto no espelho retrovisor de um carro: the objects in mirror are closer than they appear1. À primeira olhada, a frase cumpria sua função de prevenção, avisando o motorista da existência de uma distorção na imagem quando este se aproximasse das coisas. Comprei um desses espelhos em uma loja de peças de automóveis. Trouxe para minha casa e instalei num cômodo, no centro de uma das paredes. De repente, o pequeno objeto engoliu todo o espaço à volta, devolvendo a mesma frase para a paisagem do meu espaço íntimo. Partindo do pressuposto de que o perceber o mundo surge quando nos damos conta de que aquilo que nos captura é da ordem de uma construção apreendida e não de uma condição natural das coisas, podemos assumir que o ato de ver aquilo que olhamos é resultante do perceber. De um ponto de vista particular e inserida no campo específico das artes visuais, entendi em meu processo de formação acadêmica que o ver é uma forma de intencionalidade que se confunde com o agir. O intento delineia a mirada aguçada sobre o mundo de forma a se confundir com o mesmo. O sujeito, quando ciente da sua potência perceptiva e de uma condição de ator no mundo, toma para si a tradição da qual escolhe pertencer e com ela constrói a sua própria história. Os processos de identificação com uma origem geram uma noção de

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1. Tradução livre: os objetos no espelho estão mais próximo do que eles parecem estar.

2. Utilizei o termo fissura como uma imagem de esgarçamento ou rasgo não estrutural em uma superfície lisa ou contínua. Para mim as regras, como as leis, normas de conduta moral, pensamento determinados pela mídia, hábitos de consumo, dogmas, doutrinas, as biopolíticas e outros establishments contemporâneos são as cadeias de relações que nos são previamente dadas. Dessa rede, quase impermeável pela subjetividade, construímos nosso ordinário dia-a-dia. Trago uma idéia de fissura, em lugar de ruptura, pois fissura é somente uma descontinuidade nas estruturas sociais às quais já estamos submetidos, mas temos consciência de que não poder implodir. A fissura esgarça os tecidos de relações cotidianas previamente dadas como verdadeiras. Gostaria que pudéssemos estabelecer através dessa imagem um terreno movente, sem um enrijecimento prévio das relações ou categorização a priori, abrindo espaço para um pensamento por meio do sensível.

pertença em um mundo que se deseja compartilhar; e o sujeito perceptivo se dá conta de que ver aquilo que olha é também imprimir a sua subjetividade no mundo que habita. O impulso de agir pode nascer da experiência sensível dos processos concomitantes de identificação e estranhamento frente às realidades previamente impostas. O embate gerado pelo encontro das linhas de forças dessas experiências de oposições, por exemplo, permite-nos perceber e agir nas fissuras2 encontradas no liso cotidiano que habitamos. Ocupar as fissuras é o que deve, para mim, configurar a atitude do artista na sociedade de hoje que, ao produzir abre novos territórios possíveis da ação para a Arte.


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sobre procedimentos e espaรงos


16 sobre

procedimentos e espaços

Realizei ao longo do meu período de formação acadêmica3 trabalhos poéticos, os quais se desenvolveram a partir de perguntas e respostas que o processo formativo me propunha. Dessas experiências realizadas em minha trajetória, faço um recorte daquilo que me foi mais relevante nessa passagem por uma instituição de ensino de Arte. Trago em forma de relato os procedimentos de Os Manguezais em Nós (2004-2007), Território (2006) e Movimentos para atravessar a Multidão (2006-2009). Os trabalhos aqui apresentados evidenciam algumas escolhas, semelhantes entre si, por explorar o espaço físico em relação ao tempo a partir da experiência do corpo. As proposições se agrupam em sua natureza performática com a necessidade de um audiência presente. Além das proposições poéticas, a parceria com Fabíola Salles4, colega do Departamento, resultou no grupo de estudos denominado Núcleo Aberto de Performance (NAP). Essa iniciativa tinha origem numa insatisfação constante de não encontrar no nosso contexto de formação um debate mais extenso sobre a história da Performance5. Buscávamos dar corpo ao assunto de nosso interesse, que ainda não se apresentava no currículo do Departamento de Artes Plásticas – ECA/USP. Dessa falta, idealizamos um lugar possível para realizar nossas pesquisas em Performance. No dia 18 de abril de 2007 fizemos o primeiro encontro do grupo de estudos. Havia o desejo urgente de instaurar e de compartilhar com outros colegas de Departamento questões sobre o assunto. No decorrer dos semestres, percebemos que as ressonâncias geradas pelo NAP despertaram algum interesse entre os estudantes e os professores. Nos encontros, realizamos leitura de textos sobre a história da Performance, assim

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3. Ingressei no Departamento no ano de 2004 e encerro o ciclo no presente ano de 2009.

4. Fabíola Salles fez sua graduação no Departamento de Artes Plásticas com habilitação em Escultura entre os anos 2000 e 2008. Além da formação de artista plástica, ela trabalhou com artes circenses e entre os anos 1999 e 2004 cursou Comunicação das Artes do Corpo com habilitação em Performance na instituição Pontifícia Universidade Católica (PUC) em São Paulo. 5. No segundo capítulo dessa monografia apresentarei algumas definições para os termos (Performance, performatividade, práticas perforamativas) aqui utilizados. Ali refiro-me também a alguns autores que trataram do assunto.

6. Em um ‘espaço colaborativo’, apesar de uma coordenação de um grupo especifico de pessoas, no caso do NAP seria duas, outras pessoas se agregariam com um interesse equivalente de desejo de troca. A colaboração se faz sem que haja um comprometimento de construção coletiva de um único produto, no entanto a colaboração pode proporcionar uma reflexão gerando um espaço real de debate que pode tomar formas conclusivas por aqueles que o pensam ou coordenam. A ação de cada participante teria igual importância até mesmo em sua proposição. Dessa forma Fabíola e eu pensamos, a partir de as experiências concretas do NAP, aquilo que viria significar um espaço assim denominado 7. nucleoabertodeperformance@yahoogrupos. com.br 8. Disciplinas: CAP0300 Práticas Performativas I e CAC0559 Práticas Performativas II 9. Faço uso livre de termos ligados ao nome cunhado Ricardo Basbaum (Rio de Janeiro, 1961- ):artista-etc. O texto “Amo os Artistas-etc” foi publicado originalmente em inglês “I love etc-artists” disponível no

como manifestos e escritos de artistas, assistimos a algumas produções em audiovisual, e buscamos conhecer a produção de cada um dos participantes dos encontros. Ao longo do processo, o espaço se tornaria colaborativo6. Foi criada uma rede virtual7 para que pudéssemos expandir o debate, alcançando outros interessados como estudantes de outras escolas de Arte, os próprios artistas e também pesquisadores do assunto. Ao final de 2008 foi sinalizada uma vontade comum entre docentes e estudantes de enraizar o debate proposto pelo NAP, nas pesquisas desenvolvidas dentro da Instituição através da criação de uma disciplina curricular. O projeto foi elaborado por docentes do Departamento de Artes Plásticas, Departamento de Artes Cênicas e nós, as coordenadoras do NAP. Aprovada no início do ano de 2009, através dos respectivos conselhos departamentais e da Congregação da Escola, a disciplina Práticas Performativas8 passa a fazer parte da grade curricular de ambos os cursos a partir do ano de 2010. Este relato traz, na seqüência, a descrição das três experiências poéticas (dos processos) e a indicação de uma pequena trajetória do Núcleo Aberto de Performance(NAP), entre 2007 e 2009 (dos espaços). O texto é o desenho de um pequeno mapa do meu processo de formação de artista-artista, artista-agenciador, artista-provocador, artistaprofessor9 dentro do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes. Alerto, porém, que as operações poéticas aqui apresentadas e a criação do Núcleo Aberto de Performance com seus desdobramentos não devem ser entendidas como procedimentos de uma mesma categoria, mas como os fios condutores de dois


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processos distintos de uma mesma natureza de trabalho, e quando aproximados , tornouse possível perceber semelhanças nos aspectos operativos, os quais geraram respostas possíveis para uma mesma equação.

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link http://www.e-flux.com/projects/next_doc/ ricardo_basbaum.html.Para Basbaum o termo ‘Artista’ teria sentidos em múltiplas camadas e ainda que seja escrito sempre da mesma maneira, possuiria diversos significados.O ‘artista-etc’ traria, segundo o autor, para o primeiro plano conexões entre arte&vida. O autor então se utiliza artista-etc imaginando diversas categorias que agregam as funções diversas que o artista assume na sociedade contemporânea: artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor, artistaagenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artista-químico.

dos procedimentos


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os manguezais em nós

série de quatro performances

À Jusante (2004) Faça-me de Lama, dê-me movimento (2005) des-Ata-me (2006) Poéticas Encaminhadas (2006/2007)


antecedentes

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10. Segundo Marta Vanucci “Mangue ou manguezal é um substantivo coletivo que designa um ecossistema formado por uma associação muito especial de animais e plantas que vive na faixa entre-marés das costas tropicais baixas, ao longo de estuários, deltas, águas salobras interiores, lagoas e lagunas. O nome mangue ou manguezal que tem sua origem incerta, mas de provável origem africana, no português também ganhou sinônimo de perigo, confusão, terras inóspitas.” e ”O manguezais eram (e ainda são conhecidos como tal em muitos locais) áreas inúteis, são sendo reconhecidos em seu valor intrínseco, nem nos serviços que prestam à humanidade, nem o papel que têm no grande drama da natureza” Os manguezais e nós: Uma síntese de percepções. Marta Vannucci. São Paulo: Edusp.1999 pág.26 e pág.30.

11. Cursei, entre os anos de 2000 e 2001, Ciências Biológicas na Unesp Campus Rio Claro. Nos anos de 2002-2003 freqüentei o curso Bacharelado em Artes Plásticas na Faculdade Santa Marcelina em São Paulo e, em 2004, ingressei no Departamento de Artes Plásticas – ECA/USP pelo processo de transferência externa.

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Em 2004, iniciei o trabalho Os Manguezais em Nós a partir de um interesse particular e antigo acerca de um bioma pertencente à paisagem litorânea brasileira: os manguezais10. O projeto está situado em um momento de transição entre minha formação inicial na área de Ciências Biológicas e minha entrada para o campo das Artes Visuais11. O trabalho foi uma tentativa de estabelecer um diálogo entre essas duas áreas de conhecimento, pois partia de uma experiência de base científica para mergulhar no pensamento artístico. Outro fato que atravessa minha história pessoal e traz um dado importante para minha postura na Arte foi minha atuação como voluntária na organização ambientalista não governamental Greenpeace12. Fiz parte do time de ação, responsável - dentro das campanhas em prol da preservação ambiental – pela elaboração e realização das ações diretas13. Os protestos pacíficos da entidade aliadas à mídia, tornaram-se a principal ferramenta de atuação da ONG para transformar uma denúncia ambiental em notícia, o que exige, muitas vezes, um reposicionamento da sociedade diante do flagrante. Essa tática de inserção de imagens das ações diretas na mídia projetou a Greenpeace no cenário mundial desde sua primeira ação em 1971. Na ocasião, um grupo de doze pessoas delatou testes nucleares realizados nas ilhas Aleutas, no Alasca (EUA), autorizados pelo governo norte-americano, sem o conhecimento da própria sociedade14. Em 2003, atuava como membro da entidade e iniciava meus estudos em Artes, quando me deparei com o texto ‘Whitness: The Guerrilha Theater of Greenpeace’ 15 provocando uma série de reposicionamentos críticos em relação à minha filiação com a organização. Pude estabelecer um paralelo possível entre minha prática ativista e a minha prática artística a partir desse artigo. O texto se encontra numa coletânea inglesa


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sobre práticas radicais de performances de rua. O autor Steven Durland estabelece uma série de argumentos que aproximam a atuação da Greenpeace com o discurso poético e estético nomeando aquilo que é ação direta para a entidade como teatro político. O autor considera a estratégia da entidade um exemplo a ser seguindo pela produção artística:

12. A Greenpeace é uma associação nãogovernamental fundada na década 70 que trata de denúncia de crimes ambientais através de protestos que são denominados ações diretas. Ingressei na entidade em 1998, atuando como voluntária até o ano de 2005. De 2002 a 2005 Na cultura americana contemporânea, as ações da Greenpeace, assim como o teatro de fiz parte do time de ‘ação direta’.

guerrilha dos Yippies e toda criatividade eficiente voltada para uma missão, são raramente consideradas como Arte por aqueles a quem se incumbe tais definições. É interessante notar que quanto mais bem sucedido é o teatro político, menos importante ele se torna para aqueles que se afetam pelo fato de que ele é considerado Arte. Certamente este não é um problema com o qual a Greenpeace está preocupada. Mas como a função da Arte em nossa cultura se desloca constantemente em direção a uma commodity na qual se pode investir ou ao entretenimento, talvez valesse a pena que o mundo da Arte dedicasse algum tempo para expandir sua definição estreita e incluir atividades que têm uma função além da manutenção dos valores artísticos tradicionais - criando imagens que têm impacto na vida das pessoas. 16

O autor não cita em seu texto que o grupo teatral Guerrilha Art Action Group (GAAG) já, em 1969, se valia das mesmas estratégias de inserção de suas obras no espaço da rua. Segundo, a autora Kristine Stilles, o conteúdo político do grupo se dava a partir de uma guerrilha poética, sendo estas anteriores à primeira ação da Greenpeace. Evitando o ajuizamento dos processos artísticos, as prescrições de procedimentos de sucesso ou eficácia em qualquer ação poética, em detrimento de um discurso político, devem ser evitadas. Penso o fazer artístico na sua instância de criação de diálogo com o

13. Quando há uma necessidade de delatar algum crime contra o meio ambiente, a Greenpeace estabelece algumas formas de confronto pacífico, dentre eles as ações diretas são protesto que leva a entidade ao local da agressão através de uma equipe de pessoas denominadas ativistas que muitas vezes se arriscam para garantir a presença da organização no local e a denúncia de um crime. In: http://www.greenpeace.org/brasil/ quemsomos/ 14. Idem. 15. Steven Durland Witness: The Guerrilha Theater of Greenpeace In: Radical Street Performance: An international Anthology. Londres: Routledge.1998. 16. Tradução livre de “In contemporary American culture the actions of Greenpeace, like guerrilla theater of the Yippies and

all effective creativity with a mission, are rarely considered art by those given to determining such matters. Interestingly, the more successful political theater is, the less important it becomes to those affected that it is called art. It certainly isn’t a problem Greenpeace is worrying about. But as the function of art in our culture drifts steadily toward becoming investment commodity and entertainment, it might well be worth the art world’s time to expand its narrow definition to include activities that have a function more in keeping with traditional art values – creating images that have an impact on people’s lives.” Idem.pág. 73.

outro, logo o elemento político está sempre presente. O texto acima citado mascara o risco de projetar na produção artística a crença de uma necessidade de redenção das linguagens em prol das transformações políticas e sociais a partir do ativismo, semelhante ao político. Essa constatação me fez tomar um posicionamento contrário ao perceber a conseqüente instrumentalização dos discursos poéticos. Afirmo haver uma clara dissonância entre o texto de Durland e minhas experiências de ativista política e estudante de Arte. O autor deseja ver uma transposição direta de estratégias de protestos, tidas por ele como mais eficientes, para a produção poética. Esse equívoco, inevitavelmente, transforma qualquer reflexão possível em panfleto partidário. Felizmente, o autor não consegue transformar as ações da Organização numa teoria da arte de ação. O texto revela um ponto importante à reflexão que atualmente desenvolvo sobre minha produção poética: os sentidos derivados para whitness no contexto de uma prática performativa. Whitness, de origem inglesa, traduzida como testemunho é o elemento de análise que me interessa. Podemos reconhecer o termo como um dos elementos de ativação da experiência poética. O verbo testemunhar se remete ou a uma ação encerrada ou a uma que ainda está em processo. O testemunho, nos termos do direito penal, valida o acontecido e atribui legalidade ao transformar algo que foi percebido em relato (fato). Steven Durland desejaria ver na Arte uma produção de imagens criadoras de impacto na vida das pessoas, no entanto é isso que vejo iimpedir a sugestão dada pelo título do texto de Durland. Transformar o espectador em um testemunho é evocar um posicionamento crítico deste ou por um estranhamento ou pela aceitação da ação presenciada. Nem sempre o impacto é positivo no sentido de dar condições para uma


insight

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reação do espectador. O impacto pode, em certa medida, provocar a imobilidade. O sujeito que testemunha é capturado, sem escolha, por uma determinada situação. Mesmo tendo sido tomado ao acaso, tornando-se parte daquilo que lhe foi revelado. No exemplo trazido, a proposta de testemunhar da associação Greenpeace é presenciar um fato e reportá-lo. Em uma ação direta da ONG, o ato de testemunhar objetiva uma denúncia, impedindo ou tensionando a situação presenciada. A imagem gerada pela ação dos ativistas e veiculada na mídia toma status de mediar aquilo que se testemunha. Na medida que a presença dos ativistas pode delatar o crime apontado, a sociedade é responsabilizada em sua postura crítica diante do ato deflagrado. Neste caso portanto, estar presente é provocar uma abertura de diálogo entre as estruturas sociais e políticas, no caso específico da entidade há um desejo de transformação do cenário encontrado17. Na Performance, pensada sob o crivo do ato de testemunhar, o artista estabelece um pacto com sua audiência, em que ambos podem se tornar testemunhas de uma experiência compartilhada. O posicionamento do sujeito (produtor e receptor) está em jogo; localizando a obra num lugar das relações dadas entre sujeitos. Anuncio tal questão, pois percebi que através da presença (ou testemunho) do outro conduzo meu trabalho em Performance. Percebo que essa construção de relação artista-audiência se alicerça em elementos da minha história pessoal e da minha experiência em uma Escola de Arte, na qual tive possibilidade de aproximar tais vivências ao explorar, no campo das Artes Visuais, elementos aprendidos na minha história de ativista.

17. Por vezes é necessário desobedecer algumas regras ou leis civis previamente estabelecidas (invasão de propriedade privada, barragem de fluxos e outros) para se evitar o que é considerado o crime contra a sociedade civil efetivamente, como a contaminação de uma área com material radioativo, por exemplo.

18. Anotações feitas em cadernetas de bolso, 2004

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De um insight ocorrido num sonho concebi Os Manguezais em Nós. Numa tentativa de fixar as imagens, de uma cena quase teatral de figuras num espaço semelhantes ao manguezal, produzi desenhos, gravuras e fotografias, os quais se tornaram materiais de um projeto poético entre os ano de 2004 e 2007. O insight era constituído por imagens de mulheres cobertas de lama num espaço vazio. Algumas anotações em minhas cadernetas qualificam o espaço sonhado: A incipiência do lugar ressalta os objetos... ou o objeto-mangue (zal) (...) Quero o objeto no corpo (...) Quero o corpo como um objeto em trânsito18. E as mulheres carregavam grandes coroas de madeira sobre suas cabeças, aprisionadas pelos filamentos, semelhantes a raízes, que se prolongavam até o chão. Elas deslizavam vagarosamente por um corredor escuro. Os únicos focos de luz (uma luz construída de forma teatral) estavam direcionadas apenas para os corpos daquelas mulheres, borrando-as.


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À Jusante

Performance Material: barro, corpos, sizal, som e tecido, 7 vasos. Duração: 20 minutos c. Dia 05 de novembro de 2004 (abertura da exposição coletiva Mata Olho, Rua Irmão Lucas, 102. Pinheiros. São Paulo/SP.) Concepção, direção e produção: Maíra Vaz Valente Performers: Bruna Antonelli e Maíra Vaz Valente Música: Rodolfo Vaz Valente Registros Fotográficos: Daniel Salum e Marília Fernandes Registros Videográficos: Alexandre Ibrahim e Pedro Palhares Colaboração: Laura Bruno


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32 acontecido

do nome

Duas mulheres bastante semelhantes surgem no espaço expositivo com os rostos cobertos por máscaras de fios de sizal. Usando vestidos de linho cru quase brancos, perambulam em meio aos convidados do vernissage. O espaço já estava preparado para o acontecimento. Fios de sizal estavam instalados em um dos cantos na sala principal da casa-galeria, o chão estava forrado de papel branco e sete vasos de cerâmica já se encontravam espalhados por onde aconteceria o evento de abertura. As mulheres recolhem os vasos e os levam para o pequeno quintal em frente à casa, próximo ao portão, com vista para a rua. No espaço externo, elas revolvem a lama que está dentro dos vasos. Sentadas no chão, a partir do amassar, conduzidas por um som gravado de batidas em peças cerâmicas19, as mulheres transferem para a roupa e o corpo a lama que manipulam. Em um gesto aparentemente banal do esfregaço da matéria no corpo, elas se transfiguram e passam a rastejar como bichos pelo chão do quintal em direção à entrada do espaço branco da exposição. Friccionando seus corpos contra a superfície do piso, adentrando separadamente na sala expositiva, criando rastros e deixando marcado todo o espaço com a lama que está em seus corpos, nessa passagem. Ainda rastejando, as mulheres se reúnem no canto oposto à entrada da casa, no mesmo local em que os fios de sizal foram instalados. Enroscando seus corpos uma na outra, as duas mulheres tornam-se quase num único corpo. Numa dança ritualística, erguem-se apoiando uma no corpo da outra até ficarem em pé. Separam-se, olhando-se nos olhos, retiram delicadamente seus vestidos enlameados, hasteando-os nos fios de sizal ali anteriormente colocados. Com os vestidos estendidos, elas deixam o espaço. O som cessa alguns minutos depois da partida.

Surgido na área da Hidráulica - que estuda o comportamento das águas - o termo Jusante denomina um ponto entre o observador e a foz de um curso d’água, ou seja, o termo nomeia as águas abaixo daquele que as observa. Estar “a jusante” é estar em um ponto acima, observando seu caminho até a foz, por exemplo. O nome anuncia um percurso do projeto de sua origem até o momento da primeira performance. Também é o lugar do espectador num atento testemunho de um pequeno ciclo.

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19. Som da performance foi composto por Rodolfo Vaz Valente para a performance. Partindo das notas sugerida por cada um dos 07 vasos de cerâmica da própria performance, a composição foi organizada a partir de um esquema previamente feito por mim da própria performance. O som era gravado e foi disparado pelo DJ um pouco depois do início da performance.

Convite veiculado virtualmente para a divulgação da exposição na versão cor Versão impressa P&B


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Faça-me lama, dê-me movimento

Performance Material: barro, corpo, cerâmica, música, sizal, cabuletê (tamborete) e tecido. Duração: 20min c. Dia 16 de junho de 2005. (Encerramento e avaliação final da disciplina CAP 0222- Introdução a Cerâmica, ECA-USP, ministrada pela Profa. Dra Norma Grinberg. São Paulo/ SP.)

Concepção, direção e produção: Maíra Vaz Valente Performer: Maíra Vaz Valente Música: Urbanogramas – Faixa 0421 Registros Fotográficos: Sinval Garcia e Paulo Fávero Registros Videográficos: Heloísa Uruhary e Gustavo Nascimento


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38 acontecido

Foi disposto um círculo de pedras cerâmicas entre as árvores que situadas em frente às dependências do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP. Três peças de cerâmica22, semelhantes entre si, foram dispostas no centro do círculo acima citado. Ao pé de três árvores foram colocados três vasos com lama. Havia também um aparelho de som para conduzir parte da ação com uma música anteriormente escolhida. Vestindo uma coroa de sizal com fios pendentes, da extensão da metade do próprio corpo, uma mulher de roupa branca sai do Departamento de Artes Plásticas e caminha pelos espaços entre os departamentos de artes vizinhos, pertencentes a ECAUSP, tocando continuamente um cabuletê23. O som é o chamamento para o início de um ritual. A mulher convida aqueles que se encontram nesse espaço a se aproximarem do círculo. Algumas das pessoas já esperavam pelo acontecimento e outras se aproximam espontaneamente por conta do chamamento gerado pelo som. Os presentes formam uma espécie de roda. A mulher então prossegue com seu ritual: deixando o instrumento ao lado do círculo de pedras, agacha-se recolhendo as peças dispostas no centro do círculo. Com um fio de sizal que já estava amarrado à peça prende, uma a uma, cada qual em uma árvore distinta, próximas ao círculo. Após pendurar a terceira e última peça, aproxima-se de um dos vasos mergulhando a mão na lama. Voltando-se para aqueles que assistem aos movimentos, aproxima-se com um punhado da lama nas mãos, entrega-o a um dos espectadores e sussurra em seu ouvido: Faça-me lama, dê-me movimento. Direciona-se para mais dois presentes

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21. Trabalho sonoro gravado em CD produzido por Felipe Julian com recursos para simulação de áudio tridimensional. Violão, percussão e sons eletrônicos: Felipe Julian. Clarinete e saxofones: Leornardo Muniz Correa.

