- CADÊ O VARTE? - OQUÊ? VÁRTE? - O VARTE NUM MORA AQUI? - AQUI NÃO TEM NENHUM VARTE. - ENTÃO ONDE ELE MORA? - NESTA RUA NÃO TEM NENHUM VARTE. - MAS ME DISSERO QUE ELE MORAVA POR AQUI. - MAS QUEM É VARTE? - ACHU QUE ELE MORA MAIS IMBAIXU.
E assim a conversa se encerrou. Era uma abordagem trivial. Um sujeito bate na porta e ao ser atendido vem direto com as perguntas, sem ao mínimo oferecer mais detalhes. Pergunta direta, de forma brusca, sem pedir licença, sem “Bom dia” ou algo assim. Tosco, vulgar, de certa forma simples, sem gentilezas, tosco, sem permitir inclusive busca de mais informações. Diante dos ‘ataques’ verbais cheguei a pensar no VAR, o sistema de verificação de lances no futebol, nada mais além disto. A imagem do tratamento de mando, isto é sem tato, prevaleceu e me deixou travado diante daquele homem alto, vestido de forma simples, com um chaveiro de carro na mão direita. Ao sair fiquei monitorando e ele caminhando para outras casas abaixo e numa delas voltou a ser atendido. Depois foi adiante até o final da rua e o perdi de vista. Aquela cena gerou um impacto. Refletiu-me a falta de tato na abordagem, não que isto significasse falta de educação, mas sim de cuidados nas relações interpessoais. Era como estivesse tratando a mim como velho conhecido ou como um parente. Sem ser violento foi brusco, sem tato foi pobre nas colocações.
A partir dali passei a pensar em como as pessoas me parecem ser em geral assim: sem muito tato para com o outro, mesmo que seja com padrão verbal mais elevado que o do meu interlocutor. Veio a tona a grosseria de uma dentista diante de uma abordagem sobre o uso de máscaras. Outra cena pública foi de um deputado rosnando seus argumentos frouxos contra o STF. Cenas de discussões e agressões em uma lanchonete também foi destaque nos últimos dias. Isto somente para retratar o nosso cotidiano entre a mesmice, a grosseria e atos violentos, sem deixar de citar as famosas ‘carteiradas’: “Sou dentista”. Mas o Varte não tinha nada a ver com o VAR, que talvez seja acionado nesta noite durante o jogo do Flamengo com o São Paulo. Aquela abordagem bruta entorpeceu a minha mente no momento não me permitindo pensar em alternativas. As respostas automáticas eram “Não!”. Em outro extremo de local e horário me deparei com algumas vendedoras de uma loja em uma cidade vizinha. Ao entrar não fui acolhido com cumprimentos e nem mesmo disponibilidade de ajuda. Eram cinco moças e todas envolvidas com arranjos de tapetes e similares. O cenário não era nada cativante, mais parecendo que elas eram insensíveis para o cuidar das pessoas recusando toques de atenção calorosa. As funcionárias optavam por cuidar dos tapetes e toalhas, sem notarem que o calor humano provoca entusiasmo e incentivos. Somente um sorriso foi registrado e este estava pendurado em uma prateleira, era uma toalha ou algo assim com um rosto simpático. Entrei de um jeito e saí diferente, pior e algo incomodado com aquele perfil de atendimento comercial. Passei a observar os rostos de algumas pessoas, pedestres e condutores, novamente conferia expressões frias, rígidas, contraídas e nada que revelasse bom humor. Então entrei em um clima de mais reflexões sobre este estado comportamental que parece tecer a convivência humano.
Em outro laboratório, este já controlado pelo poder público, novas constatações vieram a tona. Era um cidadão fazendo um depoimento sobre a crise atual da pandemia na Câmara Municipal. Podemos imaginar o esforço, a dedicação e empenho do mesmo ao declinar para um segundo plano para as suas necessidades e priorizar, através de suas falas, a saúde coletiva. Nobre postura! Tal encontro merece análise mais profunda, mas chamou a atenção alguns vereadores deixando o cenário da fala do cidadão e indo para os fundos do legislativo. Era como a clara dica de que “oque você vai falar não me interessa”, ou “mais um querendo se promover”, ou outras colocações similares. Enquanto o cidadão defendia suas teses observei dois vereadores conversando em uma sala ao lado, me trazendo para reflexão que mais uma vez aquela participação popular não era devidamente respeitada ou tratada com tato. Cena lamentável de desconsideração para com o outro. Nada estranho tal comportamento, pois já senti na pele a mesmice do tosco desprezo naquela casa legislativa, parecendo que aquilo que estava trazendo para os vereadores era algo inútil ou descartável. Depois de alguns meses veio a prova: o documento com 1.700 assinaturas contra a Taxa do Lixo foi jogado no lixo. Aqui podemos entender que estamos envolvidos em uma rede antissocial, presencial e/ou virtual, pois o egocêntrico é priorizado em detrimento do compartilhamento. O imediatismo individualista neutraliza o coletivo cooperativista. O sujeito que queria encontrar o VARTE não deu nem tempo de tentar entender algo mais do VARTE. Ele queria satisfazer a sua necessidade e pronto! Nota: bem depois de passadas algumas horas é que tive um “insight” acabando por concluir que o VARTE, sendo procurado era
na realidade o Sr. Valter, um pintor que mora em outra rua paralela a minha. Mas até chegar a esta mirabolante descoberta o VARTE creio que foi encontrado mesmo diante da truculência das perguntas. Amparo 25 fev 2021 ito, psicólogo CRP 06-1631-3
Criação Ibadah Mimpi https://www.pexels.com/pt-br/foto/arte-artistico-cultural-caprichado-4633837/