Sempre que alguém escreve corre-se o risco de julgamentos indevidos. Sempre que alguém escreve se revela como arrogante aos olhos dos menos ousados. Sempre que alguém escreve gera mudanças, inicialmente internas em si mesmo e logo após em alguns de seus leitores. Nem todos escrevem, nem todos leem, mas muitos são competentes em pré-julgamentos, em rotulações e também na estagnação ou conformismo doentio.
Estas palavras norteiam uma descrição sobre a ‘morte’ de um artesanato original, criativo, inédito e de alta possibilidade de geração de renda em nossa história. O artesanato de cipó, como era conhecido, tratava de uma técnica de revestimento com pedacinhos de cipós naturais, revelando montagens com ilimitada criatividade por parte dos artesãos. Peças como porta-copos, suportes de mesas, mesas de centro, vasos, molduras de quadros, suportes de apoio para móveis eram, entre outros, objetos de alta valorização a ponto de tornar-se fonte de renda para quase uma centena de artesãos e famílias. Meu pai, Antenor de Oliveira era um destes criativos inventores das superfícies revestidas com cipós. Como exímio artesão foi além da simples reprodução artesanal, pois fazia pesquisas sobre as melhores composições de massas para preenchimento e revestimento final. Foi assim que acabou inventando uma técnica que atingida o desempenho de 100% na impermeabilização das superfícies revestidas, além de garantir um visual de forte impacto no final do produto acabado. Mas sua irreverência não parou por aí. Enquanto eu tinha como atividade o gerenciamento de uma instituição especial em São Paulo, como ‘filhote’ de artesão trocava ideias com ele sobre as atividades junto aos ‘aprendizes’ da entidade, todos portadores de necessidades especiais. Foi num destes bate-papos de final de semana que surgiu a proposta de levar para a ADERE: Associação para
o Desenvolvimento, Educação e Recuperação do Excepcional, e implantar a técnica de revestimento com cipó em sua oficina no Brooklin, na capital paulista. Tudo foi sendo feito de forma gradual, contando com o total apoio de Sr. Antenor que além de ceder quantidade de cipós já prontos para o corte e colagens, também fazia a doação de massa composta para uso imediato. Aos poucos esta iniciativa foi tomando corpo com o apoio também da coordenação da entidade, até que um dos diretores sugeriu o registro de direitos industriais para preservar a entidade quanto a produção e exploração dos itens produzidos. Nenhum impedimento foi apresentado pelo meu pai neste sentido, porém para facilitar todo o processo de registro o mesmo foi feito em meu nome, já que estaria a disposição para os trâmites legais. Assim foi feito e concluído. Enquanto a produção da ADERE ia crescendo, o trabalho dos artesãos amparenses ia sofrendo uma desvalorização, principalmente por parte do poder público com um gerenciamento inadequado do Centro de Permanente do Artesanato de Amparo, o principal ponto de referência para visitantes e turistas. Com o passar dos anos o Centro Permanente do Artesanato virou sucata, o mesmo ocorrendo com o Espaço da Criança que ficava logo em frente e sendo também ponto de atração popular. O artesanato de cipó ‘morreu’ como fonte de renda, como objeto de divulgação da cidade e até também como
oportunidade de inclusão psicossocial de certos segmentos de cidadãos. O desprezo está público e escrito na história amparense. O desprezo vai além do Centro Permanente do Artesanato. Ele se instala no Museu Histórico Bernardino de Campos, para o qual meu pai, Sr. Antenor de Oliveira doou peças especiais, que hoje nem sabemos onde se encontram. Há alguns anos fiz solicitações no sentido de esclarecer as referidas doações, cobrando diretamente de um ex-assessor do próprio museu, o Professor Nelson Machado e incluindo também um vereador e a resposta foi, até o momento, silêncios de desprezo. Já a ADERE continua sua produção de peças originais, criativas, de alto impacto visual com vendas abertas ao público e principalmente com todos os Direitos de Propriedade Industrial, que depois de alguns anos cedi sem custo algum e com o pleno registro público em favor da instituição. ALGUNS DOS PRODUTOS DA ADERE
O Centro Permanente do Artesanato não Ê mais permanente e nem mesmo do artesanato, mas sim um espaço usado para a coleta de material descartado.
Os presentes nesta foto deveriam ter vergonha ao atestarem presencialmente a morte do artesanato com cipĂł.
O resíduo memorial do Artesanato de Cipó ficou para a história, somente na memória de alguns idealistas. Neste ato diversos gestores se mostraram incompetentes para com a valorização e o incentivo de uma arte que poderia ser um elo forte para o turismo, fonte de receita para muitas famílias, oportunidades ocupacionais para uma clientela especial e uma marca criativa para a imagem da cidade.
Sr. Antenor na Feira Industrial de Amparo
Sr. Antenor na Fábrica de Gaiolinhas Amparo, 06/Jan/2021 Tito, psicólogo email fhoo@uol.com.br