22. Com uma dimensão de 15 cm X 3cm, as peças se assemelhavam a pequenos vestidos. 23. Cabuletê (ou Caburetê) é um instrumento de percussão encontrado em várias culturas orientais, como a indiana. Consiste num pequeno tambor com duas membranas de cada lado e duas pequenas cordas presas à estrutura que segura as membranas. Na ponta de cada corda há uma semente que, girando o instrumento, toca uma das membranas proporcionando um ritmo constante ao tocá-lo.

repetindo o gesto de deixar um pouco da lama nas mãos de cada um repetindo aqueles dizeres. Em seguida entra no círculo. Dentro do círculo, caminhando por suas bordas internas, convoca a participação de todos os presentes ao repetir as mesmas frases sussurradas em voz alta. Os espectadores, que primeiramente foram “chamados” se aproximam e depositam no corpo da mulher a lama que dela receberam. O toque enlameado de cada um dos espectadores conduz a dança da mulher. Os outros presentes buscam a lama que está no vaso e se aproximam, acrescentando mais estímulos à dança que se desenvolve a partir do toque de cada um. Uma música é disparada e a mulher intensifica a dança. Os espectadores se afastam para assistir. Quando a música termina, a dança cessa. A mulher sai do círculo e cuidadosamente, retira sua coroa de sizal, depositando-a ao centro do círculo. Olhando para o público que testemunha seu gesto, recolhe o tamborete, volta a tocá-lo enquanto se afasta, deixando o espaço do ritual.


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des-Ata-me

Performance Material: corpo, lama, sizal, tecido e vaso. Duração: 25min c. Dia 13 de maio de 2006 (Abertura da 1ª. exposição do ciclo intitulado Fluxo Contínuo24 com curadoria de Mário Ramiro no Espaço Aliança Francesa, Higienópolis. São Paulo/ SP) Exposição : 15 a 27 de maio de 2007


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À luz do dia, uma mulher de braços atados por uma única e longa corda de sizal, descalça e de vestido branco, chega silenciosamente ao jardim e se senta num dos bancos que ali existem. Quando percebida, inicia sua tentativa de se desatar das amarras. Ela não requisita qualquer ajuda daqueles que a assistem. Ela, para se ver livre, usa os próprios elementos do jardim, como bancos, e árvores para ancorar partes da corda que a amarra. Costurando o espaço vai se livrando paulatinamente da corda. Momentos de tensão se anunciam nessa luta travada até que, com sucesso, vê-se em liberdade. Alguns vasos que estavam dispostos pelo jardim e cheios de lama eram a fonte para um banho em comemoração ao retorno de uma liberdade. Enlameando-se, entregase a um prazer gerado pela cobertura do próprio corpo pela matéria mole. A mulher passa por todos os vasos ali dispostos, lambuza-se e comemora a soltura marcando seu corpo pelos espaços próximos ao jardim. E ela finalmente escapa, deixando para quem fica os vestígios da ação: manchas de lama como rastros e cordas costurando o espaço do jardim.

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24. “Fluxo Contínuo” foi uma série de mostras programadas para o ano de 2006 em uma parceria firmada entre o Departamento Cultural da Aliança Francesa de São Paulo e o Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP. O ciclo foi iniciado em março, com uma exposição intitulada “Fluxo Emergente”, encerrando em dezembro do mesmo ano. Ao longo de 2006 foi apresentado uma parcela da produção, em diversas linguagens, de quatorze jovens artistas em fase de formação da ECA-USP.

Convite veiculado virtualmente para a divulgação da exposição


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poéticas encaminhadas

Performance Material: 80 peças cerâmica, corpo, faca, sizal e tecido. Duração: 20 min ca. Dia 20 de janeiro de 2007 Obra selecionada para participar da VIII Bienal do Recôncavo. Cento Cultural Dannemann - São Felix/BA Exposição: 11 de novembro de 2006 a 4 de fevereiro de 2007


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Vestida com uma coroa de fios pendentes de sizal, que se direcionam ao chão, uma mulher adentra o espaço expositivo. Carrega em sua coroa quase uma centena de peças de cerâmica, semelhantes ao vestido que usa. Cada peça está presa, uma a uma, aos fios de sizal da coroa contendo a seguinte inscrição: deixei-me para te encontrar. A mulher, ainda no interior do espaço da exposição, saca uma faca e aos poucos corta fio a fio, liberando peça por peça. Do segundo andar do Centro Cultural oferece ao público cada uma das peças, abandonando-as, porém, uma a uma a partir da altura do seu rosto, antes que os espectadores as tomassem. As peças se estilhaçam. A mulher caminha vagarosamente, desce as escadas e se direciona à porta de saída para alcançar a rua. Seguidas por alguns espectadores em seu trajeto, a mulher caminha pela rua seguindo uma das margens do rio Paraguaçu que banha toda a cidade. Ainda arrancando de si as peças e as deixando pelo caminho, passa pelo porto tomando a direção do curso d’água, ou seja, em direção ao mar. A margem pela qual caminha pertence a cidade de São Félix, a outra à cidade de Cachoeira. A mulher, deixando seu rastro de estilhaços, desaparece no infinito, seguindo pela escuridão da noite.

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do processo

os manguezais em nós

Ao longo de três anos (2004 a 2007) ao realizar as quatro performances que compuseram Os Manguezais em Nós, busquei reconstruir as imagens vislumbradas no insight do sonho descrito anteriormente. Os elementos comuns (lama, sizal, o corpo) permitiram-me elaborar situações ou imagens em que a presença do corpo e sua ação no espaço se tornava o próprio trabalho. Desenhei uma série de performances, em que cada uma teria seu nome e contexto próprio. Assemelhavam-se, fundamentalmente, por uma idéia de ritualização, ora pela ação, ora pelo espaço criado de cada situação específica. Era necessária a presença do corpo e para isso busquei práticas que pudessem me dar algum alicerce para elaborar cada acontecimento. Encontrei nos códigos da dança contemporânea técnica, procedimentos e pensamentos que deram suporte ao projeto. É importante salientar que ao trazer uma outra linguagem ao processo – a dança - cada performance ainda permanecia no contexto do lugar da origem, ou seja, nunca nenhuma proposição se descolou do território artes visuais . O conceito performance não estava claro na elaboração inicial do projeto25, mas foi se revelando ao longo do processo quando percebi que diversos elementos descobertos no trabalho estiveram presentes na poética de alguns artistas da década de 1960 nas Arte Visuais da tradição ocidental. A natureza ritualística do trabalho Os Manguezais em Nós parecia reviver encontros semelhantes aos de alguns artistas experimentaram na história da Arte. Um exemplo é a artista cubana Ana Mendieta (1948-1985) quando em seu primeiro trabalho (1973) deitou-se sobre uma tumba asteca, cobrindo-se com flores

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26. 27a. Bienal de São Paulo: Como Viver Junto: Guia. Lisette Lagnado & Adriano Pedrosa (org). São Paulo:Fundação Bienal, 2006. Pág.26.

27. Utilizo testemunho da mesma forma como foi discutido anteriormente quando apresentei os fatos iniciais do projeto.

25. O projeto inicialmente teria uma aproximação com a dança. Vislumbrava construir, utilizando aquelas cenas vistas em sonho, num espetáculo. No entanto, o projeto abandonou qualquer tentativa de criar uma dramaturgia cênica ou mesmo uma coreografia. As proposições então se tornaram fragmentos ou imagens que apresentariam situações.

brancas. Ela afirmou ter feito uma analogia entre o “cobrir-se de flores” e o “estar coberta pelo tempo e pela história”26. Para mim, quando a artista afirma que aquilo que a recobre é sua ancestralidade, vejo-me repetir sua ação ao cobrir meu corpo com o barro. Apostava nas formas temporárias. O acontecimento se tornava a obra e a cada proposição o projeto voltava às origens e se refazia. Apostava na inserção de minha audiência numa atmosfera efêmera e ritualística. O trabalho tomou forma em seus registros (escritos, fotos e vídeos), permanecendo vivo na lembrança de seus testemunhos27. Esse trabalho apresenta o ponto inaugural do meu contato com a história da Performance ainda que não estivesse clara desde seu início.


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território (2006)

série de duas ações

Território #01 (Território-Fachada) Território#02 (Território-Corpo)


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28. Inicialmente o artista Nicolas Robbio foi convidado, nos encontros subseqüentes André Komatsu e Marcelo Cidade também compareceram como audiência do processo.

Território #01 (Território-Fachada) e Território #02 (Território-Corpo) são duas ações constituintes de Território. Ambas foram realizadas no transcurso da disciplina, ministrada pela professora-artista Ana Maria Tavares, Escultura I, do Departamento de Artes Plásticas no ano de 2006. A convite da professora, um artista28 acompanhou o nosso processo durante a disciplina. A proposta tinha como objetivo criar uma interlocução entre um processo artístico num contexto de formação e a uma audiência que não somente o professor e os próprios colegas. Para receber o artista-visitante apresentamos à nossa maneira o Departamento. Decidimos por realizar, cada um uma ação poética para anunciar o nosso lugar de origem e aquilo que nos era fundamental revelar. Território #01 (Território-Fachada) foi apresentado no início da disciplina, enquanto Território#02 (Território-Corpo) fez parte da finalização do meu processo ali.


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Território #01 (Território-Fachada)

Ação Material: água, balde, esponja e giz calcário colorido Duração: 15 min. Local: Fachada do Departamento de Artes Plásticas, ECA/USP. (ação ocorrida durante o transcurso da disciplina CAP 0226- Escultura I ministrada pela professora Dra. Ana Maria Tavares) 2006


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As palavras Território e Possível são escritas em giz calcário vermelho na fachada do edifício do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP. Após o término da escrita, com uma esponja e água, eu as apago.

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Território #02 (Território-Corpo)

Ação Material: álcool, fósforo, tesoura e recipientes de metal Duração: 10min. Local: Galpão do Departamento de Artes Plásticas, ECA/USP. (ação ocorrida durante o transcurso da disciplina CAP 0226- Escultura I ministrada pela Profa. Dra. Ana Maria Tavares) 2006


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Estavam dispostos numa sala alguns objetos no chão: uma bacia de alumínio, um recipiente de metal com álcool, uma tesoura e uma caixa de fósforos. O público estava sentado em cadeiras como numa platéia, numa conformação frontal à ação que aconteceria. Entrei na sala e me pus de frente ao público, olhando um a um fixamente. Abaixeime e recolhi do chão a tesoura. Estendi, primeiramente, o braço esquerdo pressionando a ponta da tesoura contra minha pele, mas sem perfurá-la; fiz o mesmo com o braço direito e assim pelo corpo todo. Ao alcançar as partes recobertas pelo vestido, intensifiquei a pressão dos gestos com a tesoura, e, aos golpes, rasguei o tecido de minha roupa. Depositei os pedaços do vestido na bacia de alumínio e sentei-me no chão de costas para meu público. Despejei cuidadosamente o álcool do recipiente de metal na bacia e com o fósforo ateei fogo no vestido rasgado. Assistindo a toda ação, o público lia em minhas costas a palavra Território.

do processo

território

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Receber convidados não ligados à Universidade gerou em nosso processo da disciplina importantes posicionamentos quanto às nossas vivências dentro do Departamento. Em Território #01 (Território-Fachada), tinha como objetivo apresentar o Departamento de Artes Plásticas na dimensão não visível, pois estava interessada em evidenciar um contexto que não é rapidamente apreendido numa rápida visita e pouco tem a ver com as estruturas físicas. Percebi, que ao escrever e apagar as palavras Território Possível potencializava o lugar naquilo que ele representa para mim: as relações estabelecidas com o lugar é que importam para mim. O território inscrito em vermelho é apenas o anúncio. O apagamento é uma forma de borrar e fundir as palavras vermelhas na estrutura visível de modo que, para mim, o Departamento de Artes Plásticas se revela apenas por uma cartografia de relações em constante re-configuração.


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movimentos para atravessar a multidão série de quatro ações

Paulistanos (2006) Espaços de contemplação (2007) Guarda (2008-2009) O Baile (2009)


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uma passante’

Um projeto de minha autoria idealizado para vídeo foi intitulado Paulistanos. Em 2006, quando o concebi, propunha um jogo de imagens entre uma ação para a faixa de pedestres próxima ao cruzamento da Rua Augusta com a Avenida Paulista, na cidade de São Paulo e alguns trechos do poema “A uma passante” de Charles Baudelaire29. O vídeo apresenta casais que, ao atravessarem a Avenida Paulista, abraçam-se longamente quando se encontram no meio da faixa de pedestres citada - altura do número 2.000, em frente ao edifício Conjunto Nacional. Quando o tempo do sinal verde do semáforo para os transeuntes se esgota, os casais se desmancham e cada qual toma seu caminho, continuando a travessia da rua. A experiência da ação, então, foi transposta para vídeo e algumas dessas imagens foram narradas por uma voz off com trechos do poema de Baudelaire; o encadeamento do vídeo se completa ao som de Gymnopédies(1888) do compositor francês Erik Satie (1866 –1925) O vídeo Paulistanos foi apresentado como um resultado de pesquisa de linguagem na avaliação final da disciplina de CAP0148 Fundamentos da Linguagem Visual I ministrada pela Profa. Dra. Silvia Laurentiz no Departamento de Artes Plásticas ECA-USP. A estréia do vídeo para o público geral aconteceu na abertura das atividades da exposição dos alunos do Departamento de Artes Plásticas, CAP007, no dia 26 de setembro de 200730. Em 2007, propus Paulistanos para um edital fora da cidade, assim poderia repensar a ação para outros contextos. Sob o título Transposições Poéticas para território Capixaba o trabalho foi selecionado, integrando-se à programação da IIa Mostra multipliCIDADE na cidade de Vitória, Espírito Santo31. No dia 08 de outubro de 2007 às 12hs diversos casais se abraçaram na faixa de pedestres num cruzamento em frente ao Teatro Glória,

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29. Baudelaire, Charles. As Flores do Mal. Trad. Ivan Junqueira.Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 2006. pág.319

31. A IIa Mostra multipliCIDADE aconteceu entre 05 e 14 de outubro de 2007, na cidade de Vitória. http://multiplicidade2006.blogspot. com/2007/10/multiplicidade-2007-aes-eintervenes.html

32. (...) ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo (...) In: Baudelaire, Charles. Sobre a Modernidade:o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1986. Pág 20.

30. A exposição CAP007 foi organizada pelos alunos do Departamento de Artes Plásticas acontecendo entre dias 27 de setembro e 26 de outubro na sede do próprio Departamento. Ver: http://www.cap.eca.usp.br/cap007/index. html Neste dia aconteceu uma mostra de vídeos nas dependências do teatro Laboratório do Departamento de Artes Cênicas que possibilitou apresentar a obra.

situado no centro daquela cidade. Paulistanos, em sua continuidade, dialogava com outros espaços que não o específico da Avenida Paulista. As ações atravessaram o tempo do sinal, a rua e aqueles que cruzavam a avenida na faixa de pedestres. As ações pareciam contrapor diferentes tempos: o de estar e de passar. Abraçar-se em meio à multidão foi uma imagem que, para mim, trazia uma dimensão poética às possibilidades de encontros. O poema A uma passante de Baudelaire ressoou como um questionamento dos movimentos cotidianos dos percursos desenhados pelos indivíduos na cidade. O homem apaixonado por uma mulher desconhecida em meio à multidão era uma metáfora para o meu arrebatamento ao redescobrir o olhar para a cidade e as possibilidades de ações individuais. Parecia ter me tornado em um flaneur32 ao realizar o vídeo Paulistanos. Esbocei uma série de trabalhos, incorporando a ação do vídeo Paulistano como a primeira, para a situação de enfrentamento de uma multidão num lugar de passagem. Interessava-me, naquele momento, as convenções previamente estabelecidas ordenado o fluxo da cidade. A aglomeração anônima nos cruzamentos era percebida como uma condição não exclusiva da minha cidade, mas de uma característica da metrópole moderna. O projeto se desdobrou em outras ações: sentar-se em cadeiras brancas na faixa de pedestres para contemplar os fluxos da cidade, intervir com guarda-chuvas vermelhos ou dançar ao som de uma banda ao vivo. Já não poderia ser mais Paulistanos o nome do trabalho, foi então que esta seria apenas o título da primeira ação transformada em vídeo-poesia. O nome do conjunto das ações deveria, portanto, apontar para a experiência da condição moderna anunciada por Baudelaire.


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Paulistanos

(Paulistanos: Ação 01 e Paulistanos: Ação 02) Ação 13 de novembro de 2006 às 12h30 | Duração: 1 horas ca. 29 de novembro às 18h | Duração: 2 horas ca. Local: faixa de pedestre (Av. Paulista, altura do número 2000, em frente ao prédio Conjunto Nacional)


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Amigos foram convidados para participarem da ação por meio de impressos e/ou informe eletrônico (e-mail). Em dia e horário marcados, encontrei-me com os voluntários. O local escolhido foi a faixa de pedestre na altura do número 2000 da Avenida Paulista, em frente ao Conjunto Nacional. Numa calçada próxima anunciei as instruções da ação: abraçarem-se em meio a faixa de pedestre. Os participantes foram divididos em casais e estes deveriam permanecer separados pela rua até o início da ação proposta. Cada integrante do casal formado ficaria em calçadas opostas esperando pela abertura do sinal do semáforo para encontrar seu par. Dado o sinal verde, cada elemento da dupla iniciava sua travessia, encontrando seu companheiro no meio da faixa de pedestres para, enfim, abraçarem-se. Os casais permaneciam unidos até o sinal verde ser substituído pelo vermelho, quando se separavam de modo a continuar, cada um, sua travessia. A ação aconteceu em dois dias distintos. Escolhi os períodos de maior fluxo de transeuntes para realizar a proposta: uma ao meio dia e outra às seis horas da tarde. A ação durou algumas travessias e a cena se repetiu algumas vezes ao longo de quase duas horas. Desejava nessa ação criar uma situação em que o aglomerado de pessoas formado nesses horários de grande fluxo fosse, em certa medida, descontinuado. Criava uma espécie de “entupimento” na multidão. Queria das pessoas que atravessam

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anonimamente uma faixa de pedestre outra percepção de sua passagem por aquele lugar que, provavelmente, lhes era habitual. Não queria que os passantes simplesmente estranhassem a ação, haveria uma abertura possível para que qualquer um tomasse parte. Relembro que essa primeira ação tinha como objetivo se transformar numa obra audiovisual de 3 minutos, como fora descrita anteriormente.


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Espaços de Contemplação

(Paulistanos: Ação 03_ Espaços de Contemplação) Ação 19 de outubro de 2007 | Duração: 2 horas ca. Local: faixa de pedestre na Av. Paulista, altura do número 2000, em frente ao prédio Conjunto Nacional. Exposição: CAP007 De 26 de setembro a 28 de outubro de 2007 São Paulo/SP 10 de setembro de 2008 | Duração: 2 horas ca. Local: cruzamento Avenida Conde da Boa Vista com a Rua do Sol, em frente a agência dos Correios33 Mostra SPA das Artes’08 Bolsa de Incentivo à Residência Artística De 7 a 14 de setembro de 200834 Recife/PE


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Através da minha rede de contatos eletrônicos convidei os amigos; e, no mesmo local da ação anterior, Paulistanos, nos encontraríamos. Desta vez, trazia comigo vinte cadeirinhas brancas de metal dobráveis alugadas especialmente para o acontecimento. A instrução para a ação: o participador-passante sentar-se-ia na cadeirinha branca que carregava em meio à faixa de pedestre. Utilizando o tempo do semáforo para pedestre, o voluntário da ação poderia contemplar os fluxos de carros e pessoas daquele lugar.

desdobramentos ou a revelação de um nome

33. Foi anunciado no convite Av. Conde da Boa Vista com Av. Guararapes, entretanto, foi entre a Av. Conde da Boa Vista e a Rua do Sol, uma das margens do R. Capibaribe, em que a ação aconteceu. 34. 7º. SPA das Artes_ 2008 http://www. recife.pe.gov.br/2008/08/28/spa_das_ artes_2008_163643.php

35. Revista editada dentro do projeto denominado Arte e esfera pública [http:// arte-esferapublica.org], organizado pelos artistas Graziela Kunsch e Vitor César. O projeto foi contemplado pelo Edital Conexão Artes Visuais MinC-Funart-Petrobrás.

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Quando a ação Espaços de contemplação foi realizada, percebi que a continuidade proposta ao projeto Paulistanos fundia ação com uma construção de uma situação. Sentar e olhar a cidade eram ações conjugadas. Parar em meio a um fluxo poderia revelá-lo por estabelecer uma oposição. As cadeiras brancas na faixa de pedestre, para mim, pareciam instaurar uma fissura no lugar, porque os tempos distintos da proposta da ação e o de travessia da multidão se tornaram contrapontos, modificando o uso do espaço da passagem. Quem está sentado, contemplando o lugar, guarda para si outra experiência daquela passagem. O voluntário pode estabelecer uma pausa para o fluxo arterial das multidões que se encontram e se diluem pelas ruas e avenidas dos centros comerciais da cidade de São Paulo. Recebi, após a realização de Espaços de Contemplação, um convite para participar com uma fotografia da ação no terceiro volume da revista Urbania35, publicada e lançada em 2008. A imagem na publicação me fez repensar o local escolhido como uma metáfora de certas condições em que o sujeito da metrópole está submetido. O condicionamento dos corpos, nos centros urbanos, possibilita uma negociação dos espaços de passagem, onde indivíduos em deslocamento de diferentes tempos (carros, motos, ônibus X pedestres) se submetem às zonas temporárias de passagem como forma de sobrevivência. Neste trabalho, penso que há um constante diálogo ao que Baudelaire anuncia como fenômeno das multidões e as origens das passagens diagnosticadas por Walter Benjamin. No entanto, lancei-me à experiência in loco, percebendo as transformações dos espaços transitórios do cotidiano.


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Em 2008, a proposta foi contemplada com o prêmio de incentivo de residência artística pelo edital da sétima edição SPA das Artes financiado pela Secretaria da Cultura da Prefeitura de Recife, Pernambuco. Espaços de Contemplação fazia parte da proposição junto de uma outra ação que foi elaborada e realizada na cidade anfitriã. Mantinha o nome da ação, mas fui impelida, pelas questões trazidas pela série proposta, a modificar o título que delineia o trabalho. Em Paulistanos apresentava uma possibilidade de encontro entre indivíduos, nas ações seguintes propunham um olhar para a cidade e um questionamento do que somos dentro dela, daí finalmente Movimentos para atravessar a multidão fez sentido.

Imagem do convite distribuído durante o evento SPA das Artes’08. Dimensões 6 cmX 9 cm. Impressão Digital e esferográfica s/ papel.


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Guarda Ação

11 de setembro de 2008 Duração: 2 horas ca. Local: faixa de pedestre (Av. Conde da Boa Vista com a Rua do Sol, em frente a agência dos Correios) Mostra SPA das Artes’08 Bolsa de Incentivo à Residência Artística De 7 a 14 de setembro de 2008 Recife/PE 24 de abril de 2009 Duração: 2 horas ca. Local: faixa de pedestre na Av. Paulista, altura do número 2000, em frente ao prédio Conjunto Nacional. São Paulo/SP


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Guarda foi a terceira ação de Movimentos para Atravessar a multidão e a segunda ação proposta para a cidade de Recife através do prêmio de incentivo à residência artística previsto pelo edital do SPA das Artes’08. Aconteceu no dia 11 de setembro de 2008 no cruzamento da Avenida Conde da Boa Vista com a Rua do Sol, em frente à agência central dos Correios. Usando as mesmas estratégias anteriormente descritas, convidei uma série de pessoas, na sua maioria os participantes do próprio evento SPA das Artes’08. No local marcado, levei 15 guarda-chuvas vermelhos para serem abertos ao centro da faixa de pedestres e, sob sua proteção, observar a paisagem à volta: o fluxo de pessoas e carros, o Rio Capibaribe e outros elementos da cidade. É importante ressaltar que em Movimentos para atravessar a multidão nenhum fluxo deveria ser interrompido. Queria um enfrentamento poético pela contraposição de movimentos e nunca pelo atravancamento dos fluxos. O estabelecimento da repetição foi para mim sempre importante, pois possibilitaria instaurar uma imagem de pausa. Em todo o trabalho, as instruções dadas aos participadores poderiam se transformar em convite aos passantes na medida em que os mesmo tivessem o desejo de modificar seu estado de percepção na cidade num jogo de olhar. A cor vermelha foi introduzida como um novo elemento de ação através dos guarda-chuvas. No dia 24 de abril de 2009 repeti a ação na cidade de São Paulo. Devolveria ao local de origem de Movimentos para Atravessar a Multidão a nova proposta. Os participantes abriam os guarda-chuvas vermelhos e atravessavam a Avenida, observavam a cidade e continuavam sua travessia solitariamente. E desta vez chovia.

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O Baile

Ação 14 de agosto de 2009 Duração: 2 horas ca. Local: faixa de pedestre na Av. Paulista, altura do número 2000, em frente ao prédio Conjunto Nacional. 17. Mostra Visualidade Nascente Exposição: 12 de agosto a 11 de setembro de 2009 Museu de Arte Contemporânea – Anexo. Cidade Universitária – Universidade de São Paulo.


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Quatro músicos36 no canteiro central da Avenida Paulista, na altura do número 2000 armaram seu pequeno quarteto: um saxofone, um acordeão, e alguns instrumentos de percussão – prato, caixa e outros. Enquanto isso, os convidados chegavam ao ponto de encontro para ali receberem as instruções. Como em todas as ações anteriormente realizadas, os participantes deveriam atravessar a avenida, sobre a faixa de pedestre, mas desta vez dançando, pois era para um baile. Desta vez, como a proposta da ação integrava a exposição 17a. Mostra Visualidade Nascente37, na abertura da exposição um vídeo com imagens das ações anteriores foi exposto no MAC-Anexo e convidava o público presente no vernissage do dia 12 de setembro de 2008 a participar do encerramento da série dois dias depois. O Baile encerrava o ciclo das ações que ocorreram ao longo dos anos de 2006 e de 2009. A travessia, na última ação, celebrava o espaço ocupado. Os músicos entoaram o ritmo, um repertório de musicas populares38, animando a festa. Conjugando a música com o tempo do semáforo, um baile aconteceu. Para mim, os participantes se tornaram, finalmente, co-autores de uma proposição, transformando o espaço da rua em apoteose.

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36. Adilson Jr (percussão), Clairton Rosado (acordeon), Régis Alves (saxofone) Vitor Almeida (percussão).

37. Programa fomentado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão que visa o incentivo a produção artística em música, cinema, artes plásticas, artes cênicas e literatura. movimentos para atravessar a multidão foi selecionado para a exposição denominada Visualidade Nascente que aconteceu, em 2009, no Museu de Arte ContemporâneaAnexo na cidade Universitária no campus Butantã da USP.

38. Ó abre Alas- marchinha de carnaval de autor desconhecido; A banda composição de Chico Buarque; Menina de Fita e Milonga das Missões –autor desconhecido composição pertencente ao folclore gaúcho. (acrescentar informações das musicas).


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dos espaรงos


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NĂşcleo Aberto de Performance


102 o projeto

Fabíola Salles e eu estávamos interessadas na produção plástica ligada aos artistas que fazem de seus corpos suportes poéticos. Happening, Performance, Live Art, Body Art, Ação, Situações, Fluxus, Experiências e outros nomes, popularizados entre as décadas de 1960 e de 70 no meio artístico, começaram a fazer parte de nossas pesquisas acadêmicas e poéticas. No entanto, no Departamento de Artes Plástica da ECA-USP ainda não havia, até então, uma disciplina específica, tampouco um grupo de pesquisas. Alguns professores da Escola se mostravam interessados em dialogar conosco, entretanto a ausência de um espaço formalizado para essa discussão era desejada em nosso processo formativo. Mediante a falta constatada, idealizamos um ateliê de experimentações para construir nossas pesquisas. Queríamos angariar um espaço de trabalho para as questões práticas e teóricas da Performance. Mas não queríamos nos distanciar da possibilidade de interlocução com a nossa Escola: assim como já havia percebido em meu trabalho “Território#01 (território-fachada)” o Departamento seria um lugar de possibilidade de encontro e embates no campo da Arte. Desejávamos que nossas inquietações pudessem se manifestar e provocar reverberações positivas na Escola. Se em 2006 um trabalho pessoal me fez perceber o apreço pelas relações que se constroem no cotidiano da Instituição, em 2007 uma proposição esboçava o nosso desejo de enraizar as questões que se apresentavam no trabalho pessoal de cada uma das propositoras do Núcleo. O Núcleo Aberto de Performance foi pensado para ser um lugar em que a troca livre entre os participantes de experiências fomentaria o material de estudos. Reunir outros colegas interessados era fundamental para que pudéssemos compartilhar nosso próprio processo formativo. Entendíamos que, ao encontrar parceiros, o desejo compartilhado daria corpo a uma produção que poderia se expandir dentro do processo de formação de outros estudantes do Departamento.

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Imagem digitalizada de caderno de anotações. Vinil adesivo preto s/papel.


104 o nome

Núcleo: s.m.(do lati. nucleus) 1. Parte central de uma coisa ou objeto; parte principal; centro – 2. Parte central de um objeto que tem densidade diferente da densidade da massa. – 3. Ponto essencial. – 4. Fig. Primeiros elementos de um grupo – 5. Parte central de uma organização.38 Aberto: adj. (do lat. apertus) 1. Não fechado, descerrado. – 2. Sem obstáculo que lhe impeça de entrar, sair ou ver. – 3. Desabotoado, não unido – 4. Não cicatrizado. – 5. Espaçoso, largo. – 6. Em exercício em funcionamento.- 7. Fig. Acessível; que admite e compreende facilmente. – 8. Franco, sincero – 9. Declarado. (...)39 Performance: (...)- 4. Modo de expressão artística que consiste em produzir gestos, atos e “acontecimentos” cujo desenrolar no tempo e cujas implicações, previstas em maior ou menor grau, constituem a obra em si.40 O surgimento de uma produção em performance, como uma mídia possível, se deu paralelamente na Europa e Estados Unidos, no final dos anos 1950. Após dez anos de uma debilitante grande guerra, muitos artistas acreditavam que o Expressionismo Abstrato estava esvaziado de conteúdo qualquer conteúdo político. Era inaceitável para alguns artistas que se continuasse na clausura solitária dos estúdios particulares, ao vivenciarem as tensões políticas de ordem mundial.

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38. Larousse Cultural: Grande dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultura. 1999.verbete NÚCLEO.

39. Idem, verbete ABERTO.

41. Fluxus foi um grupo de artistas de várias nacionalidades que colaboravam entre si na Europa, EUA e Japão entre os anos de 1962 e 1973. Estruturado fundamentalmente ao redor da figura de George Maciunas; o Fluxus desenvolveu uma atuação social e política radical que contestava o sistema museológico e político da arte através de performances, filmes e de suas publicações (Editora Fluxus Inc).

40. Idem, verbete PERFORMANCE.

42. Loefler, Carl E. “Introduction” In: Loeffer,C.E & Tong,D. Performance Anthology. São Francisco (EUA). 1989. pág. vi.

O cenário político internacional parece ter encorajado manifestação de caráter dadaístas como meios de ataque aos valores estabelecidos e institucionalizados pela Arte. No começo dos anos 1960, alguns artistas, como no coletivo Fluxus41, tomaram as ruas em ações agressivas em diversas cidades: Amsterdã, Colônia, Düsseldorf e Paris. Outros artistas, mais introspectivamente, criaram trabalhos em que tentariam capturar o espírito do artista, como uma força enérgica e catalisadora na sociedade. Alguns autores trouxeram as seguintes considerações a respeito do significado ou entendimento do termo Performance. Estes se depararam com uma dificuldade de definição categórica do que vem a ser tal campo na Arte. Carl E. Loeffler na introdução de seu livro Performance Anthology alerta para uma rápida permutabilidade de entendimentos para Performance, desde que publicou seu livro pela primeira vez. A Performance (performance art) se tornou uma denominação para algo bastante abrangente, ou seja, o termo se transformou num catch-all (pega tudo). Ele nos lança a idéia que o termo se comportaria como um conceito “guardachuva” que engloba uma série de tipos de trabalhos, cuja matéria está baseada no tempo42. A dificuldade de Loeffler é também a da autora Kristine Stiles na introdução do capítulo sobre Performance em seu livro “Teorias e Documentos da Arte Contemporânea”. No entanto, ela localiza quando essa tentativa de tornar uma diversidade de manifestações artísticas foi submetida a um só termo:


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Ações ao vivo são impossíveis de circunscrever com definições limitadas e, inicialmente, os artistas inventaram termos diferentes para descrever a sua intenção performativa: happenings, Fluxus, ações, rituais, manifestações, arte direta, arte de destruição, arte de evento e Body Art , entre outros. Por volta de 1973, no entanto, a gama estilística e diferenças ideológicas entre essas diferentes formas tinham sido absorvidas pelos críticos dentro da categoria única de Performance Art, apesar dos protestos de muitos artistas que reclamaram que o termo despolitizava seus objetivos e desarmando seus trabalho ao aproximá-lo do teatro, então associado por muitos com o entretenimento. 43

Stiles complementa com uma idéia de que os trabalhos em Performance são derivações diretas da Arte Conceitual e por isso carregam algumas características ou meios:

43. Tradução livre de “Live actions are impossible to circumscribe with limited definitions, and initially artists invented different terms to describe their performative intent: happenings, Fluxus, actions, rituals, demonstrations, direct art, destruction art, event art, and body art, among others.By about 1973, however, the stylistic range and ideological differences between these different forms had been subsumed by critics into the single category of performance art, despite protests by many artists who complained that the term depoliticized their aims and disarmed their work by proximity to theater, than (?) associated by many with entertainment” Stiles, Kristine “Performance Art” In: Stiles,K.&Selz,P. Theories and Documents of Contemporary Art. Berkeley: University of California Press.1996. pág. 680

Trabalhos de performances variam de atos puramente conceituais ou ocorrências mentais a manifestações físicas que podem ocorrer tanto de forma pública quanto privada. Uma ação pode durar alguns momentos ou continuar interminavelmente. Performances poderiam incluir gestos simples apresentados por um único artista ou de eventos complexos e de experiências coletivas que envolvem espaços geográficos amplamente dispersos e diversas comunidades. Eles podem ser transmitidos por satélite e vistos por milhões, aparecerem em discos laser interativos e realizar-se em uma realidade virtual. A ação pode ser totalmente silenciosa, desprovida de linguagem ou incluir de extensas formas autobiográficas, ficcionais, históricas ou outras formas narrativas. Performances poderiam ocorrer sem testemunhas ou documentação, ou podem ser totalmente registradas em fotografias, vídeo, filme ou 44. Tradução livre de ‘Performance artworks computadores. 44 vary from purely conceptual acts, or mental

occurrences to physical manifestations that may take place in private or public. An

action might last a few moments or continue interminably. Performances could comprise simple gestures presented by a single artist, or complex events simple gestures presented by a single artist, or complex events and collective experiences involving widely dispersed geographic spaces and diverse communities. They could be transmitted by satellite and viewed by millions, appear in interactive laser discs, and take place in virtual reality. The action might be entirely silent, bereft of language, or inclusive of lengthy autobiographical, fictional, historical, or other narrative forms. Performances could occur without witness or documentation, or they might be fully recorded in photographs, video, film, or computers.” idem. Pág. 680 45. Goldenberg, Roselee. A Arte da Performance: do Futurismo ao presente. Trad. Jefferson L. Camargo. São Paulo. Martins Fontes.2006 pág. IX 46. A publicação portuguesa da revista Obscena, em fevereiro de 2007, - inicialmente em formato digital PDF e distribuída gratuita http://www. revistaobscena.com/index.php?lang=pt - sugere o nome Artes Performativas como um termo que engloba toda a produção cênica no seu

Não obstante as tentativas de apreensão das características da Performance, o desafio posto se percebe na passagem a seguir de Roselee Goldberg em A Arte da Performance: Do Futurismo ao Presente: (...) um meio de expressão maleável e indeterminado, com infinitas variáveis, praticado pelos artistas impacientes com as limitações de formas mais estabelecidas e decididos a pôr sua arte em contato direto com o público.(...) Por sua própria natureza, a performance desafia uma definição fácil ou precisa, indo além da simples afirmação de que se trata de uma arte feita ao vivo pelos artistas. Qualquer definição mais exata negaria de imediato a própria possibilidade da performance, pois seus praticantes usam livremente quaisquer disciplinas e quaisquer meios como material. (...) De fato, nenhuma outra forma de expressão artística tem um programa tão ilimitado, uma vez que cada performer cria a sua própria definição ao longo de seu processo e modo de execução. 45

Os trechos escolhidos nos apontam para uma discussão que está contida também no nome escolhido para o grupo de estudos citados por mim e Fabíola. Inicialmente pensado como Núcleo Aberto das Artes Performativas para que todas as linguagens possíveis pudessem se aproximar, de modo a reunir todos os pontos de vista que gerariam o termo Performance. Entretanto, com o nome Artes Performativas46 talvez não fosse evidente a intenção de debate acerca da história da Performance, correndo o risco de apenas discutir uma gama infinita de linguagens e deixar de lado o ponto crucial do nosso debate. O aspecto mais importante que firma o nome Núcleo Aberto de Performance (NAP) é o da discussão de trabalhos que se colocam inicialmente no contexto das Artes Visuais, tendo


origem ou porque partimos de onde partimos

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o corpo como matéria e suporte nas suas origens, procedimentos ou desdobramentos. Optamos por modificar e aglutinar Performance ao nome, enfim, de modo a dar precisão ao nosso problema. Stiles localiza problemas decorrentes da aglutinação de diversas manifestações supracitadas, e percebemos então que o nosso ponto de partida das discussões insistia em identificar a natureza, aspectos e características, limites e possibilidades dos trabalhos em Performance propostos no campo das Artes Visuais. A opção pelo nome delimitava nosso campo de ação, auxiliando nas escolhas e nos encontros ao longo desses dois anos de atividade.

sentido ampliado: teatro, dança, música, manifestações artísticas que tem o corpo como matéria prima. A tentativa de não rotulagem e distinção entre as produções dentro da publicação é uma característica interessante dessa iniciativa. Artes Performativas seria um termo que englobaria as artes cênicas e outras manifestações, inclusive a Performance. Achamos pertinente a apropriação de tal termo em prol de uma outra leitura para o termo Performance e possibilidade de ampliação nos debates associados ao campo das Artes Visuais.

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Um ponto importante que nos mobilizou a instaurar um espaço de estudo foi a carência de material publicado e disponível sobre uma história brasileira das práticas performativas nas Artes Visuais. Uma mínima parte da estante de nossas bibliotecas da Universidade de São Paulo estava preenchida por uma restrita bibliografia internacional sobre o assunto, até então. Também percebíamos que poucas pesquisas acadêmicas, tomadas como importantes, tratavam do assunto pautando seu referencial numa historiografia internacional. Desde meu início de formação acadêmica, investi parte de meu tempo visitando exposições, e percebia que poucos trabalhos em Performance eram incluídos nas curadorias propostas. Um artista que vim a conhecer, ao longo de minhas pesquisas, e que considero de extrema importância é o modernista Flávio de Carvalho (1889-1973). Alguns esforços em incluir o artista num contexto de origem das experiências performáticas brasileiras foram percebidos em algumas exposições que pude presenciar. “O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira”, curada por Fernando Cocchiaralle e Elaine Tedesco, em 2005 na instituição Itaú Cultural apresentava uma sala dedicada às experiências do artista. Flávio de Carvalho propôs duas experiências distintas em momentos diferentes de sua vida artística. Cada uma, com seu propósito, ocupou o espaço da rua provocando certa polêmica na imprensa e no circuito artístico. Duas proposições importantes para modernismo brasileiro se apresentam na contemporaneidade como uma possível gênese da historia da Performance brasileira.


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Experiência n.2, realizada em 1933, foi uma proposta surgida espontaneamente a partir de uma indagação do artista sobre uma teoria da “psicologia das multidões” num evento religioso em que, considerando o Deus católico morto, desafiaria religiosos do evento. O artista conta, em seu único relato transformado em livro, que mergulhou no fluxo de uma procissão de Corpus Christi no centro da cidade de São Paulo. Usando um chapéu e caminhando no contra-fluxo da procissão alegava enfrentar a multidão com o objetivos de testar a voracidade da mesma. Flávio de Carvalho queria saber se os crentes seriam capazes de matá-lo por ter desafiado seu Deus-totêmico47. Já em 1956, New Look ou Traje para Homem Tropical é um proposta de roupa para o gênero masculino, habitante de regiões tropicais brasileiras. Flávio de Carvalho convoca a mídia e faz um desfile pelas ruas causando incômodos na sociedade tradicional paulistana. Essas proposições são partes integrantes de processos internos do projeto artístico ainda maior, que busca sempre estabelecer inter-relações possíveis entre o fazer artístico com as outras formas do conhecimento e também da cultura ocidental. Uma série de outros artistas tiveram em suas trajetórias trabalhos, cujos aspectos operativos se valem do corpo ou de procedimentos a partir da idéia de movimento ou performação48 de sua obra. No entanto, algumas vezes, o relato da produção desses artistas ou é apresentada sob o julgo de teorias européias e norte-americanas, ou simplesmente desconsideradas na produção brasileira. Alguns pesquisadores brasileiros que se tornaram referência aos primórdios dos estudos da Performance no Brasil mantém um sotaque estrangeiro ao olhar para a produção nacional.

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47. Carvalho, Flávio de. Experiência n. 2: uma possível teoria e uma experiência. 1a. Edição. Rio de Janeiro. Nau. 1991.

48. Performação pode ser lido como uma situação a obra se dá no tempo da relação ou exprerimentação. Essa realação pode acontecer entre artista e público ou público e proposição. Ver Cohen, Renato. Performance e Rede: Mediação na era da tecnocultura. In: http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/ constelacao/textorede.htm (acessado em dez.2009)

49. SPA das Artes em Recife (PE) inicia suas convocatórias em 2001 (encontra-se na 8ª.edição), A Galeria Vermelho (SP) promove a Mostra Verbo desde 2002. Em 2005 e 2006 ocorreram as mostras MultipliCidades em Vitória (ES); Manifestação Internacional de Performance, em Belo Horizonte nos anos de 2005 e 2009, no Rio de Janeiro em 2005 aconteceu no Parque Lage o V::E::R. Encontro de Arte Viva são alguns dos exemplos.

Renato Cohen, por exemplo, em sua pesquisa de mestrado realizada na ECA-USP em 1994 - e transformada num dos primeiros livros referências do assunto - Performance como Linguagem constrói uma proposição prática de produção em Performance tendo como base artistas e textos internacionais. O autor é do campo do Teatro e cita poucos eventos relacionados às Artes Visuais em seu recorte. Nomeia o campo da Performance como um espaço híbrido do encontro entre linguagens (dança, teatro, artes visuais, cinema, literatura e outras) e propõe que a Performance se assuma como linguagem autônoma. Entretanto, para todas as referências trazidas, não inclui nenhum artista de produção relevante nos anos 1960 e 70. O único representante das Artes Visuais é o artista Guto Lacaz em sua produção dos anos de 1980. Alimentávamos uma vontade de criar um panorama da produção brasileira em Performance. Pensávamos que seria importante tal resgate, mas seria muito ambicioso crer que somente por conta dos encontros poderíamos desenhar tal dimensão histórica. O espaço do NAP talvez devesse se tornar um lugar de mapeamentos das pesquisas poéticas. Conseguimos ao longo do tempo colecionar alguns materiais e reunir uma coleção de referências a partir das produções de artistas e pesquisadores, com os quais estabelecemos alguma forma de contato. Esse projeto, de impossível realização por duas estudantes, entretanto, deu forma e força à utopia do NAP. A ambiciosa atitude estava, no seu princípio, comprometida com a história da arte brasileira em relação à produção contemporânea que se desenha rapidamente, em um mapa ainda sem escala em mostras e festivais que se propõem a reunir artistas da Performance no país49.


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os fatos em anotações livres dos encontros do NAP

Em alguns de nossos arquivos (nossos cadernos de notas ou arquivos digitais) a vontade está posta:

Uma série de registros, a seguir, pretende dar conta das atividades realizadas durante os encontros do Núcleo Aberto de Performance ao longo desses dois primeiros anos de existência. Um primeiro chamado foi feito através de cartazes espalhados pelo Departamento e um convite eletrônico50. Criamos um endereço de correspondência virtual e uma rede virtual para dar suporte à comunicação entre os interessados e registrar nossas ações. Será fundamentalmente esse material gerado na lista de discussões do grupo que servirá de fonte para um resgate mais preciso para esse relato. Algumas anotações e fotos também integrarão o relato que segue. Inicio esse relato com o e-mail de divulgação das nossas intenções.

. construir um acervo e as nossas referências, a partir de uma experiência da história da Arte, preferencialmente brasileira. . promover um canal de comunicação e de circulação de possibilidades de partilha para que seja possível um mapeamento atual das práticas performativas. . gerenciar um espaço de trocas, assim como mostra de trabalhos pessoais e dos demais participantes interessados. . Promover encontros mensais como decorrência de um estudo continuado (dentro de linhas de pesquisa específica)

50. Convidamos amigos do departamento e também os amigos de fora que pudessem eventualmente se interessar pelo assunto. Veiculamos no grupo de e-mails (capusp@ yahoogrupos.com.br) utilizado pelos alunos de artes plásticas para comunicações e assuntos afins.

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Os apontamentos iniciais foram norteadores de exercício extenso e comprometido com o campo da pesquisa teórica, ainda que sejam propostos por duas aspirantes a artistas, resultaram num espaço informal de estudos e encontros entre amigos interessados num assunto comum. Em 18 de abril de 2007 chamávamos nossos colegas de Departamento para a primeira reunião do Núcleo Aberto de Performance. páginas seguintes

Anuncio dos encontros nas escadas de entrada do Departamento de Artes Plásticas, ECA/USP. escrito feito de PVC (vinil) adesivo Imagem: Maíra Vaz Valente


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2007


120 18 de

abril de 2007

Realizamos o primeiro encontro das 18 às 20h no Departamento de Artes Plásticas, ECA-USP. O galpão (puxadinho) foi o local de trabalho escolhido por ser uma sala ampla (10mX10m). Tínhamos a intenção de realizar diferentes formas de ocupação do espaço, fazer experimentações com o corpo e etc. O local deveria ser versátil, portanto. Segue o nosso primeiro registro:

O primeiro encontro do Núcleo Aberto de Performance na última quarta feira foi bem bacana. Seis pessoas participaram: Carolina Mikosevich, Deyson Gilbert, Edmundo (aluno da História), Fabíola Salles, Indrani e Maíra Vaz Valente. Iniciamos o encontro com uma prática corporal bem tranqüila e simples. Depois, cada um se apresentou e contou um pouco sobre sua relação com a performance. Achamos muito bom poder trocar idéias constantemente. Percebemos que tem muita gente pensando a performance sob diferentes aspectos. Explicamos então a idéia do Núcleo Aberto de Performance. A apresentamos alguns livros de nossas bibliotecas pessoais e por fim lemos juntos um texto de Roselee Goldberg no livro “A arte da Performance”, o último capítulo: A Arte de Idéias e a Geração da Mídia: 1968 a 2000. PRÓXIMO ENCONTRO: Maíra reservará a salinha de vídeo na biblioteca da ECA, às 18hs nos encontraremos no departamento para irmos juntos para lá. Caso alguém chegue depois, encontre-nos lá. Veremos um vídeo de Vitor Acconci (indicado pelo Deyson) Prince que está disponível

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no acervo a biblioteca. Após essa atividade terminaremos de ler o capítulo iniciado no encontro anterior. Acompanhe as discussões on-line, além de dicas de performances, textos e assuntos específicos do Núcleo pelo grupo de discussões: nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br NAP_ 23/04/2007

Enviado posteriormente aos presentes, devo incorporar alguns comentários desse primeiro dia. A ‘prática corporal’ comentada, por exemplo, foi conduzida por Fabíola Salles e consistiu em um exercício de respiração e relaxamento. Queríamos trazer uma consciência de presença corporal a todo instante no trabalho de leitura. Tentaríamos incorporar à prática da reflexão exercícios que auxiliassem conjugar as leituras com uma percepção mais aguçadas dos estados do corpo durante o trabalho em si (postura, respiração, sensações diversas, reverberações da leitura). Primeiramente, Fabíola pediu para nos aquietarmos, fecharmos os olhos e ficarmos por alguns minutos em silêncio. Ao abrir os olhos, deveríamos massagear nossos pulsos e os chacoalhar. Iniciamos o movimento pelas mãos e pulsos, expandindo para o movimento dos braços. Soltando o ar de forma intensa, os chacoalhos contínuos reverberavam pelo corpo todo. Por um minuto ou dois realizávamos esse exercício até retornar a um estado de quietude. Com os olhos, percebíamos uma modificação no estado de presença do corpo. Lembro-me da sensação de um despertar para o trabalho. Essa


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registros de leitura

descrição é um pequeno exemplo do que gostaríamos de manter ao longo dos encontros, possibilitando modificar as estruturas de trabalho, deixando-as mais fluidas, um pouco menos ligadas aos procedimentos acadêmicos. Fizemos uma rodada de apresentações para identificar os interesses e aproximações já feitos com o estudo ou a produção em Performance. Alguns foram motivados por uma curiosidade inicial em relação à proposta lançada, uma vez que alegaram não ter qualquer contato motivado nas disciplinas cursadas no Departamento. Os mais familiarizados se colocaram à disposição sugerindo materiais de estudo para os próximos encontros. Percebemos, nesse primeiro mapeamento, que deveríamos construir um lugar comum de debate, sistematizando leituras e conhecendo produções de outros artistas. Como uma primeira proposição, levamos livros que havíamos reunido de nossas bibliotecas pessoais e também da faculdade e iniciamos a leitura de partes do livro “A Arte da Performance”, de Roselee Goldberg51. Partimos da obra de Goldberg, porque percebíamos, nas poucas publicações sobre o assunto, que a autora teve um papel importante na reunião de uma série de artistas e de obras em sua pesquisa, e que fora, após a edição do livro, tomada como uma referência bastante importante para a história da Performance. Paulatinamente percebemos que o livro de Goldberg se transformava, ao menos na academia, num guia aos interessados da Performance. E no ano de 2007 o livro foi traduzido para o português. Decidimos iniciar pela pesquisa de Goldberg, pois esta era uma das poucas referências bibliográficas sobre o assunto52 já publicadas para o nosso idioma.

Levantamos dois pontos importantes nesse primeiro encontro.

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1. Deparamo-nos com uma impossibilidade de definição mais exata da Performance: na leitura a autora crê que nessa tentativa negaria de imediato a própria possibilidade de realização da própria Performance. Fica a questão: então, como definir o que é e o que não é? Quais serão os nossos critérios de estudos?

51. Roselee Goldberg. Prefácio & A arte de idéias e a geração da mídia: 1968 a 2000. In: A Arte da Performance: do futurismo ao presente. Trad.Jefferson Luiz Camargo.São Paulo: Martins Fontes.2006

52. Renato Cohen, Performance como Linguagem e Jorge Glusberg, Arte da Performance.

2. Apesar de um termo abrangente, cada artista nos propõe, com seu próprio trabalho, uma gramática pessoal e uma definição específica daquilo que nos apresenta em sua obra. Como lidar com essa diversidade? Devemos então mapear as produções ao invés de nos preocupar com uma tentativa de definição? Daqui veio a sugestão de tomar contato com os artistas que são nomeados no texto. O grande panorama apresentado pela autora é de fato bem importante e nos aproxima de uma gama bastante complexa da produção do século XX. Cabe também a nós tirarmos nossas conclusões para criar uma idéia de Performance e de suas possibilidades de manifestação.


124 25 de

abril de 2007

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Três vídeos do artista nova-iorquino Vito Acconti (1940-) foram escolhidos para este encontro. Realizamos uma sessão na biblioteca da ECA-USP com as obras Prying (1971), Open Book (1974) e Red Tapes (1976). Acconci transformara o ato de performar em atos de linguagem para ações físicas. Em muitas de suas obras monitorava aspectos corporais tanto físicos da rotina como rendimento, durabilidade, resistência e também exaustão, comenta a autora Kristine Stiles53.

53. Stiles, Kristine “Performance Art” In: Stiles,K.&Selz,P. Theories and Documents of Contemporary Art. Berkeley: University of California Press.1996. Pág 690.

54. Imagens dos vídeos de Vito Acconci que podem ser encontrados no site http://www. ubuweb.com

Vito Acconci – Red Tapes (1976)

Vito Acconci – Prying (1971)

Vito Acconci – OpenBook (1974)54


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maio de 2007

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Leitura: Danto, Arthur. O Mundo como Armazém: Fluxus e Filosofia. In: Jon Hendricks. O que é Fluxus? Brasília. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil. 2002.

30 de maio de 2007

cartaz para a ação Momento Suspenso.

Ação: Momento Suspenso Fizemos uma instalação no jardim central, entre os prédios de Artes da Escola de Comunicações e Artes. Penduramos carteiras escolares, encontradas dentro do Departamento de Artes Plásticas, com cordas finas pretas de maneira a simular a suspensão de uma sala de aula. Naquele momento atravessávamos uma greve geral da Universidade de São Paulo. Havia se instaurado uma série de debates dentro do próprio Departamento através de assembléias reunindo estudantes, professores e funcionários para discutirmos a situação da Escola e seu posicionamento perante o fato. Essa foi uma greve bastante particular, pois os estudantes invadiram o prédio da Reitoria e ocuparam-no por quase um mês. As aulas estavam suspensas, e o NAP buscava continuar as atividades de forma a dialogar com o contexto em que estava inserido.


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130 13 de

junho de 2007

Leitura de dois textos: Allan Kaprow. Participation Performance.197755 Joseph Beuys. Theory of Social Sculpture. In: http://www.walkerart.org/archive/F/A44369B1F42E32026178.htm A leitura inicial das idéias de Joseph Beuys foi bastante importante para nós. O texto escolhido sobre sua teoria da Escultura Social nos trouxe a consciência necessária para uma construção conjunta do conhecimento em Arte. Estávamos encerrando o período semestre de atividades grupo, havíamos nos dado conta de que a chegada de interessados a compartilharem conosco as idéias era de extrema importância, inclusive à própria Escola. Não se constituiu um grande grupo, nem todos que estiveram no começo das reuniões permaneceram, mas as reverberações do NAP foram positivas. Penso que neste momento, alguns professores se aproximaram de nossos questionamentos. Alguns nos deram suporte, apontando textos e incentivando a continuidade da iniciativa. O momento de greve vivido na Universidade de São Paulo não intimidou os nossos encontros. Continuamos assumindo o contexto dado de maneira a experimentar as maneiras de aproximação de um artista na política. Para tanto, buscamos nas manifestações do artista alemão Joseph Beuys (...- ...) o texto “Teoria da Escultura Social” de maneira a delinear ou alinhar as nossas afinidades nas potências poéticas da obra em se relacionar com o contexto social, num viés da dimensão política da atuação de um artista:

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55. Texto lido, porém sua localização não foi possível até o fim desse levantamento histórico.

56. Joseph Beuys, Theory of Social Sculpture In:(http://www.walkerart.org/archive/F/ A44369B1F42E32026178.htm) apud Carin Kuoni, ed., Energy Plan for the Western Man: Joseph Beuys in America. New York: Four Walls Eight Windows, 1990. (tradução livre). “My objects are to be seen as stimulants for the transformation of the idea of sculpture. . . or of art in general. They should provoke thoughts about what sculpture can be and how the concept of sculpting can be extended to the invisible materials used by everyone. THINKING FORMS--how we mold our thoughts or SPOKEN FORMS--how we shape our thoughts into words or SOCIAL SCULPTURE--how we mold and shape the world in which we live: SCULPTURE AS AN EVOLUTIONARY PROCESS; EVERYONE IS AN ARTIST. That is why the nature of my sculpture is not fixed and finished, processes continue in most of them: chemical reactions, fermentations, color changes, decay, drying up. Everything is in a state of change.”

“Meus objetos devem ser vistos como estímulos para a transformação da idéia de escultura ou da arte em geral. Eles devem provocar reflexões sobre o que a escultura pode ser e como o conceito de escultura pode ser estendido para os materiais invisíveis utilizados por todo mundo. FORMAS PENSAMENTO - como nós moldamos nossos pensamentos ou FORMAS DITAS - como nós damos formas aos nossos pensamentos pelas palavras ou ESCULTURA SOCIAL – como nós moldamos e damos formas ao mundo em que vivemos: ESCULTURA como um processo evolutivo, todo mundo é um artista. É por isso que a natureza da minha escultura não é fixa e acabada, os processos continuam em sua maioria: reações químicas, fermentações, mudança de cor, deterioração, ressecamento. Tudo está em um estado de mudança”56

O texto nos motivou a pensar sobre nosso posicionamento. Dado o sentido de nos encontrarmos toda a semana para nos debruçarmos em questões importantes para as nossas produções, o artista é um referencial. Qual então é a nossa matéria dos encontros? Seria somente o corpo? Ou seria também a nossa própria atuação? Como podem agir os nossos corpos? Qual o nosso lugar naquela Escola, portanto? E o que podemos?


132 20 de

junho de 2007

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Leitura do texto: Kaprow, Allan. “Art Wich can’t be Art”. In: Kaprow, Allan. Essays by the Blurring of Art and Life. USA: University of California.1993. pág 219-222. Kaprow, em sua pesquisa, percebe movimentos poéticos no cotidiano. Escovar os dentes, por exemplo, poder-se-ia transformar numa atitude artística através da percepção ou pela intenção de assim se tornar uma proposição. Seria o sujeito realizador da ação quem atribuiria o estatuto daquilo, fazendo a distinção entre a arte e a vida: “A prática desse tipo de Arte, que não é percebida como tal, não é tanto uma contradição, mas sim um paradoxo.” alega Kaprow em seu texto Art Wich can’t be Art.57

Ao longo do mês de julho, durante o curso de extensão Discutindo a Arte da Performance ministrado pela curadora e pesquisadora carioca Daniela Labra58, Fabíola e eu entramos em contato com uma série de jovens artistas e estudantes interessados em compartilhar seus pontos de vistas. Trocamos nossos contatos e muitos dos colegas de curso se associaram ao grupo virtual59. Nesse mesmo mês de julho, em que pude acompanhar a 3a. Mostra Verbo na Galeria Vermelho, tomei contato com outros grupos de artistas. Uma iniciativa bastante importante, em que encontramos similaridades, foi a rede de coletivos de artistas do

57. Kaprow, Allan. Art Wich can’t be Art. In: Kaprow, Allan. Essays by the Blurring of Art and Life. USA: University of California.1993. pág 219.

58. Curso de extensão universitária ocorrido entre os dias 11 e 13 de julho de 2007. Centro Universitário Maria Antonia (CEUMA/USP). Rua Maria Antonia, 294. Vila Buarque. São Paulo – SP. 59. nucleoabertodeperformance@yahoogrupos. com.br

60. CORO é uma iniciativa de artistas, que a principio buscou unir outros artistas que também trabalham coletivamente no Brasil. Teve origem em São Paulo pelo Horizonte Nômade. Começou a se articular em meados de 2003, a partir do levantamento de coletivos brasileiros e iniciativas autônomas, realizado por Flavia Vivacqua, desde 2000. Essa articulação se deu basicamente pela internet circulando um questionário sobre as ações de cada coletivo, os detalhes sobre como se organizam e produzem seus trabalhos e como pensam a coletividade. A proposta do CORO foi se espalhado e agregando adeptos e colaboradores, através de pessoas/coletivos que como um impulso na grande rede, informaram outras pessoas/ coletivos, acessando outros agrupamentos e meios difusores que já existiam, como o Mídia Tática, Canal Contemporâneo, Linha Imaginária, Rejeitados, PIA... hoje, a maior parte desses agrupamentos integram o CORO. In: http://www.corocoletivo.org

Brasil, fundada pela artista Flávia Vivacqua: COROColetivo60. Inscrevemos o Núcleo Aberto de Performance na lista de debates virtuais chamando outros artistas interessados de forma a compartilharem conosco suas produções. Essa inscrição gerou uma série de interesses, houve uma aproximação importante de propositores de outras cidades brasileiras, principalmente. O NAP, que inicialmente se entendia como grupo de estudos, ganha na internet a potência de rede articuladora entre artistas, pesquisadores, estudantes e curadores. No início do segundo semestre de 2007, empenhamo-nos em promover encontros para que pudéssemos conhecer e compartilhar a produção daqueles que chegavam ao NAP . Ainda mantínhamos o nosso propósito de um grupo de estudos. Ver a produção atual e realizar conexões com outros artistas e curadores nos interessava para ter uma dimensão desse panorama atualizado de uma produção poética. Dessa forma, retornamos ao segundo semestre ao final do mês de agosto:


27 de agosto de 2007

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Nesse encontro participaram os artistas: Jaime Lauriano e Vanessa, Bruno Sipavicius, Fabíola Salles, Maíra Vaz Valente e Marcio Shimabukuro (Shima). Fizemos uma primeira rodada de apresentações de trabalhos a partir dos registros trazidos por cada um. Foi combinada, para o encontro seguinte, uma visita ao ateliê de Bruno (rua da Consolação, 1105 apto 85) e ao estúdio em que Shima trabalhava: CASADEIDÉIAS (Av. Paulista com a Av. Consolação, ed. Gibraltar). Essa nova experiência foi importante, pois nos deslocamos ao local de trabalho de cada um para conhecer o espaço de produção de cada um.

imagem de e-mail enviado para a lista avisando do retorno dos encontros do NAP, nota-se a indicação de um endereço com um mapa virtual, auxiliando os novos integrantes, de fora do departamento, a chegarem até o Departamento de Artes Plásticas –ECA/USP.


136 03 de

setembro de 2007

Shima postou seu relato sobre o encontro no grupo: [nucleoabertodeperformance] Encontro Segunda-feira, 3 de Setembro de 2007 21:12:33 De: Marcio Shimabukuro <shima@...> Para: nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br Maíra e Bruno acabaram de sair daqui da casadeidéias. Foi bem bacana o nosso encontro, apesar de terem vindo só os dois e uma participação bem rápida da Fafá, que teve que sair antes. Passamos no ateliê de Bruno (bem bacana o espaço, por sinal - fotos em breve) comemos um lanche e viemos pro estúdio casadeidéias. Mostrei meus sketches e meus materiais, alguns deles inéditos, como fotos da época em que eu posava nu, e outras coisas que não pretendo mostrar tão cedo... Não deu pra rolar o videopost, pois o equipamento de luz não estava disponível, mas marcamos para realizar a ação um outro dia por aqui... A seguir um dos vídeos que Bruno mostrou. Eu mostrei o vídeo da minha performance em Recife e meus vídeos, que se encontram no Youtube, pelo meu site www.shima.art. br O próximo encontro não sabemos onde vai rolar, mas estamos pensando numa ação pra uma performance de Maíra, que pode explicar melhor (se for necessário).

Essa iniciativa evidencia o caráter colaborativo que almejávamos nos encontros.

10 de setembro de 2007

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Nesta data, após um balanço das atividades, decidimos pela modificação do regime de encontros. Tentaríamos organizar um encontro por mês. Encontrávamos dificuldades de continuidade pela falta de infra-estrutura após o horário de expediente do Departamento de Artes Plásticas. mudanças do NAP Domingo, 16 de Setembro de 2007 23:54:45 De: NAP <nap_nucleoabertodeperformance@yahoo.com.br>... Para: nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br O NAP – Núcleo Aberto de Performance está em fase de mudanças! A idéia é termos um encontro por mês e não um por semana como aconteceu até agora. A idéia é elaborarmos mais profundamente o conteúdo de cada encontro trazendo referências e materiais interessantes a todos os participantes. O próximo acontecerá no dia 4 de outubro às 17hs no puxadinho. Abraços Fabíola Salles e Maíra Vaz Valente obs. Todo este processo de mudanças do NAP é aberto às opiniões de todos. Quem tiver alguma sugestão envie para nós.


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01 de outubro de 2007

Com um espaçamento maior entre as datas das reuniões, poderíamos iniciar um outro tipo de trabalho que nos seria bastante importante: um mapeamento dos que se aproximaram do grupo. Iniciamos uma pequena coleta de informações dos inscritos na lista de discussões para formar um pequeno banco de dados virtual. Através desse arquivamento, do próprio grupo disponível na lista, todos poderiam ter uma dimensão do que cada um ali produzia e estabelecer uma troca efetiva, tornando mais horizontal a interação entre os próprios participantes da lista e a possibilidade de se gerar novas parcerias para além do NAP. Por conta dessa chamada, nos meses de setembro e outubro de 2007, houve uma intensa troca de e-mails na lista em que muitos participantes se apresentaram. Nesse momento, pudemos ter a dimensão de quem estava participando dos debates. Uma série de jovens artistas, pesquisadores e curadores marcavam a lista, que se expandiu para as cidades: Campinas (SP), Marília (SP), São Carlos (SP), Belém (PA), Belo Horizonte(MG), Brasília (DF), Florianópolis (SC), Fortaleza (RN), Salvador (BA), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Buenos Aires (Argentina), Freiburg (Alemanha). E dessa forma, conectando-se com a produção de cada participante iniciou-se um mapeamento, ainda inconcluso, de quem participa do grupo. Pensamos ser possível visualizar um espectro do panorama da produção mais recente em Performance nas Artes Visuais.

Considerando a potência do NAP, transcrevo um depoimento pessoal feito no grupo virtual nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br:

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Fervilha_mento(e)s Segunda-feira, 1 de Outubro de 2007 23:42:35 De: NAP <nap_nucleoabertodeperformance@yahoo.com.br> Para:<nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br> Pessoal, como uma das organizadoras e idealizadoras do NAP gostaria imensamente de agradecer a todos que estão nos dando apoio e agarrando a proposta com tanta vontade (...) Desde abril, quando esse grupo se iniciou, pedimos a todos que se apresentem, digam de onde são, como souberam do NAP e também que compartilhassem seus links (caso tenha um blog, site) e contassem sobre o seu trabalho. Fazemos isso para organizar aqui no grupo uma “biblioteca” virtual, onde todos possam conhecer todo mundo, e saber o que cada um faz e promover também trocas e intercâmbios de trabalhos. E para quem não tem ainda um site, blog ou qualquer coisa parecida, mande fotos textos, o que quiser para o e-mail do NAP que iremos incluir no grupo!!! Estamos bastante felizes, a Fafá e eu, porque essa era uma iniciativa (solitária no Depto de artes plásticas da USP) para tentar suprir uma enorme carência de acesso a um estudo mais aprofundado sobre performance. Temos bastante dificuldade de conversar sobre o


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tema no departamento e queríamos muito encontrar parceiros para que acontecesse uma troca idéia sobre produção de performance e de repente, com tanta gente bacana, o NAP tomou esta dimensão maravilhosa (em tamanho e qualidade). Fico feliz sim por perceber que não estamos sozinhas nessa empreitada. Acredito muito que a semente que a Dani L. e Flávia V.disseram ter lançado aos novos artistas tenha encontrado um terreno bastante fértil para brotar, o NAP é uma resposta para isso. E acompanhei as duas primeiras Verbos como espectadora e essa experiência reverberou no meu, quando este ano, na 3° VERBO, a convite do Ares_ atelier de performance participei da performance “Encontros Suspensos”. Estamos numa sintonia tal que toda a discussão vem de encontro ao que tanto sonhamos e batalhamos dentro da USP, que não tem lugar para abrigar tal discussão, mas que estamos cavando este espaço, estamos construindo uma história que percebo que está se expandindo. Agradeço a todos! Ao que acreditam no NAP e põem energia para esse lugar seja um lugar de trocas verdadeiras!!!! E vamos juntos mesmo nessa discussão!!! (...) Maíra NAP_Núcleo Aberto de Performance

Queria compartilhar aquilo que me motivava a continuar, e tudo que até ali teríamos conseguido construir. Reconhecia nessa ação colaborativa a potência necessária para continuar o encontro entre pessoas desejosas de trabalhar, investigar e propor a partir das pesquisas sobre Performance e seus desdobramentos. Isso gerou uma conversa muito profícua dentro do grupo virtual. A seguir, publico dois e-mails, em que suas autores se põem em diálogo com a proposição do NAP valorizando um posicionamento, por vezes, resistente a um impulso de realizar mais uma mostra de Performance nesse início de atividades. De: Flávia Vivacqua Para :nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br Data:Ter, Out 2, 2007 às 9:23 AM Re: [nucleoabertodeperformance] Proposta para encontro Maíra, Fafa, Mônica, Shima e todos, Que bom, Maíra e Fafa, a iniciativa do NAP, é muito legal mesmo! E está acontecendo em um momento e de uma maneira muito oportuna, seja pela necessidade pessoal que vocês sentiram de interlocução, seja pela necessidade de um canal especializado que as pessoas envolvidas com performance estão sentindo para também terem mais interlocução, trocarem referencias e poderem se organizar... muito bom! Espero que os encontros que vocês estão coordenando na USP, sejam contínuos mesmo! Acho legal a proposta de organização de evento em rede da Monica,


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muito possível sim, mas leva algum tempo e a opção ou necessidade geral... compreendo a necessidade do Shima de um primeiro evento NAP local e acredito que esses encontros que estão acontecendo na USP, como um ‘agrupamento de estudos’ possa se desenvolver a esse ponto... e penso ser ótima a ideia dos eventos em cascata que a Maíra propoem, algo mais como uma sincronização de agenda de eventos que já acontecem! O CORO www.corocoletivo.org sempre esteve aberto ao NAP! E seria legal se a iniciativa, quando tomar um corpo dos encontros presenciais na USP, integrar o mapeamento. Monica, penso que a ‘magazine Incorporo’ possa ser o catalizador de publicações teóricas, de pesquisa e de prática sobre performance... que eu saiba é a primeira publicação especializada no assunto aqui no Brasil ! Se tudo der certo, e vamos precisar de um programador, em breve o site do CORO vai ser atualizado e penso que tudo ficará mais facil de ser publicado e organizado quando estivermos com a plataforma web 2.0 !! Continuamos... abraços, fv

De: Nirvana Marinho Para: nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br Data: Ter, Out 2, 2007 às 11:02 AM Re: [nucleoabertodeperformance] Proposta para encontro Oi Maíra, Fá e demais não sei se vou propor algo muito “institucionalizante”, mas queria propor: por que não fazemos um projeto fapesp/cnp/capes para subsidiar este encontro nacional? como sou doutora, e acho que tenho colegas aqui, temos bala para fazer isso e conseguir uma verba legal. não estou ligada a nenhuma universidade agora, mas o titulo me permite e podemos juntar forças com mais professores ou pesquisadores. acho que isso é uma via. outra possibilidade é organizamos este banco de dados que Maira se refere com os trabalhos e referências de todos. podíamos começar enviando mesmo nossos matérias/portfólios ou coisas assim para conhecermo-nos e isso ser um ponto de partida. ainda outra via é escolhermos algum tema/assunto/problemática para lermos/apresentamos/performamos ao longo deste semestre, em paralelo a preparação do encontro. espero ter colaboradora, Maíra e Fa. sinto que nosso entusiasmo pode gerar belíssimas coisas, mas sinto falta de algo mais especifico. acho que cabe a Maira e Fá escolherem uma proposta e irmos a fundo. já temos várias sugestões super bacanas de todos participantes. vamos a uma!!!?!! Maira e Fá, será que vocês poderiam fazer um e-mail com todos que já


25 de outubro de 2007 workshop e conversa com artista

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se apresentaram para termos todos no mesmo lugar e dimensionarmos quem somos? abraços e sempre parabéns pela proposta/sucesso/performance de reunião de identidades provisórias e soltas que somos nesta área. (...) bjs Nirvana

Nesse mês de outubro aconteceu a primeira parceria do NAP. A curadora carioca Daniela Labra entrou em contato comigo para auxiliar no seu projeto Perambulação, acompanhando a artista holandesa Wendlien van Oldenborgh. Fiz uma proposta, então, à artista de mostrar seu trabalho no espaço do NAP. A artista propôs a encenação do roteiro de um vídeo que já teria feito a partir dessa pesquisa, em que seu interesse estaria focado na performação da fala dos “atores” a partir do conteúdo do texto proposto. Seu interesse pelo Brasil estava ligado aos processos de colonização. Desenvolveu parte de sua pesquisa relacionando alguns aspectos brasileiros com a presença holandesa no Brasil. Ela esteve, então, de passagem na cidade de São Paulo pesquisando possibilidades de desdobrar um projeto já pronto intitulado “Maurits Script”. Ela concebeu um workshop nomeado “Script como Acontecimento: uma certa


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brasilidade” e uma mostra de seu trabalho posterior a isso em que poderíamos debater sobre a questão de ‘performar’ um roteiro. Foi a primeira parceria do NAP, gerando outras parcerias. Primeiramente, a parceria entre projetos independentes, que provocou uma aproximação entre os dois Departamentos: Artes Plásticas e Cênicas. Para realizar o workshop, foi-nos concedida a sala de ensaio no Departamento de Artes Cênicas, possibilitando o laboratório em que os participantes “encenariam” o roteiro proposto pela artista. Em quatro horas discutimos e descobrimos algumas possíveis formas de realizar o texto investigando a intencionalidades do discurso a partir da fala. Ao final da tarde, às 19h no Departamento de Artes Plásticas, a artista mostrava o mesmo roteiro, em formato de vídeo, como teria feito em uma ocasião na Holanda. Penso que essa primeira proposta de encontro entre artistas que se dispusessem a conduzir um processo, poderia nos auxiliar, através de seus trabalhos, na formulação de proposições práticas, de maneira a alcançar um objetivo de atelier de práticas performativas.

08 de novembro de 2007

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Como já havíamos anunciado em setembro, faríamos encontros com temas definidos para que os integrantes da lista e outros interessados pudessem contribuir efetivamente com a conversa. Pensamos que muitas vezes, pela dificuldade de acompanhamento do grupo, o ritmo de estudo se perdia. Aproveitamos a passagem da artista Yoko Ono e decidimos retomar as nossas referências Fluxus, para trazer alguns dos aspectos que consideramos importante do trabalho da artista. Fabíola se encarregou de fazer um pequeno seminário, buscando vídeos e textos sobre a artista.


21 de dezembro de 2007

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Ceiling Painting, instalação (1966)

One, vĂ­deo (1966)

Assim, seguimos para o ano de 2008, momento em que as parcerias se firmaram.

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questões

Gerar uma reflexão compartilhada no Departamento de Artes Plásticas – sobre uma produção em que o corpo e a ação estão em jogo, suscitando algumas questões. De maneira a engendrar um início de pesquisa, uma questão importante foi identificada: qual seria lugar da ação performática na história das Artes Visuais? Para que pudéssemos nos debruçar sobre tal indagação, faz-se necessário criar critérios claros, de maneira a construir as nossas referências. Outras perguntas surgiram em decorrência desta, de maneira a construir sentidos no encadeamento dos encontros semanais: Quais então seriam as nossas referências? Sob qual ponto de vista escolheríamos mirar para as práticas performáticas? Que artistas ou movimentos do cenário nacional ou internacional cabem nessa pesquisa? Ao buscar referências na história da Arte, tentávamos criar metodologias de trabalho e formas de apreensão de processos muitas vezes intuitivos, com descobertas a partir do acaso e pouco sistematizados. Poderíamos atribuir a inúmeras obras, que conhecemos ao longo das nossas pesquisas, respostas impulsivas, mas efetivas aos acontecimentos políticos para uma sociedade ciente da falência da utopia racionalista. Kristine Stiles inicia seu texto com a seguinte formulação: Após a II Guerra Mundial performances de artistas emergiram quase simultaneamente no Japão, Europa e Estados Unidos. Os artistas que começaram a usar seus corpos como matéria-prima, no campo das Artes Visuais repetidamente, teriam como objetivo trazer a prática artística mais próxima da vida, a fim de acrescentar a experimentação (imediata) de seus trabalhos. A declaração poderosa do corpo como forma e conteúdo insistentes na primazia do ser humano sobre objetos. Esta afirmação deve ser situada no contexto histórico das conseqüências do Holocausto e do advento da Era Atômica com sua ameaça sem precedentes de aniquilação. Enfatizando o corpo como arte, estes artistas amplificaram o papel do processo sobre o produto da arte (obra) e transfigurando a representação objetual

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61. Tradução livre de “After World War II performance by artists emerged almost simultaneously in Japan, Europe, and the United States. The artists who began to use their bodies as the material of visual art repeatedly expressed their goal to bring art practice closer to life in order to increase the experiential immediacy of their work. Their powerful declaration of the body as form and content insisted on the primacy of human subjects over objects. This assertion must be situated in the historical context of the aftermath of the Holocaust and the advent of the atomic age with their unprecedented threat of annihilation. Emphasizing the body as art, these artists amplified the role of process over product and shifted from representational objects to presentational modes of action that extended the formal boundaries of painting and sculpture into real time and movement in space. Removing art from purely formalist concerns and the commodification of objects, they also sought to reengage the artist and spectator by reconnecting art to the material circumstances of social and political events.” Stiles, Kristine “Performance Art” In: Stiles,K.& Selz,P. Theories and Documents of Contemporary Art. Berkeley: University of California Press.1996 pág. 679.

para os modos de ação que expande os limites formais da pintura e da escultura para o tempo atual e movimento no espaço. Retirando da Arte a pureza formalista e a mercantilização dos objetos, eles também procuraram reaproximar o artista do espectador pela re-conexão da Arte às circunstâncias materiais dos acontecimentos sociais e políticos.61

Se não somos esses artistas-testemunhos-diretos dessa situação do contexto político desastroso, e a Performance já se tornou comercializável nos dias atuais, o corpo ainda é presente na produção contemporânea como suporte dessas experimentações? O que estaria em jogo, ou seja, o que se pode hoje produzir quando se propõe uma Performance? E se retomarmos o ponto anterior: quais seriam os critérios que norteiam e validam as práticas performativas atualmente? Se incorporarmos uma diversidade de procedimentos em que a presença do corpo do artista não é mais pré-requisito, o que é Performance hoje? Não teríamos a intenção de responder essas questões, mas foram elas, formuladas dessa maneira ou de outras formas, que alimentaram os encontros. Os constantes questionamentos apresentados nos encontros do NAP transformaram a natureza dos mesmos. As reuniões se transformaram num espaço vivo de trocas, que entre os anos de 2007 e 2008, aconteceram dentro do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP. O projeto de criar um ateliê nunca foi abandonado, mas a conformação que prevaleceu foi a de um grupo de estudos. No ano de 2009 o NAP migrou para minha casa de modo a ganhar autonomia quanto ás questões que alimentavam o próprio espaço. A rede de debate virtual conta com uma colaboração rica entre artistas, outros integrantes do Departamento de Artes Plásticas e Artes Cênicas ECA-USP, além de tantos outros que já se encontram fora da Universidade na produção artística ou teórica da Performance.


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2008


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oficina de performance: espaços imaginados

No ano de 2008, o regime de encontros do grupo de estudos foi modificado. Optamos por realizar situações bastante específicas: uma oficina, conversas com artistas e pesquisadores em Performance e, para encerrar o ano, organizamos um grande debate entre professores e alunos, ocorrido dentro do Departamento de Artes Plásticas ECA-USP. A oficina de Performance, denominada Espaços Imaginados, foi um projeto fundamental em que compartilhamos nossas questões relacionadas ao campo da Performance. Os encontros, denominados Transitivos. NAP, possibilitaram o contato com artistas-pesquisadores que não participavam da rede de discussão, mas que poderiam fomentar o fórum de debates. Em maio, o artista performer Yiftah Peled falou de seu trabalho e em setembro, a artista, professora e pesquisadora Regina Melim lançou seu livro Performance nas Artes Visuais no Centro Universitário Maria Antonia e realizou um encontro-aula no Departamento. No final desse ano, no dia 10 de dezembro, um importante acontecimento marcou a história do NAP dentro do Departamento. Criamos uma situação de um encontro semelhante a uma grande roda de discussão denominado Pontos da Vista. Convidamos alguns alunos e ex-alunos do Departamento para falarem de seus trabalhos e os professores, para realizarem perguntas. O NAP, na figura de mediador, pretendia gerar uma consciência de que, apesar de não termos uma disciplina focada no estudo específico, é recorrente e cada vez mais aprofundada, certo tipo de produção que se identifica com o campo conceitual da performance.

Desenhamos um curso de curta duração semelhante a uma oficina experimental. Seriam quatro encontros, com três horas cada. Focamos em práticas que conduzissem diferentes formas de experimentação das possíveis relações do corpo com o lugar, no caso, as formas arquitetônicas do Centro Cultural São Paulo. Em nossos objetivos, trabalharíamos a percepção do corpo no espaço e os significados dessa relação, ainda que nas dimensões mínimas. As aulas traziam propostas de realizar exercícios de percepção corporal em contraposição com o trabalho de outros artistas. Nossa hipótese, nesse curso era de que a consciência individual a partir do corpo, ao se relacionar com o objeto se expande e toma o espaço em forma de ação. Era fundamental um embasamento teórico de maneira que as experimentações alinhavassem a reflexão a partir do lugar, das situações dadas e da relação de escala entre corpo e espaço numa situação performática. Para conduzir as aulas, utilizamos materiais multimídia e a leitura de textos, estimulando, assim, a produção de ações, bem como pensando nas formas de registrar as mesmas. Nossos objetivos dentro do curso vislumbravam estimular a criação de um ambiente de pesquisa, reflexão e de prática da Performance.

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Anotações livres: conteúdo e andamento Oferecida ao público geral, a oficina estabeleceria um diálogo com todo e qualquer interessado. Recebemos quinze inscrições e os participantes que chegaram até nós tinham focos e contato com a Arte bastante distintos: estudantes de Artes Visuais e


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Teatro, profissionais liberais e estudantes de ensino médio. A proposição tinha formato para se realizar em doze horas, divididas em quatro dias ao longo de uma mesma semana. Aconteceu entre os dias 13 e 16 de maio de 2008. Organizamos os seguintes temas: 1o. Dia - Relações com o objeto (objetos no corpo, para o corpo, a partir do corpo) 2o. Dia - Ritmos, temporalidades e as linhas no espaço. 3o. Dia - Construção e desconstrução. 4o. Dia - Propostas para se viver. Terça-feira, 13 de maio de 2008 Ao som do álbum “Tropicália” (1969) de Caetano Veloso, recebíamos nossos participantes da oficina. No centro da sala62, estendemos uma toalha xadrez no chão, sobre a qual dispusemos algumas comidas. Nessa situação informal fizemos uma conversa sobre as expectativas dos inscritos e apresentamos o curso. A palavra Performance de certa forma já se encontrava no vocabulário daqueles participantes. Curiosamente, o Centro Cultural São Paulo não dispôs em sua programação o nosso curso na seção de Artes Plásticas, mas na de Artes Cênicas: não sabemos se tal confusão da instituição teria direcionado a escolha dos participantes, ainda assim, contávamos com a surpresa destes quando trazíamos o debate para o ponto de vista da história das Artes Visuais. Percebemos que esse estranhamento foi importante e felizmente gerou um envolvimento dos inscritos na oficina.

Contamos um pouco do histórico do Núcleo Aberto de Performance e o que nos motivava ali compartilhar. Deixávamos claro que gostaríamos de instaurar uma situação de ateliê em que a participação ativa seria a força motriz dos quatro dias de curso. Levamos alguns livros para que os participantes pudessem se familiarizar com eventuais bibliografias, mas não seria necessário que lessem qualquer texto para embasar a conversa que ali teríamos. Queríamos que as questões viessem das vivências propostas, primeiramente. Como este também era um laboratório para nós, Fabíola e Maíra, de como abordar conceitos e práticas performativas numa situação de sala de aula, era importante que o interesse no assunto fosse aguçado, e não prescrever conceitos fechados de antemão. Anunciávamos nossa proposta de trabalho a partir dos temas de cada dia. Nesse primeiro dia, focaríamos num exercício de percepção dos objetos e nas possíveis formas de relação a serem estabelecidas. Escolhemos a obra Objetos Relacionais da artista brasileira Lygia Clark (1920-1988) para iniciar nossa abordagem. 62. No Centro Cultural São Paulo foi-nos cedida a sala chamada Ensaio I no subsolo. A sala é utilizada principalmente para os cursos de dança por ter chão de madeira, especialmente feito para trabalhos corporais.

63. Rolnik, Suely. Breve Descrição dos Objetos Relacionais. In: Rolnik, Suely & Diserens, Corinne. Lygia Clark da obra ao acontecimento.São Paulo.: Pinacoteca do Estado de São Paulo.2006. pág.15

Objeto Relacional é a designação genérica atribuída por Lygia Clark a todos os elementos que utilizava nas sessões de Estruturação do Self, trabalho praticado de 1976 a 1988 no qual culminam suas investigações que envolvem o receptor, convocando sua experiência corporal, como condição de realização da própria obra.63


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Inauguramos a oficina com essa referência, pois apostamos que na Arte é possível gerar situações de experiência estética, entre o sujeito e objeto, através das relações. Cria-se um sentido que o teórico Nicolas Bourriaud anuncia em seu texto “Estética Relacional”: (...) as obras não têm como meta formar realidades imaginárias e utópicas, senão construir 64. Bourriaud, Nicolas. Estética Relacional. modos de existência ou modelos de ação dentro do real existente, em qualquer escala eleita Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2006. Pag. 12 pelo artista 64

Se assim pensarmos, para a condução de um processo que se pretende anunciar dentro de uma proposta performática, seria necessário instaurar o fazer, cujo desenrolar pode ser a obra em si. Em tempos de durações variáveis, o acontecimento é o foco do propositor, como vemos na obra de Lygia Clark. Nesta primeira aula, a proposta consistia em darmos aos participantes bexigas cheias de água ou de ar, de modo que eles, em duplas, experimentassem o contato sugerido por elas quando pressionadas sobre a superfície do corpo. Um dos integrantes da dupla deitava-se no chão com os olhos fechados, enquanto o outro manipulava cuidadosamente a bexiga, rolando-a com uma leve pressão pelo corpo de seu parceiro. Quem pressionava o objeto deveria enfatizar o contorno do companheiro. Aquele que recebia o toque mole tinha a instrução apenas de perceber o que lhe era pedido através da sensação do tato, refazendo mentalmente o seu próprio contorno. O exercício tomou uma grande parte da aula, pois cada um deveria passar pelo processo.

Num segundo momento, o objeto mole foi substituído por outro de diferente textura, densidade e forma (tesoura, lâmpada, livro, copo, jarra de plástico, e outros). Após essas diferentes passagens, registraríamos as sensações através de anotação e desenho de observação. A manipulação do objeto teve a inspiração no trabalho de Lygia Clark, portanto. O primeiro dia teria como intuito pensar o corpo em relação ao objeto. A relação gerava um acontecimento. Esta mudança de relações com o objeto de arte poderia trazer, em primeiro plano, a experiência do sujeito participador, o qual pode se tornar um co-autor ou continuação da obra. Para o dia seguinte, deixamos uma tarefa: tomar atenção no caminho de ida até o Centro Cultural São Paulo. Dever-se-ia observar nesta relação de intencionalidade e deslocamento no espaço urbano os desenhos do corpo no espaço, assim como seus ritmos, temporalidades e vetores de ação. Quarta-feira, 14 de maio de 2008 Introduzimos no segundo dia, algumas imagens da trajetória do artista inglês Richard Long, por construir seu trabalho a partir da experiência do deslocamento no espaço. A prática estética do caminhar é fundamental para o artista elaborar sua experiência com a paisagem e as suas obras apresentadas em galerias e museus. Outras imagens exploradas foram registros em fotografia e partitura da coreógrafa norte americana Trisha Brown e registro de alguns balés do artista alemão Oskar Schlemmer.


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Sobre um grande pedaço de papel pardo (tipo papel Kraft), os alunos desenharam o caminho de ida até o prédio do CCSP , como havíamos pedido no dia anterior. Um grande mapa de direções se tornava visível. O centro da superfície foi escolhido como o ponto de chegada, era assim possível visualizamos uma cartografia dos caminhos realizados. A imagem formada daria início ao exercício corporal da seqüência. Trabalhamos a idéia de diferentes ritmos do caminhar, provocando alterações de percepção e ação no espaço com o corpo. Iniciamos a proposta na sala e, depois das regras postas, dirigimo-nos para um dos pátios abertos do CCSP, utilizado como área de estudos (logo após o término da área de exposições no piso térreo, aos fundos do prédio). O exercício consistia em uma caminhada realizada confortavelmente pelo espaço, em ritmo semelhante àquele do dia-a-dia, determinando este estado como de número cinco. Daí, construímos uma escala rítmica: sendo o número um o andar mais lento possível e o número dez o mais rápido, mas sem se tornar uma corrida. Estabelecemos então o jogo. Dávamos os comandos, anunciando os números. Retomando o mapa construído anteriormente, sobre o papel, cada um deveria refazer seu caminho, então. Era pedido que cada um estabelecesse ritmos para cada trecho do trajeto, a partir da experiência ali no pátio. O grupo foi dividido em dois e um apresentaria ao outro seus caminhos, como um mapa ampliado. O primeiro grupo foi assistido pelo segundo grupo, e vice-versa. Conversamos sobre as sensações, como aquilo poderia se relacionar com o

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exercício do dia anterior. Retornamos à sala e combinamos o que traríamos para o próximo encontro: Construção e desconstrução seria o nosso tema. Para tal assunto, pedimos que o grupo escolhesse uma cor de roupa; eles optaram pelo vermelho. Quinta-feira, 15 de maio de 2008 No terceiro dia, assistimos a alguns vídeos do processo de feitura das obras de Gordon Matta-Clark. Nos interessava trabalhar algumas das relações do corpo com o objeto e as dinâmicas possíveis do corpo. Esses exercícios até aqui, pensamos que poderiam auxiliar a dar um indicativo de como construir um trabalho em que seria necessária a presença do corpo. Diferentemente do teatro e da dança, queríamos trabalhar uma ocupação do espaço que entrasse em diálogo com a arquitetura, de maneira que se relacionasse com a tradição das Artes Visuais. Além de Matta-Clark, as obras de Yves Kein e de Jackson Pollock foram citadas. Todos vestidos com a cor vermelho, no foyer do teatro criaríamos uma situação em que os participantes, em duplas, se aproximavam e, após um encontro, afastavamse o máximo que conseguissem. O Ideal era que ambos perdessem seu par de vista e retornassem. Nessa volta, cada integrante da dupla deveria tentar copiar o movimento de seu parceiro. Aroximavam-se e se afastavam novamente. Essa relação de ocupação, aproximação e distanciamento dos corpos, utilizaríamos o próximo exercício. Criamos jogos de imagem na rampa externa do CCSP, próxima à entrada do corredor. O Lugar de passagem sugeria um fluxo, de que poderíamos nos aproximar ou nos afastar, interagir com ou negar.


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Nesse dia, o trabalho com o corpo já sugeriria um início de ação. No seguinte e último encontro, traríamos algumas propostas do Fluxus 65 de maneira que as instruções de ação sugerida pudessem gerar uma primeira criação em Performance. O encontro seguinte foi denominado proposta para se viver. Sexta-feira, 16 de maio de 2008 Em nosso último dia de oficina, seria a primeira possibilidade de instaurar um processo de criação dos próprios alunos. Percebemos que havíamos instaurado idéias importantes para a ação e o pensamento que usa do corpo como um campo para ação e suporte de uma experiência artística: corpo em relação ao objeto, corpo em relação ao espaço, o corpo-objeto e o corpo no espaço foram nossos conceitos trabalhados, portanto. Escolhemos para esse último dia possibilitar uma primeira criação em performance ou intervenção no espaço. Desenvolveríamos a proposta a partir do exercício de escrever um currículo, mas não um curriculum vitae convencional, com objetividade de explicitar os feitos profissionais e as formações formais. Essa proposta teve como base em uma proposta Fluxus de construir um memorial daquilo que se julga importante ser registrado, definindo o sujeito a partir de qualidades, talvez não convencionais: crio pássaros imaginários ou caminho pelo meio fio das ruas sem saída, por exemplo66. Feitos os currículos, cada um leu o seu para todo o grupo e, a partir de então, os participantes se juntaram em pequenos grupos, de números variáveis, a partir de suas “afinidades”. Assim, a proposta de criação dos alunos seria a partir de uma indicação:

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65. Em 1958, John Cage conduziu um curso de composição musical na Nova Escola de Pesquisa Social em Nova Iorque. Reuniu diversas personalidades, entre palestrantes, convidados e os próprios alunos. Podemos dizer que esse encontro foi importante para um início do que viria a ser o próprio grupo Fluxus. Além de John Cage, outros nomes estiveram presentes: George Brecht, Jackson Mac Low, Dick Higgins, Allan Kaprow e Toshi Ichijanagi. Dois anos mais tarde, George Maciunas também assistiu às aulas sobre música eletrônica ministradas por Richard Maxfield na mesma instituição. Outro artista que fez o curso foi La Monte Young, que na mesma época organizava performances e concertos nos estúdios da artista Yoko Ohno em Nova York. Em 1961, entre março e junho, Maciunas apresentou três palestras “performáticas” intituladas “Musica Antiqua et Nova” na sua própria galeria, a Galeria A G. Nestes encontros, era pedida uma contribuição para a publicação de uma revista chamada Fluxus. Esta é a primeira vez que o nome Fluxus aparece, desencadeando diversos desdobramentos a partir das suas ações. Maciunas conseguiu promover o Fluxus a partir de um emprego

de artista gráfico na Força Aérea Americana. Aproveitou-se da estrutura governamental para esta promoção. Em 1961, Maciunas foi mandado para a Alemanha Ocidental, onde conseguiu fazer contato com o artista Nam June Paik, que o apresentou a diversos artistas vanguardistas que viviam na Europa. Já na Alemanha, Maciunas planejava a revista Fluxus enquanto trabalhava em uma série de concertos para divulgá-la. Maciunas tinha planos para uma turnê mundial de concertos do Fluxus. O Festival Internacional Fluxus de Música Muito Nova aconteceu no museu Horsaal de Statischen, em Wiesbaden na antiga Alemanha Ocidental. Podemos dizer que esta foi a série de performances mais ambiciosa do grupo que passou a ser conhecida como FESTIUM FLUXORUM. 66. O currículo Fluxus foi uma proposta sugerida por Fabíola Salles, baseado em uma atividade desenvolvida pela da professora Naira Ciotti, em disciplina, quando cursava a outra graduação Artes do Corpo, PUCSP. Para esse trabalho não conseguimos precisar se este “currículo Fluxus: seria uma proposição do Fluxus, ou se teria um caráter semelhante às instruções e assim foi dominado pela docente.

Com o livro Dicionário de Lugares Imaginários67 em mãos, escolhíamos ao acaso um verbete para cada grupo, cuja função era criar com aquela ficcionalidade uma proposição performática. Encerramos nosso primeiro projeto de oficina bastante satisfeitas com a possibilidade de termos compartilhado diversos materiais e procedimentos que descobrimos ao longo de um ano de trabalho com o NAP. No entanto, não conseguimos ainda realizar outras oficinas, o que possibilitaria a constituição de uma metodologia clara ou mesmo precisa de como conduzir um processo de ateliê em performance. Pensamos que seria bastante importante dar continuidade às proposições de oficinas, cursos ou workshops, criando e reinventando as possibilidades de abordagem da Performance. Com isso, afirmar-se-ia o importante lugar de troca que o NAP pretende construir e que pode potencializar práticas artísticas distintas, de pesquisa e também de docência.


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67. Manguel, Alberto & Guadalupi, Gioanni. Dicionário de Lugares Imaginários. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras. 2000. Os autores fizeram um amplo levantamento de paisagens estranhas e exóticas, de cidades, países, ilhas, paraísos utópicos, mundos subterrâneos, muitos deles cenários de aventuras incríveis e etc. O livro percorre a história da literatura, da Abadia de O nome da rosa ao País das Maravilhas, passando por locais menos famosos como Agzceaziguls e Cacklogallinia. Cada verbete é uma pequena obra de ficção inteligente e bem-humorada. Os locais são tratados como se de fato existissem, com descrições detalhadas, fiéis à fonte original. Entre as diversas informações, há a localização geográfica e a história dos lugares, o comportamento de seus habitantes, a flora e a fauna, pontos turísticos e até recomendações gastronômicas. Mapas e ilustrações enriquecem os tópicos. In: http://www.companhiadasletras.com.br/ detalhe.php?codigo=11195

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Realizamos duas conversas ao longo do ano que tomaram um caráter de encontro com artista-pesquisador. Transitivos.NAP seria um formato um pouco diferente dos encontros semanais de estudos. Esse nome delineia um território possível para os debates sobre produção artística com pessoas especialmente convidadas para nos contar das pesquisas já mais adensadas, muitas de um caráter mais histórico ou mesmo acadêmico. O nome escolhido Transitivo. NAP para tais encontros remete à forma de construção gramatical no nosso idioma. Um verbo é o estado ou a ação de um sujeito qualquer. O verbo é transitivo (direto ou indireto) gerando um vetor de ação. O NAP por ter se assumido um espaço de encontros em que prevalece a construção colaborativa, caracterizando-se como um território permeável, ou seja, permissível em sua transitividade de pessoas e pensamentos. Essa conformação consolidaria um momento em que o NAP foi em busca de pesquisas bastante recentes, através daqueles que constroem a história da Performance no Brasil.

Dia 15 de maio de 2008

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O artista Yiftah Peled apresentou seu trabalho poético e sua pesquisa acadêmica para obtenção do título de mestrado no Departamento de Teatro do Centro de Artes da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC)68. Interessante notar que o artista plástico e pesquisador Yiftah Peled buscou no campo das Artes Cênicas para realizar uma pesquisa sobre alguns aspectos da Performance. O seu objeto de estudo no mestrado foi o processo do grupo teatral paulistano, Teatro da Vertigem, que em uma de suas peças incluiu um dado não-representacional. O artista carrega consigo um importante referencial das Artes Plásticas para fazer sua análise: o conceito de ready made de Marcel Duchamp. Ao analisar uma das peças teatrais da trajetória do grupo, Apocalipse 1,1169, Peled destaca uma situação específica, em que um casal de atores de filme do gênero pornográfico mantém uma relação sexual no palco, evidenciando um elemento performativo inserido ou incorporado pelas Artes Cênicas. Artista denomina esse dado como: unidade performática. No encontro do NAP, Yiftah Peled nos apresentou também sua trajetória artística através de seu trabalho em performance, explorando o corpo do outro como suporte de suas proposições. Ao final do encontro recomendou aos presentes a leitura do artigo de Philip Auslander, que versa sobre a performatividade da documentação de uma obra em performance70.

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68. Peled, Yiftah. Ready Made Performático: Incorporação de Unidades de Performance no Contexto de Performance Teatral, atravessado por forças e tensões sociais. 2005. Dissertação para obtenção de título de mestre. Departamento de Teatro do Centro de Artes. Universidade Estadual de Santa Catarina. (UDESC)

69. Dirigida por Antonio Araújo, Apocalipse 1,11 foi encenada pela primeira vez em 2000 na prisão do Hipódromo, em São Paulo.

70. AUSLANDER, Philip. “The performativity of performance documentation”. In: Performance Art Journal – PAJ 84, 2006, pp. 1-10


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setembro de 2008

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No dia 03 de setembro de 2008 aconteceu no auditório nobre do Centro Universitário Maria Antônia o lançamento do livro Performance nas Artes Visuais da professora Regina Melim, em parceria realizada entre o Núcleo Aberto de Performance, Departamento de Artes Plásticas ECA-USP e o Centro Universitário Maria Antonia/USP (CEUMA). Regina Melim trouxe uma contribuição importante aos participantes do NAP. Em seu livro, aborda as múltiplas possibilidades das referências contidas no termo performance. Na tentativa de ampliar o conceito de Performance, aponta para a variante de procedimentos, reexaminando por meio de elementos performativos presentes na ordem construtiva de trabalhos apresentados em formato de vídeo, instalação, desenho, texto, filme, fotos e etc. Na pesquisa que resultou na publicação, é possível pensar em outros procedimentos igualmente performativos, a partir da noção de espaço de performação. Melim nos aponta como o espaço de ação do espectador poderia ampliar a noção de performance, prolongando a experiência ao participador da obra:

71. Melim, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2008. Pag. 57.

Entre as múltiplas possibilidades de alargamento da noção de performance nas artes visuais, cumpre-nos, ainda, destacar neste último segmento os procedimentos que requerem outra ação para a sua realização: o ato (do artista) como ativador de outros atos (dos participadores), endereçando de imediato a noção de obra como proposição ou como instrução. Algumas (...) quando a participação do espectador diante da reavaliação do objeto era imprescindível, estabelecendo ao artista a condição de um propositor de ações (...) 71


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Quanto ao conceito de espaços de performação afirma: (...) situação que surge do encontro do espectador com a obra-proposição, possibilitando a criação de um espaço relacional ou comunicacional É o espaço de ação do espectador, ampliando, portanto, a noção de performance como um procedimento que se prolonga também no participador. Alem disso, uma tentativa constante de um movimento participativo e que existe não como obra pronta, fechada em si como materialidade silenciosa, mas como 72. Idem. Pág. 61 superfície aberta e distributiva. 72

Na noite da palestra, a autora trouxe ao debate um enfoque mais específico do que seria o documento primário da Performance. Debruçando-se sobre a pesquisa de registros fotográficos, principalmente, questiona o status da fotografia de uma performance como somente uma fonte secundária e descritiva de uma ação. A autora, então, propõe tornar os registros de performance como fonte primária do procedimento transmutado para a imagem. Com isso, ao resgatar alguns autores, Melim afirma que a documentação não gera simplesmente imagens ou afirmações que descrevem a Performance e mostram o que ocorreu, mas elas produzem o evento enquanto Performance em si.73

73. MELIM, Regina. A Fotografia como documento primário de Performance nas Artes Visuais. Crítica Cultural, v. 3, p. 7, 2008. (http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/ linguagem/critica/0302/07.htm)

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A conversa teve sua continuidade no dia seguinte. Em um encontro, agora no Departamento de Artes Plásticas, a professora-pesquisadora dividiu suas referências sobre a pesquisa que vem desenvolvendo sobre a Performance nas Artes Visuais.

Transitivos.NAP foi um episódio bastante importante para a história do NAP. Ao trazer convidados para conversar conosco dentro do Departamento, aconteceu uma aproximação ainda maior entre nós e os docentes do curso. A parceria firmada, que resultou no encontro realizado no Centro Universitário Maria Antonia/USP (CEUMA) foi fundamental na história do grupo de estudos. Percebemos que o apoio dado a nossa iniciativa seria talvez o início de um trabalho conjunto que veio dar frutos no início do ano de 2009 com a elaboração de um projeto de disciplina relacionada ao assunto. Durante o processo de organização do encontro no CEUMA/USP, o depoimento de alguns de nossos professores nos motivavam a expor nosso posicionamento. Publico um dos e-mails que pontua nossa iniciativa em relação ao cotidiano da Escola:


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Re: Re:NAP- apoio e parceria Sábado, 14 de Junho de 2008 11:44:46 De: Sônia Salzstein Para: mairavalente Cc: tchiarelli; gttoprado;seravati;mbuti;ramir;fafasalles; nap_nucleoabertodeperformance Prezada Maíra e amigos, Desculpem não ter respondido antes... Queria apenas comentar alguns aspectos. Em primeiro lugar, dizer-lhes que fiquei contente com a iniciativa do NAP, pois ela indica a vitalidade dos jovens artistas e pesquisadores da escola e a busca de autonomia que anima o grupo de pesquisa e discussão que vocês tocam, elementos de que tanto precisamos para não nos desanimarmos em face das tantas dificuldades que vivemos no dia-a-dia na universidade. E também dizer que fiquei satisfeita com os encaminhamentos produtivos que os professores do CAP lhes propuseram. Em segundo, gostaria de fazer uma sugestão, embora não saiba se ainda é oportuno fazer sugestões a essa altura; se me permitem, apenas acho que seria importante caracterizar o lançamento do livro da Regina como algo mais do que uma conversa informal do público com a autora - trata-se, enfim, de uma iniciativa do NAP/CAP/USP,isto é, de uma oportunidade de ouro para vocês alunos tornarem pública a sua reflexão e prática. Por que não bolam uma singela mesa-redonda em que vocês do grupo façam um debate com a Regina Melim, um bate-papo a partir do resultado da experiência de vocês, buscando confrontar essa experiência com a que a pesquisadora nos traz? De outro modo, o evento pode se diluir na programação do CEUMA... Beijos, boa sorte. Sônia

74. Anexo I

No dia 05 de agosto de 2008, ao final da sessão mensal do Conselho Departamental, decidimos nos manifestar, através de uma carta de agradecimento aos apoios e parcerias firmados entre o NAP e o Departamento de Artes Plásticas - ECA/USP74. A leitura do documento teve o caráter de afirmar publicamente uma ação resultante de um desejo de coletividade. Era para nós fundamental revelar o diálogo possível entre docentes e estudantes dentro da Escola. O lançamento de um livro dentro de um dos encontros do NAP tornou evidente o nosso posicionamento político dentro da nossa Escola. Penso que, ao longo dos dois anos em que promovemos os encontros do NAP tomávamos consciência da potência das reverberações derivadas das proposições do pensamento poético. O NAP corresponde a um desejo de diálogo que, ao não encontrar interlocutores a priori, chamou para si a função de apontá-los. Essa tomada de consciência para uma construção que se dá em colaboração, teve enfim resultados efetivos na estrutura da Escola. Antes do último encontro que realizamos no mês de dezembro em 2008, iniciamos uma conversa entre docentes e estudantes acerca de como fixar as ações do Núcleo Aberto de Performance para além da efêmera permanência de duas estudantes do Departamento.


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Foi enviado aos docentes do Departamento de Artes Plásticas ECA/USP um convite de participação para uma rodada de conversas com os estudantes, os quais produzem em seus trabalhos um diálogo com as práticas performativas. O encontro foi intitulado Pontos da Vista e a nossa intenção era mapear tanto a produção realizada dentro do Departamento, quanto os processos que possibilitam gerar uma pesquisa ou interesse em Performance. Tendo a história da Performance (Performance Art) como plataforma conceitual, a discussão era uma tentativa de compreensão de como processos criativos e pesquisas acadêmicas em Performance poderiam ser desencadeados pelos diversos cursos de bacharelado -pintura, escultura, gravura, fotografia, multimídia - e o curso de Licenciatura em Artes Plásticas oferecidos pelo Departamento. Perguntávamos quais seriam os assuntos e estímulos com os quais os alunos deveriam se envolver para que se voltasse ao corpo como um suporte de trabalho – em relações de identidade, participação, presença, percepção etc - em suas produções atuais. Nossos colegas convidados que compareceram ao encontro foram: Meiko Velez, Pedro Birman, Sofia Borges e Wallace Masuko. Fabíola e eu tivemos o papel de mediadoras, ainda que nossas produções pudessem participar da discussão. No galpão, a conversa se iniciou com a apresentação de alguns vídeos dos convidados, assim como uma pequena exposição de fotos e também de objetos. Cerca de dezessete pessoas compareceram

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ao encontro, dentre elas estavam três dos nosso professores – prof. Dra. Ana Maria Tavares, prof. Dr. Mario Ramiro e prof. Dr.Tadeu Chiarelli. Estudantes do Departamento, integrantes da lista do NAP e outros amigos interessados estiveram presentes. Para iniciar, perguntamos aos nossos colegas quais seriam as relações com as práticas performáticas no trabalho poético de cada um. A outra questão: qual deveria ser o lugar da Performance num Departamento de Artes Visuais, e em nosso Departamento? A última pergunta teria relação com os questionamentos iniciais, mas ainda não encerrados, do próprio NAP. Em minhas anotações pessoais, registrei alguns tópicos, os quais tentarei abordar com fidelidade ao ocorrido: Falou-se da Performance como uma relação processual ou temporal da produção poética. Constantemente a fala trazia o termo instalação como uma equivalência de processos, no entanto, esta se dá a partir do lugar, em que o estado processual é avesso ao da Performance. Estava posta uma situação de arena em que todos poderiam falar do seu ponto de vista em relação às perguntas feitas. Foram levantados diversos pontos relevantes sobre a performance e, mais do que isso, inquietações dos artistas e suas produções no Departamento das Artes Plásticas da USP. Wallace Masuko, um de nossos convidados, fez uma contribuição importante. Enquanto foi aluno do Departamento, teve a oportunidade de participar de um intercâmbio com uma universidade européia, onde


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pôde vivenciar uma disciplina de Performance em uma instituição fora do país e nos contou como era, o que nos deu uma dimensão de como tal curso poderia acontecer A professora Dra. Ana Maria Tavares nos apontou para uma necessidade de se compreender a temporalidade posta nas Artes Visuais. Ela propunha instaurar um debate, sobre a idéia de tempo: tempo aparente, não-tempo, duração... ou seja, ela, em diversos termos não tão fechados, exprimia uma vontade de se debruçar sobre algo que ela teria chamado de estudo das “artes do tempo”. Na roda de conversa, artistas importantes foram citados: Anna Bella Gaiger - Brazil Alienígena (1977), Diário de um artista (1975) – Rosangela Rennó, Jac Leiner e outros. Os artistas talvez não se enquadrem como artistas performers, no entanto, poderíamos atribuir-lhes um coeficiente performático. As formas de operação poética, que contam com o meio (a fotografia, o vídeo, a pintura, etc), assumiria um caráter performático como um processo de transmutação. Dessa forma, as obras de artistas não performers, mas com um coeficiente performático, se caracterizam por conterem em sua matéria o elemento processual e da temporalidade na sua realização. A conversa foi se especificando até chegar aos desejos de firmar um lugar para o estudo da Performance dentro do nosso Departamento. Ficava evidente a vontade de se realizar um projeto para uma disciplina. No entanto, ainda não sabíamos como deveria se dar o processo. Parecia-nos que muitos dos assuntos tratados não estavam contidos

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no campo específico da Arte. Arrisco-me a dizer que algumas das obras que se lançam ao fazer ‘ao vivo’ ou à performação estabelecem um processo de correspondência entre os processos artísticos e fenômenos da própria vida. A mesa redonda teve seu papel importante ao provocar algumas inquietações no corpo docente e discente, com as quais, ao finalizar essa noite de debates, iniciou-se um processo de ação para conseguir aquilo que nos faltava: um espaço de experimentação. Antes do final do ano letivo, uma pequena reunião deu início ao projeto de um espaço formal dentro do Departamento de Artes Plásticas da ECA/USP que deveria corresponder aos estudos e às práticas de procedimentos performáticos.


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2009


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Tendo em vista o fato de que se aproximava a finalização do meu curso de Licenciatura em Artes Plásticas no Departamento, e tendo Fabíola concluído sua graduação no ano anterior, pensamos que 2009 seria um ano de transição, em que o NAP deveria deixar o espaço da Escola e ganhar autonomia. Percebemos um desejo de continuidade, e para que a potência inicial do grupo se mantivesse seria importante encontrarmos formas de existir para além da instituição. Nesse movimento de saída, faríamos escolhas, perceberíamos talvez quais as motivações e direcionamentos que permaneceriam, e quais deveria ser modificadas. Reiniciamos, assim, o trabalho no dia 26 de março em novo local de reunião: minha casa, no bairro da Vila Pompéia. Através do grupo de e-mails, avisamos o retorno dos encontros. Dos colegas de Departamento estiveram presentes: Coaracy Soares, Danilo Bezerra, Meiko Vélez, Ricardo Alves e Waldiael Braz. Entre os de fora da Escola estavam: Bárbara Rodrigues, Cássia Hosni, Jaime Lauriano e Micheline Torres. Fabíola e eu contamos um pouco da história do grupo e o que desenvolvemos ao longo dos dois primeiros anos de NAP. Alguns participavam pela primeira vez dos encontros. Apresentamo-nos uns aos outros, num primeiro momento, reconhecendo os interesses de cada um. Como coordenadoras, propúnhamos a retomada das leituras de texto de modo a embasar os nossos debates. Assim, poderíamos conjuntamente extrair questões, de forma a enriquecer as pesquisas de cada um. Ao trazer para um ambiente mais caseiro, ganhamos a possibilidade de tornar os encontros menos formais. Por vezes, estes se confundiam com um jantar entre amigos interessados nas práticas performativas. Essas conversas transbordavam para o grupo virtual e vice-versa, o que muitas vezes permitiu que outros integrantes, que estivessem

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somente de passagem pela cidade, pudessem tranquilamente participar: Ana Luisa Lima (pesquisadora), Aslan Cabral, Fábio Tremonte, Marcelo Ghandi e Márcio Shimabukuro (Shima). Assim, iniciamos o semestre com o livro Performance nas Artes Visuais. Essa leitura seria uma forma de incorporar o livro lançado no Centro Universitário Maria Antonia/USP (CEUMA) às leituras, e dali debater as questões postas. Fizemos uma leitura conjunta cuidadosa, tentando buscar, num trabalho coletivo, as referências citadas pela autora Regina Melim: imagens das obras citadas e referências dos artistas e eventuais textos mencionados. Com isso, cada um que tinha alguma pesquisa específica poderia contribuir. Cássia Hosni, por exemplo, com sua aproximação com o Butoh, teria se aprofundado nas pesquisas sobre o grupo japonês Gutai e contemplou os presentes com uma breve fala. Trouxe-nos livros e vídeos a respeito das obras realizadas pelo coletivo nipônico e outras produções. Ricardo Alves fez o mesmo com os Acionistas Vienenses. Danilo Bezerra e Waldial Braz trouxeram vídeos feitos pelo artista plástico Picabia. Assim, o sentido de colaboração entre os participantes se evidenciava. Vejo que todos tomaram para si a proposta do NAP e se tornaram efetivamente autores dos encontros. Os encontros regulares do Núcleo Aberto de Performance aconteceram até o dia 26 de junho de 2009 e no segundo semestre, após a minha participação do 7o. Congresso denominado Encuentro 2009: Ciudadania Encena organizado pelo Hemispheric Institut na cidade de Bogotá (Colômbia), optamos por retornar os debates virtuais. No segundo semestre, ative-me então a este trabalho de resgate histórico do que foi a organização e os principais pontos desenvolvidos até aqui.


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15 de maio de 2008 visita de Yiftah Peled

Pontos da Vista 10 de dezembro de 2008

encontros NAP 2009


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encontros NAP 2009


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comentรกrios finais


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O pensamento modernista buscou incessantemente a ruptura, mas ao meu ver esta parece pressupor uma visão da história em que a linha narrativa é única e reta; onde o velho e o novo podem ser claramente estabelecidos. No entanto, vejo-me diante de uma experiência em que romper com o imediatamente anterior não encontra ressonância. Justificando minha escolha pelas fissuras, lancei-me à idéia de rede de relações em que a uma produção, aqui, artística, se dá em contato com pontos distintos da própria história75. Afirmei claramente meu ceticismo na possibilidade de ruptura e por extensão na possibilidade de uma postura de vanguarda. Retomando o sentido original do termo militar avant-garde como linha de frente de um exército em um campo de batalha76, crer na produção artística como portadora de um estandarte revolucionário parece estranho quando essa possibilidade não se aponta de forma clara no horizonte social, pois para mim não existe mais uma grande narrativa capaz de nortear os próximos passos a serem seguidos. Colocar o velho e o novo como uma relação de oposição binária é simplificar a questão. Valer-se de fissuras é fazer uso de zonas ou territórios onde é possível a ação do sujeito que, ao mesmo tempo que, trinca uma estrutura, funde-se a ela, conseqüentemente, modificando-a. A fissura não se delineia pela concretude da matéria, mas por meio da ação de percepção e desejo que pode estar contida no vazio de suas falhas. Daí sua natureza temporária e movente de vivenciar o sentido dentro da experiência cotidiana. O termo vem de uma tentativa pessoal de se relacionar com aquilo previamente instituído, que assume o aspecto de zonas de imobilidade (lisas e contínuas) no interior da sociedade

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75. Ver o conceito de rede em Cauquelien, Anne. Arte Contemporânea: uma Introdução. São Paulo: Martins Fontes. 2005 76. Ver o estudo sobre vanguardas históricas Margolin, Vitor. The Struggle for Utopia. Chicago: The University of Chicago Press. 1997.

contemporânea. Não exatamente para destruí-las, mas para instaurar processos de subjetivação como resistência à uma alienação programada por tais estruturas quando interiorizadas pelo próprio sujeito. A imagem gerada pelo termo fissura, penso ser aquilo que permeia todo o meu trabalho poético desenvolvido até aqui, assim como a base conceitual do Núcleo Aberto de Performance. A minha experiência, ao longo de meu processo de formação artística, por vezes, ocorreu quando negligenciava os limites determinados para um entendimento daquilo que pertenceria ao território da Arte e daquilo que é da esfera da vida. A descoberta de um procedimento de exploração do espaço físico em relação ao tempo, a partir da experiência do corpo, foi um caminho possível, no qual me lancei. Primeiramente, investi na construção de um espaço ritual dentro do campo da Arte, quando apresentei Os Manguezais em Nós. Percebi que estava alinhada a uma série de outros trabalho, produzidos principalmente na década de 1960. Dei-me conta de ser uma representação de um ritual solitário, pouco permeável ao compartilhamento das experiências ali propostas, e quem assistia à cena seria sempre um testemunho distanciado de um acontecimento. A artesania aprendida nas vivencias dentro dessa Escola de Arte, fez com que eu olhasse para o meu entorno. Das percepções mais ordinárias nasciam as perguntas essenciais e também as respostas para uma poética que se descobriu na experimentação. A Performance foi uma escolha através da aprendizagem de processos de ação no mundo. Ainda que tenha conhecido alguns dos procedimentos fora do campo da Arte,


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quando decidi incorporá-los à minha produção, fez-se um sentido que por vezes fica difícil a categorização. Ao escrever a palavra território, em 2006, na fachada do Departamento ficou evidente de que lugar minhas ações eclodiam: das relações e das vivências diretas com a experiência artística advinda da escola de Arte. Não fosse a minha passagem pelo Departamento, uma ação como Território jamais faria sentido e penso, que sem ela, a idealização do NAP talvez nunca tivesse sido elaborada. Minha formação artística, por vezes, parece corresponder a uma emancipação do sujeito, com a qual descobri a ilimitada liberdade de imaginar e criar, ainda que as estruturas e condições dadas cerceiem tal impulso. Respondo ao mundo, com minhas questões em forma de experiência artística, e por vezes é necessário compartilhá-la. Movimentos para Atravessar a Multidão seduz e propõem um exercício de olhar e agir no lugar do hábito e das convenções: a faixa de pedestre. Não vejo uma clara ligação entre os trabalhos que realizo, senão pelo procedimento que perpassa o desejo de diálogo com o outro: o outro distante, o outro próximo, o outro junto. Afirmo haver uma necessidade de comentar aquilo que se revela em minhas experiências cotidianas. Em outros momentos, meu apontamento se encaminha diretamente à tradição das Artes Visuais. Daí os espaços surgem. Enquanto as obras exploram as ações através das proposições, os espaços se configuram como lugar da troca. As obras que produzo corresponderiam às minhas atuações no mundo, que almejam alcançar aquilo que se entende como público na obra de Hannah Arendt. Cito:

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77. Arendt, Hannah. “ A Esfera Pública: o Comum” in A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007

O termo ‘público’ significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço limitado para o movimento dos homens e condição geral da vida orgânica. Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas, com os negócios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens. 77

Dessa forma, se as obras correspondem o termo arendtiano público caracteriza minhas ações poéticas, a política pode qualificar a natureza do Núcleo Aberto de Performance. O NAP se tornou um espaço colaborativo em que as trocas e o diálogo tornaram-se características fundamentais, assim como as aceitações das diferenças de crenças poéitcas e tentativa de construção coletiva de uma diversidade de pensamento. É nesse sentido que, ao final do ano de 2008, uma ação NAP arrisca a conformação da Ágora dentro do Departamento, ao convocar docentes e estudantes para um debate. Deste resultou num interessante processo de dialogo e escuta. Como anteriormente mencionado, um projeto de uma disciplina conjunta entre Departamentos da Escola ganhou força do mesmo ano. Visto o desejo compartilhado de criar um espaço de estudo para uma prática pouco abordada no Departamento de Artes Plásticas, outros departamentos de artes da


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Escola foram convidados a dividirem o processo. As Artes Cênicas aceitou o desafio e ao longo de quatro ou cinco reuniões fizemos esforços redobrados de mapear e desenhar uma disciplina que desse conta de uma história ligada às práticas performativas. Esse projeto envolveu além dos docentes, estudantes, no caso, o NAP. Aprovada e incluída, a disciplina optativa já se encontra na grade curricular dos dois Departamentos: Práticas Performativas I e II. No projeto consta o desejo de recuperar as relações entre as artes visuais e as artes cênicas como espaço de constituição das práticas performativas78. O nome da disciplina foi escolhido de maneira a não encerrar o discurso poético em uma categorização que ainda é estranha à história de práticas que foram reunidas sob o mesmo termo Performance. As práticas que contém a performatividade poder-se-ão se desdobrar tanto em ações ao vivo quanto em outros meios e suportes. A realização do projeto demonstrou que, o limite de ação dos discentes na estrutura da Universidade pôde ganhar outras dimensões quando apoiadas por seus docentes. A concretização de um pequeno projeto como este requer um esforço conjunto. Realizar o projeto citado, no entanto, é parte do processo. Devamos ficar atentos àquilo que acreditamos estar na origem das nossas motivações. Todo o processo aqui apresentado pode ser a ocupação de uma fissura encontrada numa estrutura anteriormente definida. As formas de ação escolhidas para se habitar o vazio será resultante da criação de sentidos para tal.

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78. projeto da disciplina em http:// sistemas. usp.br/jupterweb

Finalizo este processo, portanto, com inúmeros questionamentos e ainda sem muitas respostas. Questões ligadas à natureza da performatividade nas Artes Visuais e no meu trabalho persistem. É importante que dessa experiência fique clara a distinções entre uma pratica poética e a experiência com o NAP , cuja natureza pode transbordar para o campo da pesquisa e o da educação. Penso que isso pode ter sido o estudo de um caso do que pode o sujeito-artista frente às fissuras vazias encontrados num estruturas lisas e contínua. Aqui, perceber e agir se confundem. E para o futuro próximo buscamos sentidos para ocupar outros vazios, nos quais o Núcleo Aberto de Performance poderá encontrar formas de continuidade em suas investigações para além de sua história na Universidade de São Paulo.


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205

anexos


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207

Documentos relativos ao relato sobre o NĂşcleo Aberto de Performance, entre os anos de 2007 e 2009.


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Convite momento suspenso


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Pedido de Autorização

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São Paulo, 22 de outubro de 2007. A/C Chefe do Departamento de Artes Plásticas. Peço autorização para utilizar o espaço da sala B3 (preferencialmente) ou a C8 do Departamento de Artes Plásticas no dia 25 de outubro de 2007, no horário das 19h às 21h. O motivo da ocupação é uma projeção de vídeo com debate da obra “A Certain Brazilianness” da artista plásticas Wendelien van Oldenborgh (Holanda). A projeção será a finalização de um processo de workshop gratuito a todos os alunos de graduação e pós na área de artes que ocorrerá das 13h30 às 17h30 nas dependências do Departamento de Artes Cênicas. A atividade é organizada por Maíra Vaz Valente, coordenadora do NAP (Núcleo Aberto de Performance), em parceria com Daniela Labra e Tatiana Ferraz, coordenadoras do projeto “Perambulações”, no qual a artista que apresentará seu trabalho faz residência até 30 de outubro na cidade de São Paulo. O workshop proposto será oferecido gratuitamente para todos os aluno da Escola de Comunicações e Arte. E para viabilizar a projeção deste vídeo gostaria de requisitar um projetor (datashow) e uma CPU, podendo ainda ficar responsável pela guarda do material durante a apresentação do trabalho e após a apresentação, uma vez que não possuímos técnico para o período após as 17hs. Atenciosamente, Maíra Vaz Valente


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Oficina de Performance Espaço Imaginado

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Centro Cultural São Paulo Em quatro encontros a oficina de performance Espaço Imaginado terá como foco de experimentação as possíveis relações entre corpo e arquitetura. Através de exercícios de amplificação da percepção corporal e de ações que intervêm diretamente no espaço, esta oficina se propõe como plataforma para processos criativos e discussões sobre as artes performativas quanto às suas possibilidades de ação em diferentes lugares, situações e escalas. Ao longo dos encontros, materiais relativos ao tema serão compartilhados nos formatos de vídeo e texto e será estimulada a produção de registro das ações. Estudar Sobre o prédio do ccsp (podemos combinar um dia...). O espaço que integra os ambiente, a possibilidade de fluxo do olhar. Apesar de que os vidros impedem algumas passagens. São barreiras mais sutis. . Foi lá que aconteceu uma das primeiras mostras de performance: Livro Cohen. . Acho que precisamos estudar um pouquinho os situacionistas. O que acha? Ref.Bibliog. . Walkscapes: El caminar como prática estética . Performance – Roselee (Bauhaus) principalmente . Trazer referências de histórias – ficções. Com certeza: As Cidades Invisíveis do Calvino. Precisamos pensar o que deste livro mas acho importante.


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. Filme: Algum trabalho da Tricha Brown . Livro: Renato Cohen e a Partilha do Sensível.

Exercício Corporais: . Fazer algo junto com alguem (duplas) copiando um o movimento do outro para vc ter noção do seu próprio corpo no espaço. . Depois fazer pensando na composição de todos. . Pegar uma orientação do Fluxus para realizarmos juntos. . Fazer um exercício de fluxo e pausa (estauta + experimentar entrar em dinâmicas já existentes no ccsp. . Fazer exercício do cardume onde um escuta muito o outro e vão juntos. . Queria trazer algum exercício mais punk inspirado no Granato e no Aguilar. Entende? Vou pensar em algo....

Exercício: . Ocupar espaços vazios . Gerar fluxos . Construir arquiteturas invisíveis

Anotações da Maíra:

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Provocações: . Corporicidade no espaço . O olhar o estado e o corpo . percepção das coisas minimas 1. dia: Relações com o objeto ( objetos no corpo, para o corpo, a partir do corpo) Apresentar nossa intenção. Deixar claro que será uma proposta construída coletivamente de forma a gerar um laboratório e que os participantes tb são propositores. Fazer o currículo Fluxus para se conhecer, como uma forma de apresentações pessoal ( conhecer-se e reconhecer-se no grupo) Dinâmica 01: Relações com o objeto Experimentação individual c/ bexigas cheias d’agua, cheia de ar, meio murchas, algo que faça aquietar e entrar em contato com o ritmo interno, as dimensões do próprio corpo, tato, texturas. Experimentação em dupla com as mesma bexigas, descobrir as dimensões do corpo do outro, explorar o corpo do outro, no contato corpo/objeto/corpo e suas variantes. Experimentação de forma livre ( com musica para desinibir) com os mesmo objetos. Proposta para criação:


216 Propor para cada um uma ação com esse objeto, mas que não seja no campo da mímica,

nem da teatralidade. Apresentar para o outro (duplas) _criar relações com o outro, propor um dialogo (canal de comunicação através do objeto) com o parceiro. Mostra coletiva, parte do grupo assiste, a outro propõem, e depois troca-se.

Apresentação de imagens: Lygia Clark, Helio Oiticica, Ricardo Basbaum, Otavio Donasci, body art (?)outros.

de uma montagem na parede) para que seja possível visualizar o caminho do olhar, 217 construir a partir do mapa proposto da aula anterior, trajetos similares dentro da sala. Novamente fazemos duplas. Mas essas duplas se separam e agregam a um grupo, os observadores, e os riscadores de espaço. Pensar no ritmo, incorporar um ritmo a partir da proposta anterior. Um da dupla deve desenhar o outro caminha, uma grande massa, contrapor caminhos. Ou se não tivermos muitas folhas, poderíamos desenhar em folhas de transparência ou vegetal, e sobrepor todos os mapas.

02.dia: Ritmos e linhas do espaço

Proposta de criação: transbordamentos para o espaço. Pelo centro cultural. Que área? 1.sugestão: A rampa da entrada até o metrô (gostaria de vazar para uma imagem para a ponte que passa pela av. 23 passagem para o Hospital da Beneficência). Lugares de passagem, experimentar os diferentes ritmos. Com as roupas coloridas para dar contraste e perceber o espaço. Queria saber como inserir por exemplo o registro do desenho. De repente um giz de lousa colorido riscando todos os lugares de passagem.... não sei.... como fazer?

Dinâmica 02 As relações com os ritmos naturais (conhecidos no seu corpo) e construção de ritmos. “Como meu ritmo/corpo desenha o espaço?”.

Apresentação de Imagens: Trisha Brown, Oscar Schlemer, Yves Klein, Márcia X ( tenho um DVD com um trechinho)

Caminhada: ritmos em variação da pausa ao caminhar mais rápido. (de 0 a 10, ritmos de caminhada, quando 0 é pausa e 10 e aceleração máxima). Todos juntos. Perceber o olhar, o deslocamento do corpo. Registro: Em folhas de papel (grande se possível, senão, podemos construir através

Tarefinha para casa a ver com isso a próxima proposta ( abrir para pensar em algo que pensou e quer apresentar, podemos abrir a aula 03 na ultima hora para apresentação de 2 ou três propostas)

Proposta para casa: Construir um mapa (escrito ou desenho) de qualquer lugar (casa/trabalho/escola) até o CCSP. (linhas para trabalhar no dia seguinte) Trazer roupa de uma cor só. Combinar qual, com o grupo?


218 Programa

do Curso Espaços Imaginados – CCSP - 2008 1. dia: Relações com o objeto (objetos no corpo, para o corpo, a partir do corpo) Som: . Tropicália do Caetano Veloso. Chegada em formato de pique-nique + música: . Apresentação das pessoas: foco de interesse, área de origem, lista de e-mails e telefones. . Apresentação da Má e Fá. Apresentação do curso: . Performance no campo das artes visuais: necessidade de discussão e experimentação. . Porque o CCSP (histórico) – relação com a performance década de 80, espaço de encontro entre as artes e como espaço de encontro de diversas pessoas. . Proposta de relação do corpo com o espaço o nome do curso original (espaços imaginados) . Cada dia tem um tópico apesar de experimental tem uma certa estrutura a ser seguida. Importante saber quem faltará em cada dia. Certificado. . Entregar o programa das aulas para que as pessoas possam trazer suas referências pessoas até trabalhos próprios. . Traremos referencias de onde pesquisar e o que. . Falar sobre o dia de hoje, a relação do corpo com o objeto. Começar a partir de

experimentações e depois conversa e mostra de materiais. . Quem quizer trazer o seu trabalho dentro de algum dos tópicos pode. Dinâmica das relações do corpo com o objeto:

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. Preparação: ativação da percepção do corpo. . Experimentação com bexiga e objetos em duplas (ver objetos). . Experimentação de posicionamento do corpo em relação ao objeto. . Desenho de observação do objeto. Apresentação de imagens: Lygia Clark, Hélio Oiticica (Aspiro ao Grande Labirinto e sobre o objeto), Ricardo Basbaum (NBP), Amélia Toledo (livro Fafá), os minimalistas (livro fafá – Bachelor), Objetos Específicos – Donald Judd. Referências outras: Óptico para o Háptico (tato) – greenberg (anos 60) cunhar diversos termos. Falar da música um pouco. Proposta para casa: . Construir um mapa (escrito ou desenho) de qualquer lugar (casa/trabalho/escola) até o CCSP. (linhas para trabalhar no dia seguinte) . Trazer roupa de uma cor só. Combinar qual, com o grupo? . Trazer material para registro pois construiremos um mapa. Produção dia 1:


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. Xerox programa do curso . Músicas . Pique Nique: toalha + chá + bolachas . Bexigas e objetos . Folha sulfite e lápis . Livros e referências: Maíra (Lygia Clark, ) Fafá (citações sobre o objeto, Aspiro ao Grande Labirinto, Amélia Toledo, Brasil Experimental – Guy Brett, minimalismo), texto Objetos Específicos do Judd para ler em casa para o dia seguinte (Má). . Fazer o ppt da pesquisa.

2.dia: Ritmos, temporalidades e linhas do espaço Som: Cage e Meredith Monk. Referências: . Bauhaus (Roselee + levantamento de imagens = Fá), Ponto e Linha sobre o Plano (Kandinsky) Fá, Trisha Brown (imagens) Fá, Richard Long – Má, O Caminhar como Prática Estética – Fá, Richard Serra (o olhar que se perde na distância) Fá, Vídeo do Nicolá (pedir para ele e para Fé) - Fá, Fluxus (referência, intervenção em Fluxus do cotidiano) Má e Fá. Dinâmica: 1. Mostrar material: projeção + livros + vídeo Fluxus, Nicola. 2. Exercício: as relações com os ritmos internos do corpo (Merce Cunningham) – pensar em algo. 3. Caminhada pelo espaço da sala: ritmos em variação da pausa ao caminhar mais

rápido. (de 0 a 10, ritmos de caminhada, quando 0 é pausa e 10 e aceleração 221 máxima). Todos juntos. 4. Fora da sala: Perceber o olhar, o deslocamento do corpo nos fluxus do CCSP, intervir nestes deslocamentos. 5. Construir mapa/registro destes deslocamentos. 6. Dispor no espaço, apresentar para o outro este registro de deslocamento. Discussão. Proposta para casa: . Decidir roupa da mesma cor para o próximo dia Produção dia 2: . Som: Maíra Cage e Fá Meredith . Referências: vide lista de referencias

3 DIA: Construção e Desconstrução Referências: . Arte Processual (anos 70) inclusão e consciência do gesto e do procedimento enquanto obra: Yves Klein e Pollock . Arte Esfera Pública: Matta Clark – livro e video Dinâmica: 1. Sala: Proposta de preparação ativa: osso estrutura, pensando desconstrução (articulação), salto que bate o peito.


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2. Indo para o feuyer: Exercício de um olhar desconhecido diante do espaço e das coisas, reconhecimento e anotação (20min). 3. No feuyer: Fazer exercicio em dupla: um copiando o movimento do outro. 4. Na rampa: Composição no espaço – posicionamento. Cardume. Pensar. 5. Arte Esfera pública: ver materiais.

4 DIA: Propostas para se viver - ficcional Som: Trazer alguma referência atual de música que se relaciona a performance. Referências: . Meninas da árvore: Carol Pinzan, Marcelo Cidade (caricatura), Marina Abramovich (performances refeitas – seven easy pieces), fluxus (instruções), Alan Kaprow (citar relação arte vida), fafá bicicleta. . Dicionário de lugares imaginários + cidades invisíveis: leitura alta . Discurso: Beuys (ficcional + escultura do social), Basbaum, Richard Long (espaço ficcional) . Levantamento de referências simbólicas no entorno . Livro: Radical Street Performance . Dennis Openheim Dinâmica: 1. Exercício de coreografia coletiva (cada um dá um movimento) 2. Fazer o currículo Fluxus: cada um escreve suas referências 3. Montar um mapa de conexões: comunidades

4. Construir os espaços sobre/entre/nos espaços do entorno - na cidade, dar tempo 223 para estas propostas. 5. Apresentar um para o outro. 6. Confraternizar: conversar sobre o que aconteceu.


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São Paulo, dia 05 de agosto de 2008. A/C Chefia do Departamento de Artes Plásticas

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Carta ao Conselho No ano de 2007, as alunas Fabíola Salles e Maíra Vaz Valente tomaram a iniciativa de organizar encontros que reúnem alunos deste departamento para o estudo e realização de práticas que se relacionem à linguagem da Performance. Funda-se, de maneira tímida e despretensiosa, o Núcleo Aberto de Performance (NAP) de forma a realizar um movimento complementar à formação acadêmica que é proporcionada pelo Departamento de Artes Plásticas da USP. Desde seu início, o NAP vem conquistando espaços de troca dentro e fora do CAP, e com a confiança de professores e alunos conseguimos realizar diversas ações: encontros com artistas e workshops, assim como algumas colaborações em outros projetos. Felicitamo-nos com o fato de que o NAP também se expande através de uma rede virtual que tem agregado estudantes de outras universidades brasileiras, artistas, pesquisadores e curadores. Em junho deste ano, por conta dos contatos realizados por Maíra com alguns pesquisadores, Regina Melim, professora e pesquisadora em exercício na Udesc, ofereceu a possibilidade de lançamento seu livro “Performance nas Artes Visuais” editado pela Jorge Zahar dentro do espaço do núcleo. O NAP procurou alguns dos professores do corpo docente para que pudéssemos realizar tal evento; arriscamo-nos a propor uma parceria entre NAP e CAP com Centro Universitário Maria Antônia que veio a dar frutos. Primeiramente, neste Conselho Departamental, convidamos a todos a tomarem


226 parte de Transitivos.NAP Performance nas Artes Visuais por Regina Melim, no dia 03

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de setembro às 20hs no Centro Universitário Maria Antônia, com o lançamento do livro e no dia 04 de setembro, no CAP, a participarem de uma conversa com alunos, professores e demais interessados às 17h30. Finalmente, sendo o CAP e a USP os espaços prioritários para realizar as ações do núcleo, gostaríamos de manifestar publicamente, neste Conselho Departamental, o profundo agradecimento aos auxílios recebidos para a primeira parceria. O NAP devolve ao seu lugar de origem a potência de proporcionar novos encontros que discutam a linguagem da Performance, mas que ainda não encontra espaço consagrado no departamento para sua discussão e elaboração. Saudações, Núcleo Aberto de Perfomance – NAP

Convite transitivos. NAP da Regina Melim


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Pontos da Vista

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Mesa redonda para troca de experiências e reflexões entre alunos e professores acerca da produção e reflexão contemporâneas das artes performativas no Departamento de Artes Plásticas da ECA/USP. Pontos da Vista é uma proposta de mesa redonda idealizada e organizada pelo NAP – Núcleo Aberto de Performance que pretende reunir alunos e professores do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP afim de mapearmos, visualizarmos e compartilharmos a produção contemporânea do mesmo departamento relacionada às artes performativas atualmente. Tendo a Performance Art (anos 1970) como plataforma conceitual, a discussão deverá ser conduzida no sentido de compreendermos de que forma processos criativos e pesquisas acadêmicas são desencadeados por professores das diversas áreas - pintura, escultura, gravura, fotografia, multimídia e licenciatura - de forma que estimulam os alunos a envolver o próprio ou outros corpos – em relações de identidade, participação, presença, percepção etc - em suas produções atuais. Pretende-se ainda, gerar a consciência de que, apesar de não termos uma disciplina focada neste estudo, tornam-se recorrentes e cada vez mais aprofundadas, produções diversas dos alunos neste sentido, que identificam a performance enquanto referência conceitual, mas que em alguns casos, defendem que esta terminologia deve ser atualizada pois não dá conta de abarcar o que se produz hoje. O que se produz hoje?


230

Iniciaremos o encontro com o vídeo que define o termo Live Art dos anos 1980 na Inglaterra, leremos o manifesto da Performance no Brasil de 2007 e paralelamente teremos uma pequena exposição de trabalhos dos alunos convidados. A mesa redonda, será composta por alunos e ex-alunos do departamento de Artes Plásticas. As perguntas, serão encomendadas a alguns professores e lidas pelos mediadores para os alunos convidados que deverão respondê-las em período estipulado pelos mediadores. Registraremos este encontro em vídeo para que possa ser compartilhado, através da biblioteca, com os diversos departamentos da USP e demais interessados.

Entrevista feita pelo Jornal do Campus - USP com o NAP Resposta enviadas em 17/06/2009 Não publicada

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Cara Cristiane, Tomamos a liberdade de reorganizar as perguntas de maneira que fiquem mais fluidas e claras as questões que nos colocou. Gostaríamos, primeiramente de trazer um trecho do livro A Condição Humana da teórica e política Hannah Arendt como ponto de partida para a entrevista que segue. “ O termo ‘público’ significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferentes do lugar que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço limitado para o movimento dos homens e condição geral da vida orgânica. Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas, com os negócios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens.” (Arendt, Hannah. “ A Esfera Pública: o Comum” in A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007)

abraços, Fabíola Salles e Maíra Vaz Valente, coordenadoras do NAP- Núcleo Aberto de Performance.


232 1) Queria que vc me falasse um pouco sobre o NAP - o que é, quando e por que surgiu,

quem participa, como atua...? Soube que o que levou à criação do NAP foi a falta de abordagem do tema no curso de graduação de Artes Plásticas. O curso é de fato fraco nesse sentido? Resposta: O Núcleo Aberto de Performance é um espaço colaborativo de estudos e práticas ligado a uma linguagem artística híbrida historicamente denominada Performance Art ou Live Art, mas que preferimos nomear de artes performativas assim como sugere a professora doutora da UDESC Regina Melin em seu livro A Performance nas Artes Visuais. Formado em 2007 por nós, Fabíola Salles e Maíra Vaz Valente, o Núcleo de início realizou reuniões no galpão do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP. Nos primeiros encontros, foi fundamental a leitura de textos acerca do assunto, assim como ver, em livros e vídeos, as produções ligadas aos acontecimentos da história recente da Arte de forma a contextualizar as artes performativas a partir das artes visuais. O que nos interessou desde o início era a possibilidade flexível que esta linguagem propunha de conexões entre as artes bem como ser um campo que de certa forma, atualiza reflexões entre arte e vida. O NAP configurou-se, então, como um espaço colaborativo que ao longo de sua trajetória se preocupou em manter de alguma forma ou de diversas formas a possibilidade de promover encontros referentes `as artes performativas. Atualmente, há uma rede virtual de troca (nucleoabertodeperformance@yahoogrupos.com.br) em que participam alunos das Artes Plásticas e das Artes Cênicas da USP, artistas, pesquisadores, curadores e

interessados de diversas localidades do Brasil. Nosso intuito principal se tornou então 233 promover diálogos, intercâmbios e difusão, das pesquisas que fazem parte das artes performativas e seus desdobramentos na produção artística internacional e brasileira a partir do ponto de vista das artes visuais. Além do grupo virtual, que possibilitou termos a consciência da quantidade de seminários, palestras, eventos, pesquisas, trabalhos que acontecem atualmente no Brasil realizamos encontros presenciais quinzenalmente hoje em dia fora da Universidade. Outro tipo de proposição do NAP são os denominados Transitivos. NAP, que foi o caso por exemplo em 2008, numa ação conjunta do CAP , com apoio do Centro Universitário Maria Antônia. Transitivos.NAP são acontecimentos que geram territórios possíveis para debates sobre produção artística através da linguagem da Performance, promovendo encontros/palestras entre pesquisadores, artistas, artistas-pesquisadores, estudantes e interessados em geral. Em 2008, o artista Yiftah Peled falou do seu trabalho e sua pesquisa no próprio Departamento de Artes Plásticas. O segundo encontro foi com a prof. Dra. Regina Melim em que a docente apresentou, no espaço do CEUMA, sua pesquisa através de uma palestra e o lançamento do livro “A Performance nas Artes Visuais”. Assim, a Universidade de São Paulo foi o local onde o NAP nasceu, também por uma necessidade de discussão interdisciplinar das artes que sentíamos naquele momento como deficitária ou pouco estimulada dentro da faculdade de Artes Plásticas. Não podemos dizer, exatamente em ponto fraco, mas o currículo também se faz a partir do interesse dinâmico de alunos e professores.As artes performativas é advinda, talvez, de uma história muito recente e por isso demore a tomar parte de um currículo já tão plural que é o das artes plásticas.


234 Em 2010, haverá uma nova disciplina chamada Práticas Performativas, recentemente

elaborada por professores dos departamentos de Artes Cênicas e Artes Plásticas e que tem como objetivo promover o encontro de alunos dos dois departamento. Nós, organizadoras do NAP, fomos convidadas a participar do processo de elaboração desta disciplina. Assim também o NAP cada vez mais ganha novas possibilidades de ação mesmo porque apesar de organizado por nós, é um grupo colaborativo e em constante mudança. 2) Uma intervenção urbana deve estar revestida, necessariamente, de caráter político, reivindicatório? O que valida a intervenção urbana como uma forma de arte? Resposta: Uma intervenção urbana é percebida enquanto uma manifestação artística na medida em que uma poética pode ser percebida por quem a assiste ou compartilha de tal circunstância. O caráter político ou reivindicatório não necessariamente precisa fazer parte desta ação mas na medida em que acontece nas ruas ou em espaços públicos, geralmente envolvem questões políticas e também reivindicatórias pois, no mínimo, reclamam por um espaço para se manifestarem. Assim, muitos artistas se utilizam desta possibilidade como meio de expressão, organizados em coletivos ou individualmente. Acontecem também, intervenções urbanas realizadas por pessoas que se definem claramente como “não artistas” mas que de forma bastante evidente são identificadas como arte, pelos cidadãos e pelo meio artístico. É o caso do grupo boliviano chamado Mujeres Creando que organiza diversas manifestações bastante provocativas nas ruas de La Paz e que se denominam de ativistas, nunca artistas. Ou seja, existem diversas relações possíveis das intervenções urbanas com o contexto das artes e estes posicionamentos

muitas vezes fazem parte também de uma intencionalidade por parte de quem propõe 235 a intervenção. 3) Qual é a importância da intervenção urbana no contexto da universidade? Quais intervenções ocorridas no campus vc considera de destaque? Resposta: Uma vez que acreditamos na potência de uma intervenção como proposição artística, porque não realizá-las também no contexto da universidade já que esta é também parte da própria cidade. Uma intervenção pode modificar os fluxos de pensamento e imaginário de determinado lugar. Quando nos perguntam sobre as intervenções que consideramos de destaque nos sentimos desautorizadas a arriscar qualquer resposta. Tivemos alguns importantes grupos que nasceram dentro da Universidade de São Paulo que expandiram para o debate com a cidade na década de 70 e 80: 3 nós 3, Manga Rosa e Viajei sem Passaporte são exemplos. Gerar um debate dentro do campus é sempre importante, quando pertinente. Infelizmente a própria universidade não tem uma forma de documentação de sua memória e o que a ela se agrega. Assim, fica difícil apontarmos referências se elas não existem enquanto documento. 4) E fora da universidade? A intervenção perde seu sentido? Vc acredita que as pessoas que não vivem o ambiente universitário podem entender essas manifestações artísticas? Resposta: Se estamos falando de intervenção urbana não podemos cair num pensamento no qual


236 construímos muros. Ou será que privatizar já é natural até no universo imaginário? A

Universidade de São Paulo faz parte da cidade, sendo um espaço público, assim se acreditamos na potência de manifestações no campus com certeza esta imagem se expande por toda a cidade, em diversas escalas e suportes. 5) Enquanto a arte é, comumente, um trabalho individual, a intervenção trabalha mais com o lado coletivo. O que vc pode me dizer sobre essa afirmação? A coletividade é um requisito da intervenção? Resposta: Uma intervenção urbana pode se dar pela ação de um coletivo ou por um indivíduo. Atualmente, existem diversos grupos, coletivos e núcleos de artistas que atuam diretamente no contexto urbano. É o caso por exemplo do grupo Urubus organizado por Carolina Pinzan, artista formada pela faculdade de Artes Cênicas da ECA/USP ou o grupo Hóspede, composto por artistas da faculdade de Artes Plásticas da ECA/USP. Existem também aqueles artistas que realizam intervenções mais “silenciosas” e de menor escala, envolvendo uma ou duas pessoas. [Na história da Arte podemos citar alguns exemplos]. Sophie Calle, [artista francesa] que esteve com um de seus trabalhos na última Bienal de São Paulo, desenvolve diversos trabalhos nas ruas que geralmente são apresentados ao público através de documentos, como fotos e textos. Outro exemplo bastante significativo para a [história da arte brasileira] são [experiências realizadas pelo] artista Flávio de Carvalho em seus trabalhos denominados Experiência n. 2 (1933) e New Look ou Traje para Homem Tropical (1956). Eventos que ocorreram em São Paulo como Mitos Vadios(1978) e Evento Fim de Década reuniram

diversos artistas que apresentaram seus trabalhos no espaço da rua.

237

Assim, existem diversas estratégias e a arte deixou de ser faz tempo um lugar de manifestações apenas individuais, pelo contrario, cada vez mais é revelada toda a rede que possibilita o acontecimento de uma obra e cada vez mais também artistas se reúnem para viabilizar e elaborar projetos de forma coletiva. O próprio NAP, pode-se dizer, é uma evidência desta necessidade de processos colaborativos.

6) O NAP tem atuado no cenário de conflito no campus? Esteve presente no embate com a PM, nas manifestações contra a Univesp ou demais situações relacionadas à greve, realizando alguma intervenção? Dentro do contexto de movimento estudantil, o NAP adota alguma posição? Resposta: O NAP não é um coletivo que elabora proposições ou intervenções artísticas no sentido de criar uma obra ou uma intervenção poética em determinada situação e sim um grupo de estudos e trocas que visa dar conta de uma necessidade de se conhecer e desvendar uma linguagem específica hoje em dia dentro e fora do campus. Podemos dizer que, de certa forma, o NAP se encontra mais ligado `a educação a um processo não pontual, circunstancial, mas sim de continuidade e construção de reflexões e práticas. Por ser um espaço colaborativo, então, há aqueles, que, como alunos da USP integraram, à sua maneira, a greve, de forma criativa ou não, e estas ações, quando pertinentes, foram compartilhadas através grupo virtual e geraram discussões. Nosso posicionamento dentro


238 da universidade é o da proposição e o do fomento da pesquisa e o compartilhamento

daquilo que acreditamos quanto educação no processo de criação.

7) Qual a importância da arte nesse contexto? Resposta: Wassily Kandinsky no livro Do Espiritual na Arte diz: “Toda a obra de arte é filha de seu tempo, e muito frequentemente, a mãe de nossos sentimentos”. Acreditamos que tenha a ver com isso, entre tantas outras leituras que, de uma forma ou de outra, afirmam a relevância da existência da arte na vida, na história da humanidade de uma maneira geral. O que nos afeta profundamente hoje em dia? E como podemos transformar: sentimentos, olhares, posicionamentos, vetores? Cada um buscou em sua formação (quem teve o privilégio de ter uma formação mínima) instrumentos, vocabulário, referências, etc, para agir e dialogar dentro de nossa comunidade global; agora cabe a cada indivíduo a escolha: armas ou rosas?

Projeto disciplinas Práticas Performativas

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Apresentação A proposta de criação desta nova Disciplina optativa preferencialmente para os bacharelados e licenciaturas dos Departamentos de Artes Plásticas e Artes Cênicas da ECA-USP – a ser ministrada em dois semestres, como PRÁTICAS PERFORMATIVAS I e PRÁTICAS PERFORMATIVAS II – visa contemplar uma demanda dos alunos por uma disciplina que contemple o grande espaço de hibridação entre essas duas áreas artísticas, questão que ganha maior visibilidade no plano nacional e internacional a partir dos anos 1960. Se tal hibridação torna-se visível a partir daquela data, por outro lado, é importante frisar que as duas áreas possuem questões muito próximas que antecedem aquele período. Questões que, sobretudo nas primeiras décadas do século passado, muitos estudiosos de ambas as áreas tentaram obscurecer ou simplesmente negar. Entendendo que a criação dessa nova Disciplina poderia ser o espaço ideal para a retomada dessas matrizes comuns entre as duas áreas, os professores e alunos responsáveis pela atual proposta buscaram, no plano da Disciplina que se segue, recuperar, durante as aulas iniciais, esses pontos em comum, no sentido de frisar que as práticas performativas envolvem historicamente as artes visuais e as artes cênicas. Na Disciplina PRÁTICAS PERFORMATIVAS serão analisadas as características interdisciplinares da performance, sua origem embrionária séculos atrás, ganhando maior visibilidade na obra dos artistas e dos movimentos artísticos do século XX. Em paralelo às discussões estéticas e teóricas concernentes ao problema geral da Disciplina, serão criados espaços laboratoriais para que os alunos possam aplicar os conhecimentos adquiridos nas discussões com os professores e demais colegas, assim como ampliar


240 essa própria discussão a partir de suas formulações poéticas individuais.

Objetivos Gerais Recuperar as relações entre as artes visuais e as artes cênicas como espaço de constituição das práticas performativas. Historiar esse período de constituição e posterior separação de ambas. Na seqüência, reconstituir os vários momentos de rearticulação dos contatos entre as duas áreas levados a cabo por artistas e teóricos brasileiros e internacionais. Objetivos Específicos Analisar e discutir o caráter híbrido da performance como uma linguagem que transita entre as artes visuais e as artes cênicas, em suas relações com a música, a literatura, o cinema e as práticas culturais coletivas. Estudar e analisar as relações entre as práticas performativas e a tecnologia. Estimular a criação e a produção de práticas performativas pelos alunos dos Departamentos de Artes Plásticas e Artes Cênicas. Programa: Aula 1 Performance ou body art, live art, happenings, performatividade, teatro performativo? Definição do Campo I. Conteúdo: nesta primeira aula e na seguinte o professor deverá colocar aos alunos a complexidade conceitual que hoje envolve o termo “performance” no campo da arte contemporânea, investigando suas derivações, bifurcações e novos signficados. Laboratório: neste primeiro e no segundo laboratório, as questões levantadas

na primeira parte da aula serão objeto de experimentações práticas por parte dos alunos 241 (sempre com o acompanhamento do professor) no sentido de vivenciarem explicitamente as conceituações antes discutidas. Aula 2 A performance da cultura: os estudos culturais e a antropologia teatral. Definição do Campo II. Conteúdo: Richard Schechner Laboratório. Aula 3 O eu como o outro: a questão do auto-retrato. Conteúdo: tanto o ator como o artista plástico possuem no próprio corpo e na ação dele sobre o mundo (por meio de instrumentos ou não) a base de seu fazer. Nesta aula seria discutida a questão do auto-retrato pictórico teatral, quando o eu do artista passa a ser visto como um objeto de investigação para si mesmo. É um momento-chave do curso na medida em que a questão do corpo do artista é explorado como fonte de conhecimento pelo próprio performer. Serão discutidos os resultados pictóricos e cênicos a partir de vários exemplos retirados da História da Arte. Laboratório: Os alunos deverão experimentar situações de auto-retratação não para necessariamente produzirem auto-retratos mas para entenderem os mecanismos físicos e psíquicos presentes no ato de auto-representar-se. Aula 4 Do corpo passivo ao corpo ativo: o modelo


Conteúdo: Nesta aula será analisada a relação entre o modelo e o artista plástico, tentando estabelecer relações entre o ator e o diretor, no âmbito do teatro. Serão discutidas as relações de subordinação e liberdade entre as partes e os momentos em que o modelo perde sua passividade e se integra como entidade autônoma do fazer artístico. Laboratório: os alunos serão levados a exercícios em que as questões levantadas na aula anterior poderão ser vivenciadas pelos mesmos.

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Aula 7

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A pintura como teatro do mundo Conteúdo: aprofundando as questões levantadas na aula anterior aqui serão discutidas as questões da pintura quando esta era entendida como “teatro do mundo”, espaço de ordenação do cosmos, com claras conotações com a problemática da “encenação”. Laboratório: Aprofundamento das questões levantadas no laboratório anterior e na aula anterior.

Aula 5 Performance, política e corpo Conteúdo: Peggy Phelan, Joseph Beuys, Chris Burden, Carolee Schneemann, Marina Abramovich, Guillermo Gómez-Peña Aula 6 A pintura como espaço cênico Conteúdo: a história da pintura, durante muitos anos, esteve diretamente conectada com a do teatro, não apenas pelo motivo de, muitas vezes, temas de tragédias e comédias, terem sido alvo dos pintores, mas a própria “encenação” do espaço pictórico esteve conectado com essa outra forma de manifestação. Aqui serão analisadas obras históricas em que essa relação torna-se patente. Laboratório: Os alunos serão levados a ampliarem seus respectivos repertórios visuais por meio de imagens de obras em que a questão do espaço cênico nas pinturas e em outras linguagens plásticas (a escultura, por exemplo). A partir desse contato poderão surgir exercícios específicos sobre a questão.

Aula 8 O teatro como pintura do mundo: Conteúdo: buscando de novo as inter-relações entre artes visuais e artes cênicas, serão aqui levantadas experiências do teatro em que a pintura foi o paradigma para as encenações; Laboratório: Desenvolvimento prático das questões levantadas em sala de aula Aula 9 A arte da performance Conteúdo: RoseLee Goldberg Aula 10 A cenografia na pintura; a pintura na cenografia Conteúdo: tributária do teatro, em vários períodos, a pintura teatralizou-se, o mesmo ocorrendo com a cena teatral. Esta aula dará conta desse trânsito entre as duas áreas, atentando não apenas para as cenografias propriamente ditas, mas igualmente os acessórios de cena, com suas respectivas conotações simbólicas.


Laboratório: Desenvolvimento prático das questões levantadas acima a partir de exercícios específicos.

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Aula 11 A cenografia na foto Conteúdo: Nesta aula a questão da “performance fotográfica” será introduzida pela discussão do espaço cênico da fotografia tradicional, retomando questões relativas ás conexões entre pintura e teatro, agora tornadas ainda mais complexas devido à chegada do aparato fotográfico. Em que a nova tecnologia reafirma os parâmetros estéticos plásticos e cênicos do passado, em que a nova tecnologia os transforma. Laboratório: Desenvolvimento prático das questões levantadas acima a partir de exercícios específicos. Aula 12 A fotografia encenada Conteúdo: aqui serão discutidos os vários usos que artistas plásticos fizeram e vêm fazendo do aparato fotográfico, desmistificando verdades modernistas sobre a fotografia, desconstruindo esses mitos. Neste campo o conceito da “fotografia encenada”, da “fotografia performance”, será trabalhado, demonstrando suas origens ainda no século XIX (no exterior e no Brasil) e suas transformações durante o século XX e início deste. Laboratório: Os alunos desenvolverão propostas e discussões sobre a questão da “fotoperformance”, levantando questões sobre performance e tecnologia que serão depois aprofundadas em outros segmentos da disciplina.

Aula 13 245 O registro da obra / O registro como obra Conteúdo: Acredita-se que, no início, as várias tecnologias da imagem foram usadas como registro. No entanto, sabe-se hoje em dia, que desde o início da fotografia (e mesmo antes dela) vários artistas usaram o próprio meio de registro para a produção de obras de caráter performático. Esta aula e a seguinte desenvolverão essas questões, abrindo espaço para a introdução do debate sobre outras tecnologias e a performance. Laboratório: Os alunos deverão desenvolver exercícios em que a questão “registro da obra, registro como obra” seja a tônica. Aula 14 O registro da obra / O registro como obra Laboratório Aula 15 A performance no cubo branco e na caixa preta I Conteúdo: as metáforas do “cubo branco” (o espaço protegido da arte moderna: galerias; salas de museu, etc.) e da “caixa preta” (o espaço cênico protegido) nem sempre existiram. Eles foram criados historicamente e contribuíram para a desconexão da arte com a vida e para a busca da autonomia modernista da arte. Em que medida as experiências da performance foram afetadas por esses dispositivos? Esta aula e a próxima introduzirão tais problemas. Laboratório: Serão propostos exercícios em que os conceitos de “cubo branco” e “caixa preta” sofrerão problematizações no sentido de despertar nos alunos uma consciência crítica sobre esses dispositivos estético-ideológicos dentro da História da Arte, desnaturalizando-os.


246 Aula 16

A quebra do cubo branco e da caixa preta: a performance na rua I Conteúdos: vários artistas, a partir, sobretudo da experiência dada e surrealista, resistiram à excessiva tentativa de confinamento da arte em espaços “purificados”, buscando um maior entrosamento entre as práticas artísticas e o público, entre elas e a vida. Esta aula e a seguinte buscarão historiar essas propostas dentro de uma perspectiva crítica. Enfoques: O trabalho pioneiro de Flávio de Carvalho no campo da performance e da intervenção em contextos específicos: Experiencia n.2 (1933) e o New Look (1956). Suas relações com o surrealismo e as proximidades de suas propostas com o Situacionismo. A anti-arte de Hélio Oiticica - O Parangolé como experiência ambiental, a manifestação através da dança e a busca pela arte total. Experiências coletivas e colaborativas nos trabalhos de Ligia Pape. Apocalipopótese. Laboratório: Os exercícios propostos nesta e na aula seguinte buscarão propor experiências de performances em espaços públicos, com o objetivo de permitir aos alunos a experiência da performance fora de espaços institucionalizados. Aula 17 Environmental theatre e site-specific performance Laboratório Aula 18 Teatros Performativos Conteúdo: Robert Wilson, Romeo Castelucci/Societas, Raffaello Sanzio, Jan Lauwers/Needcompany.

Aula 19 247 Práticas performativas no espaço urbano: estudos brasileiros Conteúdo: Mitos Vadios. O Graffiti como prática performativa: corpo e gestos na pintura com spray. Os grupos de intervenção urbana. O Movimento da Poesia Pornô, no Rio de Janeiro. Evento de Fim de Década em São Paulo. Laboratório: Concepção e produção de trabalhos em aula com o objetivo de permitir aos alunos a experiência da performance fora de espaços institucionalizados. Aula 20 Práticas performativas urbanas recentes Conteúdo: Os Encontros Relâmpagos [Flash mobs] na era da internet. Os Coletivos na passagem do século XXI no Brasil. O “artivismo”. Mídias móveis e os novos aparatos de mediação. Laboratório Aula 21 Práticas performativas e tecnologia / performance e mídia Conteúdo: A performance high tech nos ambientes de arte mídia. Telecomunicação e arte: o corpo e a palavra nas conexões via satélite. Corpo-aparato: corpo e tecnologia, performance em telepresença. Obra-viva: performance da vida (a arte genética de Eduardo Kac). Corpo e cidades mediatizados. Laboratório. Aula 22 Performance e mídia Laboratório


248 Aula 23

Performance como resistência Conteúdo: Trabalhos performáticos no Brasil durante os anos da ditadura: Artur Barrio, Antonio Manuel, Cildo Meireles, Helio Oiticica, Ligia Pape, Paulo Brusky, Leticia Parente, Ana Bella Geiger. As manifestações de rua, os teatros fora do palco, os grafitti, as intervenções urbanas. No mundo: o advento do feminismo, o Living Theater, o Ativismo Vienense, os festivais de música hippie, o movimento negro, o movimento gay. (outras 7 aulas completarão o módulo II da disciplina) Temas e Linhas de Pesquisas futuras: A criação desta nova disciplina, invariavelmente irá abrir um campo de possibilidades de pesquisas que poderão ser desenvolvidas pelos grupos de estudos de cada departamento. Num primeiro levantamento, alguns temas se apresentam com forte potencial: Pesquisa 1 Mapeamento das Práticas Performativas que nasceram e se desenvolveram no ambiente da Escola de Comunicações e Artes, desde a sua fundação. Este levantamento de obras, artistas e eventos, irá enfocar os trabalhos realizados por professores, exprofessores, alunos e ex-alunos da nossa Escola, evidenciando o envolvimento de praticamente três gerações de artistas, dos quais muitos, foram atuantes no Depto. de Artes Plásticas. Pesquisa 2 Criação de um Banco de Depoimentos de artistas brasileiros com trabalhos no

campo das práticas performativas. Esses depoimentos serão mais enfocados no registro 249 de obras até agora pouco conhecidas e pouco documentadas. Este Banco de Depoimentos será uma das fonte de referências para futuros trabalhos de pesquisa dos nossos alunos e dos grupos de estudos ligados à disciplina. No campo destas futuras pesquisas sobre a arte-performance no Brasil, figuram artistas como Nelson Leirner, Paulo Bruscky, José Roberto Aguilar, Gabriel Borba, Guto Lacaz, Ivald Granato, Arthur Barrio, Antonio Dias, Galizia, Paulo Yutaka; ao lado de grupos como o Viajou Sem Passaporte, 3NÓS3, Gextu, D’magrela e, ainda, eventos como as “14 Noites de Performance”, “Mitos Vadios”, “Fim de Década” e o “Festival Internacional de Teatro” do Ruth Escobar. Pesquisa 3 Banco de publicações sobre as práticas performativas no Brasil. É crescente o número de publicações sobre este tema em português e, por isso mesmo, um dos trabalhos do grupo de estudos será o de compilar e sistematizar os títulos de trabalhos já publicados. Este será mais um material de referência da disciplina à disposição dos alunos da graduação e da pós-graduação. Pesquisa 4 Performance sonora e artes visuais. A prática performática e visual da música. Grupos, bandas e coletivos sonoros formados por artistas visuais na cidade de São Paulo. Improvisações sonoras e a performance de objetos. Intervenções sonoras no espaço urbano e instalações sonoras em ambientes expositivos. O espectador performer (como no espaço criado pela Dora Longo Bahia no Tomie Ohtake).


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Imagem em http://sistemas2.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=&nomdis=praticas+performativas do sistema informatizado da USP para oferecimento disciplinas à graduação.


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